Post on 13-Dec-2015
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Inquérito Policial sem ampla defesa e contraditório é aberração jurídica
Lembro-me da minha primeira aula sobre Inquérito Policial. E lembro-me das
palavras do professor e de como minhas antenas ficaram ligadas apitando o sinal de
alerta. Ora, o que eu aprendi sobre o IP? O clássico “é um procedimento de caráter
instrumental que pretende esclarecer previamente os fatos tidos por delituosos antes
de ser ajuizada a ação penal”.
Segundo Tourinho Filho,
O inquérito policial é o conjunto de diligência realizadas pela
Polícia Judiciária para a apuração de uma infração penal e sua
autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em
juízo.
Até aí tudo bem. Todo mundo sabe e concorda, não é? O problema é que meu
professor logo avisou: “- para a doutrina majoritária, como uma das características do
IP é ser inquisitivo, não se admite a possibilidade de defesa.” E pronto! Encerrou-se a
conversa e a aula seguiu o seu rumo a fim de que entendêssemos por que é inquisitivo.
O problema é que fui formado no modelo de educação do Rubem Alves e
aprendi com ele que “a curiosidade é uma coceira nas ideias”, então comecei a querer
acabar com esta coceira e fui pesquisar sobre o assunto. Para mim, não é possível que
uma maioria diga uma coisa e a gente trate isto como normal...
Então fui até o livro “Curso de Direito Processual Penal”, escrito por Nestor
Távora e Rosmar Rodrigues Alencar, ed. 2015, e estava lá:
A inquisitoriedade permite agilidade nas investigações,
otimizando a atuação da autoridade policial. [...] Admitindo a
possibilidade de defesa na fase inquisitorial, porém em
posição francamente minoritária, Marta Saad aduz que “[...]
não se pode afirmar que não se admite o exercício do direito de
defesa, porque esta tem lugar “em todos os crimes e em
qualquer tempo, e estado da causa, e se trata de oposição ou
resistência à imputação informal, pela ocorrência de lesão ou
ameaça de lesão”.
Ora, até quando deveremos abandonar as ideias dos “francamente
minoritários”? O fato é que todos sabemos que é muito mais fácil governar num
regime ditatorial e que realmente é muito mais ágil para a investigação policial um
regime inquisitivo, mas e as consequências advindas disso tudo? Aliás, ditadura e
sistema inquisitivo são gêmeos siameses.
Se a finalidade do Inquérito é apurar autoria de crime e conhecer o verdadeiro
autor do fato que infringiu a norma, é inadmissível que ao constar suspeito este não
tenha direito à ampla defesa e contraditório: uma documento acusando-o de algo está
sendo formado. É a vida do sujeito.
Mas, apesar do Távora e Rosmar citarem apenas a Marta Saad como parte de
um grupo francamente minoritário que apoia a ampla defesa no IP, com alegria
encontro pessoas como o Aury Lopes Jr. Para este, em sua obra “Direito Processual
Penal”, ed. 2014, p. 338
É lugar-comum na doutrina a afirmação genérica e infundada
de que não existe direito de defesa e contraditório no inquérito
policial. Está errada a afirmação, pecando por reducionismos.
Aury, com a maestria que lhe é peculiar, entende que qualquer notícia-crime
imputa um fato aparentemente delitivo a uma pessoa e, desta forma, já se vislumbra
uma agressão ao imputado e que tem potencialmente força para gerar no plano
processual uma resistência. Logo, se vê que a defesa é de suma importância no
Inquérito Policial, sim, pois, por meio dela, o suspeito pode chamar a atenção do titular
do Inquérito Policial para algo que ele não havia atentado e, desta forma, contribuir
para que não haja injustiça ao apresentar uma investigação equivocada, pois
unilateral.
Nenhum sistema inquisitivo deve prosperar em um Estado Democrático de
Direito. Para mim, só por conter o nome de inquisitivo ele já é inconstitucional, afinal
de contas vivemos numa era de Neoconstitucionalismo, não é verdade? Chega de falar
em princípios, é preciso efetivá-los. E lógico, um inquérito policial, inquisitivo, quer
apenas dar um poder à autoridade policial sob a argumentação de que esta precisa
trabalhar com autonomia e liberdade. Mera carta branca para tolher a autonomia e
liberdade do investigado.
Desta forma, não tenho como não concordar com o Aury Lopes quando diz que
“existe direito de defesa (técnica e pessoal – positiva e negativa) e contraditório (no
sentido de acesso aos autos). O desafio é dar-lhes a eficácia assegurada pela
Constituição.” E digo mais: o desafio é garantir o que reza a nossa Constituição, e
também, pois muito importante, acabar com esta coisa macabra que é, em sala de
aula, adotar a ideia majoritária e passar por cima de quem pensa diferente. Chega de
educação inquisitiva também! A sala de aula é lugar de divergências e não de apenas
ensinar o essencial; salvo, claro, se estivermos pensando apenas em responder
questões de concurso público onde imperam as ideias da maioria dona do mercado
concurseiro - mas isto é assunto para outro dia...
Inquérito Policial sem ampla defesa e contraditório é aberração jurídica. E que
Deus nos livre das aberrações do ensino jurídico. Amém!