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Nutrição fetal
Durante a gestação, o corpo feminino adapta-se fisiologicamente, através de
alterações nutricionais e metabólicas para proporcionar condições adequadas ao
crescimento e desenvolvimento do feto, preparando-se para o parto, o pós-parto e a
lactação. O adequado estado nutricional materno desde a pré-concepção à lactação
exerce importante influência no ganho ponderal durante a gestação e ao nascer.
O aumento das necessidades nutricionais nesse período visa garantir o crescimento e o
desenvolvimento fetal adequados; o desenvolvimento da placenta e dos tecidos
maternos; o suprimento das maiores demandas metabólicas e a manutenção do peso
materno, da sua composição corporal e da atividade física.
Durante o primeiro trimestre gestacional, a saúde do embrião depende da condição
nutricional, mas também das reservas energéticas e vitamínicas maternas. A partir do
segundo trimestre, os fatores externos maternos vão passar a ter contribuição direta
sob a condição nutricional do feto. O ganho de peso adequado, a ingestão suficiente
de energia e nutrientes, o fator emocional e o estilo de vida serão determinantes para
o crescimento e desenvolvimento fetal adequado.
Estima-se um ganho de peso gestacional de 12,5 kg, para grávidas eutróficas, com
média de peso de 3,4 kg do concepto ao nascer, há acúmulo de 925 g de proteínas e
3.825 g de gordura (1). O fato de gerar um feto e a adaptação do organismo materno
acrescentam um gasto de 80.000 kcal, durante 280 dias de gestação, o que reflete em
um aumento de 300 kcal na necessidade energética diária.(2)
O balanço ingestão/consumo de ferro na mulher adulta em idade fértil é próximo a
zero, sendo sua ingestão diária é de 18 mg. Durante a gestação, sua necessidade
aumenta para 27 mg, importante para suprir a expansão da massa eritrocitária, o
crescimento do feto e da placenta e para repor perdas basais e perdas sanguíneas
durante o parto. A suplementação de ferro é preconizada pelo Ministério da Saúde
para todas as gestantes da 20ª semana de gestação até o 3º mês pós-parto.
O aumento da demanda de vitaminas e sais minerais necessários para a formação
esperada do concepto, sem complicações, por restrição nutricional, de retardo no
crescimento ou desenvolvimento e má-formação. Portanto, há necessidade de
otimizar a alimentação.
Durante a gestação, o desenvolvimento esquelético fetal requer aproximadamente 30
gramas de cálcio. Esta quantidade representa parcela relativamente pequena do cálcio
total do organismo materno e é facilmente mobilizada a partir de seu estoque, se
necessário. A absorção de cálcio aumenta na gravidez e permite a retenção
progressiva durante esse período. A recomendação de ingestão diária para cálcio
elementar é de 1000 mg para grávidas e lactantes de 19 a 50 anos, sendo a mesma
para demais mulheres sadias nessa faixa etária. (3)
Para a vitamina D, a recomendação é de 15 mcg/dia para mulheres sadias grávidas e
não grávidas.(4) Os recém-nascidos de mães deficientes em 25-hidroxivitamina D
podem apresentar níveis baixos de cálcio no soro e níveis de PTH acima do normal, um
padrão consistente com hiperparatireoidismo secundário(5). Também observou-se
recentemente o papel importante da vitamina D na formação e maturação do feto e
da placenta(6). A exposição solar pode fornecer a maioria das pessoas toda a sua
necessidade de vitamina D. A exposição de braços, pernas, pescoço e rosto, durante 15
minutos, antes das 10h da manhã, três vezes por semana, sem uso de protetor solar, é
suficiente(7).
O ácido fólico (B9) é um fator importante no fechamento adequado do tubo neural. A
introdução de 400 mcg/dia de B9 na dieta deve ser feita ao menos 30 dias antes da
concepção para ter eficácia(2).
Os ácidos graxos poliinsaturados, ômega-3 e ômega-6, são essenciais na dieta. O
ômega-3 inclui principalmente o ácido α-linolênico, derivado de plantas, e ácido
eicosapentaenoico e ácido docosaexaenoico encontrados no óleo de peixe. O ω-
ômega inclui principalmente o ácido linoleico e ácido araquidônico, encontrados na
maioria dos óleos vegetais, pães integrais, ovos e cereais. Esses ácidos graxos são
componentes essenciais do cérebro humano, necessários, especialmente, no terceiro
trimestre da gravidez, quando no pico do crescimento do cérebro. Ambas as famílias
são metabolizados pelas mesmas enzimas, a relação entre elas é importante. Por
exemplo, aumentar a ingestão de ômega-3 os ácidos graxos podem reduzir os níveis de
essenciais de produtos do ômega-6 em fetos. Estudos apontam benefícios modestos
sobre o desenvolvimento neurológico e cognitivo, entretanto, as evidências não são
claras. Outro possível benefício é a redução do risco de prematuridade(8).
Na tabela abaixo, compara-se as necessidades de ingestão diárias retratadas
anteriormente de mulheres sadias não grávidas e grávidas.
Tabela 1 – Comparação da necessidade de ingestão diária entre grávidas e não
grávidas.
Mulher adulta sadia,
não grávida
Mulher adulta sadia,
Grávida
Calorias
(kcal/kg/dia) 25-30 30-35
Proteínas
(g/kg)
0,8
(2/3 vegetal, 1/3 animal)
1,1
(2/3 vegetal, 1/3 animal)
Ferro
(mg/dia) 18 27
Ácido fólico
(mcg/dia) 400 600
Cálcio
(mg/dia) 1000 1000
Vitamina D
(mcg/dia) 15 15
Ômega-3
(g/dia) 1,1 1,4
Ômega-6 12 13
Fonte: DRIs for Calcium and Vitamin D and DRI for Elements. Disponível em:
http://www.iom.edu/Reports/2010/Dietary-Reference-Intakes-for-Calcium-and-
Vitamin-D/DRI-Values.aspx
http://www.iom.edu/~/media/files/activity%20files/nutrition/dris/dri_elements.pdf
A avaliação e acompanhamento do estado nutricional da gestante são de extrema
importância, pois já está bem esclarecido que as condições intra-útero têm grande
relação com a saúde na infância e vida adulta. Um estudo realizado pelo
epidemiologista britânico Barker (2002) mostrou, pela primeira vez, a hipótese de
“programação fetal”, em que as alterações e características metabólicas do feto no
ambiente intra-uterino poderiam levar a doenças futuras. Assim, fetos que foram
submetidos a um ambiente de má- nutrição energético/proteica teriam maior risco de
doenças cardiovasculares, obesidade, diabetes mellitus tipo 2 e hipertensão arterial
sistêmica durante a fase adulta.(9)
Diversas condições nutricionais na gestação podem levar a alterações no
desenvolvimento fetal e no pós-parto:
1. Restrição Enegética e Protéica
Alguns estudos descrevemque a restrição proteica fetal poderia levar a alterações
pancreáticas, como redução da vascularização, capacidade proliferativa das células
beta e mudança na resposta secretória da insulina ao estímulo da glicose na vida
pós-natal.(10)
Mulheres que ganham mais peso na primeira metade da gestação apresentam
melhor transporte placentário de nutrientes e melhor suprimento dos fatores
endócrinos do crescimento. (11)
2. Diabetes Mellitus Gestacional (DMG)
O DMG pode causar macrossomia até retardo no crescimento intra uterino (12). A
DM tipo 2 e a tolerância diminuída a glicose estão associados a menor peso ao
nascer e com um ano de idade. (13)
A resposta ao feto para o excedente de glicose é a produção de insulina que
funciona como hormônio do crescimento adicional ao seu efeito hipoglicêmico.
3. Baixo peso ao nascer
Baixo peso ao nascer e rápido crescimento pós-natal podem estar associados a
maior risco de obesidade e suas sequelas em fases mais tardias da vida. Rápida
recuperação de peso antes do 55 anos foi seguida de aumento na obesidade e, em
consequência, de síndrome metabólica e diabetes mellitus tipo 2 na vida adulta.
4. Peso elevado ao nascer
O peso elevado ao nascer tem sido associado ao elevado IMC (Índice de Massa
Corporal) na adolescência e na vida adulta.
Dessa forma, compreende-se que a gestação é um período de profundas alterações no
metabolismo materno, modificando as suas necessidades nutricionais basais a fim de
garantir o adequado crescimento e desenvolvimento fetal. Os períodos pré-
gestacionale gestacional são, portanto, momentos importantes para a intervenção
nutricional preventiva para diversas doenças crônicas futuras. A inadequação
nutricional está relacionada ao maior risco de morbimortalidade infantil e à maior
suscetibilidade a enfermidades crônicas na fase adulta.
ANEXO
Tabela 1 – Concentração dos ácidos linoleico, alfa-linolênico e razão n-6/n-3 em
alimentos de origem vegetal
Tabela 2 – Concentração dos ácidos linoleico, alfa-linolênico, araquidônico,
eicosapentaenoico e docosaexaenoico em alimentos de origem animal.
Fonte: Ácidos graxos poliinsaturados ômega-3 e ômega-6: importância e ocorrência em alimentos. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s1415-52732006000600011&script=sci_arttext
Referências bibliográficas:
1. Ajustes Fisiológicos da Gestação. In: Accioly E, Saunders C, Lacerda. Nutrição em obstetrícia e pediatria. 2ª edição – Guanabara Koogan. 2/2009. Cap.6.
2. Parizzi MR, Fonseca JGM. Revisão: Nutrição na gravidez e na lactação. Revista Médica de Minas Gerais 2010;20(3):341-353.
3. Gillen- Goldstein J, Funai EF, Roque H, Ruvel JM. Nutrition in pregnancy: UpToDate; ano [Acesso em: 29/10/2013]. Disponível em: http://www.uptodate.com/contents/nutrition-in-pregnancy?source=search_result&search=vitamin+D+pregnancy&selectedTitle=1~150 .
4. Dietary Reference Intakes for Calcium and Vitamin D. Released: 30/11/2010. [Acesso em: 29/10/2013]. Disponível em: http://www.iom.edu/Reports/2010/Dietary-Reference-Intakes-for-Calcium-and-Vitamin-D/DRI-Values.aspx .
5. Calcium Physiology in Pregnancy. UpToDate [Homepage na Internet]. [Acesso em: 29/10/2013]. Disponível em: http://www.uptodate.com/contents/calcium-physiology-in-pregnancy?source=see_link&anchor=H9#H9 .
6. Sánchez-Muniz FJ, Gesteiro E, Espárrago Rodilla M, Rodríguez Bernal B, Bastida S. Revisão: La alimentación de la madre durante el embarazo condiciona el desarrollo pancreático, el estatus hormonal del feto y la concentración de biomarcadores al nacimiento de diabetes mellitus y síndrome metabólico. Nutr Hosp. 2013; 28(2):250-274.
7. Wender MCO, Tourinho TF. Revisão: Osteoporis in postmenopausal women. [Acesso em: 29/10/2013]. Disponível em: http://www.moreirajr.com.br/revistas.asp?fase=r003&id_materia=2734
8. Oken E. Fish consumption during pregnancy. [Acesso em: 29/10/2013]. Disponível em: http://www.uptodate.com/contents/risks-and-benefits-of-fish-consumption-and-fish-oil-supplements-during-pregnancy?source=search_result&search=pregnancy+omega-3&selectedTitle=1~150#H3 .
9. Barker DJP. Fetal origins of coronary heart disease. BMJ 1995;311:171-4
10. Almond D, Currie J. Killing Me Softly: The Fetal Origins Hypothesis. Journal of Economic Perspectives 2011; 25(3): 153-72.
11. Barker DJP, Clark PM. Fetal Undernutrition and Disease in Later Life. Reviews of Reprodution 1997;2:105-112.
12. Innis SM. Essential Fatty Acid Transfer and Fetal Development. Placenta Journal 2005 apr;26 (Supl A):S70-S75.
13. Petry CJ, Ozanne SE, Hales CN. Programming od Intermediaryy Metabolism. Mol Cell Endocrinology 2001 dec;185(1-2):81-91.
14. Tinoco SMB, Sichieri R, Moura AS, Santos FS, Carmo MGT. Importância dos Ácidos Graxos Essenciais e os Efeitos dos Ácidos Graxos Trans do Leite Materno
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