RESSONÂNCIA NUCLEAR MAGNÉTICA FETAL

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1 RESSONÂNCIA NUCLEAR MAGNÉTICA FETAL Dr. Heron Werner Jr e Dr. Pedro Daltro Clínica de Diagnóstico por Imagem (CDPI). Rio de Janeiro. INTRODUÇÃO A avaliação por imagem do feto, tem se aprimorado ao longo dos anos. É inegável o papel da ultrassonografia (USG) para esta finalidade, mas ela não é mais o único método disponível de imagem considerado seguro. O estudo por ressonância magnética (RM) veio acrescentar conhecimentos ao permitir a obtenção de imagens anatomicamente mais detalhadas além de maior resolução de contraste das partes moles, sem sofrer interferências negativas de fatores desfavoráveis à USG como obesidade materna, oligodramnia e alguns tipos de posicionamento fetal 28 . Por suas características de baixo custo, portabilidade, facilidade de acesso e existência de profissionais bem treinados, a USG ainda é o método inicial e em muitos casos suficiente para estudo do feto durante a gestação. Contudo, diante de diagnósticos mais complexos a RM tem precisas indicações 10, 18 . OBJETIVO O objetivo deste capítulo é mostrar o valor da RM na gravidez como método de auxílio à USG para o diagnóstico e avaliação do prognóstico de malformações fetais.

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RESSONÂNCIA NUCLEAR MAGNÉTICA FETAL

• Dr. Heron Werner Jr e Dr. Pedro Daltro

Clínica de Diagnóstico por Imagem (CDPI).

Rio de Janeiro.

INTRODUÇÃO

A avaliação por imagem do feto, tem se aprimorado ao longo dos anos. É

inegável o papel da ultrassonografia (USG) para esta finalidade, mas ela não é

mais o único método disponível de imagem considerado seguro. O estudo por

ressonância magnética (RM) veio acrescentar conhecimentos ao permitir a

obtenção de imagens anatomicamente mais detalhadas além de maior resolução

de contraste das partes moles, sem sofrer interferências negativas de fatores

desfavoráveis à USG como obesidade materna, oligodramnia e alguns tipos de

posicionamento fetal 28. Por suas características de baixo custo, portabilidade,

facilidade de acesso e existência de profissionais bem treinados, a USG ainda é o

método inicial e em muitos casos suficiente para estudo do feto durante a

gestação. Contudo, diante de diagnósticos mais complexos a RM tem precisas

indicações 10, 18.

OBJETIVO

O objetivo deste capítulo é mostrar o valor da RM na gravidez como método

de auxílio à USG para o diagnóstico e avaliação do prognóstico de malformações

fetais.

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HISTÓRICO

Os primeiros trabalhos sobre RM com finalidade diagnóstica em medicina

foram publicados por Smith em 1983. Os equipamentos evoluíram muito nos

últimos 10 anos. Na década de 80 os aparelhos de RM eram de baixo campo (0,5

Tesla), deixando lenta a formação de imagens, tornando o exame vulnerável aos

artefatos de movimento fetal. A partir da primeira metade da década de 90, com os

aparelhos de alto campo (1,5 Tesla), desenvolveu-se sequências rápidas (18

segundos) para aquisição da imagem.

A maior parte das indicações de RM fetal está relacionada às patologias do

sistema nervoso central, pois permite uma boa avaliação dos diversos estágios de

formação do cérebro fetal. Contudo, com o aperfeiçoamento das sequências

utilizadas, esta vem se mostrando de grande utilidade também no estudo de outras

malformações fetais tais como torácicas, urinárias e abdominais 7, 8, 28.

PRINCIPAIS ASPECTOS FÍSICOS

O princípio da RM é a representação digital da composição química dos

vários tipos de tecidos expostos a um campo magnético potente. Para entender

como a ressonância funciona, se faz necessário o conhecimento de certos

princípios físicos como as propriedades magnéticas do núcleo, o comportamento

coletivo do núcleo quando excitado por onda de radiofrequência, as propriedades

de relaxamento do núcleo e as técnicas de imagens utilizadas para maximizar

diferenças por contraste.

O hidrogênio é o átomo mais utilizado para imagem por apresentar alta

sensibilidade ao fenômeno de ressonância e também por estar largamente

distribuído na matéria biológica.

O procedimento usado na RM consiste em submeter uma região a ser

examinada num campo magnético, perturbando o equilíbrio do núcleo por uma

determinada freqüência (freqüência de ressonância). Quando submetido à ação de

um campo magnético, um tecido biológico tem seus prótons orientados segundo o

eixo desse campo. Como exemplo, quando uma paciente é posicionada dentro do

campo magnético do aparelho, os núcleos de hidrogênio do seu corpo, que

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normalmente tem orientação aleatória ficam alinhados passando a girar em torno

de um eixo longitudinal paralelo ao vetor deste campo magnético com a mesma

freqüência dos núcleos de hidrogênio (Figura 1). Em seguida, emite-se uma onda

de radiofreqüência suficiente para provocar assimilação de energia pelos prótons

da paciente, provocando desvio da magnetização para um plano transversal ao

campo magnético. Cessada a onda de radiofreqüência, ocorre realinhamento dos

prótons da paciente com o campo magnético. Neste momento há eliminação da

energia acumulada a qual é detectada e localizada espacialmente (Figura 2). Estes

dados obtidos, a partir da medida desta energia (sinal) gerada na paciente,

constitui a base para formação das imagens. A força do campo magnético é

medida em duas unidades: Gauss e Tesla. Um Tesla corresponde a 10.000 gauss.

A força do campo magnético da terra está entre 0,5 e 1,0 gauss. Os aparelhos de

RM trabalham com campos magnéticos de 0,25 a 3,0 Tesla. Assim, as pacientes

são submetidas a campos magnéticos de 2.500 a 30.000 vezes superior ao campo

magnético da terra. Após os impulsos de freqüência, o próton retorna ao seu

estado inicial de equilíbrio. Este retorno também consiste numa emissão de sinais

de baixa freqüência, que são captados e transformados em imagem pelo

computador. Tal retorno ao estado inicial de equilíbrio do próton é chamado de

tempo de relaxamento (T). Exemplificando melhor esse efeito, imagine um corpo

que desce uma colina numa trajetória retilínea e lisa. Ele sairá do estado de alta

energia ao fazer tal trajetória atingindo o final que seria um nível de baixa energia.

Esse percurso é possível de ser captado e corresponderia ao retorno do próton a

sua posição inicial ou T. Diversos tecidos apresentam diferentes T. Esse pode

ocorrer em dois processos: (T1) ou tempo de relaxamento longitudinal, quando há

transferência de energia para o meio molecular, representando a recuperação de

63% da magnetização longitudinal após a interrupção da onda de radiofreqüência,

e (T2) ou tempo de relaxamento transversal, quando há transferência de energia de

um átomo que vibra para o outro, ou seja, desalinhamento dos prótons ou perda de

coerência. Os tecidos apresentam T1 e T2 diferentes, que são medidos em

milisegundos, sendo maiores nos fluídos (sangue, líquido amniótico). Estes efeitos

ocorrem simultaneamente, sendo que o tempo de repetição (TR) e tempo de eco

(TE) são os que vão determinar que tipo de efeito esta sendo favorecido em cada

imagem (T1 ou T2). A densidade de prótons é proporcional ao conteúdo de água

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dos tecidos. Assim, além da diferença do T entre cada tecido, a imagem também

depende do número de prótons por unidade de volume.

Figura 1: Núcleos de hidrogênio com orientação aleatória (a) e alinhados na

presença de um campo magnético potente (B0) (b).

Figura 2: Alinhamento dos prótons com o campo magnético (B0) quando cessada a

onda de radiofrequência, havendo eliminação da energia acumulada que é

localizada espacialmente, constituindo-se na base da formação das imagens.

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SEGURANÇA

A primeira questão a ser considerada no uso da RM é sua segurança para a

gestante e o feto. Estudos realizados em animais não mostraram efeito

teratogênico do método. Contudo, aconselha-se que não seja realizado no 1º

trimestre da gestação, período crítico para teratogênese e no qual ainda não há

identificação de potenciais benefícios do uso precoce desta técnica de imagem. A

“Safety Comitee of the Society of Magnetic Resonance Imaging” sugere o uso da

RM apenas se a USG não for conclusiva. A legislação brasileira não tem uma

norma específica. Contudo, a posição geral é de que RM pode ser utilizada com

bom senso na gestação a partir do 2º trimestre, sem restrições quanto à indicação

do exame. A injeção de meio de contraste (gadolínio intra-venoso) deve ser evitada

durante toda a gestação, uma vez que o meio de contraste é capaz de atravessar

a barreira placentária, entrando na circulação fetal segundos após sua

administração 9, 24, 27. A tabela 1 apresenta as contra-indicações ao uso da RM.

Tabela 1: Pontos importantes para o exame de RM.

Contra-indicações absolutas Não estão contra-indicados

• Clipe de aneurisma cerebral

ferromagnético

• Clamp Poppen-Blaylock da artéria

carótica

• Prótese valvar mitral Starr-

Edwards

• Implantes otológicos cocleares

• Projéteis de arma de fogo

próximo a estrutura vital

• Marcapasso cardíaco

• Desfibriladores/cardioversores

• Stents e filtros

intravasculares após 3

meses de posicionamento

• Clipes de aneurisma cerebral

não ferromagnético (titânio)

• Próteses ortopédicas

• Implantes dentários

• Projéteis de arma de fogo

não próximos de estrutura

vital

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TÉCNICA

Para obter imagens de boa qualidade em qualquer exame de RM é

essencial o uso de sequências rápidas como HASTE (Half-Fourier Single Shot

Turbo spin-Echo), FSSE (Fast Single Shot Echo) ou true-FISP (Free Induction

Steady State Precession) que permitem aquisições em curto espaço de tempo

evitando artefatos de movimento. A duração de cada seqüência está em torno de

18 segundos, sendo feitos cortes em torno de 4 mm em aparelhos de alto campo.

O uso de sedativos maternos não se faz necessário na grande maioria dos exames 6, 29.

Para o SNC, sequências pesadas T2 são úteis na avaliação anatômica e

padrão de sulcação (Tabela 2) (Figura 3). As sequências pesadas em T1 são úteis

na avaliação de sangramento (Tabela 3) (Figuras 4 a,b) e mielinização 12,18.

Figura 3: Padrão de sulcação do encéfalo fetal de acordo com a idade gestacional.

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Figuras 4 a,b: Feto de 32 semanas, portador de Doença de Von Willebrand. a)

Sagital T2 demonstrando área em hipersinal na fossa posterior, sugerindo

sangramento. b) sagital T1 demonstrando mesma área em hiposinal.

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Tabela 2: Cronologia do desenvolvimento cerebral evidenciado em fetos

normais.

IG (s.a) Cisura Sulcos

22 - 23

-

-

24 - 25

26

-

27

-

-

28

-

29 - 31

32

33

-

-

34 - 36

Inter-hemisférica

Parietoccipital interna

Hipocampal

Calcarina

-

-

-

-

-

-

-

Pericaloso

Lateral

-

Cíngulo

Central

Colateral

Marginal

Pré-central

Temporal superior

Pós-central

Intraparietal

Frontal superior e inferior

Temporal superior e inferior

Occipitotemporal externo

Cingular secundário

Insular

Occipital secundário

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Tabela 3: Mudança da intensidade do sinal de área hemorrágica.

Estágio Tempo T1 (sinal) T2 (sinal)

Aguda

Aguda

Subaguda

Subaguda

Crônica

< 12 horas

1 – 3 dias

3 – 7 dias

1 – 2 semanas

> 2 semanas

Iso-baixo

Iso-baixo

Alto

Alto

Iso-baixo

Alto

Baixo

Baixo

Alto

baixo

Para o tórax, abdome e aparelho urinário não há técnica especial no que se

refere à avaliação qualitativa das estruturas, sendo usado protocolo complementar

apenas para medida da volumetria pulmonar nas situações necessárias. O estudo

inicia-se com sequências pesadas em T2 nos planos axial, coronal e sagital, que

permitem bom estudo anatômico da região. As sequências pesadas em T1 têm

utilidade na avaliação do fígado e intestino grosso 7, 8.

Estruturas cheias de líquido apresentam habitualmente baixo sinal em T1 e

alto em T2. Órgãos sólidos têm sinal intermediário (timo, por exemplo) e estruturas

contendo gordura e mecônio, têm alto sinal em T1 e baixo em T2. Os pulmões têm

conteúdo líquido variável e crescente ao longo da gestação, o que lhes dá

característica de alto sinal em T2, com bom contraste para as estruturas

mediastinais e parede torácica. Traquéia e brônquios, também cheios de líquido

amniótico, são bem identificados. Já coração e grandes vasos não são tão bem

definidos e têm baixo sinal por conta de artefatos de movimento e fluxo. O

estômago tem alto sinal no T2, o intestino delgado apresenta-se como estruturas

serpinginosas com alto sinal em T2 e o colo tem baixo sinal no T2 e alto sinal no

T1. O fígado tem um sinal aumentado no T1. Os rins podem ser bem identificados

a partir do segundo trimestre assim como a bexiga com sinal alto no T2 28.

A idade gestacional ideal para o exame é a partir da 20ª semana. Para sua

realização, a paciente é posicionada em decúbito dorsal ou lateral esquerdo, com

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os pés entrando em primeiro no magneto (Figuras 5 e 6). A presença do marido ou

familiar deve ser encorajada para maior conforto da paciente.

A seguir vamos descrever as principais lesões do SNC, tórax, abdome e

aparelho urinário.

LEMBRAR:

A RM não tem valor para o estudo do feto no 1º trimestre da gestação.

Trata-se de um método seguro que deve ser utilizado como auxílio à USG para

diagnóstico e avaliação do prognóstico fetal.

O uso de contraste deve ser evitado.

IMAGEM:

Líquido: baixo sinal em T1 e alto sinal em T2.

Gordura: alto sinal em T1 e baixo sinal em T2.

Figura 5: Paciente posicionada em decúbito dorsal com os pés entrando em

primeiro no magneto.

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Figura 6: Paciente posicionada em decúbito lateral esquerdo com os pés

entrando em primeiro no magneto.

LESÕES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

1- ANENCEFALIA

Representa um defeito no fechamento da porção anterior do tubo neural de

prognóstico letal, caracterizado pela ausência da abóbada craniana com exposição

do tecido neural. Sua incidência global gira em torno de 1 em 1000 nascimentos.

Representa em média um terço das malformações do SNC diagnosticadas pela

USG. Seu diagnóstico é precoce sendo feito com facilidade pela USG ainda no

primeiro trimestre. Contudo, a RM pode ajudar nos casos de gestações múltiplas

em que a avaliação do feto acometido fica prejudicada 28.

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2- HIDROCEFALIA

Hidrocefalia é uma doença congênita grave, de prognóstico difícil de ser

estabelecido quando o diagnóstico é intra-útero, sendo definida como a resultante

do desequilíbrio entre a produção e a reabsorção do líquido cefalorraquidiano

(LCR). Consiste no excesso de LCR ao nível dos ventrículos cerebrais e dos

espaços subaracnoideanos, provocando um aumento da pressão intracraniana.

Sua incidência está estimada entre 0,12 a 2,5 por 1000 nascimentos, sendo que

em 3,3% dos casos há um componente familiar.

Uma associação com outras anomalias está em torno de 70% a 85% dos

casos, incluindo a associação com mielomeningocele em torno de 30% dos casos.

Associações com malformações cardíacas, torácicas, renais, parede abdominal,

face e extremidades dever ser procuradas.

IMPORTANTE: A RM é útil na avaliação do parênquima cerebral que pode estar

comprometido pela hidrocefalia e na avaliação de malformações associadas,

principalmente as do sistema nervoso central.

3- AGENESIA DO CORPO CALOSO (ACC)

O corpo caloso é uma importante comissura cerebral que conecta os

hemisférios cerebrais. Ele se forma de anterior para posterior, com exceção do

rostro, que é o último a ser formado. Assim, nos casos de agenesia parcial, o

esplênio e o rostro não são identificados. Um corpo caloso hipoplásico ou atrófico

resulta de um insulto cerebral após sua formação (em torno da 18ª semana de

gestação).

A ACC é um diagnóstico passível de ser feito pela USG, porém a RM passou

a ser fundamental na confirmação diagnóstica de casos duvidosos. Seu diagnóstico

é baseado principalmente em sinais indiretos tais como: paralelismo dos

ventrículos laterais, ascensão do terceiro ventrículo, dilatação do corno occipital

dos ventrículos laterais (colpocefalia), ausência do giro do cíngulo com

verticalização dos giros e presença das bandas de Probst, constituída pelas fibras

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que falham em atingir o hemisfério contralateral e que se curvam posteriormente

provocando indentação na parede antero-medial do corno frontal.

IMPORTANTE:

Principais achados (Agenesia do Corpo Caloso):

• Dilatação ventricular moderada (olhar para a forma do ventrículo).

• Fissura inter-hemisférica proeminente.

• Elevação do 3º ventrículo (melhor avaliada no plano coronal).

• Não visualização do giro do cíngulo.

• Disposição radial dos giros para o 3º ventrículo.

• Não visualização do CSP.

• Outras anomalias do SNC em 50% dos casos.

4- HOLOPROSENCEFALIA

A holoprosencefalia é uma patologia de origem precoce, ainda na

organogênese do cérebro, resultante de uma falha na clivagem do prosencéfalo

primitivo. Sua incidência está em torno de 1 em 10.000 nascimentos. Em função do

grau de severidade, ela é classificada em: alobar, semilobar e lobar (Tabela 4). A

USG é bastante eficaz no diagnóstico das holoprosencefalias do tipo alobar e

semilobar. Apesar de poucos relatos na literatura, a RM parece trazer real benefício

na tentativa de caracterizar a forma lobar e confirmar os achados prévios da USG

para as formas alobar e lobar. Os fetos com holoprosencefalia do tipo alobar e

semilobar geralmente morrem ao nascer. A sobrevida com as formas brandas do

distúrbio (lobar) está associada ao retardo mental.

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Tabela 4: Principais diferenças dos tipos de Holoprosencefalia.

Achados Alobar Semilobar Lobar

Anomalia crânio-

facial

Severa Variável Leve / Ausente

Ventrículos Monoventrículos Cornos occipitais

rudimentares

Cornos frontais de

aspecto retangular

Septo Pelúcido Ausente Ausente Ausente

Foice Cerebral Ausente Parcial Bem formada

Cisura Inter-

hemisférica

Ausente Parcial Presente: alguma

fusão antero-

inferior

Tálamos,

gânglios da base

Fusionados Parcialmente

Separados

Separados

5- HIDRANENCEFALIA

Consiste na destruição completa ou quase completa do córtex cerebral e

gânglios da base. Apesar da ausência dos hemisférios cerebrais, o tronco cerebral,

tálamos e cerebelo estão presentes. A foice cerebral está reduzida, às vezes

ausente, com uma grande quantidade de líquido acima dos tálamos não fusionados

e cerebelo. O diagnóstico diferencial é feito com as grandes hidrocefalias e

holoprosencefalia alobar e semilobar. A etiologia é heterogênea, provavelmente

resultante da destruição intra-uterina do parênquima cerebral originada por

alterações vasculares (obstrução completa e bilateral das artérias carótidas

internas) ou infecciosas (citomegalovírus, toxoplasmose).

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6- ESQUIZENCEFALIA E PORENCEFALIA

A esquizencefalia e porencefalia são patologias de origens diferentes,

apesar da aparência semelhante quando avaliadas à USG, tendo a RM um papel

importante na diferenciação.

A esquizencefalia é considerada como anormalidade de migração neuronal.

Assim, ela é circundada pela substância cinza. Pode ser observado seu aumento e

confluência para o ventrículo lateral deformando o seu contorno. A suspeita

diagnóstica está principalmente na dilatação assimétrica dos ventrículos laterais

enquanto que o terceiro ventrículo permanece normal.

A porencefalia resulta de uma destruição localizada do tecido cerebral

durante a gestação. Este processo destrutivo resulta na formação de uma cavidade

de paredes finas, preenchida por líquido, havendo comunicação direta para o

ventrículo e calota craniana. Esta patologia pode envolver toda a espessura do

córtex cerebral.

7- MICROCEFALIA

Diminuição importante da circunferência cefálica, inferior ao percentil 5 ou

dois desvios-padrão abaixo da média. Existe uma microcefalia isolada em uma a

cada 10.000 nascimentos. Geralmente é detectada após a 24ª semana, tornando-

se mais fácil o diagnóstico com o avançar da gestação. As principais causas são:

herança autossômica recessiva / dominante, infecções (citomegalovírus,

toxoplasmose, rubéola), radiações, drogas, álcool, hipóxia.

8- MALFORMAÇÃO DE CHIARI

A malformação de Chiari é uma das principais anomalias da fossa posterior.

As formas mais freqüentes são o tipo I e II. O Chiari I consiste no deslocamento

das tonsilas cerebelares para o canal cervical superior, enquanto que o Chiari II

corresponde a uma herniação da parte inferior do vérmis cerebelar e do quarto

ventrículo. O Chiari II é encontrado em 65% a 100% das formas graves de espinha

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bífida. A fossa posterior é pequena, os hemisférios cerebelares são hipoplásicos e

uma dilatação ventricular está quase sempre presente. Existe uma outra forma

grave de malformação de Chiari, que é o tipo III. Esta é uma forma rara e consiste

de encefalocele com herniação de conteúdo da fossa posterior e, algumas vezes,

do lobo occipital (cefalocele). O tecido herniado é sempre anormal, apresentando

áreas de necrose, gliose e fibrose.

IMPORTANTE: CHIARI II

• Fossa posterior pequena com deslocamento inferior do vérmis

• Disgenesia do corpo caloso, polimicrogiria

• Hidrocefalia - 90%

• 4o ventrículo pequeno, alongado e deslocado inferiormente

• Mielomeningocele - 100%

9- INIENCEFALIA

Malformação que consiste em complexa alteração no desenvolvimento

embrionário em torno da terceira semana, caracterizada por uma retroflexão

acentuada do pólo cefálico. Trata-se de uma sequência de alterações raras, em

que existe um defeito na região occipital envolvendo o forame magno e alterações

no eixo vertebral sem visibilização dos arcos posteriores. Em 84% dos fetos

afetados existem anomalias associadas tais como: hidrocefalia, malformação de

Dandy-Walker, encefalocele, meningocele, hérnia diafragmática, onfalocele,

anomalias cardíacas e do arco aórtico, renais, etc. O diagnóstico é

ultrassonográfico, quando há dificuldade na visualização da coluna vertebral por

inteiro no plano longitudinal.

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10- COMPLEXO DE DANDY-WALKER

Classicamente a malformação cística da fossa posterior tem sido dividida em

malformação de Dandy-Walker, variante de Dandy-Walker e megacisterna magna.

A malformação de Dandy-Walker é caracterizada pela dilatação cística do quarto

ventrículo e alargamento da fossa posterior com deslocamento superior do tentório

e da tórcula de Herophili (confluência dos seios venosos), com grau variável de

aplasia ou hipoplasia vermiana. A variante de Dandy-Walker é caracterizada pela

hipoplasia leve do vérmis cerebelar inferior com comunicação da porção póstero-

inferior do quarto ventrículo com a cisterna magna. Caracteristicamente, a fossa

posterior tem tamanho normal e o tronco cerebral é usualmente preservado. Na

megacisterna magna o vérmis e os hemisférios cerebelares são normais, assim

como o quarto ventrículo.

IMPORTANTE: A RM auxilia a USG na caracterização de uma variante Dandy-

Walker e na confirmação de um bom prognóstico da megacisterna magna.

11- MALFORMAÇÃO DA VEIA DE GALENO (MVG)

A malformação da veia de Galeno é um grupo heterogêneo de anomalias

caracterizadas pela dilatação das estruturas venosas do sistema galênico e

comunicações arteriovenosas anômalas na linha média. A veia de Galeno aparece

dilatada e se comunica com as artérias de aparência normal. Na maior parte dos

casos, a malformação é isolada. As principais associações são: malformação

cardíaca, higroma cístico e hidropsia. Os principais achados de RM são: lesão

expansiva com sinal heterogêneo, predominantemente hipointenso em todas as

sequências em função da turbulência do fluxo, alterações parenquimatosas

associadas com hemorragia secundária à trombose, dilatação de estruturas

venosas e arteriais adjacentes, hidrocefalia.

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12- ESCLEROSE TUBEROSA

Caracteriza-se pelo desenvolvimento de lesões hamartomatosas em muitos

tecidos, em particular cérebro, pele, coração e rins. A herança é autossômica

dominante, embora a maioria dos casos representem mutações novas em famílias

não afetadas.

Os tumores cardíacos fetais (rabdomiomas) constituem a principal

anormalidade visualizada pela USG pré-natal. Esses tumores caracterizam-se

como massas ecogênicas no coração, que se localizam nas paredes ventriculares,

fazendo, com freqüência, protrusão para o interior da cavidade cardíaca. Em torno

de 50% dos fetos com rabdomiomas possuem esclerose tuberosa. O prognóstico

dos rabdomiamas cardíacos é bom, com involução pós-natal na sua grande

maioria. Porém, o diagnóstico de esclerose tuberosa intra-útero, somente possível

pela complementação da RM, muda completamente o prognóstico fetal, devido à

freqüência aumentada de retardo mental e convulsões (80%) 30.

IMPORTANTE: Face ao diagnóstico de rabdomiomas cardíacos no pré-natal, uma

RM fetal deve ser realizada para pesquisa de lesões cerebrais sugestivas de

Esclerose Tuberosa.

13- LESÕES EXPANSIVAS INTRACRANIANAS

Das lesões expansivas intracranianas as mais comuns são as císticas. As

lesões sólidas tais como tumores e hemorragias são raras. A RM é método ideal na

complementação da USG, pois permite melhor caracterização da anatomia

cerebral, da dilatação do sistema ventricular e das lesões expansivas.

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LESÕES CERVICAIS

1- HIGROMA CÍSTICO & LINFANGIOMA

Os linfangiomas são malformações congênitas dos vasos linfáticos e

constituem cerca de 6% de todas as lesões benignas da infância e adolescência.

Ocorrem mais comumente na cabeça, pescoço ou axila embora possam ocorrer

em qualquer local do sistema linfático em desenvolvimento. Não têm predileção por

raça ou sexo e são subdivididos em quatro tipos histológicos, dentre os quais o

higroma cístico é o tipo mais comum 3.

Os higromas císticos são cisto ou múltiplos cistos desenvolvendo-se na

região póstero-lateral da região cervical. É oriundo de um atraso na comunicação

entre os sacos linfáticos jugulares e as veias jugulares internas. Assim, os sacos

linfáticos jugulares obstruídos se dilatam, podendo gerar, em casos extremos, uma

hidropsia fetal não-imune. Cerca de 60% dos casos de higroma estão relacionados

com anomalias cromossômicas, sendo a principal a síndrome de Turner.

IMPORTANTE:

• A RM pode determinar com mais precisão a extensão da lesão e sua

relação com as estruturas vizinhas, permitindo um planejamento cirúrgico

mais adequado.

• A RM é importante no diagnóstico diferencial dos linfangiomas,

principalmente com encefalocele, mielomeningocele cervical, teratoma e

hemangioma, que apresentam diferentes tratamentos e prognósticos.

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Tabela 4: Principais massas da região cervical e suas localizações.

MASSA LOCALIZAÇÃO

Higroma cístico Póstero-lateral, bilateral

Meningocele Posterior, linha média

Encefalocele occipital Posterior, linha média

Bócio Anterior, bilateral

Teratoma cervical Ântero-lateral, unilateral

Hemangioma Variável

LESÕES TORÁCICAS

1- MALFORMAÇÕES BRONCO-DIGESTIVO-PULMONARES

CONGÊNITAS

Existe um espectro de malformações do desenvolvimento que têm origem nas

estruturas embrionárias derivadas do intestino anterior primitivo: cistos de

duplicação, neuroentéricos, broncogênicos, seqüestros, malformações

adenomatóide císticas, enfisema lobar congênito 8, 13, 16, 20.

1.1 - MALFORMAÇÃO ADENOMATÓIDE CÍSTICA (MAC)

É lesão caracterizada por crescimento excessivo de estruturas brônquicas, em

detrimento dos espaços alveolares, associado a suprimento aéreo anômalo, sendo

o diagnóstico feito muitas vezes pelo USG gestacional. Artigos mais recentes falam

da freqüência de 1:1.000 nascidos vivos 8.

Stocker et al (1977) classificam a MAC em três tipos em função do tamanho

dos cistos 26. O prognóstico varia mais com tamanho do que com o tipo histológico

da lesão por conta da hipoplasia pulmonar que pode gerar.

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IMPORTANTE:

A RM pode ser útil na avaliação de diagnóstico diferencial com hérnia

diafragmática e na avaliação do parênquima pulmonar.

1.2- SEQUESTRO PULMONAR

Tecido pulmonar anômalo, sem comunicação com a árvore brônquica central e

cujo suprimento vascular vem de artéria anômala sistêmica que pode ter origem na

aorta ou em um dos seus ramos. A apresentação mais comum é de massa sólida à

esquerda, junto ao diafragma, visualizada pela primeira vez na USG do 2º trimestre

da gestação. O seqüestro pode ser da forma intra-lobar ou extra-lobar, sendo esta

última a mais freqüentemente diagnosticada no período pré-natal. As lesões

podem involuir espontaneamente ainda na fase intra-uterina, e a RM tem mostrado

que, em algumas fases, a lesão pode ser virtualmente invisível à USG mas ainda

facilmente identificada pela RM 8.

IMPORTANTE:

• A Dopplerfluxometria colorida pode auxiliar na identificação do suprimento

sanguíneo.

• A RM tem mostrado que, em algumas fases, a lesão pode ser virtualmente

invisível à USG.

• A RM é útil na avaliação do diagnóstico diferencial com neuroblastoma e

hemorragia adrenal.

Page 22: RESSONÂNCIA NUCLEAR MAGNÉTICA FETAL

22

1.3-CISTO BRONCOGÊNICO

É a mais comum lesão cística do mediastino, tendo origem em anomalia do

desenvolvimento do broto ventral respiratório a partir do intestino primitivo que

ocorre por volta de 26-40 dias de vida embrionária. A localização mais freqüente é

mediastinal, junto à carina, podendo ocorrer na forma de lesões intra-

parenquimatosas pulmonares (geralmente lobos inferiores), pleurais ou

diafragmáticas. A associação com outras malformações do mesmo grupo (MAC,

seqüestro) é habitual 8.

IMPORTANTE:

A RM pode ser útil no diagnóstico diferencial, principalmente com MAC e cisto

neuroentérico. Contudo, o diagnóstico será preciso somente com o exame

anatomo-patológico.

2– LINFANGIECTASIA PULMONAR CONGÊNITA

Consiste na dilatação generalizada de vasos linfáticos histologicamente

normais que pode ocorrer primariamente ou ser secundária a obstrução venosa

severa como nos casos de retorno venoso anômalo pulmonar ou síndrome do

coração esquerdo hipoplásico. Existe ainda freqüente associação com doenças

genéticas como Noonan, Turner, Ehlers-Danlos e Down. Uma associação com

derrame pleural uni ou bilateral é freqüente 8.

3 - HIDROTÓRAX

Hidrotórax é o acúmulo de líquido no espaço pleural, de origem primária ou

secundária. A forma primária é a mais comum e, neste grupo predomina o

quilotórax causado por anomalias nos ductos linfáticos torácicos que não realizam

drenagem eficaz. O quilotórax é mais comum à direita. No grupo do hidrotórax por

causas secundárias encontram-se as anomalias cromossômicas (síndrome de

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23

Down e Turner), doenças infecciosas (citomegalovírus e toxoplasmose) ou ainda

os casos de hidropsia fetal. A USG é capaz de fazer este diagnóstico, inclusive

auxiliando em alguns casos a drenagem como tratamento.

4 – HÉRNIA DIAFRAGMÁTICA CONGÊNITA (HDC)

HDC consiste na falta de desenvolvimento parcial ou completa do diafragma,

permitindo a migração de estruturas abdominais para o tórax, comprimindo o

pulmão e atrapalhando seu desenvolvimento 8,1 5, 21. Os órgãos abdominais podem

se desenvolver dentro do tórax ou migrarem para ele após pleno desenvolvimento.

O tipo mais comum de hérnia é a posterior esquerda (Bochdaleck), quando é

visualizado o desvio do mediastino para a direita, acompanhado pela presença de

alças de delgado e estômago na cavidade torácica.

A mortalidade é alta e a RM pode ajudar na avaliação do prognóstico 1, 2, 4.

Quando o prognóstico é ruim, um tratamento intra-útero pode ser realizado com a

colocação do balão para oclusão traqueal e consequente estímulo do crescimento

do parênquima pulmonar 11, 14, 17, 22.

IMPORTANTE:

Critérios de mau prognóstico para HDC:

• diagnóstico precoce (< 25 semanas),

• coexistência de malformações associadas,

• anomalias cromossomiais,

• migração do fígado para o tórax

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24

5 – ATRESIA CONGÊNITA DA LARINGE

Atresia congênita da laringe é anomalia rara. Os principais achados da USG e

RM são: pulmões de volume aumentado, hiperecogênicos e com sinal hiperintenso

(sequência pesada T2). Pode haver oligodramnia, polihidramnia ou o volume de

líquido amniótico pode permanecer normal, dependendo das estruturas que sejam

comprimidas pelo aumento do volume pulmonar 8.

6 – MALFORMAÇÕES CARDÍACAS

A avaliação de tumores cardíacos é uma das situações em que a RM pode

trazer informações diagnósticas embora seja considerado que a USG seja mais

interessante para avaliação do coração fetal que a RM que está sujeita a artefatos

de movimento 19.

IMPORTANTE:

• Rabdomiomas e teratomas são os tumores cardíacos fetais mais

freqüentes.

• Lembrar que nos casos de rabdomiomas, deve-se complementar a

investigação procurando lesões cerebrais associadas nos casos de

esclerose tuberosa.

LESÕES ABDOMINAIS

ONFALOCELE & GASTROSQUISE

São os defeitos mais comuns de fechamento da parede abdominal (Tabela

6). O diagnóstico é feito pela USG, geralmente no início do segundo trimestre da

gestação. Em alguns casos, o diagnóstico no final da gestação, assim como a

diferenciação destas duas patologias, pode ser difícil de ser realizado pela USG em

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25

função da redução fisiológica do líquido amniótico, além da estática fetal, muitas

vezes inadequada 7 .

Tabela 6: Principais diferenças entre onfalocele e gastrosquise.

Onfalocele Gastrosquise

Frequência 1:5.000 1:10.000 a 1:15.000

Localização Envolve o cordão

umbilical

À direita do cordão

umbilical

Membrana envolvendo Sim (em alguns casos

pode estar rota)

Não

Estruturas herniadas Intestino e / ou fígado Intestino na maioria

Cromossomopatias Frequente Infrequente

Síndromes associadas Sim Não

Existem grandes defeitos da parede abdominal, de prognóstico letal,

podendo corresponder a “Pentalogia de Cantrell” e “Limb Body Wall Complex”

(Tabela 7).

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Tabela 7: Principais características da “Pentalogia de Cantrell” e “Limb Body Wall

Complex” 7.

Pentalogia de Cantrell Limb Body Wall Complex

1 em 100.000 nascidos vivos

onfalocele

ectopia cardíaca

ausência da porção distal do esterno,

do diafragma anterior e do pericárdio

parietal

Associação com anomalias cardíacas:

defeito do septo ventricular, anomalia

de Ebstein, atresia tricúspide, tetralogia

de Fallot, átrio único, canal

atrioventricular, atresia mitral, anomalia

do retorno venoso pulmonar, ventrículo

único, estenose pulmonar, atresia

pulmonar, estenose aórtica, coarctação

da aorta, transposição dos grandes

vasos

1 em 14.000 nascidos vivos

defeitos dos membros, coluna, parede

abdominal e torácica

Anomalias craniofaciais: exencefalia,

encefalocele e defeitos faciais

Mielomeningocele

Malformações associadas: cardíacas,

diafragmáticas, atresias intestinais,

agenesia renal e hidronefrose

A placenta anormalmente implantada

Cordão umbilical dificilmente visualizado

Os órgãos abdominais podem estar

herniados para a cavidade amniótica

formando uma grande massa

ALTERAÇÕES DO APARELHO URINÁRIO

1- AGENESIA RENAL

A agenesia renal quando bilateral é uma malformação letal, sendo que

aproximadamente 50% dos fetos nascem mortos, e o restante morre logo após o

nascimento, por insuficiência respiratória decorrente da hipoplasia pulmonar

associada ao oligoidrâmnio prolongado. Quando a agenesia renal é unilateral, o

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27

volume do líquido amniótico é normal. Porém, antes de pensar neste diagnóstico,

deve-se pesquisar a possibilidade de o rim ser ectópico.

IMPORTANTE:

Em função da dificuldade da identificação de um rim ectópico, o uso da RM se faz

necessário.

2- HIDRONEFROSE

A hidronefrose se caracteriza pela dilatação dos cálices e da pelve renal,

podendo ser obstrutiva ou não. Está presente em 1 a 5 casos por 1.000

nascimentos. Ela responde por 75% das anormalidades renais fetais

diagnosticadas intra-útero 5.

IMPORTANTE:

Quando a causa da ureteroidronefrose for obstrutiva, devemos pensar:

- estenose de junção ureterovesical.

- ureterocele.

- ectopia ureteral.

- megaureter não obstrutivo e não refluxo.

3- VÁLVULA DE URETRA POSTERIOR

Consiste na hipertrofia de valvas semelhantes a membrana, localizadas na

uretra posterior de fetos do sexo masculino, condicionando graus variados de

obstrução uretral. Existe uma associação de 20% com anomalias cromossômicas,

Page 28: RESSONÂNCIA NUCLEAR MAGNÉTICA FETAL

28

principalmente trissomias 13, 18 e 21. Nos casos graves a oligoidramnia acentuada

está presente, levando ao aparecimento de uma hipoplasia pulmonar secundária.

4- RIM MULTICÍSTICO DISPLÁSICO (RMD)

Displasia renal decorrente de uma obstrução completa na topografia da

pelve renal ou ureter proximal, antes da 10ª semana de gestação. É a segunda

massa abdominal mais freqüente encontrada no feto depois da hidronefrose. O rim

torna-se não funcionante, sendo composto por cistos não comunicantes, de

dimensões variadas, não se individualizando o parênquima renal. É unilateral em

95% dos casos, e quando bilateral é incompatível com a vida.

5- DOENÇA RENAL POLICÍSTICA RECESSIVA (DRPR)

A doença renal policística tem uma herança autossômica recessiva com

manifestação precoce, ainda intra-útero, ou herança autossômica dominante,

manifestando-se tardiamente na segunda ou terceira década de vida e, em

raríssimos casos, intra-útero.

6- SÍNDROME DE PRUNE-BELLY (EAGLE-BARRETT)

Patologia de causa incerta que consiste na tríade de distensão da parede

abdominal com deficiência da musculatura da parede abdominal, obstrução do trato

urinário e criptorquidia. Uma oligoidramnia importante está quase sempre presente.

O prognóstico está em função da gravidade da distensão urinária e na

oligoidramnia como causa de hipoplasia pulmonar.

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PRINCIPAIS TUMORES

TERATOMA SACROCOCCÍGEO

O teratoma sacrococcígeo é o tumor mais comum o feto (1 em 40.000

crianças). Predomínio no sexo feminino (75%). São tumores originários de qualquer

uma das três camadas germinativas (tecidos ectodérmicos, mesodérmicos e

endodérmicos). São classificados em quatro tipos (Tabela 8).

Tabela 8: Classificação do teratoma sacrococcígeo segundo a associação

americana de cirurgia pediátrica.

Tipo I tumor predominantemente externo, 47%

dos casos

Tipo II maior componente é fora do feto, com

extensão pré-sacral, 34% dos casos

Tipo III predominantemente interno com

pequeno componente externo – 9% dos

caso

Tipo IV desenvolvimento tumoral inteiramente

no interior da pelve fetal, 1% dos casos

IMPORTANTE:

• A RM pode ajudar no diagnóstico diferencial com meningocele,

principalmente quando seu maior componente for cístico.

• A RM facilita a avaliação de grandes tumores fetais, principalmente no

curso do terceiro trimestre. Ela oferece uma boa visão do tumor como um

todo devido ao seu grande campo de visualização, tornando possível a

identificação da relação entre lesão e tecidos adjacentes, além do grau de

sua extensão intra-pélvica e abdominal.

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30

CONCLUSÃO:

• A RM não substitui a USG, porém é um método complementar oferecendo

imagens adicionais da estrutura fetal.

• Pode ser usada na gestação (Nenhum efeito de radiação).

• Melhor acuidade diagnóstica com o aumento da idade gestacional.

• A imagem não é perturbada pela oligoidramnia obesidade materna ou

estática fetal.

LEITURA COMPLEMENTAR

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