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O homem que inventou Cavaco Silva Euricode Melo (1925-2012) foi a voz que defendeu no Governo os interesses dos empresários e da economia do Norte, na primeira fase do cavaquismo Jorge Fiel Após ter levado Cavaco ao colo até à liderança do par- tido e do país, o engenhei- ro químico de Santo Tirso zangou-se com o jovem e tímido economista algar- vio de quem fora colega no Governo de Carneiro. A diabetes tinha-o atirado para uma cadeira de rodas. O tabaco (foi fuma- dor compulsivo), a idade ea doença tinham-lhe debilita- do o corpo. Mas a cabeça con- tinuava fresquinha. Na vés- pera, até quis ir almoçar fora. Ontem apagou-se. Foi em paz, sem sofrimento, nas pa- lavras de um familiar chega- do que acompanhou as últi- mas horas de Eurico de Melo. Morreu um homem que foi muito poderoso, ao ponto de ser cognominado "o vice-rei do Norte". Marcelo Rebelo de Sousa costumava dizer que o poder de Eurico junto dos empresários do Norte ra- dicava na fama que tinha de ser muito influente no Go- verno - e que o seu poder no Governo derivava da fama de ser muito influente junto dos empresários do Norte. Independentemente da origem do seu poder, a verda- de é que Eurico de Melo foi muito poderoso, ao ponto de ter deixado as impressões di- gitais indelevelmente grava- das na história recente do nosso país. Se não fosse ele a levá-lo ao colo, Cavaco não teria chegado a líder do PSD e e neste momento seria ape- nas mais um reformado do Banco de Portugal sem mega- fone para se queixar dos cor- tes dos 13.°'"e 14.°"meses. Eurico de Melo nasceu em Santo Tirso, em 1925, e licen- ciou-se, aos 25 anos, em En- genharia Química, na FEUP, onde foi assistente. O 25 de Abril apanha-o como admi- nistrador da Somelos, pro- priedade de uns primos direi- tos, após um percurso na in- dústria: foi quadro da Têxtil Rio Vizela e da multinacional Ciba Geigy e trabalhara, com interesse no capital, numa empresa de acabamentos, controlada pela Somelos e pela TMG. Após abandonar a política ativa, entreteve-se a dirigir a DeMelo, uma em- presa familiar que fabricava roupa para criança. Zanga com Cavaco Ainda era um rapaz na casa dos 20 anos quando teve o primeiro contacto com a po- lítica, como secretário de Carneiro Pacheco, o tirsense que, enquanto ministro da Educação do Estado Novo, tornou obrigatório o crucifi- xo na escola, fundou a Moci- dade Portuguesa e sujeitou o casamento das professoras à autorização prévia do Estado. Apesar deste contacto, à data da Revolução dos Cravos Eurico tinha fama de ser do reviralho. Foi dos primeiros a aderir ao PPD, fundado pelo seu amigo Carneiro, de quem foi ministro da Admi- nistração Interna, num Go- verno AD de curta duração e final trágico, em que estabe- leceu estima e amizade com o jovem ministro das Finan- ças, Aníbal Cavaco Silva. Nos anos anteriores, a partir do Governo Civil de Braga ou das sedes do PPD, tinha sido um dos grandes responsáveis pela enorme implantação la- ranja no Norte. Através de cartas na im- prensa, em que o acusava de incapaz, conjugadas com há- beis manobras no interior do partido, Eurico de Melo foi o principal coveiro de Francis- co Balsemão, que ascendera a primeiro-ministro após a morte de Carneiro. A primeira vez que na polí- tica portuguesa se falou em troika foi em 1983, quando no Congresso do PSD, em Montechoro, Balsemão se viu forçado a entregar a lide- rança a um triunvirato cons- tituído por Mota Pinto, Euri- co de Melo e Nascimento Ro- drigues. Curiosamente é com esta troika que o PSD alinha no Bloco Central que Eurico combateria sem quartel, abrindo o caminho a Cavaco para ganhar o partido e o país a partir do Congresso da Fi- gueira da Foz. ANDAVA NA CASA DOS 20 ANOS QUANDO FOI SECRETÁRIO DE UM EX-MINIS- TRO DE SALAZAR Eurico esteve com Cavaco, como MAI, no primeiro go- verno (minoritário), e como ministro da Defesa e vice-pri- meiro-ministro, no segundo (maioritário). No primeiro fô- lego do cavaquismo, preser- vou sempre a sua indepen- dência e mantinha reuniões regulares informais com per- sonalidades do Norte. O "grupo da sueca" ficou, mas não era menos poderoso o grupo jantarista das quin- tas-feiras, que reunia à volta de uma mesa, numa tasqui- nha de Alfama, gente como Miguel Cadilhe, Marques Mendes, Luís Filipe Menezes, Fernando Nogueira, Silva Pe- neda e Albino Soares, entre outros. As razões da sua rutura com Cavaco nunca foram de- vidamente clarificadas. quem jure que têm a ver com o facto do primeiro-ministro o ter desautorizado, não

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O homemque inventouCavaco Silva

Euricode Melo (1925-2012) foi a voz que defendeuno Governo os interesses dos empresários e daeconomia do Norte, na primeira fase do cavaquismo

Jorge Fiel

Após ter levado Cavaco aocolo até à liderança do par-tido e do país, o engenhei-ro químico de Santo Tirso

zangou-se com o jovem e

tímido economista algar-vio de quem fora colega noGoverno de Sá Carneiro.

A diabetes tinha-oatirado para umacadeira de rodas. Otabaco (foi fuma-

dor compulsivo), a idade e a

doença tinham-lhe debilita-do o corpo. Mas a cabeça con-tinuava fresquinha. Na vés-

pera, até quis ir almoçar fora.Ontem apagou-se. Foi empaz, sem sofrimento, nas pa-lavras de um familiar chega-do que acompanhou as últi-mas horas de Eurico de Melo.

Morreu um homem que foimuito poderoso, ao ponto de

ser cognominado "o vice-reido Norte". Marcelo Rebelode Sousa costumava dizerque o poder de Eurico juntodos empresários do Norte ra-dicava na fama que tinha de

ser muito influente no Go-verno - e que o seu poder noGoverno derivava da fama deser muito influente juntodos empresários do Norte.

Independentemente da

origem do seu poder, a verda-de é que Eurico de Melo foimuito poderoso, ao ponto deter deixado as impressões di-

gitais indelevelmente grava-das na história recente donosso país. Se não fosse ele a

levá-lo ao colo, Cavaco nãoteria chegado a líder do PSD e

e neste momento seria ape-nas mais um reformado doBanco de Portugal sem mega-fone para se queixar dos cor-tes dos 13.°'"e 14.°"meses.

Eurico de Melo nasceu emSanto Tirso, em 1925, e licen-ciou-se, aos 25 anos, em En-

genharia Química, na FEUP,onde foi assistente. O 25 deAbril apanha-o como admi-nistrador da Somelos, pro-priedade de uns primos direi-

tos, após um percurso na in-dústria: foi quadro da TêxtilRio Vizela e da multinacionalCiba Geigy e trabalhara, com

interesse no capital, numaempresa de acabamentos,controlada pela Somelos e

pela TMG. Após abandonar a

política ativa, entreteve-se a

dirigir a DeMelo, uma em-presa familiar que fabricava

roupa para criança.

Zanga com CavacoAinda era um rapaz na casados 20 anos quando teve o

primeiro contacto com a po-lítica, como secretário deCarneiro Pacheco, o tirsense

que, enquanto ministro da

Educação do Estado Novo,tornou obrigatório o crucifi-xo na escola, fundou a Moci-

dade Portuguesa e sujeitou o

casamento das professoras à

autorização prévia do Estado.

Apesar deste contacto, à

data da Revolução dos CravosEurico tinha fama de ser do

reviralho. Foi dos primeirosa aderir ao PPD, fundado peloseu amigo Sá Carneiro, de

quem foi ministro da Admi-

nistração Interna, num Go-verno AD de curta duração efinal trágico, em que estabe-leceu estima e amizade como jovem ministro das Finan-

ças, Aníbal Cavaco Silva. Nosanos anteriores, a partir do

Governo Civil de Braga oudas sedes do PPD, tinha sido

um dos grandes responsáveispela enorme implantação la-

ranja no Norte.Através de cartas na im-

prensa, em que o acusava de

incapaz, conjugadas com há-beis manobras no interior do

partido, Eurico de Melo foi o

principal coveiro de Francis-

co Balsemão, que ascendera

a primeiro-ministro após a

morte de Sá Carneiro.A primeira vez que na polí-

tica portuguesa se falou emtroika foi em 1983, quandono Congresso do PSD, emMontechoro, Balsemão se

viu forçado a entregar a lide-

rança a um triunvirato cons-tituído por Mota Pinto, Euri-

co de Melo e Nascimento Ro-

drigues.Curiosamente é com esta

troika que o PSD alinha noBloco Central que Euricocombateria sem quartel,abrindo o caminho a Cavaco

para ganhar o partido e o paísa partir do Congresso da Fi-

gueira da Foz.

ANDAVA NACASA DOS 20ANOS QUANDOFOI SECRETÁRIODE UM EX-MINIS-TRO DE SALAZAREurico esteve com Cavaco,

como MAI, no primeiro go-verno (minoritário), e comoministro da Defesa e vice-pri-meiro-ministro, no segundo(maioritário). No primeiro fô-

lego do cavaquismo, preser-vou sempre a sua indepen-dência e mantinha reuniões

regulares informais com per-sonalidades do Norte.

O "grupo da sueca" ficou,mas não era menos poderosoo grupo jantarista das quin-tas-feiras, que reunia à voltade uma mesa, numa tasqui-nha de Alfama, gente comoMiguel Cadilhe, MarquesMendes, Luís Filipe Menezes,Fernando Nogueira, Silva Pe-neda e Albino Soares, entreoutros.

As razões da sua ruturacom Cavaco nunca foram de-vidamente clarificadas. Há

quem jure que têm a ver como facto do primeiro-ministroo ter desautorizado, não

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honrando promessas que elefizera aos militares enquan-to ministro da Defesa. Háquem diga que ele estava far-to de não ser ouvido quandodizia que o Governo estava a

falhar no diálogo social. Averdade é que bateu com a

porta e chegou a comentarque nunca mais falaria comCavaco.

Fernando Alberto Ribeiroda Silva, histórico do PSD de

Braga e grande amigo de Euri-co de Melo, ainda o conven-ceu a ir a sua casa, para fazeras pazes com Cavaco. Mas as

relações entre os dois nuncamais foram as mesmas.

Em 96, aceitou liderar a lis-ta laranja ao Parlamento Eu-

ropeu. Mas depois retirou-se

para Santo Tirso e foi-se afas-tando da política ativa. A úl-tima grande intervenção pú-blica foi em 2007, quandoapoiou a candidatura de Me-nezes à liderança, contraMarques Mendes, seu antigocompanheiro de cartas.

Eurico de Melo, um homemafável mas com o coraçãosempre ao pé da boca, que fa-zia questão de dizer em vozalta o que os outros murmu-ravam, morreu ontem, aos 86anos. •

Era afável , mas tinha o coração ao pé da boca, que dizia alto o que outros murmuravam

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Política após o jantare antes da "suecada"

"Grupo da sueca"juntava ilustres

figuras do PSD que sereuniam em territóriode Vieira de Carvalho

Jorge Pinto

EURICO DE MELO e Vieira de

Carvalho davam tudo poruma boa "suecada" e era qua-se sempre assim que acaba-

vam as reuniões do famoso

"grupo da sueca", por onde

passaram ilustres figuras do

PSD, como Silva Peneda, Fer-nando Nogueira, Arlindo Cu-

nha, Luís Marques Mendes e

o seu pai António MarquesMendes. E o que acabava à

mesa, do jogo, começavatambém à mesa, com umajantarada.

Silva Peneda, que lamentaa morte do homem que o ini-ciou na política - foi seu se-cretário de Estado no Gover-no de Sá Carneiro - diz que os

encontros eram informais,sem agenda política, e atribuia paternidade do grupo a JoséMaria Pedroto, também ele

fã da sueca.António Marques Mendes,

que participou em alguns en-contros na Maia - o anfitriãoera o autarca Vieira de Carva-lho -, levado pelo filho, tam-bém afasta a ideia de que eramreuniões conspirativas. "Con-versávamos muito sobre as

lutas partidárias até altas ho-ras da madrugada", recorda. •

Eurico de Melo e Fernando Nogueira jogavam juntos

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Elogios ao filho da terraANA CORREIA COSTA

SANTO URSOSANTO TIRSO recebeu o cor-

po de Eurico de Melo, filho da

terra, numa tarde cinzenta e

chuvosa . Ã capela mortuáriada igreja matriz foram acor-rendo, aos poucos, algumaspessoas.

Ao JN, Gonçalves Afonso,fundador do PSD de SantoTirso, distinguiu o "homemde envergadura nacional" e

de "corpo inteiro", enquan-to o líder da concelhia, AlírioCanceles, destacou a "enor-me sensibilidade política e

social" do antigo membro da

Assembleia Municipal.O socialista Castro Fernan-

des, presidente da Câmara,salientou que Eurico de Me-lo "ficará para sempre como

um dos bons exemplos de

doação à causa pública".

O funeral realiza-se hoje, às

16 horas, para o cemitério lo-cal.

Funeral realiza-se hoje, às 16 horas, em Santo Tirso

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