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Resumo do pensamento de Michel Villey Primeiramente, vê-se que é um crítico ferrenho do pensamento jurídico moderno. Entende que houve uma total distorção na noção de direito romano e que a maior causa disso tudo se deu por conta do moralismo estóico e judaico-cristão. Essas duas correntes de pensamento conferiam ênfase a normatização da conduta das pessoas e não à técnica da partilha das coisas ou bens. Coisas essas que são externas ao ser. O verdadeiro direito (to dikaion) decorreria da “justa-medida”, do “meio- termo”, como se vê no Livro V da Ética a Nicômaco de Aristóteles. Desde Santo Agostinho essa influência da moral judaico-cristã já se faz presente. A justiça que é mencionada na Tora, que é difusa e não tem uma concepção jurídica, mas sim como uma orientação para se chegar ao paraíso (Terra Prometida) passa a dominar os textos jurídicos em que a Cidade de Deus ou seja um ideal paradisíaco é sublinhado em detrimento das relações entre os indivíduos de carne e osso na polis, vale dizer: na cidade dos homens. A má compreensão do direito recebeu um auxílio imprescindível que foi o nominalismo de Guilherme de Ockham, que segundo Villey foi a primeira expressão do positivismo jurídico. Os nominalistas triunfaram no que diz respeito a “querela dos 1

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Resumo do pensamento de Michel Villey

Primeiramente, vê-se que é um crítico ferrenho do pensamento jurídico moderno. Entende

que houve uma total distorção na noção de direito romano e que a maior causa disso tudo se

deu por conta do moralismo estóico e judaico-cristão. Essas duas correntes de pensamento

conferiam ênfase a normatização da conduta das pessoas e não à técnica da partilha das

coisas ou bens. Coisas essas que são externas ao ser. O verdadeiro direito (to dikaion)

decorreria da “justa-medida”, do “meio-termo”, como se vê no Livro V da Ética a

Nicômaco de Aristóteles.

Desde Santo Agostinho essa influência da moral judaico-cristã já se faz presente. A justiça

que é mencionada na Tora, que é difusa e não tem uma concepção jurídica, mas sim como

uma orientação para se chegar ao paraíso (Terra Prometida) passa a dominar os textos

jurídicos em que a Cidade de Deus ou seja um ideal paradisíaco é sublinhado em

detrimento das relações entre os indivíduos de carne e osso na polis, vale dizer: na cidade

dos homens.

A má compreensão do direito recebeu um auxílio imprescindível que foi o nominalismo de

Guilherme de Ockham, que segundo Villey foi a primeira expressão do positivismo

jurídico. Os nominalistas triunfaram no que diz respeito a “querela dos universais”, como

Ockham também saiu vitorioso em sua disputa com o papa João XXII, que defendia a tese

de que os franciscanos ao consumirem bens teriam a propriedade dos mesmos. Ockham, ele

próprio um franciscano, diferenciou a situação dos franciscanos, defendendo que por terem

efetivado voto de pobreza, não tinham o direito de propriedade, mas apenas uma licença da

Igreja para consumir determinados bens (uma disputa,segundo Villey discutível pois o voto

de pobreza de São Francisco não quer significar necessariamente a proibição de terem

direito de propriedade).

Os escolásticos espanhóis, notadamente Francisco Vittorio e Francisco Suárez também

teriam dado suas contribuições para a distorção na compreensão do direito, uma vez que

não o colocam como uma arte de partilha dos bens, mas como uma a arte de obediência de

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uma norma escrita pelo homem, ainda que inspirada em Deus e dependente da interpretação

do Igreja. Tal nuance diferenciaria a escolásticas espanhola (escolástica tardia ou segunda

escolástica do direito aplicado nos países protestantes que passou a ser totalmente

positivado na Bíblia), tornando-se num direito positivo divino. Villey acusa a segunda

escolástica de contrariar a doutrina de São Tomás, amenizando suas críticas supondo que

com o Renascimento e a Reforma Protestante, talvez fosse mais produtivo a tentativa de

conformá-la às novas correntes de pensamento que assolavam a Europa.

Villey culpa o fato de que o direito passou a sofrer a influência dos teólogos (imperialismo

clerical) que passaram a reger leis de caráter moral para dirigir a conduta humana para fins

que não seriam terrenos. Sucede que essa esquematização do pensamento contaminou

pensadores laicos que retiram das leis morais o sagrados e as preencheram da “Razão”, que

passou a ser divinizada. A razão uma vez palpável pelo homem passou a ser positivada

dando o origem a “Era da Codificação”, na qual se acreditou ser possível encerrar todo o

direito.

Villey também critica, junto a esse idealismo o idealismo kantiano que também colocou na

moral a base para o direito. Não escaparam de suas críticas tampouco os sociólogos

(marxistas ou não), os positivistas e outras correntes de pensamentos, as quais acusa de

serem mera ideologia, posto que ao correspondem de fato à verdadeira arte jurídica.

Villey não poupa críticas a Kelsen a quem acusa de não ter compreendido o sentido antigo

de natureza e ter ridicularizado o direito natural. Para Villey o positivismo não é apto a

compreender todo o direito e uma apreciação desconstituídas de valores, ou seja, neutra do

direito, deu azo a criação das leis hitleristas. Villey aponta os positivistas, inclusive,

nominalmente Kelsen de terem responsáveis por esta situação de fato.

Nos seus livros “A Formação do Pensamento Jurídico Moderno” e “Filosofia do Direito”,

não pude verificar qualquer crítica explícita ao pensamento de Finnis. Porém, do conteúdo

dos textos que se referem a Finnis (não me recordo se de Massimo, Orrego, Lagarre,

Barzotto etc), parece não haver uma identificação das duas doutrinas. Villey se apresenta

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como sendo discípulo inquestionável de Aristóteles e de São Tomás de Aquino, de quem

haure toda a sua concepção de direito natural, que, inclusive, teria sido feita pelos romanos

Ulpiano e Gaio.

Essa não parece ser a vertente jusnaturalista seguida por Finnis. Embora se inspire me

Aristóteles e com mais ênfase em São Tomás de Aquino, concebe algo de moral em sua

teoria de direito natural, o que é inadmissível para Villey que entende o direito tão somente

como uma partilha de bens em que se dá a cada um a parte que lhe (sum cuique tribuere).

Não se pode deixar de expor aqui, que Villey afirma que Aquino diferencia de modo cabal

os termos jus e lex, ao passo que Finnis não está muito certo disso, ponderando que Aquino

em algumas passagens trata os termos como sinônimos. A importância prática disso é a de

que para Villey o direito é muito mais abrangente que um texto escrito ( lex) e que, muitas

vezes, lex aprisiona o direito em um texto, positivando-o. A lex poderia assumir a

condição apenas de um mandamento moral, mesmo acompanhada de sanção o que a difere

de jus que visa a partilha justa de cada parte que cabe a cada um nas relações entre os

indivíduos e entre eles e a própria polis.

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