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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
LETRAMENTO
COMO
EFETIVA PRÁTICA SOCIAL
Orientadora
Profª. Sheila Rocha
Rio de Janeiro
2009
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
LETRAMENTO
COMO
EFETIVA PRÁTICA SOCIAL
por
Rejane Cristina Barreto Faria
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Trabalho apresentado como requisito final do Curso de Pós-graduação em Orientação Educacional e Pedagógica, sob a orientação da Professora Sheila Rocha
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EPÍGRAFE
LER O MUNDO
(Affonso Romano de Sant’Anna)
Tudo é leitura. Tudo é decifração. Ou não. Depende de quem lê. [...]
Tudo é leitura. Tudo é decifração. Ou não. Ou não, porque nem sempre
deciframos os sinais à nossa frente. Ainda agora os jornais estão repetindo,
a propósito das recentes eleições, “que é preciso entender o recado das
urnas”. Ou seja: as urnas falam, emitem mensagens. O sambista dizia que
“as rosas não falam, as rosas apenas exalam o perfume que roubam de ti”.
Perfumes falam. E as urnas exalaram um cheiro estranho. O presidente diz
que seu partido precisa tomar banho de “cheiro de povo”. E enquanto
repousava nesses feriados e tomava banho em nossas águas, ele tirou
várias fotos com cheiro de povo.
Paixão de ler. Ler a paixão. Como ler a paixão se a paixão é quem nos lê?
Sim, a paixão é quando nossos inconscientes pergaminhos sofrem um
desletrado terremoto. Na paixão somos lidos à nossa revelia.
O corpo é um texto. Há que saber interpretá-lo. Alguns corpos, no entanto,
vêm em forma de hieróglifos, dificílimos. Ou, a incompetência é nossa,
iletrados diante dele? Quantas são as letras do alfabeto do corpo amado?
Como soletrá-lo? Como sabê-lo na ponta da língua? Tem 24 letras? Quantas
letras estranhas, estrangeiras nesse corpo? Como achar o ponto G na
cartilha de um corpo? Quantas novas letras podem ser incorporadas nesta
interminável e amorosa alfabetização? Movido pelo amor, pela paixão pode
o corpo falar idiomas que antes desconhecia.
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O médico até que se parece com o amante. Ele também lê o corpo. Vem daí
a semiologia. Ciência da leitura dos sinais. Dos sintomas. Daí partiu Freud,
para ler o interior, o invisível texto estampado no inconsciente. Então, os
lacanianos todos se deliciaram jogando com as letras – a letra do corpo, o
corpo da letra.
Portanto, não é só quem lê um livro, que lê.
Um paisagista lê a vida de maneira florida e sombreada. Fazer um jardim é
reler o mundo, reordenar o texto natural. A paisagem pode ter sotaque. Por
isto se fala de um jardim italiano, de um jardim francês, de um jardim inglês.
E quando os jardineiros barrocos instalavam assombrosas grutas e jorros
d’água entre seus canteiros estavam saudando as elipses do mistério nos
extremos que são a pedra e a água, o movimento e a eternidade.
O urbanista e o arquiteto igualmente escrevem, melhor dito, inscrevem, um
texto na prancheta da realidade. Traçados de avenidas podem ser
absolutistas, militaristas, e o risco das ruas pode ser democrático dando
expressividade às comunidades.
Tudo é texto. Tudo é narração.
Um desfile de carnaval, por exemplo. Por isto se fala de “samba enredo”.
Enredo além da história pátria referida. A disposição das alas, as fantasias, a
bateria, a comissão de frente são formas narrativas. Uma partida de futebol
é uma forma narrativa. Saber ler uma partida - este o mérito do locutor
esportivo, na verdade, um leitor esportivo. Ele, como o técnico, vê coisas no
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texto em jogo, que só depois de lidas por ele, por nós são percebidas. Ler,
então, é um jogo. Uma disputa, uma conquista de significados entre o texto e
o leitor. [...] Estamos com vários problemas de leitura hoje. Construímos
sofisticadíssimos aparelhos que sabem ler. Eles nos leem. Nos leem melhor
que nós mesmos. E mais: nós é que não os sabemos ler. Isto se dá não
apenas com os objetos eletrônicos em casa ou com os aparelhos capazes
de dizer há quantos milhões de anos viveu certa bactéria. Situação
paradoxal: não sabemos ler os aparelhos que nos lêem. Analfabetismo
tecnológico. A gente vive falando mal do analfabeto. Mas o analfabeto
também lê o mundo. Às vezes, sabiamente. Em nossa arrogância o
desclassificamos. Mas Levi-Strauss ousou dizer que algumas sociedades
iletradas eram ética e esteticamente muito sofisticadas. E penso que
analfabeto é apenas aquele que a sociedade letrada refugou. De resto, hoje
na sociedade eletrônica, quem não é de algum modo analfabeto? Vi na
fazenda de um amigo aparelhos eletrônicos, que ao tirarem leite da vaca,
são capazes de ler tudo sobre a qualidade do leite, da vaca, e até o
pensamento de quem está assistindo a cena. Aparelhos sofisticadíssimos
lêem o mundo e nos dão recados. A camada de ozônio está berrando um
S.O.S , mas os chefes de governo, acovardados, tapam (economicamente) o
ouvido. A natureza está dizendo que a água além de infecta, está acabando.
Lemos a notícia e postergamos a tragédia para nossos netos.
É preciso ler, interpretar e fazer alguma coisa com a interpretação.
Feiticeiros e profetas liam mensagens nas vísceras dos animais sacrificados
e paredes dos palácios. Cartomantes lêem no baralho, copo d’água, búzios.
Tudo é leitura. Tudo é decifração. Ler é uma forma de escrever com mão
alheia. Minha vida daria um romance? Daria, se bem contado. Mas bem
escrevê-lo são artes da narração. Mas só escreve bem, quem ao escrever
sobre si mesmo, lê o mundo também.
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AGRADECIMENTOS
Inicio com uma frase que redimensiona a temática deste trabalho. “Começar
a dizer nunca, é tarefa simples. E começar a escrever torna-se trabalho
árduo e duplamente complexo”, já dizia Tfouni... Realmente, a teoria sem a
prática perde sua essência. Assim como o sonho quando não é realizado.
Mais uma etapa em minha trajetória de vida está por se encerrar, ou por se
iniciar? Mais uma Missão Cumprida ou apenas um Título para massagear o
ego? Acredito que uma missão cumprida tem mais a ver com minha historia,
que a cada dia se fundamenta em meu EU. “O que importa é meu
aprendizado! É apenas o que levamos conosco!” Deus, meu criador, é
testemunha viva das palavras aqui supracitadas. Vem dele tal inspiração ao
relatar este momento sublime de minha vida.
Não posso de forma alguma deixar de evidenciar o companheiro que tenho
ao meu lado, como meu alicerce, Joffre de Mello Júnior, o “Gladiador” que
luta arduamente junto a mim. Um grande administrador de nossas vidas.
Sua orientação foi importante para a concretização desta Especialização, a
qual demanda recursos financeiros. Digo sempre que dinheiro não é tudo na
nossa vida, e ele diz que sem o mesmo, eu não pagaria os meus estudos,
livros, custos que envolvem o meu aprendizado, o qual eu valorizo.
Valeu a Pena! Reconheço que sou pescadora de sonhos, e não de ilusões!!!
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RESUMO
Buscar inúmeras contribuições para a prática social do sujeito, através de
uma reflexão para a prática, afim de estreitar a distância entre a escrita e a
realidade social do sujeito, é a essência deste trabalho.
Para que aja tal ação, é necessário o comprometimento dos profissionais em
educação na inserção social dos indivíduos, nos mais diversos e diferentes
estilos de textos existentes em seu cotidiano. Para tal consideração,
destaca-se neste momento, o papel da Supervisão Escolar competente,
assim como o papel da instituição familiar e escolar, estabelecendo uma
sinergia entre as questões.
A educação deve ser vista de fato, presente na construção de uma
sociedade mais consciente de seu valor, sem imposições, mas, com
negociações. Através do uso social da escrita e leitura, ou seja, do
processo de letramento que o ambiente transformador supracitado, será real
para todos que nele atuam. Surgirá a compreensão, não mais
entendimentos.
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METODOLOGIA
A pesquisa constitui-se no estudo bibliográfico, de diferentes autores que
contribuem com a temática que será desenvolvida no trabalho monográfico
em questão.
A presente pesquisa terá caráter eminentemente bibliográfico, limitando-se a
buscar contribuições oferecidas pelos mestres nas diversas áreas que
envolvem o exame do tema proposto (alfabetização e letramento), tais
como a Linguística, a História e as ciências da Educação.
A rigor, o trabalho procurou pôr em diálogo autores distanciados no
tempo e no espaço, que se manifestaram sobre o tema específico.
Enfim, a metodologia de pesquisa empregada para a elaboração deste
trabalho foi a pesquisa bibliográfica, com a utilização de livros, revistas
científicas e artigos publicados em eventos científicos.
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SUMÁRIO
Resumo
Introdução ---------------------------------------------------------------------------------------- 11
Capítulo I: Letramento e Práticas Sociais: Questões Afins ---------------------------- 15
1.1 Conceito de Letramento e Práticas Sociais ------------------------------------------- 15
1.2 Aspectos Sociais da Leitura e Escrita ------------------------------------------------- 19
1.3 Para que Aprender a Escrever --------------------------------------------------------- 21
1.4 Por um Aprendizado Significativo ------------------------------------------------------ 24
Capítulo II: Sugestões de Práticas de Leitura e Escrita numa Cultura Letrada --- 26
Capítulo III: Instituição Escolar como Espaço de Formação do Sujeito ------------- 31
3.1 Papel da Supervisão Escolar------------------------------------------------------------- 35
3.2 Comprometimento dos Profissionais --------------------------------------------------- 40
3.3 Participação da Instituição Familiar ----------------------------------------------------- 43
Considerações Finais --------------------------------------------------------------------------- 48
Referências Bibliográficas --------------------------------------------------------------------- 50
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INTRODUÇÃO
“CRESCE O NÚMERO DE LEITORES NO BRASIL”. Essa afirmativa foi dita
pelo jornalista e apresentador Boris Casoy da emissora Band Televisão, no
jornal da Noite, no dia 13/07/2009. Foi evidenciado ainda que 49% das
crianças que estão se tornando leitores, sofrem grande influência da mãe,
33% dos professores, e o restante, 22% sofrem influências do pai.
Diante deste aparato de informações, questionamos o seguinte: Será que
existe algo mais fundamental na vida escolar do que tomar posse dos
conhecimentos, fazendo deles instrumentos de compreensão da realidade e
de ação crítica, produzindo desta forma novos conhecimentos?
Acreditamos que o trabalho escolar pode ser vivido como uma prática social
criativa, fato este que contribuirá para a construção da nossa autonomia
como sujeitos de nossas próprias ações. Enfim, elaborar um trabalho
direcionado para uma atuação viva, como são vivos os conhecimentos.
A instituição escolar deve firmar laços permanentes com a instituição familiar
de seus educandos; inserir os mesmos em seus trabalhos didáticos
cotidianos. De nada adianta, desenvolver um trabalho pedagógico, sem
estabelecer uma sintonia com a família.
Tal questão é compreendida no Projeto Político Pedagógico da instituição,
onde a comunidade tem sua participação clara na consecução do mesmo,
11
os educandos sentem-se motivados com o envolvimento da família no
processo de aprendizagem.
A escola tem que estabelecer uma relação com o mundo social, natural e
cultural. O projeto de sociedade deve estar inserido no projeto pedagógico, e
os profissionais envolvidos devem estar engajados na construção desse
projeto.
Para tanto, Kramer (1996, p. 80) estabelece uma fundamentação ao
escrever:
O trabalho pedagógico é sempre construído e reconstruído,
avança e recua, sofre influência da escola e de fora da
escola, de nós mesmos e das crianças, não caminha
monótomo, em linha reta, mas traz conflitos, dá saltos, tem
contradições, e por isso mesmo pode ser rico, fascinante,
revelador.
A partir dessas questões sinalizadas, que se evidenciam nesse referido
trabalho, busca-se concepções que tendem elencar conceitos para
compreensão da temática, estabelecendo assim, ideias acerca do termo
letramento e reflexões sobre as questões sociais que envolvem o cidadão
diante de uma sociedade Letrada (ou grafocêntrica). Pretende ainda trazer
a tona, algumas questões que tratam do processo de Letramento, visto por
uma ótica de subsidiar o desenvolvimento da leitura e escrita dos sujeitos
inserido na sociedade, com pouca escolaridade, contribuindo desta forma
para o desenvolvimento das práticas sociais dos mesmos no processo
ensino-aprendizagem.
12
No Primeiro Capítulo, intitulado como “Letramento e Práticas Sociais”,
busca-se evidenciar questões que fundamentam tal temática, através da
conceituação, aspectos sociais da leitura e escrita, o que possibilitará
(resultará?) num aprendizado significativo. Analisa-se ainda a importância da
escrita, resultante de práticas culturais. Por ser uma das atividades
humanas, concebe como a confluência do uso de um instrumento, que ao
deixar marcas externas cria bens culturais (a escrita, os textos), e o exercício
de uma capacidade intelectual.
Colman (1989, p.22) esclarece a temática ao analisar:
Muitas coisas não poderiam existir no mundo atual sem a
escrita ... teríamos de imaginar um mundo sem livros, sem
livrarias, sem bibliotecas, sem jornais, sem cartas, sem
impostos, sem cheques, sem moeda, sem documentos de
identidade, sem cartazes de rua, sem etiquetas, nos
produtos comerciais, sem avisos, sem televisão, sem
computadores, sem receitas médicas, sem instruções em
geral, sem educação sistemática, sem dicionários, sem
enciclopédias; sem a gramática e sem lingüística; sem
ciências no sentido estrito; e um tipo de religião, de leis e de
literatura diferentes. Enfim, a civilização, e particularmente
a civilização urbana, é indispensável sem a escrita.
Já no Segundo Capítulo, propõe-se sugestões de práticas de leitura e escrita
numa cultura letrada, fato que contribuirá para o desenvolvimento das
práticas sociais. Sabe-se que leitura e escrita, unidos a dança, cinema,
artes em geral, são fatores que desempenham grande importância na vida,
sendo o alimento do espírito. Assim como o corpo, a nossa alma também
necessita de alimento. Uma alma subnutrida, definha, perde o viço da
criticidade, o vigor e a paixão pela vida.
13
Segundo F. Arthur (1984), “Seu passaporte para o sucesso”:
É uma regra geral na vida que a posição de uma pessoa
em relação à vida vai de acordo com o que lê e com a forma
em que aplica a sua leitura no seu próprio campo de ação.
Você deverá estar sempre bem informado para se manter
sempre um passo na frente dos seus competidores. Isto se
alcança melhor através da leitura; ler é investir
sensatamente o tempo; representa um investimento em si
mesmo.
Assim, tais sugestões que serão elencadas nesse trabalho será relevante, a
medida que focará a formação do educador, possibilitando o crescimento
profissional. Terá importância, pois contribuirá com a prática cotidiana do
educador, seja ela realizada ora no âmbito escolar, outrora no exterior da
instituição.
Quanto ao Terceiro e último Capítulo, pretende-se estabelecer de forma
eficaz, o papel da Supervisão Escolar e o comprometimento de todos os
profissionais envolvidos. Para tanto, será analisada a instituição escolar
como um espaço transformador, onde se desenvolve os sujeitos, para o
pleno exercício da cidadania. A transmissão de conteúdos ficou no passado,
quando apenas alfabetizava-se.... Atualmente, verifica-se que a formação do
sujeito atinge pontos mais significativos de desenvolvimento; não basta
saber ler e escrever, mas sim, interpretar, questionar, argumentar, fazendo o
uso social da leitura e escrita na sociedade letrada.
14
CAPÍTULO I
LETRAMENTO E PRÁTICAS SOCIAIS: QUESTÕES AFINS
Sabe-se que a escrita impregna a maioria das instituições sociais que
dirigem a vida comunitária, como o estabelecimento da identidade, a
transmissão da herança e a escolarização. Diante de tal justificativa, o ato
de pensar faz com que a percepção e o concebimento influam na linguagem,
fazendo com que a mesma sofra influência da escrita.
Para tanto, compreender que é necessário ter o domínio da escrita e da
leitura, para resolução de questões práticas, é o que tange o acesso à
informação e às formas superiores de pensamento, pois a linguagem
assume representatividade quando atinge o âmbito da escrita.
1.1 CONCEITO DE LETRAMENTO E PRÁTICAS SOCIAIS
“Letramento é a habilidade de colocar em ação todos os
comportamentos necessários para desempenhar
adequadamente todas as possíveis demandas de leituras”.
(Bormuth1)
É de grande valia acrescentar nesse trabalho, o conceito de
ALFABETIZAÇÃO como contraponto, e para maior compreensão do tema
proposto. Alfabetização é a ação de alfabetizar, de tornar “alfabeto”, sendo
1 O autor é citado por Teberosky, em seu livro Além da Alfabetização: A aprendizagem fonológica, ortográfica, textual e matemática. Ática, 1995.
15
realizado através de métodos mecânicos, com um objetivo puramente
específico: ensinar a leitura e escrita. O indivíduo que sabe ler e escrever
seu nome é considerado alfabetizado em nossa sociedade letrada. Mas,
será que este mesmo sujeito possui a capacidade de interpretar tal
sociedade onde esta inserido?
Tal questão se afirma de acordo com a definição de SOARES2:
Uma pessoa pode ser alfabetizada e não ser letrada; sabe
ler e escrever, mas não cultiva nem exerce práticas de
leitura e de escrita, não lê livros, jornais, revistas, ou não é
capaz de interpretar um texto lido; tem dificuldades para
escrever uma carta, até um telegrama – é alfabetizada, mas
não é letrada. (2003, p.473)
As restrições podem ser inúmeras, ao considerar a anulação de cidadania,
ao não acesso a bens culturais, o que resulta numa vida marginalizada.
Onde verifica-se a inserção no mundo, o qual requer o desenvolvimento do
sujeito, como atitudes, habilidades, conhecimentos, enfim, algumas
competências que o transforma em cidadão?
Freire (1996, p 90) em sua obra Pedagogia da Autonomia4, nos mostra que:
“A leitura de mundo precede a leitura da palavra”. De que adianta, conhecer
o código, se desconhece o contexto?
2 Magda Soares. Doutora e livre-docente em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Professora titular emérita de Educação. Autora de diversos livros sobre ensino de Português e de coleções didáticas para o nível fundamental. 3 SOARES, Magda. Letramento: Um tema em Três Gêneros. Autêntica, 1998. 4 FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia – Saberes Práticas à Prática Docente. 7ª Ed. SP: Paz e Terra, 1996.
16
Tal questão traz à tona a temática deste trabalho. Compreende-se por
LETRAMENTO, a condição de quem sabe ler e escrever, de quem responde
adequadamente às intensas demandas sociais pelo uso amplo e
diferenciado da leitura e da escrita. Esse fenômeno só recentemente se
configurou como uma realidade em nosso contexto social.
Segundo SOARES (op. cit.), o termo Letramento é entendido pelos adjetivos
letrados e iletrados:
O sentido que temos atribuído aos adjetivos letrados e
iletrados não está relacionado com o sentido da palavra
letra. Uma pessoa letrada é versada em letras. Uma pessoa
iletrada é aquela que não tem o conhecimento literário,
analfabeta ou quase analfabeta... A pessoa letrada já não é
a mesma que era quando analfabeta e iletrada ele passa ter
uma outra condição social e cultural. Não se trata
propriamente de mudar de nível ou de classe social, cultural,
mas de mudar de seu lugar social, seu modo de viver na
sociedade. (p.32)
Assim, ter-se apropriado da escrita é diferente de ter aprendido a ler e a
escrever, apropriar-se da escrita é tornar a escrita própria, ou seja, é assumi-
la como sua propriedade. Um indivíduo alfabetizado não é necessariamente
um indivíduo letrado; alfabetizado é aquele indivíduo que sabe ler e
escrever; já o indivíduo letrado vive em estado de letra/, é não só aquele que
sabe ler e escrever, mas aquele que usa socialmente a leitura e a escrita,
pratica a leitura e a escrita, responde adequadamente às demandas sociais
de leitura e de escrita. O Letramento presume uma dimensão social, o que
predispõe uma perspectiva de prática social.
17
SOARES (Op. cit) acrescenta o seguinte:
... o Letramento não é um atributo unicamente ou
essencialmente pessoal, mas é, sobretudo, uma prática
social. É o conjunto de práticas sociais ligadas à leitura e à
escrita em que os indivíduos se envolvem em seu contexto
social. Há interpretações conflitantes sobre a natureza da
dimensão social do letra/: uma interpretação progressista,
“liberal” (versão “fraca”) e uma perspectiva radical, “
revolucionária” (versão forte)5. (p. 72)
Logo, a Prática Social será de fato vivida, a partir do Letramento, quando
ocorre de forma perceptiva o uso efetivo da leitura e escrita. A escrita é a
leitura da própria escrita... O aprendizado da leitura não se resume em
pronunciar palavras, mas sim interpretação do código.
Contudo, analisa-se que as habilidades selecionadas são linguísticas e
afetam o controle sobre a linguagem, quanto a produção, segmentação e
análise. Assim, um certo conhecimento da linguagem equivale a ler e
escrever linguagem, pois se produz um efeito específico sobre muitas de
nossas habilidades, não só cognitivas mas também linguísticas.
Essa temática será esclarecida adiante.
5 Idem 3, p. 72.
18
1.2 ASPECTOS SOCIAIS DA LEITURA E ESCRITA
“Uma atividade intelectual, enfim, com interações recíprocas, as
quais sofrem influências reflexivas sobre a maneira de perceber,
produzir e analisar a linguagem, sobre as capacidades intelectuais
de registrar, planejar, corrigir e construir a linguagem e o
conhecimento em geral”. (Teberosky6)
Para que aprender a ler e escrever? O questionamento busca o entendi-
mento e esclarecimento das palavras leitura e escrita, para posteriormente
compreender a ação, o sentido de ler e escrever.
TEBEROSKY e TOLCHINSKY7 esclarecem na obra “Além da Alfabetização
– A Aprendizagem Fonológica, Ortográfica, Textual, Matemática”, o
significado das palavras, a seguir:
Leitura – é um conjunto de habilidades linguísticas e psicológicas, que se
estendem desde a habilidade de decodificar palavras escritas até
capacidade de compreender textos escritos. Desse modo, a leitura estende-
se da habilidade de traduzir em sons sílabas sem sentido, a habilidade de
captar significados; a capacidade de interpretar sequências de ideias8.
O processo de leitura é um ato complexo, sendo a relação entre
interpretação e decodificação, enfim, estabelece-se uma relação entre o que 6 Teberosky, Ana. Pesquisadora que investigou junto de Emília Ferreiro, o processo de aqui-sição da escrita. Doutora em Psicologia pela Universidade de Barcelona. Professora do Departamento de Psicologia Evolutiva e de Educação dessa Universidade. 7 Tolchinsky, Liliane. Trabalhou junto com Teberosky na organização da obra em questão. 8 Idem 1, páginas.68 e 69.
19
já se sabe e a informação fornecida pela leitura de algum texto. Sabe-se
que o leitor “é um processador ativo da informação do texto”; fato posterior a
informação interpretada, ocorre a decodificação, a qual embasa
reconstrução9 e assim coloca o aluno diante de uma reflexão, dando menor
importância a produção gráfica.
Escrita – é também um conjunto de habilidades linguísticas e psicológicas,
mas habilidades fundamentalmente diferentes daquelas exigidas pela leitura.
Enquanto as habilidades de leitura estendem-se da habilidade de decodificar
palavras escritas à capacidade de integrar informações provenientes de
diferentes textos, as habilidades de escrita estendem-se da habilidade de
registrar unidades de som até a capacidade de transmitir significado de
forma adequada a um leitor potencial. Desse modo, a escrita engloba desde
a habilidade de transcrever a fala, via ditado, até habilidades cognitivas,
inclui a habilidade motora (caligrafia), a ortografia, o uso adequado de
pontuação etc.
Freire destaca que a atividade de leitura/escrita deve ter como base a leitura
do mundo feita pelo educando como elemento transformador da realidade, e
não apenas a transmissão de conhecimentos. Portanto, é necessário que
esta atividade de leitura e escrita seja dinâmica e realizada com a integração
do sujeito no seu mundo social. Ele atribui à alfabetização a capacidade de
levar o analfabeto a organizar reflexivamente seu pensamento, desenvolver
a consciência crítica, introduzi-lo num processo real de democratização da
cultura e de libertação (Freire10).
9 Atividade com objetivos centrados na exercitação de estratégias de compreensão de leitura e conhecimento de textos: coerência textual, ordenamento, sintaxe etc. 10 FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler – em Três artigos que se completam, Cortez, 2000, p.67.
20
Diante da realidade apresentada por Freire, letramento define-se como a
exigência de não só ler e escrever, mas saber interagir dentro do ambiente
social vigente.
1.3 PARA QUE APRENDER A ESCREVER
...escrever é uma atividade intelectual que se realiza por
meio de um artefato gráfico manual, para registrar,
comunicar, controlar ou influir sobre a cultura dos outros.
(op.cit, p. 22)
A existência social dos indivíduos depende do registro escrito, por ser um
instrumento concebidor de bens culturais, sendo puramente uma atividade
humana.
A princípio, a escrita foi utilizada com o propósito de registro, comunicação
entre os homens (Olson, 1987, p. 21), ampliando-se assim, a novos
domínios, como o da ciência em geral, fato este que a torna necessário na
medida em que classifica e organiza os dados arquivados.
Por outro lado, a escrita teve um papel de controle social, criando assim
grupos de letrados (os quais se apoiavam na escrita, conhecidos como
escribas) e iletrados (grupo que não possuíam o dom da escrita).
21
Assim, adquire um novo papel, o de regulação e controle social da conduta,
onde as noções de leis, de norma, de direito e de correção estão associados
à escrita.
Segundo Labat (1968, p.22) “os domínios religiosos e literários foram os
últimos que os escribas conquistaram a tradição oral”. O ato de escrever
assume novas funções interiores, pois escrever e escrita aprimoram, e o
produto da escrita se vê desta forma, contaminado por seus próprios
produtos11. Verificam-se também funções como a produtiva e estética12.
Mudanças ocorreram agora no século XX, considerada a era digital, onde a
eletrônica cria um novo estilo de expressão, sem substituir o anterior13.
Exemplo claro de tal questão, é o livro da humanidade, a Bíblia, que para
iletrados, adquire novas formas graças à impressão de imagens, mapas,
tabelas, dando lugar à criação de manuais, dicionários.
A escrita é possuidora de dimensões materialistas e psicológicas; como
consequências de sua natureza material:
- as produções escritas têm rascunhos;
- os rascunhos permite um planejamento;
- o processo de elaboração retoma o produto;
- tal retomada implica em produção e reprodução;
- a correção e o planejamento supõe o locutor, ora produtor e outrora
avaliador do próprio texto;
- anulação da distância entre leitura e escrita, pois a escrita é a leitura
da própria escrita.
11 O meio gráfico de transmissão que materializa a mensagem separa não só o emissor do receptor, como também o emissor de sua própria palavra. 12 A pessoa que escreve reproduz a escrita de outro ou imita o uso mais freqüente, produzindo ao mesmo tempo sua própria escrita ou introduz certas inovações. 13 Segundo o papa Gregório, citado por Eisenstein, 1985
22
Quanto à dimensão psicológica são relacionados dados direcionados para
temática do aprender a escrever. Pesquisas sobre o desenvolvimento da
linguagem escrita14, a qual resumia-se em ditar textos a um colega, assim
como ler e escutar eram atividades frequentes que supunham um certo
trabalho já desenvolvimento sobre a linguagem, diferente de uma
conversação.
Já a segmentação comporta algum tipo de análise da linguagem, pois é vista
como produto da escrita (gramática). Quanto à classificação, é entendida
como a influência do escrever sobre a maneira de analisar a linguagem.
Desbordes (1995, op. cit.) considera como instrumentos de análise da
escrita, a linearidade, a manipulação e a fragmentação. Ocorrem ainda dois
tipos de critérios: o formal com aspecto de intrapalavra (quantidade de
letras), e o semântico-referencial com aspecto de extrapalavra (palavras com
outras unidades).
Contudo, analisa-se que as habilidades selecionadas são linguísticas e
afetam o controle sobre a linguagem, quanto à produção, segmentação e
análise. Assim, um certo conhecimento da linguagem equivale a ler e
escrever linguagem, pois se produz um efeito específico sobre muitas de
nossas habilidades, não só cognitivas mas também linguísticas.
14 Teberosky, 1992a; Tolchinsky, 1989.
23
1.4 POR UM APRENDIZADO SIGNIFICATIVO
“Transgredir é ... uma maneira de transformar, diferente de
errar, porque implica um conhecimento consciente da
restrição, regra, norma ou convenção que rege aquilo que
se transgride” (1995, p.65).
A aprendizagem deve ser embutida de significações, promovendo a tarefa
às possibilidades de realização seguida de resolução. Avalia-se que “ler não
é somente decodificar, mas que é a interpretação do texto e o contexto que
permite a leitura convencional”. (op. cit, p.154)
A realização de uma tarefa deve implicar um certo grau de dificuldade para
que se converta numa atividade de aprendizagem. “Aprendemos pouco ou
nada daquilo que já sabemos realizar e não podemos resolver o que está
muito além de nossos conhecimentos (Vygotsky, ibdem, p. 153).”
Quando se fala em alfabetização, o termo nos remete a “cultura do papel”.
Segundo Soares (In Letramento: Um tema em Três Gêneros) “Se uma
criança sabe ler, mas não é capaz de ler um livro, uma revista, um jornal; se
sabe escrever palavras e frases, mas não é capaz de escrever uma carta, é
alfabetizada, mas não é letrada (op. cit. p. 58) .”
A atuação do educador deve ser analisada de acordo com Vygotsky
(destaque meu), ao argumentar em seus estudos a “Zona de
Desenvolvimento Proximal” – ZDP15. O profissional nunca deve estacionar
15 VYGOTSKY, Lev. Semenovitch. Pensamento e Linguagem. SP: Martins, 1998. Teoria de Desenvolvimento.
24
seu trabalho educacional, de cerne político e pedagógico, no Nível de
Desenvolvimento Real - NDR, pois este é o ponto de partida da ação
pedagógica, ao englobar o saber propriamente dito. Para que a educação
estabeleça sua meta, que é a do efetivo aprendizado, que possibilite
alcançar o Nível de Desenvolvimento Potencial – NDP (o vir a ser do saber),
o trabalho político e pedagógico do educador deve ser desenvolvido na Zona
de Desenvolvimento Proximal, a qual pressupõe a distância entre os dois
níveis supracitados.
Atualmente, a cultura a qual vivenciamos é letrada, a qual requer do
indivíduo, o uso efetivo da leitura e escrita nas práticas sociais. É preciso
compreender, não mais entender todo o conteúdo ensinado em sala de aula
para que ocorra o aprendizado significativo.
Enfim, a aprendizagem significativa nesse contexto se estabelece na Zona
de Desenvolvimento Proximal – ZDP. Cabe ao educador transitar entre os
níveis de desenvolvimento.
25
CAPÍTULO II
SUGESTÕES DE PRÁTICAS DE LEITURA E ESCRITA NUMA
CULTURA LETRADA
“uma prática pedagógica capaz de levar em conta a diferença
cultura e de incorporar formas múltiplas específicas e
heterogêneas de vida, diferentes vozes precisam florescer a ponto
de se escutarem e se envolverem conjuntamente, em um esforço
contínuo para ampliar as formas públicas democráticas.”
(Giroux, 1995)
Nas sociedades contemporâneas, a instância responsável por promover o
letramento é a instituição escolar. Segundo Cook-Gumperz (In Letramento:
Um tema em Três Gêneros), “é consenso social, nos dias de hoje, que o
letramento é tanto o objetivo quanto o produto da escolarização (p. 84,
2003)”.
Não basta dizer que os alunos não gostam de ler, ou que aos poucos
chegarão à compreensão do texto. Esse tipo de pensamento revela uma
“concepção de língua como representação do pensamento correspondente a
um sujeito psicológico, individual, dono de sua vontade e de suas ações”
(KOCH, 2003, p. 13).
... para aprender a língua, o sujeito precisa falar, ouvir os
outros, conviver com a escrita que existe no mundo (nas
histórias, cartas, avisos, jornais, convites, bilhetes, etc.),
precisa escrever e ler o que as outras escrevem. Precisa,
enfim, penetrar no mundo da língua, como também no da
matemática e das ciências naturais e sociais.
26
Segundo Bakhtin (apud KOCH, idem, p.15-16), a língua é o próprio lugar da
interação:
é um sujeito social, histórica e ideologicamente situado, que
se constitui na interação com o outro. Eu sou na medida em
que interajo com o outro. É o outro que dá a medida do que
sou. A identidade se constrói nessa relação dinâmica com a
alteridade16.
As histórias de leitura vão se compondo pelos muitos outros que
compartilham conosco os momentos que vivenciamos frente aos livros:
nossos pais, professores, colegas. Pensar na constituição do sujeito leitor é
pensar nessa totalidade do fenômeno humano (GERALDI, 1993).
É nesta perspectiva que evidencia-se o desenvolvimento do trabalho com a
leitura em sala de aula: “é essa vivência do grupo que pode habilitá-lo para a
descoberta do significado do texto e das relações sociais dentro e fora da
escola” (CHIAPPINI e MARQUES, 1988, p.48). Esse é o compromisso que
todo educador preocupado com a formação do sujeito leitor e com as
capacidades envolvidas nas práticas sociais de leitura e de escrita, dos
educandos, pois “leitores não nascem feitos, (...) mas se formam com
trabalho e determinação” (LACERDA, 2003, p.228).
Chiappina e Marques (ibdem, p. 48), em um de seus relatos sobre atividades
realizadas em sala de aula, acrescentam que, por parte dos educandos, há
sempre uma grande expectativa por essa atividade em grupo e, apenas com
16 O termo tem por definição, a capacidade de apreender o outro na plenitude e dignidade, dos seus direitos, e, sobretudo, da sua diferença. Toda a estrutura de ensino no Brasil, criticada por Paulo Freire, é fundada nessa concepção.
27
o tempo, elas, como professoras, foram descobrindo a importância dessa
forma de realização da leitura.
Torna-se importante, evidenciar que um educador leitor, ao ler um texto,
demonstra o prazer pela ação de ler. Assim, o educador influencia o prazer
inafiançável pela leitura, à medida que envolve o ouvinte, pois narra a estória
de forma transformadora.
Logo, a leitura deve ser realizada hoje, de forma compartilhada, poderá, no
futuro, ser realizada solitária e autonomamente. Vygotsky (1989), analisa
que, “se, no futuro, essa leitura de alguma forma possibilitar novas
construções de sentidos, a meu ver estará contribuindo na formação de
sujeitos leitores mais críticos, que por sua vez nunca estarão prontos e
acabados” (GERALDI, 1993).
É de extrema importância, trabalhar a diversidade de gêneros na escola,
tendo como premissa no espaço educacional, onde “deveria” ocorrer o
ensinar e aprender a escrever textos pessoais e impessoais, ficção e não-
ficção, como a descrição, a narração, a notícia, imprescindível nessa fase da
escolarização.
Valoriza-se a inclusão de textos-modelo17, com o intuito de serem imitados,
fatos este que revaloriza a humilde repetição e a pouco apreciada imitação.
Os textos-modelos é um recurso que enriquece a capacidade de expressão,
precisão e diversidade linguística, tendo como proposta a transformação das
crianças em experientes literatos.
17 São textos que enfatizam aspectos literários, funcionais ou técnicos.
28
Estimular os professores à aquisição de outra percepção sobre os textos,
visto que o mesmo se arrisca a elevar a sua própria competência ao estágio
de única referência e, não poder desta maneira uma distinção entre o que já
adquirido pelo aluno e o que era satisfatório.
Para tanto se deve chamar a atenção do sujeito quanto a fabricação de
texto. Logo, tal atividade o educando deverá realizar ao longo da sua
escolarização; enfim, permitirá que os mesmos conheçam melhor quais são
“as condutas linguísticas, das quais depende o êxito ou o fracasso escolar.”
(grifos meus)
Diante da percepção, o educando deve partir de formulações conceituais
para analisar e refletir sua prática; a intervenção pedagógica deve ser
repensada com os processos e resultados dos alunos, fundida em análise e
avaliação e não julgamento.
Tal trabalho sofre influências construtivistas, com contribuições da Psicologia
Genética (Piaget) e da Psicolingüística, (Ferreiro), os quais ampliaram os
conhecimentos sobre a linguagem.
Assim como Vygotsky e Freire contribuíram a medida que analisam o
seguinte:
... devemos partir do que eles já sabem e criar situações
para que construam novos conhecimentos a partir da
interação... Temos ainda muito a aprender, e é justamente
essa incerteza que faz com que o nosso trabalho seja
interessante e apaixonante (pág.171 – 2º par.).
29
Enfim, o trabalho pedagógico deve ser preocupar com a cidadania, sendo
dirigido para uma atuação viva, como são vivos os conhecimentos, embora
muitas vezes tenham sido aprisionados, e, muitas vezes aprisionando os
protagonistas deste cenário educativo.
30
CAPÍTULO III
INSTITUIÇÃO ESCOLAR COMO ESPAÇO DE TRANSFORMAÇÃO
DO SUJEITO
“Emancipação social é, em seu âmago, descobrir-se capaz
de realizar o processo emancipatório por si mesmo, dentro
de circunstâncias dadas. Por isso, participação é a alma da
educação, compreendida como processo de desdobramento
criativo do sujeito social. Porque educar de verdade é
motivar o novo mestre, não repetir discípulos.” (Demo18)
A pessoa alfabetizada apenas lê e escreve sem fazer o uso em sua
plenitude do processo de leitura e escrita. O letramento tem uma grande
importância no âmbito escolar, através de ações pedagógicas, com o intuito
de buscar novos meios de ensinar, de “ver” e interpretar o mundo.
À luz dessas considerações sobre o grande número de habilidades e
capacidades que constituem a leitura e a escrita, evidencia-se que é
extremamente difícil formular uma definição consistente de letra/, ainda que
nos limitássemos a formulá-la considerando apenas as habilidades
individuais de leitura e escrita (p. 69,70).
A concepção de aprendizagem submete-se a questionamentos ora quanto à
“criação pessoal” do sujeito a qual pode ser tolida, e outrora, por em análise
o papel que se pode ou se deve dar a escola. Sabe-se que a escola é acima
18 DEMO, Pedro. Política Social, Educação e Cidadania, Papirus, 1994, p. 41.
31
de tudo, um lugar de “socialização”, e como tal presume a aprendizagem de
normas, assim como a obediência às mesmas.
Já com relação ao escrito, verifica-se o mesmo como ato “democrático”. A
educação não pode e nem deve ser vista apenas como criadora de hábitos.
Vai mais além! Parafraseando Freire: é um ato político pedagógico. Assim,
o âmbito escolar deveria propiciar tal ação, considerando a capacidade de
redigir, como uma atividade que se ensina e aprende, assim como tantas
outras. Para que haja de fato, um espaço de transformação do sujeito, é
importante que pense numa reforma educacional.
GENTILI19 (1996, p. 14) ratifica que a reforma educacional deve ser
reestruturada para flexibilizar a oferta educacional; promover uma mudança
cultural à medida que programar uma ampla reforma curricular. A Educação
não pode submeter-se à lógica produtiva; “ela não se limita em uma prática
social, absolutamente autônoma em relação ao contexto em que situa20”. É
necessária tratá-la de forma holística e não instrumentalizá-la.
19 Professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Coordenador Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH/UERJ) e Secretário Executivo Adjunto do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO). 20 Moreira, Antônio Flávio. Currículo – Políticas e Práticas. SP, Papirus, 4 ed
32
O autor supracitado argumenta ainda o seguinte:
a educação está sendo retirada da esfera dos direitos –
existe um verdadeiro retrocesso no reconhecimento dos
direitos sociais, na medida em que o projeto neoliberal
avança – para integrá-la na dinâmica do consumo, como
produto que também se encontra no mercado21.
A instrução escolar está associada à formação da cidadania, abarcando
experiências socioculturais. Não pode ser equiparada a uma mercadoria,
onde todos pagam para recebê-la de acordo com sua conveniência.
Segundo Dewey22, “educação é vida”; tudo que corresponde atividade
humana, corresponde também educação.
Moreira (ibdem, p.119) esclarece que:
Uma instituição multidimensional, que atue integradamente
em aspectos da vida do aluno relacionados ao bem-estar
físico, ao desenvolvimento como ser social e cultural e à
capacitação como ser político, precisa ser organizada de tal
forma que os aspectos reguladores e repressivos, inerentes
à ordem institucional, sejam dirimidos pela riqueza das
experiências democráticas ali vivenciadas”
Logo, verifica-se a extrema necessidade de modificar o currículo escolar,
para que haja de forma efetiva, um novo conceito da educação escolar. A
educação precisa ser inovada; essa inovação não acontecerá pelo
21 Idem 20. 22 Filósofo norte americano
33
diagnóstico sempre negativo da sociedade, de suas instituições, a escola e
os currículos, os cidadãos e os professores. A educação precisa ser
repensada através de seus conteúdos que necessitam ser inovados, para
que assim ela não perca sua função social.
É preciso que haja, de fato, condições para o letramento. Como? A
resposta para tal questão, remete mais uma vez, aos apontamentos de
Soares (1998, op. cit.), quando acrescenta como uma das condições, uma
efetiva e real escolarização da população:
... só nos demos conta da necessidade de letramento
quando o acesso à escolaridade se ampliou e tivemos mais
pessoas sabendo ler e escrever, passando a aspirar a um
pouco mais do que simplesmente aprender a ler e escrever.
(p.58)
Como segunda condição necessária, está intimamente ligada, a
disponibilidade de material de leitura, pois não há livrarias. Os livros são
caros, assim como revistas e jornais. Para completar, o que existe é um
pequeno número de bibliotecas disponíveis.
Será que diante dos questionamentos supracitados, ainda consigamos
acreditar que é possível vivenciar a leitura e escrita, como forma de lazer,
sendo as mesmas, necessárias ao desenvolvimento do sujeito?
Os indivíduos precisam sim, de fato, envolver-se em práticas sociais de
leitura e escrita.
34
3.1 PAPEL DA SUPERVISÃO ESCOLAR
“Promover mudanças na escola e no professorado requer uma
certa predisposição inicial: motivação para a tarefa docente, certa
capacidade de entusiasmo, possibilidade de enfrentar as próprias
limitações profissionais, de encarar o que se pode melhorar. E
também, como em todo aprendizado, um autoconceito equilibrado,
uma capacidade de trabalhar em grupo etc (pág 192 – 4º par.)”.
“Saber com Sabor”... assim Rangel direciona seus apontamentos no livro
“ Nove Olhares sobre a Supervisão23”, referente ao tema supervisão. A
autora evidencia seus pensamentos de forma sistemática, abordando a
importância e a contribuição do supervisor no contexto educacional.
A autora contribui ao esclarecer o objetivo da supervisão:
O objetivo específico da supervisão escolar em nível de
escola é o processo de ensino-aprendizagem. A
abrangência desse processo inclui: currículo, programas,
planejamento, avaliação, métodos de ensino e recuperação,
sobre os quais se observam os procedimentos de
coordenação, com finalidade integradora e orientação,
nucleada no estudo, nas trocas, no significado da práxis.
(1997, p.78)
23 RANGEL, Mary. SILVA JR, Celestino Alves da (orgs.). Nove Olhares sobre a Supervisão. 14ª ed. SP: Papirus, 1997.
35
A supervisão tem um papel político, pedagógico e de liderança no espaço
escolar, penso que é necessário sempre ressaltarmos; sem desconsiderar o
restante da equipe, mas o supervisor escolar deve ser inovador, ousado,
criativo e, sobretudo um profissional de educação comprometido com o seu
grupo de trabalho. Precisamos ter humildade também para aprender e ouvir
quando o grupo fala, argumentos teóricos para garantir a continuidade da
proposta e a sabedoria de recuar quando sentir que o grupo ainda necessita
de mais tempo. Tempo? O suficiente para continuarmos a caminhada e
durante o trajeto irmos pensando sobre nossas ações.
É de inteira responsabilidade do Serviço de Supervisão Escolar:
- Formação do grupo para a elaboração das regras;
- Divulgação do projeto político-pedagógico e da nova filosofia da
escola para todos os segmentos da comunidade escola;
- Reorganização da escola para implementar a nova proposta político-
pedagógica;
- Trabalho para aprovação e divulgação das regras da escola com
todos os segmentos;
- Discussões para as mudanças do sistema de avaliação
Devemos ter na supervisão uma responsabilidade enorme na coordenação
destes processos na escola. Sem o apoio deste profissional, muitas vezes
quando se pensava que tudo estava sob controle, entrava-se na sala dos
educadores, nas discussões do cotidiano e se percebia que o discurso,
havia mudado, mas a prática não.
36
Caberá ao profissional em questão, ter sensibilidade de diagnosticar a
problemática em questão, e assim, ter maturidade, controle e confiança para
liderar o grupo, estabelecendo desta forma, um relacionamento interpessoal
sadio e desafiador.
A sala, o espaço físico da supervisão também é um fator de grande
importância. A porta deve estar aberta, a mesa deve ser redonda, os livros
colocados à disposição de todos e o supervisor refletindo sempre sobre suas
ações, revendo seus referenciais e avançando do trabalho individual para a
construção coletiva, do burocrático para o participativo e do julgamento para
a valorização. Fazer das reuniões pedagógicas um espaço de construção e
crescimento, e não de cobranças e controles dos professores, restringindo-
se em assuntos como organizações de eventos e avisos.
Rangel (1997) contribui com a compreensão sobre a temática, ao
esclarecer:
O objetivo específico da supervisão escolar em nível de
escola é o processo de ensino-aprendizagem. A
abrangência desse processo inclui: currículo, programas,
planejamento, avaliação, métodos de ensino e recuperação,
sobre os quais se observam os procedimentos de
coordenação, com finalidade integradora e orientação,
nucleada no estudo, nas trocas, no significado da práxis.
(p.78)
37
Contudo, o papel do supervisor torna-se claro, diante dos questionamentos e
mudanças frente a novas perspectivas da educação. Contribui de forma
efetiva, ao organizar, articular o coletivo da escola, no sentido de refletir
sobre as ações, sensibilizando a todos os envolvidos sobre as necessidades
do grupo e direcioná-las à transformação, sem descartar o caráter político de
sua função. A atuação do supervisor educacional torna-se relevante, no
atual contexto da educação brasileira, a medida que direciona o trabalho
pedagógico na escola em que atua, para que se efetive a qualidade em todo
o processo educacional. É um especialista que tem como finalidade básica,
manter a motivação do corpo docente. É um idealista por natureza, ao
definir claramente que caminhos tomar, que papéis se propõe a
desempenhar, buscando constantemente ser transformador, trabalhando em
parceria, integrando a escola e a comunidade na qual se insere.
Segundo Freire (1998), a relação entre os profissionais em questão, ocorrerá
como:
“Se, na verdade, o sonho que nos anima é democrático e
solidário, não é falando aos outros, de cima pra baixo,
sobretudo, como se fôssemos os portadores da verdade a
ser transmitida aos demais,que aprendemos a escutar, mas
é escutando que aprendemos a falar com eles.” (p.127)
Com postura sempre de aprendizagem e de humildade é que colocamos os
objetivos pensados e sistematizados pela equipe em evidência, ou seja,
perpassando por outros espaços onde se estabelecem aprendizagens. Os
portões da instituição escolar tornam-se neste contexto, apenas um detalhe.
Os educadores aprendem com a supervisão, a partir de técnicas, mas ao
38
mesmo tempo ensina a este mesmo profissional, de acordo com as
inúmeras experiências vividas em sala de aula.
Redin (1999), estabele a importância do espaço escolar a seguir:
Uma grande escola exigirá docentes competentes, abertos
para o mundo e para o saber, sempre de novo redefinidos.
Docentes e estudantes conscientemente comprometidos.
Uma grande escola exigirá espaços físicos, culturais, sociais
e artísticos, equipados que abriguem toda a sabedoria
acumulada da humanidade e toda a esperança de futuro –
que não seja continuidade do presente, porque este está em
ritmo de barbárie – mas seja sua ultrapassagem. Uma
grande escola exigirá tempo. Tempo de encontro, de
encanto, de canto, de poesia, de arte, de cultura, de lazer,
de discussão, de gratuidade, de ética e de estética, de bem-
estar e de bem-querer e de beleza. Porque escola grande
se faz com grandes cabeças (é certo!), mas também com
grandes corações, com muitos braços, que se estendem em
abraços que animam caminhadas para grandes horizontes.”
(p. 0724)
Resumindo: a ação o supervisor pedagógico é mediar e articular o
acompanhamento pedagógico com a comunidade escolar, além de ser o
responsável por colocar a proposta em ação.
24 REDIN, Euclides. Nova Fisionomia da Escola Necessária. RS:Unisinos, 1999.
39
3.2 COMPROMETIMENTO DOS PROFISSIONAIS
a prática educativa exige responsabilidade. O espaço
pedagógico é um texto para ser constantemente “lido”,
“interpretado”, “escrito” e “reescrito”; tal argumento facilita
possibilidades de aprendizagem claramente expostas na
escola. Logo, meu testemunho tem que ser ético, nunca
falhando a verdade; a justiça tem que se fazer presente.
(Freire)
Educar é uma tarefa que exige comprometimento, perseverança,
autenticidade e continuidade. As mudanças não se propagam em um tempo
imediato, por isso, as transformações são decorrentes de ações. É preciso
que o trabalho seja realizado em conjunto, onde a comunidade participe em
prol de uma educação de qualidade baseada na igualdade de direitos.
Logo, ao saírem dos cursos de graduação, os professores estão céticos com
uma visão crítica; pesquisar e teorizar e também para inovar a prática
escolar. Os sujeitos25 da ação pedagógica são os sujeitos da inovação.
Devemos partir da premissa de uma visão positiva da educação básica dos
professores; uma visão realista que se resume para o estímulo à construção
coletiva a qual presume a inovação, e não progressista a que destaca
aspectos negativos da escola (grifos meus). Enfim, as razões pedagógicas
e sociais são valores constituintes dos processos de formação humana. A
inovação educativa parte deste princípio ético, dos valores, da prática.
25 Os professores são reconhecidos desta maneira.
40
Sabemos que o trabalho escolar pode ser vivido como uma prática social
criativa, a medida que os envolvidos, remete ao educador e educando, uma
prática que se torna cooperativa, moldando num grupo de trabalho
organizado.
Freire contribui com sua obra Pedagogia da Autonomia, ao elencar algumas
especificidades ao professorado, a medida que estabelece um conjunto de
princípios que pode nortear a prática docente.
Entendemos assim com Freire que o ato de ensinar é uma especificidade
humana. O autor acrescenta em sua obra, que, ensinar exige rigorosidade
metódica, pesquisa, criticidade, autonomia, humildade, tolerância,
curiosidade, mudança, alegria, esperança, bom senso, respeito à autonomia
do ser do educando etc.
Mas, de acordo com o capítulo em questão, o ensinar como forma de
intervenção no mundo, deve ser esclarecido, conforme Freire:
por intervir no mundo, a educação implica tanto o esforço de
reprodução da ideologia dominante quanto o seu
desmascaramento. O professor se faz a favor da decência,
da liberdade contra o autoritarismo, da autoridade contra a
licenciosidade, enfim, “a favor da luta constante contra
qualquer forma de discriminação, contra a dominação
econômica (ordem capitalista) dos indivíduos ou das classes
sociais.” A autonomia é pressuposto da decisão26.
26 Freire, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa. SP: Ed. Paz e Terra pág. 110.
41
Freire ainda argumenta que o ensinar exige competência profissional,
segurança e generosidade, a seguir:
...nenhuma autoridade docente se exerce ausente da
competência profissional, assim como a generosidade (a
arrogância nega a humildade). É de suma importância o
clima de respeito que nasce de relações justas, onde a
autoridade docente e as e as liberdades dos alunos se
assumem eticamente, autentica o caráter formador do
espaço pedagógico. À prática da autoridade democrática
pressupõe a autonomia, ato de convencer ou persuadir a
liberdade em constante construção e reconstrução consigo
mesma, antes dependente, agora fundida na
responsabilidade. Enfim, ocorre a construção da
responsabilidade da liberdade que se assume, onde a
reinvenção do ser humano no aprendizado de sua
autonomia é o essencial nas relações entre educador e
educando, entre autoridade e liberdade27.
Contudo, o trabalho pedagógico deve ter em sua essência, a cidadania.
Parafraseando Kramer, em sua riquíssima obra “Por entre as Pedras:
Armas e Sonhos na Educação”, ao analisar que um traballho pedagógico
deve ser dirigido para uma atuação viva e coerente. O mundo do
conhecimento precisa imediatamente ser transformado, com criticidade,
coerência, simplicidade e generosidade. Logo, tal questão trará a tona, o
conflito, nunca podendo surgir o confronto. Um ambiente conflituoso é sadio
e ousado, favorecendo a aprendizagem. Caso haja confronto, a prática
precisa de fato, ser repensada.
27 Op. Cit., pág. 102.
42
3.3 PARTICIPAÇÃO DA INSTITUIÇÃO FAMILIAR
“Temos, de um lado, os ensinamentos da escola e, de outro,
todas as aprendizagens fora da escola, seja a partir de uma
cultura escrita já dominada pelo grupo social, seja por uma
conquista individual, que é sempre vivida como um
distanciamento frente ao meio familiar e social e, ao mesmo
tempo, como uma entrada em um mundo diferente.”
(Chartier)
Iniciamos o tópico relacionado à família, com uma frase de Freire (1994,
p.20), a qual eu não me canso de parafrasear em inúmeros trabalhos
acadêmicos: A leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a
leitura desta implica a continuidade da leitura daquele. (...) este movimento
do mundo à palavra e da palavra ao mundo está sempre presente.
Movimento em que a palavra dita flui do mundo mesmo através da leitura
que dele fazemos. De alguma maneira, porém, podemos ir mais longe e
dizer que a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo,
mas por uma certa forma de “escrevê-lo” ou de “reescrevê-lo”, quer dizer, de
editá-lo constantemente.
Tal questão implicará automaticamente, na formação humana; formação do
ser social. O sujeito tem como primeiro referencial de socialização, sua
identidade familiar, seguido posteriormente da instituição escolar. É a
mesma instituição que deve ser responsável pela criação de hábitos do
cidadão no início de sua vida. Deve alicerçar o indivíduo, priorizando seu
desenvolvimento psíquico e social, sem coagir o mesmo nas escolhas
futuras.
43
Compreendemos que um país educado é um país em progresso; e esta
educação pode vir da escola e da família. A educação oriunda da escola,
além de transmitir conhecimento, deve ter o papel de formar cidadãos
críticos, éticos e conhecedores de seus direitos.
Educar é muito mais que cuidar, é muito mais do que preocupar-se apenas
com a alimentação, a higiene, a roupa, etc., ferramentas que também fazem
parte do processo educacional, mas que, quando utilizadas de forma isolada
ou combinadas com o egocentrismo humano, mais deseducam que educam.
Educar também é cuidar. Cuidar nem sempre engloba o educar, da mesma
maneira que educação pressupõe a instrução, mas a instrução nem sempre
realiza a educação. Hoje, no mundo globalizado, em que as tecnologias da
informação e das comunicações predominam, percebemos o quanto é
perigoso, tanto para o desenvolvimento individual, quanto social, cuidarmos
apenas do acesso ao conhecimento sem a correspondente formação de
hábitos e do senso moral.
A instituição familiar deve entender que o processo de educar remete a
cuidar, orientar, estimular, criar bons hábitos, exemplificar, acompanhar,
renunciar, dar de si mesmo, e, acima de tudo, amar sem condições
preestabelecidas e retorno definido. A culpa pela existência dos males
sociais não está exclusivamente nos governantes; ela caberá a todos,
responsáveis pela educação das novas gerações e pelo estilo de vida que
caracteriza a sociedade em que vivemos.
A família é a base da sociedade porque a educação propiciada pela mesma
possui total influência sobre a personalidade dos indivíduos que formam a
estrutura social. As crianças, adolescentes e jovens necessitam encontrar no
lar modelos de bem através da conduta dos pais, conduta que deve estar
44
estabelecida em bases éticas e exemplos de amor. Os filhos carregam para
os grupos sociais toda a influência, positiva e negativa, que recebem no lar,
e sua interação com a sociedade será conforme os valores interiorizados na
convivência familiar. Se queremos uma sociedade melhor, mais humana,
moralizada, equilibrada, em paz, essa sociedade deve ter inicio no lar. A
educação moral dos indivíduos é tarefa primeira e primordial da família.
Vivemos dentro de uma família, que faz parte de uma imensa teia de
relações, incluindo pessoas, instituições e ideologias. Nos tornamos
humanos no convívio com outros humanos. É dentro desta rede social da
qual a família faz parte, que construímos a nossa imagem e a do outro. O
grupo de convivência é que nos fornece parâmetros para sabermos se
somos ou não bem sucedidos. Concordando ou discordando, fazendo ou
buscando mudanças, não temos como fugir ao modelo que o grupo nos
fornece; e o sucesso está intimamente ligado a forma como nos
relacionamos com pessoas.
Enfim, assim como o corpo docente, a família precisa perder esses preceitos
que atualmente encontram-se enraizados em sua instituição. O fracasso
escolar não pode mais ser justificado por questões como:
- falta de estrutura familiar do educando;
- professores mal preparados e mal remunerados;
- contexto onde a escola se localiza, assim como a comunidade onde
a família está inserida do sujeito.
Chega! Parece que tanto a família quanto a escola (em especial os
professores) estão sempre devendo algo. São sempre os culpados pelo
rendimento desfavorável do educando... As acusações surgem por todos os
lados, até mesmo entre a instituição escolar e familiar; os professores
culpam aos responsáveis, e vice versa.
45
Valle28 corrobora com a temática ao enfatizar:
... a cultura comum deve , sobretudo, tornar possível uma
forma de participação social mais ampliada e é, portanto,
necessariamente definida pelo sentido atribuído à cidadania,
as suas características e condições de exercício. Em outras
palavras, o “participável” a que dá acesso a escola não tem
fim em si mesmo, mas precede e prepara o eu se poderia
chamar a plena participação na sociedade 29.
Já de acordo com o ponto de vista dos direitos humanos no Brasil, a
educação tem sido tratada na literatura muito mais como alavanca para o
exercício do direito humano do que como direito humano em si, sendo este
um tema novo enquanto conceito:
Conceber a Educação como Direito Humano diz respeito a
considerar o ser humano na sua vocação ontológica de
querer ser mais, diferentemente dos outros seres vivos,
buscando superar sua condição de existência no mundo.
Para tanto, utiliza-se do seu trabalho, transforma a natureza,
convive em sociedade. [...] Pensar a Educação como Direito
Humano é reconhecer que a educação escolar implica no
envolvimento da escola em toda a ambiência cultural e
comunitária em que está inserida. (HADDAD, 2003, p. 3).
Segundo Haddad, não apenas a educação escolar, mas a educação em seu
sentido total, que permeia a vida do ser humano desde o seu nascimento até
a sua morte, é fundamental para a “realização desta vocação humana”. 28 Professora Titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 29 VALLE, Lílian do. A Escola e a Nação – As origens do projeto pedagógico brasileiro. SP: Letras & Letras, 1997, p. 11.
46
Esses processos educativos ocorrem tanto no seio da família, quanto na
comunidade em que se vive, no seu ambiente de trabalho, na religião, nos
círculos de amizade, enfim, na vida do ser humano, que vai além do banco
escolar.
Em suma, caberá tais instituições aqui evidenciadas, criarem de fato uma
sinergia, pois os papéis destes dois grupos são indispensáveis e
indissociáveis no desenvolvimento do sujeito. Mas para isso, as mesmas
devem estar compromissadas e cientes de suas funções.
Atualmente, educar não pode ser vista ainda por nós, como tarefa árdua e
difícil na prática. Deverá acontecer na prática, como foi pensada na teoria.
47
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na vida, sabemos que a educação é fundamental para vencer e prosperar.
Leva ao conhecimento, e quanto mais o individuo sabe, mais preparado
estará para enfrentar a mesma. Este conhecimento pode ser oriundo de
escolas ou de experiências pessoais. Tudo que aprendemos, de alguma
forma, se transforma em conhecimento.
Sabemos da grande importância da educação informal, que consiste na
aquisição de conhecimentos formados em qualquer fonte de confiabilidade
que não seja a escola. É aprender com livros, empregando a observação
pessoal, cursos à distância ou utilizando qualquer meio que lhe permita
aprender o que gostaria de saber. Conhecer ou falar com pessoas letradas
e cultas também pode constituir uma maneira informal de aprendizado.
Amar e admirar alguém dotado de muito conhecimento e que aprecie a
leitura também norteia o individuo para o caminho da leitura e do
aprendizado.
Aprender dessa forma significa que o individuo encontra-se fortemente
motivado pelo que lhe interessa, pois quem aprende de maneira informal o
faz por vontade de aprender. Geralmente essas pessoas têm um vivo desejo
de vencer e por isso assimilam muito bem tudo o que estudam. Aprender
por vontade própria justifica o “Saber com Sabor” fazendo com que a
instrução atenda o sujeito em potencial.
Muitas pessoas que jamais foram à escola se tornam bem sucedidas, porém
não podemos afirmar que não tinham educação. Apenas aprenderam de
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maneira informal. O processo educativo jamais termina, pois durante toda a
vida estamos aprendendo.
Sabemos ainda que a relação com o mundo é estabelecida e mediada pelo
outro, de forma que são as experiências acumuladas social e culturalmente
que propiciam aos sujeitos a oportunidade de articulação do que já sabem
(Nível de Desenvolvimento Real - NDR) com o que virão a aprender (Nível
de Desenvolvimento Potencial - NDP). É nessa articulação do que os
sujeitos, em especial o adulto, já sabem com o que espera-se que os
mesmos aprendam, que encontra-se consideravelmente, o espaço de
atuação do professor: a Zona de Desenvolvimento Proximal – ZDP).
A mediação que é constante em nossas vidas, em nossa constituição de
sujeitos, deveria pautar igualmente o trabalho escolar como um espaço de
continuidade do desenvolvimento dos indivíduos. A vivência (...) da
mediação pedagógica é o espaço próprio do professor na relação de ensino.
Em suas atividades didático-pedagógicas, ele está a todo momento, embora
não se dê conta, jogando com a configuração dos contornos da relação de
ensino, com sua direção, com parte de suas condições de produção. Ele
está a todo momento sendo sobressaltado pelos dizeres, gestos e olhares
dos alunos (FONTANA, 2003, p.9-10) (Destaques meus)
Caberá a escola ter como propósito básico, oferecer elementos de reflexão
teórica, de pesquisa e de experiência da intervenção pedagógica, com o
intuito de investigar questões negativas que perpassam em seu cotidiano.
O efetivo Letramento do sujeito não acontecerá num passe de mágica. É
um processo, o qual precisa ser desenvolvido a partir de competências
básicas, as quais propiciarão o uso social da leitura e escrita. Caso
contrário, continuaremos vivendo apenas de utopias. Mas, para que tal
processo se efetive de fato, na vida do indivíduo, as funções da família
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devem ser divididas com as instituições educacionais. Todos sabem da
importância da educação como instrumento de formação do ser em
desenvolvimento.
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