Inquérito Policial sem ampla defesa e contraditório é aberração jurídica

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Inquérito Policial sem ampla defesa e contraditório é aberração jurídica Lembro-me da minha primeira aula sobre Inquérito Policial. E lembro-me das palavras do professor e de como minhas antenas ficaram ligadas apitando o sinal de alerta. Ora, o que eu aprendi sobre o IP? O clássico “é um procedimento de caráter instrumental que pretende esclarecer previamente os fatos tidos por delituosos antes de ser ajuizada a ação penal”. Segundo Tourinho Filho, O inquérito policial é o conjunto de diligência realizadas pela Polícia Judiciária para a apuração de uma infração penal e sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo. Até aí tudo bem. Todo mundo sabe e concorda, não é? O problema é que meu professor logo avisou: “- para a doutrina majoritária, como uma das características do IP é ser inquisitivo, não se admite a possibilidade de defesa.” E pronto! Encerrou-se a conversa e a aula seguiu o seu rumo a fim de que entendêssemos por que é inquisitivo. O problema é que fui formado no modelo de educação do Rubem Alves e aprendi com ele que “a curiosidade é uma coceira nas ideias”, então comecei a querer acabar com esta coceira e fui pesquisar sobre o assunto. Para mim, não é

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Inquérito Policial sem ampla defesa e contraditório é aberração jurídica

Lembro-me da minha primeira aula sobre Inquérito Policial. E lembro-me das

palavras do professor e de como minhas antenas ficaram ligadas apitando o sinal de

alerta. Ora, o que eu aprendi sobre o IP? O clássico “é um procedimento de caráter

instrumental que pretende esclarecer previamente os fatos tidos por delituosos antes

de ser ajuizada a ação penal”.

Segundo Tourinho Filho,

O inquérito policial é o conjunto de diligência realizadas pela

Polícia Judiciária para a apuração de uma infração penal e sua

autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em

juízo.

Até aí tudo bem. Todo mundo sabe e concorda, não é? O problema é que meu

professor logo avisou: “- para a doutrina majoritária, como uma das características do

IP é ser inquisitivo, não se admite a possibilidade de defesa.” E pronto! Encerrou-se a

conversa e a aula seguiu o seu rumo a fim de que entendêssemos por que é inquisitivo.

O problema é que fui formado no modelo de educação do Rubem Alves e

aprendi com ele que “a curiosidade é uma coceira nas ideias”, então comecei a querer

acabar com esta coceira e fui pesquisar sobre o assunto. Para mim, não é possível que

uma maioria diga uma coisa e a gente trate isto como normal...

Então fui até o livro “Curso de Direito Processual Penal”, escrito por Nestor

Távora e Rosmar Rodrigues Alencar, ed. 2015, e estava lá:

A inquisitoriedade permite agilidade nas investigações,

otimizando a atuação da autoridade policial. [...] Admitindo a

possibilidade de defesa na fase inquisitorial, porém em

posição francamente minoritária, Marta Saad aduz que “[...]

não se pode afirmar que não se admite o exercício do direito de

defesa, porque esta tem lugar “em todos os crimes e em

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qualquer tempo, e estado da causa, e se trata de oposição ou

resistência à imputação informal, pela ocorrência de lesão ou

ameaça de lesão”.

Ora, até quando deveremos abandonar as ideias dos “francamente

minoritários”? O fato é que todos sabemos que é muito mais fácil governar num

regime ditatorial e que realmente é muito mais ágil para a investigação policial um

regime inquisitivo, mas e as consequências advindas disso tudo? Aliás, ditadura e

sistema inquisitivo são gêmeos siameses.

Se a finalidade do Inquérito é apurar autoria de crime e conhecer o verdadeiro

autor do fato que infringiu a norma, é inadmissível que ao constar suspeito este não

tenha direito à ampla defesa e contraditório: uma documento acusando-o de algo está

sendo formado. É a vida do sujeito.

Mas, apesar do Távora e Rosmar citarem apenas a Marta Saad como parte de

um grupo francamente minoritário que apoia a ampla defesa no IP, com alegria

encontro pessoas como o Aury Lopes Jr. Para este, em sua obra “Direito Processual

Penal”, ed. 2014, p. 338

É lugar-comum na doutrina a afirmação genérica e infundada

de que não existe direito de defesa e contraditório no inquérito

policial. Está errada a afirmação, pecando por reducionismos.

Aury, com a maestria que lhe é peculiar, entende que qualquer notícia-crime

imputa um fato aparentemente delitivo a uma pessoa e, desta forma, já se vislumbra

uma agressão ao imputado e que tem potencialmente força para gerar no plano

processual uma resistência. Logo, se vê que a defesa é de suma importância no

Inquérito Policial, sim, pois, por meio dela, o suspeito pode chamar a atenção do titular

do Inquérito Policial para algo que ele não havia atentado e, desta forma, contribuir

para que não haja injustiça ao apresentar uma investigação equivocada, pois

unilateral.

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Nenhum sistema inquisitivo deve prosperar em um Estado Democrático de

Direito. Para mim, só por conter o nome de inquisitivo ele já é inconstitucional, afinal

de contas vivemos numa era de Neoconstitucionalismo, não é verdade? Chega de falar

em princípios, é preciso efetivá-los. E lógico, um inquérito policial, inquisitivo, quer

apenas dar um poder à autoridade policial sob a argumentação de que esta precisa

trabalhar com autonomia e liberdade. Mera carta branca para tolher a autonomia e

liberdade do investigado.

Desta forma, não tenho como não concordar com o Aury Lopes quando diz que

“existe direito de defesa (técnica e pessoal – positiva e negativa) e contraditório (no

sentido de acesso aos autos). O desafio é dar-lhes a eficácia assegurada pela

Constituição.” E digo mais: o desafio é garantir o que reza a nossa Constituição, e

também, pois muito importante, acabar com esta coisa macabra que é, em sala de

aula, adotar a ideia majoritária e passar por cima de quem pensa diferente. Chega de

educação inquisitiva também! A sala de aula é lugar de divergências e não de apenas

ensinar o essencial; salvo, claro, se estivermos pensando apenas em responder

questões de concurso público onde imperam as ideias da maioria dona do mercado

concurseiro - mas isto é assunto para outro dia...

Inquérito Policial sem ampla defesa e contraditório é aberração jurídica. E que

Deus nos livre das aberrações do ensino jurídico. Amém!