Post on 17-Dec-2018
O homemque inventouCavaco Silva
Euricode Melo (1925-2012) foi a voz que defendeuno Governo os interesses dos empresários e daeconomia do Norte, na primeira fase do cavaquismo
Jorge Fiel
Após ter levado Cavaco aocolo até à liderança do par-tido e do país, o engenhei-ro químico de Santo Tirso
zangou-se com o jovem e
tímido economista algar-vio de quem fora colega noGoverno de Sá Carneiro.
A diabetes tinha-oatirado para umacadeira de rodas. Otabaco (foi fuma-
dor compulsivo), a idade e a
doença tinham-lhe debilita-do o corpo. Mas a cabeça con-tinuava fresquinha. Na vés-
pera, até quis ir almoçar fora.Ontem apagou-se. Foi empaz, sem sofrimento, nas pa-lavras de um familiar chega-do que acompanhou as últi-mas horas de Eurico de Melo.
Morreu um homem que foimuito poderoso, ao ponto de
ser cognominado "o vice-reido Norte". Marcelo Rebelode Sousa costumava dizerque o poder de Eurico juntodos empresários do Norte ra-dicava na fama que tinha de
ser muito influente no Go-verno - e que o seu poder noGoverno derivava da fama deser muito influente juntodos empresários do Norte.
Independentemente da
origem do seu poder, a verda-de é que Eurico de Melo foimuito poderoso, ao ponto deter deixado as impressões di-
gitais indelevelmente grava-das na história recente donosso país. Se não fosse ele a
levá-lo ao colo, Cavaco nãoteria chegado a líder do PSD e
e neste momento seria ape-nas mais um reformado doBanco de Portugal sem mega-fone para se queixar dos cor-tes dos 13.°'"e 14.°"meses.
Eurico de Melo nasceu emSanto Tirso, em 1925, e licen-ciou-se, aos 25 anos, em En-
genharia Química, na FEUP,onde foi assistente. O 25 deAbril apanha-o como admi-nistrador da Somelos, pro-priedade de uns primos direi-
tos, após um percurso na in-dústria: foi quadro da TêxtilRio Vizela e da multinacionalCiba Geigy e trabalhara, com
interesse no capital, numaempresa de acabamentos,controlada pela Somelos e
pela TMG. Após abandonar a
política ativa, entreteve-se a
dirigir a DeMelo, uma em-presa familiar que fabricava
roupa para criança.
Zanga com CavacoAinda era um rapaz na casados 20 anos quando teve o
primeiro contacto com a po-lítica, como secretário deCarneiro Pacheco, o tirsense
que, enquanto ministro da
Educação do Estado Novo,tornou obrigatório o crucifi-xo na escola, fundou a Moci-
dade Portuguesa e sujeitou o
casamento das professoras à
autorização prévia do Estado.
Apesar deste contacto, à
data da Revolução dos CravosEurico tinha fama de ser do
reviralho. Foi dos primeirosa aderir ao PPD, fundado peloseu amigo Sá Carneiro, de
quem foi ministro da Admi-
nistração Interna, num Go-verno AD de curta duração efinal trágico, em que estabe-leceu estima e amizade como jovem ministro das Finan-
ças, Aníbal Cavaco Silva. Nosanos anteriores, a partir do
Governo Civil de Braga oudas sedes do PPD, tinha sido
um dos grandes responsáveispela enorme implantação la-
ranja no Norte.Através de cartas na im-
prensa, em que o acusava de
incapaz, conjugadas com há-beis manobras no interior do
partido, Eurico de Melo foi o
principal coveiro de Francis-
co Balsemão, que ascendera
a primeiro-ministro após a
morte de Sá Carneiro.A primeira vez que na polí-
tica portuguesa se falou emtroika foi em 1983, quandono Congresso do PSD, emMontechoro, Balsemão se
viu forçado a entregar a lide-
rança a um triunvirato cons-tituído por Mota Pinto, Euri-
co de Melo e Nascimento Ro-
drigues.Curiosamente é com esta
troika que o PSD alinha noBloco Central que Euricocombateria sem quartel,abrindo o caminho a Cavaco
para ganhar o partido e o paísa partir do Congresso da Fi-
gueira da Foz.
ANDAVA NACASA DOS 20ANOS QUANDOFOI SECRETÁRIODE UM EX-MINIS-TRO DE SALAZAREurico esteve com Cavaco,
como MAI, no primeiro go-verno (minoritário), e comoministro da Defesa e vice-pri-meiro-ministro, no segundo(maioritário). No primeiro fô-
lego do cavaquismo, preser-vou sempre a sua indepen-dência e mantinha reuniões
regulares informais com per-sonalidades do Norte.
O "grupo da sueca" ficou,mas não era menos poderosoo grupo jantarista das quin-tas-feiras, que reunia à voltade uma mesa, numa tasqui-nha de Alfama, gente comoMiguel Cadilhe, MarquesMendes, Luís Filipe Menezes,Fernando Nogueira, Silva Pe-neda e Albino Soares, entreoutros.
As razões da sua ruturacom Cavaco nunca foram de-vidamente clarificadas. Há
quem jure que têm a ver como facto do primeiro-ministroo ter desautorizado, não
honrando promessas que elefizera aos militares enquan-to ministro da Defesa. Háquem diga que ele estava far-to de não ser ouvido quandodizia que o Governo estava a
falhar no diálogo social. Averdade é que bateu com a
porta e chegou a comentarque nunca mais falaria comCavaco.
Fernando Alberto Ribeiroda Silva, histórico do PSD de
Braga e grande amigo de Euri-co de Melo, ainda o conven-ceu a ir a sua casa, para fazeras pazes com Cavaco. Mas as
relações entre os dois nuncamais foram as mesmas.
Em 96, aceitou liderar a lis-ta laranja ao Parlamento Eu-
ropeu. Mas depois retirou-se
para Santo Tirso e foi-se afas-tando da política ativa. A úl-tima grande intervenção pú-blica foi em 2007, quandoapoiou a candidatura de Me-nezes à liderança, contraMarques Mendes, seu antigocompanheiro de cartas.
Eurico de Melo, um homemafável mas com o coraçãosempre ao pé da boca, que fa-zia questão de dizer em vozalta o que os outros murmu-ravam, morreu ontem, aos 86anos. •
Era afável , mas tinha o coração ao pé da boca, que dizia alto o que outros murmuravam
Política após o jantare antes da "suecada"
"Grupo da sueca"juntava ilustres
figuras do PSD que sereuniam em territóriode Vieira de Carvalho
Jorge Pinto
EURICO DE MELO e Vieira de
Carvalho davam tudo poruma boa "suecada" e era qua-se sempre assim que acaba-
vam as reuniões do famoso
"grupo da sueca", por onde
passaram ilustres figuras do
PSD, como Silva Peneda, Fer-nando Nogueira, Arlindo Cu-
nha, Luís Marques Mendes e
o seu pai António MarquesMendes. E o que acabava à
mesa, do jogo, começavatambém à mesa, com umajantarada.
Silva Peneda, que lamentaa morte do homem que o ini-ciou na política - foi seu se-cretário de Estado no Gover-no de Sá Carneiro - diz que os
encontros eram informais,sem agenda política, e atribuia paternidade do grupo a JoséMaria Pedroto, também ele
fã da sueca.António Marques Mendes,
que participou em alguns en-contros na Maia - o anfitriãoera o autarca Vieira de Carva-lho -, levado pelo filho, tam-bém afasta a ideia de que eramreuniões conspirativas. "Con-versávamos muito sobre as
lutas partidárias até altas ho-ras da madrugada", recorda. •
Eurico de Melo e Fernando Nogueira jogavam juntos
Elogios ao filho da terraANA CORREIA COSTA
SANTO URSOSANTO TIRSO recebeu o cor-
po de Eurico de Melo, filho da
terra, numa tarde cinzenta e
chuvosa . Ã capela mortuáriada igreja matriz foram acor-rendo, aos poucos, algumaspessoas.
Ao JN, Gonçalves Afonso,fundador do PSD de SantoTirso, distinguiu o "homemde envergadura nacional" e
de "corpo inteiro", enquan-to o líder da concelhia, AlírioCanceles, destacou a "enor-me sensibilidade política e
social" do antigo membro da
Assembleia Municipal.O socialista Castro Fernan-
des, presidente da Câmara,salientou que Eurico de Me-lo "ficará para sempre como
um dos bons exemplos de
doação à causa pública".
O funeral realiza-se hoje, às
16 horas, para o cemitério lo-cal.
Funeral realiza-se hoje, às 16 horas, em Santo Tirso