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ISSN
167
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ANO XII • Nº 47 • outubro de 2011 / março de 2012
Revista deConjunturaPublicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal
Antônio Rocha, presidente da Federação das Indústrias do Distrito Federal (Fibra), fala
sobre as principais ações que a entidade a qual representa tem realizado, como também
as perspectivas de crescimento da indústria no Distrito Federal.
artigos
ENtrEVista
O aperfeiçoamento da função reguladora do Estado
Rodrigo Augusto Rodrigues
Os desafios democráticos na governança da política monetária
brasileira e o ponto Nairu Ricardo Wahrendorff Caldas e
James Batista Vieira
Commodities: estruturalismo às avessas
Antônio Elias Silva e José Nelson Bessa Maia
Ainda sobre a DRU José Fernando Cosentino Tavares e
Márcia Rodrigues Moura
Endividamento:educação, treinamento,
comportamento ou terapia?José Eustáquio Moreira de Carvalho
A hora e a vez da retomada do planejamento estratégico governamental no Brasil
José Celso Cardoso Jr.
Análise histórica - Reflexos de uma crise anunciada: o Brasil e a América Latina
frente aos desafios dos anos 1930Günther Richter Mros
O Distrito Federal, mesmo com crise política e atraso de obras públicas,
manteve ritmo de crescimento elevado, com destaque
para o segmento industrial.
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de qualquer período ou sérieCiências Econômicas
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06 O aperfeiçoamento da função
reguladora do EstadoRodrigo Augusto Rodrigues
11Os desafios democráticos na
governança da política monetária brasileira e o ponto Nairu
Ricardo Wahrendorff Caldas e James Batista Vieira
15Commodities: estruturalismo
às avessasAntônio Elias Silva e
José Nelson Bessa Maia
22Ainda sobre a DRU
José Fernando Cosentino Tavares e Márcia Rodrigues Moura
31Endividamento:
educação, treinamento, comportamento ou terapia?
José Eustáquio Moreira de Carvalho
36A hora e a vez da retomada do
planejamento estratégico governamental no Brasil
José Celso Cardoso Jr.
42Análise histórica -Reflexos de uma crise
anunciada: o Brasil e a América Latina frente aos desafios dos anos 1930
Günther Richter Mros
ArtigoS
2 Editorial3 Entrevista
Antônio Rocha
ÍndicePublicação do Conselho Regional de
Economia do Distrito Federal
ANO XII • Nº 47 • outubro de 2011/março de 2012
ConjunturaRevista de
Nesta edição
28 Matéria Finanças pessoais:
há problemas à frente?
Editor responsávelJosé Luiz Pagnussat
Conselho editorialCarlos Eduardo de FreitasElder Linton Alves de AtaújoJosé Fernando Cosentino TavaresJosé Roberto Novaes de AlmeidaHumberto Vendelino RichterMaurício Barata de Paula PintoNewton Ferreira da Silva MarquesOscar Henrinque Belo SantosTito Belchior Silva MoreiraJúlio Miragaya
Jornalista responsávelCamila Fiorese (Reg. DRT/DF: 7851)
Redação e editoração eletrônicaCamila Fiorese
Revisão Letícia Sallorenzo
Tiragem: 4.000Periodicidade: trimestral
As matérias assinadas por colaboradores não refletem, necessariamente, a posição da entidade. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte.
CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DA 11ª REGIÃO - DF
PresidenteJusçanio Umbelino de Souza
Vice-presidenteMaria Cristina de Araújo
Conselheiros efetivosCarlos Eduardo de FreitasOscar Henrique Belo Santos Tito Belchior Silva Moreira Gilson Duarte Ferreira dos SantosCarlito Roberto ZanettiPaulo Roberto Amorim LoureriroJusçanio Umbelino de SouzaMaria Cristina de Araújo Evilasio da Silva Salvador
Conselheiros suplentesPaulo Luiz Figueiredo de OliveiraMiguel RendyElder Linton Alves de Araujo Bento de Matos FélixJucemar José ImperatoriCésar Augusto Moreira BergoRoberto Bocaccio Piscitelli Mônica Beraldo Fabrício da Silva Humberto Vendelino Richter
Delegado eleitor efetivoMario Sergio Fernandez Sallorenzo
Delegado eleitor suplenteJusçanio Umbelino de Souza
Conselheiros federais efetivos pelo DFRoberto Bocaccio Piscitelli
Conselheiros federais suplentes pelo DFJúlio Miragaya Max Leno de Almeida
Equipe do Corecon-DF
Gerente executivoRonaldo Galloti Schroeder
Angeilton Francisco Lima Faleiro Camila FioreseHélio Matheus Silva de OliveiraIraci da Costa Lopes Jamildo Cezário Gomes Michele Cantuária Soares
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Esta edição da Revista de Conjuntura traz a entrevista concedida pelo Presidente da
Federação das Indústrias do Distrito Federal (Fibra), com uma excelente análise da econo-
mia do DF. Aparentemente, a continuidade do bom desempenho econômico do Distrito
Federal, observado nos últimos anos, está garantida. A crise política e a paralisação de boa
parte das obras iniciadas no governo anterior já estão sendo superadas. O impacto na
economia foi pequeno, mas o transtorno e mal-estar para a população foram elevados.
Os dados de crescimento do PIB do DF para o ano de 2011 ainda não estão disponí-
veis, mas o bom desempenho da economia é confirmado pelos indicadores de emprego.
A taxa média de desemprego registrada no DF em 2011 é a menor dos últimos 20 anos.
Foi de 12,4%, de acordo com a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) elaborada pela
Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) e a Secretaria de Trabalho do
DF em parceria com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconô-
micos (Dieese).
O dinamismo da economia do DF se deve a vários fatores, com destaque para o cres-
cimento do emprego público, dado o grande número de concursos realizados, e prin-
cipalmente pelo elevado crescimento dos salários dos servidores nos últimos anos. A
reestruturação das carreiras e a política de recuperação salarial, implementada desde
2005, proporcionaram substancial elevação do consumo das famílias dos servidores. O
crescimento da demanda garantiu a expansão da economia local e a elevação do empre-
go em outros setores, em especial no comércio e serviços relacionados ao lazer, além de
ter aquecido o emprego no setor de serviços domésticos.
O impacto da política salarial do setor público na economia do DF se deve à elevada
participação desse setor no PIB. Em 2009, o Setor Público representava 55% do PIB do DF,
enquanto os demais setores de serviços contribuíam com 37,6%, a indústria com 6,5% e
a agricultura com 0,5% do PIB.
O início das obras de infraestrutura e o estímulo aos investimentos nos setores de
serviços relacionados com os diversos megaeventos esportivos que ocorrerão em Bra-
sília nos próximos anos estão contribuindo também para o crescimento da economia
do Distrito Federal. Tais investimentos são altamente dinamizadores da economia, tanto
pelas verbas necessárias à realização dos eventos como pelo crescimento do turismo e
do comércio durante os jogos. O primeiro campeonato esportivo a ocorrer em Brasília
será a Copa das Confederações, em 2013, seguida da Copa do Mundo em 2014 e a Copa
América em 2015.
A expectativa é de que os eventos esportivos compensem o desaquecimento da eco-
nomia do DF causado pelo congelamento dos salários dos servidores e pela redução do
crescimento do emprego público, adotados pelo governo federal em 2012.
Entretanto, o risco maior para a manutenção do dinamismo da economia do DF é a
política cambial. A baixa taxa de câmbio, com a valorização do real frente ao dólar, está
tornando as compras no exterior uma opção altamente compensadora do ponto de vista
financeiro. A defasagem cambial representa um forte subsídio para os comerciantes do
exterior em relação ao comércio local.
Em 2011, as viagens internacionais dos moradores do DF cresceram mais de 90% - e já
estavam elevadas em 2010. O alto poder de compra das famílias do DF vem aquecendo
as compras no exterior – mas as vantagens econômicas dessas compras ficam lá fora, não
no DF.
EditorialEditorialPublicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal
ConjunturaRevista de
Presidente da Fibra fala sobre as perspectivas e os
desafios da economia no Distrito Federal
ENTREVISTA
3
abril / junho / 2011
Antônio Rocha
Conjuntura - Como está o andamento das
obras públicas no DF no atual governo? Tem
algum segmento que o senhor acredita que não
esteja recebendo a atenção devida por parte do
governo?
Antônio Rocha - O ano de 2011 não foi dos melhores
para a construção civil. Muitas obras paradas e promessas
de retomada após a arrumação da casa por parte do
governo. No final do ano, enfim, houve o anúncio de
que o setor terá, a partir de 2012, um montante de R$
778 milhões para executar obras no Distrito Federal.
Em princípio, serão 149 obras. O governador Agnelo
Queiroz assinou também um decreto de criação de
um comitê emergencial para avaliação de mais de 500
projetos parados nas administrações do DF.
Conjuntura - Quais os principais projetos de
interesse do setor industrial que estão na Câmara
Legislativa do DF?
Antônio Rocha - Do total de 538 projetos de interesse da
indústria que tramitaram no ano legislativo de 2011, 268
apresentaram movimentação processual ou de mérito.
Vários destes foram motivo de análise e intervenção por
parte de representantes da indústria, valendo destacar,
entre eles, projeto que dispõe sobre o Plano da Gestão
Integrada de Resíduos da Construção Civil e Resíduos
Volumosos, que se tornou lei; proposta que trata sobre
a instalação e o funcionamento de feiras itinerantes no
DF, aprovado no final do ano e aguardando apreciação
Goiano da cidade de Luziânia, nascido em 1956,
Antônio Rocha da Silva, trabalhou toda a sua vida
como empresário. Filiado ao Sindicato da Indústria da
Construção Civil do DF, Rocha se elegeu, em 2002, presi-
dente da Fibra, cargo que ocupa até hoje. Está em seu ter-
ceiro mandato. À frente da entidade, ajudou a promover
a ampliação do parque industrial da cidade, elevando os
índices de geração de emprego e renda em Brasília.
Em entrevista à Revista de Conjuntura do Corecon-DF,
o presidente da Fibra falou sobre as principais ações que
a entidade a qual representa têm realizado, como tam-
bém as perspectivas de crescimento da indústria no
Distrito Federal.
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do governador; assim como a proposição que obriga
a reserva mínima de 5% das vagas de emprego para
mulheres na área de construção de obras públicas;
e iniciativa que determina a instalação de aparelhos
climatizadores e umidificadores evaporativos nos
estabelecimentos comerciais e industriais, ambos
vetados pelo governador, aguardando apreciação do
veto pela Câmara Legislativa.
Conjuntura - Diante do bom desempenho da
economia brasileira no cenário internacional,
quais as perspectivas da indústria no DF e quais
as principais dificuldades em relação aos estados
vizinhos?
Antônio Rocha - Estamos em fase de criatividade
em tempos de crise. O primeiro desafio é justamente
manter a competitividade do Distrito Federal. Para isso
são necessárias medidas em parceria com o Governo,
principalmente na questão tributária. O segundo é
a qualificação profissional. Eu creio que a mão-de-
obra qualificada faz grande diferença na produção
do Distrito Federal. Os marcos regulatórios são outro
desafio, para que os investidores tenham segurança
nos investimentos feitos, mediante regras muito
claras. Essas são as preocupações sobre as quais nós
trabalhamos, para estimular os investimentos. Porque
nós queremos que os americanos, os chineses, os
coreanos invistam aqui, inclusive comprando nossos
produtos.
Conjuntura - Que políticas ou medidas a Fibra tem
adotado e defendido para fortalecer a indústria no
DF?
Antônio Rocha - Estudo feito pela Fibra, o Programa
Estratégico de Desenvolvimento Industrial, buscou
identificar os desafios e objetivos para a retenção de
indústrias e atração de novas plantas para o Distrito
Federal para fortalecer a indústria e aumentar sua
competitividade. A projeção do estudo é de que a
participação industrial no PIB subiria para 15% até
2015. É um objetivo que nós estamos buscando,
principalmente por meio de parcerias com o governo.
É importante o setor privado e o Governo agirem de
forma conjunta para que possamos promover esse
crescimento.
Conjuntura - Quais os setores com maior potencial
de crescimento no DF? E qual a vocação industrial
do DF?
Antonio Rocha - O Distrito Federal possui indústria
da construção civil, de alimentação, da metalurgia, da
tecnologia da informação, do vestuário, de grãos. O
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A projeção do estudo é de que a participação industrial no PIB subiria
para 15% até 2015. É um objetivo que nós estamos buscando, principalmente por
meio de parcerias com o governo. É importante o
setor privado e o Governo agirem de forma
conjunta para que possamos promover
esse crescimento.
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outubro de 2011 / março de 2012
setor da construção civil abriga algumas das maiores
empresas do Brasil, inclusive empresas que participam
de obras em outros países. E no setor da tecnologia da
informação, temos empresas com representação em
23 países. A tendência é de maior incremento, porque
em breve teremos o Parque Tecnológico Capital Digital,
o que demonstra nossa vocação para a chamada
indústria limpa, o que também inclui fármacos e
semicondutores.
Conjuntura - Como está a competitividade da
indústria do DF no comércio internacional e quais
as perspectivas de crescimento das exportações do
DF?
Antônio Rocha - Hoje nós temos uma limitação.
Basicamente nossas exportações são decorrentes da
área de alimentação, especialmente de carnes de frango
e miudezas de frango. Mas, com o fortalecimento de
outros segmentos, como a tecnologia da informação
e a biotecnologia, a expectativa é melhorar a nossa
participação no mercado internacional. Para isso,
temos um Centro Internacional de Negócios que presta
assessoria às empresas no sentido de colocar o produto
no mercado exterior.
Conjuntura - Como está o desempenho da indústria
do DF no contexto de crise internacional e qual o
impacto da crise internacional na Indústria do DF?
Antônio Rocha - A crise está aí e, em um mundo
globalizado, ela afeta todas as esferas internacionais.
Mas nós apostamos em grandes investimentos no
Distrito Federal em decorrência da Copa do Mundo, da
qual Brasília sediará sete jogos. Portanto, nós teremos
investimentos em construção de estádio, mobilidade
urbana, ampliação da rede hoteleira. Enfim, são grandes
oportunidades que se abrem para que o mundo
faça investimentos numa cidade com alta renda per
capita, uma formação profissional semelhante à de
países desenvolvidos, uma cidade cujo IDH é o melhor
do país e se compara ao de grandes metrópoles
superdesenvolvidas.
Conjuntura - O senhor considera que o entorno
poderia ser solução para a ampliação do parque
industrial do DF?
Antônio Rocha - Considerando-se a relação
econômica existente hoje entre o Distrito Federal
e seu entorno, eu diria que sim. O DF se consolidou
como uma das principais áreas metropolitanas do país.
E por sua condição única de “cidade-estado”, possui
uma peculiaridade que a diferencia das demais áreas
metropolitanas, visto que a sua periferia metropolitana
situa-se em outra unidade da federação, ou seja,
o chamado entorno metropolitano, localizado em
Goiás, e que constitui com o DF um único mercado de
trabalho e de consumo, segundo estudos prospectivos
elaborados pela Federação das Indústrias do DF.
Além desse vínculo entre o DF e seu entorno, cabe
destacar ainda outros dois pontos favoráveis a essa
questão: a limitação de recursos naturais da Capital
Federal e a possibilidade de redução do enorme
desequilíbrio econômico existente hoje entre o DF e seu
entorno metropolitano. Nesse sentido, as perspectivas
de desenvolvimento para o setor industrial no DF deve
necessariamente levar em conta essa região.
Enfim, são grandes oportunidades que se abrem para que o mundo faça investimentos numa cidade com alta renda per capita, uma
formação profissional semelhante à de países desenvolvidos, uma cidade cujo IDH é o
melhor do país e se compara ao de grandes metrópoles superdesenvolvidas.
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ArtigoO aperfeiçoamento da função reguladora do Estado com o
Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão
em Regulação (Pro-Reg)Rodrigo Augusto Rodrigues
Dentre as funções básicas do Estado
contemporâneo - prover bens públicos, redistribuir
renda, induzir a atividade econômica e regular
mercados, - podemos considerar que, no Brasil, a função
reguladora é que tem experimentado desenvolvimento
mais recente.
Numa perspectiva da economia brasileira
contemporânea, considerando o período do início
da expansão industrial, com o modelo substituidor
de importações implementado a partir da era Vargas
(com forte indução da atividade econômica pelo
Estado e pesados investimentos estatais na montagem
da infraestrutura, em especial energia, petróleo e
derivados, transportes e telecomunicações), a função
reguladora foi ofuscada pela forte atuação direta do
Estado, de forma a induzir a atividade econômica
privada e prestar diretamente bens e serviços públicos.
Obviamente, em uma república com democracia
incipiente, na qual predominaram períodos de
autoritarismo, não cabia o Estado regular a si mesmo.
Com o esgotamento do modelo substituidor de
importações e da capacidade de expansão do Estado
e de manutenção dos investimentos necessários à
expansão e modernização da infraestrutura, foram as
denominadas “reformas neoliberais” em meados dos
anos 1990. Essas reformas promoveram a flexibilização
dos monopólios do Estado nos setores de energia,
gás, petróleo e derivados e telecomunicações, com
as emendas constitucionais submetidas pelo Poder
Executivo e aprovadas pelo Congresso em 1995
(Emendas Constitucionais nºs 6, 8 e 9). Também em
1995 foi sancionada a lei sobre o regime de concessão
e permissão da prestação de serviços públicos, que
regulamentou o art. 175 da Constituição Federal (Lei nº
8.987, de 1995).
Esses dispositivos constitucionais e legais,
acrescidos das legislações específicas que regulavam
a prestação de serviços e as concessões nos setores
de energia, petróleo e telecomunicações, permitiram
a desestatização da infraestrutura, a criação das
respectivas agências reguladoras, a instituição de
marcos regulatórios nesses setores e o desenvolvimento
da função reguladora do Estado brasileiro.
Desde então, dez agências reguladoras foram
criadas e instituídas no Poder Executivo Federal, para
regular as diversas imperfeições de mercado, como
os monopólios naturais (no caso de serviços de redes
de infraestrutura), assimetrias de informações (no
caso de vigilância sanitária e saúde suplementar), e
externalidades negativas e bens públicos (no caso do
uso da água e dos recursos hídricos).
As peculiaridades da regulação da concessão
e prestação dos serviços de infraestrutura (como
a necessidade de estabelecer marcos regulatórios
perenes e a autonomia dos reguladores, como forma
de atrair capital privado para o investimento em
setores que exigem grande volume de investimentos
e retorno a longo prazo), estabeleceram um paradigma
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Essas reformas pro-moveram a flexibiliza-
ção dos monopólios do Estado nos setores de
energia, gás, petróleo e derivados e telecomu-
nicações, com as emen-das constitucionais
submetidas pelo Poder Executivo e aprovadas
pelo Congresso em 1995 (Emendas Constitucio-
nais nºs 6, 8 e 9).
para o modelo regulador brasileiro, baseado na
pretensa autonomia ou independência das agências
reguladoras. Essa autonomia ficou expressa no
mandato de seus dirigentes e na existência de fontes de
recursos próprios, visando às autonomias orçamentária,
financeira e administrativa.
Quando criadas, as agências reguladoras não
contavam com quadro próprio de pessoal. A partir
do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do
Estado, implementado e vigente no governo do ex-
presidente Fernando Henrique Cardoso, elas não
foram consideradas como típicas de Estado. Seus
quadros iniciais foram constituídos por empregados
das empresas estatais que passaram a ser reguladas,
por funcionários terceirizados e por ocupantes de
cargos comissionados. O governo pretendia também
preenchê-las com ocupantes de empregos públicos,
regidos pela CLT – portanto passíveis de demissão e sem
estabilidade no emprego, característica reservada aos
servidores públicos. Considerando a função reguladora
como típica de Estado, partidos então de oposição
ingressaram com ação direta de inconstitucionalidade
e questionaram o regime do emprego público para os
quadros próprios de pessoal das agências reguladoras,
tese a princípio endossada pelo Supremo Tribunal
Federal, mas ainda pendente de decisão final.
Quando assumiu o seu primeiro mandato
como presidente da República, Luiz Inácio Lula da
Silva, em decorrência da polêmica ensejada pelo
papel e a autonomia das agências reguladoras e
o questionamento dessas entidades no modelo
de Estado desenvolvimentista então pretendido,
atribuiu a existências dessas agências ao anterior
modelo “neoliberal” e determinou a criação de um
grupo de trabalho que fizesse a análise da avaliação
do papel delas no arranjo institucional brasileiro. O
resultado final desse trabalho, contendo diagnóstico,
análise, conclusões e recomendações, foi aprovado
e divulgado no final de 2003. Em resumo, o grupo de
trabalho concluiu que o modelo das agências para o
exercício da função reguladora é o que permite os
melhores resultados em termos de promoção do bem-
estar social. Por outro lado identificou que o modelo
brasileiro carecia de aperfeiçoamentos, como os
mecanismos de controle social, prestação de contas e
transparência das agências, a dotação de seus quadros
próprios de pessoal e a delimitação e separação do
papel regulador e fiscalizador, atribuído às agências,
do papel de outorga de serviços públicos, reservado à
União como poder concedente.
Ao endossar o relatório desse grupo de trabalho,
o ex-presidente Lula determinou a implementação
das suas recomendações. Dentre elas, a criação das
carreiras e cargos efetivos das agências reguladoras,
regidos pela Lei 8.112, de 1990, por meio da edição de
medida provisória que, referendada pelo Congresso,
converteu-se na Lei nº 10.871, de 2004. A partir de então,
decorridos sete anos de criação das primeiras agências
reguladoras, foi possível realizar os concursos públicos
para a seleção e estabelecimento de seus quadros
próprios. Considero essa dotação dos quadros próprios
um marco na evolução e consolidação institucional das
agências reguladoras no país.
Também em 2004 o Poder Executivo encaminhou
ao Congresso Nacional o Projeto de Lei, que recebeu o
nº 3.337/2004 na Câmara dos Deputados, que dispõe
sobre as agências reguladoras, institui e uniformiza
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os mecanismos de controle social, transparência
e prestação de contas das agências reguladoras,
o papel das ouvidorias, as consultas e audiências
públicas, condições e mandato de seus dirigentes e
transferência do poder de outorga de serviços públicos
para os ministérios. A discussão sobre esse projeto de
lei foi distorcida pelo embate ideológico entre governo
e oposição, com esta utilizando o argumento da
interferência do governo para limitar a autonomia das
agências reguladoras. Até a presente data, o projeto
de lei está pendente de deliberação na comissão
especial instituída para a sua análise pela Câmara dos
Deputados.
Em 2007, a Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico (OCDE) realizou uma
revisão interpares (peer review), por solicitação
do governo brasileiro, sobre o modelo regulatório
e as agências reguladoras no Brasil. O estudo foi
concluído e publicado em maio de 2008. Envolveu a
análise dos setores e respectivas agências de energia,
telecomunicações, transportes terrestres e saúde
suplementar. O estudo comparou a regulação brasileira
com as melhores práticas regulatórias adotadas nos
países-membros da OCDE.
O estudo reconhece o mérito da instituição
das agências reguladoras no Brasil e seu histórico
ainda incipiente, e faz algumas recomendações.
Dentre elas, o aperfeiçoamento dos mecanismos de
prestação de contas, consulta pública e transparência
(accountability), a introdução sistemática da análise de
impacto regulatório e a criação de uma instância de
coordenação e supervisão da qualidade da regulação.
Ainda em 2007, em busca do aperfeiçoamento
da função regulatória do Poder Executivo, o governo
instituiu o Programa de Fortalecimento da Capacidade
Institucional para Gestão em Regulação - Pro-Reg. Sua
finalidade é contribuir para a melhoria do sistema
regulatório, da coordenação entre as instituições que
participam do processo regulatório exercido pelo
governo federal, dos mecanismos de prestação de
contas e de participação e monitoramento por parte
da sociedade civil da qualidade da regulação dos
mercados.
O Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação – PRO-REG
Instituído pelo Decreto nº 6.062, de 16 de
março de 2007, o Pro-Reg conta com o apoio do
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
É coordenado por um comitê gestor composto
por representantes da Casa Civil da Presidência
da República e dos Ministérios da Fazenda e do
Planejamento, Orçamento e Gestão. Está estruturado
em quatro eixos de atuação, cujas funções são: (i)
fortalecer a capacidade de formulação e análise de
políticas públicas nos setores regulados; (ii) melhorar
a coordenação e o alinhamento estratégico entre
as políticas setoriais e o processo regulatório; (iii)
fortalecer a autonomia e melhorar o desempenho das
agências reguladoras; e (iv) desenvolver e aperfeiçoar
os mecanismos para o exercício do controle social e
transparência.
Para atingir esses propósitos, foram contratados
estudos de consultores para a análise e formulação
de subsídios para questões específicas, como: (i) uma
estratégia de implantação e institucionalização da
análise de impacto regulatório como instrumento
de apoio à melhoria da qualidade da regulação; (ii)
a estruturação de uma unidade de coordenação,
acompanhamento e avaliação da qualidade
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Ainda em 2007, em busca do aperfeiçoa-
mento da função regulatória do Poder Executivo, o governo
instituiu o Programa de Fortalecimento da
Capacidade Institucional para Gestão em
Regulação - Pro-Reg.
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da regulação, com base nas melhores práticas
internacionais; (iii) o desenvolvimento e implementação
de um sistema de seleção de diretores das agências
reguladoras; (iv) a organização e aperfeiçoamento
das ouvidorias das agências; e (v) a conformação do
modelo de dados do Sistema Nacional de Informações
de Defesa do Consumidor (Sindec). Esses estudos, suas
conclusões e recomendações foram editados em dois
volumes em 2010.
Também constituem ações do Pro-Reg a
sensibilização e a capacitação de servidores públicos
federais para questões regulatórias específicas, cujo
objetivo principal é a capacitação dos quadros próprios
de pessoal das agências reguladoras, dos ministérios
e órgãos responsáveis pela formulação de políticas
públicas em setores regulados, dos órgãos e entidades
envolvidos com a defesa do consumidor, mas que
também tem permitido a capacitação de pessoal de
agências reguladoras estaduais e municipais.
O esforço de capacitação de pessoal das agências
reguladoras e ministérios promovido pelo Pro-Reg
já envolveu 1.544 servidores. A meta para 2012 é
capacitar outros 1.500, como informado na Mensagem
Presidencial ao Congresso Nacional de 2012. Entre
os cursos realizados, merecem destaque a realização
de sete edições do Curso Avançado em Regulação,
ministrado pelo Institute of Brazilian Business and Public
Management Issues vinculado à George Washington
University, que contou com 182 participantes; o
Programa de Fortalecimento de Competências
em Gestão e Regulação, em parceria com a Escola
Nacional de Administração Pública (Enap) e o Fórum
de Recursos Humanos das Agências Reguladoras,
com 560 participantes; o curso Regulação: Teoria e
Prática, ministrado por professores da London School
of Economics and Political Science e da Hertie Berlin
School of Governance; e o curso Regulação e Defesa do
Consumidor, em parceria com o Instituto Brasileiro de
Defesa do Consumidor e o Departamento de Proteção
e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça.
Entre as atividades desenvolvidas pelo Programa,
ressalta-se a implantação de projetos-piloto de Análise
do Impacto Regulatório (AIR) em agências reguladoras
federais. Em 2011, foram trabalhados 16 projetos-
pilotos em AIR em seis agências: Ancine, Aneel, ANP,
ANS, Antaq e Anvisa. O aproveitamento foi excelente e o
esforço foi reconhecido internacionalmente como um
grande avanço na melhoria da qualidade da regulação
no Brasil. Importante mencionar também a atuação e o
intercâmbio para troca de experiências entre o Pro-Reg
e organismos internacionais como o Better Regulation
Executive (BRE), do Reino Unido, o Office of Information
and Regulatory Affairs (Oira), dos EUA e a Comisión
Federal de Mejora Regulatória (Comfer), do México, para
o aperfeiçoamento da regulação no Brasil.
Conclusão
Transcorrida uma década e meia da criação
das agências reguladoras no Brasil, podemos
constatar significativos avanços institucionais e o
amadurecimento do debate em torno do papel, das
funções e do desempenho dessas agências.
O Estado brasileiro atuou deliberadamente no
aperfeiçoamento da função reguladora, instituiu
‘‘
‘‘
O esforço de capaci-tação de pessoal das
agências reguladoras e ministérios promovido pelo Pro-Reg já envol-veu 1.544 servidores. A meta para 2012 é
capacitar outros 1.500, como informado na
Mensagem Presiden-cial ao Congresso Nacional de 2012.
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as agências e seus quadros de pessoal, propôs ao
Congresso Nacional medidas para o controle social,
prestação de contas e transparência das ações das
agências reguladoras e criou um programa específico
para a capacitação de pessoal e o aperfeiçoamento
do exercício da regulação no Brasil. Os dirigentes das
agências reguladoras têm percebido a necessidade
de alinhamento com o governo e a sociedade para se
chegar ao aperfeiçoamento institucional das entidades
que dirigem. Para isso, têm introduzido instrumentos e
ferramentas internacionalmente reconhecidos como
válidos para a melhoria da regulação, como a análise
de impacto regulatório.
Tem sido possível aprender e assimilar as melhores
práticas internacionais e adaptá-las às peculiaridades
brasileiras. Juntamente com a estabilidade monetária
e a política fiscal equilibrada, o aperfeiçoamento da
regulação tem contribuído para os fundamentos
macroeconômicos necessários ao desenvolvimento
sustentável.
Referências bibliográficas
BRASIL. Presidente (2012: D. V. Rousseff ).
Mensagem ao Congresso Nacional 2012: 2ª Sessão
Legislativa Ordinária da 54ª legislatura. Brasília:
Presidência da República, 2012 (PP.384-386).
BRASIL. Presidência da República. Pro-Reg:
contribuições para a melhoria da qualidade da
regulação no Brasil. Jadir Dias Proença (org.).
Brasília: Semear Editora, 2010. Volumes 1 e 2.
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Análise
e avaliação do papel das agências reguladoras no
atual arranjo institucional brasileiro: Relatório do
Grupo de Trabalho Interministerial. Brasília, 2003.
OECD. Reviews of Regulatory Reform. Brazil:
Strengthening Governance for Growth. Paris, 2008
(www.oecd.org/publishing).
www.regulacao.gov.br
Rodrigo Augusto Rodrigues rrodrigues@presidencia.gov.br Economista (UFRGS), mestre em Economia da Regulação e Defesa
da Concorrência pela Universidade de Brasília, especialista em
Economia Quantitativa (UFRGS), professor do UDF e IDP, especialista
em Políticas Públicas e Gestão Governamental, subchefe adjunto
da Subchefia de Análise e Acompanhamento de Políticas
Governamentais da Casa Civil da Presidência da República.
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outubro de 2011 / março de 2012
ArtigoOs desafios democráticos na governança da política
monetária brasileira e o ponto Nairu
Ricardo Wahrendorff Caldas e James Batista Vieira
A estrutura de governança da política monetária
envolve o conjunto de instituições necessárias à sua
operação, incluindo os agentes responsáveis por
sua elaboração e execução. Seus mecanismos são
responsáveis por definir:
a. os objetivos da política;
b. os responsáveis pela formulação dos objetivos;
c. o controle sobre os processos de elaboração e
implementação da política.
No Brasil, durante os anos 90, a política econômica
sofreu diversas transformações que culminaram na
instituição do regime de metas para a inflação. Desde
então, com as mudanças do regime cambial que
encerraram o sistema de bandas cambiais, a condução
da política monetária assumiu um papel de destaque
na economia brasileira e com ela, as suas duas principais
instituições: o Conselho Monetário Nacional (CMN)
e o Comitê de Política Monetária do Banco Central
(Copom).1
A atual estrutura de governança, legitimada por
manter uma taxa média de inflação efetiva em 6,78%
(IPCA% a.a) nos últimos 11 anos, tornou-se alvo de
constantes críticas, pois:
a. não distingue claramente as instituições
responsáveis pelo estabelecimento das metas
inflacionárias e o seu alcance – tendo em vista a
acentuada capacidade do Banco Central em influenciar
a fixação das metas;
b. o processo de fixação das metas para inflação
não representa as preferências sociais por inflação
e desemprego – nem as metas, nem a velocidade de
convergência a elas, refletem um consenso social;2
c. a autoridade monetária utiliza o índice cheio
do IPCA, havendo pouco espaço para acomodar
choques de oferta – ou seja, o BC não deveria ignorar a
estabilização do nível de produção e emprego;3
d. a expectativa de inflação que influencia a fixação
da taxa de juros reflete a opinião de analistas do
mercado financeiro – elevando o risco de captura da
agência pelos bancos.4
Estas características do modelo de governança
da política monetária impõem múltiplos riscos à
integridade da política econômica brasileira, pois:
a. a referida autonomia do BC em influenciar a
meta para inflação e não apenas a utilização de seus
instrumentos não é condizente com um regime
1 Ao primeiro, órgão deliberativo máximo do Sistema Financeiro Nacional, compete estabelecer as metas de inflação. Ao segundo, fixar o valor da taxa básica de juros – a Selic – num patamar compatível com a meta do CMN.2 Tinbergen, J. (1952). On the Theory of Economic Policy. North Holland: Amsterdam.3 Bernanke, B. et. al. (1999). Inflation Targeting: lessons from the international experience. Princeton University Press: Princeton.4 Belaisch, A. (2003). “Does Brazilian Banks Compete?” IMF Working Paper 03/113.
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democrático no qual cabe aos representantes do
povo assumirem as responsabilidades pelas decisões
políticas (há uma enorme fragilidade dos mecanismos
de governança democrática);
b. as metas não refletem o grau de aversão social
a inflação e ao desemprego – um trade-off que gera
constantes embates políticos entre o sistema financeiro
(que dá sustentabilidade política e ideológica às
taxas atuais) e os representantes dos trabalhadores
e empresários (que pedem políticas de metas mais
realistas e defendem a prioridade ao crescimento
econômico em oposição à luta contra inflação);
c. a taxa de juros real permanece num patamar
elevado, seja comparado a outros países ou baseado em
qualquer estimativa do valor de equilíbrio da referida
taxa, alentando especulações bastante plausíveis sobre
a influência do setor financeiro nas expectativas de
inflação.5
No que tange ao impacto fiscal, a dívida pública
interna mobiliária, de aproximadamente R$ 1,8 trilhão,
na qual 3/5 estão indexadas à taxa básica de juros,
obrigou o país a destinar, em 2011, aproximadamente
R$ 165 bilhões somente ao pagamento de juros da
dívida pública interna. Nesse contexto, agravado pelo
objetivo macroeconômico de redução da relação
dívida/PIB que força o aumento do superávit primário,
previsto em 3,1% do PIB para 2011, parte significativa
da execução das prioridades de investimento, previstas
no Orçamento Plurianual democraticamente aprovado
pelo Congresso, é sistematicamente negligenciada por
meio das medidas de contingenciamento.6
Assim, ao mesmo tempo em que uma série de
políticas governamentais deixam de ser executadas
por escassez de recursos, bilhões são transferidos
aos detentores dos títulos públicos – em sua grande
maioria instituições financeiras privadas - e o instituto
do orçamento, instrumento democrático essencial à
transparência e ao controle político e social dos recursos
públicos, perde relevância frente os imperativos da
meta para inflação.
A política monetária interfere nas decisões de
consumo e investimento, produzindo efeitos sobre
o crescimento econômico e o bem-estar social (com
repercussões no emprego, na renda e demais condições
sociais). Por esta razão, o impacto social dessas medidas
não deveria permitir que suas decisões fossem alijadas
do controle social e político exercido pelas instituições
democráticas.
As várias propostas de mudança sobre a política
monetária e seu controle, constantemente em
pauta, tendem a ser criticadas pelo pensamento
econômico ortodoxo com base no argumento de
que o estabelecimento da meta de inflação e da
correspondente taxa de juros são questões técnicas.7 No
entanto, são exatamente os países mais desenvolvidos,
dentre os quais os Estados Unidos e o Reino Unido,
onde os objetivos de crescimento econômico, redução
do desemprego e a supervisão política são marcas de
destaque, que promovem a estabilidade econômica
com o mínimo de desemprego. Dito de outra forma,
nos EUA e no Reino Unido o objetivo é atingir o mínimo
de desemprego possível (ou o ponto mais próximo
possível do pleno emprego) sem gerar inflação. Busca-
se, portanto, gerar um ambiente que estimule o pleno
emprego, sem pressões inflacionárias.8
Com efeito, nos Estados Unidos, as ações do Federal
Reserve System (FED) devem estar alinhadas com os
objetivos da política econômica do governo, pois sua
missão, definida em lei, compreende, dentre outros
aspectos, o dever de: “conduzir a política monetária do
5 Oreiro, J.; Passos, M. A Governança da política monetária brasileira: análise e proposta de mudança. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p.
157-168, jun. 2005. * 6 Tinbergen, J. (1952). On the Theory of Economic Policy. North Holland: Amsterdam.6 A título de comparação, destacamos que, até outubro deste ano, o governo federal havia executado R$ 143 bilhões, 15% do montante previsto
para o período (2011-2014), do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2).7 Castanhar, J. Política Econômica, Democracia e Governança: A Composição do CMN e a Independência do Banco Central. Notas para discussão
no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República. s/d.8 Cabe lembrar que no contexto contemporâneo, pleno emprego não significa desemprego zero, mas o ponto onde o nível de emprego e utili-
zação dos demais fatores de produção não pressiona os preços. Vide a esse respeito, Lucia Maria Nunes Matos. Política Orçamental: A utilização
das variáveis orçamentais portuguesas com intuito de estabilização. Minho, Universidade do Minho, 2007 (Dissertação de Mestrado em Política
Econômica).
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outubro de 2011 / março de 2012
país, pela administração de oferta de moeda e crédito,
com o objetivo de alcançar o pleno emprego e preços
estáveis”. 9 Os objetivos da política econômica norte-
americana, previstos no Employment Act de 1946 e no
Full Employment and Balanced Act de 1978, preveem
explicitamente “o crescimento econômico consistente
com o potencial de expansão da economia; um alto
nível de emprego; preços estáveis (manter o poder
aquisitivo da moeda); e taxas de juros moderadas
no longo prazo”. Ou seja, a formulação da política
econômica está legitimada em regras estabelecidas
pelas instâncias políticas da sociedade e busca
assegurar o compromisso dos formuladores da política
com o crescimento do país.
No Reino Unido, a reforma do Banco da Inglaterra,
promoveu a independência operacional do banco
em 1998, criando um comitê de política monetária
autônomo para tomar as medidas de política monetária
necessárias para alcançar a meta para inflação definida
pelo governo – que poderá em “circunstâncias extremas
e quando o interesse nacional exigir” dar instruções ao
Banco da Inglaterra sobre as taxas de juros, por um
período limitado. O referido comitê presta contas ao
governo pelo cumprimento das metas estabelecidas
(accountable) e tem seu desempenho e procedimentos
acompanhados (reviewed) pelo corpo diretor do banco
(the court), composto por representantes de vários
segmentos da sociedade, incluindo um dirigente
sindical. Além disso, o banco é responsável por
prestar contas ao Parlamento, por meio de relatórios
e a prestação periódica de informações ao Comitê do
Tesouro, e a legislação prevê medidas de transparência
que tornam o banco responsável perante a sociedade
como um todo (publicação das atas, bem como dos
relatórios de inflação).
É nesse contexto que se desenvolveu a teoria de Ed-
mund Phelps que cunhou a inovadora expressão Nairu
(Non-Accelerating Inflation Rate of Unemployment). Para
Phelps, os presidentes dos Bancos Centrais tendem a
seguir a Nairu, que é o nível de ocupação dos fatores
produtivos que não estimula as pressões inflacioná-
rias.10
No Brasil, em consonância com as experiências
internacionais e considerando que as controvérsias
sobre a meta para a inflação apropriada e a taxa de
juros real compatível com essa meta são inevitáveis,
e o seu debate saudável é necessário, considera-
se indispensável uma reforma dos mecanismos de
governança da política monetária que promova
mudanças:
a. na composição do Conselho Monetário Nacional
– com o objetivo de elevar a sua representatividade e
legitimidade;
b. nos objetivos do CMN, perseguidos pelo Banco
Central, ampliando-os para além da meta de inflação
– abarcando objetivos de crescimento, geração de
emprego e outras metas sociais;
c. em favor da recuperação das condições de
supervisão do Congresso Nacional sobre a definição
dos objetivos da política econômica;
d. na forma de apuração das expectativas
inflacionárias – aproximando-as da percepção de
um conjunto mais amplo de agentes, especialmente
aqueles com poder de formação de preços;
9 Today, the Federal Reserve’s duties fall into four general areas: conducting the nation’s monetary policy by influencing the monetary and credit conditions in the economy in pursuit of maximum employment, stable prices, and moderate long-term interest rates; [..]10 Edmund Phelps, natural dos EUA, é Professor na Universidade de Columbia. Recebeu o Prêmio Nobel de 2006, por seu trabalho com política econômica defende justamente a teoria da taxa de desemprego que não acelera a inflação.
‘‘ ‘‘
...nos EUA e no Reino Unido o objetivo é
atingir o mínimo de desemprego possível
(ou o ponto mais próximo possível do pleno emprego) sem
gerar inflação.
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e. em favor da concessão de plena autonomia
operacional do Banco Central – o que não deve ser
confundido com a autonomia na formulação das metas
da política econômica.
Considerações finais
A questão da política e do lócus ideal da formulação
e proposição de políticas de combate à inflação está
longe de ter sido resolvida. Nota-se, no entanto, que ao
contrário do que ocorre em países desenvolvidos, no
Brasil, o objetivo maior do combate à inflação ainda
não é atingir o ponto Nairu, onde haveria o mínimo de
desemprego com o máximo de utilização dos fatores
produtivos.
Observa-se que o combate à inflação está
fortemente concentrado na elevação da taxa de juros.
Nesse sentido, a fixação da taxa básica (a Selic) pelo
Banco Central é aguardada pelos principais agentes
econômicos. Dessa forma, o Brasil utiliza pouco, ou de
forma inadequada, outros poderosos instrumentos de
combate à inflação tais como:
i. os ajustes fiscais (aumento/redução dos impostos,
redução dos gastos governamentais, e elevação/
redução dos depósitos compulsórios no Banco Central);
ii. os redescontos bancários (empréstimos do Banco
Central aos Bancos privados);
iii. os depósitos compulsórios (conhecidos como
‘encaixe’ ou recolhimentos obrigatórios);
iv. as operações de open-market para enxugar a
oferta excessiva de moeda.
Naturalmente, muito embora todos esses
instrumentos sejam utilizados no Brasil, eles não
visam a auxiliar prioritariamente à política monetária,
mas antes se incluem na geração de um quadro
macroeconômico de estabilidade.
O ponto principal deste argumento é que, no Brasil,
isoladamente, a política da fixação da taxa de juros é o
principal instrumento e variável de combate à inflação
ao qual todos os demais instrumentos se inserem.
Dessa forma, o ajuste fiscal é adiado pela
incapacidade (ou falta de interesse) em estabelecer
um novo equilíbrio onde as classes de renda média
e alta são mais sobretaxadas diretamente. Ao invés
disso, estabelece-se uma maior taxação direta sobre os
assalariados, pela facilidade de imposição do desconto
do Imposto de Renda Pessoa Física na fonte e indireta
sobre os grupos de baixa renda, via IPI e demais
impostos indiretos. Como, no Brasil, não se distingue
entre salário e renda, a atual política de combate
à inflação se transformou em um instrumento de
transferência líquida de renda para o setor financeiro e
de concentração de renda da sociedade como um todo.
Muito embora o sistema de metas tenha tido êxito
desde que foi adotado em 1999, portanto, há cerca
de 12 anos, ele não permite o controle social sobre
a política econômica, defendido neste artigo, nem
considera a reforma dos mecanismos de governança
da política monetária aqui mencionados.
Além disso, a atual política de combate à inflação
também não leva em consideração as recentes de
contribuições de Edmund Phelps em torno do Nairu
(Non-Accelerating Inflation Rate of Unemployment).
Os atuais discursos de economistas oficiais de que já
teríamos atingido o ponto ‘Nairu’ apenas encobrem a
necessidade de reforma no nosso modelo de combate
à inflação, sem demonstrarem cientificamente que já
teríamos atingido esse ponto.
Ricardo Wahrendorff Caldas ricardocaldas@uol.com.br Economista (UnB), mestre em Ciência Política (UnB), doutor em
Relações Internacionais (Kent University). Diretor do Centro de
Estudos Avançados Multidisciplinares da Universidade de Brasília.
James Batista Vieirajamesvieira@unb.br
Cientista Político (UnB), mestre em Ciência Política (UFRGS),
doutorando em Ciência Política (UERJ).
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ArtigoCommodities: estruturalismo às avessas
Antônio Elias Silva e José Nelson Bessa Maia
O recente surto de consumo das principais
commodities no início do século XXI revelou-nos que o
mundo é finito. A incorporação de centenas de milhões
de pessoas à classe média nos países emergentes e em
desenvolvimento elevou vertiginosamente a demanda
por produtos básicos: alimentos, minerais e fontes
de energia. A Organização das Nações Unidas (ONU)
estima que o planeta esteja sobreutilizado em mais de
30%. A situação já é insustentável em muitos setores.
Gráfico 1: Classe média na Ásia, 2010-2030
Determinates estruturais
Fonte: “The Rise of Asia’s Middle Class”, in Key Indicators for Asia and the Pacific 2010, Asian Development Bank, Aug. 2010.
No século XX, a população multiplicou-se por
quatro; o consumo de carvão, por seis; o de cobre, por
25. Em geral, o consumo de metais chegou, em 2008,
a 1,4 bilhão de toneladas – o dobro dos anos 1970,
sete vezes mais que em 1950; o consumo de alumínio
aumentou, entre 1950 e 2008, de 2 para 40 milhões de
toneladas; o de plásticos multiplicou-se por 18 em 34
anos. A disponibilidade de muitos dos metais usados
nas mais diversas tecnologias (telefones, computadores
etc.) está gravemente ameaçada. Por tudo isso, lembra
o professor Waldman, da Unicamp, a frase do filósofo
Paulo Valéry: “Começa a era do mundo finito”.1
Mesmo assim, a demanda da nova classe média
mundial irá aumentar cada vez mais, haja vista que a
Índia, cuja população deverá superar a da China nas
próximas décadas, está apenas iniciando seu processo
de industrialização. Assim, conforme observou Peter
Drucker, a maior mudança no início do século XXI está
na demografia, e as maiores oportunidades a serem
aproveitadas estão nas mudanças.
Pecuária, Itapaci-GO
Com efeito, em face dessa revolução no consumo
mundial, em que mais pessoas estão podendo consumir
1 Cf. Novaes, Washington. Começou a era do mundo finito. O Estado de S. Paulo, 18 nov. 2011. 2 Cf. Heller, Robert. Entenda e Ponha em Prática as Ideias de Peter Drucker. Tradução Publifolha, DK, 2001, p.90.
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bens superiores, como carne, leite, moradia, automóvel
etc, os países exportadores de commodities têm
melhorado seus termos de troca a olhos vistos. O Chile,
por exemplo, obteve melhora de mais de 100% em seus
termos de troca na última década; o Brasil, em mais de
40%. Destarte, dado o aspecto finito das commodities,
a sua insubstituibilidade na maioria dos casos, países
que mais exportam tais matérias-primas têm logrado
êxito, na última década, na arena internacional, mesmo
apresentando gargalos, como infraestrutura precária,
baixa qualificação de sua mão-de-obra, legislação
trabalhista rígida, ambiente de negócio inóspito, alta
corrupção, dentre outros.
Gráfico 2: Evolução dos termos de troca do
Brasil, 1991-2011 Evolução dos termos de troca do Brasil
Fonte: Funcex/ Elaboração: O autor
A grande questão com que o mundo se depara é
se será este um superciclo de alta dos preços, um ciclo
de médio ou de curto prazo. As commodities minerais
recentemente atingiram os preços reais mais altos
da história; o petróleo o fez em 2008, e os alimentos
só não superaram, em 2011, os picos das décadas de
1910 e 1970. Dessas categorias, aquela que tem maior
elasticidade-preço da oferta é a de alimentos, pois
dado um intervalo de seis meses, a reposta à demanda
pode ser imensa. No entanto, vários fatores limitantes
contribuem para que essa reação não assuma a
intensidade que normalmente deveria. Destacam-se
dois: i) a baixa rentabilidade da atividade ao produtor
(conforme mostrado em estudo pela Unidade para
Sustentabilidade Internacional (ISU, sigla em inglês,
entidade ligada à Instituição de Caridade do Príncipe
de Gales³), e ii) a crescente escassez de mão-de-obra
no campo, principalmente nos países que poderiam
responder mais rapidamente.
Nos EUA, por exemplo, mesmo em período de forte
desemprego, os fazendeiros estão recorrendo à mão-
de-obra de presidiários. No Brasil, cafeicultores no
Espírito Santo estão destruindo suas plantações por
não encontrarem mão-de-obra para efetivar a colheita.
Na Austrália, o setor agropecuário necessita contratar
100 mil trabalhadores. Aliado a esses limitadores, há
ainda exigências ambientais cada vez mais restritivas;
subsídios nos países ricos, que deprimem os preços aos
produtores nos demais países; existência de oligopólios
e/ou oligopsônios mundiais na cadeia produtiva
do agronegócio mundial que tomam para si lucros
crescentes às custas de imensa perda de renda pelos
fazendeiros; limitação de áreas para expansão nos países
desenvolvidos e nos emergentes asiáticos; escassez
de água para irrigação; estagnação da produtividade
nos países avançados nos últimos 15 anos; produção
mais dependente da América do Sul e região do Mar
Negro, cuja volatilidade climática é superior à de áreas
agrícolas tradicionais dos EUA e Europa, e infraestrutura
e ambiente de negócio deficientes em países
emergentes e em desenvolvimento, que poderiam
aumentar sua produção substancialmente. Em face
desses fatores, a produção não tem aumentado como
deveria e os estoques estão em níveis alarmantemente
baixos.
Gráfico 3: Relação entre estoque e
consumo mundial agrícola (%) Relação entre estoque e consumo mundial agrícola (%)
Nota: Os estoques estão no fim do período. Totais para o consumo mundial refletem a utilização total, incluindo alimentos, sementes, industrializados e resíduos. Arroz refere-se a arroz branqueado.
Fonte: USDA, Tesouro Australiano
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Gráfico 4: Preços reais das commodities no
longo prazo Preço reais das commodities no longo prazo.
Média de 2005=100
Total
Principais grupos de commodities
Em US$: deflacionado pelos preços das exportações mundiais,
média 2005=100.
Fonte: IMF, International Financial Statistics
Gráfico 5: Evolução dos preços nominais dos principais grupos de commodities
Evolução dos preços nominais dos principais grupos de commodities
Gráfico 6: Preços reais por setor
Escala Logarítmica, 1900=100, Deflator do PIB dos EUA
Fonte: Bloomberg; Cashin & Mcdermott (2002); Datastream; Global Financial Data; Grilli and Yang (1988); IMF; RDA¨
Os subsídios dos países ricos são os grandes “vilões”,
principalmente em relação a aproximadamente um
bilhão de pessoas subnutridas no planeta. Mais que
problema de oferta de alimentos, a fome na África,
por exemplo, está mais ligada à questão de acesso
e distribuição. Para ter acesso, é fundamental que se
tenha renda. Como a agricultura é a principal atividade
econômica nesses países, onde absorve a maior parte da
população economicamente ativa, a sua inviabilidade
econômica por conta dos preços deprimidos no
mercado internacional em razão dos subsídios em
países avançados resulta em baixa renda da população
e arrecadação insuficiente de impostos. Isso torna o
acesso à alimentação inatingível para grande parte da
população, uma vez que os governos não conseguem
melhorar a distribuição (por não poderem prover
infraestrutura de transporte e eletrificação rural) nem
subsidiar os preços à população de baixa renda. Isso
é ainda mais grave, pois é na África onde a produção
de alimentos poderia dar grandes saltos, em função
da baixa produtividade (em torno de uma tonelada
de grãos/ha), que poderia ser triplicada, e pela alta
disponibilidade de terras produtivas não utilizadas (550
milhões de ha), boa oferta de água doce, sol, clima, solo
e relevo adequados. Assim, os subsídios nas nações
ricas promovem dependência alimentar em vez de
segurança alimentar, e previnem o desenvolvimento
da produção em áreas mais adequadas para sua
expansão. Além disso, possuem altos custos (US$ 360
bilhões por ano, equivalente ao PIB da Arábia Saudita),
baixa eficiência e fracassam até mesmo em apoiar as
populações rurais mais vulneráveis dos países ricos,
Fonte: IMF, International Financial Statistics
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uma vez que a maior parte das transferências vai para
os grandes produtores.
Gráfico 7: Países com maiores disponibili-dades de terras para a agricultura
Percentual do total mundial
Fonte: IFPRI, FAO, Standard Bank Research
Dentro desse contexto, enquanto os subsídios
nesses países não forem reduzidos, o único caminho
para garantir segurança alimentar nos países pobres
com grande potencial produtivo seria a partir da
melhoria na infraestrutura rural e incorporação de
tecnologias agrícolas mais avançadas, por meio de
recursos de bancos multilaterais de desenvolvimento e
Ajuda Oficial para o Desenvolvimento (ODA, na sigla em
inglês), investimento estrangeiro direto (como já vem
ocorrendo), ao mesmo tempo em que se devem impor
tarifas de importação compensatórias para alimentos
produzidos com subsídios nos países avançados.
É também crucial a promoção do cooperativismo
nessas nações, pois assim é possível ao mesmo tempo
aumentar a renda dos produtores e garantir preços baixos
aos consumidores, ao erodir a renda dos intermediários.
Países emergentes com grande potencial de aumento
de produção, como os do Mercosul, com situação fiscal
mais confortável, devem subsidiar sua agricultura
enquanto os subsídios dos países ricos não sejam
eliminados ou reduzidos. Dessa forma, a produção
avançará onde naturalmente deveria e os riscos reais
de desabastecimento do planeta desaparecerão.
Essa estratégia seria ainda eficaz para forçar a
eliminação dos subsídios agrícolas naqueles países.
Gráfico 8: Evolução do preço real dos
alimentos desde 1900 3 (base logarítmica)
Tendências dos prelos dos alimentos em ascensão, mas ainda abaixo dos níveis da grande depressão. (Logarítmo natural de um índice em US$ de 1977,
1970=100)
Fonte: Grilli e Yang (1988), Pfaffenzeller (2007); e FMI, Commodity
Price System Database.
No que concerne à oferta das commodities metálicas
e energéticas, a crescente escassez delas torna o
atendimento da demanda em ascensão um enorme
desafio. A energia pode ser substituída por fontes
renováveis, ainda que nem todos os países tenham
potencial para fazê-lo na escala necessária. Uma
alternativa para o petróleo são os biocombustíveis, que,
ao contrário do que se pensa, podem ter sua produção
compatibilizada com o aumento da produção de
alimentos, dada a disponibilidade de vastas extensões
de terras produtivas não utilizadas em alguns países,
mormente tropicais, onde seria possível expandir a
produção de forma sustentável. O maior gargalo a ser
superado, conforme já mencionado, são os subsídios
que distorcem os mercados agrícolas e a estrutura
oligopolizada do agronegócio mundial, em que as
indústrias impõem seus preços aos produtores.
Resolvida a questão da renda no campo, por meio
da supressão das distorções causadas pelos subsídios
agrícolas unilaterais dos países avançados e o
fortalecimento do cooperativismo, os países da América
do Sul (com 268 milhões de ha) e da África (com 550
milhões de ha) possuem, em conjunto, 818 milhões de
ha de área passível de expansão pela agricultura, o que
equivale a mais da metade da área agrícola mundial
atualmente em uso. Além disso, a produtividade atual
pode ser multiplicada em várias partes do mundo em
3 Este gráfico está em base logarítmica, o que implica que os preços reais em 1900 eram superiores em 25 vezes os de 2000 e oito vezes os de 2010. Observa-se, portanto, que, em termos históricos, os preços de alimentos estão extremamente baixos.
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desenvolvimento, e até mesmo no Brasil, onde há a
maior disponibilidade de água doce do mundo (13%
do total) e baixa uso de irrigação em comparação aos
demais países.
Gráfico 9: População mundial em bilhões de
habitantes
Fonte: Nações Unidas, “World urbanization prospects: The 2006
revision, 2007. Valores em bilhões de habitantes.
No que diz respeito aos metais, a substituição
é mais difícil, e seus preços reais devem continuar
ascendentes, haja vista o possível esgotamento de
muitos e a concentração da produção de alguns
em poucos países (99% das reservas de terras raras
estão na China, por exemplo), que garante poder de
monopólio a esses países. Novas tecnologias podem
surgir, mas demandarão outros produtos, que podem
ser esgotáveis também (petróleo para fabricação de
plásticos, por exemplo), ou produtos agrícolas, tais como
floresta plantada, que depende de disponibilidade
de terra. Em resumo, o mundo é finito, e já estamos
nos aproximando do quase esgotamento de muitas
commodities, atualmente pouco substituíveis.
Dessa forma, presencia-se agora uma espécie
de estruturalismo às avessas, e provavelmente
continuaremos a conviver com essa realidade por um
longo período. Diferentemente da dinâmica defendida
por um dos luminares do estruturalismo latino-
americano, Raúl Prebisch (1959), em sua ultrapassada
teoria da deterioração secular dos termos de troca
(baseada em dados de comércio internacional dos anos
1930 e 1940)4, os termos de troca de países exportadores
de commodities, como boa parte daqueles da América
Latina, têm se apreciado sobremaneira desde 2000,
com destaque para o Chile, Equador e Peru. Ao mesmo
tempo, grandes exportadores de bens intensivos em
tecnologia, tais como a Alemanha e Japão, têm visto
seus termos de troca se deteriorar. De fato, os termos
de troca em quase todos os países da OCDE têm se
deteriorado quando as commodities importadas são
levadas em conta. Com isso, acontece então uma perda
real de renda em relação aos países exportadores
líquidos de commodities5. Os termos de troca da Coreia
do Sul, por exemplo, estão em forte queda. O problema
é que os preços de exportação continuaram caindo
mesmo com o aumento dos preços de importação,
chegando ao ponto de a Coreia do Sul ter de exportar
agora três vezes mais do que há 20 anos para importar
a mesma quantidade. Como o Japão, a Coreia não é
abundante em recursos naturais.6 Em contrapartida,
a Austrália, quinta maior exportadora líquida de
commodities do mundo, tem apreciado seus termos de
troca, conforme gráfico abaixo.
Gráfico 10 - Termos de troca da Austrália e
alguns países asiáticos
Fonte: Fujitsu Research Institute from IMF data
Assim, a recente condenação por alguns da
chamada “primarização” (ou reprimarização) da pauta
de exportações do Brasil, em que quase 65% do
4 Cf. PREBISCH, Raúl. Commercial policy in the underdeveloped countries. The American economic review, vol. 49, no. 2, papers and proceedings of the seventy-first annual meeting of the American economic association. May, 1959, pp. 251-273.5 Cf. Flash economics, Economic research, Terms of trade. Report nº 876, December, 2, 2011.6 Cf. NEZU, Risaburo. Disturbing deterioration in terms of trade in Asia, Economic research center, Fujitsu research institute, August, 31, 2011.
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total exportado são compostos por itens ligados a
commodities, ainda que não necessariamente em forma
bruta, não encontra eco diante dos fatos: melhora dos
termos de troca e acúmulo pelo Brasil de US$ 488,2
bilhões em reservas cambiais nos últimos 12 anos,
somente com exportações do agronegócio, que inclui
também muitos produtos de alto valor agregado e cuja
produção é intensiva em biotecnologia.
Como resultado, enquanto países avançados
exportadores de bens industriais de alta tecnologia,
estão entrando em colapso, os exportadores de
commodities estão em boa situação fiscal e com
baixa vulnerabilidade externa, ainda que tenham
partido de um quadro recente de alta inflação e forte
endividamento.
Estamos, pois, vivenciando um momento especial
da economia mundial, que muito nos favorece. As
fortes industrialização e urbanização na China têm
gerado alta demanda por commodities em geral,
e agrícolas em particular. Na pior das hipóteses,
conviveremos com um ciclo de alta de médio prazo,
conforme projeção da Organização para Cooperação
e Desenvolvimento (OCDE), Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) e outros, pois a Índia, outro
gigante asiático que está apenas começando seu
processo de industrialização, deve gerar uma demanda
por commodities semelhante à que a China tem
provocado ultimamente.
A América Latina, como nenhuma outra região,
tem suas perspectivas de crescimento de longo
prazo intimamente ligadas à manutenção dos altos
preços das commodities, por sua alta dependência
na exportação desses produtos. A conjuntura atual
permite-nos prever que poderá haver um superciclo
das commodities, fomentado pela emergência de
economias asiáticas gigantes, cuja superescassez de
recursos naturais não tem nenhum paralelo com as
economias que já lideraram o crescimento mundial.
Diante desse quadro, os países da América Latina
– Brasil em particular –, devem diversificar e agregar
sofisticação às suas exportações e gerar empregos, em
um contexto de inevitável especialização em recursos
naturais. Isso não quer dizer necessariamente que
tenhamos de exportar recursos naturais em forma
bruta. Esta parece ser então a década da América
Latina. Se não soubermos aproveitar esse momento,
poderemos pagar muito caro no futuro, pois nunca
uma conjunção de fatores foi-nos tão favorável.
Gráfico 11: Relação entre CRB e PIB brasileiro
(preços constantes em US$ bilhões)
Fonte: Reuters e FMI / Elaboração: Os autores
O processo de industrialização dos gigantes
asiáticos alimentará uma tendência de preços
crescentes para as commodities no longo prazo,
especialmente em relação ao preço das manufaturas,
cenário que desafia a crença de longa data dos países
da América Latina de que é a indústria que os farão
desenvolvidos e ricos (escola estruturalista). Essa
realidade demanda prioridades diferentes em termos
de custo-benefício, já que alocar pesados subsídios
e proteção para a indústria tradicional poderá não
trazer o retorno esperado ao desenvolvimento. Ao
invés, a região deve focalizar em maximizar os ganhos
sobre seus recursos naturais, melhorando o marco
regulatório e a infraestrutura; e alocar esses ganhos
para criar condições ao avanço tecnológico dentro do
cone de diversificação dos recursos naturais, investindo
em educação e ciência e tecnologia, garantindo,
assim, desenvolvimento sustentado. Empresas líderes
mundiais em biotecnologia, como a Monsanto,
fabricantes de aviões agrícolas entre outras, surgirão
naturalmente no Brasil se o país trabalhar a cadeia
produtiva das commodities com inteligência.
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Gráfico 12: Relação entre o PIB brasileiro (em US$ constantes) e CRB alimentos
Fonte: Reuters e FMI / Elaboração: Os autores
Conclusões
Em função do exposto, pode-se concluir que
o Brasil deve buscar tirar mais proveito dessa
mudança estrutural em curso na economia mundial,
e beneficiar-se plenamente da crescente demanda
por commodities, especialmente as agropecuárias, em
que já é o maior exportador líquido do mundo, e cujos
preços apresentam alta correlação com o PIB (94,9%);
nível esse que estatisticamente indica que os preços
internacionais desses produtos, apurados pela agência
Reuters (Índice CRB – Commodities Reference Bureau),
explicam 90% da variação PIB Brasileiro.
A Argentina, segundo maior exportador líquido
de alimentos, logrou aumentar sua produção em 42%
desde 2003, enquanto a produção brasileira avançou
apenas 32% no período, ainda que tenhamos sido
ajudados pelas excelentes condições climáticas na
safra de 2010/2011. Não se pode permitir que outros
países produtores avancem mais, de forma a ocupar
nosso espaço. O Brasil, ao contrário, tem de acelerar
a produção para ocupar o mercado de outros países
concorrentes. Por isso, é crucial a adoção de um mix
de políticas públicas que envolvam o fortalecimento
do cooperativismo, a democratização do acesso ao
crédito agrícola, maior incorporação de tecnologias
na produção, melhorias na infraestrutura portuária e
logística de transporte para exportação e capacitação
da mão-de-obra em áreas em que a demanda por
profissionais seja crescente.
Antônio Elias Silva aeliascastro@gmail.com
Tecnólogo em Processamento de Dados pela Universidade de
Brasília (UnB); bacharel em Economia pela East Stroudsburg
University of Pennsylvania; bacharel em Relações Internacionais pela
UnB; especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental pela
Escola Nacional de Administração Pública (Enap); pós-graduado
em Desenvolvimento Econômico pela The George Washington
University.
José Nelson Bessa Maia nbessamaia@terra.com.br
Bacharel em Economia pela Universidade Federal do Ceará
(UFC); mestre em Economia pela UnB e doutorando em Relações
Internacionais na UnB; ex-secretário de assuntos internacionais
do governo do estado do Ceará; analista de finanças e controle;
economista do Corecon-DF e especialista em diagnóstico
macroeconômico pelo FMI.
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ArtigoAinda sobre a DRU
José Fernando Cosentino Tavares e Márcia Rodrigues Moura
Por que prorrogar a DRU?
Com a aprovação da Emenda Constitucional 68,
de 21 de dezembro do ano passado, foi mantida a
Desvinculação de Receitas da União (DRU), de que trata
o art. 76 do ADCT da Constituição. Esse mecanismo foi
originalmente criado para o período 2000-2003, e vem
sendo prorrogado a cada 4 anos, coincidindo com o fim
do primeiro ano do mandato presidencial. Vigoraria até
31 de dezembro de 2011.
Seremos poupados por 4 anos de ouvir da PEC que
“permite ao governo gastar como quiser até 20% das
receitas arrecadadas no ano”... . O governo não se dispôs
a reparar esse equívoco, e até reforçou noções erradas,
como as de que contaria com a prorrogação da DRU
para enfrentar a crise econômica internacional e con-
tinuar com o desenvolvimento econômico do país, ou
ainda, fora de contexto, que a manutenção da DRU per-
mitiria novas reduções na taxa básica de juros (Selic)¹.
O governo apostou alto na iniciativa, mas nem por
isso teve que ceder em qualquer ponto importante de
seu programa em seu primeiro ano – até a PEC da Saúde,
que tramitava paralelamente, foi aprovada sem que se
aumentasse o comprometimento de recursos do orça-
mento federal. Resta saber por que travar durante um
semestre inteiro embate político desgastante como
esse, se a DRU, como pretendemos demonstrar, é pre-
sentemente desnecessária.
Três razões possíveis para o governo lutar pela
nova prorrogação da DRU seriam pretender (a) no
curto prazo, criar um novo tributo ou contribuição de
intervenção no domínio econômico com boas pers-
pectivas de arrecadação, do qual extrair 20% para uso
distinto do de sua criação; (b) no médio prazo, redu-
zir drasticamente suas despesas com previdência ou
assistência social. Elas por ora estão em crescimento,
como os programas “bolsa família” e “Brasil sem misé-
ria”, introduzido, este último, no atual governo; e (c) no
longo prazo, pelo sim, pelo não, manter intactas todas
as prerrogativas existentes, pois uma vez interrompido,
é difícil restabelecer qualquer mecanismo temporário
– vide o exemplo da CPMF. Aceitar esta última razão
implica a postergação do penoso debate acerca da
excessiva vinculação das receitas públicas e de uma
ampla reforma constitucional para resolver o assunto².
Efeitos da prorrogação da DRU
Como nas outras vezes em que a prorrogação esteve
em pauta, fala-se da necessidade de ser mantido o
mecanismo, em vigor há 18 anos, dos pontos de vista da
estabilização fiscal³ e da racionalização da gestão orça-
mentária, e da oportunidade de se continuar permitindo
a apropriação de recursos vinculados da seguridade
social e de outras contribuições. Os que são contrários
à desvinculação diminuem em número, pois amplos
segmentos se satisfizeram com as exceções já positiva-
das. Já de há muito tempo perdeu o sentido falar de
desvinculação de impostos, pois eles e a DRU calculada
sobre eles constituem a mesma fonte de recursos, livre.
O prosseguimento do ajuste fiscal depende em
parte da contenção da despesa pública. Em teoria,
a despesa cresce com as receitas que lhe são vin-
culadas, o que pode não ser necessário ou dese-
jado: com a DRU, algumas receitas podem deixar
de ser gastas, contribuindo para viabilizar o supe-
rávit estabelecido como meta para o exercício.
1 Ver em http://www.planejamento.gov.br/noticia.asp?p=not&cod=7690&cat=47&sec=8. 2 Uma reforma tributária poderia eliminar distinções entre impostos e contribuições, junto com as vinculações existentes. 3 De 1996 a 1999, o mecanismo foi denominado “Fundo de Estabilização Fiscal”.
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As vinculações constitucionais não podem ser anu-
ladas por lei.
Ocorre que, depois de quase 2 décadas de sucessi-
vas alterações de cunho constitucional, das contribui-
ções para a seguridade praticamente só estão sujeitas
à DRU as receitas do PIS/Pasep (art. 239 da CF)4 vincu-
ladas a despesas do Fundo de Amparo ao Trabalhador
(60% da receita) e ao financiamento de programas de
desenvolvimento econômico, pelo Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) (40%). A
entrega de recursos ao BNDES sob a forma de inversão
financeira do FAT não afeta as despesas primárias nem
o resultado do setor público, e essa transferência abre
espaço fiscal equivalente para a realização de despesas.
Em 2012, a DRU poderia, segundo a proposta orça-
mentária, significar redução nas despesas primárias
de R$ 5,5 bilhões, o equivalente a 0,12% do PIB, mas
se verifica que essa economia não ocorrerá, pois na
programação do FAT esses recursos tiveram que ser
substituídos no mesmo montante, por fontes livres
e rendimentos de aplicações financeiras, para pagar
despesas obrigatórias referentes ao abono salarial e
seguro-desemprego.
Ainda, caso a DRU não fosse prorrogada, a União
perderia para estados e municípios o equivalente a 5,8
pontos percentuais da Cide-combustíveis, correspon-
dentes a, na proposta orçamentária, R$ 570 milhões em
2012. No caso desta contribuição, seriam desvinculados
R$ 2 bilhões, mas só o Departamento Nacional de
Infraestrutura de Transportes (DNIT), do Ministério dos
Transportes, contava em sua programação com R$ 6,9
bilhões de recursos livres do Tesouro financiando des-
pesas de investimento.
As receitas vinculadas por lei ordinária vêm colabo-
rando para o resultado primário positivo, com ou sem
DRU. Para que façam essa contribuição, basta serem
esterilizadas, no todo ou em parte, não se as prevendo
no orçamento e/ou não se executando as despesas
correspondentes. Desde 2009 (Lei 11.943, de 28 de
maio), contornando a Lei de Responsabilidade Fiscal5
tem sido possível destinar o excesso de arrecadação e
o superávit financeiro das fontes de recursos existentes
no Tesouro Nacional à amortização da dívida pública
federal6. Por meio de medida provisória, em sucessivas
oportunidades, transformou-se a posteriori o superávit
financeiro vinculado em fonte para o pagamento de
despesas primárias7.
Outro fato importante é que o resultado do
orçamento da seguridade social, mesmo depois de
computados como seus (“devolvidos”) os recursos
desvinculados via DRU, foi deficitário em 2009 e 20108.
Esse desempenho recente afastaria o risco de termos
o orçamento da seguridade social financiando o défi-
cit do orçamento fiscal. Em 2007 e 2008, entretanto,
feito esse ajuste, o orçamento da seguridade social foi
superavitário9.
4 “Art. 239. A arrecadação decorrente das contribuições para o Programa de Integração Social, criado pela Lei Complementar nº 7, de 7 de setem-bro de 1970, e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, criado pela Lei Complementar nº 8, de 3 de dezembro de 1970, passa, a partir da promulgação desta Constituição, a financiar, nos termos que a lei dispuser, o programa do seguro-desemprego e o abono de que trata o § 3º deste artigo”.5 “Art. 8º Até trinta dias após a publicação dos orçamentos, nos termos em que dispuser a Lei de Diretrizes Orçamentárias, e observado o disposto na alínea c do inciso I do art. 4º, o Poder Executivo estabelecerá a programação financeira e o cronograma de execução mensal de desembolso. Parágrafo único. Os recursos legalmente vinculados a finalidade específica serão utilizados exclusivamente para atender ao objeto de sua vincu-lação, ainda que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso” 6 “Art. 13. O excesso de arrecadação e o superávit financeiro das fontes de recursos existentes no Tesouro Nacional poderão ser destinados à amortização da dívida pública federal. Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo não se aplica às fontes de recursos decorrentes de vinculação constitucional e de repartição de receitas a Estados, Distrito Federal e Municípios.” 7 A definição de novo uso para os recursos vinculados legalmente se insere, na primeira oportunidade, em atos com propósitos meritórios, mas é claro que enfrenta resistências dos interessados na execução das despesas correspondentes. Por exemplo, mais recentemente, a MP 484/2010 (de 30/03, depois Lei 12.306), que “dispõe sobre a prestação de apoio financeiro pela União aos Estados e ao Distrito Federal, institui o Programa Especial de Fortalecimento do Ensino Médio, para o exercício de 2010, e dá outras providências” determinou o seguinte: “Art. 9º O superávit financeiro das fontes de recursos existentes no Tesouro Nacional em 31 de dezembro de 2009 poderá ser destinado à cobertura de despesas primárias obrigatórias. Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica às fontes de recursos decorrentes de vinculação constitucional e de repartição de receitas a Estados e Municípios.”8 Entre as despesas da seguridade, estão incluídas as despesas com os inativos da União. 9 Ver em http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/PrestacaoContasPresidente/index.asp os pareceres prévios do Tribunal de Contas da União, obser-vando a metodologia adotada pelo TCU.
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Somando desvinculações de contribuições sociais
e de contribuições econômicas na proposta orçamen-
tária de 2012, a DRU alcança R$ 62,4 bilhões em recur-
sos que, sem o instrumento, deveriam estar vinculados
a órgão, fundo ou despesas específicas, se não fossem
destinados a reserva de contingência.
Dados da proposta orçamentária de 2012 – os cál-
culos não foram feitos para o orçamento sancionado
após intervenção do Congresso – indicam que a des-
vinculação de contribuições sociais que se destinariam
à seguridade social é de R$ 53,9 bilhões. Desses, a parte
originada de receitas constitucionalmente vinculadas à
seguridade é de R$ 53,4 bilhões.
De outro lado, a proposta previa que o orçamento
fiscal, incluindo nos recursos do orçamento fiscal os
valores desvinculados de contribuições da seguridade
social, transferisse R$ 66 bilhões para o orçamento da
seguridade social, dos quais R$ 61,6 bilhões de recursos
livres para o custeio de despesas primárias, sendo R$
55,8 bilhões, obrigatórias. As despesas da seguridade
social são muito elevadas, razão pela qual recursos des-
vinculados retornam à área de origem.
Antecedentes
Desde o Plano Real (1994), quando o Fundo Social
de Emergência (FSE) foi criado, vêm mudando as con-
dições (aumento de alíquotas e da arrecadação das
contribuições cujas receitas não são partilhadas com
Estados, DF e Municípios10, transformação de superá-
vits financeiros de fontes vinculadas em recursos de
uso livre ou destinados à amortização da dívida ...) e
a abrangência da desvinculação das receitas (as trans-
ferências a estados e municípios por meio dos fundos
de participação foram ressalvas desde o início; gradu-
almente mais e mais contribuições e despesas escapa-
ram dos efeitos da desvinculação ...11).
O instrumento foi concebido para ampliar a flexibi-
lidade da política fiscal, diante do grau de vinculação
dessas receitas, que continua elevado. Na proposta
orçamentária de 2012, corresponde a 6,5% dos ingres-
sos primários dos orçamentos fiscal e da seguridade,
líquidos de transferências a estados e municípios.
18. Pari passu houve o crescimento significativo das
despesas obrigatórias ou semiobrigatórias no âmbito
da seguridade (previdência, saúde e assistência), a que
as receitas das contribuições sociais estão vinculadas.
Exclusões
Estados e municípios não perdem recursos em fun-
ção da desvinculação. Com a substituição do Fundo de
Estabilização Fiscal pela DRU, a União passou a entregar
aos fundos de participação de estados e municípios e
aos fundos regionais de desenvolvimento (FNO, FNE e
FCO) a totalidade das transferências constitucionais e
legais de impostos e contribuições. O salário-educação,
embora denominado contribuição social, é na verdade
uma receita do orçamento fiscal, e foi expressamente
poupado da desvinculação desde 2000 (EC 27). A
emenda recém-promulgada renova o comando.
10 Das receitas da Receita Federal do Brasil (sem contar a contribuição dos servidores para o Plano de Seguridade Social do Servidor (PSSS), e a receita previdenciária), a arrecadação das principais contribuições sociais vinculadas ao orçamento da seguridade social (Cofins, CSLL, PIS/Pasep, e CPMF em 2000 e 2005) representou 34,5% em 1995, 45,4% em 2000, 47,7% em 2005 e 41,5% em 2010, do total da receita administrada.11 A última modificação nesse campo ocorreu em 2009, quando se passou a excluir a educação desse mecanismo. De acordo com a Emenda Constitucional 59, apenas 5% dos recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino seriam desvinculados em 2010, e em 2011 não haveria qualquer desvinculação.12 Art. 80, § 1º do ADCT. Embora houvesse dúvidas de interpretação, se deveria ou não sujeitar-se à DRU, o resto da CPMF foi atingida.13 A EC 59 previu redução anual, a partir de 2009, do percentual da DRU incidente sobre os recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da Constituição Federal. O percentual de desvinculação das receitas de impostos ante do cálculo desses recur-sos foi de 12,5%, em vez de 20%, em 2009; 5% em 2010 e nulo em 2011.
‘‘ ‘‘Em 2012, a DRU pode-ria, segundo a proposta orçamentária, significar redução nas despesas
primárias de R$ 5,5 bilhões, o equivalente
a 0,12% do PIB,...
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Também escapam da DRU, desde 1998 (EC 20), as
contribuições de empregadores e trabalhadores para o
regime geral da Previdência Social (INSS), por força de
vedação no art. 167 (inciso XI) da Constituição. Por ana-
logia, também não se aplica a desvinculação às receitas
da Contribuição para o plano de seguridade social do
servidor.
Sucessivamente, outras receitas foram excluídas do
mecanismo, como forma de proteger determinados
setores. Foi o caso do Fundo de combate à pobreza,
enquanto existiu a CPMF. 12 Foi mais tarde o caso da
Educação. 13
De outro lado, as contribuições de intervenção no
domínio econômico se somaram à base da desvincu-
lação, para além das sociais. Com a criação da Cide-
combustíveis (2003), já no ano seguinte 14 o percentual
de repasse da arrecadação a estados e DF foi aumen-
tado de 25% para 29% para compensar em grande
parte a perda com a desvinculação.
No demonstrativo do Anexo II, inciso X, das informa-
ções complementares ao PL nº 28, de 2011-CN, consta
a memória de cálculo das receitas desvinculadas por
força do dispositivo constitucional. 15
Principais conclusões
A DRU não implica perda de receitas de estados
e municípios, exceção feita aos recursos da Cide-
combustíveis, cujo percentual de repartição teria sido
menor não existisse a desvinculação quando a partilha
passou a constar do texto constitucional.
Saúde e educação nada perdem com a DRU, e a
seguridade social como um todo, por ser deficitária
nos últimos anos, reabsorve inteiramente os recursos
oriundos da desvinculação de suas receitas. Há um
certo grau de remanejamento de recursos, i.e., valores
da DRU extraídos da seguridade social podem não ser
devolvidos aos mesmos órgãos, fundos ou despesas da
própria seguridade dos quais foram desvinculados, mas
esse resultado seria alcançado por outros dos meios já
citados neste texto .
A obtenção do superávit primário não tem depen-
dido, nem dependerá em 2012, da liberação de recursos
vinculados constitucionalmente pelo mecanismo em
pauta. Isso é verdade para o orçamento da seguridade
social e para o Fundo de Amparo ao Trabalhador, uma
vez que ambos são deficitários.
A razão para tornar livres os recursos cuja vincula-
ção a órgão, fundo ou despesa é legal seria desobrigar
a União de executar despesa indesejada ou de baixa
prioridade. Ocorre que 20% podem ser menos do que a
percentagem dos recursos que se deva desvincular de
um dado órgão, fundo ou despesa, e a DRU seria insufi-
ciente para sanar inteiramente o problema.
Essa economia pode ser feita subestimando-se
receitas vinculadas na lei orçamentária ou limitando-se
a execução das despesas correspondentes. Por exem-
plo, no projeto de lei orçamentária de 2012 foram des-
tinados à reserva de contingência praticamente 60%
dos recursos dos royalties do petróleo (fonte 142) que
pertencem à União. Passado o exercício, recursos sem
uso se desvinculam para amortizar a dívida.
Com exceção de R$ 570,5 milhões de transferên-
cias constitucionais de receitas da Cide-combustíveis
a governos subnacionais, não haveria outra perda de
recursos federais líquidos a se registrar na proposta de
orçamento de 2012 caso a prorrogação da DRU não
tivesse sido aprovada.
Dados
As tabelas seguintes mostram, nesta ordem:
• a composição do superávit primário, de acordo
com a proposta orçamentária de 2012, destacando a
contribuição das reservas de contingências para alcan-
çar o resultado;
• as reservas de contingência formadas com recei-
tas primárias, por unidade orçamentária a que estão
vinculadas, que contribuem para a formação do supe-
rávit primário na proposta orçamentária de 2012, des-
tacando as duas principais fontes de recursos usadas; e
• agregadamente, por principais naturezas, o mon-
tante que representam 20% das receitas de contribui-
ções sociais e econômicas desvinculados pela DRU e os
orçamentos afetados em potencial pela desvinculação,
de 2010 a 2012.
14 EC 44, de 2004.15 Ver em https://www.portalsof.planejamento.gov.br/sof/orc_2012/ploa2012/ic_Volume_I_do_1_ao_10.pdf.
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Proposta de orçamentos fiscal e da seguridade social
Composição do superávit primário, 2012
Fonte: Projeto de Lei nº 28, de 2011-CN. Elaboração dos autores.
Fonte: Base de dados do Projeto de Lei nº 28, de 2011-CN. Elaboração dos autores.
Proposta de orçamentos fiscal e da seguridade social Reservas de contingência com fontes primárias na proposta orçamentária de 2012
(R$ 1,00)
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José Fernando Cosentino Tavaresjose.tavares@camara.gov.br
Economista e consultor de orçamento da Câmara dos Deputados.
Proposta de orçamentos fiscal e da seguridade social Desvinculação de Receitas da União (DRU). Contribuições sociais e econômicas por Orçamento, 2010-2012
(R$ 1,00)
Fonte: Siafi, Orçamento de 2011 e base de dados da Proposta Orçamentária de 2012. Elaboração dos autores
Márcia Rodrigues Mouramarcia.rmoura@yahoo.com.br
Economista, consultora de orçamento da Câmara dos Deputados e
ex-analista de finanças e controle da Secretaria do Tesouro Nacional
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O Conselho Regional de Economia do Distrito Fe-
deral realizou três encontros nos quais discutiu-se
o tema Finanças pessoais: há problemas à frente?. Os
economistas e expositores Newton Marques, Ronalde
Lins, José Eustáquio Moreira de Carvalho e Victor José
Hohl, destacaram diversos aspectos, tanto sob a pers-
pectiva macro, quanto sob o ângulo dos problemas
individuais e suas repercussões sociais.
Um dos aspectos marcantes do desenvolvimento
brasileiro nos últimos anos foi o crescimento do cré-
dito às pessoas físicas. A estabilidade monetária, a at-
mosfera de prosperidade e a mobilidade social deram
condições ao aumento desse crédito às pessoas físi-
cas – além do quê, a própria expansão do crédito im-
pulsionava o crescimento da economia e a ascensão
social, num círculo virtuoso de progresso e afluência.
Entretanto, surgiram receios de que uma bolha de cré-
dito estivesse em formação, e também se multiplica-
ram as crises de sobreendividamento pessoal.
O economista Newton Marques elegeu alguns cui-
dados que os consumidores devem ter para que a situ-
ação financeira das famílias não se complique: elaborar
um orçamento familiar com o registro das receitas e
despesas para reduzir desperdícios, por exemplo, com
luz, água e telefone, e priorizar o consumo de modo
consciente com base no Metódo dos Três Sim: 1) tem ne-
cessidade de comprar?; 2) tem dinheiro para comprar?
e 3) tem que ser naquele momento a compra?
Tudo isso para ele é necessário, pois a tentação
das compras é muito grande, a indústria e o comércio
procuram de toda forma atrair os consumidores,
em especial, vender os seus estoques antigos com
superpromoções, que quase sempre seduzem um
grande número de clientes. Assim, as pesquisas
de preços e produtos substitutos são altamente
recomendáveis para que os consumidores tenham
condição de fazer comparações e realizar compras
gastando menos.
Para Newton Marques, a questão fundamental não
é propagar o pessimismo, mas alertar os consumidores
para esse grave momento de se fazer compras sem os
devidos cuidados com o processo. “Curioso é que os
governantes e os representantes do setor empresarial
procuram estimular o otimismo no sentido de evitar
os graves efeitos nefastos da crise, mas esquecem de
alertar os consumidores para que eles estão sendo
pressionados para se endividar e quase sempre não
terão condição de cumprir as suas obrigações de
devedores, pois nem sempre compram à vista, mas
sim a prazo, com taxas de juros embutidas”, comenta o
economista.
Mas nem sempre os consumidores são devedores.
Há os que são credores. Nesses casos, quais seriam as
orientações para esses privilegiados que têm recursos
aplicados ou querem aplicar no mercado financeiro?
Newton Marques ensina: “Como existe tendência
para redução das taxas de juros, a garimpagem das
aplicações financeiras requer muita paciência e busca
de orientação dos gerentes e consultores financeiros.
por Camila Fiorese
Finanças pessoais: há problemas à frente?
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outubro de 2011 / março de 2012
A velha regrinha de bolso tem que ser considerada,
ou seja, deve-se procurar a maior segurança possível,
o baixo risco e a possibilidade de poder transformar
o mais rápido possível a sua aplicação financeira em
dinheiro”.
Datas comemorativas
Para o economista Ronalde Lins, as pessoas se
deixam conduzir para o consumo não planejado,
seguem fiéis à tradição de presentear em datas
comemorativas, e por isso pagam um preço alto. Se
a cada data o comércio volta suas forças para um
segmento da sociedade, suas intenções são sempre
vender cada vez mais produtos não-essenciais.
São diversos os aspectos, segundo Ronalde, que
levam a pessoa a contrair uma dívida. A trajetória
dos endividados geralmente começa pelo cheque
especial, depois o cartão de crédito, o empréstimo
em folha, financiamento de veículos, segue no pegar
dinheiro com parentes, amigos e agiotas. Isso acaba se
transformando numa bola de neve. Existem também
outros aspectos que levam ao endividamento.
O casamento, o desemprego, além de doenças
inesperadas podem levar ao endividamento transitório
pessoal ou familiar.
Ronalde Lins, autor do livro Superendividamento e
Finanças Pessoais, lembra também que os devedores
podem ser percebidos em duas categorias distintas: os
conscientes (os que planejam e conseguem pagar) e
os inconscientes (compram sabendo que não podem
pagar, mas compram assim mesmo).
O economista classifica como superendividadas
as pessoas que compram a prazo e não conseguem
pagar. As dívidas contraídas fora da capacidade de
pagamento levam ao desequilíbrio permanente do
orçamento familiar. Já as pessoas classificadas como
endividadas compram a prazo dentro da capacidade
da renda pessoal ou familiar.
Outro aspecto que se deve levar em consideração
são os juros cobrados no Brasil, principalmente nas
operações com cartões de crédito e cheque especial.
Mesmo nos empréstimos em bancos e financeiras, com
descontos em folha, consignados, nos quais as taxas são
menores, é importante ter cuidado. São os perigos do
crédito fácil. As contas familiares podem ser arruinadas
sem que as pessoas percebam a tempo.
Para Ronalde, assim como as empresas planejam
suas compras no ano, os indivíduos também devem
se planejar. Para ele, é muito importante a participação
de toda a família no processo de planejamento, como
também não se deve esquecer o comprometimento na
execução desse planejamento.
Finanças pessoais: há problemas à frente?
‘‘‘‘
Como existe tendência para
redução das taxas de juros, a garimpagem
das aplicações financeiras requer muita paciência e
busca de orientação dos gerentes e
consultores financeiros.
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a
Indicadores econômicos
Já o economista Victor José Hohl considera
importante que, para que as pessoas tenham uma vida
financeira saudável, é preciso conhecer e acompanhar
a conjuntura do mundo e do país. Indicadores
econômicos, como taxa de juros, taxa de câmbio, taxa
de crescimento do PIB e inflação, influenciam, e muito,
a vida financeira das famílias. E justamente esses
indicadores sofrem mudanças constantes. Por esta
razão é tão importante acompanhar a macroeconomia.
No Brasil, não existe o ensino da educação financeira
para a população. O longo período inflacionário até
a implantação do Plano Real em 1994 deseducou
a população em termos financeiros. Os mercados
financeiro e de capitais não podiam se desenvolver
no período inflacionário. As pessoas não poupavam
e eram induzidas ao endividamento, pois fazer dívida
era um bom negócio, já que bens e serviços viviam
em constante desvalorização. A regra era: se ganhar
algum dinheiro, gaste-o logo, caso contrário vai perder
o poder aquisitivo.
Victor Hohl alerta que hoje estamos na era pós-
industrial ou da informação, cuja característica é
um intensivo processo de evolução tecnológico no
qual os robôs passam a trabalhar no lugar dos seres
humanos. A remuneração do capital (lucro, juros,
aluguéis e a valorização do capital) supera a renda do
trabalho (salários). E com o aumento da idade média
e da expectativa de vida da população, os sistemas de
previdência estão deficitários. A renda dos aposentados
é muito baixa, ou seja, é cada vez mais importante
educar financeiramente as famílias, em especial a
população jovem.
Para Victor, sem esse tipo de educação, é quase
impossível conseguir independência financeira –
aquele estado ideal no qual o indivíduo possui um
montante em dinheiro que, uma vez investido (com
conhecimento), gera renda capaz de lhe garantir
o sustento para o resto da vida. É na verdade uma
aposentadoria. “Nunca foi tão importante poupar e
aprender a investir o dinheiro para que, com o passar
do tempo, seja possível substituir a renda do trabalho
pela renda de capital”, comenta o economista.
Robert T. Kiyosaki, autor dos livros de educação
financeira da série “Pai Rico Pai Pobre”, diz que
existem quatro maneiras de ganhar dinheiro. Como
empregado, autônomo, empreendedor proprietário
e investidor. Das quatro, a pior é como empregado,
porque as pessoas gastam seu precioso tempo a troco
de um mísero salário. No sistema capitalista, o objetivo
da empresa é gerar lucro para o proprietário (acionista,
cotista) ou para o empregado?
Para o economista Victor Hohl, as escolas formam
pessoas para o emprego em um mundo que não
gera postos de trabalho suficientes para todos. Esta
é a verdadeira causa da “crise”. Na verdade, não há
crise – mas mudanças. O economista cita duas frases
importantes para ilustrar a situação. Heráclito de Éfeso
(540 – 480 a.C.) afirmava “Nada existe de permanente,
a não ser a mudança”. Se o mundo mudou, temos que
mudar também, quem não muda entra em crise. “Maior
insanidade é querer resultados diferentes fazendo tudo
exatamente igual” (Albert Einstein). Victor conclui que, na
era pós-industrial, frequentar uma faculdade e “formar-
se doutor” não é suficiente. É necessário ter “Educação
Financeira” e estudar sempre como o dinheiro funciona,
para que, ao longo da vida, as pessoas tenham atingido
a tão almejada independência financeira.
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outubro de 2011 / março de 2012
ArtigoEndividamento:
educação, treinamento, comportamento ou terapia?
José Eustáquio Moreira de Carvalho
É comum a discussão sobre o erro de se tratar o
endividamento como um mal em todos os sentidos,
já que existe aquele destinado à aquisição de bens
duráveis que movimenta a economia. Nesse tipo
de endividamento se enquadram a compra da casa
própria, de veículos, eletrodomésticos e outros. Nada
contra, desde que isto não venha a comprometer toda
a renda do comprador. Entretanto, o que se vê hoje é
exatamente o contrário: o endividamento tem sido
utilizado para garantir a subsistência (ou sobrevivência)
por meio do financiamento da alimentação das famílias.
Nos anos recentes não faltaram motivadores para
que as pessoas se endividassem cada vez mais: a
expansão da economia, que gerou mais recursos à
disposição do consumo, maior oferta e modalidades
de crédito, aumento salarial, “facilidades” de acesso ao
crédito, apelos “inteligentes” ao consumo, agressividade
dos agentes financeiros e muitos outros.
Medidas prudenciais do Governo para contenção
ou afrouxamento do crédito, como aumento e redução
da taxa básica de juros, estabelecimento de programa
de estado de caráter permanente para tratar da
educação financeira nas escolas de educação básica,
redundaram ineficientes e ineficazes na aplicação no
mundo “real” do consumo.
O que se tem assistido – e provavelmente assim
continuará – é o constante aparecimento de fatores
que, se não anulam as medidas ou intenções das
autoridades, torna muito mais complexa a formulação
de estratégias para a utilização mais consciente do
crédito pelas famílias. Alguns deles são amplamente
divulgados: ampliação da oferta e redução da taxa
de juros para créditos consignados; novos “estilos” de
cartões de crédito para as classes A e B; expansão das
bandeiras de cartões de crédito rumo às classes sociais
emergentes, especialmente C e D, com “excelentes”
possibilidades de acesso ao produto; aumento do
número de parcelas para financiamento com cartões
de crédito; frequentes declarações da autoridade
monetária de que está “tudo bem”, pois o nível de
endividamento e inadimplência é inexpressivo em
relação ao Produto Interno Bruto (PIB) e outros de
menor importância.
Neste contexto, fala-se muito sobre a elevação do
nível de endividamento das famílias e do percentual
daquelas que não conseguirão honrar o pagamento
de suas dívidas; sobre o principal motivo – ausência
de planejamento das finanças pessoais – que leva as
pessoas a se tornarem inadimplentes; sobre o cartão de
crédito como o maior financiador das compras a prazo;
e especialmente sobre o “absurdo” que representam as
taxas de juros praticadas nas diversas modalidades de
crédito.
No entanto, de prático ou concreto, pouco se faz
em direção à busca das causas e mesmo em relação à
adoção e implementação de ações verdadeiramente
efetivas a respeito.
Educação
Em 2010, a partir do entendimento, tanto das
organizações do sistema financeiro quanto das
autoridades nacionais ligadas a ele, criou-se um grupo
de trabalho, capitaneado pelo Banco Central do Brasil
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(BC), para formular proposta de educação financeira
em todo o país. Como resultado, o grupo propôs
um programa denominado Estratégia Nacional de
Educação Financeira (Enef ), que, além de aceito, foi
adotado pelo Governo Federal como um programa
de Estado de caráter permanente. Seu alvo principal
é a educação básica. O Enef já foi implementado,
experimentalmente, em algumas escolas públicas e
particulares nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e
no Distrito Federal, com resultados animadores quanto
ao aprendizado, mas ainda não foram avaliados - ou
divulgados - os efeitos multiplicadores sobre os pais
dos alunos. Vale acrescentar que estas ações contam
com o apoio do Banco Mundial.
Paralelamente e em função do mercado existente
e da expansão oriunda do Enef, muitas outras
ações, serviços e produtos têm surgido das diversas
origens. As ofertas vêm de profissionais educadores,
consultores e também de entidades e associações de
classe e outras organizações do terceiro setor, com
forte uso dos recursos da informática, especialmente
para venda de materiais técnico-didáticos e ensino a
distância. Destaque especial para a Federação Brasileira
de Bancos (Febraban) com a sua “Caravana Meu Bolso
em Dia”, que percorre capitais brasileiras para difundir
os conceitos de educação financeira e material didático
de apoio.
Treinamento
Também tem se verificado uma crescente oferta
de treinamentos em Finanças Pessoais e Empresariais
oferecidos por profissionais do mercado financeiro,
consultores financeiros, escolas de nível superior,
entidades e associações de classe e também de
outras organizações do terceiro setor. Os eventos
são oferecidos a pessoas físicas e jurídicas, e estão
mais voltados para os aspectos da poupança e do
investimento, segundo o interesse dos participantes e
o que está disponível no mercado.
Em que pese os aspectos meritório e louvável
desse esforço e ainda os resultados positivos que ele
tem alcançado, ainda permanece aberta a lacuna da
educação financeira que crie o hábito do planejamento
e do controle dos gastos, que deveria preceder o
aprendizado do como investir as “sobras”. Não tem
sentido prático (dependendo do público, é claro) o
ensino de como se tornar um investidor quando o
problema real é como sair do endividamento.
Comportamento
A Economia Comportamental, de proposta
recente e consagrada com a concessão do prêmio
Nobel de Economia, em 2002, ao psicólogo israelense
Daniel Kahneman, apesar de um assunto de altíssima
relevância merece pouco destaque. Suspeita-se que, no
Brasil, muito pouco tenha sido realizado sob a sua ótica.
Ela não despreza as forças do mercado
explicadas pela Economia Clássica, mas se apoia
em conhecimentos tradicionalmente estudados na
Psicologia. A partir de experimentos psicológicos, os
comportamentalistas chegaram à conclusão de que
a Economia não é apenas uma forma de gerenciar
recursos escassos, mas o estudo da dinâmica de
interesses, motivações e decisões de indivíduos e
grupos. Eles concluíram que, na verdade, o ser humano
não age como o modelo super-racional do Homo
economicus, pois a partir dessa ótica seria impossível
explicar o porquê de alguns comportamentos:
pacientes que não tomam seus medicamentos e
‘‘
‘‘
O que se tem assisti-do – e provavelmente assim continuará – é o constante aparecimen-
to de fatores que, se não anulam as medidas
ou intenções das au-toridades, torna muito mais complexa a for-
mulação de estratégias para a utilização mais consciente do crédito
pelas famílias.
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outubro de 2011 / março de 2012
‘‘
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A partir de experi-mentos psicológicos,
os comportamentalis-tas chegaram à conclu-são de que a Economia não é apenas uma for-
ma de gerenciar re-cursos escassos, mas o estudo da dinâmica de interesses, motivações e decisões de indivídu-
os e grupos.
adultos que mantêm relações sexuais sem proteção
são manifestações das imperfeições dos homens que
explicitam a irracionalidade do Homo sapiens.
Temos irracionalidades muito específicas, tais
como uma supervalorização dos bens que possuímos,
excessos de alimentos em grandes despensas,
superestimação da probabilidade de eventos
improváveis. Mas, em geral, somos ignorantes, míopes
e temos tendência a manter o status quo. Nós deixamos
que o nosso impulsivo “ser básico” esmague a lógica de
nosso “ser superior”. Somos especialmente irracionais
em relação ao dinheiro: pagamos mais pela mesma
coisa se pudermos usar um cartão de crédito, se estiver
em promoção, ou se a parcela a ser paga couber no
nosso bolso. Portanto, não devemos estranhar quando
solicitamos financiamentos que não podemos pagar,
bem como quando nossos banqueiros aprovam tais
financiamentos.
Ao se analisar o ano de 2011, é possível perceber
um bom exemplo de uma dessas irracionalidades. A
expansão do crédito, o aumento da inflação e o aumento
do consumo compulsivo atingiram a classe de renda
alta no país, no ponto mais crítico da qualidade de
vida de muita gente: o endividamento. Os “abastados”
das classes A e B, por conta do alto poder aquisitivo, ao
alavancarem negócios e realizarem compras graças a
uma ampla abertura de crédito via cheque especial e
cartões de crédito, tornaram-se bastante vulneráveis
frente a contratempos comuns no dia-a-dia.
Segundo levantamento da Pesquisa Nacional de
Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC),
realizada pela Confederação Nacional do Comércio de
Bens, Serviços e Turismo (CNC), em janeiro deste ano, o
endividamento das famílias apresenta os seguintes dados:
Faixas de Renda jan 2011 jan 2012
Menor que 10 salários mínimos 61,3% 59,5%
Maior que 10 salários mínimos 48,9% 53,4%
As classes C, D e E são responsáveis por 60% do
consumo nacional e serão capazes de injetar na
economia 7,5%, como renda real oriunda do aumento
de cerca de 14% no salário mínimo em vigor desde
janeiro. E elas têm usado esse poder para passar ao
largo da crise mundial e das medidas de contenção de
crédito quanto ao ato de consumo. A classe C, em 2010,
já respondia por 41% das vendas de eletrodomésticos
da linha branca e 37% das vendas de celulares.
Outro aspecto bastante interessante a ser
observado é a forma como essas classes, antes na base
da pirâmide social, agem ou reagem nas relações de
consumo, especialmente quanto ao uso de cartões de
crédito e débito. Enquanto as classes A e B os utilizam
como comodidade e segurança, as classes C, D e E
o fazem como instrumento de crédito e símbolo de
status.
Terapia
A Economia Comportamental ganhou um novo
ramo de atividades: a Neuroeconomia. Vale-se de
termos comuns a neurocientistas, como mesencéfalo,
oxitocina, testosterona e córtex frontal orbital, ela
busca novas alternativas para explicar as flutuações
de mercado e o comportamento de consumidores
e investidores, e cria uma nova “profissão”: os
neuroeconomistas. Tem como o seu maior defensor
Robert Shiller, da Universidade de Yale, autor de vários
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trabalhos em economia comportamental e informação
assimétrica, a partir da leitura do livro “Fundamentos
da Análise Neuroeconômica”, de Paul Glimcher,
neurocientista e economista pela Universidade de Nova
Iorque.
A partir de pesquisas sobre o funcionamento do
cérebro humano, chegou-se a muitas “verdades” que
podem ser resumidas na seguinte: “O cérebro trata o
dinheiro da mesma forma que os alimentos, o sexo e a
sede. No plano emocional, obtê-lo é como saciar a fome”.
Dessa forma, foi possível a identificação de diversos
tipos de comportamentos quanto às motivações,
interesses e decisões dos consumidores e investidores.
Um deles, a compulsão por compras, é definida pela
Psicologia Econômica como Oneomania. Distúrbio
comum, mas não muito conhecido e que precisa ser
tratado por profissional, já que os indivíduos portadores
não conseguem se livrar sozinhos e, na maioria das
vezes, fazem novas compras para se sentirem aliviados.
O que apenas tem efeito momentâneo, como o que
ocorre quando se ingere álcool ou outras drogas.
A Oneomania e a ausência do planejamento e
controle financeiro pessoal representam dois poderosos
agentes do endividamento sem controle. Tanto um
quanto o outro precisam de tratamentos específicos:
para o primeiro, a Psicologia Econômica; para o segundo,
a Clínica Financeira; e para ambos, os grupos Devedores
Anônimos (DAs).
Vale acrescentar que já é conhecida a existência de
grupos que recebem os três tipos de tratamento em
São Paulo e região metropolitana. Entre os pacientes, há
engenheiros, arquitetos, juízes, bancários, promotores,
executivos, procuradores e outros profissionais.
Legítimos representantes das classes A e B.
Conclusão
Nesse ambiente, as conclusões, sugestões e até
ações concretas se tornam bastante visíveis e, de certo
modo, um pouco óbvias.
Na área da educação, está clara a necessidade
do engajamento de mais organizações públicas e
privadas no programa Enef. Principalmente aquelas
representativas de segmentos sociais, profissionais,
políticos e empresariais.
Na questão do treinamento, além da inclusão
nos treinamentos de poupadores e investidores da
“disciplina” Planejamento e Controle de Finanças
Pessoais, serão necessárias a criação e a difusão ampla
de programas de treinamento especifico. Mais uma
vez, a participação dos representantes da sociedade
organizada será de suma importância.
Quanto ao comportamento, se existiu e ainda
persiste, é preciso esquecer o “desconforto” de termos
visto a concessão de um prêmio Nobel de Economia a
um profissional “ estranho” ao nosso meio e entrarmos ou
aprofundarmos urgentemente o nosso engajamento na
Economia Comportamental. E já o faremos tardiamente,
pois o que está na ordem do dia é a Neuroeconomia.
Aqui cabe um comentário adicional. Em grande
medida, fomos adeptos e seguidores de modelos norte-
americanos para a economia. Nesses novos campos,
ficamos ao largo ou pouco nos interessamos. Falta de
exemplo não foi o motivo, pois desde a campanha e,
em muitos aspectos, no momento atual, a economia no
governo de Barack Obama foi concebida e ainda conta
com expressivo contingente de comportamentalistas.
Eis alguns dos componentes do dream team em que eles
se transformaram: Dan Ariely, do Massachusetts Institute
of Technology (MIT); Richard Thaler e Cass Sunstein,
da Universidade de Chicago; Daniel Kahneman, da
Universidade de Princeton; e o psicólogo Robert
Cialdini, autor de Influence, considerado bestseller nos
Estados Unidos.
‘‘ ‘‘“O cérebro trata o dinheiro da
mesma forma que os alimentos, o sexo e a sede. No plano
emocional, obtê-lo é como saciar a fome”.
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José Eustáquio Moreira de Carvalhojeustaquio@cepconsultores.com.brEconomista pela Universidade de Brasília (UnB), financista pela
Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São
Paulo (FEA/USP), assessor econômico da Federação do Comércio de
Bens, Serviços e Turismo do Distrito Federal (Fecomércio-DF).
No que se refere à terapia, devemos também estar
alertas e buscar maior aproximação com a Psicologia
Econômica, que está presente entre nós e realizando
boas intervenções na terapia, na educação e no
treinamento.
Finalmente, será preciso uma mudança no que se
entende por níveis aceitáveis de endividamento e de
inadimplência. Os “macroeconomistas”, especialmente
aqueles que estão comandando os destinos da
economia nacional, embora corretos nos seus trabalhos
de acompanhamento e “controle” de indicadores,
precisam saber que tanto um quanto o outro, mesmo
quando bons para o país, na ponta existe o nível
microeconômico, onde indivíduos lutam com relações
desfavoráveis entre o ganho e o gasto e entre o que
devem e que têm disponível para pagar. Muitos com
a saúde física e mental abaladas, patrocinando quedas
expressivas na produtividade das organizações.
Referências bibliográficas
Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços
e Turismo (CNC): - Pesquisa Nacional de Endividamento
e Inadimplência do Consumidor (PEIC), janeiro de 2012.
Sato, K.: “Dívida de luxo”, encarte Valor Investe nº 58,
Valor Econômico, de 04 de fevereiro de 2012.
Viana, D.: “Mercado é coisa da sua cabeça”,
Valor Econômico, de 11 de dezembro de 2011.
Gusso, H. L.: “Cientistas Comportamentais por trás de
Barack Obama”, in www.sasico.com.br/psico/?p=287
Levitt, S.; Dubner, S.: “Freakonomics”, Campus, 2007.
Ferreira, V. R.: “Decisões Econômicas – Você
já parou para pensar?”, Saraiva Editora, 2007.
Bussinger, E.: “A Dieta do Bolso”, Elsevier/Campus, 2008.
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ArtigoA hora e a vez da retomada
do planejamento estratégico governamental no Brasil
José Celso Cardoso Jr.
Depois de mais de duas décadas de relativa
estagnação econômica, e a despeito dos efeitos e
desdobramentos ainda incertos da crise econômica
internacional que se arrasta desde pelo menos 2008,
o Brasil retomou certa capacidade de crescimento
de sua economia a partir de 2004. Tal retomada
mostrou-se fundamental para a melhoria de uma
série de indicadores sociais e do mercado de trabalho
no período recente. Ao mesmo tempo, explicitou a
necessidade da sustentação do crescimento no longo
prazo para fazer frente aos desafios colocados para a
construção de um país menos desigual, que consiga
prover de justiça e bem-estar social seus cidadãos.
Neste ambiente de retomada do crescimento e
explicitação de dificuldades para a sua sustentação,
vários documentos foram produzidos pelo governo
brasileiro, em seus diversos órgãos, tratando da questão
do desenvolvimento e do planejamento econômico.
Após analisar cerca de 30 documentos produzidos
por ministérios e órgãos de alto escalão do governo
federal, entre 2003 e 2010, Cardoso Jr. e Maracci (2011)
concluíram que a retomada do crescimento, ao abrir
espaços políticos e econômicos, propiciou maior
envergadura aos esforços de planejamento durante a
primeira década do século XXI.1
Quadro 1: Documentos pesquisados, em
ordem cronológica
1. Plano Plurianual 2004-2007 (Plano Brasil de
Todos – participação e inclusão). Brasília: Ministério
do Planejamento, Orçamento e Gestão, 2003.
2. Projeto Brasil 3 Tempos: 2007, 2015 e 2022.
Brasília: Presidência da República, Núcleo de Estudos
Estratégicos da Presidência da República (NAE) e
Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão
Estratégica (Secom), 2004/2005.
3. Orientação estratégica de governo:
crescimento sustentável, emprego e inclusão social.
Brasília: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior (MDIC), 2003.
4. Política Industrial, Tecnológica e de Comércio
Exterior. Brasília: Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior (MDIC), 2003.
5. Política Nacional de Desenvolvimento Urbano
(PNDU). Brasília: Ministério das Cidades, 2003.
6. Política Econômica e Reformas Estruturais.
Brasília: Ministério da Fazenda - SPE, 2003.
7. Reformas Microeconômicas e Crescimento de
Longo Prazo. Brasília: Ministério da Fazenda (MF/
SPE), 2004.
1 Ver trabalho completo em CARDOSO JR., J. C. & GIMENEZ, D. M. Crescimento econômico e planejamento no Brasil (2003-2010): evidências e possibilidades do ciclo recente. In: CARDOSO JR., J. C. (org.). A Reinvenção do Planejamento Governamental no Brasil. Brasília-DF: Série Diálogos para o Desenvolvimento, volume 4, Ipea, 2011.
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outubro de 2011 / março de 2012
8. Política Nacional de Habitação. Brasília:
Ministério das Cidades, 2004.
9. Política de Defesa Nacional (PDN). Brasília:
Ministério da Defesa, 2005.
10. Plano Plurianual 2008-2011 (Desenvolvimento
com Inclusão Social e Educação de Qualidade).
Brasília: Brasil. Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão (MPOG), 2007.
11. Plano de Desenvolvimento da Educação
(PDE). Brasília: Ministério da Educação, 2007.
12. Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC). Brasília: Presidência da República, 2007.
13. Política Nacional de Desenvolvimento
Regional (PNDR). Brasília: Ministério da Integração
(MI), 2007.
14. Plano Nacional de Energia – PNE 2030. Rio
de Janeiro: Ministério de Minas e Energia (MME) e
Empresa de Pesquisa Energética (EPE), 2007.
15. Estudo da Dimensão Territorial para o
Planejamento. Brasília: Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão (MPOG) e Centro de Gestão e
Estudos Estratégicos (CGEE/MC&T), 2008.
16. Política de Desenvolvimento Produtivo:
inovar e investir para sustentar o crescimento.
Brasília: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior (MDIC), 2008.
17. Agenda Social. Brasília: Casa Civil, 2008
(compreende ações e documentos de governo
ligados aos seguintes programas principais:
Programa Bolsa Família – PBF, Territórios da
Cidadania, Programa Mais Saúde, Plano de
Desenvolvimento da Educação – PDE, Programa
Cultura Viva – Pontos de Cultura, Política Nacional
de Juventude – ProJovem, Programa Nacional
de Segurança Pública com Cidadania – Pronasci,
Direitos de Cidadania – Mulheres, quilombolas,
povos indígenas, criança e adolescente, pessoas
com deficiência, documentação civil básica, povos e
comunidades tradicionais).
18. Estratégia Nacional de Defesa – Paz e
segurança para o Brasil. Brasília: Ministério da Defesa,
2008.
19. Plano Amazônia Sustentável: diretrizes
para o desenvolvimento sustentável da Amazônia
brasileira. Brasília: Ministério do Meio Ambiente
(MMA), 2008.
20. Plano Decenal de Expansão de Energia 2008-
2017. Rio de Janeiro: Ministério de Minas e Energia e
Empresa de Pesquisa Energética (EPE), 2009.
21. Programa Minha Casa, Minha Vida. Brasília:
Ministério das Cidades, 2009.
22. Brasil em Desenvolvimento: Estado,
planejamento e políticas públicas. Brasília: Ipea, 2009.
23. Programa de Aceleração do Crescimento (PAC
2). Brasília: Presidência da República, 2010.
24. A Inflexão do Governo Lula: política econômica,
crescimento e distribuição de renda. Nelson Barbosa
e José A. Pereira de Souza, publicado em Emir Sader
e Marco Aurélio Garcia (Orgs.). Brasil: entre o Passado
e o Futuro. São Paulo: Boitempo, 2010.
25. Objetivos de Desenvolvimento do Milênio –
Relatório Nacional de Acompanhamento. Brasília:
Ipea, 2010.
26. Brasil em Desenvolvimento: Estado,
planejamento e políticas públicas. Brasília: Ipea, 2010.
27. III Programa Nacional de Direitos Humanos
– PNDH-3. Brasília: Secretaria Especial de Direitos
Humanos, Presidência da República, 2010.
28. Plano Nacional de Mineração – PNM 2030.
Brasília: Ministério de Minas e Energia (MME), 2010.
29. Projeto Perspectivas do Investimento no Brasil
(PIB). Rio de Janeiro: BNDES; IE/UFRJ; IE/Unicamp,
2010.
30. Brasil em 2022. Brasília: Presidência da
República, Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE),
2010.
Fonte: Elaboração própria.
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Mas diferente de outros momentos e contextos, não
foi o planejamento que criou condições para a retomada
do crescimento, mas o crescimento que impulsionou o
planejamento dos setores e das decisões de investimento
no período recente. Fundamentalmente, pode-se
afirmar que este movimento aconteceu em mão dupla.
Primeiramente, em quase todos os casos analisados,
percebe-se uma tentativa das iniciativas setoriais de
planejamento de romper com o incrementalismo
inerente à lógica de organização e implementação
dos programas e ações tais quais contidos no PPA. Em
segundo lugar, também na maioria dos casos, percebe-
se uma tentativa do planejamento setorial em romper
com a precedência e a primazia do orçamento (vale
dizer, com o conceito de poupança prévia) sobre o
investimento e sobre a própria noção de planejamento
em sentido mais amplo e mais forte.
Como consequência, pode-se dizer que a
importância recente de tais iniciativas, vindo
concretamente dos setores e buscando destravar
constrangimentos econômico-financeiros de grande
porte, impõe a necessidade de o governo avançar em
sua capacidade global de planejamento, articulação e
coordenação setorial. Cabe dizer que, se o investimento
acabou conformando uma estratégia de planejamento,
torna-se absolutamente necessária a coordenação
dos núcleos fundamentais do investimento, como a
Petrobras, os grandes bancos públicos (BNDES, Banco
do Brasil e Caixa Econômica Federal), além dos fundos
de pensão, tendo em vista a enorme concentração das
decisões de investimento e da oferta de crédito em
circuitos internos sob influência do próprio Estado.
Talvez isto seja expressão do que parece premente
em termos mais gerais no país para dar fôlego à trajetória
recente de crescimento: avançar no desenvolvimento
das estruturas centrais de planejamento por meio de
um profundo – leia-se contínuo, coletivo e cumulativo –
reaparelhamento do Estado.
Estado, planejamento e gestão pública no
desenvolvimento nacional
A questão toda é que, em perspectiva histórica,
ao longo do período republicano brasileiro, o Estado
que se foi constituindo, sobretudo a partir da década
de 1930, esteve fortemente orientado pela missão
de transformar as estruturas econômicas e sociais da
Nação no sentido do desenvolvimento.
A industrialização foi a maneira historicamente
preponderante de se fazer isto. Ocorre que, em
contexto de desenvolvimento tardio, vale dizer,
quando as bases políticas e materiais do capitalismo
já se encontram constituídas e dominadas pelos países
ditos centrais – ou de capitalismo originário –, a tarefa
do desenvolvimento com industrialização apenas se
torna factível a países que enfrentam adequadamente
as restrições financeiras e tecnológicas que então
dominam o cenário mundial. Isto, por sua vez, apenas
se fez possível em contextos nos quais os Estados
nacionais conseguiram dar materialidade e sentido
político à ideologia do industrialismo, como forma
de organização social para a superação do atraso. Era
inescapável, portanto, a montagem de estruturas ou
‘‘
‘‘
Mas diferente de ou-tros momentos e contex-tos, não foi o planejamen-
to que criou condições para a retomada do cres-
cimento, mas o cresci-mento que impulsionou o planejamento dos setores e das decisões de investi-
mento no período recen-te. Fundamentalmente,
pode-se afirmar que este movimento aconteceu
em mão dupla.
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sistemas de planejamento governamental por meio
dos quais a missão desenvolvimentista pudesse se
realizar em determinado espaço-tempo nacional.
O sentido de urgência que esteve associado à
referida tarefa fez com que o aparato de planejamento,
ainda que precário e insuficiente, se organizasse
e avançasse de modo mais rápido que a própria
estruturação dos demais aparelhos estratégicos
do Estado. Aqueles destinados à gestão pública
propriamente dita – com destaque óbvio aos sistemas
devotados à estruturação e ao gerenciamento da
burocracia, bem como às funções de orçamentação,
implementação, monitoramento, avaliação e controle
das ações de governo – vieram apenas a reboque,
tardiamente frente ao planejamento.
Em outras palavras, a primazia do planejamento
frente à gestão, ao longo praticamente de quase todo
o século XX, decorria, em síntese, do contexto histórico
que obrigava o Estado brasileiro a correr contra o
tempo, superando etapas no longo e difícil processo de
montagem das bases materiais e políticas necessárias à
missão de transformação das estruturas locais, visando
ao desenvolvimento nacional. Basicamente, tratava-
se, neste contexto, da montagem dos esquemas de
financiamento e de apropriação tecnológica – isto é,
de suas bases materiais – e da difusão da ideologia
do industrialismo e da obtenção de apoio ou adesão
social ampla ao projeto desenvolvimentista – ou seja,
suas bases políticas.
A estruturação das instituições – isto é, estruturação
das instâncias, das organizações, dos instrumentos e dos
procedimentos – necessárias à administração e à gestão
pública cotidiana do Estado, atividades tão cruciais
quanto as de planejamento para o desenvolvimento
das nações, padeceu, no Brasil, de grande atavismo, a
despeito das iniciativas deflagradas tanto por Getúlio
Vargas, com o Departamento Administrativo do Serviço
Público (Dasp), como pelos militares, por meio do Plano
de Ação Econômica do Governo (Paeg), ou, ainda, pelas
inovações contidas na CF/1988.
É apenas durante a década de 1990 que a primazia
se inverte, em contexto, de um lado, de esgotamento
e desmonte da função e das instituições de
planejamento governamental, da forma como haviam
sido constituídas ao longo das décadas de 1930 a 1980,
e, de outro, de dominância liberal, tanto ideológica
como econômica e política. Neste período, alinhada ao
pacote mais geral de recomendações emanadas pelo
Consenso de Washington, surge e ganha força uma
agenda de reforma do Estado que tem na primazia
da gestão pública sobre o planejamento um de seus
traços mais evidentes.
No contexto de liberalismo econômico da época,
de fato, o planejamento, no sentido forte do termo,
passa a ser algo não só desnecessário à ideia de Estado
mínimo, mas também prejudicial à nova compreensão
de desenvolvimento que se instaura. A nova concepção
centrava-se na ideia de que desenvolvimento é algo
que acontece a um país quando este é movido por
suas forças sociais e de mercado, ambas reguladas
privadamente.
Portanto, em lugar de sofisticar e aperfeiçoar
as instituições de planejamento – isto é, instâncias,
‘‘
‘‘
No contexto de libe-ralismo econômico da época, de fato, o pla-
nejamento, no sentido forte do termo, passa a ser algo não só des-necessário à ideia de Estado mínimo, mas
também prejudicial à nova compreensão
de desenvolvimento que se instaura.
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a
organizações, instrumentos e procedimentos –, fez-
se justamente o contrário, em um movimento que
buscava reduzir tal função – como se isto fosse possível
– a algo meramente técnico-operacional, destituído de
sentido estratégico. A função planejamento passou a
ser uma entre tantas outras funções da administração
e da gestão estatal, algo como cuidar da folha de
pagamento dos funcionários ou informatizar as
repartições públicas.
Agendas de gestão pública – voltadas basicamente
à racionalização de procedimentos relativos ao
gerenciamento da burocracia e das funções de
orçamentação, implementação, monitoramento,
avaliação e controle das ações de governo –,
consideradas relevantes, passam a dominar o debate,
a teoria e a prática da reforma do Estado no Brasil.
Supõe-se, assim, que a eficiência – fazer mais com
menos – seja suficiente para se chegar à eficácia e
à efetividade das políticas públicas. Por meio deste
expediente, planejar passava a ser compreendido,
frequentemente, apenas como processo por meio do
qual são compatibilizadas as ações a serem realizadas
com os limites orçamentários previstos.
A hora e vez da mudança
É nesse contexto que se insere agora a oportunidade
política rumo ao movimento de atualização e
ressignificação do planejamento governamental no
Brasil, tanto por se acreditar que isto seja necessário e
meritório em si mesmo, como porque se defende aqui
a ideia de que o momento histórico nacional esteja
particularmente propício a tal empreitada.
Para tanto, longe de querer conferir ao
planejamento um status mágico ou superior, assume-
se abertamente tratar-se de função indelegável do
Estado, como o são também algumas funções clássicas
(por exemplo: monopólios estatais do uso da força,
representação internacional soberana, formulação e
implementação das leis, implementação e gestão da
moeda, arrecadação tributária) e funções consideradas
contemporâneas (estruturação e gerenciamento da
burocracia pública, orçamentação, implementação,
monitoramento, avaliação e controle das ações e das
políticas públicas etc.).
Ora, se planejamento governamental é uma
instância lógica de mediação prática entre Estado
e desenvolvimento, então, não é assunto menor
ressignificar e requalificar os termos pelos quais,
atualmente, deve ser conceituado e praticado o
planejamento público governamental no país. A hora
é agora, basta que a cúpula presidencial demonstre
sensibilidade política ao tema e dê o primeiro passo.
Para ajudar nesta empreitada, listamos abaixo, para
concluir, os 5 atributos desejáveis a este movimento
de recuperação da função planejamento, todos
considerados humana e institucionalmente possíveis
de serem construídos hoje no Brasil, dadas as
capacidades estatais e instrumentos governamentais
já à disposição do poder público federal:
Em primeiro lugar, dotar a função planejamento
de forte conteúdo estratégico: trata-se de fazer da
função planejamento governamental o campo
aglutinador de propostas, diretrizes, projetos, enfim,
‘‘
‘‘
Ora, se planejameto governamental é uma instância lógica de me-diação prática entre Es-tado e desenvolvimen-to, então, não é assunto
menor ressignificar e requalificar os termos pelos quais, atualmen-te, deve ser conceitua-do e praticado o plane-jamento público gover-
namental no país.
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José Celso Cardoso Jr. josecelso.cardoso@ipea.gov.br
Economista, e Técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea
desde 1996.
de estratégias de ação, que anunciem, em seus
conteúdos, as potencialidades implícitas e explícitas,
vale dizer, as trajetórias possíveis e/ou desejáveis para
a ação ordenada e planejada do Estado, em busca do
desenvolvimento nacional.
Em segundo lugar, dotar a função planejamento
de forte capacidade de articulação e coordenação
institucional: grande parte das novas funções que
qualquer atividade ou iniciativa de planejamento
governamental deve assumir está ligada, de um lado,
a um esforço grande e muito complexo de articulação
institucional e, de outro lado, a outro esforço igualmente
grande – mas possível – de coordenação geral das ações
de planejamento. O trabalho de articulação institucional
a que se refere é necessariamente complexo porque, em
qualquer caso, deve envolver muitos atores, cada qual
com seu pacote de interesses diversos e com recursos
diferenciados de poder, de modo que grande parte das
chances de sucesso do planejamento governamental
hoje depende, na verdade, da capacidade que políticos
e gestores públicos tenham de realizar a contento
este esforço de articulação institucional em diversos
níveis. Por sua vez, exige-se em paralelo um trabalho
igualmente grande e complexo de coordenação geral
das ações e iniciativas de planejamento, mas que, neste
caso, porquanto não desprezível em termos de esforço
e dedicação institucional, é algo que soa factível ao
Estado realizar.
Em terceiro lugar, dotar a função planejamento de
fortes conteúdos prospectivos e propositivos: cada vez
mais, ambas as dimensões aludidas (a prospecção e
a proposição) devem compor o norte das atividades
e iniciativas de planejamento público. Trata-se,
fundamentalmente, de dotar o planejamento de
instrumentos e técnicas de apreensão e interpretação
de cenários e de tendências, e também de teor
propositivo, para reorientar e redirecionar (quando for
pertinente) as políticas, os programas e as ações de
governo.
Em quarto lugar, dotar a função planejamento de
forte componente participativo: hoje, qualquer iniciativa
ou atividade de planejamento governamental que
se pretenda eficaz precisa aceitar – e mesmo contar
com – certo nível de engajamento público dos atores
diretamente envolvidos com a questão, sejam eles da
burocracia estatal, políticos e acadêmicos, sejam os
próprios beneficiários da ação que se pretende realizar.
Em outras palavras, a atividade de planejamento deve
prever uma dose não desprezível de horizontalismo
em sua concepção, vale dizer, de participação direta e
envolvimento prático de – sempre que possível – todos
os atores pertencentes à arena em questão.
Em quinto lugar, dotar a função planejamento de
fortes conteúdos éticos: trata-se aqui, cada vez mais,
de introduzir princípios da república e da democracia
como referências fundamentais à organização
institucional do Estado e à própria ação estatal.
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ArtigoAnálise histórica - Reflexos de uma crise anunciada: O Brasil e a América Latina
frente aos desafios dos anos 1930Günther Richter Mros
No dia 24 de outubro de 1929, quinta-feira, em Nova
Iorque, um sujeito solicitou na recepção de hotel situ-
ado em Manhattan um quarto nos andares superiores
com janela voltada para a avenida que passa em frente
ao prédio. Pouco tempo depois, esse mesmo sujeito,
em ato de desespero, jogou-se para a morte e somou-
-se aos outros dez conhecidos homens de negócios
que se suicidaram naquela que ficou conhecida como a
“quinta-feira negra”. Esta data ficou simbolicamente re-
lacionada ao crash na bolsa de valores de Nova Iorque 1.
Exatamente um ano após a bancarrota em Nova
Iorque, em 24 de outubro de 1930, no Rio de Janeiro,
o presidente Washington Luís era deposto de seu car-
go pelo movimento armado da Aliança Liberal – que
tinha em Getúlio Vargas sua principal liderança – e se-
ria conduzido ao exílio. O movimento iniciado em 3 de
outubro com a invasão armada de alguns quartéis em
Porto Alegre teve como ápice a mudança de governo
no Brasil (GARCIA, 2000, p. 106). Iniciava-se na ocasião
uma lenta e gradual mudança de paradigma do Estado
brasileiro.
Neste artigo pretendemos trabalhar as relações da
crise de 1929 com as soluções endógenas aplicadas
pelos países latino-americanos no limiar da década de
1930. A questão que se formula é a seguinte: até que
ponto os efeitos econômicos negativos na América La-
tina seriam decorrência direta da crise iniciada em 1929
nos Estados Unidos? Ao buscarmos elementos estrutu-
rais da crise que se espraiou pela América Latina, pode-
ríamos questionar se as mesmas causas da retração no
comércio internacional não seriam também as causas
de novas teorias econômicas, como a de Keynes2, ou as
causas de um novo paradigma nas relações internacio-
nais do Brasil, ou seja, as transformações ocorridas ao
longo do século XIX e no início do século XX.
As causas estruturais de grandes mudanças de
rumo na história são desenvolvidas não ao longo de
um período curto, repleto de pequenas transformações
efêmeras ou de grandiosos personagens decisivos. A
história é escrita por períodos de longa duração — ou
long durée, como diria importante historiador da Escola
dos Annales.3
A divisão que se procurará seguir, portanto, parte de
explanação abrangente dos aspectos que caracteriza-
ram a crise de 1929, buscando-se, em seguida, fazer a
exposição de como se deram os primeiros anos após
a crise de 1929 em países da América Latina, a partir
da visão de especialistas que estudaram o período na
Argentina, México, Peru, Equador, Venezuela e Brasil.
A grande crise de 1929
A crise iniciada em 1929 em Nova Iorque foi, antes
de tudo, uma grande queda generalizada da produção
nos países ocidentais, que causou uma retração nas im-
portações da ordem de 69% no período entre 1929 e
1933 (GAZIER, 2009, p. 9-10; 18).
Os países ocidentais que eram o carro-chefe da pro-
dução industrial no pós-Primeira Guerra Mundial – EUA,
1 Embora alguns autores, como Bernard Gazier (2009, p. 30), tratem a questão dos suicídios como mito, outros autores, como Paul Johnson (1984, p.231), relatam ao menos a morte de onze conhecidos homens de negócio naquela data. 2 Keynes defendia uma política econômica de Estado intervencionista, por meio da qual os governos usariam medidas fiscais e monetárias para mitigar os efeitos adversos dos ciclos econômicos.3 Fernand Braudel cunhou o termo long durée ao se referir às transformações estruturais que ocorrem em períodos mais extensos, quando escreveu sua tese de doutoramento sobre o mundo mediterrâneo de Filipe II da França. (BRAUDEL, 1983, p. 25-26).
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Grã-Bretanha e, sob certos aspectos, ainda a Alemanha
– passaram a definir suas políticas de forma mais pro-
tecionista.
Ainda na Conferência de Gênova, em 1922, procu-
rou-se sancionar o que na prática já vinha ocorrendo,
o declínio do padrão-ouro, ao menos na sua forma
pura, que remetia ao século XIX, no auge do império
britânico. Passa-se então ao padrão câmbio-ouro, que
permitia às economias não mais terem suas reservas
atreladas ao metal ouro, cada vez mais raro, mas sim às
moedas-padrão dólar e libra-esterlina, graças à harmo-
nia que essas duas moedas traziam ao sistema financei-
ro, devida ao lastro em ouro de suas reservas.
A crise dos anos após 1918 é vista por Hobsbawm
(1995) como um “colapso verdadeiramente mundial”,
diferente de tudo o que já se tinha visto, seja a Guerra
Mundial ou as revoluções do século XIX. “A globalização
da economia dava sinais de que parara de avançar nos
anos entreguerras. Por qualquer critério de medição, a
integração da economia mundial estagnou ou regre-
diu” (Hobsbawm, 1995, p. 91).
Um dos primeiros críticos da manutenção de meca-
nismos econômicos baseados em aspectos do mundo
do século XIX e de políticas revanchistas europeias foi
John Maynard Keynes (2002). Em sua obra As conse-
quências econômicas da paz, de 1919, ele referiu-se aos
resultados da Conferência de Paz de Versalhes, onde se
negociou o tratado que poria fim à I Guerra Mundial.
Para Keynes, os acordos eram desastrosos. É bastante
conhecida a parte do livro que fala do tratado e do peri-
go existente em atrelar a economia alemã ao mercado
especulativo. Antes disso, no entanto, Keynes chama a
atenção para aspectos estruturais da Europa pré-guer-
ra. Para o autor:
[...] mesmo antes da guerra, o equilíbrio assim estabelecido
entre as antigas civilizações e os novos recursos já estava
ameaçado. A prosperidade da Europa tinha como base
o fato de que, devido ao amplo excedente exportável
de alimentos na América, era possível adquirir esses
alimentos a um preço modesto, em termos do trabalho
exigido em troca da sua exportação; e também a
circunstância de que, devido aos investimentos passados,
os europeus recebiam cada ano uma importância
substancial, sem a necessidade de qualquer retorno
(KEYNES, 2002, p. 15).
Outra análise de grande importância acerca do perí-
odo entreguerras, que gerou um clássico no campo das
Relações Internacionais, é a obra de Edward Hallet Carr
(2001) intitulada Vinte anos de crise, escrita em 1939. As
críticas de Carr ao liberalismo são bastante mais con-
tundentes do que as apresentadas por Keynes, uma
vez que, para aquele autor, o problema-chave da leitu-
ra liberal estava em diagnósticos utópicos. Para Carr, “o
colapso da década de 30 foi contundente demais para
ser explicado meramente em termos de ações ou omis-
sões individuais” (CARR, 2001, p. 53-59). Estava constru-
ída, assim, forte crítica à doutrina de harmonização de
interesses do laissez-faire.
Os problemas do século XIX eram muito diversos
daqueles que caracterizam o século XX. A harmonia de
interesses era aplicável naqueles anos por se tratar de
situação econômica bastante diversa: contexto de ex-
pansão territorial, migrações e colonialismo. A teoria re-
alista que estava sendo desenhada pelos argumentos
de Carr carregaria em seu substrato três importantes
conceitos de Nicolau Maquiavel (CARR, 2001, p. 85-86).
O primeiro conceito da teoria de Maquiavel é o da
história como sequência de causa e efeito, coadunan-
do-se esse aspecto já levantado no século XVI com a
noção dos historiadores modernos de que há ciclos
multicausais e que, portanto, a história deve ser vista
como “filha de seu tempo” (BRAUDEL, 2009, p. 17). A ex-
periência de quem escreve a história e até os métodos
utilizados são ditados pelo ritmo e pelo peso das vivên-
cias do historiador com o meio em que vive.
O segundo ponto refere-se ao fato de que a teoria
não cria a prática, mas sim a prática é que cria a teo-
ria, o que vai de encontro ao pensamento utópico que
baseia as teorias em aspectos imaginativos. Este ponto
confirma os estudos indutivos e métodos empíricos
utilizados por historiadores.
Seguindo esta linha, o terceiro ponto trata da noção
de não ser a política função da ética, mas, ao contrário, a
ética a é da política. Ou, em outras palavras, a ética apre-
goada ao indivíduo não pode ser a mesma direcionada
às ações do Estado4. Este último fundamento é de suma
importância para compreensão do comportamento
dos Estados latino-americanos frente à crise de 1929.
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A ingenuidade que se via no comportamento dos
regimes sob modelos conservadores muito se deveu
ao status quo econômico da potência hegemônica do
século XIX, a Grã-Bretanha. Não havia competição re-
levante dos produtos manufaturados provenientes do
império britânico com nenhuma nação até a unificação
da Alemanha e a ascensão dos Estados Unidos no pós-
Primeira Guerra Mundial. Quando os Estados da Amé-
rica Latina buscaram uma mudança efetiva de perfil, a
ética da competitividade era a da própria sobrevivên-
cia do Estado frente a uma crise avassaladora.
Assim, Edward Carr escreveu sobre a história como
produto de diversos fatores materiais, e a política ex-
terna de um país como reflexo de todos os fatores ma-
teriais que compõem o interesse nacional (CARR, 2001,
p. 89).
Os diversos fatores materiais que compõem o estu-
do da história de uma crise como a de 1929, podem e
devem ser estudados não somente nos aspectos orga-
nizados e normatizados das atitudes de chefes de Esta-
do ou da história diplomática, caracterizada pela versão
dos acontecimentos construída nos grandes salões das
chancelarias. Nesse sentido, Pierre Renouvin inovou ao
escrever sobre as forças profundas que regem os pro-
cessos históricos. Para Renouvin, as forças profundas
são formadas sob um sistema de multicausalidades
que atua sobre as relações internacionais. São ocultas
e de difícil percepção daqueles que vivem o momento
histórico em que elas ocorrem. Emanam das coletivida-
des humanas e dependem de um processo de tomada
de consciência.
Para Jean-Baptiste Duroselle, coautor de Introdução
à história das relações internacionais com Renouvin e
autor da obra Todo império perecerá, a crise de 1929 não
poderia ser vista como um acontecimento isolado da
economia norte-americana, que ocasionalmente havia
se expandido por todo o mundo ocidentalizado.
Quando, pelo contrário, sobrevém uma grave crise econô-
mica como a que estourou – simbolicamente – na “quin-
ta-feira negra” de 24 de outubro de 1929, em Wall Street,
essa crise produziu em todo o país reações de descon-
tentamento, de angústia, próprias para suscitar grandes
movimentos de massas, motins, “greves de fome”, trans-
torno eleitoral etc. Trata-se aí, ainda, de uma “força econô-
mica”. Mas ela não tem nenhuma relação com as pressões
conscientes e organizadas. É, a princípio, maciça, difusa,
obscura, profunda. Certamente, diversos organismos ten-
tarão apoderar-se dela, esforçar-se-ão para “recuperá-la”,
como se diz hoje em dia. Resta nada mais que seu caráter
maciço, espontâneo, impensado, impedindo de ordená-
la entre as pressões. Pode-se, antes de tudo, falar de uma
pulsão. Digamos que aí se trata verdadeiramente de uma
“força profunda”. (DUROSELLE, 2000, p. 186).
Ainda para Duroselle, “o que é surpreendente, na
‘força profunda’ propriamente dita, é a espontaneida-
de, seja nas origens, seja nas manifestações” (DUROSEL-
LE, 2000, p. 187). Por esse motivo, a crise de 1929, bem
como as reações da América Latina, são efeitos decor-
rentes de múltiplas causas que devem ser examinadas
por meio das forças profundas que caracterizam o pro-
cesso histórico na longa duração – sejam elas forças
econômicas, geográficas ou demográficas.
Os resultados da crise de 1929 para os Estados Uni-
dos, ainda no princípio dos anos 1930, foram determi-
nantes para a política de intervencionismo do Presiden-
te Franklin Delano Roosevelt, que chegara ao poder em
4 Ou do príncipe, como diria Maquiavel (2000).
‘‘ ‘‘
A ingenuidade que se via no comporta-
mento dos regimes sob modelos conservadores
muito se deveu ao status quo econômico
da potência hegemôni-ca do século XIX, a Grã-Bretanha.
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1932 com a promessa de renovação que caracterizava
a vontade dos norte-americanos em época de crise e
desemprego em alta. Herdeiro da corrente progressista
que defendia o intervencionismo federal, criou o New
Deal (novo acordo) com vistas a tirar a economia dos
Estados Unidos da situação difícil que se encontrava.
O New Deal proposto por Roosevelt no plano inter-
no dos norte-americanos teria de ser complementado
com uma política externa menos agressiva do que a
doutrina Monroe ou a diplomacia do big stick, pois
ambas haviam sido ineficazes até aquele momento.5
Franklin Roosevelt propunha, assim, a Good Neighbor
Policy (política da boa vizinhança) para os demais paí-
ses do hemisfério. Era o desejo de o Estado norte-ame-
ricano poder influenciar nos aspectos econômicos,
mais até que nos políticos, de todos os países do Rio
Grande até o sul da Patagônia (BANDEIRA, 2000, p. 48).
O período que abrange os anos 1931 a 1936, fase
em que o presidente Roosevelt tentou implementar a
política de boa vizinhança, portanto, foi para Gazier a
fase-gênese do subdesenvolvimentismo, ou do tercei-
ro-mundismo (GAZIER, 2009, P. 89). Se essa leitura de
Gazier é verdadeira, também é verdade que há uma
diversidade muito grande de reflexos da crise de 1929
ainda por estudar. São situações tão diversas em regi-
ões díspares como Europa, África e América Latina, que
a possibilidade de interpretações opostas também é
uma tendência.
As mudanças ocorridas no decorrer dos anos 1930
não foram, em lugar algum, tão rápidas e expressivas
quanto o foram nos países da América Latina. Doze pa-
íses haviam mudado de governo ou regime, muitos por
golpe (HOBSBAWM, 1995, p. 108), nos primeiros anos
após a crise. Entre esses países estavam Brasil, México
e Argentina.
A mudança que estava ocorrendo nas Américas não
era uma simples troca de dirigentes. Havia a mudança
de percepção do lugar dos Estados latino-americanos
no jogo da economia mundial. Não era somente a per-
cepção de que algo estava errado por causa da crise.
Era, sim, a constatação de que a crise que desvalorizara
os produtos primários – base das economias latino-
americanas – que encarecera produtos manufaturados
e dificultara a entrada dos bens de capital provenientes
de países industrializados – necessários para as inci-
pientes indústrias americanas – era a crise de todo um
modelo.
A Grande Depressão confirmou a crença de intelectuais,
ativistas e cidadãos comuns, de que havia alguma coisa
fundamentalmente errada no mundo em que viviam.
Quem sabia o que se podia fazer a respeito? Certamente
poucos dos que ocupavam cargos de autoridade em seus
países e com certeza não aqueles que tentavam traçar um
curso com os instrumentos de navegação tradicionais do
liberalismo secular ou da fé tradicional, e com cartas dos
mares do século XIX, nas quais era claro que não se devia
mais confiar (HOBSBAWM, 1995, p. 106).
A crise do liberalismo e a situação na América Latina: os reflexos de 1929
De qualquer ponto de vista do qual se pretenda
partir para um estudo dos períodos históricos relacio-
nados à história da América Latina, o corte no ano de
1929 se fará quase como uma obrigação de método.
Foi o início do desenvolvimento autóctone de alguns
‘‘ ‘‘
As mudanças ocorridas no decorrer
dos anos 1930 não foram, em lugar
algum, tão rápidas e expressivas quanto o foram nos países da
América Latina.
5 O objetivo da Doutrina Monroe, corolário implementado pelo presidente James Monroe no primeiro quartel do século XIX para os paí-ses da América Latina (em especial para aqueles que, na América Central, estavam sob influência direta dos EUA devido à pouca dis-tância de seu território), em seu primeiro momento, era impedir reinvestidas europeias nos assuntos internos das Américas, ou seja, “a América para os americanos”. O Big Stick foi uma reinterpretação desse conceito por parte do presidente Theodore Roosevelt, em 1901, quando defendeu a política do “fale suave e tenha um porrete à mão” no trato com os vizinhos dos Estados Unidos.
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países latino-americanos, concomitante a uma crise
estrutural como a de 1929. Cardoso e Brignoli (2002)
ressaltam a importância de entender os conceitos
atinentes ao estudo da história econômica, dentre os
quais destacam-se os de conjuntura e estrutura: con-
juntura como movimento cíclico das relações econô-
micas – tais como flutuações, oscilações de preços e
de produção etc – e estrutura como a repetição estável
de padrões. Esta última, seja ela econômica ou social,
não pode ter a estabilidade dos ciclos confundida com
estática. Os movimentos estruturais têm estabilidade
relativa, nunca a imobilidade.
Nesse sentido, o que diferencia as conjunturas e as
estruturas no estudo da história econômica são os rit-
mos com que as mudanças ocorrem nessa área (CAR-
DOSO; BRIGNOLI, 2002, p. 260-262). Conjunturas como
as provenientes de crises, são efêmeras,. A crise de 1929
foi conjuntural, mas revelou contradições estruturais
do capitalismo porque, nos anos 1930, ainda existiam
muitas das características do século XIX, sob fase de
transição da hegemonia britânica para as rivalidades
comercias que precederam a II Guerra Mundial.
A Argentina, assim como o Brasil, tinha sua econo-
mia bastante dependente de um produto primário, o
trigo. Diferentemente do café brasileiro, porém, não se
poderia, em lugar algum, abrir mão do trigo, uma vez
que este produto era de maior necessidade relativa
para importadores.
A crise de 1929 causou forte queda no PIB argenti-
no, que obteve, ademais, recuperação mais lenta, nos
últimos cinco anos da década de 1930, em comparação
ao Brasil, em muito devido à dependência que aquele
país tinha das exportações de trigo e carne. No mesmo
período, no Brasil, já havia maior diversificação da pau-
ta exportadora (FAUSTO; DEVOTO, 2004, p.253).
O papel do governo argentino no início dos anos
1930 foi diverso daquele empreendido pelo governo
provisório de Vargas. Enquanto no Brasil aos poucos
se desenhava uma estratégia industrialista, a ênfase
dada por Buenos Aires para superar a crise apontaria
para a ação no sistema financeiro. Os conservadores
argentinos decretaram a inconversibilidade da moeda
em 1931, estabeleceram o câmbio duplo em 1933 – um
câmbio relacionado às divisas geradas pelas exporta-
ções, controlado pelo Estado, e outro como câmbio
livre – e criaram o Banco Central argentino em 1935
(FAUSTO; DEVOTO, 2004, p.255).
A política ortodoxa empreendida pela Argentina
no seu sistema financeiro em muito se deveu às difi-
culdades enfrentadas pelo país no âmbito do comércio
internacional. Os anos de crise e as preferências britâ-
nicas a partir de 1932 em importar carnes de países da
Commonwealth fizeram com que se buscassem medi-
das que seriam criticadas até mesmo por liberais mais
exaltados, como no episódio da assinatura do pacto
Roca-Runciman.6
A Argentina passou a viver, após os primeiros anos
da década de 1930, um revés da imagem que constru-
íra nos anos anteriores. Eram claros os sinais de que a
crise de 1929 fizera que sua “imagem de país de pros-
peridade garantida, sempre crescente, começasse a se
desvanecer” (PARADISO, 2007, p.13).
Diferentemente do golpe ocorrido no Brasil em
outubro de 1930, o golpe aplicado na Argentina, em
setembro do mesmo ano, para derrubar Hipólito Yri-
goyen trouxera de volta ao poder a oligarquia conser-
vadora que representava o liberalismo atrelado à hege-
monia britânica.
Para Rapoport, no entanto, a Argentina já ensaiava
algum tipo de industrialização nos primeiros anos da
década de 1930.
Los efectos de la crisis desatada en 1929 afectaron las
bases sobre las que se apoyaba la economía agroexpor-
tadora. Los países que tradicionalmente compraban la
producción argentina comenzaron a proteger y impulsar
su propia producción de bienes primarios (Inglaterra, por
ejemplo, firmó el Tratado de Ottawa, de preferencias im-
periales, en 1932). En este contexto, la Argentina vio redu-
cidas sus exportaciones en volumen y en precio, situación
que ocasionó una falta de divisas en el país y redujo su
6 O acordo feito pelo vice-presidente argentino Julio Roca e o encarregado britânico para o negócio Sir Walter Runciman, em 1933, foi sem dúvida mais vantajoso à Grã-Bretanha. Em troca de manter as importações da carne argentina nos níveis alcançados em 1932, Roca assinou um documento que obrigou Buenos Aires a importar carvão exclusivamente do Reino Unido, flexibilizar leis trabalhistas e dar privilégios às empresas britânicas.
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capacidad de compra en el mercado internacional. Esta
escasez de divisas originó la necesidad de fabricar inter-
namente muchos productos que antes se importaban,
estimulando lo que se dio en llamar ‘industrialización ba-
sada en la sustitución de importaciones’(ISI). También se
reforzó la presencia del Estado en la economía con la cre-
ación de diversas juntas reguladoras (Granos, Carnes, etc.),
la implementación del control de cambios y la creación
del Banco Central (RAPOPORT, 2009, p. 55).
Embora a Argentina ensaiasse alguma mudança, os
novos ventos deveriam continuar soprando na direção
das elites. Poderia até haver o crescimento de novas
ideologias como aquelas representadas pelo keyne-
sianismo, mas a estratégia implementada nos primei-
ros anos após 1929 era pouco diferente daquelas que
caracterizaram os anos anteriores. A Argentina seguia
bastante dependente da Grã-Bretanha, opondo-se, por
exemplo, a qualquer política pan-americanista na Liga
das Nações (SDN).
Não deixa de ser paradoxal, portanto, que, mesmo
com turbulências internas e alguns deslizes externos, a
chancelaria da Argentina tenha tido naqueles anos “os
maiores sucessos de toda a sua história, de certo modo
sinalizados pela concessão do Prêmio Nobel da Paz a
quem atuara como chanceler entre 1932 e 1938” (PA-
RADISO, 2007, p.13).7
O fim do sistema primário-exportador na Argentina
marcou o início de um período que Aldo Ferrer primei-
ramente chamou de “industrialização não-concluída”,
ou “não-integrada” (FERRER, 2006, p. 119). Posteriormen-
te Ferrer corrigiu-se, denominando o período como
uma economia semi-industrial dependente. Em ambas
as situações, o autor identificou no setor manufatureiro
uma crescente importância, com o adendo de ter ano-
tado entre duas edições de sua obra, num período de
dez anos, a presença muito forte das filiais estrangeiras
na indústria argentina (FERRER, 2006).
Na Argentina, os reflexos da crise de 1929, seja no
âmbito da dívida externa ou no balanço de pagamen-
tos, serviram, como em boa parte da América Latina, de
mola propulsora para mudanças no paradigma de po-
lítica exterior. O trigo e a carne eram os principais pro-
dutos de exportação e estavam atrelados ao sistema
político que dominava o poder.
O golpe ocorrido em setembro de 1930 foi uma ten-
tativa de manter os responsáveis pelo antigo sistema à
frente de mudanças que não eram puramente econô-
micas ou comerciais, mas ideológicas e estratégicas. As-
sim, o ritmo com que se estabelecia a política industrial
na Argentina era mais lento, crescia e se fortalecia ainda
sob pequenos regressos de sua chancelaria, como fora
exemplo o acordo Roca-Runciman.
No México, os fatos ocorreram de forma um pouco
diversa, tanto no campo econômico quanto no político.
Sob o aspecto econômico, a principal diferença reside
no fato de os principais produtos da balança comercial
mexicana não serem alimentícios, mas minerais. Com
essa afirmação, não se quer dizer que não tenha havi-
do crise com o milho ou o feijão, produtos largamente
cultivados em terras mexicanas – no âmbito da agricul-
tura, soma-se ainda a crise do algodão, com diminuição
de produção para exportação e para o mercado inter-
no. Os minérios, no entanto, marcaram de forma muito
contundente a crise mexicana. Os preços da prata, do
ouro, do cobre e do zinco e a produção de petróleo fo-
ram bastante reduzidos.
O segundo aspecto diferenciador da crise no Méxi-
co diz respeito ao campo político-ideológico. A respos-
7 O chanceler em questão era Carlos Saavedra Lamas.
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A política ortodoxa empreendida pela Argentina no seu sistema financeiro
em muito se deveu às dificuldades enfren-tadas pelo país no
âmbito do comércio internacional.
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a
ta mexicana à crise, com o governo de Lázaro Cárdenas,
a partir de 1934, foi por meio do populismo e da centra-
lização do poder do Estado.
Para Maria Lígia Prado (1981), “o populismo ocorre
numa situação de ‘transição’, isto é, na passagem da as-
sim chamada sociedade tradicional – agrária, pré-capi-
talista, atrasada – para a sociedade moderna – capitalis-
ta, urbana e industrial” (PRADO, 1981, p.10).
O México é um exemplo claro de que as mudanças
ocorridas no início da década de 1930 não eram so-
mente um reflexo da crise de 1929. Desde o fim do go-
verno de Porfírio Diaz, que iniciou-se a partir da revo-
lução mexicana em 1911, já se buscava no México um
rearranjo social que ameaçava a divisão internacional
do trabalho então estabelecida.
A constituição mexicana de 1917, elaborada por uma
Assembleia Constituinte, está marcada pelo calor dos
debates políticos e ideológicos, e pelo eco não distante
das lutas armadas. Para muitos autores a sombra de Zapa-
ta – já batido politicamente, mas ainda mantendo focos
armados rebeldes – pairava sobre a Assembleia Consti-
tuinte; na Constituição, a mais avançada e progressista da
América Latina para a época, estavam garantidas muitas
das reivindicações camponesas, como, por exemplo, a re-
forma agrária. (PRADO, 1981, p.15)
O que assemelhará a situação do México às de Bra-
sil e Argentina será o que se convencionou chamar de
processo de substituição de importações (PSI). Este fe-
nômeno, nos anos 1930, ocorre com especial força no
governo de Lázaro Cárdenas, do Partido Nacional Revo-
lucionário (PNR). Tal governo reunia em seu seio duas
correntes antagônicas da política mexicana da época:
os caudilhos de Álvaro Obregón e os institucionalistas
de Plutarco Elias Calles.
A plataforma econômica proposta pelo PNR em seu
plano de governo era, em resumo, a de maior partici-
pação do Estado na economia (tendência keynesiana);
condução da política econômica visando à redução da
dependência externa; e defesa dos interesses das mas-
sas operárias e camponesas mexicanas.
As principais iniciativas tomadas por Cárdenas
para efetivar seu plano de governo foram a “criação
de bancos e financiadoras como o Fondo de Fomento
Industrial (1936), Banco Nacional de Comércio Exterior
(1937), Aseguradora Mexicana (1937) e a vitalização de
outras já existentes, como o Banco do México (1925) e
a Nacional Financeira (1933) [...]” (PRADO, 1981, p.26).
Ademais, Cárdenas nacionalizou as empresas petrolífe-
ras estrangeiras e criou a Petróleos de México (Pemex)
em 1938.
Cárdenas imprimira em seu governo uma alterna-
tiva nem capitalista, nem socialista. Seu governo per-
seguiu para o México uma cartilha desenvolvimentista
que tem características próprias da América Latina por
se assemelhar aos demais países da região no que tan-
ge à busca pelo reforço da industrialização como solu-
ção para os reflexos da crise. Mesmo que as caracterís-
ticas se assemelhem ao restante da região no sentido
lato, buscou, entretanto, as características próprias da
sociedade mexicana no sentido strictu.
Nem sempre a situação política dos países latino-
americanos permitiu a tomada de decisão mais favo-
rável à centralização do poder por parte do Estado e
a imediata aplicação de medidas desenvolvimentistas.
No Peru, a tentativa de chegar ao poder por parte
do aprismo8 foi derrotada nas urnas, mas as ideias e
as discussões acerca da crise estiveram em pauta. No
Equador, a crise de seu principal produto, o cacau, já
8 Corruptela de Alianza Popular Revolucionaria Americana (APRA), movimento social peruano que deu origem ao Partido Aprista Peruano (PAP).
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O México é um exemplo claro de que as mudanças
ocorridas no início da década de 1930 não eram somente um
reflexo da crise de 1929.
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era sentida desde o início da I Guerra Mundial, quando
o porto de Hamburgo, na Alemanha, havia cessado os
pedidos de importação do fruto (ACOSTA, 2005, p. 79).
A Venezuela já alterava, desde o final da década de
1920, sua pauta de exportação, baseada na agricultu-
ra de produtos como cacau e café, para o petróleo. Em
1928, havia 150 indústrias petrolíferas explorando o
produto e transformando o país no maior exportador
de petróleo no mundo. Em 1930, a Venezuela havia qui-
tado sua dívida externa por meio das divisas geradas
pelo petróleo, situação que seguiu estável até o final
dos anos 1970 (MANCEBO, 2009, p. 32-33).
As ideias que circulavam pela América Latina, ou
Indoamérica, como se referia a ela o fundador do apris-
mo, eram de transformações antioligárquicas no plano
político e nacionalistas no econômico.
Victor Raúl Haya de la Torre, peruano, foi o fundador
da Alianza Popular Revolucionaria Americana (APRA)
em 1924, no México, quando vivia no exílio. Haya de
la Torre concorreu nas eleições do Peru em 1931 pelo
Partido Aprista Peruano (PAP), criado em setembro de
1930. Em agosto desse mesmo ano, já havia ocorrido
um levante militar chefiado por Luis Miguel Sánchez
Cerro — eleito posteriormente em 1931 —, patrocina-
do pelos latifundiários e apoiado pela população em
reação à crise internacional iniciada em 1929.
A fragmentação da elite latifundiária e a introdução
das camadas populares mais baixas na vida política
peruana geraram uma situação pré-revolucionária que
em muito favorecia Haya de la Torre (COTLER, 2006, p.
188). Essa situação, no entanto, não se confirmou. As li-
deranças oligárquicas reuniram-se, em 1933, com apoio
dos militares chefiados pelo general Benavides, e der-
rotaram o movimento popular que tinha o anseio de
acabar com a hegemonia oligárquica do Estado peru-
ano.
As ideias apristas, embora não tenham atingido o
poder, foram bastante difundidas e trouxeram o desen-
volvimentismo para o centro da discussão. Conquista-
ram aparelhos privados de hegemonia9 e buscavam
implantar seu programa de desenvolvimento do Peru.
Esse programa visava a uma redefinição do papel do
Estado e à nacionalização da produção, bem como ao
controle dos investimentos estrangeiros.
Para Julio Cotler, o programa de Haya de la Torre
propunha:
[...] fixar medidas de proteção aduaneira para defender
e promover a indústria nacional. Seria criado o Banco da
Nação, incumbido de arrecadação tributária, desalojando
desta função o sistema bancário privado; por intermédio
das suas filiais, ele procuraria financiar a produção indus-
trial, a mineira e a agrícola regional [...]. Por outro lado, o
Estado se encarregaria de criar e desenvolver as indús-
trias básicas, para que houvesse a substituição das im-
portações e para que fosse agregado valor aos produtos
destinados à exportação (COTLER, 2006, p. 195).
Assim como ocorreu no Brasil, com o governo Var-
gas, Haya de la Torre acreditava que o Estado precisa-
ria se organizar “em termos ‘científicos’, com assessoria
técnica profissional” (COTLER, 2006, p. 195). Ou seja, o
desenvolvimentismo que estava na cabeça dos políti-
cos latino-americanos da década de 1930 exigia admi-
nistração tecnocrata, burocrata, weberiana.
Embora o PAP de Haya de la Torre tenha sido derro-
tado por Sánchez Cerro nas eleições de 1931, o período
que recobria a última década no Peru (1919-1930) já
estava rompido com a aristocracia até então vigente,
a ponto de ficar conhecido como o período da “Patria
Nueva” (BURGA, 2009, p. 139).
No Equador, em 1925, com a crise do cacau e o en-
fraquecimento do poder econômico e político da Igre-
ja, maior latifundiária do país, o exército ensaiava um
movimento de revolta promovido por jovens oficiais
da instituição, algo muito semelhante ao tenentismo
de 1922, no Brasil. Essa revolta tinha um incipiente pro-
jeto industrializante que acabou não dando certo, mas
gerou uma Lei de Tarifas e Taxas Aduaneiras para pro-
teger a importante indústria têxtil da região serrana do
país (ACOSTA, 2005, p. 84).
Não seria uma política de substituição de importa-
ções ainda, mas é a prova de que iniciativas desenvol-
9 Conceito gramsciano. Para Antonio Gramsci, importante pensador político que viveu na Itália contemporânea dos fatos analisados neste artigo, os aparelhos privados são organizações sindicais, culturais, estudantis e sociais que representam as diferentes esferas da sociedade civil. Gramsci acreditava numa revolução das ideias, que permitisse a conquista da hegemonia em um bloco histórico por meio da cultura.
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vimentistas latino-americanas não eram puro reflexo
somente da crise de 1929. Já estavam presentes no
campo das ideias de lideranças e aspirantes a dirigen-
tes de toda a Ibero-américa. Eram produto da insatisfa-
ção com a divisão internacional do trabalho e do papel
que a América Latina exercia no mundo.
Auditoria da dívida externa: o Brasil olha para dentro de si para traçar a estratégia de política externa
Ao assumir o Ministério da Fazenda, em novembro
de 1931, Oswaldo Aranha deparava-se com um dese-
quilíbrio tal no balanço de pagamentos que aumenta-
va gradualmente a porcentagem exigida do PIB para
manter o serviço da dívida, exigindo do governo a
tomada de empréstimos no exterior, os funding loans,
para suprir a perda de reservas. “Entre setembro de
1929 e agosto de 1930, as reservas brasileiras caíram
para menos da metade (de 31 milhões para 14 milhões
de libras) e, em 1931, haviam se esgotado” (BARRETO,
2001, p. 91).
A dívida externa encontrada pelo governo provisó-
rio em 1930 estava em torno de 237 milhões de Libras
(US$ 1,25 bilhão), de cujos títulos os britânicos deti-
nham dois terços, e os americanos perto de um terço
(HILTON, 1994, p. 120). O serviço da dívida exigia quase
o dobro do saldo da balança comercial ao ano, o que le-
vara o então ministro da Fazenda José Maria Whitaker a
negociar novo funding para manter o serviço da dívida.
A análise dos fatos relativos à divida externa e à
crise econômica brasileira como um todo merece aten-
ção do estudioso das relações internacionais. É fácil
perceber que tanto há “a impossibilidade de estudar-se
a economia brasileira no período sem referência à in-
serção do Brasil na economia mundial” (ABREU, 1990, p.
73), quanto o inverso também é verdadeiro; não é pos-
sível estudar as relações internacionais do Brasil sem
levar em conta as forças profundas da economia.
Logo após a troca de José Maria Whitaker por
Oswaldo Aranha, o terceiro funding loan foi acertado,
sob conselhos de Sir Otto Niemeyer, personagem que
se tornaria peça-chave não somente no empréstimo
de mais um funding, mas também no lançamento, por
parte do governo, do Esquema Aranha. Concomitante-
mente à negociação do terceiro funding, e no âmbito
do Ministério da Fazenda, o governo instituíra a Comis-
são de Estudos Financeiros e Econômicos dos Estados
e Municípios por meio do Decreto n.º 20.631, de 9 de
novembro de 1931.
Os trabalhados da comissão são tão importantes e
inovadores que poderiam ser apontados como um dos
legados da Era Vargas na área econômica. Pela primeira
vez houve a percepção de que “é preciso se fazer uma
auditoria profunda e completa da dívida externa quan-
do se parte para o processo de renegociação” (GON-
ÇALVES, 2003, p. 119).
Os resultados dos estudos feitos pela comissão
foram publicados em dois volumes. Estava feita a pri-
meira auditoria da dívida externa do Brasil, completa e
meticulosa. Virou ferramenta para a ação do governo, e
logo começou Oswaldo Aranha a esboçar um esquema
que fosse positivo para o país.
O Decreto n.º 23.829, de 5 de fevereiro de 1934,
tratou dos termos em que consistia o Esquema Ara-
nha. Era necessária a reconstrução das diretrizes que
tratavam do serviço da dívida, agora baseados nos tra-
balhos da comissão técnica encarregada da auditoria.
Dois dias antes da publicação do Decreto, Aranha enca-
minhara a Vargas a exposição de motivos do esquema,
documento que demonstra bem as ideias do ministro
quanto aos rumos do país. O documento de nº 56, ex-
posto na obra de Valentim Bouças (1950, p. 351-356),
é um chamamento à realidade pragmática da situação
financeira do Brasil, bem como uma proposta de de-
senvolvimento.
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As ideias apristas, embora não tenham
atingido o poder, foram bastante difundidas
e trouxeram o desenvolvimentismo
para o centro da discussão.
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Quando saiu do Ministério da Fazenda, Oswaldo
Aranha levou consigo um amplo quadro da questão
financeira do país e tinha algumas convicções para
a solução dos problemas relativos ao tema. Talvez a
principal dessas convicções fosse a necessidade de
diversificar e qualificar a pauta exportadora brasileira.
O comércio, para ele, era o caminho para equilibrar as
contas e beneficiar o desenvolvimento do Brasil.
É crível a hipótese de que Aranha partira para
sua estada como embaixador do Brasil nos EUA,
em Washington, ciente de que aquele país teria
fundamental importância na recuperação financeira
do Brasil. Explica-se: com o abandono do padrão-ouro
pela Grã-Bretanha, as duas moedas que teriam força
no sistema financeiro que se desenhava na década de
1930 eram ainda a libra esterlina e o dólar americano.
Os argentinos viram no tratado Roca-Runciman a
opção viável para continuar a ter nos britânicos sua
principal parceria, uma vez que o trigo americano era
rival dos argentinos e a carne estava tendo dificulda-
des de entrar no Reino Unido, dificuldade agravada
pela decisão da Commonwealth de dar preferência aos
produtos que vinham dos países que faziam parte do
acordo.
Com o Brasil era diferente: não seriam sufocados os
planos de industrialização e urbanização – uma vez que
as classes urbanas eram a plataforma que legitimara
Vargas no poder – e o café, produto de menor urgência
no consumo de um mundo entreguerras do que carne
e pão, precisaria de estratégia de Estado para poder au-
xiliar o governo nos planos de revitalização financeira.
Aranha acreditava que o dólar era a solução, em es-
pecial porque os títulos da dívida externa que estavam
em mãos de credores norte-americanos eram muito
mais onerosos que os que estavam com britânicos ou
outros credores (ABREU, 1990, p 75). Os marcos com-
pensados que vinham de trocas com alemães não re-
solviam a dívida brasileira. Por esse motivo, um acordo
de comércio com os EUA era mais que necessário, e o
novo embaixador sabia disso.
Desde julho de 1934, alguns meses antes de ser
acreditado junto ao governo dos EUA, havia notícias de
que o novo embaixador tinha esperanças de concluir
acordo comercial entre os dois países. Para ele era im-
portante ajustar o intercâmbio comercial, e, para tan-
to, frisava que sua ida a Washington não fazia parte de
uma missão temporária. Dizia Aranha:
My object is to work concretely for a direct understanding
between our Governments for the stablishment of practi-
cal accords in the common interest of the two peoples.
One of the first steps [...] would be the completion of
the commercial accord now being negotiated. [...] Brazil
wants to make not merely a bilateral accord on exchange
of favors, but a statute or code, opening new horizonts of
industry and commerce.10
Mediante estudo das reações dos países latino-
americanos, o que se entende neste artigo é que, em-
bora os fatores exógenos desse período não sejam de-
terminantes nas mudanças internas da estrutura pro-
dutiva, a política externa será pautada por aspectos de
difícil delimitação entre influências internas e externas.
Exemplo dessa afirmativa foi a auditoria brasileira reali-
zada nos primeiros anos pós-1930. A dívida externa foi
um determinante exógeno da política externa para a
segunda metade da década de 1930; as soluções apre-
sentadas pela auditoria realizada de maneira inédita
pelo governo brasileiro, no entanto, determinadas de
maneira endógena, impulsionaram uma estratégia co-
mercial do governo nos anos seguintes.
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Günther Richter Mrosmros@unb.br
Mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. O
presente artigo é extensivamente baseado em parte de minha dis-
sertação de mestrado, Origens do paradigma desenvolvimentista: as
contribuições de Oswaldo Aranha e dos militares (1931-1935). 2011.
115 f. Dissertação (Mestrado) - Instituto de relações internacionais,
Universidade de Brasília, Brasília.
52
O impacto da crise nos EUA e, principalmente, nas
economias europeias, tem gerado forte repercussão nos
noticiários de todo o mundo, e é agenda de muitos eco-
nomistas tanto nos países centrais quanto no resto do
mundo. Quando as crises assolam as economias mundiais
e se tornam a agenda dos jornalistas, o papel do econo-
mista ganha mais notoriedade. Naturalmente, deve des-
pertar mais interesse não só dos jovens vestibulandos,
como também de profissionais nas mais diferentes áreas.
No contexto citado, e visando atender principalmente
profissionais do mercado de trabalho, que têm interesse
em conhecer os fundamentos da ciência econômica, a
Universidade Católica de Brasília (UCB) oferece um curso
de graduação a distância em Ciências Econômicas. O
curso visa atender principalmente os profissionais que
não possuem tempo para deslocar-se diariamente até
uma instituição de ensino superior, durante quatro anos,
para cursar uma graduação presencial. Desta forma, o
curso a distância permite a flexibilidade de tempo neces-
sária para o aluno estudar de maneira a determinar seus
próprios horários e se agende de acordo com a própria
conveniência.
A Universidade Católica de Brasília (UCB) já traba-
lha com disciplinas virtuais desde 1996, e acumula
experiência e conhecimento em práticas pedagógicas
para melhorar e aperfeiçoar o aprendizado dos alunos.
Oferece uma grande variedade de recursos tecnológi-
cos e as melhores práticas de ensino à distância já uti-
lizadas nas principais universidades do mundo. Todos
os cursos da UCB Virtual são credenciados pelo MEC, o
que atesta a excelência da UCB nessa área. Além disso,
três cursos da UCB Virtual foram avaliados pelo MEC:
Filosofia (nota cinco na primeira avaliação), Administração
(nota final quatro) e Ciências Contábeis (nota qua-
tro na primeira avaliação). Todos foram aprovados.
A UCB oferece uma rede de polos para suporte dos
cursos à distância no Brasil e em vários países. No Brasil
possui 18 polos: Brasília (DF), Anápolis (GO), Belém (PA),
Belo Horizonte (MG), Coronel Fabriciano (MG), Palmas
(TO), Recife (PE), Salvador (BA), São José dos Campos,
Santo André e São Paulo (SP), Uberlândia (MG), Manaus
(AM), Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro e Campos dos
Goytacazes (RJ), Vitória (ES) e Fortaleza (CE). No exterior
possui 5 polos: Dondo e Luanda (Angola), Boston (EUA) e
Nagoya e Tóquio (Japão).
As inscrições para o próximo vestibular estão previs-
tas para junho. O valor da mensalidade no Brasil, para o
curso de Economia, é de R$ 474,39 (sem considerar bol-
sas e/ou descontos, a depender do polo). No Japão, o
valor está estipulado em R$ 641,02; em Angola R$ 487,20
e nos Estados Unidos R$ 562,92. A Universidade possui
uma política de descontos com base nos critérios: pon-
tualidade; ex-alunos; parentes; em alguns polos como em
Coronel Fabriciano, ou Regiões Norte e Nordeste. Há tam-
bém convênio com algumas empresas. A UCB também
aceita candidatos oriundos do ProUNI.
Destaque-se que candidatos portadores de curso
superior não precisam fazer vestibular para ingressar no
curso de economia a distância. Nesse caso, basta subme-
ter-se ao Aproveitamento de Disciplinas, desde que se
cumpram as exigências previstas em Edital e nas Normas e
Procedimentos Acadêmicos. Informações mais detalhadas
estão em www.ucb.br.
Tito Belchior Silva Moreira Doutor em Economia pela UnB e professor do departamento de eco-
nomia da UCB. Ministra aulas na graduação e na pós-graduação (mestrado e
doutorado). Também é o coordenador do curso de economia à distância.
Curso de Ciências Econômicas à distância na UCB
A partir desta edição a Revista de Conjuntura abrirá este espaço para que os coordenadores, professores e alunos dos cursos de economia do Distrito Federal possam divulgar informações dos cursos sobre assuntos pertinentes aos de interesse dos economistas. As notas e informes, com a identificação dos autores, devem ser encaminhadas para o e-mail: imprensa@corecondf.org.br.
INFORMES DOS CURSOS DE ECONOMIA DO DF
Conselho Regional de Economia da 11ª Região-DFSCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202
CEP 70300-907 - Brasília -DF Tels: (61) 3225-9242 / 3223-1429
3964-8366 / 3964-8368Fax: (61) 3964-8364
E-mail: corecondf@corecondf.org.brSite: www.corecondf.org.br
O Corecon-DF defende os interesses da categoria e trabalha pela valorização dos economistas.
Mas, para que esta luta seja bem-sucedida, é importante a participação de todos. Visite o seu Conselho. Critique. Dê sugestões.
Participe! a conquista é de todos.
Não quebre a corrente!
acesse o novo site: o Corecon-DF acaba de inaugurar seu novo
site. acesse: www.corecondf.org.br, conheça e fique por dentro das ações do Conselho. No espaço “Leia e opine”, o economista poderá enviar pequena nota expondo sua opinião
sobre algum fato marcante do dia ou da semana que considere importante.