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APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS DE UMA FORMAÇÃO VOLTADA PARA A CIDADANIA: O TEXTO ESCOLAR
EM PAUTA.
Carmem Campoy Scriptori – UNICAMP/UNIMONTE
JUSTIFICATIVA E REVISÃO DA LITERATURA
Sabe-se da importância didático-metodológica das questões que envolvem as
atividades de ensino/aprendizagem escolar. Sabe-se, sobretudo, da importância de uma
prática educativa que utilize procedimentos formativos adequados às necessidades dos
educandos. Nas ultimas décadas, inúmeras pesquisas vem sendo realizadas sobre o
processo de aquisição e construção dos conhecimentos por parte de crianças e
adolescentes. Os estudos e pesquisas psicogenéticas já demonstraram suficientemente
que existe uma ordem progressiva e contínua no desenvolvimento e nas concepções que
crianças e adolescentes elaboram. Nessa perspectiva, esta ordem deveria servir de guia
para organizar os conteúdos escolares. Não se trata de aplicar os estágios de
desenvolvimento descritos por Piaget para tentar mostrar que os estudantes não podem
aprender algo em um determinado momento de seu desenvolvimento, mas, sim, de
considerar suas explicações, a partir de suas formas de entender o mundo e das
representações que dele constroem, para levá-los a patamares mais elevados de
compreensão. Em outras palavras, trata-se de trabalhar com as representações e não
com as estruturas mentais dos estudantes. Trabalhar com as representações é trabalhar
com a forma e o conteúdo das explicações dos sujeitos sobre o funcionamento da
realidade vivida, fruto de suas experiências, o que nos indicará quais aspectos devemos
considerar.
No âmbito do conhecimento social foram realizados estudos referentes aos mais
variados aspectos. Por exemplo: sobre o processo de formação de diversas noções
econômicas, realizados por Delval (1989), Delval & Echeíta (1991), Delval, Enesco &
Navarro (1994), Delval & Denegri (2002a), Denegri & Delval (2002b); de noções sobre
a política, realizados por Delval (1986), Aisenberg & Kohen (1998/2000), Kohen &
Kohen (2001); sobre a idéia de nação, realizados por Delval, Del Barrio & Echeíta
(1981); sobre os direitos, realizados por Delval, Del Barrio, Espinosa, Breña & Chakur
(1995); e sobre outros aspectos da sociedade, tais como a idéia de escola, realizados por
Salles (1995); autoridade escolar, realizados por Chaves & Barbosa (1998); etnia,
realizados por Godoy (1997 e 1999); direitos humanos, realizados por Saravalli (1999);
amizade, realizados por Tortella (1996 e 1999). Tais estudos permitem inferir que há
uma tendência evolutiva estável na compreensão da sociedade por parte dos sujeitos,
que não pode ser ignorada pelos educadores.
Uma extensão natural desses estudos às atividades escolares é implicativa. Estes
podem ser os pilares sobre os quais se promova a constituição didático-pedagógica de
processos formativos do docente que objetive o desenvolvimento dos alunos a partir de
suas reais capacidades, de forma a contribuir para a melhoria do processo educativo do
estudante, levando-o a tornar-se capaz de exercer todas as suas possibilidades cognitivas
e sociais, podendo, consequentemente, exercer uma cidadania atuante e responsável.
De acordo com os Parâmetros e Referenciais Curriculares Nacionais, que tem
por objetivo “propiciar aos sistemas de ensino, particularmente aos professores,
subsídios à elaboração e/ou reelaboração do currículo, visando à construção do projeto
pedagógico, em função da cidadania do aluno”, constata-se que o conhecimento das
ciências sociais concentra-se fundamentalmente no ensino de Geografia (volume 5) e de
Historia (volume 6), embora esteja também sugerido nos Temas Transversais. Deixa
ainda implícito, como necessários à compreensão dos conteúdos sociais, o suporte de
outras áreas do conhecimento, como a política, a economia ou a antropologia.
A despeito da tendência democrática do discurso escrito nas orientações
didáticas dos PCN, na prática escolar, a concepção que sustenta o ensino do
conhecimento social não leva em consideração como se constitui a cidadania ao longo
do desenvolvimento, não se ajustando nem ao aspecto cognitivo nem aos interesses dos
alunos dos distintos ciclos do Ensino Fundamental. O que se constata na prática docente
são esforços de planejamento e elaboração de projetos e programas escolares
inovadores, contudo, o ensino e os materiais educativos organizados e utilizados
continuam a refletir uma concepção tradicional do conhecimento como “disciplina
escolar”, acabando por privilegiar a informação mais que a formação dos conceitos,
descartando-se as explicações dos aprendizes, tão necessárias para mediar a construção
desses saberes por parte deles.
Contudo, se, apesar desses esforços, o ensino escolar não se apoiar nos
interesses e na compreensão que os alunos têm dos diversos aspectos da realidade
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social vivida, não será possível favorecer a tomada de consciência dos problemas, e
consequentemente, o exercício da cidadania.
Os conteúdos informacionais de muitas das ciências não podem ser considerados
como o portal de acesso à compreensão da realidade. Via de regra, a organização dos
conteúdos sociais se fundamenta na organização de algumas das disciplinas como a
História e a Geografia, sem atender aos ajustes necessários para se transformar
conteúdos em saberes escolares. Como os conteúdos dessas disciplinas, enquanto
eventos fatos históricos e geográficos, não são diretamente accessíveis ao sujeito, mas
dependem de todo um contexto vivencial, infere-se que a História e a Geografia podem
não ser a melhor via de acesso para a compreensão da sociedade, especialmente no caso
brasileiro em que sua história está estreitamente vinculada à história européia e
mesclada às tendências norte-americanas. Já dizia Darcy Ribeiro, que o brasileiro ainda
não possui uma identidade cultural característica, vivendo na “ninguendade”
(1997:130). É mais do que tempo de buscarmos essa identidade cultural e a escola pode
contribuir para isso, na medida em que é a instituição responsável pela veiculação da
cultura de um povo. Para tanto, não basta transmitir; há que promover aprendizagens
significativas.
Para que a aprendizagem seja significativa, será necessário levar em conta os
assuntos que mais interessam aos sujeitos nas diferentes idades. Sabemos que os
interesses não existem independentemente do meio em que se vive, mas muito
provavelmente certas coisas não nos interessam em uma determinada idade porque não
conseguimos entendê-las, como é o caso, por exemplo, das narrativas históricas quando
ainda não somos capazes de conceber o tempo histórico. Nessa perspectiva, a questão
que se coloca é: como é possível interferir, por vias escolares, neste processo de
compreensão da sociedade?
Considerando-se que a construção dos conhecimentos não se inicia na escola e
nem a ela se restringe, mas que cabe ao ensino escolar enriquecer e ampliar a rede de
significações construídas a partir das múltiplas experiências do cotidiano, a escola deve
buscar a aproximação entre os conteúdos escolares e as experiências vivenciadas pelos
alunos (Forquin, 1993).
Com base no exposto acima, entendemos que o primeiro passo seria fazer um
diagnóstico do que ocorre em situação escolar. Assim, propusemos este estudo sobre as
propostas escolares do Ensino Fundamental, na área das ciências sociais, mais
especificamente na História e na Geografia.
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A PESQUISA E ANÁLISE DO CONTEÚDO:
A pesquisa teve como objetivo fazer um diagnóstico do estado atual do ensino
das noções sociais, partindo da análise dos programas e dos textos didáticos
habitualmente utilizados nas escolas públicas ou particulares de Uberaba, MG, a fim de
identificar os compassos e descompassos existentes entre os aspectos psicogenéticos da
aprendizagem dos conceitos sociais, os temas e/ou conteúdos selecionados e as
propostas didáticas dos professores, nos ciclos escolares.
A metodologia utilizada compreendeu prévios estudos teóricos de textos que
fundamentam a noção de conhecimento social; visita às instituições escolares;
entrevistas com gestores para mediar o acesso aos docentes; entrevistas com
professores; levantamento dos temas abordados nos diferentes compêndios ou textos por
estes utilizados; análise dos temas contidos em apostilas e livros didáticos; registro em
diário de campo e elaboração de relatórios.
Os resultados referem-se ao trabalho dos semestres letivos de 2003/2004. Os
materiais utilizados para coleta de dados foram apostilas, textos preparados pelos
professores e compêndios didáticos.
Neste trabalho, apresentaremos a análise de alguns dados, referindo o conteúdo
do texto e fazendo comentários sobre o tipo de atividade proposta. Por uma questão de
ética, evitar-se-á qualquer dado que possa vir a identificar e escola ou o compêndio
utilizado.
O PROCESSO DA PESQUISA
Desde o início da pesquisa, no mês de agosto de 2003, os participantes
envolvidos formaram um grupo de estudos e discussões sobre questões pedagógicas da
aprendizagem, com o objetivo de fundamentar teoricamente o trabalho a ser realizado.
Discutiu-se o sentido do grupo de estudo, de que forma deveriam ser estudados
certos conteúdos, idéias para um melhor andamento dos trabalhos; esclarecimentos
sobre termos como: informação, conhecimento, saber, aprendizagem, psicogenética,
cidadania, democracia, etc. O grupo também discutiu os tipos de conhecimento, a saber:
Conhecimento Físico, Conhecimento Lógico-Matemático e Conhecimento Social,
dando maior ênfase a este último, por ser o tema central da pesquisa. O conhecimento
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social tem como fonte as pessoas e se refere à denominação convencional e arbitrária do
mundo social e às regras de convivência grupal, enquanto que o primeiro, o
conhecimento físico, tem como fonte os objetos e refere-se à natureza e propriedade dos
objetos e o segundo, o conhecimento lógico-matemático, possui o sujeito como fonte e
refere-se às relações que próprio sujeito cria entre objetos.
Além da participação no grupo de estudos, fizemos contato com algumas
instituições de Ensino Fundamental da cidade de Uberaba, MG, com o objetivo de obter
a adesão das mesmas ao projeto. Já nas primeiras instituições visitadas ficou evidente o
interesse em nos receber bem, sem, contudo, preocupar-se em conhecer maiores
detalhes da pesquisa em si. Algumas escolas ficaram de dar um retorno sobre uma
possível adesão ou não ao projeto. Como previsto, o retorno não aconteceu. Assim
sendo, dadas as condições do calendário escolar, optamos por retomar o contato com as
escolas no início de 2004, quando as pessoas estivessem planejando o ano escolar.
No início do ano, foi realizada uma reunião com o intuito de esclarecer os
objetivos do projeto de pesquisa e de obter adesão dos professores. Nessa reunião se
demonstrou a importância da relação ensino-pesquisa. Em relação ao horário em que o
projeto de pesquisa seria realizado, ficou definido que seria de acordo com as
possibilidades de cada professor, para não aumentar a sua carga horária e muito menos,
prejudicar a qualidade de seu trabalho junto à instituição de ensino e sua vida pessoal. A
partir daí, foi feito o levantamento dos textos, apostilas e livros didáticos escolares
utilizados pelos professores que aderiram à pesquisa.
DISCUSSÃO DE ALGUNS DADOS
Com relação às apostilas, temos, por exemplo, o volume sobre História e
Geografia referente à 1ª Série (1º Ciclo), com os seguintes temas: I – Espaço de
vivência: Transformando o espaço; Paisagem natural; Paisagem humanizada; Minha
casa, meu primeiro mundo; A história das diferentes moradias; Identificando os
lugares.; II – O tempo na nossa vida: As frações do calendário.
A apostila contempla um padrão de textos, propostas de discussões, organização
de fotografias e figuras. Inicialmente chama a atenção do aluno para procurar mais
informações por si mesmo, sugerindo, como referência, alguns livros paradidáticos, tais
como: “Tique-taque”, do autor Clarkson Castro Silva (1ª série), Editora Ática; “Cada
um mora onde pode”, do autor Ziraldo, Coleção Bichim, da Editora Melhoramentos,
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“Casas”, de Roseana Murray, e “Lá vem o ano novo”, de Ruth Rocha, ambos da Editora
Ática. Nessa mesma oportunidade, informa ao aluno que a leitura proporciona
momentos de reflexão e imaginação. A questão que aqui se coloca é: em que medida a
estratégia do professor favorece essa reflexão e imaginação? Que momento na rotina
escolar é dedicado para essas leituras? Até que ponto isso não fica mais como um
discurso vazio, na medida em que não se concretizam as leituras indicadas? Além disso,
embora seja importante que o aluno possa pesquisar por si mesmo, é necessário
contextualizar essa prática dentro das reais possibilidades de acesso que se apresentam
aos alunos menos favorecidos.
No tema “Espaço de Vivências” apresentam-se fotografias, com pequenos
trechos para serem discutidos com os amigos, textos, vocabulário, paisagens e
exercícios do tipo pergunta/resposta, quebra-cabeça, caça-palavras, figuras a serem
identificadas, porcentagem e gráficos. Os conteúdos aí implicados são genéricos e
padronizados, distanciando-se dos espaços vivenciais do cotidiano dos alunos.
Analisando esses conteúdos expressos, apesar de se propor debate entre os alunos, o que
se percebe é que se trata mais de uma transmissão de informações e conceitos. Daí, o
questionamento: Até que ponto esses textos promovem uma reflexão?
No item “O tempo na nossa vida” enfoca a compreensão do calendário
desenvolvido por meio das datas comemorativas, que apontam os meses do ano e os
dias da semana. Propõe a noção de tempo, como o antes/depois, de maneira figurativa,
como se esta noção pudesse ser construída fora da vivência do real. Apresenta um
trecho retirado da Revista Nova Escola, de dezembro de 2003, que aborda a história do
surgimento do primeiro calendário, e mais adiante, na página seguinte, apresenta cenas
de uma história em quadrinhos, que mostra uma seqüência de figuras de um cachorro
uivando para a lua e quando ele pára a lua “bate palmas” para ele. Abaixo dos
quadrinhos, aparece a pergunta: “Você acha que as cenas têm algo em comum com o
que você acabou de ler?”. Considerando-se o assunto escolar em questão, “o tempo em
nossa vida”, é difícil de entender que objetivos se pretendeu atingir com esta atividade.
Além disso, na perspectiva da psicogênese do pensamento, crianças com idade de
freqüentar a primeira série frequentemente têm ainda o pensamento intuitivo, muito
ligado a situações concretas, porém contextualizadas, que façam sentido para elas. A
situação animista, representada pela lua que aplaude, não guarda relação lógica com a
noção de tempo; pode significar que ficou feliz tanto por ele ter parado de uivar, o que a
estava aborrecendo sobremaneira, como pode significar que o cão estava “cantando” tão
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bem que merecia ser aplaudido. Os assuntos aqui desenvolvidos, da maneira como são
propostos, não podem produzir nos alunos avanços cognitivos significantes no sentido
da aquisição da noção operatória de tempo.
No Volume 2, História e Geografia, 2ª Série (1º. Ciclo), encontramos no capítulo
I: As transformações na paisagem; As direções cardeais; Viagem no tempo: bússola; A
natureza e a paisagem; O ambiente; Paisagens naturais; Paisagens modificadas pelo
homem; Utilização da natureza. O capítulo inicia-se com as noções cardeais, mostrando
uma situação hipotética: o mapa de uma fazenda, que fora visitada por supostos alunos
de uma escola qualquer, no qual se destacam os “pontos mais interessantes”. Neste
ponto já cabe indagar: interessantes para quem? Para os alunos ou para quem propôs o
mapa?
Apresenta ainda um texto sobre essa hipotética visita e as dúvidas que aqueles
supostos alunos apresentaram sobre os pontos cardeais: norte, sul, leste e oeste da
fazenda. Para explicá-los, o monitor da visita virtual usa como referência o Sol e as
constelações como instrumentos de orientação espacial. Vale ressaltar que o mapa
utilizado como referencial não mostra tais pontos, mas ainda que o fizesse estaria
totalmente inadequado por tratar-se de uma representação que não foi elaborada a partir
da compreensão do próprio aluno. Além disso, utiliza as constelações, quando sabemos,
essas não são visíveis na presença da luz solar. Assim, tentando aproximar-se da
realidade, mas dela se distanciando enormente, os exercícios propostos falham. Falham
porque apelam para uma aprendizagem memorística, figurativa. Apelam ainda mais
para a memorização quando solicitam que as crianças utilizem a escola para localizar os
pontos cardeais que aprenderam. Aprender o nome convencional dos pontos cardeais é
uma coisa, aprender a localizar-se no espaço é outra bem diferente, o que não pode ser
feito através de texto de livro.
Mais adiante, o item “Curiosidades” informa sobre viagens espaciais, sem fazer
menção aos instrumentos utilizados pelos viajantes para se localizarem no espaço.
Ainda que o fizessem, esse tipo de conhecimento está muito aquém da compreensão de
nossos jovens estudantes, porque, como diria um educador piagetiano, está fora do nível
das estruturas cognitivas necessárias a essa compreensão, e, no contraponto, qualquer
educador vigotskiano, porque está fora da ZPD (zona de desenvolvimento proximal).
A apostila continua com o mesmo padrão de organização, ou seja, exibindo
pequenos trechos escritos para reflexão, figuras coloridas, textos com curiosidades,
exercícios que utilizam o espaço da escola mapeada no papel para se localizar, desde os
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pontos cardeais, até plantas geográficas quadriculadas, culminando com o mapa do
Brasil. Tudo isso numa única lição, evidenciando a fragmentação dos textos e a falta de
relação entre eles, com ausência de ações concretas e efetivas por parte dos estudantes,
exceto as que utilizam lápis e papel. Assim, a ação do sujeito fica refém das atividades
de escrita.
A seguir, a apostila dá seqüência às figuras de paisagens naturais e modificadas
pelo homem, mostradas por meio de fotografias de diferentes regiões brasileiras e de
outros lugares do planeta. São mostrados componentes da paisagem como: serras, vales,
montanhas, chapadas, planícies. Seguindo com a utilização da natureza em nossas vidas
e sua importância, referem-se às matérias-primas retiradas para nosso sustento de
origem animal e vegetal. Os exercícios propostos são de reconhecimento de figuras,
representação gráfica por desenho, representação gráfica por escrita (pergunta/resposta,
caça-palavras) que supostamente envolvem noção de tempo. Desenhos das etapas da
construção de uma casa e histórias em quadrinhos, como enunciado de um exercício,
são também utilizados com a finalidade de identificar, nomeando, as formas do relevo.
Novamente aqui se encontra o nome substituindo a coisa, a letra substituindo a ação.
No 2º ciclo (3ª Série) encontram-se os seguintes conteúdos: Divisão regional do
Brasil; Os três complexos regionais ou Brasil geoeconômico; Regiões brasileiras; Povos
e histórias diferentes; A chegada de muitos imigrantes entre 1880 e 1940; Índios: os
primeiros brasileiros; O encontro de portugueses e índios; Os conflitos; Trocas de
culturas; O índio nos dias de hoje; Enfim, a nova constituição; Da África para o Brasil;
De onde e por que os negros vieram para o Brasil?; Escravos negros diferentes origens,
diferentes culturas; Como esses homens e essas mulheres tornaram-se escravos?; A
chegada ao Brasil; A luta dos escravos; Palmares; A cultura africana no Brasil; A luta
das pessoas livres; Liberdade...liberdade...um sonho distante; Abolição: fez-se justiça;
Mais de cem anos depois. Na 4ª Série (2º ciclo) apresentam-se em Geografia: Brasil:
Aspectos Naturais; Para entender melhor: o título, a legenda, as siglas, as divisas, a
Rosa-dos-Ventos, escala quadrícula alfanumérica; Relevo do Brasil: Altura e altitude,
As modificações do relevo, Novidades do relevo brasileiro; Os rios do Brasil: Como
nascem os rios, Rumo ao coração da floresta; Bacias hidrográficas do Brasil: Bacia
Amazônica, Bacia do Tocantins – Araguaia, Bacia do São Francisco, Bacia Platina:
Bacia do Paraguai, Bacia do Uruguai, Bacia do Paraná; Bacias secundárias: Bacia do
Norte-Nordeste, Bacia do Leste, Bacia do Sudeste; Tipos de rios; Acidentes geográficos
litorâneos.
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Com tais conteúdos, e em todas as propostas analisadas, percebe-se a forma
tradicional com que são tratadas essas questões: os alunos sendo submetidos às
representações alheias, feitas pelos outros, por meio de fotografias e desenhos, apelando
ao imaginário e à memorização das diferenciações dos relevos e bacias (o que a Bacia
do Uruguai, ou bacias secundárias, pode interessar ao aluno, por exemplo?), quando não
acrescenta nada de novo para que se possa tentar pensar nas razões de suas diferenças,
questão esta, aliás, que nem está posta. A despeito do conteúdo sobre etnia, não se
propõe nenhuma discussão no sentido de inclusão, de direitos humanos e sequer de
cidadania. Além disso, apesar de nos dias atuais se falar tanto da importância da
preservação do meio ambiente, esse tema é pouco desenvolvido.
Na 4ª Série (2º ciclo), o volume sobre História seleciona o seguinte conteúdo:
Diversidade; O Brasil renasce onde nasceu: na Bahia; Os primeiro povos da América;
Índios no Brasil; Uma terra graciosa, um povo gentil; Descobrimento ou conquista?;
Índios e Europeus: diferenças culturais; O índio faz seu caminho. Aqui também a
apostila continua com a mesma padronização. Os textos poderiam ser bem mais
explorados, os professores poderiam estar mais livres para buscarem diferentes formas
de atividades que mostrassem o que realmente aconteceu ao nosso país, dando a
oportunidade dos alunos refletirem sobre o assunto, além de buscarem fazer uma
comparação com a época atual, com o governo e as mudanças que podemos ver que
ocorrem no dia a dia. As atividades se voltam sempre à memorização e não à descoberta
e ao aprendizado com compreensão, através da reflexão e da crítica.
Em relação à análise do material referente à 5ª série, temos em Geografia: 1) A
natureza em movimento: terra-24 horas no ar, movimento constante; o sistema solar –
planeta e satélites; os movimentos da terra e suas conseqüências; o movimento de
rotação e os fusos horários; o movimento de translação e a dança do sol; 2) Paisagens: a
modificação do espaço: a terra foi sempre assim? A dança dos continentes; a paisagem
retrata a sua história; 3) Biosfera - onde a vida acontece; A Terra, Ar e Água -
Elementos fundamentais; Os solos e o desenvolvimento da vida; A Atmosfera e suas
camadas. Sol: Fonte de energia; A vida em explosão; Biomas Brasileiros: Amazônia: A
maior floresta tropical da Terra; Mata dos Cocais: Transição entre a floresta e o sertão;
Como é a Caatinga? Cerrado; Mata Atlântica: O verde está acabando; Pantanal; Matas
das Araucárias; Campos; Áreas protegidas.
Em História, apresentam-se: 1) Mesopotâmia: Berço das diversas civilizações:
Os Sumérios, As cidades Sumerianas, Religião, As construções, Primeiro Império
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Babilônico-1800 A 1600 a.C., Os Assírios-1200 a.C. A 612 a.C., Os Hititas-1600 a.C. A
1200 a.C., Segundo Império Babilônico-614 a.C. a 561 a.C., As características comuns
aos povos da Mesopotâmia; 2) O Egito antigo - dádiva do Nilo: Antigo Império, Médio
Império, Novo Império, A sociedade e a economia do Antigo Egito, A Religião e os
Deuses Egípcios, Templos, múmias e túmulos, As Ciências no Antigo Egito, Os
Egípcios e a descoberta da Astronomia, A descoberta da Matemática, A Medicina, A
Escrita e a Literatura, A Pintura; 3) Persas, fenícios e hebreus: mensageiros,
comerciantes e monoteístas, A Civilização Persa, A Civilização Fenícia, A Civilização
Hebraica; 4) Um olhar sobre o Oriente: Índia, China e Japão.
A análise desse compêndio indica que este é marcado por diversas ilustrações,
esquemas, gráficos, tabelas, reflexões críticas, curiosidades e um vocabulário de fácil
entendimento. Inicia-se com um texto explicando qual a melhor maneira de utilizá-lo,
enfatiza a necessidade de aprender a raciocinar historicamente, ter uma visão crítica e
não perder tempo em memorizar datas, nomes e lugares. O primeiro capítulo tem como
objetivo, inicialmente, conceituar história e logo após, demonstrar a importância e a
utilidade de estudá-la e o qual é o papel do historiador. Os outros capítulos explicam o
assunto principal, de uma forma clara e sucinta, além de possuírem um texto
complementar, exercícios de revisão, reflexões críticas e ilustrações que demonstram a
cultura daquela determinada época. Contudo, trata-se de um livro didático repleto de
informações novas, distantes no tempo e no espaço, e que, por isso mesmo, precisa
contar com a mediação do professor-educador, para que as informações ali veiculadas
possam ser transformadas em conhecimento por parte dos alunos, pois o conhecimento
social é algo que se constrói progressivamente e não que se memoriza pura e
simplesmente.
Embora possua textos complementares e muitas ilustrações e com alguns temas
que possam tornar-se interessantes, a análise do material nos permite ressaltar
novamente todos os pontos anteriormente identificados sendo importante enfatizar que,
na maior parte dos módulos existentes, há uma superficialidade do tema tratado,
fazendo-se presente uma brevidade e reducionismo que comprometem a qualidade da
aprendizagem das noções. Os exercícios propostos não exigem uma reflexão crítica por
parte do aluno, impossibilitando um aprendizado com compreensão e a evolução das
capacidades mentais a que o sujeito pode chegar.
Uma análise feita sobre os programas contidos nos livros de 5ª, 6ª, 7ª e 8ª séries,
da coleção de uma determinada Editora, que tem prioridade de divulgação e é
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frequentemente adotada pelas escolas públicas, nos leva ao seguinte conteúdo de
História: (5ª série) 1) O que é história; 2) A pré-história; 3) O começo da história; 4) A
Mesopotâmia; 5) O Egito Antigo; 6) Os Fenícios e os Hebreus; 7) Os Persas; 8) O
Extremo Oriente; 9) A Grécia Antiga; 10) A Cultura Grega; 11) A ascensão de Roma;
12) O Império Romano; 13) O Cristianismo; 14) O declínio do Império Romano; 15) O
Islã; 16) O Império Bizantino; 17) A Idade Média; 18) Cultura Medieval. (6ª série) 1)
Europa Medieval; 2) As grandes mudanças; 3) O Absolutismo; 4) O Mercantilismo; 5)
A Expansão Marítima; 6) O Renascimento; 7) A América antes dos europeus; 8) A
conquista da América; 9) O início da colonização; 10) A Reforma Protestante; 11)
África; 12) O Sistema Colonial; 13) O Escravismo Colonial; 14) A civilização do
açúcar; 15) A América Espanhola; 16) A Revolução Científica; 17) Expandindo o
Brasil. (7ª série) 1) A Revolução Inglesa; 2) O Iluminismo; 3) O Século do Ouro; 4) A
Independência dos EUA; 5) A Revolução Francesa; 6) As Revoltas Anticoloniais; 7)
Revolução Industrial; 8) A independência do Brasil; 9) A independência da América
Espanhola; 10) Liberais e Nacionalistas; 11) Primeiro Império; 12) O Período Regencial
13) O Segundo Império; 14) Doutrinas Sociais; 15) A Unificação da Itália e da
Alemanha; 16) O Imperialismo; 17) A América no Século XIX; 18) A Europa no final
do Século XIX; 19) A Abolição da Escravatura; 20) A República; (8ª série) 1) A
Primeira Guerra Mundial; 2) A República Velha; 3) A Revolução Russa; 4) Rebeliões
na República Velha; 5) Revolução nas artes e nas ciências; 6) A Revolução Mexicana;
7) A crise de 29; 8) As Ditaduras Fascistas; 9) A Era do Populismo; 10) A Segunda
Guerra Mundial; 11) A Guerra Fria; 12)A Consciência do Terceiro Mundo; 13) A Crise
do Populismo; 14) América Vermelha; 15) De Juscelino ao Golpe de 64; 16) Os Anos
Rebeldes; 17) Os Anos 70; 18) A Ditadura Militar no Brasil; 19) O Mundo
Contemporâneo.
Todos os compêndios dessas séries, principiam por um resumo dos capítulos
tratados no livro da série anterior. Tais resumos são elaborados com a intenção de dar
uma continuidade aos assuntos já tratados. Todos possuem textos complementares,
exercícios de revisão e ilustrações. É importante notar, que além da demonstração da
cultura ligada a uma determinada época, a coleção é marcada por um colorido intenso,
fotos de obras de artes, com a história de seus respectivos autores, mapas, calendários,
etc. A despeito disso, uma grande questão permanece: os assuntos aí previstos estariam
dentro do campo do interesse dos alunos? Em que medida? Como fazer com que esses
conteúdos se tornem interessantes e necessários à vida desses alunos? Em que medida
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auxiliam na constituição da cidadania e favorecem à vida democrática? Essas são
questões que permanecem obscuras.
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS
Os resultados do trabalho realizado nos levaram a refletir sobre a distância que
existe entre os conteúdos livrescos e o ensino escolar, no qual os professores ainda se
valem de uma didática tradicional, buscando mais a memorização que a compreensão
desses conteúdos.
Já compreendemos que não tem sentido ensinar aquilo que aos alunos não têm
condições de aprender. Também já compreendemos que o acesso aos bens culturais é
um direito de todos. O desafio que se nos coloca, então, é realizar a possibilidade de
intervir pedagogicamente para ajudá-los a se apropriarem dos saberes culturais, a que
têm pleno direito, porém, não de maneira mecânica, mas quando tenham as ferramentas
intelectuais para compreendê-los. Outro desafio que se constitui como um
desdobramento do anterior será o de provocar a tomada de consciência necessária para
interfiram na sociedade, segundo seus direitos, transformando-a. Sobretudo, porque
somos da opinião que é mais importante fazer com que os sujeitos entendam bem as
coisas que aprendem do que a quantidade ou rapidez com que aprendem. Uma “cabeça
bem feita” parece ser melhor que uma “cabeça bem cheia”.
Diante do diagnóstico que realizamos, fica evidente a necessidade de construir
propostas inovadoras para a questão do ensino/aprendizagem com compreensão, o que,
abre possibilidades de investigação das várias questões relacionadas ao conhecimento
social e das ciências sociais com vistas ao desenvolvimento e exercício da cidadania.
Contudo, o que efetivamente constatamos é que, na realidade, a função da
escola, hoje, consiste em assegurar o tempo de estada dos alunos, mantendo-os
ocupados enquanto seus pais e familiares realizam suas próprias atividades. Essa função
se estende, ou se restringe, às atividades de socialização, quando os coloca em contato
uns com outros, cobrando normas básicas de conduta social; ou preparando-os para
algumas habilidades básicas instrumentais, tais como: ler, escrever, calcular, expressar-
se, adquirir (repetir) o conhecimento científico; ou submetendo-os a provas de seleção
(tipo vestibular) para a vida profissional, tudo isso com a finalidade última de
estabelecer discriminações entre as pessoas. Como podemos ver, uma escola desse tipo
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está longe de ser uma escola inclusiva, e muito mais longe, ainda, de atingir o objetivo
de promover o cidadão autônomo e consciente de sua cidadania.
REFERÊNCIAS
1. AISENBERG, B. & KOHEN KOHEN, R. Las hipótesis presidencialistas
infantiles en la asimilación de contenidos escolares sobre el gobierno
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