Post on 19-Dec-2015
Resumo do pensamento de Michel Villey
Primeiramente, vê-se que é um crítico ferrenho do pensamento jurídico moderno. Entende
que houve uma total distorção na noção de direito romano e que a maior causa disso tudo se
deu por conta do moralismo estóico e judaico-cristão. Essas duas correntes de pensamento
conferiam ênfase a normatização da conduta das pessoas e não à técnica da partilha das
coisas ou bens. Coisas essas que são externas ao ser. O verdadeiro direito (to dikaion)
decorreria da “justa-medida”, do “meio-termo”, como se vê no Livro V da Ética a
Nicômaco de Aristóteles.
Desde Santo Agostinho essa influência da moral judaico-cristã já se faz presente. A justiça
que é mencionada na Tora, que é difusa e não tem uma concepção jurídica, mas sim como
uma orientação para se chegar ao paraíso (Terra Prometida) passa a dominar os textos
jurídicos em que a Cidade de Deus ou seja um ideal paradisíaco é sublinhado em
detrimento das relações entre os indivíduos de carne e osso na polis, vale dizer: na cidade
dos homens.
A má compreensão do direito recebeu um auxílio imprescindível que foi o nominalismo de
Guilherme de Ockham, que segundo Villey foi a primeira expressão do positivismo
jurídico. Os nominalistas triunfaram no que diz respeito a “querela dos universais”, como
Ockham também saiu vitorioso em sua disputa com o papa João XXII, que defendia a tese
de que os franciscanos ao consumirem bens teriam a propriedade dos mesmos. Ockham, ele
próprio um franciscano, diferenciou a situação dos franciscanos, defendendo que por terem
efetivado voto de pobreza, não tinham o direito de propriedade, mas apenas uma licença da
Igreja para consumir determinados bens (uma disputa,segundo Villey discutível pois o voto
de pobreza de São Francisco não quer significar necessariamente a proibição de terem
direito de propriedade).
Os escolásticos espanhóis, notadamente Francisco Vittorio e Francisco Suárez também
teriam dado suas contribuições para a distorção na compreensão do direito, uma vez que
não o colocam como uma arte de partilha dos bens, mas como uma a arte de obediência de
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uma norma escrita pelo homem, ainda que inspirada em Deus e dependente da interpretação
do Igreja. Tal nuance diferenciaria a escolásticas espanhola (escolástica tardia ou segunda
escolástica do direito aplicado nos países protestantes que passou a ser totalmente
positivado na Bíblia), tornando-se num direito positivo divino. Villey acusa a segunda
escolástica de contrariar a doutrina de São Tomás, amenizando suas críticas supondo que
com o Renascimento e a Reforma Protestante, talvez fosse mais produtivo a tentativa de
conformá-la às novas correntes de pensamento que assolavam a Europa.
Villey culpa o fato de que o direito passou a sofrer a influência dos teólogos (imperialismo
clerical) que passaram a reger leis de caráter moral para dirigir a conduta humana para fins
que não seriam terrenos. Sucede que essa esquematização do pensamento contaminou
pensadores laicos que retiram das leis morais o sagrados e as preencheram da “Razão”, que
passou a ser divinizada. A razão uma vez palpável pelo homem passou a ser positivada
dando o origem a “Era da Codificação”, na qual se acreditou ser possível encerrar todo o
direito.
Villey também critica, junto a esse idealismo o idealismo kantiano que também colocou na
moral a base para o direito. Não escaparam de suas críticas tampouco os sociólogos
(marxistas ou não), os positivistas e outras correntes de pensamentos, as quais acusa de
serem mera ideologia, posto que ao correspondem de fato à verdadeira arte jurídica.
Villey não poupa críticas a Kelsen a quem acusa de não ter compreendido o sentido antigo
de natureza e ter ridicularizado o direito natural. Para Villey o positivismo não é apto a
compreender todo o direito e uma apreciação desconstituídas de valores, ou seja, neutra do
direito, deu azo a criação das leis hitleristas. Villey aponta os positivistas, inclusive,
nominalmente Kelsen de terem responsáveis por esta situação de fato.
Nos seus livros “A Formação do Pensamento Jurídico Moderno” e “Filosofia do Direito”,
não pude verificar qualquer crítica explícita ao pensamento de Finnis. Porém, do conteúdo
dos textos que se referem a Finnis (não me recordo se de Massimo, Orrego, Lagarre,
Barzotto etc), parece não haver uma identificação das duas doutrinas. Villey se apresenta
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como sendo discípulo inquestionável de Aristóteles e de São Tomás de Aquino, de quem
haure toda a sua concepção de direito natural, que, inclusive, teria sido feita pelos romanos
Ulpiano e Gaio.
Essa não parece ser a vertente jusnaturalista seguida por Finnis. Embora se inspire me
Aristóteles e com mais ênfase em São Tomás de Aquino, concebe algo de moral em sua
teoria de direito natural, o que é inadmissível para Villey que entende o direito tão somente
como uma partilha de bens em que se dá a cada um a parte que lhe (sum cuique tribuere).
Não se pode deixar de expor aqui, que Villey afirma que Aquino diferencia de modo cabal
os termos jus e lex, ao passo que Finnis não está muito certo disso, ponderando que Aquino
em algumas passagens trata os termos como sinônimos. A importância prática disso é a de
que para Villey o direito é muito mais abrangente que um texto escrito ( lex) e que, muitas
vezes, lex aprisiona o direito em um texto, positivando-o. A lex poderia assumir a
condição apenas de um mandamento moral, mesmo acompanhada de sanção o que a difere
de jus que visa a partilha justa de cada parte que cabe a cada um nas relações entre os
indivíduos e entre eles e a própria polis.
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