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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO – UEMA
CENTRO DE CIÊNCIAS TECNOLÓGICAS - CCT
CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO
DEPARTARMENTO DE ARQUITETURA E URBANISMO
MARIAH ARAGÃO BARROS
ANTEPROJETO ARQUITETÔNICO DE ABRIGO PARA MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA EM SÃO LUÍS
São Luís
2015
1
MARIAH ARAGÃO BARROS
ANTEPROJETO ARQUITETÔNICO DE ABRIGO PARA MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA EM SÃO LUÍS
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado ao Curso de Arquitetura da
Universidade Estadual do Maranhão para
obtenção do título de Bacharel em
Arquitetura e Urbanismo.
Orientadora: Profª Msc. Andréa Duailibe
São Luís
2015
2
MARIAH ARAGÃO BARROS
ANTEPROJETO ARQUITETÔNICO DE ABRIGO PARA MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA EM SÃO LUÍS
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado ao Curso de Arquitetura da
Universidade Estadual do Maranhão para
obtenção do título de Bacharel em
Arquitetura e Urbanismo.
.
Aprovado em: / /
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________________
Profª Msc. Andréa Cristina Soares Cordeiro Duailibe (Orientadora)
Universidade Estadual do Maranhão
________________________________________________________
Profª Dr. Marluce Wall de Carvalho Venancio (Examinadora)
Universidade Estadual do Maranhão
________________________________________________________
Camila Salomão Duailibe Mendonça (Examinadora convidada)
Salomão Arquitetura e Design Ltda.
3
Barros, Mariah Aragão. Anteprojeto arquitetônico de abrigo para mulheres em situação de violência em São Luís. / Mariah Aragão Barros. - São Luís, 2015. 97 f.
Orientador (a): Profª Msc. Andréa Cristina Soares Cordeiro Duailibe
Monografia (Graduação) – Universidade Estadual do Maranhão, Curso de Arquitetura e Urbanismo, 2015. 1. Anteprojeto arquitetônico. 2. Casa de abrigo. 3. Violência doméstica. I. Título. CDU: 725.5
4
A Deus e a minha família
5
“Ninguém pode fazer com que você se
sinta inferior sem o seu consentimento.”
Eleanor Roosevelt
6
RESUMO
A violência doméstica pode ser considerada hoje um desafio mundial. Ocorre em
todos os países, nas mais diversas culturas e em qualquer camada social, sem
exceção. A principal resposta do Estado brasileiro para o abrigamento das vítimas é
o equipamento denominado Casa Abrigo. Esta tipologia consiste no acolhimento
exclusivo de mulheres em risco de vida. É um serviço público, de caráter sigiloso e
de acolhimento temporário (de 90 a 180 dias) da mulher e de seus filhos. Durante o
desenvolvimento deste trabalho, constatou-se que o caráter sigiloso do serviço é um
dos fatores que dificultam o investimento nessa área, criando uma modalidade de
“arquitetura itinerante”, em que a casa abrigo muda de localidade periodicamente.
Essa característica traz alguns prejuízos, como conflitos de territórios entre a área
institucional e doméstica da casa. Por esse motivo, estudou-se sobre a
institucionalização de pessoas, as relações de poder implícitas na arquitetura
institucional em oposição a configurações domésticas e a função da privacidade no
ambiente construído. Percebe-se que as mulheres abrigadas, em vez de receberem
ferramentas para seu empoderamento, acabam perdendo privacidade e autonomia
no período em que estão institucionalizadas. Embora essa seja a prática comum às
instituições tradicionais, entende-se que é possível evoluir para um modelo de
atendimento e arquitetura mais humano e participativo. O anteprojeto de abrigo para
mulheres em situação de violência é uma proposta arquitetônica em resposta à
demanda por abrigamento de qualidade em São Luís.
Palavras-chave: Violência doméstica, Abrigamento, Mulher, Institucionalização.
7
ABSTRACT
Domestic violence is currently considered a global challenge. It occurs in all
countries, all cultures and at every level of society without exception. The main
response of the Brazilian government's for sheltering the victims is a women’s shelter
called Casa Abrigo. This typology is exclusive to women whose lives are threatened.
It is a public, secret and temporary service for women and their children. During the
development of this project, it was noticed that the confidential nature of the service
is one of the factors that hinder investment in this area, which created a sort of
"itinerant architecture", once the institution changes location periodically. Moreover,
this feature is negative in some aspects, whereas creates conflict of institutional and
domestic territories in the building. Therefore, it was relevant to study
institutionalization of people, implicit relations of power in institutional architecture in
contrast to domestic settings, and the function of privacy in the built environment.
Ultimately, it was perceived that sheltered women, instead of receiving tools for
empowerment, lost their privacy and autonomy while they were institutionalized.
Although this is inherent to traditional institutions, it is understood the possibility of
improving and achieving a more human and participatory model of service and
architecture. The project of shelter for women in situation of domestic violence is an
architectural proposal in response to the demand in São Luis for quality and
adequate service.
Keywords: Domestic violence, Shelter, Woman, Institutionalization.
8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Fachada principal da Discovery House ............................................. 36
Figura 2 – Localização da Discovery House ...................................................... 37
Figura 3 – Diagrama de setores do andar térreo da Discovery House ........... 38
Figura 4 – Diagrama de setores dos andares superiores da Discovery
House ......................................................................................................
39
Figura 5 – Levantamento da Casa Abrigo do Tribunal de Justiça ................... 41
Figura 6 – Diagrama de setores da Casa Abrigo ............................................... 43
Figura 7 – Sala de atendimento da Casa Abrigo do Tribunal de Justiça ....... 44
Figura 8 – Dormitório coletivo para oito pessoas ............................................... 46
Figura 9 – Sala da equipe administrativa da Casa Abrigo do Tribunal de
Justiça .....................................................................................................
47
Figura 10 – Sala da supervisora da Casa Abrigo do Tribunal de Justiça ........ 47
Figura 11 – Cozinha da Casa Abrigo do Tribunal de Justiça .............................. 48
Figura 12 – Lavanderia da Casa Abrigo do Tribunal de Justiça ........................ 49
Figura 13 – Brinquedoteca da casa abrigo do tribunal de justiça ...................... 50
Figura 14 – Diagrama de mapeamento da opinião dos usuários em relação
aos setores da casa .............................................................................
52
Figura 15 – Diagrama de mapeamento de usuários e setores da casa em a
permanência é maior ............................................................................
54
Figura 16 – Fluxograma do abrigo para mulheres em situação de violência.... 59
Figura 17 – Diagrama de localização do terreno em relação ao bairro e à
São Luís .................................................................................................
61
Figura 18 – Mapa de localização do lote ................................................................ 61
Figura 19 – Vista da testada do lote acessado pela rua c do bairro:
Cohaserma ............................................................................................
62
Figura 20 Imagem da área verde próxima ao lote escolhido .......................... 62
Figura 21 Vista do interior do lote ........................................................................ 63
Figura 22 Maquete instrumental do partido arquitetônico ................................ 64
Figura 23 Maquete instrumental com a sobreposição dos setores do
projeto .....................................................................................................
64
9
Figura 24 – Diagrama de setores do abrigo para mulheres em situação de
violência ..................................................................................................
65
Figura 25 – Diagrama do setor de acesso e verificação de segurança ............ 66
Figura 26 – Fachada principal do abrigo, vista da entrada da garagem e de
serviço ..........................................................................................
67
Figura 27 – Diagrama do setor institucional ......................................................... 68
Figura 28 – Imagem da proposta de ambientação da sala da equipe técnica 69
Figura 29 – Imagem da proposta de ambientação da sala de atendimento .... 70
Figura 30 – Diagrama das áreas comuns e de convivência no térreo .............. 71
Figura 31 – Imagem da proposta de refeitório ................................................. 72
Figura 32 – Imagem da proposta de ambientação da varanda ....................... 72
Figura 33 – Diagrama da sala multiuso em palestras e terapia de grupo ........ 73
Figura 34 – Diagrama da sala multiuso em oficinas de artesanato e aula de
aeróbica ..................................................................................................
74
Figura 35 – Imagem da proposta de ambientação da sala multiuso para
oficinas .........................................................................................
74
Figura 36 – Imagem da proposta de ambientação da sala multiuso para
terapia em grupo ..........................................................................
75
Figura 37 – Diagrama de áreas comuns e de convivência no primeiro
pavimento ...............................................................................................
76
Figura 38 – Diagrama da área de serviço institucional ........................................ 77
Figura 39 – Diagrama da cozinha ........................................................................... 78
Figura 40 – Diagrama da área dos dormitórios coletivos .................................... 79
Figura 41 – Diagrama do banheiro coletivo ........................................................... 79
Figura 42 – Diagrama do dormitório P.N.E. ........................................................... 80
Figura 43 – Diagrama de territorialidade ................................................................ 82
10
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ………………………….………………………………. 12
2 ABRIGAMENTO DE MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA 14
2.1 Instrumentos de enfrentamento à violência contra mulheres no Brasil …….................................................................................…....
14
2.2 Termo de Referência: o enfrentamento da violência contra as mulheres …...............................................................................……
17
2.3 O atendimento de mulheres em situação de violência em São Luís-MA ……......................................................................................
19
2.4 A Casa Abrigo ……............................................................................ 21
3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ………………………….…….……… 23
3.1 Instituição e Casa …….……………………………………………..… 23
3.2 Privacidade ………………………………………………………..…… 27
4 ESTUDOS DE CASO …….……………………………………………. 30
4.1 Discovery House, Calgary, Canadá …….………………………..… 30
4.1.1 O panorama da violência doméstica contra mulher no Canadá …..... 31
4.1.2 Os programas de abrigamento da Discovery House …….............… 33
4.1.3 Reflexões sobre a visita à Discovery House ……............................. 35
4.2 Casa Abrigo do Tribunal de Justiça do Maranhão …….….........… 39
4.2.1 Levantamento da arquitetura existente e considerações preliminares 39
4.2.2 Percurso Exploratório …………………………………………..……… 41
4.2.3 Resultado de entrevistas e questionários check list ….....….........… 49
4.2.4 Diagnóstico …….………………………………………………………… 53
5 ANTEPROJETO ARQUITETÔNICO …….…………………………… 55
5.1 Programa de necessidades …………………………………….…… 55
5.2 Localização e pré-análise do terreno ……...............................…… 59
5.3 Conceito e partido arquitetônico …….….....................................… 62
5.4 Setores do projeto …….……............................................................. 65
5.4.1 Acesso e verificação de segurança ……......................................…… 66
5.4.2 Setor Institucional …….................................................................…… 68
11
5.4.3 Áreas comuns e de convivência …….…..........................................… 70
5.4.4 Setor de serviço …….……………………………………………..……… 77
5.4.5 Área dos dormitórios ……………………………………………………... 78
5.5 Análises finais …………………………………………………………… 81
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS …….…………………………………..… 84
REFERÊNCIAS ………………………………………………………… 86
APÊNDICES …….………………………………………………….….… 89
12
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho monográfico tem como objetivo a elaboração de
anteprojeto arquitetônico de um abrigo para o atendimento de mulheres em situação
de violência doméstica e familiar em São Luís do Maranhão. O trabalho foi desenvolvido em quatro etapas, que mais adiante foram
convertidas em capítulos, a fim de contemplar os objetivos específicos planejados.
Primeiramente, levantou-se dados demográficos junto aos órgãos que
prestam serviço a mulheres em situação de violência, com ênfase em São Luís do
Maranhão. Em paralelo, estudou-se sobre as políticas públicas e instrumentos
disponíveis para a garantia dos direitos e assistência às vítimas.
A segunda fase consistiu em verificar a estrutura de atendimento
existente, especificamente a tipologia de abrigamento casa abrigo. A Casa Abrigo do
Tribunal de Justiça do Maranhão, em São Luís, é apresentada como um dos estudos
de caso, juntamente com o abrigo Discovery House, em Calgary, no Canadá.
A oportunidade de conhecer a realidade canadense, no que diz respeito à
assistência a vítimas de violência doméstica, foi importante para definição do objeto
desta monografia.
Durante o intercâmbio acadêmico Ciências sem Fronteiras1, houve a
oportunidade de participar de um exercício projetual sensível aos desafios
enfrentados por mulheres e seus filhos em estabelecer um lar saudável e estável,
enquanto superam um passado de violência.
Essa experiência motivou diversos questionamentos, tais como: qual o
panorama brasileiro, quais são os desafios das mulheres vítimas de agressões que
buscam romper com essa situação, o que lhes é oferecido, e, principalmente, qual é
o papel da arquitetura na solução desse problema.
O estudo de caso da unidade de casa abrigo em São Luís consistiu na
investigação do ambiente construído, a partir de uma abordagem qualitativa da
edificação. A aplicação de questionário com usuários da instituição e equipe técnica,
bem como entrevistas com a psicóloga e supervisora do órgão e o levantamento
arquitetônico da casa foram os métodos empregados no processo da pesquisa.
1 Realizado na University of Calgary, em Calgary, Canadá, entre janeiro de 2013 e abril de 2014.
13
A terceira fase contemplou o estudo de referenciais teóricos que
nortearam as reflexões acerca do produto arquitetônico, no sentido de criar um
abrigo que proporcione um atendimento humanizado e de qualidade. Estudou-se
temas atribuídos a outras disciplinas, como a psicologia, mas profundamente
relacionados à arquitetura.
Compreender a dinâmica e características de espaços institucionais e
espaços domésticos foi de grande relevância. Por um lado, o abrigo é uma
instituição mantida por órgão público, com objetivo de prestar assistência
especializada a uma clientela específica. Por outro, é a opção de moradia, mesmo
que por período limitado, de indivíduos em uma época fragilizada de suas vidas.
Entender aspectos da privacidade, territorialidade e espaço pessoal, e
como esses se manifestam no ambiente construído também é fundamental para
essa tipologia de projeto. Nesse contexto, o trabalho expõe as teorias de Irwin
Altman e Alan Westin relacionadas a privacidade, que embasaram decisões de
projeto para o abrigo.
Por fim, a quarta etapa é composta pela elaboração da proposta de
anteprojeto arquitetônico de abrigo para mulheres em situação de violência.
Reservou-se um capítulo para comentários acerca do processo criativo e projetual,
seguido da apresentação das pranchas de desenho técnico. Portanto, este trabalho monográfico é composto por quatro capítulos,
além da introdução e das considerações finais. O primeiro capítulo é referente à
compilação de informações sobre o panorama do atendimento a mulheres em
situação de violência em São Luís.
O segundo capítulo é dedicado ao referencial teórico, em que são
abordados os temas: privacidade, territorialidade, institucionalização e confinamento,
a partir do estudo das teorias e estudos de Julia W. Robinson, Irwin Altman e Alan F.
Westin. O terceiro capítulo é a exposição dos estudos de caso da Discovery House,
em Calgary, e da Casa Abrigo do Tribunal de Justiça do Maranhão, em São Luís.
O quarto capítulo é dedicado à apresentação do anteprojeto arquitetônico,
em que o processo de desenvolvimento do programa de necessidades, escolha de
terreno e decisões projetuais são expostos detalhadamente.
14
Nas considerações finais são compiladas as reflexões sobre os desafios
acerca do abrigamento de mulheres em situação de violência e as potencialidades
para a arquitetura como ferramenta no enfrentamento da violência doméstica.
15
2 ABRIGAMENTO DE MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA
A violência doméstica pode ser considerada hoje um desafio mundial. Ela
ocorre em todos os países, nas mais diversas culturas e em qualquer camada social,
sem exceção. Embora mulheres apresentem comportamento violento contra seus
parceiros e a violência esteja presente entre casais de mesmo sexo, a maioria dos
casos registrados ainda acontece contra mulheres pelas mãos do homem.
O problema tem raízes antigas e perpetuou-se pela cultura patriarcal, em
que se aceita apenas o homem como provedor da família e, portanto, detentor de
todas as decisões e do poder absoluto na casa. Neste contexto, o que se percebe é
que o homem se relaciona com sua esposa como se esta fosse sua propriedade.
Os abusos não se limitam a agressões físicas, estando sempre
acompanhadas de outras modalidades de violência, tais como agressões morais,
sexuais e psicológicas. É comum, nesses casos, impor à mulher a condição de
vulnerabilidade emocional, a partir da qual ela se submete aos contínuos ataques
devido ao medo de perder a família, a casa e até a vida.
Com o advento da Lei Maria da Penha nº 11.340/2006, diversos
mecanismos e instrumentos foram instituídos para a proteção da mulher, desde a
prevenção da violência doméstica e familiar contra mulher, a punição de seus
agressores, à oferta de medidas protetivas que visam impedir a reincidência dos
casos. As medidas protetivas são necessárias para garantir a integridade física e
psicológica da mulher, podendo incluir o abrigamento.
2.1 Instrumentos de enfrentamento à violência contra mulheres no Brasil
Na última década, muitos avanços foram conquistados no combate à
violência contra a mulher. Em janeiro de 2003, foi criada a Secretaria Especial de
Políticas para Mulheres (SPM). Por meio desta, foram possíveis a implementação de
novos serviços, como Centros de Referência e Defensoria da Mulher, e a construção
de Redes de Atendimento para mulheres em situação de violência.
No ano seguinte, aconteceu a I Conferência Nacional de Políticas para
Mulheres e a elaboração do Plano Nacional de Políticas para Mulheres. A Política
16
Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres2 é resultado dos esforços
em consolidar um eixo de ações para o enfrentamento da violência contra a mulher,
assim como para a prestação de assistência e garantia dos seus direitos conforme
normas e instrumentos internacionais de direitos humanos e legislação nacional.
O alicerce da Política Nacional está no enfrentamento contra a violência
de gênero, e por isso, esta é uma questão que permeia os objetivos e planos de
ação dos quatro eixos estruturais.
O termo violência de gênero é caracterizado, de uma maneira geral, pela
desigualdade entre gêneros, sendo ‘gênero’ uma construção social do masculino e
do feminino, de modo que um mantém posição dominante e intimidadora sobre o
outro. É necessário reconhecer que o enfrentamento da violência de gênero só pode
ser alcançado por meio de profundas mudanças culturais, educativas e sociais, e
que as dimensões de raça/etnia, de geração e de classe contribuem para sua
exacerbação.
A concepção de enfrentamento também é um ponto importante da Política
Nacional, uma vez que definido como a “implementação de políticas amplas e
articuladas, que procurem dar conta da complexidade da violência contra as
mulheres em todas as suas expressões”. Faz-se necessária uma estratégia holística
para uma ação conjunta de diferentes serviços, que englobem a saúde, segurança
pública, justiça e assistência social, por exemplo.
A Política Nacional está estruturada em quatro eixos para o
enfrentamento à violência, sendo estes: prevenção, combate, assistência e garantia
de direitos. A prevenção deve ser incentivada por ações educativas e culturais que
interfiram nos padrões sexistas. O combate é feito por ações punitivas e no
cumprimento da Lei Maria da Penha. A assistência é realizada pela Rede de
Atendimento e a capacitação de agentes públicos. E a garantia de direitos constitui-
se no cumprimento da legislação nacional/internacional e iniciativas para o
empoderamento das mulheres.
Em 2006, com o advento da Lei Federal nº. 11.340/2006, conhecida como
Lei Maria da Penha, diversos mecanismos e instrumentos foram instituídos para a
proteção da mulher, desde a prevenção da violência doméstica e familiar contra
2 MULHERES, Secretaria de Políticas para. A Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2012/08/Politica-Nacional.pdf > Acessado em: 25 de set. de 2014.
17
mulher, a punição de seus agressores, à oferta de medidas protetivas que visam
impedir a reincidência dos casos. Este foi um passo importante, não só pela
criminalização da violência contra a mulher, mas pelo caráter integral da lei, que
reforça medidas de prevenção e educação contra a prática.
O Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência Contra a Mulher3 foi
lançado em agosto de 2007, como parte da Agenda Social do Governo Federal.
Consiste em um acordo federativo entre o governo federal, os governos dos estados
e dos municípios brasileiros para o planejamento de ações que consolidassem a
Política Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres por meio da
implementação de políticas públicas integradas em todo território nacional.
De acordo com o portal da Secretaria de Políticas para as Mulheres, o
Maranhão aderiu ao Pacto no dia 08 de julho de 20084. Foram estabelecidos 11
municípios polos, entre eles: São Luís, Imperatriz, Caxias e Balsas.
Quatro anos após a sua implementação, o Pacto Nacional foi atualizado
para ajustar-se às transformações sociais que se iniciavam. Cinco novos eixos
estruturantes foram estabelecidos: 1) Garantia da aplicabilidade da Lei Maria da
Penha; 2) Ampliação e fortalecimento da rede de serviços para mulheres em
situação de violência; 3) Garantia da segurança cidadã e acesso à Justiça; 4)
Garantia dos direitos sexuais e reprodutivos, enfrentamento à exploração sexual e
ao tráfico de mulheres; e 5) Garantia da autonomia das mulheres em situação de
violência e ampliação de seus direitos.
O texto do Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência Contra a
Mulher traz detalhadamente as ações necessárias para a concretização dos
objetivos estruturais. As orientações reiteram a necessidade da atuação conjunta
das mais diversas instâncias do poder público em sintonia com a sociedade.
É importante perceber a interdependência dinâmica e contínua entre
estes agentes. Se por um lado é dever do poder público oferecer meios e
instrumentos para combater a violência de gênero, as medidas só serão eficazes
quando a sociedade assimilar que todos os tipos de violência são inaceitáveis. É um
3 MULHERES, Secretaria de Políticas para. Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra a Mulher. Disponível em: < https://www.spm.gov.br/assuntos/violencia/pacto-nacional > Acessado em: 25 de set. de 2014. 4 MULHERES, Secretaria de Políticas para. Maranhão Disponível em <https://www.spm.gov.br/assuntos/violencia/pacto-nacional/estados/maranhao> Acessado em 28 de set. de 2014.
18
processo lento de reforma cultural. Por outro lado, a sociedade é responsável por
monitorar e exigir melhorias no sistema que acolhe as mulheres em situação de
violência, a fim de capacitá-las para reestabelecer sua dignidade e autonomia.
2.2 Termo de Referência: o enfrentamento da violência contra as mulheres
O Termo de Referência5 é o documento que norteia a política pública para
o enfrentamento do problema, a partir do qual é possível o financiamento da
ampliação e consolidação da rede de serviços especializados de atendimento às
mulheres em situação de violência, bem como da capacitação de profissionais dos
serviços especializados e da Rede de Atendimento.
A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres apoia ações voltadas
para a construção, reforma e reaparelhamento de serviços especializados de
atendimento à mulher em situação de violência, mais especificamente dos Centros
de Referência, Defensorias Públicas de Atendimento à Mulher e Casas Abrigo.
De acordo com o documento, as “Casas Abrigo são locais seguros que
oferecem abrigo protegido e atendimento integral a mulheres em situação violência
doméstica sob risco de morte iminente”. A instituição visa atender exclusivamente
mulheres em situação de violência doméstica.
O Termo de Referência estabelece os objetivos do trabalho a ser
desenvolvido, as ações programáticas, as estratégias de ação e metodologia, e o
padrão mínimo de recursos humanos e materiais para a implementação da Casa
Abrigo.
Entre as premissas trazidas no texto, vale ressaltar que “não basta
proporcionar meios de sobrevivência para que ocorra o rompimento da relação
violenta, há que se trabalhar para o empoderamento e resgate da autoestima das
mulheres abrigadas”.
Nesse sentido, deve se reconhecer a necessidade de uma equipe
multidisciplinar sensível à situação delicada de que cada mulher, assim como a
existência de estrutura física que forneça condições para prestação de serviço de
qualidade.
5 MULHERES, Secretaria Especial de Políticas para. Termo de Referência: Enfrentamento à violência contra mulheres. Disponível em: <http://www.spm.gov.br/assuntos/ouvidoria-da-mulher/pacto-nacional/tr-enfrentamento-da-violencia-contra-a-mulher.pdf> Acessado em: 29 de set. de 2014
19
Para que o atendimento integral e interdisciplinar, em especial nas áreas
psicológica, social e jurídica, seja realizado de maneira eficaz, é necessário
proporcionar ambiente e atividades propícias para que as mulheres possam exercitar
sua autonomia e recuperar sua autoestima.
As ações programáticas apresentam a necessidade de investimento não
apenas em estratégias de acesso a programas sociais do governo, mas também na
educação e capacitação das clientes em atendimento.
As atividades pedagógicas, lúdicas e esportivas têm papel fundamental
no restabelecimento da saúde física e mental dessas famílias. Programas que visam
a inserção das mulheres no mercado de trabalho colaboram para a ruptura dos laços
de dependência com o agressor. Essas iniciativas devem ser observadas e
estimuladas na rotina de serviço da instituição.
A segurança e o sigilo são pontos de enfoque na implantação da Casa
Abrigo, constituindo cláusula de convênio. É estabelecido que a localização da casa
deve ser preservada para garantir a integridade física das mulheres e crianças
abrigadas. Além disso, é necessária a presença de vigilância em tempo integral.
Em termos de recursos humanos, é requerida a constituição de uma
equipe interdisciplinar capacitada e comprometida com estratégias de abordagem e
acolhimento humanizados. O quadro mínimo de profissionais necessários inclui a
coordenadora do serviço, psicóloga, assistente social, pedagoga ou profissional da
área de educação infantil. A presença de uma equipe de apoio técnico e de apoio
operacional também é de extrema importância para a manutenção do serviço e da
casa.
O Termo solicita imóvel para a implantação do abrigo com dimensões
adequadas de 10 m² por pessoa, conforme normas da Associação Brasileira de
Normas Técnicas (ABNT).
O programa arquitetônico deve contemplar espaço para dormitórios,
ambientes de convivência coletiva, refeitório e cozinha coletiva, espaço adequado
para a equipe técnica e administrativa, áreas internas e externas para recreação das
crianças, local adequado ao atendimento de primeiros socorros, guarda de
medicamentos e outras ações de profilaxia em saúde, espaço para lavanderia
coletiva e dependências sanitárias compatíveis com o número de pessoas
abrigadas.
20
São requeridas a adequação da estrutura do imóvel aos portadores de
necessidades especiais, garantindo a acessibilidade, e a oferta de infraestrutura
administrativa de comunicação e de transporte.
2.3 O atendimento de mulheres em situação de violência em São Luís-MA
A Rede Amiga da Mulher foi criada oficialmente em São Luís no dia 19 de
março de 2003 com o objetivo de articular e monitorar políticas, programas e
serviços para o atendimento integral às mulheres em situação de violência.6
Um total de quatorze entidades, sendo nove organizações
governamentais e cinco não governamentais, foram reunidas para a fundação do
órgão. Hoje, cerca de vinte e seis instituições compõem a rede. Destas, dezoito são
vinculadas com o poder executivo.
Dentre as instituições vinculadas à Rede Amiga da Mulher, é importante
destacar a participação da Delegacia Especial da Mulher (DEM), a Secretaria de
Estado da Mulher (SEMU), a Secretaria Municipal de Educação (SEMED), a
Secretaria Municipal de Saúde (SEMUS), a Coordenadoria Municipal da Mulher
(CMM), o Centro de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência,
a Defensoria Pública, a I Vara Especial de Violência Doméstica contra a Mulher e a
Casa Abrigo.7
Como prevêem o Pacto e a Política Nacional de Enfrentamento à
Violência contra Mulheres, o equipamento de uma rede articulada é imprescindível.
Desta forma, os encaminhamentos e serviços adequados são colocados à
disposição de quem precisa no momento certo. Além disso, a multidisciplinaridade
dos agentes envolvidos permite uma atuação abrangente da complexidade do
problema, de modo a trata-lo sob diferentes perspectivas.
Pode-se citar como exemplo o Centro de Referência de Atendimento à
Mulher em Situação de Violência, vinculado à Coordenadoria Municipal da Mulher
que faz parte da Secretaria de Governo de São Luís. Este órgão funciona como
porta de entrada especializada para mulheres que precisam de diagnósticos
6 REDE AMIGA DA MULHER. A Rede. Disponível em: <http://redeamigadamulher.wordpress.com/> Acessado em: 9 de dez. de 2014 7 REDE AMIGA DA MULHER. Organizações amigas da Mulher. Disponível em: <http://redeamigadamulher.wordpress.com/organizacoes-amigas-da-mulher/> Acessado em: 9 de dez. de 2014
21
preliminares da situação de violência, oferece atendimento psicossocial e jurídico e
faz encaminhamentos à rede de serviços públicos em funcionamento na capital.
Estas entidades estão preparadas para atuar em todos os eixos de
enfrentamento, desde a prevenção e combate à violência, até a garantia da
assistência social e dos direitos humanos das mulheres em situação de violência.
No entanto, os índices de violência contra mulher provam que ainda há
muito trabalho a ser feito. A DEM registra uma média de quinze denúncias por dia
em São Luís, as quais podem gerar inquéritos, processos ou apenas boletins de
ocorrência.
Em 2013, a DEM registrou 5.365 denúncias e requereu junto à Vara da
Mulher cerca de 1.300 medidas protetivas.8 Até novembro de 2014, foram
registradas 4.786 denúncias.9 As principais ocorrências são casos de ameaça,
injúria e lesão corporal.
De acordo com o Mapa da Violência de 201210, o Maranhão ocupa a 24ª
posição, com a taxa de 3,5 homicídios por cada 100 mil mulheres. Todavia, quando
comparadas as capitais brasileiras, São Luís aparece em 12º lugar, com um índice
maior que o estado, 6,3 mulheres para cada 100 mil. O mesmo estudo traz o Brasil
em 4ª posição quando comparado a outros países.
Não é possível traçar um perfil das mulheres vítimas de violência
doméstica em São Luís, haja vista que é um problema que atinge mulheres de
diversos contextos socioeconômicos. Todavia, os dados coletados a partir de
processos e denúncias da Vara Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a
Mulher de São Luís revelam que existe uma tendência.
Em 2013 a faixa etária predominante das mulheres requerentes de
medidas protetivas foi de 26 a 34 anos (39%), em sua maioria, solteiras (63%). Elas
foram agredidas principalmente pelos companheiros (20%) ou ex-companheiros
8 PORTAL DO PODER JUDICIÁRIO. Lei Maria da Penha completa 8 anos e se consolida como ferramenta de combate à violência doméstica. Disponível em: <http://www.tjma.jus.br/cgj/visualiza/sessao/50/publicacao/406206> Acessado em: 8 de dez. de 2014 9 CAMPANHA CHAMA ATENÇÃO PARA A PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. O Estado do Maranhão, São Luís, 26 de nov. de 2014. Cidades, p.1. 10 WAISELFISZ, J.J. Mapa da Violência. Atualização: homicídios de mulheres no Brasil. Disponível em: <http://www.mapadaviolencia.org.br/mapa2012_mulheres.php> Acessado em: 11 de dez. de 2014
22
(41%) dentro de casa (63%) e viveram em situação de violência por um período
entre um a cinco anos (29%).11
Sara Gama, juíza da Vara Especializada de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher, enfatiza que: “a violência contra a mulher está em todos os lares, ricos ou pobres, mas é preciso uma atenção especial aos casos que envolvem mulheres de baixa renda e escolaridade e sem formação profissional. Geralmente essas mulheres não são provedoras de suas famílias, e sim o companheiro agressor, e isso causa uma dependência financeira dela em relação ao agressor, e muitas vezes ela acaba convivendo com essa situação de violência para não ver os filhos passando fome, por exemplo.”12
Ressalta-se que o fato da maioria das mulheres denunciarem os abusos
no início do relacionamento prova que a Lei Maria da Penha tem trazido bons
resultados no enfrentamento à violência doméstica. Principalmente no tocante ao
acesso a informação e divulgação dos direitos das mulheres em situação de
violência e os instrumentos disponíveis para garanti-los.
2.4 A Casa Abrigo
As Diretrizes Nacionais para o Abrigamento de Mulheres em Situação de
Risco e de Violência13 constituem um documento da Secretaria de Políticas para
Mulheres (SPM) que norteia o fluxo de atendimento na rede de serviços e o
abrigamento de mulheres em condições de violência, de modo a cumprir a Lei Maria
da Penha (Lei nº 11.340/2006), a Política e o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à
Violência contra as mulheres.
A Lei Maria da Penha estabelece que medidas protetivas devem ser
oferecidas às vítimas de abusos, no sentido de afasta-la do convívio com seu
agressor e garantir a sua integridade física. De acordo com a Secretaria de Políticas
11 MULHER, Vara Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a. Violência doméstica contra a mulher: dados estatísticos da Vara Especializada da Comarca de São Luís. Março, 2014. Disponível em: <http://gerenciador.tjma.jus.br/app/webroot/files/publicacao/404858/pesquisa_2013_-_vara_da_mulher_de_soo_luos_13032014_1144.pdf> Acessado em: 15 de out. de 2014 12 PORTAL DO PODER JUDICIÁRIO. Lei Maria da Penha completa 8 anos e se consolida como ferramenta de combate à violência doméstica. Disponível em: <http://www.tjma.jus.br/cgj/visualiza/sessao/50/publicacao/406206> Acessado em: 8 de dez. de 2014 13 MULHERES, Secretaria de Políticas para. Diretrizes Nacionais para o Abrigamento de Mulheres em Situação de Risco e de Violência. Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2013/01/SPM2011_DiretrizesAbrigamentoMulheresSituacaoRiscoeViolencia.pdf> Acessado em: 12 de out. de 2014
23
para Mulheres, a principal resposta do Estado é o equipamento denominado Casa-
Abrigo.
A Casa Abrigo consiste numa tipologia de abrigamento exclusiva a
mulheres em risco de vida. É um serviço público, de caráter sigiloso e de
acolhimento temporário (de 90 a 180 dias) da mulher e de seus filhos. As clientes
chegam ao abrigo por meio de encaminhamento e dentro da instituição recebem a
atenção de diversos profissionais que prestam assistência médica, jurídica e
psicológica. O objetivo da ação é incentivar a mulher em situação vulnerável a
buscar sua autonomia e a reestabelecer sua vida, de modo que ela não precise mais
se submeter a nenhum tipo de abuso doméstico no futuro.
O primeiro abrigo destinado a acolher mulheres em situação de risco foi o
Comvida – Centro de Convivência para Mulheres Vítimas de Violência Doméstica,
fundada em 1986 no Estado de São Paulo, pela Secretaria da Segurança Pública.
Atualmente existem cerca de setenta Casas-Abrigo no Brasil.14
A prioridade do serviço é a garantia da integridade física das mulheres
abrigadas, visto que estas sofreram atentados e/ou ameaças contra suas vidas.
Neste sentido, o sigilo das informações acerca da localização e da comunicação
com a instituição inevitavelmente exigem um aparelhamento nômade. É quase
impossível adequar perfeitamente uma casa unifamiliar alugada às necessidades de
um abrigo.
Rocha, (citado em Falcão 2008), levantou as condições em que as casas
abrigo no Brasil estão instaladas e constatou que “mais da metade das casas não
tem imóvel próprio, 49% funcionam em espaços alugados e 7% em espaços
cedidos”. Além disso, apenas onze instituições possuem uma edificação projetada e
construída para a finalidade de abrigo. Um exemplo de casa abrigo funcionando em
imóvel próprio é a Casa Abrigo Mãe da Mata, localizada em Rio Branco, AC.
A estrutura de uma casa abrigo deve atender aos requisitos do Termo de
Referência, oferecendo espaços para dormitórios, áreas sociais para convivência e
desempenho de atividades, bem como espaços para uso da equipe técnica que
presta atendimento às mulheres abrigadas.
14 SILVEIRA, L. P. Serviços de atendimento a mulheres em situação de violência. 2008. Disponível em: <http://www.mpdft.mp.br/pdf/unidades/nucleos/pro_mulher/lenira.pdf> Acessado em: 30 de set. de 2014.
24
3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O modelo de abrigamento oferecido por uma unidade de casa abrigo
concilia o uso institucional e o uso doméstico em um mesmo programa arquitetônico.
Por um lado, o abrigo é uma instituição, mantida pelo poder público, com objetivo de
prestar assistência especializada a uma clientela específica. Por outro, é a opção de
moradia, mesmo que por período limitado, de indivíduos em uma época fragilizada
de suas vidas.
Enquanto instituição, a Casa Abrigo precisa atender à requisitos e
normas. Para garantir o funcionamento eficiente, são necessários a setorização dos
espaços e o controle de acesso e segurança, por exemplo. Uma das peculiaridades
do serviço prestado é premissa do confinamento das mulheres abrigadas para
resguardar sua integridade física.
As vítimas ficam hospedadas por um período limitado e, devido à
impossibilidade de sair do edifício, este precisa atender suas necessidades básicas
além de garantir o conforto e privacidade.
Embora seja inconcebível proporcionar um produto arquitetônico
inteiramente personalizado para cada mulher, é importante considerar a
individualidade e a necessidade de espaço pessoal de cada uma delas.
A fim de construir a fundamentação teórica para o desenvolvimento do
anteprojeto arquitetônico, neste capítulo do trabalho investiga-se os temas
privacidade e institucionalização, aplicados no contexto da arquitetura.
3.1 Instituição e Casa
Compreender as características e a dinâmica dos espaços institucionais e
domésticos é pertinente para este trabalho, haja vista a natureza mista do serviço
em estudo. Para isso, buscou-se referência no trabalho desenvolvido por Julia W.
Robinson, professora da Universidade de Minnesota15, cuja tese de doutorado
“Architecture of Institution & Home: Architecture as Cultural Medium” é resultante da
pesquisa feita por 20 anos em instituições de longa permanência para idosos. No
15 Julia W. Robinson Disponível em: <http://arch.design.umn.edu/directory/robinsonj/> Acessado em: 12 de janeiro de 2015
25
texto, ela reflete sobre como a arquitetura é um meio de comunicação de cultura e
estereótipos, particularmente quando se aborda a dicotomia entre espaços
institucionais e espaços domésticos.
A autora estabelece contrastes entre os termos instituição e casa (home),
dentro do contexto da sociedade norte-americana. Sua análise se concentra em
quatro aspectos: 1 – controle do morador em oposição ao controle da organização; 2
– autonomia versus dependência; 3 – individualismo versus coletivo; e 4 – uso de
critérios subjetivos em oposição a critérios objetivos na tomada de decisões sobre o
ambiente construído.
Nesse sentido, Julia Robinson reconhece que existe a polaridade entre os
termos, no entanto, não é uma relação pura e rigorosa de oposição16. Ambas,
instituição e casa, possuem padrões que as distinguem, mas também, padrões que
as aproximam. Isto é devido, principalmente, à falta de uma representação
específica de instituição no imaginário coletivo, em oposição à casa, que assume
simbolicamente a forma da habitação unifamiliar tradicional (single family detached
vernacular house), embora o termo seja abrangente a outras tipologias de habitação,
como por exemplo apartamentos em uma edificação multifamiliar.
Em linhas gerais, de um lado há a instituição, uma organização
responsável por cuidar e dar assistência a um grupo dependente de pessoas, de
outro, temos a casa, em que o seu residente é responsável por si próprio em sua
comunidade. Enquanto o primeiro é representado por edificações monumentais, que
manifestam o poder da sociedade sobre o indivíduo, o segundo é representado pela
casa tradicional, que reflete a importância do indivíduo em relação ao grupo,
expressando sua identidade pessoal.
O primeiro aspecto de contraste é baseado em relações de poder e
controle. Na instituição tradicional, ou instituições totais (termo cunhado por
Goffman, citado em Robinson17), os moradores não são os proprietários e
mantenedores do prédio, na verdade, eles são clientes sob a custódia e supervisão
de uma organização que é completamente responsável por providenciar suas
16 ROBINSON, Julia. W. Architecture of Institution & Home: Architecture as Cultural Medium. 2004. Tese (Doutorado) - Delft University of Technology, Deft, 2004. p.209 Disponível em: <http://repository.tudelft.nl/assets/uuid:37b0e5d5-9906-4570-97a7-6ab1c7704a3e/arc_robinson_20040315.pdf > Acessado em: 30 de agosto de 2014 17 Ibid. p.62
26
necessidades básicas. Portanto, a edificação funciona principalmente como local de
trabalho para os funcionários do órgão.
Por outro lado, a casa é, geralmente, propriedade de seus moradores e
por isso são eles que a mantém. O objetivo principal é o de habitar, e mesmo em
uma dinâmica de coletividade, em que uma família vive junta na mesma residência,
cada indivíduo é independente e tem suas opiniões e preferências respeitadas.
A configuração da casa permite que seus residentes, inseridos numa
pequena comunidade de cerca de seis pessoas, tenham controle e poder
compartilhados. Já na instituição tradicional, o controle acompanha a estrutura
hierárquica do órgão no comando. Por este motivo, regras e normas são
estabelecidas para garantir a segurança e eficiência do serviço prestado a uma
grande comunidade que pode variar de quinze a milhares de pessoas.
O segundo aspecto é referente a autonomia. A habitação unifamiliar,
usualmente, possui uma fachada individualizada e única, o que manifesta a
independência de seus donos. Além disso, é comum cada morador possuir seu
próprio quarto, funcionando não só como um dormitório, mas também como área de
vivência em que ele pode expressar sua individualidade através de objetos e a
disposição dos móveis.
A dinâmica de habitar uma casa inclui atividades fora dela e a autonomia
em decidir sobre rotinas e horários de uso, por exemplo. A instituição, no entanto, é
a manifestação da dependência do indivíduo, que por diversas razões, é
subordinado aos cuidados e serviço de uma organização. Por este motivo, os
residentes da instituição precisam obedecer e submeter às decisões da entidade.
No contexto institucional, os interesses administrativos são privilegiados e
as decisões são estruturadas em benefício da coletividade, em vez do individual.
Essa característica é abordada no terceiro tipo de contraste.
Ainda no âmbito das instituições, as exigências da equipe de funcionários
são ainda mais relevantes do que as do grupo de residentes. Dessa forma, o meio
construído reflete a prioridade em diminuir de custos com manutenção e a
preocupação com higiene e segurança. O resultado é, normalmente, uma edificação
projetada para ser durável e que resiste a mudança.
A casa manifesta características opostas, uma vez que é projetava para
ser mais flexível nas relações de poder. Não existe uma ordem rígida e pré-
27
determinada, permitindo que seus moradores expressem sua identidade, tanto
enquanto individuais, como enquanto membros da família.
Outro ponto relevante é o fato da dinâmica da instituição tradicional
estimular o isolamento, principalmente como mecanismo de controle, enquanto na
configuração doméstica, acontece a combinação entre espaços que permitem o
isolamento e a integração entre seus residentes, possibilitando que seus residentes
tenham acesso a escolhas.
O quarto aspecto de contraste é referente a subjetividade ou objetividade
que orienta as decisões tomadas. Robinson explica que espaços burocráticos são
inapropriados para habitação, ressaltando os meios de despersonalização do
processo de tomada de decisão para resolver problemas práticos. Essa prática é
importante para não comprometer a imparcialidade do serviço prestado, evitando
favoritismo, nepotismo e qualquer tipo de arbitrariedade que favoreça um indivíduo
em detrimento de outro.
A autora acredita que as características das instituições produzem
padrões inadequados para habitação, especialmente no contexto da sociedade
ocidental, comprometida com a garantia da liberdade e a independência de seus
indivíduos. Estes padrões são reforçados pela configuração dos prédios que a
representam.
Robinson reflete ainda sobre as potencialidades para o futuro, em que se
observa a necessidade e a tendência da criação de novos formatos de instituições.
Dentre as questões que precisam ser observadas, ela ressalta: o tamanho das
edificações, em que escalas menores produzem melhores resultados em permitir
maior autonomia dos residentes e melhor custo-benefício do serviço; a valorização
da individualidade dos residentes, permitindo a manifestação da sua identidade
mesmo sendo parte de uma comunidade; e a minimização das qualidade
institucionais da edificação, que beneficiaria tanto a equipe de funcionários quando
os clientes e reduziria o estigma negativo vinculado à institucionalização.
28
3.2 Privacidade
O desejo pela privacidade é um aspecto da origem animal humana. Pode
ser pretendida por indivíduos, grupos ou instituições a fim de determinar a maneira
como a informação sobre eles pode ser disseminada aos demais.
De acordo com o teórico Alan Westin18, o anseio pela privacidade está
relacionado com o contínuo processo de adequação pessoal que o indivíduo se
propõe dentro vida social, com a frequente avaliação entre o desejo por privacidade
e a sua necessidade em se revelar. Sendo assim, a privacidade é um isolamento de
um indivíduo do resto da sociedade que ocorre de maneira voluntária e temporária e
que pode ser por meios físicos ou psicológicos.
Na natureza há momentos de isolamento individual com a utilização de
mecanismos para o distanciamento que possam definir um espaço territorial do
indivíduo no grupo. Não existem necessidades absolutas ou processos universais
pela privacidade que ajustem valores revelação, vigilância e privacidade no corpo
social. Por isso, toda sociedade deve ser analisada em suas particularidades com
enfoque em seus costumes sociais para identificação da presença de normas de
privacidade.
Tais normas são estabelecidas para cada uma das áreas básicas da vida
do indivíduo, grupo familiar e para a sociedade. O indivíduo demanda privacidade
em suas interações diárias para impor limites e manter grau de distanciamento.
Logo, as normas se diferenciam, mas as funções cumpridas pela privacidade são
vitais para cada parcela da sociedade.
O indivíduo está em um processo pessoal constante e por isso procura
privacidade em alguns momentos e apesar dos padrões culturais, esse processo se
ajusta em seus níveis mais tênues. Ele utiliza ‘reserva e restrição’ para criar um
campo de privacidade em suas relações sociais e proporcionar limites.
Para Westin, existe uma relação entre regimes políticos e privacidade.
Nas sociedades liberais o papel fundamental é a garantir a liberdade dos cidadãos
assegurando a privacidade, o que não significa que seja um direito absoluto, mas
uma responsabilidade social, legal e dos cidadãos.
18 WESTIN, Alan F. Privacy and Freedom. New York: Atheneum, 1967
29
O autor explica quatro condições necessárias para a privacidade
individual: solidão, quando o indivíduo é separado da livre observação do grupo
buscando paz mental; intimidade, em que há reclusão para relacionamento mais
próximo com um ou mais indivíduos; anonimato, em que o indivíduo público
consegue manter liberdade de identificação e observação sem ser reconhecido; e
reserva, a forma mais sutil de distanciamento para criar barreira que assegure a
privacidade.
O teórico também admite funções da privacidade individual agrupando-as
em quatro tópicos: autonomia pessoal, liberação emocional, auto avaliação e
comunicação pessoal protegida.
E por fim, o autor acredita que a privacidade não é uma situação de
autossuficiência, mas sim uma ferramenta para atingir objetivos de auto realização e
que cada pessoa deve moldar suas necessidades por solidão no contexto cultural
em que está inserido.
Já os estudos do Irwin Altman19 acerca do tema privacidade se dão
através de uma análise da relação do homem com ambiente, tratando conceitos de
privacidade, territorialidade, espaço pessoal e aglomeração (crowding), examinando
como as pessoas são influenciadas pelo ambiente em que se encontram durante
suas relações sociais cotidianas. Ele acredita que a privacidade é recurso pelo qual
cada indivíduo adota uma postura mais ou menos aberta em relação a outros, em
que seu espaço pessoal e sua conduta territorial são meios de promover limites
interpessoais. Em seguida, Altman relata a aglomeração como uma situação em que
os dispositivos de privacidade não conseguem agir adequadamente, pois existe
muito contato.
O autor propõe uma conexão entre comportamento e meio ambiente e
nesse sentido, define privacidade como um processo para controlar as barreiras
interpessoais pelas quais uma pessoa ou um grupo consegue conduzir suas
interações, estabelecendo controle sobre o acesso a si próprio ou ao grupo. Assim,
para ele privacidade requere uma interação de forças contrárias com diferentes
avaliações sobre abertura e fechamento para pessoas de fora que impulsionam
níveis de acessibilidade.
19 ALTMAN, Irwin. Environment and social behaviour: privacy, personal space, territory, crowding. Belmont: Wadsworth Publishing Company, 1975
30
Dessa maneira, existe um nível muito bom de acesso de si próprio aos
demais que pode sofrer desvios que o tornam insatisfatório. A privacidade desejada
(PD) é subjetiva e vem de um nível padrão de interação e a privacidade alcançada
(PA) é o nível real de contato resultante da interação com outras pessoas.
De acordo com Altman, a privacidade desempenha três funções. A
primeira seria o manejo e o controle da interação interpessoal para regular e definir
seus próprios limites e fronteiras. A segunda é a interface do próprio e do não-
próprio, que seria o uso da privacidade para auxiliar o processo de comparação
social, construindo padrões para interpretar as próprias relações e as dos outros
indivíduos, preocupando-se também com a natureza dos relacionamentos.
Por último, a terceira função da privacidade é a da auto-identidade. Esta
possui dois aspectos, a auto-observação e a auto-identidade. A auto-observação
consiste na avaliação de si mesmo, geralmente na ausência de outras pessoas, é
quando há revelação de comportamentos. Já a auto-identidade é o conhecimento da
pessoa quanto a que partes do mundo físico pertencem a ela e quais fazem parte de
outros. Para Altman, a auto-identidade é de suma importância para a existência
humana, pois, a interação com outras pessoas requer compreensão da própria
essência.
Os mecanismos de privacidade ajudam na definição pessoal e operam
como um sistema. Em alguns momentos pode ocorrer falha e é quando a
aglomeração age para controlar a fronteira. A regulação da privacidade é dinâmica e
sofre constantes ajustes que resultam em novos níveis de privacidade. A
territorialidade e o espaço pessoal são meios para se alcançar os objetivos da
privacidade e a aglomeração é um resultado do alcance de tais objetivos.
31
4 ESTUDOS DE CASO
Este capítulo tem como intuito contextualizar o objeto abrigo para
mulheres em situação de violência dentro de um universo de exemplos existentes.
Buscou-se estudar casos dentro e fora do país, mais precisamente no Canadá.
Durante o intercâmbio acadêmico Ciências sem Fronteiras, foi possível
conhecer o trabalho da Discovery House em Calgary, no Canadá, e visitar o abrigo
junto com a turma de Studio 2 da Universidade de Calgary. Essa experiência foi
importante para começar a entender a complexidade da violência doméstica e
reavaliar alguns preconceitos acerca do problema.
O objeto desta monografia surgiu a partir da necessidade de comparar o
que foi visto em Calgary com o panorama existente em São Luís, o tipo de serviço
prestado e como a arquitetura pode fazer parte da solução.
A fim de responder essas inquietações, visitou-se diversos órgãos e
instituições que prestam assistência a mulheres em contexto de violência, sendo
uma delas a Casa Abrigo do Tribunal de Justiça do Maranhão. Sua configuração
nômade, haja vista que o abrigo muda de sede a cada dois anos, foi um ponto chave
na investigação qualitativa do ambiente construído.
Assim, dois estudos de caso são apresentados a fim de compreender a
dinâmica dos aspectos materiais e imateriais presentes no produto arquitetônico
proposto por cada instituição.
4.1 Discovery House, Calgary, Canadá
Calgary é terceira cidade mais populosa do Canadá e a mais populosa da
província de Alberta, no oeste do país. Sua população ultrapassa a marca de um
milhão de habitantes e é atualmente um centro financeiro e comercial, onde estão
localizadas as sedes das principais empresas petrolíferas do Canadá.20
Discovery House Family Violence Prevention Society21 é uma instituição
situada em Calgary, no Canadá. Foi fundada em 1980 e trabalha com o
abrigamento, educação e apoio a reestruturação de famílias afetadas pela violência
20 The City of Calgary Disponível em: <http://www.calgary.ca/> Acessado em: 12 de out. de 2014 21 DISCOVERY HOUSE. Vison and History. Disponível em: <http://discoveryhouse.ca/about/vision-and-history/> Acessado em: 25 de set. de 2014
32
familiar. A instituição oferece diferentes tipos de programas, como o Residential
Program e o Community Housing Program.
4.1.1 O panorama da violência doméstica contra mulher no Canadá
A abordagem da violência contra a mulher no Canadá assume dimensão
de extrema gravidade. Enquanto esforços significativos têm sido empreendidos nas
últimas décadas, percebe-se que ainda há muito trabalho a ser feito para prevenir e
reagir ao problema.
Dados coletados de relatórios policias e de pesquisa com as vítimas de
abuso mostram que as mulheres são mais propensas a serem vítimas de alguns
tipos específicos de violência do que os homens, como a violência íntima praticada
pelo parceiro, formas graves de violência conjugal, violência sexual e perseguição.
A fim de compreender o cenário atual, o Centro Canadense de
Estatísticas da Justiça (Canadian Centre for Justice Statistics) lançou uma
compilação de pesquisas estatísticas entitulada Measuring violence against women:
Statistical trends22, em 2013. No entanto, relatos indicam que a incidência real de
atos de violência contra mulheres é subestimada, uma vez que grande parte dos
casos não é denunciada e não consta nos relatórios policiais.
Em linhas gerais, homens foram responsáveis por 83% dos casos de
violência contra mulher notificados pela polícia. Destes, o principal agressor foi o
parceiro íntimo da mulher (45%), seguido por conhecidos ou amigos (27%),
desconhecidos (16%) e outros membros da família (12%). Comparando-se com os
índices de crimes violentos contra homens, parceiros íntimos estão entre os autores
menos comuns (12%).
Em 2011, oito em cada dez vítimas de violência por parceiro íntimo eram
mulheres. No geral, havia cerca de 78 mil mulheres vítimas de violência por parceiro
íntimo, o que representa uma taxa de 542 vítimas por 100.000 mulheres com 15
anos ou mais. O mesmo índice para vítimas do sexo masculino foi de 139 vítimas
por 100.000 habitantes.23
22 CANADIAN CENTRE FOR JUSTICE STATISTICS. Juristat Article - Measuring violence against women: Statistical trends. Fevereiro, 2013. Disponível em: <http://www.statcan.gc.ca/pub/85-002-x/2013001/article/11766-eng.pdf> Acessado em: 14 de dez. de 2014 23 Ibid., p. 20
33
Os cinco crimes violentos mais comuns cometidos contra as mulheres
foram: agressão comum (49%), ameaças (13%), agressão grave (10%), agressão
sexual de nível I (7%), e perseguição (7%).24 Com a exceção da agressão sexual e
perseguição, estes também foram os delitos mais frequentes contra os homens. No
entanto, vale ressaltar a disparidade da ocorrência dos casos. As mulheres
estiveram onze vezes mais propensas que homens a serem vítimas de crimes
sexuais e três vezes mais chances de serem vítima de perseguição.
Entre 2001 e 2011, a polícia informou que cerca de seis em cada dez
casos de violência doméstica resultante em homicídio da mulher foram precedidos
por um histórico de violência familiar envolvendo a vítima e acusado.25
Além de buscar a intervenção policial, mulheres em situação de violência
doméstica recorrem a outros meios de ajuda e suporte para interromper o ciclo de
abusos e proteção das investidas de seus agressores.
Existem diferentes serviços de abrigamento disponíveis para vítimas de
violência em todo o país, inclusive categorias especializadas em atender mulheres e
seus filhos.
Em 18 de abril de 2012, o Transition Home Survey (THS)26 identificou 601
abrigos para mulheres maltratadas que operam em todo o Canadá. Nessa data,
havia 4.566 mulheres e 3.570 crianças residindo em abrigos. Cerca de três quartos
dessas mulheres estavam usando o serviço para escapar de abusos.
Deste montante de mulheres e crianças atendidas, 34% estavam
instaladas em casas de transição (transition homes), 25% em uma modalidade de
abrigo chamada second stage housing, 22% em abrigos de emergência (emergency
shelters) e 13% em abrigo de emergência para mulheres (women's emergency
shelters). Os 5% restantes foram encaminhadas para outros tipos de instalações de
moradia provisória.
Na época da pesquisa, cerca de um terço das mulheres abrigadas
estavam em condição de reincidentes na procura por abrigamento. A maior taxa de
retorno foi relatada por abrigos de emergência, em que 49% da clientela já havia
sido atendida anteriormente pela instituição em que estavam hospedadas.
24 Ibid., p. 8 25 Ibid., p. 24 26 GOVERNMENT OF CANADA. Shelters for abused women, 2012 Disponível em: <http://www.statcan.gc.ca/daily-quotidien/140227/dq140227d-eng.pdf> Acessado em: 14 de dez. de 2014
34
A procura por programas de abrigamento é motivada por diversas razões.
A pesquisa do THS aponta que, em média, cada mulher relatou cinco razões
distintas para a procura de abrigo. A maioria das mulheres citou abuso emocional
(68%) e agressão física (52%). A maioria (68%) das mulheres que relataram sofrer
abuso identificou o atual companheiro íntimo como seu agressor. Os outros 17%
apontaram seus ex-companheiros como agressores.
Na província de Alberta, entre abril de 2013 e março de 2014, 5.379
mulheres e 5.230 crianças haviam sido admitidas em abrigos de emergência.27
Todavia, nem todas as pessoas que procuraram ajuda puderam ser atendidas. O
índice de mulheres e crianças recusadas é constantemente alto e vem aumentando
gradativamente cada ano. Isso reflete que a demanda não está sendo acompanhada
pela capacidade de acolhimento em toda a província.
Além disso, o tempo de permanência das mulheres abrigadas em abrigos
emergenciais está aumentando, principalmente devido à falta de instituições (second
stage shelters) que possam complementar no processo de reinserção das vítimas na
comunidade e à pouca oferta de opções de moradia financeiramente acessível.
Por fim, um dado relevante da pesquisa indicou que cerca da metade dos
clientes de abrigamento foram crianças. Para atender esse público é necessário
investir na formação uma equipe técnica especializada, capaz de prestar auxílio às
crianças vítimas ou que presenciaram casos de violência familiar.
4.1.2 Os programas de abrigamento da Discovery House
Quando a Calgary Family Support Society inaugurou a Discovery House
em 1980, esta foi a primeira casa de abrigamento para mulheres vítimas de abusos
em Calgary, e uma das primeiras instituições do tipo no Canadá. As primeiras
instalações foram feitas em um prédio antigo com apenas sete unidades mobiliadas
e equipadas.
Com o apoio de doações e investimento público e privado, em 2004 foi
possível abrir uma nova sede. A campanha para angariar 6,5 milhões de dólares
27 ALBERTA COUNCIL OF WOMEN’S SHELTER. Alberta Provincial Shelter Data 2013-14. Disponível em: <https://www.acws.ca/collaborate-document/1023/download/Alberta-Provincial-Shelter-Data-2013-14.pdf> Acessado em: 14 de dez. de 2014
35
possibilitou a construção do atual abrigo, que conta com unidades para acomodar 19
famílias.
O Residential Program foi instalado no novo prédio da Discovery House.
O programa tem a duração máxima de um ano. As 19 famílias abrigadas contam
com serviço de vigilância 24 horas por dia, de segunda a domingo, além de uma
equipe especializada e preparada para auxiliar no processo de reabilitação.
A equipe é formada por “gerentes de casos” (case managers) para
crianças e adultos, e assistentes sociais que auxiliam as famílias e ajudam no
desenvolvimento das crianças abrigadas. Cada mulher e seus filhos são atribuídos
um gerente que cuida exclusivamente do caso da família.
Uma gama de serviços integrados é oferecida para os clientes abrigados:
apoio prático (ajuda para encontrar comida, roupas, móveis e de transporte
acessível), apoio à saúde mental (ajuda para encontrar um médico e / ou um grupo
espiritual), apoio à criança e juventude, oficinas em grupo e encaminhamento para
as agências da comunidade para aconselhamento jurídico, apoio financeiro,
emprego e assistência educacional.
Todos os serviços se concentram em reduzir o impacto do abuso e em
capacitar adultos e crianças para alcançar a independência na comunidade e viver
livre de violência doméstica.
As mulheres com filhos podem se inscrever para tanto o Residential
Program ou o Community Housing Program.
O Community Housing Program é um programa de moradia comunitária,
inspirado no modelo Housing First, que providencia habitação para pessoas sem
teto. A Discovery House foi a primeira instituição a aplicar o modelo a famílias
afetadas por violência doméstica.
O programa concentra-se primeiramente em providenciar habitação para
arrendamento em mercado estável e acessível, e, em seguida, fornece suporte para
as clientes alcançarem sua autonomia. Tem duração máxima de dois anos.
As famílias recebem apoio de gerente de caso, especialista em saúde
mental, especialista de suporte a criança e adolescente e corretor de imóveis que vai
auxilia-la a encontrar uma moradia. Essa equipe trabalha com as famílias para obter
uma habitação, atender às necessidades básicas, e facilitar o encaminhamento para
36
serviços de apoio e consultoria financeira e jurídica e aconselhamento psicológico
segurança, com o intuito de oferecer um lar estável e seguro às clientes.
No início de 2009, o projeto piloto superou todas as metas e expectativas.
O objetivo em 2014 foi apoiar 100 famílias. Embora o programa ofereça bastante
vagas, a oferta não é suficiente. A lista de espera conta sempre com mais de 20
famílias.
4.1.3 Reflexões sobre a visita à Discovery House
Junto com a turma de Studio II, foi possível visitar a Discovery House. A
visita foi guiada por funcionária da instituição, que mostrou as principais áreas do
prédio.
O abrigo está instalado no bairro residencial de Forest Lawn – Forest
Heights, a 20 minutos do centro de Calgary. Assim como o entorno, conta com
gabarito baixo, apenas três pavimentos (Figura 1) e um subsolo, onde estão o
depósito e a garagem. Figura 1. Fachada principal da Discovery House
Fonte: Google Street View, 2014
A instituição está instalada numa esquina da quadra (Figura 2), sendo
acessada pela Avenida 16 do quadrante Sudeste (16th Ave SE).
37
Figura 2. Localização da Discovery House
Fonte: Google Maps, 2014
A fachada principal não dispõe de placa ou qualquer outro elemento que
indique o prédio com abrigo emergencial, para garantia de segurança das clientes.
Nesse sentido, as rondas policiais são frequentes na área. Inclusive, na
ocasião da visita técnica, havia uma viatura de plantão na porta da edificação.
Como Calgary é uma cidade localizada em latitude alta (51ºN), a fachada
sul é a que recebe maior incidência solar e por este motivo, o abrigo conta com um
pátio interno orientado para o sul, a fim de captar o máximo de luz e calor solar.
O programa arquitetônico do abrigo conta com área administrativa, área
de atendimento, áreas comuns e apartamentos (Figura 3 e 4).
O acesso ao prédio é controlado, de modo que os visitantes ficam
enclausurados em uma antecâmara (01 na Figura 3) antes de entrar nas
dependências da instituição.
No andar térreo, o primeiro ambiente é a recepção, com um balcão de
atendimento. Atrás da recepção fica a parte administrativa (02 na Figura 3),
composta por escritórios e uma pequena sala de reuniões. O acesso à esta parte é
restrito, em que se faz necessário o uso de cartão magnético para destrancar a
porta.
38
Figura 3. Diagrama de setores do andar térreo da Discovery House
Fonte: Elaborado pela autora
Dentre as áreas comuns no térreo do prédio, tem-se a sala de meditação
(03 na Figura 3), a única com acesso a visitantes diretamente da recepção. Além
desta, a instituição conta com um salão para festas/confraternizações e uma sala
das crianças (04 na Figura 3), e a área externa do pátio central, com um playground
(07 na Figura 3).
O pátio central é completamente vedado da visibilidade dos visitantes que
transitam pela circulação no interior do prédio. Para isso, são utilizados tijolos de
vidro, que permitem a luz passar e clarear os corredores, mas garantem privacidade
aos usuários do abrigo.
Ao sul da edificação ficam os cômodos em que há terapias de grupo (06
na Figura 3) e o atendimento personalizado com assistentes sociais (05 na Figura 3).
A terapia em grupo é feita em uma grande sala com mesas dispostas em círculo.
Não se teve acesso a áreas de serviço, entretanto, a guia esclareceu que
paralelo à circulação de visitantes, existe um corredor restrito a funcionários que dá
acesso a dependências de serviço, como cozinhas e depósitos.
39
A circulação vertical é dada pelo uso de elevador e escadas (08 na Figura
3 e 02 na Figura 3). Figura 4. Diagrama de setores dos andares superiores da Discovery House
Fonte: Elaborado pela autora
Os andares superiores são compostos de apartamentos e salas de
convivência. Os apartamentos estão orientados para o pátio interno e contam com
uma sala, cozinha, banheiro e dois quartos (01 na Figura 4). As salas de convivência
são basicamente brinquedotecas (03 na Figura 4).
Uma curiosidade compartilhada pela funcionária que acompanhou a visita
foi que, embora os apartamentos contem com dois quartos, é muito comum que
mães e filhos durmam juntos em um só cômodo. Isso é devido ao contexto de
fragilidade e falta de segurança em que elas estavam inseridas, as mulheres
abrigadas sentem-se mais confortáveis tendo seus filhos consigo.
De modo geral, acredita-se que as instalações oferecidas proporcionam
espaços de qualidade para o serviço de abrigo. A modalidade de abrigamento
assemelha-se a um hotel de longa estadia, com a adição de alguns dispositivos que
reforçam a segurança e privacidade das clientes.
Percebe-se que há uma preocupação da separação dos usos institucional
e doméstico e uma forte setorização da edificação.
40
4.2 Casa Abrigo do Tribunal de Justiça do Maranhão
Em 02 de agosto de 1999, o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão
instalou um protótipo de casa abrigo em São Luís. A instituição faz parte da Rede
Amiga da Mulher e funciona para o abrigamento de mulheres (e seus filhos)
encaminhado por outros órgãos, não recebendo demanda espontânea.
Desde a sua inauguração, cerca de 700 pessoas foram abrigadas
(mulheres a partir de 18 anos e seus filhos até 12 anos de idade). 28 Atualmente, a
casa pode receber até 20 pessoas por vez, alocadas em 3 dormitórios coletivos.
Esta oferta de atendimento é insuficiente para a demanda de encaminhamentos.
A casa dispõe de uma equipe multidisciplinar que inclui assistentes
sociais, psicólogos, pedagogos e enfermeiras que fazem atendimento diariamente.
Além destes, outros funcionários trabalham no apoio administrativo e operacional da
instituição, incluindo cozinheira, motorista, segurança armada e serviços gerais.
4.2.1 Levantamento da arquitetura existente e considerações preliminares
Devido à necessidade de se manter o sigilo da localização da Casa
Abrigo, a unidade de abrigamento muda de endereço a cada dois anos. Embora não
seja possível revelar a sua atual localização, é relevante para os fins deste trabalho
informar que a Casa Abrigo do Tribunal de Justiça do Maranhão está instalada em
um lote amplo, localizado em área residencial de São Luís.
Realizou-se o levantamento do imóvel a fim de investigar os aspectos
materiais e imateriais que definem o objeto construído (Figura 5).
Entende-se que as casas-sede são alugadas e adaptadas da melhor
forma que o orçamento permite. O imóvel atual dispõe de três suítes, duas salas,
cozinha, lavabo, lavanderia, varandas, garagem e um prédio anexo, com dois
pavimentos, que comporta dois quartos no térreo e uma sala no pavimento superior.
As suítes foram transformadas em dormitórios para as mulheres
abrigadas e seus filhos. Os ambientes já contavam com armários embutidos que
precisaram ser mantidos. Foram incluídos beliches e ventiladores. As portas e
janelas são vedadas e permanecem majoritariamente fechadas.
28 FAMILIAR, Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e. Relatório geral 2014 – Histórico da Casa Abrigo do Tribunal de Justiça do Maranhão. Disponibilizado eletronicamente em: 24 de agosto de 2014
41
Figura 5. Levantamento da Casa Abrigo do Tribunal de Justiça.
Fonte: Elaborado pela autora
O fato de os dormitórios estarem estabelecidos em suítes permite a
separação de banheiros entre as moradoras da casa. Grupos menores de pessoas
compartilham o uso. Uma das unidades é adaptada com bancada e cuba rebaixada,
facilitando o uso pelas crianças.
As salas abrigam a sala da administração e a sala de tv. A primeira é
subdividida em dois ambientes, sendo um destinado ao uso da supervisora da casa
42
abrigo e o outro para fazer atendimento às clientes. Esta sala é a única climatizada
com ar-condicionado.
As varandas estão orientadas para a área mais ventilada da casa,
rodeando dormitórios e sala da administração e dando acesso à área externa
ajardinada. Parte deste setor foi ocupado pela brinquedoteca para crianças.
A cozinha está ligada à lavanderia por um longo corredor descoberto que
fornece luz natural para a sala de tv e cozinha.
No prédio anexo à casa, um dos quartos é utilizados para atendimento
das clientes, quando é necessário prover mais privacidade. O outro quarto é usado
como depósito. No andar de cima existe um escritório, no entanto seu uso é menos
frequente.
A casa possui vários desníveis, vencidos com o uso de degraus. A única
rampa é aquela que dá acesso à garagem do lote. Essa característica limita o
acesso de pessoas com mobilidade reduzida.
4.2.2 Percurso Exploratório
Durante visitas técnicas realizadas à atual sede e também com base em
conversa com a supervisora da Casa Abrigo, Mariana Cunha Gusmão, e a psicóloga
Erika Janne Silva Nascimento, foi possível constatar conflitos e limitações ao serviço
oferecido devido à falta de espaços coerentes com as atividades a serem realizadas.
Realizou-se um percurso exploratório, a fim de identificar áreas de
interesse para maior investigação. Cinco setores foram estabelecidos de acordo com
o programa e usos desempenhados dos ambientes (Figura 6).
A questão da privacidade é importante e deve ser analisada a partir do
contexto de confinamento em que as mulheres abrigadas estão sujeitas. Existem
diferentes momentos em que o acolhimento precisa atender à necessidade de
privacidade. Ressaltam-se três: o atendimento psicológico e de assistência social, o
espaço de dormitório e a área administrativa da instituição.
43
Figura 6. Diagrama de Setores da Casa Abrigo
Fonte: Elaborado pela autora
No momento em que é recebida na casa, a mulher em estado vulnerável
precisa ser atendida pela psicóloga e a assistente social. Nesse momento de grande
vulnerabilidade, a cliente conta sua história, carregada de emoção e subjetividade.
Essa atividade é realizada numa pequena sala, em área separada da casa. Embora
exista essa separação física do restante dos cômodos, a privacidade do atendimento
é comprometida, uma vez que existe janela com acesso ao corredor. Qualquer
pessoa que fique à espreita, pode ouvir o que está sendo dito no interior da sala
(Figura 7).
44
Figura 7. Sala de atendimento da Casa Abrigo do Tribunal de Justiça.
Fonte: Arquivo pessoal, setembro de 2014
A janela com venezianas abertas evidencia a dificuldade de preservar a
privacidade da cliente em atendimento. A unidade de ar condicionado existente na
sala inoperante, além dos odores de mofo, são os principais motivos para a abertura
das rótulas da janela.
O layout do ambiente não inspira conforto para compartilhamento de
informações tão delicadas. Percebe-se a rigidez de papéis estabelecidos pelo
simples posicionamento da mesa, em que a instituição fica de um lado e as clientes
do lado oposto.
É importante respeitar o espaço pessoal da mulher agredida. Ela deve ser
livre para escolher como interagir com as profissionais da Casa Abrigo: a que
distância e em que posicionamento ela se sente mais confortável.
Glibber e Chippari (2007) discutem sobre a invasão do espaço pessoal,
trazendo o conceito estabelecido por Edward Hall, em que espaço pessoal é o
espaço que rodeia o indivíduo, como uma bolha, com dimensões variáveis entre 50
cm a 1,20m. A invasão desse espaço íntimo pode ser considerada uma agressão
psicológica, ainda mais no caso das mulheres que estiveram em situação de
violência doméstica.
45
O atendimento se beneficiaria de um arranjo mais dinâmico do mobiliário,
de modo que a distância entre interlocutores, bem como o formalismo ou não,
podem ser regulados.
Devido às limitações físicas, as clientes compartilham dormitórios. A
discussão de privacidade neste quesito engloba noções de aglomeração e
territorialidade.
Durante o sono, o indivíduo se apresenta vulnerável e precisa de
condições de conforto e segurança para descansar o corpo e a mente. Dividir um
ambiente privativo, como um quarto, pode se tornar conflituoso e estressante
quando há aglomeração.
É importante destacar que essas mulheres vêm de uma cultura de lar
fragilizado, em que seu espaço pessoal, sua privacidade e integridade física e
emocional foram afetados negativamente. O papel do abrigamento é dar condições
para que ela se sinta empoderada e busque fortalecer sua autoestima. Ter acesso a
um espaço para chamar de seu, demarcar seu território e ter a liberdade de escolhas
deve ser parte do processo de recuperação almejado pela instituição.
A casa dispõe de três quartos, sendo que dois destes contam com quatro
beliches e um berço e o outro, com duas beliches e um berço (Figura 8). De acordo
com a supervisão da casa, mães e filhos são mantidos no mesmo dormitório
preferencialmente.
Percebe-se que a proximidade entre as pessoas abrigadas é inevitável e
involuntária. A individualidade de cada mulher é diminuída. Considerando-se a
metáfora da bolha ao redor do indivíduo, o espaço pessoal de uma cliente colide
com o espaço da companheira, abalando as fronteiras saudáveis de privacidade e
territorialidade. Isso implica dizer que odores e ruídos passam a ser compartilhados.
Além da constante visibilidade por pessoas alheias.
46
Figura 8. Dormitório coletivo para oito pessoas.
Fonte: Arquivo pessoal, setembro de 2014
Uma vez que elas estão confinadas e sob a responsabilidade da
instituição, é necessário estabelecer o controle a fim de garantir a segurança e o
bem estar comum. No entanto, autoridade infligida de maneira exacerbada se
manifesta como um ato de agressão. Acredita-se que o compromisso e esforços da
equipe da Casa Abrigo apontem para uma outra direção, a de respeito e acolhida. A
composição de agrupamentos menores, por exemplo, poderia facilitar a convivência
entre abrigadas e restaurar o senso de direito a intimidade e território.
O terceiro foco de conflitos é a sala da administração da Casa Abrigo,
composta por dois ambientes. O primeiro (Figura 9) é multifuncional, pode servir
como estação de trabalho para funcionários ou até mesmo local de atendimento
para casos menos complexos. O segundo (Figura 10) é destinado principalmente à
supervisora da Casa Abrigo, composto por duas estações de trabalho e armários.
Nestes ambientes, ações são desempenhadas para planejar e
providenciar o processo reinserção social das mulheres abrigadas. A discussão dos
casos e ligações para familiares ou outros órgãos, por exemplo, são atividades que
dependem do sigilo e privacidade. Todavia, as janelas permitem, mais uma vez, que
as informações confidenciais possam ser acessadas por pessoas alheias ao caso,
ou até a própria cliente do assunto, mesmo que esta não esteja autorizada.
47
Figura 9. Sala da equipe administrativa da Casa Abrigo do Tribunal de Justiça.
Fonte: Arquivo pessoal, setembro de 2014
Figura 10. Sala da supervisora da Casa Abrigo do Tribunal de Justiça.
Fonte: Arquivo pessoal, setembro de 2014
48
O Termo de Referência de Enfrentamento da Violência contra Mulheres
estabelece como a autogestão como uma das metodologias a serem praticadas.
Para isso, é necessário construir meios para uma gestão participativa, em que as
decisões possam ser discutidas e adotadas coletivamente. A inclusão das clientes
abrigadas é fundamental para o sucesso da estratégia, permitindo que elas
colaborem ativamente no planejamento atividades diárias e avaliações sobre o
ambiente, atividades e resultados.
Atualmente, não existe um local apropriado para esse tipo de dinâmica.
Embora a casa ocupe um terreno extenso, faltam espaços amplos para atividades
em grupo e reuniões. Um ambiente neutro, em que instituição e clientes possam
comunicar suas expectativas e desafios poderia favorecer a convivência e o
processo de reabilitação das mulheres abrigadas.
O acesso das usuárias do abrigo a sala da administração é limitado, visto
que são guardados objetos perfuro cortantes e que, em casos extremos, podem ser
usados como arma contra si própria e outras companheiras de confinamento. Da
mesma forma, o acesso a cozinha (Figura 11) e ao armário de medicamentos é
restrito a funcionários da Casa Abrigo.
Figura 11. Cozinha da Casa Abrigo do Tribunal de Justiça.
Fonte: Arquivo pessoal, setembro de 2014
49
As clientes fazem suas refeições na área da lavanderia, nos fundos da
casa (Figura 12). É neste local em que elas podem lavar suas roupas e dos seus
filhos.
Figura 12. Lavanderia da Casa Abrigo do Tribunal de Justiça.
Fonte: Arquivo pessoal, setembro de 2014
A casa também conta com espaço destinado a brinquedoteca (Figura 13).
É localizada na varanda, próxima a sala de televisão. É um espaço amplo, com
bastante brinquedos. O acesso das crianças é controlado, pois é necessária a
supervisão por adultos. O ponto negativo é que a área é não é completamente
abrigada e em tempos de chuva, seu uso é interrompido.
Pode-se sugerir a descentralização de espaços para as crianças, com a
criação de outros locais em que elas possam ser entretidas e educadas em
segurança. Além disso, o contato e a proximidade com a mãe podem ser benéficos
ao processo de reestruturação familiar de ambos. Planejar espaços adjacentes, para
que as mães observem os filhos durante suas atividades diárias contribui para esse
objetivo.
50
Figura 13. Brinquedoteca da Casa Abrigo do Tribunal de Justiça.
Fonte: Arquivo pessoal, setembro de 2014
4.2.3 Resultado de entrevistas e questionários check list
A Casa Abrigo é um estabelecimento de alta rotatividade. Embora as
mulheres abrigadas componham um grupo de usuários cuja opinião é
imprescindível, sua visão é limitada e incompleta da edificação, haja vista o curto
período de estada na casa. O depoimento da equipe técnica e de serviços gerais
serviu, portanto, para complementar a avaliação do ambiente construído.
Entrevistou-se duas clientes e aplicou-se questionário em nove funcionários da
instituição.
O roteiro para a entrevista e as questões foi dividido em sete temas:
caracterização do entrevistado; adequação ao uso; segurança; conforto; convivência
social; aparência; e privacidade e territorialidade. Essa estrutura de investigação
buscou coletar dados qualitativos sobre a experiência das pessoas na casa.
Ambas as clientes entrevistadas tinham o mesmo perfil: idade entre 20 e
25 anos, donas de casa e mães de duas meninas. A primeira já estava na casa há
seis dias e a segunda havia chegado no dia anterior à entrevista.
As duas compartilharam o mesmo dormitório durante sua estada e
relataram sua satisfação com o tratamento recebido pela equipe e as instalações da
51
Casa Abrigo. Elas negaram a existência de qualquer conflito ou insatisfação em
relação ao uso e adequação dos ambientes e disseram sentir-se seguras e
confortáveis dentro da casa. Uma delas explicou que passava mais tempo na sala
de televisão, já que gostava da distração, e sugeriu a criação de outros espaços
para atividades que ocupem a mente das mulheres abrigadas.
Ressalta-se que não foi possível realizar entrevista livre com os
funcionários, no entanto, o roteiro foi transformado em questionário check list de
múltipla escolha com a inserção de algumas questões abertas para respostas mais
subjetivas.
O corpo de funcionários engloba a equipe técnica, que inclui a
supervisora da Casa Abrigo, assistente social, auxiliar administrativo, analista
judiciário, enfermeira, psicóloga e estagiárias, e a equipe de serviços gerais,
composta por cozinheira, cuidadora, motorista e plantonistas.
O grupo entrevistado é bastante heterogêneo, compreendendo
funcionários mais antigos, que já trabalham há cinco anos na instituição, a
estagiárias, que iniciaram sua experiência profissional com a Casa Abrigo há poucos
meses. Em sua maioria, é composto por mulheres entre 25 a 55 anos. Entre as nove
pessoas que atenderam ao questionário, cinco fazem parte da equipe técnica e
quatro compõem a equipe de serviços gerais, sendo uma delas o motorista.
De modo geral, todos relataram sua satisfação com as condições
ambientais, a aparência e a segurança da edificação. A supervisora Mariana
Gusmão pontuou que a casa está sendo um dos melhores imóveis alugados para
sediar a Casa Abrigo. No entanto, algumas melhorias e adequações foram
sugeridas.
Quatro pessoas afirmaram que existe a necessidade de um ambiente
exclusivo para funcionários. Duas pessoas destas foram mais especificas e
apontaram a necessidade de um dormitório ou área de descanso para os
funcionários plantonistas.
Outro funcionário pontuou a falta de um refeitório para as clientes,
inclusive com a disposição de mobiliário adequado para as crianças abrigadas. Além
disso, duas entrevistadas perceberam a necessidade de um ambiente destinado a
atividades dinâmicas de grupo.
52
Em relação aos ambientes existentes e passíveis de serem melhorados,
uma entrevistada apontou que os dormitórios poderiam ampliados, outra pessoa
explicou que a cozinha poderia ser aumentada, pois a configuração atual não
funciona bem. No diagrama a seguir (Figura 14), mapeou-se as áreas que
necessitam de aperfeiçoamento.
Percebe-se que o layout da cozinha e dos dormitórios traz alguns conflitos
aos usuários. O tamanho dos ambientes não é o principal problema, mas sim, a
adequação para o uso do abrigo. Os dormitórios, por exemplo, precisam comportar
uma grande quantidade de leitos e a solução empregada foi o uso de beliches. No
entanto, a proximidade entre eles dá a sensação de aglomeração.
Já a cozinha é usada como área de preparo de alimentos e copa para
funcionários, gerando dois ambientes estreitos. Na opinião de duas funcionárias, os
equipamentos precisariam ser substituídos por aparelhos maiores. No entanto, a
atual configuração não permite esse aprimoramento.
Figura 14. Diagrama de mapeamento da opinião dos usuários em relação aos setores da
casa
Fonte: Elaborado pela autora
53
Embora menos urgente, a adequação e reestruturação da brinquedoteca
também foi citada como uma necessidade. A brinquedoteca está instalada na
varanda da casa, em um local coberto e bem ventilado.
Finalmente, a supervisora e a auxiliar administrativa acrescentaram que
percebem a falta de adequações no imóvel que possibilitem o recebimento de
mulheres com necessidade especiais.
A maioria dos entrevistados, entre funcionários e mulheres abrigadas,
declarou que aprecia a área externa ajardinada da casa. Essa área ocupa uma
grande parte do lote e basicamente é usada para contemplação.
Procurou-se identificar e mapear as áreas de maior permanência dentro
da casa. Seis pessoas afirmaram que costumam passar mais tempo na sala da
administração/supervisão. Cinco destas o fazem porque é o ambiente em que
desempenham suas funções. O motorista relatou que também costuma permanecer
na sala, pois em sua opinião é um ambiente agradável. A equipe de serviços gerais
costuma se reunir na cozinha e sala de tv. A cuidadora explicou que geralmente
transita por toda a casa.
É importante ressaltar que o motorista foi o único a declarar que não
possui um local na casa em que possa deixar seus pertences. Parte disso pode-se
inferir que é devido à sua função requerer que ele passe mais tempo fora do abrigo.
No entanto, reitera a necessidade de um ambiente exclusivo para funcionários, que
contenha vestiário e armários onde eles possam guardar seus pertences.
No diagrama a seguir (Figura 15) indicou-se os três principais grupos de
usuários, clientes abrigadas, equipe de serviços gerais e equipe técnica, e mapeou-
se os setores em que cada grupo costuma usar mais.
A maioria dos funcionários nega sentir-se incomodada por dividir espaço
com outras pessoas. Possivelmente, para a equipe técnica um ambiente de trabalho
coletivo é agradável e satisfatório.
Por outro lado, a cozinheira confessou não gostar da presença de outras
pessoas no seu local de trabalho. Pode-se atribuir isso ao fato da copa funcionar
atualmente como a sala de funcionários.
54
Figura 15. Diagrama de mapeamento de usuários e setores da casa em a permanência é maior
Fonte: Elaborado pela autora
4.2.4 Diagnóstico
Entende-se que diversos fatores restringem a implantação do serviço
casa abrigo, tais como a limitação de verba para o arrendamento e adequação de
imóveis, bem como a necessidade de manter em sigilo a localização da casa a fim
de garantir a segurança das mulheres abrigadas.
Todavia, percebe-se que a solução utilizada atualmente é paliativa e
ineficaz a longo prazo. Embora a casa abrigo seja um refúgio temporário para extrair
a mulher ameaçada o mais rápido possível do contexto de abuso, o período de
confinamento apenas reitera a cultura de violência contra ela.
Uma vez internada no abrigo, as mulheres recebem apoio de psicólogas e
assistentes sociais e são encaminhadas para programas oferecidos pelo Estado.
55
Porém, durante sua estada, nada é feito para capacita-las ou, pelo menos, estimula-
las a buscar aprimoramento profissional. Qualquer palestra, sobre educação sexual
por exemplo, é uma dinâmica extraordinária à rotina do serviço.
Acredita-se que a falta de espaços adequados limita o atendimento, de
modo que o abrigo funciona mais como uma casa de passagem. Não existe lugar
para terapia, atividades em grupo ou aprendizado, ferramentas que possibilitariam a
reestruturação da autonomia e empoderamento destas mulheres.
O fato de a Casa Abrigo estar instalada em uma casa unifamiliar traz
diversos conflitos. Ao passo que uma casa comum é projetada para abrigar uma
família apenas, a adaptação desta para comportar três ou mais famílias (mãe e seus
filhos) em conjunto ao setor administrativo da instituição torna-se uma tarefa
complexa.
Pode-se ressaltar ainda o subdimensionamento dos ambientes, que gera
situações de aglomeração nos casos dos dormitórios e da cozinha e a falta de
privacidade tanto dos funcionários quanto das abrigadas durante o atendimento.
56
5 ANTEPROJETO ARQUITETÔNICO
O objetivo deste trabalho monográfico foi o desenvolvimento do
anteprojeto de um abrigo para mulheres em situação de violência. Após a
investigação e reflexão sobre o tema e a tipologia de abrigamento casa abrigo,
especificamente na configuração existente em São Luís, conclui-se que o produto
arquitetônico é inadequado para a demanda.
Nesse sentido, gerou-se um protótipo de abrigo baseado nas premissas
do Pacto e Plano Nacional de Enfrentamento a Violência contra a Mulher, nos
requisitos apresentados no Termo de Referência no tocante à implantação de casas
abrigos e na investigação do panorama do atendimento e a demanda pelo serviço
existente em São Luís.
Portanto, criou-se um objeto específico para as necessidades de
mulheres em situação de violência em vez da adequação de um imóvel existente
para comportar um abrigo desse tipo. Optou-se por um abrigo fixo que atenda a um
programa de necessidades preciso para a reabilitação de mulheres em situação de
violência.
Acredita-se que este abrigo seja idealizado como uma ‘casa de transição’,
de caráter temporário, assim como a casa abrigo, mas que ofereça espaço para
crescimento psicológico e social, que de fato conceda às mulheres abrigadas
ferramentas para reconquistar sua autonomia.
5.1 Programa de necessidades
A compilação das observações feitas durante percurso exploratório,
informações coletadas em conversas e entrevistas, bem como os resultados dos
questionários check list e o mapeamento dos aspectos materiais e imateriais da
Casa Abrigo foi somada à experiência de conhecer um modelo de abrigo
emergencial canadense, permitindo a elaboração de um programa de necessidades
mais preciso.
Procurou-se incluir aspectos do exemplo de abrigo da Discovery House,
como a rotina de segurança para o acesso à instituição, os padrões de setorização e
57
preservação de privacidade das clientes e a incorporação de elementos
programáticos, como a sala destinada a atividades em grupo.
O estudo aprofundado da Casa Abrigo do Tribunal de Justiça do
Maranhão permitiu perceber as necessidades do público ludovicense para este tipo
de serviço, servindo de referência projetual. Ambientes como a sala da equipe
técnica e a sala de atendimento da psicóloga e assistente social, por exemplo, foram
projetados com base nas entrevistas e comentários construtivos dos funcionários da
instituição.
O programa de necessidades para o abrigo fundamentou-se nos
requisitos do Termo de Referência, que define como exigência mínima um imóvel
com 10m² por pessoa, localizado em área residencial, sendo uma edificação
discreta.
O prédio deve comportar espaço para dormitórios, refeitório e cozinha,
para recreação das crianças, preferencialmente contando com áreas externas, áreas
de convivência coletiva e lavanderia.
Também deve conter espaços adequados para a equipe técnica e
administrativa, numa configuração que permita que o trabalho seja executado
resguardando o sigilo relativo às usuárias do serviço.
Primeiramente, foram estabelecidos os ambientes para compor o projeto
arquitetônico. Utilizou-se uma matriz de critérios (Tabela 1) para sintetizar
informações básicas sobre estes espaços e iniciar a análise de setorização e fluxos.
No total, foram designados 19 ambientes, totalizando uma área de cerca
de 528m² para abrigar até 24 clientes.
Optou-se por estipular um número máximo de 4 mulheres por dormitório,
e manter o abrigo em geral numa escala menor e mais intimista, para evitar
aglomeração e permitir um melhor aproveitamento das áreas comuns.
Além disso, incluiu-se a sala de funcionários, que consiste em um
ambiente com armários para guardar pertences pessoais, um dormitório para
plantonistas e banheiro para funcionários.
A equipe técnica ocupa principalmente o setor institucional do projeto,
composto pela sala de reunião, sala do (a) supervisor (a), sala da assistente social e
sala da psicóloga. Estes ambientes deverão ser mantidos próximos para facilitar o
trabalho de atendimento.
58
Tabela 1. Matriz de critérios para abrigo para mulheres em situação de violência
MATRIZ DE CRITÉRIOS ABRIGO PARA MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA
ÁR
EA
NE
CE
SSÁ
RIA
(m²)
CO
MP
AR
TIM
EN
TOS
C
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INS
TALA
ÇÕ
ES
HID
RO
SS
AN
ITÁ
RIA
S
EQ
UIP
AM
EN
TOS
ES
PE
CIA
IS
01 VERIFICAÇÃO DE SEGURANÇA 12 02/20 N S N S
02 RECEPÇÃO 12 01/09/03 N N N N
03 LAVABO 2 02 S A S N
04 SALA DE REUNIÃO 20 02/05/06/07 I B N S
05 SALA DO(A) SUPERVISOR(A) 10 04 S A N S
06 SALA DA ASSISTENTE SOCIAL 10 04 S A N S
07 SALA DA PSICÓLOGA 10 04 S A N S
08 BANHEIRO FUNCIONÁRIOS 5 08 S A S N
09 SALA DOS FUNCIONÁRIOS 15 02/14/15 I M N N
10 BRINQUEDOTECA 40 11/12 S N N N
11 SALA MULTIUSO 40 10/12 I N N N
12 SALA DE TV 25 10/11 N N N S
13 REFEITÓRIO 55 14 S N S N
14 COZINHA 20 15/09 S N S S
15 DEPÓSITO/DESPENSA 8 14 I N N N
16 DORMITÓRIO (ATÉ 4 PESSOAS) 15 17 S A N N
17 BANHEIRO ABRIGADAS 24 16 S A S N
18 ÁREA EXTERNA 80 - S N S N
19 GARAGEM (4 CARROS) 50 01 N N N N
TOTAL COM 6 DORMITÓRIOS 528
Abreviações: S – Sim N – Não A – Alta M – Média B - Baixa
Fonte: Elaborado pela autora
59
O próximo passo foi organizar os fluxos, dispor os ambientes em setores
e representar as relações de proximidade em um fluxograma (Figura 16).
Figura 16. Fluxograma do abrigo para mulheres em situação de violência
Fonte: Elaborado pela autora
60
O diagrama mostra a setorização em áreas institucionais, áreas de
serviço, áreas comuns e áreas doméstica. Esta divisão se deu para ordenar o
acesso e os fluxos dos usuários. É importante lembrar que o uso institucional se dá
durante o horário comercial e para seus usuários é um local de trabalho, enquanto
as áreas domésticas, comuns e de serviço têm um uso mais contínuo.
Quanto mais doméstico e íntimo é o ambiente, mais restrito e exclusivo
ele necessariamente é. No caso do abrigo, dormitórios e banheiros para as clientes
abrigadas devem se manter mais protegidos e distantes da entrada do prédio.
As áreas comuns são importantes pontos de interação entre os usuários.
A sala de tv, sala multiuso e brinquedoteca são espaços dinâmicos e versáteis, uma
vez que são designados para atividades que entretenham as mulheres e crianças.
Possivelmente serão ambientes cujo uso é feito sob o controle e supervisão da
instituição.
As áreas de serviço compreendem a lavanderia coletiva e a cozinha. No
exemplo da Casa Abrigo, a cozinha é um ambiente de acesso restrito a funcionários
da instituição.
Optou-se por manter essa característica, em vez de estabelecer uma
cozinha coletiva para as abrigadas ou unidades individuais para cada uma delas e
suas famílias, como acontece nos apartamentos da Discovery House.
Por fim, destaca-se a dinâmica de acesso à edificação. Determinou-se
que diferentes usuários terão rotinas específicas de acesso, todas passando por
uma verificação de segurança.
Definiu-se a entrada distintas para veículos e pessoas. Imagina-se a
necessidade de sistemas como a “gaiola”, em que duas portas são usadas pelo
visitante durante sua identificação e ingresso ao prédio. Embora esse recurso seja
mais utilizado para carros, o mesmo efeito é alcançado por meio de antecâmara
antes de chegar à recepção.
5.2 Localização e pré-análise do terreno
O terreno escolhido para o projeto está localizado no bairro Cohaserma,
uma área pertencente a Zona Residencial 1 (ZR-1) de São Luís (Figura 17).
61
Figura 17. Diagrama de localização do terreno em relação ao bairro e à São Luís
Fonte: Elaborado pela autora
Figura 18. Mapa de localização do lote
Fonte: Google Earth, 2014
O lote possui 855m² e desnível de dois metros por toda a sua extensão
diagonal. Está inserido em uma quadra de acesso fácil à Avenida Daniel de La
Touche (Figura 18), junto a outros lotes de dimensões similares, ocupados por
habitações unifamiliares. Em uma das quadras próximas, tem-se um condomínio de
habitação multifamiliar com gabarito de quatro pavimentos.
62
A Rua C (Figura 19), via local de acesso ao terreno, é uma rua
pavimentada e de mão dupla. Próximo ao terreno há uma área com vegetação
(Figura 20), provavelmente destinada a instalação de praça pública. No entanto,
atualmente não está urbanizada nem adequada para o lazer dos moradores do
bairro. Figura 19. Vista da testada do lote acessado pela Rua C do bairro: Cohaserma
Fonte: Arquivo pessoal, novembro de 2014
Figura 20. Imagem da área verde próxima ao lote escolhido
Fonte: Arquivo pessoal, novembro de 2014
63
O lote escolhido encontra-se vazio e murado (Figura 21). As edificações
vizinhas têm gabarito que varia entre um e três pavimentos.
Figura 21. Vista do interior do lote
Fonte: Arquivo pessoal, novembro de 2014
O terreno está orientado para o nascente, fator que contribui para melhor
ventilação natural, haja vista que os ventos dominantes em São Luís vêm do
nordeste, e menor insolação, uma vez que as edificações vizinhas produzem áreas
de sombra durante o poente (Figura 21 mostra a projeção da sombra da casa no lote
adjacente durante fim de tarde de setembro).
Este terreno foi escolhido por atender aos requisitos estabelecidos, como
estar inserido em área residencial, mas também, relativamente próximo de
corredores viários; e possuir área maior que 528 m², afim de abrigar o programa de
necessidades.
Além disso, o bairro Cohaserma é uma área de mercado imobiliário
moderado. Em uma proposta arquitetônica para um abrigo fixo, esse fator é
importante para justificar o investimento em um terreno com bom custo-benefício.
5.3 Conceito e partido arquitetônico
O conceito arquitetônico foi desenvolvido a partir da necessidade de
manter segurança e estabelecer graus de privacidade, a fim de separar os fluxos e
usos do setor institucional e o setor doméstico do abrigo.
64
Embora haja a tendência para a fragmentação entre os dois principais
setores do programa, optou-se por um partido integral (Figura 22), que compreenda
na mesma edificação ambos.
Figura 22. Maquete instrumental do partido arquitetônico
Fonte: Arquivo pessoal, dezembro de 2014
O estudo da volumetria por meio da construção de maquetes
instrumentais resultou no modelo que integra todos os espaços em um só prédio. No
entanto, é possível identificar blocos para os diferentes usos.
Figura 23. Maquete instrumental com a sobreposição dos setores do projeto
Fonte: Elaborado pela autora
65
Na Figura 23, apresenta-se a sobreposição dos setores, de modo que a
área rosa corresponde ao acesso e verificação de segurança, as áreas amarelas são
os espaços para uso comum e de convivência, a área roxa é destinada ao setor
institucional e a área vermelha, ao setor doméstico.
O bloco em azul foi reservado para as áreas molhadas e de serviço, como
cozinha e banheiros, com a previsão da instalação de caixa d’água no topo.
Este partido permite aproveitar a luz e ventilação natural, orientando os
espaços de maior permanência para o leste do lote e designando áreas de
circulação e serviço para o oeste da edificação.
5.4 Setores do projeto
O projeto consiste na integração de cinco setores: acesso e segurança,
institucional, áreas de convivência, áreas de serviço e dormitórios.
Figura 24. Diagrama de setores do abrigo para mulheres em situação de violência
Fonte: Elaborado pela autora
66
Com o propósito de melhor apresenta-lo, fragmentou-se cada setor e
explorou-se as características e potencialidades por meio de diagramas.
5.4.1 Acesso e verificação de segurança
Este setor, como o nome sugere, reúne os ambientes dedicados a filtrar o
acesso ao prédio, garantir a segurança de seus usuários contra invasores e
organizar os fluxos de entrada e saída de visitantes.
Figura 25. Diagrama do setor de acesso e verificação de segurança
Fonte: Elaborado pela autora
A Figura 25 mostra que o setor é composto pela sala de segurança (01),
que pode ser considerado o núcleo central de controle dessa área, antecâmara de
identificação (02), entrada de serviço (03) e recepção (04). Abrange ainda o
estacionamento para visitantes (05) e a garagem (06).
A dinâmica de funcionamento deste setor é baseada na centralização do
controle e vigilância 24 horas. O abrigo precisa ser um local seguro para as
mulheres abrigadas e funcionários que prestam serviço a elas. Nesse sentido, o
acesso e trânsito de pessoas é bastante limitado, uma vez que o fluxo de pessoas
que entra e sai da edificação é pequeno e obedece padrões pré-definidos, como o
início e término de turnos e do horário do expediente.
67
A entrada de veículos da instituição (seta vermelha na Figura 25) é
controlada por um portão automático. Apenas funcionários são autorizados a usar a
garagem. O acesso de pessoas é feito pela porta principal (seta amarela na Figura
25).
A antecâmara de identificação é um ponto crucial no processo de
admissão, em que o visitante entra no espaço, fecha a porta atrás de si e identifica-
se para o funcionário encarregado da vigilância. Dependendo da finalidade, a
pessoa é encaminhada para a entrada de serviço ou para a recepção.
A recepção é um ambiente de transição e espera, onde visitantes
aguardam seu encaminhamento para outros setores do prédio. A entrada de serviço
é designada para o uso de pessoas com objetivo específico, como em trabalhar na
manutenção das instalações ou entregar suprimentos, por exemplo. Esta entrada
está ligada com a garagem e dá acesso à área de serviço e cozinha do abrigo (seta
azul na Figura 25).
Além disso, a entrada de serviço foi projetada para proteger a guarita do
prédio, uma vez que está localizado à frente da janela da sala de segurança,
permitindo o distanciamento dos transeuntes na calçada (seta verde na Figura 25 e
Figura 26). Essa configuração permite menos exposição e vulnerabilidade para os
funcionários que monitoraram a rua. Figura 26. Fachada principal do abrigo, vista da entrada da garagem e de serviço
Fonte: Elaborado pela autora
68
5.4.2 Setor Institucional
O setor institucional (Figura 27) compreende ambientes destinados a duas
categorias de funcionários: a equipe técnica e a equipe de serviços gerais.
Figura 27. Diagrama do setor institucional
Fonte: Elaborado pela autora
A equipe de serviço gerais é formada por funcionários dedicados à
manutenção da edificação e supervisão dos clientes do abrigo. Dentre eles, temos a
cozinheira, cuidadora, equipe de limpeza e plantonista. No decorrer do estudo da
Casa Abrigo, percebeu-se a necessidade de espaços destinados a esse grupo de
usuários, como uma área para que eles guardem seus pertences durante o turno de
trabalho (01). Além disso, foi apontada a necessidade de um dormitório para
plantonistas (02). A instalação também contempla a existência de banheiro (03).
A equipe técnica é formada por um grupo multidisciplinar de profissionais,
responsáveis pelo atendimento das mulheres abrigadas. A atual configuração de
espaços na Casa Abrigo integra várias pessoas trabalhando no mesmo ambiente. A
equipe avaliou essa dinâmica como positiva, por isso, decidiu-se manter uma única
sala para a equipe técnica (04), que pode ser convertida em sala de reunião quando
69
necessário. O layout da sala é composto por uma grande mesa, na intenção de
convidar os diversos funcionários a trabalhar coletivamente (Figura 28).
Figura 28. Imagem da proposta de ambientação da sala da equipe técnica
Fonte: Elaborado pela autora
A supervisora, por outro lado, foi separada em uma sala separada (05),
haja vista que é parte da sua rotina de trabalho tratar de assuntos confidenciais e
sigilosos sobre as clientes abrigada.
O último ambiente é dedicado ao atendimento da psicóloga e assistente
social (06). Este ambiente requer máxima privacidade e reclusão. No momento do
atendimento, a mulher se expõe e conta sua história para as profissionais. São
momentos de grande subjetividade e emoção para a cliente, e por isso, todo
mecanismo que garanta seu conforto e privacidade é indispensável.
Esses motivos levaram a sala a ser distanciada dos outros ambientes,
acentuando-se a transição para o interior do ambiente por meio do prolongamento
da circulação. Outro ponto relevante é a disposição dos móveis. Decidiu-se por
colocar uma mesa redonda no layout do ambiente, a fim de inspirar e possibilitar
uma conversa menos rígida, em oposição a configuração tradicional, em que a mesa
70
de escritório é inflexível e restringe a dinâmica de atendimento (Figura 29). Em vez
de as profissionais sentarem de um lado e a cliente em outro, elas podem se
posicionar lado a lado.
Figura 29. Imagem da proposta de ambientação da sala de atendimento
Fonte: Elaborado pela autora
A circulação (07) tem o propósito de intermediar o setor institucional dos
outros ambientes do abrigo. Acredita-se que é necessária a ruptura entre os espaços
domésticos e espaços institucionais, com a finalidade de ordenar fluxos, limitar os
acessos e facilitar o controle exercido pela entidade.
A área externa ajardinada foi indicada nas entrevistas com funcionários
como um dos pontos positivos da casa abrigo. Por esse motivo, orientou-se as salas
voltadas para o jardim de contemplação (08).
5.4.3 Áreas comuns e de convivência
Com o tempo de coabitação, uma pequena comunidade composta pelas
mulheres, seus filhos e a equipe do abrigo eventualmente começará a ser
estabelecida. Nesse contexto, o prédio precisa oferecer espaços que estimulem
interações harmoniosas. É importante que existam configurações em diferentes
71
escalas, possibilitando diferentes arranjos de grupos, haja vista que o ser humano
precisa de momentos de isolamento e momentos de interação social.
O setor que reúne as áreas comuns e de convivência é o centro da
edificação, pois são ambientes em que as residentes vão desempenhar grande parte
das suas atividades diárias e permanecer por mais tempo.
Alguns desses espaços estão no térreo da edificação e outros no primeiro
pavimento. Esta divisão se dá no intuito de afastar o uso doméstico propriamente
dito, do uso institucional.
Uma vez que as residentes não podem sair do abrigo, as atividades
desempenhadas no térreo têm caráter público e as atividades do primeiro andar,
privativo.
Na Figura 30 é apresentado o diagrama das áreas comuns no térreo do
abrigo. Os espaços oferecidos são: refeitório (01), varanda (02), sala multiuso (03),
brinquedoteca (04), gramado das crianças (05), lavanderia (06) e coradouro (07).
Figura 30. Diagrama das áreas comuns e de convivência no térreo
Fonte: Elaborado pela autora
O refeitório (01) é o espaço com maior potencial de socialização. Além de
servir seu propósito como o local para refeições, ele congrega outras funções, como
uma praça no interior do prédio. É o lugar para encontro e reuniões informais,
72
funciona como ponto central de onde se pode acessar os outros espaços para
convivência (Figura 31).
Figura 31. Imagem da proposta de refeitório
Fonte: Elaborado pela autora
Figura 32. Imagem da proposta de ambientação da varanda
Fonte: Elaborado pela autora
73
A varanda (02) é um prolongamento do refeitório, com acesso ao jardim
de contemplação. Essa abertura proporciona a entrada de luz natural e ventilação
(seta amarela na Figura 28). É um espaço para configurações de grupos menores
desempenharem atividades descontraidamente (Figura 32).
A sala multiuso e a varanda são separadas por uma divisória móvel, que
quando aberta, permite o uso de um amplo espaço com vista para o jardim.
O abrigo para mulheres em situação de violência deve fornecer meios
com os quais suas residentes possam superar seus traumas e alcançar sua
autonomia. O Termo de Referência prevê o oferecimento de atividades pedagógicas,
lúdicas e esportivas na rotina de serviço da instituição. Na Casa Abrigo do Tribunal
de Justiça do Maranhão, percebeu-se a falta de um ambiente adequado para a
realização de oficinas, palestras, mini cursos e até aulas de ginástica, por exemplo.
Por esse motivo, no programa de necessidade acrescentou-se uma sala
multiuso (03) que fosse versátil para atender a diferentes disposições de layout e,
portanto, abrigar diferentes atividades na rotina das mulheres abrigadas.
Nos diagramas a seguir (Figura 33 e Figura 34), simulou-se diferentes
usos e configurações de layout que a sala multiuso pode receber.
Figura 33. Diagrama da sala multiuso em palestras e terapia de grupo
Fonte: Elaborado pela autora
74
Figura 34. Diagrama da sala multiuso em oficinas de artesanato e aula de aeróbica
Fonte: Elaborado pela autora
A sala multiuso está localizada entre a brinquedoteca (04) e a varanda
(05). A sua proximidade com a brinquedoteca permite que a mães vejam e
monitorem seus filhos a distância (Figura 35 e Figura 36). Acredita-se que é
importante para que ambos sintam-se seguros, crianças e mulheres, que haja essa
conexão visual e proximidade. Figura 35. Imagem da proposta de ambientação da sala multiuso para oficinas
Fonte: Elaborado pela autora
75
A sala multiuso propõe-se a substituir ou repetir o local de trabalho para
as mulheres abrigadas, considerando-se seu isolamento com o mundo exterior ao
abrigo. É um local seguro para o aprendizado e treinamento de habilidades que
servirão para o seu empoderamento e, possivelmente, autonomia e independência
financeira.
Figura 36. Imagem da proposta de ambientação da sala multiuso para terapia em grupo
Fonte: Elaborado pela autora
No térreo, existem dois ambientes destinados às crianças abrigadas, a
brinquedoteca (04) e o gramado das crianças (05). A sala multiuso eventualmente
deverá ser usada pelas crianças também que, uma vez confinadas no abrigo com
suas mães, foram distanciadas das atividades escolares e, por isso, precisam de
uma rotina de estudos acompanhada pela pedagoga da instituição.
Por fim, tem-se a lavanderia (06) e o coradouro (07). O abrigo conta com
uma equipe de serviços gerais dedicada a manutenção do prédio, mas estas são as
áreas de serviço destinadas para o uso das mulheres abrigadas.
No primeiro andar (Figura 37), estão localizadas outras duas áreas de
convivência, a sala de tv/convivência (01) e a brinquedoteca para crianças pequenas
(02).
76
Figura 37. Diagrama de áreas comuns e de convivência no primeiro pavimento
Fonte: Elaborado pela autora
A sala de tv/convivência é o primeiro ambiente adjacente à escada e
serve como uma área intermediária antes de chegar aos dormitórios (04). A sua
posição neste contexto é o de reproduzir a sala de estar de uma casa tradicional.
O layout indica a existência de diferentes arranjos, em que se pode estar
sentado no sofá assistindo televisão ou conversando, à mesa jogando um jogo, ou
próximo a janela lendo.
Esta área é isolada da área dos quartos por uma porta, de modo que seus
usuários não incomodes o descanso das outras residentes.
A brinquedoteca (02) foi pensada considerando-se mães de crianças
pequenas e bebês, que precisam de maior supervisão e contato com seus filhos. Por
este motivo, esta área encontra-se bem próxima aos dormitórios.
77
5.4.4 Setor de serviço
A equipe de serviços gerais tem acesso exclusivo ao setor de serviço
(Figura 38) do abrigo, que é composta pela cozinha (01), área de serviço (02) e
lixeira (03). Figura 38. Diagrama da área de serviço institucional
Fonte: Elaborado pela autora
O setor de serviço está voltado para o poente da edificação e tem ligação
com o setor de acesso (seta azul) e garagem, facilitando fluxo de pessoas e
descarga de suprimentos para a cozinha.
A área de serviço (02) conta com tanque e armário para materiais de
limpeza e a casa de gás. Além disso, é uma área intermediária que protege a área
de serviço das mulheres abrigadas (lavanderia coletiva e coradouro).
A cozinha (Figura 39) é de acesso restrito a funcionários, que são
responsáveis pelo preparo e distribuição de alimentos (01), armazenamento de
suprimentos na despensa (02), e a limpeza e manutenção do setor. Esse ambiente é
adjacente ao refeitório (04), que ainda conta com a instalação de lavatórios (03),
para a higienização das mãos antes das refeições.
78
Figura 39. Diagrama da cozinha
Fonte: Elaborado pela autora
5.4.5 Área dos dormitórios
O abrigo conta com quatro dormitórios (01) coletivos no primeiro andar,
projetados para acomodar de três a quatro pessoas (considerando-se uma cama
extra ou berço). Estes quartos estão ligados a uma circulação privativa, adjacente ao
banheiro coletivo (03) e a brinquedoteca (Figura 40).
A circulação interna dos dormitórios tem acesso visual da circulação do
setor institucional do abrigo, uma vez que a primeira está ligeiramente recuada (seta
vermelha) como se fosse um mezanino. Essa característica facilita o monitoramento
da área, em termos de que qualquer emergência pode ser identificada pelo corpo de
funcionários mesmo que estejam no andar térreo. Além disso, o recuo protege a
circulação da insolação do poente e da exposição lateral da edificação.
79
Figura 40. Diagrama da área dos dormitórios coletivos
Fonte: Elaborado pela autora
O banheiro coletivo possui dois espaços (Figura 41). O primeiro funciona
como uma área de transição, onde estão localizados lavatórios em série e um
lavatório e trocador para bebês. O segundo ambiente são os banheiros propriamente
ditos, equipados com chuveiro, vaso sanitário e lavatório, para uso individualizado.
Figura 41. Diagrama do banheiro coletivo
Fonte: Elaborado pela autora
80
O banheiro é a área mais intima de uma casa, em que o indivíduo pode
alcançar o máximo de privacidade e reclusão. Procurou-se manter essa
característica, mesmo dentro das limitações de um abrigo coletivo.
No térreo, o abrigo dispõe de um dormitório individual (Figura 42) para
portadores de necessidades especiais (PNE). Um dos pontos avaliados
negativamente durante o estudo da Casa Abrigo do Tribunal de Justiça foi a falta de
acessibilidade universal. Nesta proposta arquitetônica apresentada, embora a área
dos dormitórios esteja localizada no andar superior e o acesso requer degraus,
dedicou-se um espaço para clientes com necessidades especiais no térreo.
Figura 42. Diagrama do dormitório P.N.E.
Fonte: Elaborado pela autora
81
5.5 Análises finais
Por fim, constatou-se a necessidade de definir domínios e territórios por
meio de mecanismos arquitetônicos. Um dos conflitos apontados no abrigamento de
mulheres em situação de violência é a perda de privacidade, identidade e espaço
pessoal.
As clientes estão expostas a situações de aglomeração, devido às
limitações financeiras do serviço, mas também às restrições administrativas, em que
as necessidades da organização acabam sobrepondo-se ao conforto das residentes.
Atualmente, o serviço prestado pela Casa Abrigo não segue
categoricamente a internação, de no mínimo, por 90 dias. Nesse sentido,
compreende-se que os usuários permanentes da edificação são os funcionários da
entidade e, portanto, as decisões acerca do ambiente construído são coerentes com
as suas necessidades.
O anteprojeto de abrigo para mulheres em situação de violência
caracteriza-se pela tipologia de uma casa de transição, em que o abrigamento tem
duração de 90 a 180 dias, programas de capacitação e terapia são oferecidos e
portanto, é necessário oferecer mais recursos e autonomia para as clientes.
Baseando-se na pesquisa de Robinson (2001), identificou-se e mapeou-
se os domínios estabelecidos no abrigo (Figura 43), de forma a avaliar se instituição
e doméstico podem coexistir harmonicamente em uma mesma edificação.
Em sua análise, a autora reflete sobre como a edificação atua nas
relações de poder entre os residentes, principalmente no tocante a espaços
institucionais, em que a entidade reforça suas regras e normas aos seus clientes
internados.
Quando estudando a tipologia de habitação unifamiliar americana, ela
identifica a existência de um gradiente de territorialidade, composto por sete
domínios. Essa análise aprofunda a percepção de público e privado, quando
considera-se a necessidade de nuances de transição entre um e outro.
82
Figura 43. Diagrama de territorialidade
Fonte: Elaborado pela autora
No produto arquitetônico gerado, percebe-se a existência de cinco
domínios e áreas de transição entre alguns deles. Primeiramente, o domínio público,
que abrange todo o exterior do lote, cujo acesso não é controlado pela instituição e,
portanto, livre para qualquer cidadão.
A área em que a instituição começa a exercer algum tipo de controle, é
definida como domínio semiprivado, englobando a calçada do lote, estacionamento
e entradas da edificação. Embora essas áreas estejam abertas para o domínio
público, elas estão sob a vigilância e cautela do abrigo.
O domínio privado foi diferenciado em dois tipos: uso comum e uso
específico. Como a edificação conciliar o local de trabalho dos funcionários e o local
de residência temporária das clientes, estabeleceu-se que as áreas de uso comum
são aquelas com menos restrição à permanência de seus usuários. Já as áreas de
uso específico, são aquelas em que a permissão para entrar é sujeita a avaliação do
grupo à que o setor é destinado. Essa medida de controle tem o propósito de
preservar a privacidade e autonomia das atividades desempenhadas ali.
Os espaços de domínio íntimo são aqueles dedicados ao indivíduo em
sua necessidade máxima por privacidade e reclusão. São áreas de acesso restrito.
83
E as áreas de transição são espaços intermediários entre um uso e outro
(institucional versus doméstico, coletivo versus individual), no contexto da casa. É
um momento de demarcação da passagem de uma ambiência para outra.
84
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O poder público é uma das peças fundamentais para a erradicação da
violência doméstica. No entanto, este é um agente complexo, que assume diferentes
formas e atribuições. São muitos os órgãos e as instâncias políticas envolvidas na
solução do problema. O combate à violência requer investimento em todos os
estágios do processo, que incluem a prevenção das agressões, denúncia dos casos,
julgamento e punição de agressores e medidas de proteção às vítimas, além de
pesquisa e acompanhamento dos casos registrados a fim de gerar base de dados
para que políticas públicas coerentes com a demanda existente sejam implantadas.
É uma reforma que deve ser feita no contexto nacional, mas que seja
adequada às peculiaridades regionais de um país tão extenso como o Brasil. Esse
panorama revela a proporção do desafio e as limitações impostas ao abrigamento de
mulheres em situação de violência doméstica. No caso específico das casas abrigo,
percebe-se que a arquitetura é uma das disciplinas que poderia ser fundamental
para o sucesso do atendimento, mas que, no entanto, é negligenciada.
Durante o desenvolvimento deste trabalho, constatou-se que o caráter
sigiloso do serviço é um dos fatores que dificultam o investimento nessa área,
criando uma modalidade de “arquitetura itinerante”, em constante metamorfose.
Essa característica traz alguns prejuízos, como conflitos de territórios entre a área
institucional e doméstica da casa. Percebe-se que as mulheres abrigadas, em vez
de receberam ferramentas para seu empoderamento, acabam perdendo privacidade
e autonomia no período em que estão institucionalizadas.
Neste sentido, desenvolveu-se um produto arquitetônico com localidade
fixa, a exemplo do abrigo canadense Discovery House, em que o prédio dispõe de
mecanismos que reforçam a segurança e o acesso.
Acredita-se que um abrigo desse porte ainda parece fora da realidade
ludovicense, em que a segurança pública não consegue conter a demanda de casos
de violência doméstica em São Luís. A solução à disposição atualmente é o
confinamento das vítimas enquanto seus agressores estão à solta. Parece
contraditório e injusto que sejam as mulheres e seus filhos, extremamente
fragilizados, os que serão institucionalizados no primeiro momento.
85
No entanto, a proposta de um abrigo de transição, que ofereça de fato
instrumentos e meios para o empoderamento dessas mulheres pode ser o início de
uma sociedade melhor. Imagina-se que o período de internação pode motivar as
mulheres a buscar capacitação profissional e autonomia financeira, além de formar
líderes comunitárias, guerreiras na luta contra violência.
Essas mulheres precisam de suporte e respeito, em vez de mais
agressões a sua intimidade e identidade. A maioria delas não teve um lar saudável e
têm grande dificuldade de romper sozinhas o ciclo de violência. Acredita-se que o
papel da arquitetura é disponibilizar espaços para a mudança, para o crescimento e
para a esperança.
86
REFERÊNCIAS
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