Post on 20-Jun-2015
UFF - Universidade Federal FluminenseICHF - Instituto de Ciências Humanas e Filosofia
GHT - Departamento de História
Disciplina - Teoria, Metodologia e Historiografia
Professor - Luciano Figueiredo
Obra a ser analisada - “Memória social dos Esportes: São Januário – Arquitetura e História”, o seu primeiro capítulo: “A itinerância geográfico-urbana das sedes do Club de Regatas Vasco da Gama; sua saga da fundação
a sede própria” de Clara e Hamilton Malhano.
Aluno - Thiago Vinícius Mantuano da Fonseca
Niterói
2010/1
SUMÁRIO
1. Apresentação e justificação para a escolha da obra
2. Resumo:
2.1. A fundação, as mudanças e o desejo de sede própria
2.2. A perda das sedes, as vitórias no remo e as dificuldades financeiras
2.3. A inquietação que causa o futebol: o sonho dos mais jovens
2.4. A terceira e a segunda divisões; as séries B e A da primeira divisão e os primeiros títulos do futebol
2.5. O preconceito contra os vascaínos, a criação da AMEA e os dois campeonatos de 1924
2.6. A entrada na AMEA e a luta pela sede/estádio próprio
2.7. A grande inauguração, um Clube catalisador e uma paixão: o esporte
3. Matriz Teórica: Documento/Monumento
4. Análise crítica comparativa
5. Notas e bibliografia
Apresentação e justificação para a escolha da obra
A obra que nesse trabalho será resumida e analisada, é o primeiro capítulo do
livro: “Memória social dos Esportes: São Januário – Arquitetura e História” de Clara e
Hamilton Malhano, o primeiro capítulo chama-se: “A itinerância geográfico-urbana das
sedes do Club de Regatas Vasco da Gama; sua saga da fundação a sede própria”. Nele
os autores descrevem como se passaram as três primeiras décadas de vida do Club de
Regatas Vasco da Gama, até o seu estabelecimento na sede de São Januário, e como
através dessa pesquisa pode se compreender melhor o começo do século XX, da
sociedade carioca, que passa por profundas mudanças, e as idéias de modernidade que
permearam o começo desse século, no Brasil.
No trabalho está contida a matriz teórica da obra e uma crítica embasada nas
pesquisas de outro historiador que estuda o mesmo tema: o Club de Regatas Vasco da
Gama. Na crítica também há a constatação de algumas incongruências e a falta de
algumas informações que complementariam e amarrariam melhor a obra.
A obra e o tema por ela abordado foram escolhidos para o referido trabalho, pois
além de ser sócio do Clube ao qual essa obra se dedica a estudar parte de sua história,
tenho grande curiosidade e vontade de aprofundar meus estudos na área da História dos
Esportes, principalmente do futebol. A admiração e o fascínio que tenho pelo Estádio de
São Januário também corroboraram para tal escolha.
A fundação, as mudanças e o desejo de sede própria
O Club de Regatas Vasco da Gama nasceu, não por coincidência, em uma
sociedade brasileira permeada pelas idéias de modernidade (no fim do século XIX), que
despertaram especial interesse pela desportividade, mais especificamente pelos esportes
náuticos. O que pese o remo (esporte náutico de maior popularidade a época),
oficialmente, já ser praticado desde 1846, apenas no fim do século o esporte já era digno
de nota nos jornais de maior circulação. Segundo os Malhano, o “Jornal do Comércio”
já noticiava as regatas em 1896. Nesse fim de século surgiram várias fundações de
clubes náuticos, culminando na criação da Federação de Remo, que regularia a prática
do esporte no Rio de Janeiro, em 1897. O Club de Regatas Vasco da Gama (que viria a
ser o maior vencedor da modalidade no primeiro quarto do século) foi fundado no dia
21 de agosto de 1898, no bairro da Saúde (existem informações conflitantes com relação
a sua primeira sede: algumas dão conta que se situava na Rua da Saúde, atual Sacadura
Cabral, outras contam que se situava na Rua Teófilo Otoni), os seus fundadores foram
jovens membros da colônia portuguesa que desejavam participar das regatas e
representar a colônia que faziam parte nas competições náuticas.
O seu primeiro presidente: Francisco Gonçalves do Couto Júnior, um rico
comerciante do bairro da saúde, foi convidado para financiar a grande empreitada. Após
dois meses a frente do clube conseguiu 250 sócios, porém os desentendimentos com a
ala mais jovem e agitada do clube logo aconteceram. Quando, por consenso da maioria,
decidiu-se mudar a sede social do clube para o Largo do Capim (atualmente é parte da
Av. Presidente Vargas) no mesmo sobrado que era sede do Clube Dansante e Recreativo
Estudantina Arcas Comercial, deu-se a cisão interna. Segundo os autores, Couto Jr era
contra a aliança proposta. Para ele, os dois clubes tinham características e finalidades
por demais diferentes para estarem no mesmo prédio, com a mudança confirmada
decidiu se retirar do clube e fundou o Clube de Regatas Guanabara.
A primeira garagem de barcos do clube foi na Travessa do Maia (que ligava a
Rua do Passeio a Rua Santa Luzia), próxima a orla marítima para facilitar a logística
dos treinamentos e o deslocamento para as competições (uma das partidas das regatas
era na Praia de Santa Luzia). Nesta sede os sócios já guardavam os seus barcos numa
garagem comunitária, mantida pelos próprios sócios. Ao mesmo tempo que em 1899 o
clube conseguia sua primeira garagem, também fazia uma nova mudança de sua sede
social, que seria no Largo da Imperatriz, em um grande sobrado na Rua da Saúde, na
outra ponta da orla marítima. Nesta sede funcionavam a tesouraria, a secretaria, os
serviços administrativos e as atividades sociais. Os autores acreditam que algum vice-
presidente da gestão de Couto Jr tenha continuado no clube, como presidente em 1899,
influenciando os demais sócios na decisão de mudança para o Largo da Imperatriz.
Leandro Martins assume o clube em 1900, com o desejo dos sócios de
estabelecer o clube em uma sede social própria na Ilha das Moças (ficava na orla
marítima do bairro da Saúde), a única forma de chegar até lá era de barcos, nada que
impedisse os sócios vascaínos, que já promoviam piqueniques na ilha, com grandes
convocações feitas pelo próprio Clube. No decorrer dessa pretensão dos associados,
volta à presidência do Clube, Francisco Gonçalves do Couto Júnior em 1901, o que faz
os autores supor que a querela da instalação da sede social no Largo do Capim foi a
razão do seu afastamento. Couto Jr volta e em seus dois mandatos consecutivos
experimenta o esplendor do remo e as dificuldades impostas pelas reformas urbanas que
pretendia implantar o novo prefeito da capital. Em paralelo cresce o football, esporte
inglês, entre as elites.
Francisco Gonçalves do Couto Júnior, primeiro presidente da história da Club de Regatas Vasco da Gama.
Leandro Martins, presidente eleito em 1900.
A perda das sedes, as vitórias no remo e as dificuldades financeiras
O presidente Rodrigues Alves nomeia em 1902 o novo prefeito do Distrito
Federal: Pereira Passos, com a missão de mudar as feições da capital federal. Há de se
ressaltar a importância do prefeito para o crescimento dos esportes náuticos,
principalmente o remo, dando condições e estimulando o aumento das assistências nas
competições, o maior exemplo disso é a construção do “Varandim de Regatas”, na praia
de Botafogo, um pavilhão de regatas para abrigar os apreciadores do esporte. Porém
para o Club de Regatas Vasco da Gama o projeto das reformas inviabilizaram todas as
suas possibilidades de sede: o Largo da Imperatriz deu lugar ao começo da Avenida
Central; a Ilha das Moças daria lugar as expansões do Cais do porto e a Travessa do
Maia seria suprimida pela Avenida Beira-Mar.
Em 1903 o clube elege Alberto de Carvalho e, mesmo sabendo que estava
condenada a desaparecer, estabelece a sua sede social na Travessa do Maia, no mesmo
lugar aonde já tinha sua garagem. A autora constata que:
“Logo os clubes receberiam uma
notificação municipal de desapropriação.
O engenheiro Prefeito Pereira Passos, em
1903, faria desaparecer a Travessa Maia e
todas as outras que abrigavam várias
construções náuticas...” (MALHANO:
2002, pp. 57-58).
Em 1904 as eleições do clube e o seu vencedor são dignos de nota: Candido José
de Araújo, o primeiro negro a ser eleito presidente de um clube carioca, numa sociedade
cheia de preconceitos e ranços com a cor da pele e a posição social dos indivíduos, o
Club de Regatas Vasco da Gama rompe com esse paradigma sem grande repercussão,
mas deixa uma marca indelével para as gerações posteriores. Na sua gestão o clube foi
agraciado pelo Presidente da República, em compensação da sede perdida na Travessa
do Maia, com a concessão de um terreno na orla do Boqueirão e Santa Luzia. Segundo
os autores, a confirmação da tal concessão foi feita pelo próprio Pereira Passos, em
visita a sede vascaína na Rua Santa Luzia, em uma loja alugada. O clube elegeria mais
uma vez Candido José de Araujo, em 1905.
Em 1906 volta à direção do clube seu primeiro presidente: Francisco Gonçalves
do Couto Júnior com Alberto de Carvalho, também ex-presidente, participando da
administração, nesse ano o clube conquista a Grande Regata Prova Clássica Jardim
Botânico. Enquanto isso, o football se desenvolvia na sociedade carioca como esporte
de elite, a criação da Liga Metropolitana de football data de 1905, quando “A imprensa
do Rio de Janeiro só passaria a veicular notícias formais sobre a implantação do
esporte bretão, entre os clubes cariocas, a partir de 1905.” (MALHANO: 2002, p. 63),
nota os autores.
Os anos que correram a partir de 1907, com os presidentes Guilherme Isense e
Mário Magalhães, foram de dificuldades financeiras, as gestões de 1908 e 1909 não
legaram a posteridade suas figuras diretivas, apenas em 1910 os autores detectaram a
eleição vencida por Mário Magalhães, que fora eleito para tentar recuperar as perdas
patrimoniais.
“Varandim de Regatas”, construído na praia de Botafogo, para abrigar a assistência de admiradores do remo.
Sede do Club de Regatas Vasco da Gama, na Travessa do Maia, em 1903.
A inquietação que causa o futebol: o sonho dos mais jovens
Marcílio Teles, presidente eleito em 1911, encaminhou um documento para o
Ministério de Viação e Obras públicas devolvendo o terreno cedido pelo governo
federal, sem maiores explicações, permanecendo o clube sem sede própria, nem
perspectiva para tal. Na época o clube estava alojado na Rua Senador Regente Feijó e
em uma das dependências dessa sede, se reuniam um grupo de rapazes vascaínos que
dariam começo a história vitoriosa do Club de Regatas Vasco da Gama dentro de
campo, assim narraram os autores:
“Aos 12 dias do mês de fevereiro, um grupo
de rapazes admiradores do futebol se reunia em uma
dependência da sede do Clube, situada no número
62 da Rua Senador Regente Feijó, com o objetivo de
organizar um time de futebol, para criar um
Departamento de Futebol e, com isso, tentar
oficializar uma transformação interna, passando a
ser o Vasco da Gama um Clube de futebol e
regatas.” (MALHANO: 2002, P. 75).
Em 1912 o Clube elege Aníbal Artur Peixoto para presidente, sem maiores
novidades internas, porém com o desejo de ter uma equipe de futebol florescendo no
seio da comunidade vascaína, principalmente entre os jovens. O campeonato carioca
estava na sua oitava edição e agora era dirigido pela Liga Metropolitana de Sports
Athléticos. Em 1913, além da eleição de Antonio Duarte, um novo acontecimento surge
para corroborar mais ainda com o desejo dos vascaínos de se ter um time de futebol: um
combinado português de times de futebol desembarca no Brasil para fazer uma exibição
(o time era composto por jogadores do Benfica, do Lisboa e do Clube de Tiro e Sport),
aquilo fora tão fascinante para a colônia portuguesa no Rio de Janeiro, especialmente
para os diretores do Club de Regatas Vasco da Gama, que faziam parte da colônia, a
ponto de criarem vários times de futebol. Vários grupos da colônia portuguesa fundaram
os seus clubes de futebol no afã da visita portuguesa, os que sobreviveram foram o
Centro Esportivo Português, o Lusitânia Sport Club e o Lusitano Football Club. Além
da eleição de Alfredo Rabelo Nunes, no ano de 1914 os autores chamam a atenção para
a criação da Confederação Brasileira de Desportos – CBD, organismo nacional fundado
para regulamentar e reger as práticas esportivas e organizar as competições.
Os anos que seguiram foram de absoluta inquietação da comunidade vascaína e
da colônia portuguesa para que se tivesse um time de futebol que a representasse. No
Clube, Marcílio Teles voltava ao poder para organizar as eleições que elegeriam Raul
Campos, em 1915, ano que seria de muito trabalho para os vascaínos, estava sendo
criado o departamento de futebol. Com a fusão dos três clubes da colônia,
remanescentes (o Centro Esportivo Português, o Lusitânia Sport Club e o Lusitano
Football Club), o Club de Regatas Vasco da Gama englobou os seus atletas e adeptos,
fundindo os três clubes no seu departamento de futebol. Os autores ressaltam o
pensamento dos dirigentes vascaínos à época: “Acreditavam que o lema ‘remos à proa
e medalhas ao peito’ deveria continuar levando adiante o sonho dos mais jovens...”
(MALHANO: 2002, p.80), agora no futebol.
Marcílio Teles, presidente eleito em 1911.
Aníbal Artur Peixoto, presidente eleito em 1912.
Raul Campos, presidente eleito em 1915.
A terceira e a segunda divisões; as séries B e A da primeira divisão e os primeiros títulos do futebol
Vitor Farias Gonçalves é eleito para presidência do Clube em 1916 e consegue a
filiação para a Liga Metropolitana Futebol, nesse ano o Clube participa da terceira
divisão do Campeonato de futebol do Rio de Janeiro. Francisco Marques da Silva é
eleito em 1917, o Clube ainda disputava a terceira divisão, mas naquele ano conseguira
o acesso a segunda divisão. Os autores não acharam referências ao presidente de 1918,
mas julgam ser alguém da influencia de Marques da Silva, pois ele retorna ao posto em
1919. Em 1920, Marcílio Teles retorna a presidência do Clube, quando uma importante
mudança acontece no futebol do Rio de Janeiro: a primeira divisão se divide em duas
categorias, séries A e B. O Club de Regatas Vasco da Gama conquista a segunda
divisão em 1920 e conquista o direito de disputar a série B da primeira divisão em 1921.
Em 1921 se elege Antonio de Almeida Pinho, que passa o cargo para Francisco
Marques dos Santos, a partir desse ano os desportistas da elite, os chamados amadores,
um pequeno grupo de jovens ricos (do Club de Regatas do Flamengo, do Botafogo
Football Club, do América Football Club e do Fluminense Football Club,
principalmente) viram-se ameaçados pela presença de esportistas mais humildes, que
precisavam trabalhar para sobreviver, em grandes partes, eram negros e mais
competitivos do que eles. A partir daí uma série de medidas foram tomadas por esses
clubes da elite no intuito de impedir que os não amadores praticassem o futebol, o Club
de Regatas Vasco da Gama será o que lutará mais fervorosamente contra isso.
Apesar dos autores não detectarem o presidente do Clube em 1922, o ano foi de
suma importância para a comunidade vascaína: a idéia de ter um local para o futebol e
uma sede social própria, conjunta, floresce nesse ano. Também em 1922 o clube
conquista a Taça Constantino, o primeiro troféu do seu futebol e é campeão da série B,
conquistando o direito de participar da série A da primeira divisão em 1923. Nesse ano
é fundada a Liga Metropolitana de Desportos Terrestres, a federação que comandará o
Campeonato de Futebol do Rio de Janeiro.
Antonio da Silva Campos é eleito em 1923, ano que também é notável para o
Clube: se intensifica as buscas pelo terreno de sua sede e o Club de Regatas Vasco da
Gama conquista seu primeiro título da série A da primeira divisão, seria o primeiro de
muitos. Com os títulos e a origem humilde de seus esportistas, a popularidade do Clube
ficou tamanha a ponto de começar um processo de democratização do esporte, que
outrora era dominado pela elite. Observaram os autores:
“... permitia o acesso de negros, mulatos e
comerciantes ao esporte, com eles organizando seu
time. Entrosados com os portugueses formaram a
estrutura da equipe que mudaria os rumos do
futebol brasileiro, na época, amador/elitista.”
(MALHANO: 2002, p. 90).
Contudo, para o ano seguinte, o Clube não disponha de recursos para pagar a inscrição
no Campeonato de Futebol do Rio de Janeiro, a solução (que será usada tantas outras
vezes dali para frente) foi fazer uma coleta entre os seus torcedores e sócios.
O Club de Regatas Vasco da Gama foi pioneiro em dar algum tipo de retribuição
por vitória conseguida no futebol aos seus jogadores: daí a expressão “bicho”, pois de
acordo com a quantidade de dinheiro oferecida aos vascaínos vencedores, o montante
era tratado pelo nome de algum animal (cachorro era cinco mil réis e vaca era cem mil
réis, por exemplo).
Vitor Farias Gonçalves, presidente eleito em 1916
Francisco Marques da Silva, presidente eleito em 1917.
O preconceito contra os vascaínos, a criação da AMEA e os dois campeonatos de 1924
Ao fim de 1923 o preconceito e o despeito contra os feitos vascaínos, e contra os
seus atletas de origem humilde, levaram os “Grandes Clubes” cariocas a criarem a
Associação Metropolitana de Esportes Amadores – AMEA, abandonando assim a Liga
Metropolitana de Desportos Terrestres. Dificultaram de todas as formas o acesso do
Club de Regatas Vasco da Gama: primeiro alegando que o Clube não tinha um campo
apropriado para grandes disputas e depois alegando que os seus jogadores não eram
amadores. Para os Malhano, na realidade o preconceito era contra a origem humilde dos
jogadores vascaínos, essa era a razão para não aceitarem o Clube na AMEA.
Em 1924, com a eleição do presidente José Augusto Prestes, o Club de Regatas
Vasco da Gama decide pleitear uma vaga na AMEA, com isso a associação abre uma
“Comissão de Sindicâncias” para investigar a procedência, amadora ou não, dos
jogadores do Clube. Em comunicado ao Club de Regatas Vasco da Gama, a AMEA
comunicou a rejeição da inscrição de vários esportistas seus, sob alegação de “profissão
duvidosa”. Para os autores, na realidade, a AMEA não encontrou nada que os excluísse
do campeonato e para dificultar mais ainda, decidiram inscrever apenas os atletas
alfabetizados. Pensaram estar excluindo vários jogadores do Club de Regatas Vasco da
Gama, mas seus diretores contrataram professores para que os seus esportistas
pudessem assinar os respectivos nomes, com a supervisão de um representante da
AMEA.
Apesar de todos os esforços o Club de Regatas Vasco da Gama não foi inscrito,
contudo o campeonato da Liga Metropolitana de Desportos Terrestres não deixou de
existir (com os times que foram recusados na AMEA) e por isso, nesse ano, foram
realizados dois campeonatos de futebol no Rio de Janeiro: o da LMDT foi ganho pelo
Club de Regatas Vasco da Gama e o da AMEA foi ganho pelo Fluminense Football
Club.
A entrada na AMEA e a luta pela sede/estádio próprio
Em 1925, Antonio de Almeida Pinho volta a presidência do Club, ele consegue a
inscrição do Club de Regatas Vasco da Gama na AMEA, muito devido a grande
popularidade do Clube, a ajuda do juiz de partidas Carlito Rocha e aos grandes esforços
de seus dirigentes. O Clube e sua diretoria, no entanto, parecia mais ocupado em
procurar o local ideal para sua sede e estádio. A comissão que tratava do assunto era
conduzida pôr Manuel Joaquim Pereira Ramos, mas uma figura fundamental para
levantar fundos nessa empreitada foi o ex-vice-presidente Jordão Cançado Conde. Os
autores trazem um trecho de uma entrevista concedida por Conde, aonde ele explica o
que moveu os vascaínos e como ele via a viabilidade do empréstimo para tão suntuosa
construção:
“... Dormíamos sobre os louros do
Campeonato de Football do Rio de Janeiro e não
teríamos ainda despertado, se não se tivesse
verificado a scisão no sport carioca; o que para o
sport foi uma calamidade, para o Vasco da Gama
foi um benefício.
Espicaçaram-nos demais, quizeram-nos
amesquinhar, julgando que as glorias conquistas
pelos nossos athletas nos campos da luta esportiva
não poderiam servir de estimulo ao corpo social.
Enganaram-se, pois o Vasco da Gama, com a força
de vontade e o capricho que lhe é peculiar, vencerá
tudo o que quizer vencer; e assim, e numa das
reuniões da diretoria de 1925 a que fui convidado a
comparecer por nímia getileza, fui solicitado pelo
doutor Augusto Prestes, presidente do club e por
indicação dos directores Manoel Ferreira e Manoel
Joaquim Pereira Ramos, a elaborar o respectivo
projecto do empréstimo de 2000 contos...
A certeza de que o empréstimo era uma
realidade desde que a directoria o quizesse, sempre
a tive, e, tanto assim, que, na minha proposta, pedia
reunião do conselho deliberativo 22 dias após, afim
de nos informarmos da marcha do mesmo.”
(MALHANO: 2002, pp. 93-94)
Em 1926, Raul Campos volta a presidência e a popularidade do Club começa a
se demonstrar no número de sócios: no referido ano 7.189 novos sócios ingressaram no
quadro social. Com essa quantidade de sócios, com as listas de doações ‘correndo
soltas’ pela cidade e com o projeto de empréstimo capitaneado por Conde, apenas uma
coisa faltava: o terreno. Após a ‘descoberta’ da Colina de São Januário, no bairro de São
Cristovão, não faltava mais. Como definem bem os autores: “Nesse bairro, na Rua
Abílio, que hoje se chama General Almério de Moura, mais acima, na Colina de São
Januário[...] A Rua São Januário terminava exatamente no local escolhido. Ali o Clube
de Regatas Vasco da Gama construiria, finalmente, seu estádio.” (MALHANO: 2002,
p. 96).
O terreno de 65.445 metros quadrados fora comprado através de um sistema de
empréstimo interno, promovido por Conde, aonde os sócios que se dispusessem,
assinavam uma garantia assumindo parte das dívidas, como o apoio foi maciço, as
partes ficaram pequenas para cada vascaíno, que assumiria as dívidas do empréstimo
feito. Devido a popularidade vascaína, gente de todas as posições sociais participaram:
condutores de bondes, funcionários públicos, garçons, donos de bares e etc. A
construção ficou a cargo da construtora Cristiani & Nilsen, sempre com a supervisão
dos diretores do Clube.
A grande inauguração, um Clube catalisador e uma paixão: o esporte
O Estádio Vasco da Gama, mais conhecido como Estádio de São Januário, foi na
época de sua construção a maior praça de esportes particular da América Latina, ainda
hoje é a maior praça de esportes particular da cidade do Rio de Janeiro. Quando da sua
inauguração comportava quase quarenta mil espectadores. Foi finalmente inaugurado no
dia vinte e um de abril de 1927, com a presença de toda a diretoria do Clube
(capitaneada por Raul Campos), do presidente da república Washington Luiz, Ministros
de Estado, do presidente da CBD, do aviador português Sarmento de Beiras, a quem
coube a honra de cortar a fita simbólica, e de uma espetacular presença dos vascaínos
nas cadeiras e nas arquibancadas.
O jogo realizado na inauguração fora contra o Santos, o Club de Regatas Vasco
da Gama perdeu, porém a inauguração do estádio foi uma fantástica resposta aqueles
que duvidavam do poder de coesão e solidariedade dos vascaínos, aqueles mesmos que
os excluíram quando da fundação da AMEA. Um Clube que catalisou ricos
comerciantes e pobres operários em torno de uma paixão: o esporte, força centrífuga
que explica, em partes, o desenvolvimento e as idéias de modernidade do início do
século XX.
Dia da inauguração de São Januário, na foto o Presidente da República e toda a diretoria do Club de Regatas Vasco da Gama.
Matriz Teórica: Documento/Monumento
A obra que anteriormente resumi é de notada matriz teórica daqueles
historiadores que trabalham o Monumento como Documento, é perceptível na obra, que
os autores carregam o Estádio de São Januário de história e peso histórico. Partem da
referência de Le Goff no seu “História e Memória”, mas começam na escola de Pierre
Nora, como bem esclareceu o professor Francisco Teixeira que faz a apresentação da
obra:
“Desde 1978, quando Pierre Nora deu
foros e dignidade acadêmica aos estudos
dos lugares de memória, surgiram primeiro
na França e depois em alhures, inúmeros
trabalhos traçando o perfil histórico de
monumentos, construções, e mesmo de
geografias específicas. O presente trabalho
perfila-se de forma corajosa entre aqueles
que reclamam tal ilustre filiação.”
(MALHANO: 2002, p. 13)
Clara e Hamilton Malhano se dedicam a dar um novo papel, com novos
significados, para o Estádio de São Januário, esse monumento passa a ser não somente
um lugar de lazer para torcedores e sócios do Club de Regatas Vasco da Gama. Os
autores introduzem a idéia de que ele serve para contar a História da colônia portuguesa,
da expansão e modificação urbana do Rio de Janeiro e das idéias de modernidade do
início do século XX no Brasil.
Análise crítica comparativa
A crítica a obra: “Memória social dos Esportes: São Januário – Arquitetura e
História” de Clara e Hamilton Malhano, em seu primeiro capítulo: “A itinerância
geográfico-urbana das sedes do Club de Regatas Vasco da Gama; sua saga da fundação
a sede própria” com relação ao uso das fontes (os Arquivos da Fundação Getúlio
Vargas, do Centro de Memória do Club de Regatas Vasco da Gama, os periódicos da
Biblioteca Nacional e uma vasta bibliografia) é comparativa ao trabalho do historiador
Mauro Prais e, também, de algumas incongruências e falta de algumas informações que
complementariam e amarrariam melhor a obra, aqui constatadas.
Prais exibe em seu endereço na internet uma vasta pesquisa sobre a História do
Club de Regatas Vasco da Gama, ele trabalha, basicamente com as mesmas fontes e
bibliografia dos autores da obra analisada, muitas das informações prestadas por ele e
retirada dessas fontes, são frontalmente conflitantes com as da obra dos Malhano, outras
são complementares e a maioria são concordantes.
Logo de começo, os dois autores relatam a fundação do Clube e a escolha do seu
primeiro presidente, como algo a dedo, sem candidatura ou eleição, uma escolha feita
por ser ele um rico comerciante para financiar o começo do Clube. Prais discorda, ele
narra uma eleição que teria sido feita com votação para escolha do primeiro presidente:
“A ata de fundação prossegue relatando o
procedimento adotado para eleger a
primeira diretoria do clube. Terminada a
apuração, foi eleito para presidente o
comerciante Francisco Gonçalves do Couto
Junior, com 41 votos. A sessão terminou as
3:45 da tarde.” (PRAIS: 2007).
Considero a versão de Prais mais palpável, por que o grupo de jovens que fundou o
Clube não era pequeno e é difícil acreditar que tenha existido uma unanimidade.
Quando os autores comentam a retirada do primeiro presidente, afirmam ter sido
por que os sócios mais jovens e mais agitados passaram, de fato, a sede social do Clube
para o Largo do Capim, no mesmo prédio do Clube Dansante e Recreativo Estudantina
Arcas Comercial, o presidente teria discordado, se retirado e fundado um novo clube, a
versão de Prais é outra:
“Um ano depois da sua fundação,
o clube quase acabou quando, devido a
uma polemica em torno de uma possível
transferência da sede para a Praia de
Botafogo, o seu primeiro presidente,
Francisco Gonçalves do Couto Junior,
renunciou e fundou o C.R. Guanabara,
levando consigo a maioria dos associados”
(PRAIS: 2007).
Considero a versão dos Malhano mais palpável nesse caso, pois o clube fundado pelo
dissidente, o Club de Regatas Guanabara, fica em Botafogo, então não haveria razão
dele discordar de uma transferência do Club de Regatas Vasco da Gama para lá.
Os Malhano expõe um desejo dos sócios e diretoria vascaína de transferir sua
sede social para a Ilha das Moças, mas, para os autores, ficam apenas na pretensão, pois
as reformas promovidas pelo prefeito Pereira Passos inviabilizam a mudança, para Prais
a sede existiu:
“Em 1900, o Vasco transferiu-se
para sua primeira sede própria, um
barracão na Ilha das Moças, mantendo
porem seu espaço na garagem de Santa
Luzia. Mas as reformas urbanas pelas
quais passou a cidade do Rio de Janeiro
durante o governo Rodrigues Alves
modificaram radicalmente a orla
marítima.” (PRAIS: 2007)
Nesse ponto fica muito difícil analisar qual é a versão mais verossímil.
Porém é de se constatar na obra, após a narrativa da perda das sedes devido as
reformas promovidas por Pereira Passos, que os autores se perdem no tema: deixando
um vácuo, até revelar mais a frente que o clube estava numa loja alugada na Rua Santa
Luzia, mais a frente ainda citam que o Clube estava situado na Rua Senador Regente
Feijó, sem explicar as condições de tal sede, e após isso só se fala de sede vascaína
instituída com a fundação do Estádio de São Januário. Essas mudanças não são
observadas, muito menos narradas e sim jogadas para ilustrar o texto, ao contrário do
começo do capítulo em que as primeiras mudanças são tratadas com minúcia.
Também é digno de nota que o primeiro título carioca de remo conquistado pelo
Club de Regatas Vasco da Gama, em 1905, não é sequer citado, em detrimento do
segundo, em 1906. O remo, esporte fundador do Clube, que no começo do capítulo é
tratado cuidadosamente pelos autores, é ‘abandonado’ em detrimento do Futebol, o que
não se justifica na lista títulos carioca de Remo no recorte de tempo do qual se trata no
capítulo, o Remo vascaíno continua campeão e os autores não observam.
Os autores narram a implementação do departamento de futebol no Vasco sem
resistência, pelo contrário, com um certo furor por parte de sua diretoria e corpo social.
Após a visita de um combinado português de times que vieram ao Rio de Janeiro para
uma exibição, os Malhano narram como uma vontade grande por parte dos vascaínos
em ter um departamento de futebol, isso culmina no englobamento de três times da
colônia no seu departamento de futebol. Para Prais houve resistência interna e apenas
um dos times foi trazido para o departamento de futebol:
“O Centro Esportivo Português, o
Lusitano Football Club e o Lusitania Sport
Club. Este último acabou por fundir-se ao
Vasco, trazendo no processo o seu
patrimônio, que consistia de uniformes,
chuteiras e bolas de futebol e dando origem
ao departamento de futebol do clube. Os
entendimentos começaram a 11 de
novembro de 1915 concretizando-se a 26
do mesmo mês e ano. Assim, não sem uma
grande resistência dos sócios mais
tradicionais, foi criado no Vasco o setor de
futebol.” (PRAIS: 2007).
Com relação à composição do departamento de futebol creio ser mais próximo do que
aconteceu a versão dos Malhano, mas em contrapartida, Prais deve ter razão quando diz
que houve resistência interna contra a criação do departamento, no próprio capítulo da
obra analisada os autores citam passagem semelhante em outro clube de regatas, no qual
houve resistência.
Existe um conflito tácito de informações, também, desses pesquisadores quando
falam do Campeonato de Futebol do Rio de Janeiro em 1920, para os autores da obra
analisada o Club de Regatas Vasco da Gama conquistou o campeonato e o direito de
participar da série B da primeira divisão, para Prais a conquista do campeonato não
houve:
“Para a temporada de 1921, houve nova
modificação na estrutura das divisões. A
primeira divisão foi dividida em duas
series, com sete clubes em cada serie: A
serie A com os sete primeiros colocados da
primeira divisão de 1920, e a serie B com
os três últimos colocados da primeira
divisão mais os quatro primeiros colocados
da segunda. Como o Vasco tinha alcançado
o quarto lugar na segunda divisão, foi
classificado para a serie B.” (PRAIS:
2007).
Creio que a versão de Prais deva ser a mais fidedigna, pois em nenhuma galeria de
títulos do Clube consta esse, da segunda divisão de 1920.
Outro grande conflito de informações entre esses pesquisadores, diz respeito ao
Campeonato de Futebol do Rio de Janeiro em 1922, quando o Club de Regatas Vasco
da Gama jogava a série B da primeira divisão, para os Malhano o Clube conquistou esse
campeonato e o direito de disputar a série A, automaticamente, para Mauro Prais, ainda
houve uma partida eliminatória:
“O titulo da categoria de
primeiros quadros da serie B de 1922 deu
ao Vasco o direito de disputar a promoção
a serie A numa partida, chamada na época
de "eliminatória", contra o ultimo colocado
da serie A, que tinha sido o São Cristovão.”
(PRAIS: 2007).
A versão de Prais é a mais aceita, os periódicos da época narram essa partida.
Os autores ao narrarem o episódio da tentativa de filiação do Club de Regatas
Vasco da Gama na AMEA, deixam-no em posição quase que passiva, pois para eles o
Clube tentava todos os artifícios para conseguir a sua inserção e os “Grandes Clubes”
impediam, para Prais o Vasco rompeu com esses clubes no momento da exigência do
desligamento de seus jogadores:
“Contudo, foi apresentada ao
Vasco uma lista de doze de seus jogadores
que deveriam ser eliminados do clube para
que sua filiação fosse aprovada. O Vasco,
lavrando seu protesto contra a mal-
disfarcada atitude racista dos clubes
grandes, comunicou sua desistência de
fazer parte da AMEA” (PRAIS: 2007)
Creio eu ser a versão de Prais a mais correta, pois o próprio Clube tem uma cópia da
carta enviada pelo presidente para AMEA, comunicando a desistência do Clube em
cumprir as exigências da associação:
“Rio de Janeiro, 7 de Abril de 1924.Ofício nr. 261
Exmo. Sr. Dr. Arnaldo GuinleM.D. Presidente da Associação Metropolitana de Esportes Atléticos
As resoluções divulgadas hoje pela imprensa, tomadas em reunião de ontem pelos altos poderes da Associação a que V.Exa tão dignamente preside, colocam o Club de Regatas Vasco da Gama numa tal
situação de inferioridade, que absolutamente não pode ser justificada nem pela deficiência do nosso campo, nem pela simplicidade da nossa sede, nem pela condição modesta de grande número dos nossos
associados.Os privilégios concedidos aos cinco clubes fundadores da AMEA e a forma por que será exercido o
direito de discussão e voto, e feitas as futuras classificações, obrigam-nos a lavrar o nosso protesto contra as citadas resoluções.
Quanto à condição de eliminarmos doze (12) dos nossos jogadores das nossas equipes, resolve por unanimidade a diretoria do Club de Regatas Vasco da Gama não a dever aceitar, por não se conformar
com o processo por que foi feita a investigação das posições sociais desses nossos consócios, investigações levadas a um tribunal onde não tiveram nem representação nem defesa.
Estamos certos que V.Exa. será o primeiro a reconhecer que seria um ato pouco digno da nossa parte sacrificar ao desejo de filiar-se à AMEA alguns dos que lutaram para que tivéssemos entre outras vitórias
a do campeonato de futebol da cidade do Rio de Janeiro de 1923.São esses doze jogadores jovens, quase todos brasileiros, no começo de sua carreira e o ato público que os pode macular nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu, nem sob o
pavilhão que eles, com tanta galhardia, cobriram de glórias.Nestes termos, sentimos ter que comunicar a V.Exa. que desistimos de fazer parte da AMEA.
Queira V.Exa. aceitar os protestos de consideração e estima de quem tem a honra de se subscrever, de V.Exa. At. Vnr. Obrigado(a)
Dr. José Augusto PrestesPresidente”
(http://www.casaca.com.br/home/2009/04/07/resposta-historica-completa-85-anos/)
Notas e bibliografia
Notas:
1- As fotos e carinhas foram tiradas da própria obra: “Memória social dos Esportes: São Januário – Arquitetura e História”
2- As citações, exceto quando indicadas, foram tiradas da própria obra: “Memória social dos Esportes: São Januário – Arquitetura e História”
Bibliografia: MALHANO, Clara E. S. M. B. & MALHANO, Hamilton B. Memória social dos esportes. São Januário - Arquitetura e História. Rio de Janeiro: Mauad, 2002.
Sites:
http://www.netvasco.org/mauroprais/vasco/histor1.html
http://www.netvasco.org/mauroprais/vasco/histor2.html
http://www.frerj.com.br/conteudo.php?pagina=clubes
http://www.casaca.com.br/home/2009/04/07/resposta-historica-completa-85-anos