Post on 16-Feb-2019
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Fundação Getulio Vargas
Escola de Direito do Rio de Janeiro (FGV DIREITO RIO)
Projeto: História do CEPED
Entrevistado: Carlos Leoni
Local: Rio de Janeiro/RJ
Entrevistadores: Gabriel Lacerda, Camila Duarte e Tânia Abrão Rangel
Transcrição: Joana Medrado
Data da transcrição: término: 13 de março de 1010
Entrevista: 15.10.2009
T.R. – Rio de Janeiro, 15 de outubro de 2009. O grupo de pesquisa sobre
a história do CEPED formado pelo professor Gabriel Lacerda, Camila
Duarte e eu, Tânia Rangel, vamos entrevistar o Dr. Carlos Leoni.
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T.R – Dr. Leoni, a gente gostaria que primeiro o senhor começasse se
identificando, dizendo o nome, idade, participação no projeto, a sua
posição atual, que contasse um pouco da sua história.
C.L. – Carlos Leoni Siqueira, 71 anos, formei na PUC em 60. Comecei a
lecionar primeiro na Cândido Mendes, como professor de Direito
Comercial, depois virei assistente do Lamy, ainda na PUC, ainda na
década de 60 e antes de começar o CEPED. Em 66... hoje eu sou
advogado, tenho um escritório que tem o meu nome, Leoni de Siqueira
Advogados. Em 66, eu era assistente do Lamy, estava dando aula por ele
inclusive na PUC, quando ele me chamou para fazer parte do grupo que
acabou constituindo o CEPED. O que é que era o CEPED? Era um centro
autônomo, criado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, do qual
o professor Caio Tácito era o reitor. Era também professor catedrático
de Direito Administrativo. Naquela ocasião, um dos requisitos para a
constituição do CEPED era que ele fosse basicamente constituido mais
por professores catedráticos da própria Universidade do Estado do que
professores de fora. E, o grupo inicial consistia no próprio Caio Tácito,
no professor Arnold Wald, que era catedrático de Direito Civil e foi
responsável por um dos temas no início. E pelo professor Almílcar
Falcão, que era o catedrático de Direito, naquela época se chamava
Direito Financeiro, era o correspondente de Direito Tributário hoje. E, a
esse grupo, se somava o professor Lamy. Cada um deles tinha uma
matéria sob sua responsabilidade: o Caio Tácito era a intervenção do
Estado no domínio econômico e o Direito Administrativo ligado ao
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Direito Empresarial. Quer dizer, era a pessoa que tentaria dizer como é
que o Estado intervinha no processo empresarial, como é que ele fazia
para criar... era o início do processo de intervenção econômica no
Estado, no domínio econômico através em um órgão tipo o CADE etc.. O
professor Wald estava dando pequena e média empresa. O professor
Almílcar Falcão ia dar a parte de Direito Tributário; e o professor Lamy
ia dar a parte de grande empresa. E, na verdade, o que se propôs o
CEPED a fazer foi uma conjugação de dois objetivos: primeiro objetivo
era estudar mudanças no ensino do Direito, para se partir do método
dedutivo para o método indutivo, método socrático que já era adotado
nas universidades americanas. Tentar ver se era possível conciliar o
processo do ensino do Direito de dedução da matéria meramente
expositiva pelo professor etc., por um método mais participativo que
obrigasse os alunos a estudar o material antes, a ler sobre a matéria que
ia ser dada antes, e aos alunos serem apresentados casos que
permitissem a discussão e a construção da teoria que estava por traz da
solução daqueles casos, e aí então, a verificação se essa solução se
aplicaria a outros casos semelhantes, com que variações etc., para testar
a validade daquela teoria. Então, era uma mudança, uma tentativa de
mudança, em curso de pós-graduação à nivel de didática de Direito. Mas,
evidentemente, era preciso escolher um tema para isso, e esse tema veio
fundamentalmente proposto pelo Lamy. O quê era esse tema? Era a
grande empresa. Em quê consistia esse tema? Basicamente, no exame
do que estava acontecendo no mundo em relação às empresas, que
estavam se tornando públicas, isto é, empresas de capital aberto, em
que a gestão se separava da propriedade. E, esta grande empresa
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conseguia então abundantes capitais, acesso a mercado de capitais de
uma forma completamente diferenciada, não estava mais limitada pelos
capitais, pelos recursos do controlador, então ela tinha condições de
buscar os recursos necessários para investir maciçamente, para investir
em tecnologia, em research and development. Então, essa grande
empresa que também separava - porque não havia mais propriedade
identificada - ela separava a gestão do processo de propriedade que era
implícito, quer dizer, até então toda vez que a gente fala propriedade a
gente pensa no dono gerindo a sua coisa, dizendo: eu vou usar, não vou
usar, vou fruir, não vou fruir, o que é que eu vou fazer com aquilo. A
empresa começou a se separar disso. E, evidentemente, esse era um
tema muito moderno na época, em 64, com ainda análises de benefícios
e malefícios que essa separação da gestão e da propriedade tinha. Por
exemplo, quando você separava a propriedade, você desvinculava o
dono, que estava vivendo na comunidade, e a empresa da própria
comunidade. Como é que ela voltava a conviver com a comunidade para
preservar os interesses da comunidade, para se colocar ali dentro, etc. E
aí, você tinha toda uma série de colocações, inclusive quanto ao destino
do lucro dessas empresas que evidentemente tinha que remunerar o
capital – eu estou falando do lucro, portanto depois das despesas – mas
se a gente imaginar em valor acrescido pela atividade da empresa,
gerado pela empresa, você ia pagar fornecedores, ia pagar o seu próprio
pessoal, mas principalmente você ia pagar a gestão que era um
pagamento especial porque você tinha que alinhar o interesse da gestão
com o interesse do acionista e esse alinhamento só era possível através
de você atribuir algumas coisas ao gestor, principalmente participação
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em lucros e mais tarde participação nas ações, as stock options, as
opções para compras de ações, por um valor menor, um valor da época
em que ele entrava mas exercido mais adiante quando ele já tinha
contribuído para valorizar aquelas ações, etc., então você alinhava esses
interesses. Então o que o Lamy propunha é que o curso fosse um curso
para advogados de empresas principalmente voltado para essa
perspectiva de que a empresa iria evoluir também no Brasil um dia para
a grande empresa aberta. E ele dizia que isso não era possível ser feito
sem que o advogado tivesse também conhecimento em termos micros
de contabilidade e micro-economia e em termos macros de macro-
economia. E foi assim que o CEPED acabou fazendo dois convênios
extremamente importantes naquela mesma ocasião para o seu
lançamento, que foi um convênio com a Fundação Getúlio Vargas, com a
Escola de Pós-Gradução da Fundação de Economia da Fundação Getúlio
Vargas, que era dirigida pelo nosso amigo Mario Henrique Simonsen e
que se predispôs a fornecer os professores para contabilidade, micro-
economia, macro-economia, finanças, etc. E, também, com a Fundação
Ford, porque a idéia era se nós íamos tentar trazer para cá o método
mais participativo que existia nos Estados Unidos, era importante que
nós pudéssemos ter um processo de comunicação mais amplo, mais
interativo com as universidades americanas, e a Fundação Ford se
dispunha a fornecer recursos que permitissem alocar professores
americanos ao programa, de maneira que eles fossem consultados, eles
ajudassem a formular...
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T.R – Como se eles fizessem parte de um conselho consultivo, não?
C.L. – Não, não era um conselho não, não tinha um conselho, não havia
muitas reuniões, isso daí era realmente uma discussão permanente: está
dando certo? Não está dando certo? O que é que está faltando para dar
certo? etc. E depois essas universidades pudessem receber os alunos
com bolsas de estudos que eram dados pela Fundação Ford. Então isso
daí foi o conjunto que foi armado. A idéia era: vamos mudar a maneira
de ensinar o Direito, vamos fazer isso através de um curso que forme
advogados com boa formação sobre como é que vai evoluir o mundo
empresarial, para onde ele está indo. Nós não sabemos quando ele vai
chegar lá no Brasil, já chegou, mas enfim, não sabemos quando é que ele
vai chegar – nós estávamos na década de 60, ano de 66 – mas nós
queremos preparar os advogados para isso. Mas, ao mesmo tempo, nós
queremos fazer com que esse advogado tenha essa formação
especializada em Direito mas não é só Direito, nós queremos abrir a
cabeça dele para entender o fênomeno da empresa em si que é maior do
que o fenômeno do dono da empresa, ou do seu controlador, ou dos
seus gestores, porque é uma comunidade de interesses e que você tem
que preservar e que tem que mantê-la dentro da comunidade, ajustada
àquela comunidade, não pode ter um conflito permanente com a
comunidade onde ela está inserida. Ela tem que pagar um preço social
que são os tributos para que ela possa se colocar dentro da sociedade
organizada. Então tudo isso era para você mostrar ao advogado, quer
dizer, realmente formar advogados de altíssimo nível. E com uma visão
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mais ampla do que a de um simples advogado que tivesse conhecimento
de Direito. Havia matérias fora do Direito, mais ligadas à economia e
enfim, instrumentos acessórios como contabilidade, para permitir ao
advogado se colocar bem nas questões empresariais. Esse curso
pretendia ser um curso de pós-graduação formando esses advogados,
havia um mercado crescente, demandante de advogados para empresas,
seja em termos dos escritórios que estavam começando a se especializar
nisso no Brasil, seja em termos de empresas mesmo, e sejam em termos
de entidades do governo que estavam também precisando entender o
processo, ajustar-se a esse processo. Nós estávamos em 66, os
convênios foram firmados. Quando chegou, eu não sei mais se foi no
final de 66 ou em janeiro de 67, mas aí em 66 um grupo grande que
incluía assistentes do Wald, assistentes do Lamy, assistentes do... o
Venâncio como assistente do Caio Tácito e que também era o Secretário
Executivo do CEPED naquela ocasião, nós fizemos visitas a
universidades americanas no segundo semestre de 66. E aí
percorremos, assistimos algumas aulas, algumas aulas extraordinárias,
outras nem tanto mas fomos criando um conceito comum que nos
permitia discutir como fazer, nos programamos para produzir material
de leitura obrigatória para os alunos. Exigimos que os alunos tivessem
tempo integral à disposição do curso – nunca foi 100% cumprido isso,
mas a verdade é que os alunos dispunham de um tempo muito grande
para aquilo. Eram advogados já formados em que seus próprios
escritórios, as suas empresas pagavam para que ele realmente
disponibilizasse tempo para leitura que era muito grande. Nós
distribuíamos um negócio assim, um catatáu de uns quatro dedos de
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material, três dedos de material por aula, quase distribuíamos duas
semanas antes da aula, quer dizer, eles tinham que ler.
G.L. – Você ainda teria alguns desses materiais? Você acharia para nós
Leoni?
C.L. – Ah, está em arquivo morto e não está comigo, quer dizer está em
um desses arquivos, comigo eu não tenho.
G.L. – Seu você não tem não?
C.L. - Não comigo eu não tenho. Eu tenho comigo mas em um desses
arquivos mortos. Eu tenho que ver onde é que está e ver se eu consigo.
Mas eu me lembro que para cada hora de aula que eu dava, no início, eu
gastava onze horas de aula de preparo.
T.R. – Nossa! Para cada uma...
C.L. – Para cada hora de aula. Nós não acabávamos em menos do que
duas, eram duas horas compactadas no mínimo por semana, às vezes
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eram quatro horas porque eram dois dias. Você vê a quantidade de
tempo que era perdido para se poder fazer isso. Mas eu estava dizendo,
aí chegou em novembro, enfim, em dezembro ou janeiro, eu não me
lembro mais dezembro de 66 ou janeiro de 67, e o Almílcar Falcão teve
em um único dia cinco infartos e morreu. Foi um horror. E aí criou-se
um vácuo no problema de matéria de Direito Tributário que foi quando
o pessoal resolveu me fazer um convite para eu assumir o lugar do
Almílcar Falcão e ser responsável pela matéria de Direito Tributário e
que você [Gabriel] veio como meu assistente, eu pedi a você para vir
trabalhar comigo etc., Gabriel ajudou muito nesse processo
T.R. – Só para registrar o “você” é o Gabriel.
C.L. – É, o Gabriel. E aí, eu assumi a parte de Direito Tributário. O foco
em Direito Tributário foi o imposto. O foco principal, porque sempre
havia, em cada matéria, havia um foco principal, por exemplo o Lamy
era grande empresa. Então você tinha a S/A como um instrumento
formal da grande empresa e você estudava a S/A. Mas, independente
disso você tinha seminários dados por outros professores que eram
assistentes do Lamy e para todos os efeitos, em mercado de capitais,
registros no Banco Central, tinham vários seminários que você fazia que
complementavam a informação necessária ao bom advogado. Em
Direito Tributário também. Nós tínhamos um foco que era o imposto de
renda da pessoa jurídica. Porque o que se discutia era se o lucro era uma
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categoria autônoma de tributação, não era uma categoria autônoma de
tributação, como é que você fazia aquela apuração de lucro, o que é que
acontecia. Não havia Lalur naquela época, o Lalur é uma invenção
subsequente para separar o resultado societário do resultado fiscal.
Então tudo isso...
T.R. – Na época também não tinha o lucro real e o presumido na
legislação tributária não é? Já tinha?
C.L. – Tinha, tinha, já tinha. Mas de qualquer maneira, quer dizer, você
tinha isso como foco, mas você discutia tributação dos próprios
resultados já auferidos, as tributações de pessoas físicas, outros
impostos que a empresa podia dever nas suas diversas operações, etc.
Então não era só isso. Mas a matéria principal que era de minha
responsabilidade era o imposto de renda da pessoa jurídica. Isso
independentemente de eu ter dado sempre algumas aulas dentro da
área de comercial a pedido do próprio Lamy porque eu nunca deixei de
ser o assistente dele em algumas coisas. Mas aí o Lobo foi quem assumiu
a função mais importante de assitente mais direto dele. Então eu assumi
a parte de Direito Tributário. Nós demos um curso, o primeiro curso em
67, depois disso o Wald saiu, por que é que o Wald saiu? Quer dizer,
porque o tema pequena e média empresa, que era muito importante do
ponto de vista estrutural econômico brasileiro, onde a pequena e média
empresa ainda representam emprego, ainda representam uma
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produção de riqueza importante, etc., mas ele para a formação do
advogado que se dispunha a estar em tempo integral lá naquele curso
era de menor importancia e o Wald começou a sentir isso. O Wald que é
um advogado excepcional, um professor excepcional, ele começou a
sentir que aquele tema não era um tema do agrado ou do desejo dos
alunos. Eu não sei se não foi no segundo ano, ou no terceiro ano, esse
tema acabou, desapareceu e ele desistiu de dar aula a esse respeito lá no
CEPED. Bom, o CEPED ainda cumpriu uma tarefa importante nessa
preparação do advogado para o mercado de trabalho, a tal ponto que
nos anúncios mais para o fim do CEPED nos últimos anos – porque o
CEPED deu sete cursos não foi? Se eu não me engano foram sete cursos,
67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, foram sete cursos para advogado de empresa –
nos últimos cinco anos, quatro anos, cinco anos, era muito comum você
ver recrutamento de advogado, normalmente feito por jornal – naquela
época ainda não se fazia por agência de recursos humanos, você fazia
isso através de, não era head hunter, mas você fazia através de jornal – e
se dizia assim no final do anúncio: dá-se preferencia a quem tem o curso
do CEPED. Isso levou inclusive a faculdade, a universidade do Largo de
São Francisco, a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco da
Universidade de São Paulo, a vir ao Rio assistir uma aula, por acaso
assistiram uma aula do Gabriel, foram assistir uma aula do Gabriel. Os
catedráticos, os principais catedráticos que queriam instituir em São
Paulo também um curso de advogado de empresa – ele foi instituido só
depois do CEPED. Eles vieram para assistir uma aula e discutir o
método, discutir o que nós estávamos fazendo etc. e tal e depois eles
instituíram um curso deles, mas eles nunca adotaram um método
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socrático que nós tínhamos adotado. Então houve sempre essa
diferenciação muito grande entre o que nós estávamos fazendo e o que
São Paulo tentou fazer em seguida.
T.R. – Tiveram algumas outras pessoas interessadas, ou seja, aqui no
próprio Rio de Janeiro pessoas que queriam conhecer, saber como é que
é ou de outras regiões do país?
C.L. – Não me lembro. Houve muita gente interessada que se comunicou
muito, quem acompanhou mais isso de perto foi o Venâncio, depois
quando o Venâncio saiu da Secretaria Executiva foi o Vivaldo Barbosa,
mas o Vivaldo era um sujeito mais fraco, então o Vivaldo não foi um
sujeito que coordenou muito isso. Mas o Venâncio é capaz de lhe dar
essa resposta com mais precisão, eu não tenho mais esse dados. Quando
chegou em 73 nós resolvemos dar o último curso. A idéia é que nós já
tinhamos formado um grupo bom de advogados, nós tínhamos mandado
muita gente com bolsa de estudo para o exterior, muita gente que viveu
a experiência socrática lá fora, que estava voltando, que já podia ser
professor nas Universidades no nível de graduação sem nenhum
problema e que poderiam introduzir aquele método ali. E aí em 73 nós
fizemos duas coisas importantes. Nós usamos a experiência do CEPED
para propor uma modificação no currículo do ensino do Direito, que foi
quando se introduziu o crédito semestral, as matérias voluntárias, as
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matérias obrigatórias, a especialização, etc., veio dessa experiência do
CEPED relatada ao Ministério e aí acabaram transformando em lei, etc.
G.L. – Tem algum registro escrito desse relato que você se lembra?
C.L. – O Caio Tácito tinha, se alguém mais tem eu não sei.
G.L. – Talvez a gentre encontre na UERJ.
C.L. – Na UERJ talvez você encontre
G.L. – Eu não tinha... para mim esse é um fato novo mas é relevantíssimo.
C.L. – É. Toda a mudança do currículo, da maneira de você aprovar o
aluno nós começamos a discutir se você precisava realmente de cinco
anos, se você podia formar o aluno com quatro anos ou com quatro anos
e meio, ou até deixar ele se formar com seis anos desde que ele tivesse a
base suficiente. E aí vieram as matérias voluntárias com os créditos, etc.
Isso foi uma das coisas que decorreu do CEPED nesse período.
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T.R. – Mas, só para esclarecer, nesse período significava o que? Ou seja...
C.L. – 73. Foi em 73 que nós começamos a discutir isso e fizemos uma
proposta.
T.R. – É. Essa proposta foi feita pelos professores que então
participavam do CEPED?
C.L. – É na verdade eu não tenho mais o detalhe. Isso daí tem trinta anos,
não é?
T.R. – Isso daí feito ao Ministério da Educação.
C.L. – Trinta e poucos anos não é? Isso foi feito, eu acho que foi feito
através do Caio Tácito, através da UERJ, mas eu não me lembro mais.
Mas eu me lembro que nós chegamos a discutir critérios e coisas desse
tipo. Isso foi levado...
T.R. – E quem participava da discussão, o senhor lembra? O senhor, o
Caio Tácito...
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C.L. – Ah, os professores todos ali, quer dizer era o Lamy, era o Caio, eu,
enfim, o Venâncio...
G.L. – O Venâncio já não era mais o Executivo?
C.L. – Não, mas o Venâncio era assistente do Caio e muito presente em
muitas coisas. Eu acho que foi isso, quer dizer, não sei se o Lamy terá
uma lembrança mais concreta disso, mas o Lamy e o Caio com certeza
participaram muito diretamente.
G.L. – Esse é um ponto extremamente relevante e que a pesquisa vai
descobrindo essas coisas. O que se estava falando por exemplo, não caiu
muito a ficha na minha cabeça, vamos procurar na UERJ, pode encontrar
isso.
C.L. E a outra coisa... É, tem que aonde é que você consegue encontrar
isso. Eu não tenho idéia.
T.R. – É, talvez no Conselho de Educação que é onde eles começam a
discutir essa reforma. Se eles tiverem a ata disso...
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C.L. – Possivelmente sim. Aliás o Caio, se eu não me engano, foi membro
do Conselho.
T.R. – É, é, como reitor da UERJ é muito provável que ele tenha sido
membro mesmo.
C.L. – Bom, de qualquer maneira esse foi um ponto importante que nós
decidimos que nós vamos tentar fazer a mudança – conseguimos fazer –
e a segunda foi: vamos acabar com o curso porque não precisa mais a
gente repetir. Está muito repetitivo agora. Essa época já para cada hora
de aula dada eu gastava só quatro horas para atualizar o material. Não
mais do que quatro horas, muito mais razoável do que onze horas, não
é? Mas era muito difícil e era muito penoso. E o que é que acontecia é
que todos nós estávamos muito ocupados no exercício da profissão. Nós
não éramos professores, como professores em tempo integral, e isso
tonava extremamente penoso você gastar tanto tempo em preparo de
aula, não é? E aí em 73 nós fizemos duas coisas importantes. Nós
usamos a experiência do CEPED para propor uma modificação no
currículo do ensino do Direito, que foi quando se introduziu o crédito
semestral, as matérias voluntárias, as matérias obrigatórias, a
especialização, etc., veio dessa experiência do CEPED relatada ao
Ministério e aí acabaram transformando em lei, etc. Bom, a segunda
coisa que nós fizemos foi dizer: bom, nós vamos encerrar o curso, mas
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nós gostaríamos de transpor isso para a faculdade. Quer dizer, o método
de dar aula, obrigar os alunos a lerem livros antes de irem para a aula,
na aula só discutir casos, etc. E aí foi um fracasso total. Porque ninguém
lia. O aluno não se sentia obrigado a ler. Então para chegar...
T.R. – Mas aí para qual Universidade vocês tentaram fazer isso?
C.L. – Bom, cada um foi para a sua.
T.R. – Ah, tá.
C.L. – Eu dava aula na PUC fui dar aula na PUC, o Lamy dava aula na PUC
foi dar aula na PUC, o Caio dava aula na UERJ, foi dar aula na UERJ, e
assim por diante. E aí eu e o Lamy pelo menos tivemos uma enorme
decepção porque a turma que eu assumi eu pedia para ler material, dava
com quinze dias de antecedencia o material que ia ser dicutido na aula
tal, quinze dias na outra aula, e marcava as páginas dos livros, três,
quatro livros no máximo que era para o sujeito poder se focar, etc., e
ninguém lia. Ninguém, ponto. Não havia uma pessoa que tivesse lido.
Nem um CDF que quisesse ler.
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G.L. - Isso quando em que época você está falando?
C.L. – 74, 75.
G.L. – Quer dizer, isso aí foi depois também do...
T.R. – Que vocês já voltaram, depois do fim do CEPED.
C.L. - Um pouco antes que vocês começaram a assumir o processo.
Porque aí nós cansamos. Nós tentamos. Vocês começaram a assumir o
processo na PUC, por exemplo, em ...
G.L. – Em 70.
C.L. – Em 75, 76.
G.L. – Não, não, 70.
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C.L. – Não em 70 vocês começaram a...
G.L. – O Joaquim foi diretor da PUC em 70.
C.L. – É, então, o Joaquim era diretor da PUC, mas não se conseguiu
transpor o programa. Ninguém lia, ninguém lia. Aí eu desisti de dar aula,
o Lamy desistiu de dar aula. E o que é que aconteceu? A PUC por acaso
ainda me fez um convite porque ela dava doutorado. Então, naquela
época não havia nem mestrado nem doutorado no Brasil, os professores
que tinham dado CEPED estavam considerados aptos e qualificados a
darem inclusive o doutorado. Então eu dei Direito Privado em
doutorado para cinco mestres de Direito. E eu fiquei horrorizado no
primeiro dia de aula porque cinco mestres de Direito fazendo Direito
Privado, se especializando em Direito Privado. A esses cinco mestres eu
perguntei: vocês pode me dar uma noção – aula dialogada, eu estava
querendo pelo menos a nível de doutorado poder dialogar com os
mestres do Direito. Foi um desastre. Porque a primeira pergunta óbvia,
se você definir no Código Civil pessoa como aquele que é capaz de ser
titular de patrimônio, era óbvio que você queria saber se os mestres
conheciam o conceito de patrimônio! Não precisava ser muito preciso
mas, o problema da indivisibilidade, o problema da universalidade,
como é que você quebra as regras para poder chegar a limitar
responsabilidade, o que é que você fez, como é que você fez, quais foram
os truques, o que é que... cada uma das coisas que foram montadas para
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pode quebrar as normas do passado e ao mesmo tempo manter o
sistema íntegro. Não tinha um dos cinco mestres, mas nem um que
soubesse nada sobre conceito de patrimônio.
T.R. – Nossa senhora.
G.L. - Leoni, dentro dessa coisa...
C.L. – Em 75.
G.L. – Em uma primeira pergunta você respondeu quase todas de dentro
do nosso roteiro, mas eu gosto de seguir também aquela pauta aqui, e
uma coisa que você tem que é importante também, você já falou da
idéias básicas do programa, mas isso que você está dizendo tem a ver
especificamente com uma das perguntas de nosso roteiro. Até que ponto
as idéias do CEPED representavam uma novidade no meio jurídico
brasileiro e de que forma essa cultura jurídica influenciou? E se houve
alguma resistência – eu estou querendo achar o texto exato aqui, mas de
qualquer jeito – essa experiência toda produziu algum tipo de
resistência?
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C.L. – Várias resitências e várias modificações. Se vocês pegarem o Chico
Dornelles - Chico Dornelles foi meu assistente também - e ele viveu uma
experiência muito rica no CEPED. Vale a pena entrevistar o Chico
Dornelles.
G.L. – Ah, está na lista. Você sabe onde a gente acha? Mas a gente vai
achar fácil ele.
C.L. – Eu tenho o celular, .
G.L. – Esse é do Rio.
C.L. – Rio. O telefone de casa dele aqui no Rio é.. Francisco Dornelles eu
estou mencionando por outra razão. O Dornelles diz que o CEPED criou
uma geração de advogados totalmente diferente. Deu origem a uma
geração de advogados completamente diferente daqueles que vinham
tradicionais do Direito, Direito Comercial, etc. O CEPED iniciou essa
geração de advogados empresariais com uma visão empresarial, etc.,
etc. Foi o responsável por uma mudança de atitude de inteligência, de
compreensão, de análise, de vinculação, etc. Então era bom ouvir,
porque ele vai dar a vocês uma idéia mais concreta disso não sendo tão
supeito porque ele já entrou o programa já tinha começado, ele veio
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para ser assistente logo que ele voltou dos Estados Unidos. E as
resitências maiores, por incrível que pareça, começaram em São Paulo.
São Paulo entendia que o curso do CEPED não estava dando certo. Eles
assistiram a aula do Gabriel, falaram mal da aula depois, fizeram o
diabo, criticaram como o diabo, sem nenhuma razão. Porque o que o
Gabriel fez na aula foi lançar dúvidas e não tirar respostas definitivas de
nada e dizer: vocês precisam aprender a pensar. Porque a idéia
fundamental do CEPED era o advogado tem de pensar. Eu vou contar
como é que era o exame no fim do curso, quer dizer, nos primeiros anos
nós não fizemos, mas depois nós fizemos exames: você entrava às oito
horas da manha, os fatos que iam ser objeto da prova eram conhecidos
duas, três semanas antes, você podia estudar em cima deles, quais
questões poderiam cair em cima daqueles fatos. Todos os fatos estavam
ali, não podia haver uma inovação sobre os fatos. Você entrava as oito
horas da manhã e recebia as questões. Podia levar os livros que
quisesse. Podia sair da sala, podia conversar, não na sala porque
atrapalhava os outros, mas podia sair um grupo para conversar e
trabalhar fora. Podia telefonar para quem você quisesse. Podia sair do
prédio, voltar depois, não tinha problema nenhum. Porque é a vida do
advogado. A vida de um advogado não é fazendo um examezinho ali e
preenchendo... é dizer: gente, quem é que já teve um caso semelhante a
esse? Fulano. Fulano, você se lembra daquele caso que você me contou
uma vez, tal, como é que você tratou aquilo?, você tratou desse jeito ou
daquele jeito, qual foi a decisão? Houve ação em juízo, não houve, houve
acordo, não houve, como é que foi?. Quer dizer você podia pesquisar tudo
que estava acontecendo no mundo jurídico e a prova acabava seis horas
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da tarde. Você podia parar para almoçar, podia parar para fazer lanche,
você podia fazer o que quisesse, era irrelevante, porque era a vida
normal do advogado, não é? Então isso aí tudo foi muito criticado
porque eles diziam: não eles tem uma inovação que não funciona no
Brasil, não tem disciplina, não tem isso, não tem aquilo, o professor não
mostra o saber. O professor não tem que mostrar o saber, o aluno é que
tem que aprender a pensar pô! Não pode ser diferente. Então houve
muita crítica no início a que esse método não podia ser levado para as
Universidades. E a verdade é que método socrático no Brasil não
funcionou muito, não foi realmente levado para as faculdades. Mas eu
acho que ele não foi levado para as faculdades principalmente porque o
aluno, como o aluno aqui não é um aluno de tempo integral, não é um
aluno que é exigido completamente, os cursos não são
fundamentalmente bons, ele não respondeu a isso com a compra do
desafio de se formar. De formar a sua cabeça, de formar a sua
inteligência, de formar o processo de entendimento do Direito. Os que
conseguiram...
T.R. – É que para o aluno é mais fácil uma aula em que o professor fale
e ele anote.
C.L. – Lógico...
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G.L. – Ele pode dormir à vontade.
C.L. – Ele pode fazer o que ele quiser. E depois tem um exame que é
limitadinho, duas horas de tempo ali, um negócio bobo.
T.R. – Ele ainda argumenta professor, o senhor não falou isso na aula
[riso].
C.L. – É, quer dizer, sabe, esse tipo de coisa é que a gente queria evitar.
Então eu diria, a experiência em si, como pós-graduação no curso que se
pretendia fazer o valor dela foi excepcional. Para o ensino do Direito o
valor dessa experiência também foi excepcional porque permitiu mudar
o currículo, permitiu reajustar, etc. Mas a experiência como forma
didática, porque o que é que era o CEPED? Centro de Estudos e
Pesquisas no Ensino do Direito. Esse é que era o nome do CEPED, o
nome técnico do CEPED, completo, era esse. E ele tinha como finalidade
estudar como é que podia se fazer um ensino melhor no Direito. E isto
eu acho que o CEPED aí não frutificou como devia ter frutificado.
Frutificou muito menos. Lógico que os alunos que foram lá para fora e
depois muita gente foi, trouxeram para cá visões diferentes, mais
concretas de como se aproximar dos problemas, como ter objetividade
nas colocações, como pensar com maior clareza, com maior acuidade.
Mas isso foi mais um processo que veio ao natural, no desenvolvimento
25
do mercado no Brasil, do que realmente fruto da experiência do CEPED.
O fruto da experiência do CEPED nesse campo foi relativamente
pequeno, no meu entender.
G.L. – Estou aqui com o questionário, quer dizer, perguntas objetivas,
rapidinhas para esquentar os motores para o resto. Você produziu
algum texto escrito na época além de materiais sobre essa matéria?
C.L. –Não.
G.L. – Posteriormente?
C.L. – Não.
G.L – Você teve participação em algum outro projeto ligado à educação
jurídica? Posterior ao CEPED?
C.L. – Em 82, quer dizer, em 81 foi fundado o Instituto de Estudos de
Direito Econômico – IEDE.
26
G.L. – Do Bulhões?
C.L. – É, que eu sou um dos membros fundadores. O Bulhões era
membro fundador, o Lamy era membro fundador. Esse IEDE, em 82 o
Bulhões, José Luis queria dar aulas, ele não tinha participado da
experiência do CEPED, e ele queria dar aulas de Direito Empresarial,
queria fazer um curso semelhante ao CEPED. E então ele reuniu um
grupo e me pediu para dar aula de Direito Tributário. E eu disse que não
estava dando, não ia dar porque eu sabia o que é que levava de
preparação e eu estava muito ocupado, era muito complicado e não era
possível. Mas o curso infelizmente ele começou e em um determinado
momento o José Luis e o Lamy me telefonaram desesperados pedindo
que eu assumisse a Cadeira de Direito Tributário porque o professor
que estava lá era muito bom mas não tinha a visão e a profundidade que
era necessária para aquele curso de pós-graduação. Depois de um apelo
– você sabe que com o Lamy eu tenho uma ligação muito pessoal, muito
profunda porque é como se ele fosse meu pai espiritual, foi ele que me
colocou no meu primeiro emprego importante no sentido de poder
crescer, de poder ser advogado mesmo, e me deu a oportunidade de ser
assistente dele logo que eu me formei, um pouco depois eu já estava
assitente dele e tal – e ele me pediu muito para fazer e eu acabei
cedendo e fazendo. E aí eu dei esse curso de formação de advogado de
empresa no IEDE, que teve um ano só, foi só em 82. O curso foi bastante
semelhante, os materiais foram materiais aí já mais diversos, mais
aprofundados, mas também com muito trabalho para ser...
27
G.L. – São esses materiais que você conseguiu lá com ...
C.L. – No IEDE.
G.L. – Nós conseguimos com o Lobo esses materiais
T.R. – Não o do IEDE a gente conseguiu com o Lamy.
G.L. – É, com o próprio Lamy.
T.R. – Só que no material está escrito 83.
C.L. – Ah, pode ser 83. Eu posso estar enganado quanto ao ano, pode ser.
Pode ser em vez de 82, 83. Mas enfim, é o tal negócio, você está muito
tempo atrás, a memória, você não sabe mais se é 82 ou 83, mas não
muda muito. Mas o fato é que eu dei então esse curso durante um ano.
Os materias do Lamy não eram só os do Lamy não? Ele deu de todas as
matérias?
28
T.R. – Não, tinha ele, tinha Norma, tinha o Bulhões...
C.L. – Não, não, mas aí é o grupo da grande empresa, não é o grupo de
Direito Tributário. Porque tinha o material do José Luis Bulhões
Pedreira, tinha o material do ...
G.L. – Ah, sim, claro o do José Luis Bulhões Pedreira está publicado, eu
estou louco para... você já tem o livro dele, não?
C.L. – Não, mas não está publicado no livro.
G.L. – Não, esse livro, tem um livro que seria dos materiais.
C.L. – É, não tenho.
G.L. – Acabou de sair, o Jorge é que me disse que saiu em 2009.
29
C.L. – Bom, de qualquer maneira esse material eu tenho, do IEDE, eu
tenho, mas é um material, de novo, que está no arquivo morto, eu tenho
que ver com minha secretária onde é que está, em que arquivo.
G.L. – Vou te cobrar, hein?
C.L. – É, vou ver se acho.
G.L. – Se achar... Quer dizer, você já falou, a influência que teve o CEPED
na educação jurídica brasileira de certa forma você já respondeu com o
que você já disse.
T.R. – Eu tenho só uma pergunta. Ainda na época da CEPED, voltando
um pouquinho no tempo, como que eram feitas essas reuniões entre os
professores? Ou seja, vocês demoravam muito para preparar a aula...
C.L. – Muito informalmente, muito informalmente.
T.R. – E o objetivo era o que? Era ver como é que estava a turma, o que
que ia fazer, como é que era o caso.
30
C.L. – Não, essas reuniões eram para avaliar algumas coisas. Por
exemplo, quando a gente ia dar bolsas de estudos, a gente fazia uma
avaliação da turma para poder dizer quem receberia a bolsa, porque as
bolsas eram limitadas a quantidade de bolsas variava, tinha anos que
eram cinco bolsas, seis bolsas, outro ano eram duas.
G.L. – Você lembra... Eu me lembro que o Joaquim, você foi quem indicou
ele para a bolsa.
C.L. – Foi. Foi, eu fui padrinho do Joaquim. Mas porque os outros que eu
daria, já estavam indicados, por exemplo, pelo Lamy. Então, não tinha
porque indicar, entendeu? Sabe, o Lamy não indicou o Joaquim, aí tinha
mais uma bolsa disponível então, espera aí, então bota o Joaquim aqui,
etc e tal, entendeu? Foi assim. Mas isso daí era feito...
T.R. – Essa bolsa não era bolsa para fazer o CEPED, era bolsa para ir
para fora.
C.L. – Não, não...
31
G.L. – Era para fora.
T.R. – Não, é só para deixar registrado.
C.L. – Essas bolsas eram dadas muito criteriosamente, mas assim, quer
dizer, em base pessoal e subjetiva, muito subjetiva. Vale a pena ter
mostrado esse tipo de rendimento, ter mostrado esse tipo de aplicação,
acho que o sujeito merece ter a bolsa, quando ele voltar ele certamente
vai voltar, vai chegar a Universidade, ele vai tentar implantar o método
novo, etc. Foi muito nessa base.
G.L. – Você, a gente vai pesquisar isso, mas você lembra de outros
bolsistas relevantes? O Jorge, o Joaquim, eu, mais algum que você
lembre assim? Álvaro Pessoa...
C.L. – É, não me lembro.
G.L. – Não se lembra? Que você tenha indicado? Porque uma parte do
projeto também é ver o que é que aconteceu com os bolsistas, seria uma
segunda geração. Você está aqui nos founding fathers.
32
C.L. – É, mas isso talvez quem tinha o controle disso era o Secretário
Executivo sempre.
G.L. – É, exatamente.
C.L. – Era o Secretário Executivo quem comandava o processo
burocrático, quer dizer, de mandar documentação, receber a bolsa, dizer
ao sujeito você está aceito, na Universidade tal, você vai dia tal, vai fazer
não sei o que e tal, entendeu? Era sempre assim. E você terminava o
CEPED em novembro ou dezembro, eu não me lembro mais, acho que
era de março a dezembro, princípio de dezembro, e a bolsa era dada
para o ano seguinte em setembro. E as pessoas tinham que ir mais cedo
porque tinham que adptar para o inglês, tinha uma série de coisas.
G.L. – Princeton.
C.L. – É o Princeton. Então as bolsas eram dadas mais ou menos janeiro,
fevereiro para a pessoa se preparar para ir em junho.
G.L. – Uma outra pergunta aqui Leoni que tem a ver com os escritos que
os scholars americanos andaram fazendo da CEPED
33
C.L. – Ah, eu queria falar de uma resistência muito importante.
G.L – Diga.
C.L. – Roberto Mangabeira Unger. [silêncio] O Roberto Mangabeira
Unger chegou em Havard e foi considerado um gênio. É engraçado
porque ele é o gênio da mistura do baiano com o alemão, que é uma
mistura difícil de dar certo, complicada.
G.L. – [riso]
C.L. – O Roberto é um sujeto difícil. Ele é muito inteligente, ele é muito
preparado e eu acho que ele, enfim, tem uma visão do Direito muito
diferente da minha, mas eu acho que o processo de realização do Direito
é simples de se entender e simples de se explicar e eu acho que a teoria
dele para explicar isso é uma teoria muito complicada. Mas é um sujeito
muito inteligente e a gente tem que respeitar, sem sombra de dúvida. O
Roberto se declarou desde o início um grande inimigo do CEPED.
T.R. – Ele chegou a conhecer o CEPED? Como é que foi?
34
C.L. – Desde o início. Não, ele estava em Havard e ele começou a se
dedicar a entender o CEPED e ele dizia que o CEPED era uma forma do
capitalismo primitivo brasileiro querer se perpetuar no poder através
de um ensino jurídico que manteria o controle das empresas, as
empresas não subordinadas ao interesse social, etc, etc. Toda a teoria
social dele é de que o CEPED era um instrumento à serviço, ou à
desserviço da sociedade e à serviço do capitalismo mais primitivo. E ele
foi muito resistente...
T.R. – E ele chegou a publicar alguma coisas assim? Como é que essa
opinião chegou até vocês?
C.L. – Ele publicou, ele publicou algum artigo sobre isso que nós não
gostamos, lemos mas não gostamos porque achamos que ele foi muito
parcial e muito pouco... ele não disse a verdade. Na verdade ele analisou
fatos que nunca ocorreram. Que nós estávamos à serviço dos Estados
Unidos, todos nós. Essa foi uma resistência muito importante.
G.L. – Foi. Essa resistência está retratada em alguns artigos que o
Trubek andou me dando, que estão nos nossos arquivos, de scholars
americanos da época . O próprio Trubek que teve dúvidas...
35
C.L. – Nós tivemos muita complicação com a Fundação Ford. Porque o
Lamy e eu em uma reunião com o Conselho Curador da Fundação Ford
em Nova York, nós começamos a falar das preocupações do Galbraith
sobre a evolução da grande empresa, o descolamento da grande
empresa da sociedade, o descolamento da gestão, dos interesses da
própria empresa, etc. Porque ele tinha muito essa preocupação, ele
anteviu com muita clareza todas as distorções que aconteceram
inclusive que aconteceram recentemente...
T.R. –É naquele livro em que ele fala sobre a crise de 29 é praticamente
hoje, também se aplica.
C.L. – É Isso, isso. E nós tivemos a ousadia de falar em Galbraith naquele
conselho curador. E essa ousadia nos custou uma má vontade
extraordinária da Fundação Ford que quis...
G.L. – É, um dos autores...
C.L. – Que quis cortar o convênio, acabar com o convênio por causa
disso. Isso em 66.
36
G.L. – Ainda em 66? Porque o convênio durou algum tempo não é?
C.L. – Até 73.
G.L. – Até 73.
C.L. – Até o CEPED acabar.
T.R. – Mas por que? O Galbraith na época não era assim tão bem visto
então pela fundação Ford, porque ele era um acadêmico forte.
C.L – Não ele era visto como inimigo do establishment.
T.R. – Ah, entendi, a gente estava naquela época do macartismo ainda.
C.L. – Ele era visto como o inimigo do establishment. E o conselho
curador da Fundação Ford era o mais radical de direita que existia nos
Estados Unidos.
37
G.L – É a pergunta que estava engatilhando aqui, e que tem a ver com
essa resitência, que essa resistencia que você diz, você citou o
Mangabeira, e houve autores americanos, a Fundação Ford, o Jim
Gardner...
C.L. – Isso exatamente.
G.L. – Que é uma das pessoas que mais resitiam e tal. Uma das coisas que
está dito neste paper, e eu queria ouvir você sobre isso, é que as idéias
existentes já vinham do jurídico, da Light do escritório do Bulhões, quer
dizer...
C.L. – Bulhões não tem nada a ver com isso, isso é maluquice, Bulhões
nunca teve nada a ver com o CEPED...
G.L. – [riso] Eu sei, eu também acho isso.
C.L. – E vinham da cabeça do Lamy as idéias da parte da grande empresa
com certeza. Com certeza. Mas isso não queria dizer Light, queria dizer...
38
G.L. – Queria dizer um professor ...
C.L. – Um professor, um scholar que conhece direito societário como
ninguém. Quando eu consegui do Geisel que ele aceitaria fazer a reforma
da lei da S/A em 76, foi um compromisso que o Geisel assumiu através
do Golbery comigo, pessoalmente, não havia evidentemente a indicação
de ninguém para compor a coisa. O Geisel disse: no fim do primeiro ano
de mandato, quando eu acabar com a censura nos jornais, porque eu
preciso superar isso no meio militar, eu vou abrir a perspectiva da
reforma da lei de S/A. Isso dai foi em 75 para designar a comissão e
quando eu fui conversar com Mário que era o Ministro...
G.L. – Mario Henrique.
C.L. – Da Fazenda dele para designar, eu dissse não o José Luís vai fazer a
lei, ele disse não pode. Porque o José Luis era um sujeito... Nesta ocasião
o Mario Henrique disse: eu vou pedir ao José Luis para fazer o projeto”,
ele disse não pode. Porque o José Luis é extremamente criativo, mas tem
muito menos formação jurídica do que o Lamy. O Lamy é muito mais um
scholar que conhece muito mais Direito então você tem que usar o Lamy
também. Ah mas o Lamy – e aí é a expressão do Mario Henrique – ele é
freio de mão puxado, o José Luis corre. Mas a gente tem que encontrar o
39
balance. E eles dois acabaram encontrando um balance muito bom,
formidável, que gerou um projeto muito bom, que, lógico, já foi
ultrapassado no tempo, já teve modificações e vai precisar ter mais
modificações. Mas é um projeto extraordinário, o primeiro projeto de lei
de S/A no mundo que tem a obrigação do pagamento do dividendo. Que
foi discutido textualmente para dizer assim: qual é a inovação que nós
vamos propor ao governo, totalmente diferente de tudo que a gente
conhece? E acabou sendo o dividendo do mínimo obrigatório. Que não
havia em legislação nenhuma no mundo naquele momento.
T.R. – E que é interessante não é? Porque com essa especificação de que
a partir daquele momento através da lei é obrigado a ter o dividendo, é
uma forma de você estar dizendo: olha a empresa, ela serve não só a si
mesma mas a seu próprio acionista não é?. É uma forma de lincar isso, a
gestão com o patrimônio, não é?
C.L. – De qualquer maneira, quer dizer, essa inovação foi uma inovação
trazida por essa comissão, que foi a comissão que eu escolhi junto com o
Mário, que vão ser os dois. A primeira reunião da Comissão foi na minha
casa, as primeiras reuniões foram todas na minha casa. E a primeira
discussão foi essa: o que é que a lei pode trazer de absolutamente novo,
novo. Que não se contenha em legislação nenhuma no mundo, que
permita dizer: é uma inovação brasileira, porque nós queremos
[inaudível]. E foi exatamento o dividendo mínimo obrigatório, que não
40
havia em lei nenhuma, veio pelo Brasil pela primeira vez. Outra
discussão muito grande e que perdurou até durante algum tempo e
ainda hoje é muito moderna, é muito atual, é se o controle tem valor em
si, ou não. A OPA, com os 80% para os ordinários, ela surgiu como uma
forma de dar um tratamento igualitário nas companhias abertas entre
os acionistas que tinham o mesmo tipo de ação. Mas havia uma
discussão muito grande entre o Lamy e o José Luís porque o José Luis
entendia que controle não tinha valor nenhum. E que então o preço
tinha que ser sempre extendido, tinha que ter tag along para todo
mundo. Já o Lamy dizia: não, se eu boto na lei responsabilidade de
controlador, eu tenho que dar um preço, um prêmio por essa
responsabilidade porque senão por que é que o sujeito vai asssumir a
responsabilidade de controlador? Por que que ele vai exercer aquele
papel, não é?. Então ou nós não definimos o controle, não nos
preocupamos com ele e obrigamos ao tag along ou nós vamos definir o
controle. Finalmente prevaleceu a definição do controle, prevaleceu a
OPA com o diferencial de 100% para 80%. Mas isso levou a uma
segunda discussão. Se a obrigação de distribuir o resultado era uma
obrigação sobre todo o resultado que não fosse alocado especificamente
em alguma coisa ou se podia sobreviver os chamados lucros em
suspenso, que simplesmente deixa lá, a empresa vai fazendo o que
quiser etc e tal. E aqui de novo as posições eram diferentes, o Lamy
dizia: não vejo porque, no mundo inteiro se mantêm lucros em suspenso,
se mantêm lucros acumulados, e tem [inaudível], por que é que nós não
vamos ter? E dizia o José Luis: Porque é injusto com o acionista. O
acionista ele bota o dinheiro dentro empresa para receber de volta o
41
resultado que ele tem dentro da empresa e para receber capital
apreciation. E quando ele bota para receber o resultado, o resultado tem
que voltar para ele a não ser que seja necessário para a atividade da
empresa. Mas para ser necessário ele tem que ser caracterizado como
necessário. Então você tem reservas estatutárias, você tem aquelas
reservas legais e você tem ainda orçamento de capital para dizer: eu vou
investir, eu preciso disso, disso, disso. Mas se você não tiver nada disso
você tem que distribuir a totalidade do lucro e não apenas o dividendo
mínimo. E foi isso que acabou prevalecendo na lei. Então essas
discussões foram discussões, na verdade, um subproduto adicional do
CEPED mais adiante.
G.L. – É, nessas discussões você tem um modo de ver a lei, do estatuto
jurídico, que é relacionado a vários outros métodos, a várioos outros
modos e a vários outros saberes.
C.L. – Exatamamente.
T.R. Não e eu acho que nisso, eu não sei se de maneira consciente ou
não, tem também a questão, eu não diria de uma responsabilidade, mas
de um compromisso de quem está pensando a lei com o geral da
sociedade,porque com essa última questão agora você diminui bastante
a questão do capital especulativo dentro da própria empresa, que foi o
42
que hoje deu essa crise que está aí...possibilidade hoje no Brasil de a
empresa...
C.L. – Mas o capital especulativo está na bolsa ele não está dentro da
empresa. A bolsa é que é fundamentalmente especulativa.
T.R. – Mas quando você tem na margem da empresa, do capital dela,
quando você tem a possibilidade da empresa possuir as próprias ações –
e essa margem no Brasil é bem reduzida em comparação com os
Estados Unidos e a Europa – é uma forma de você também de estimular
que quem esteja na empresa sejam pessoas da sociedade e não a própria
empresa, ou seja, o conselho diretor não é? Porque quando a gente fala
da empresa ter as próprias ações no fundo o que acaba...
C.L. – É não exite aqui, aqui não exite board. O nosso conselho de
Administração não é um bord. O board tem todos os poderes sobre o
negócio da sociedade, muitas vezes não pode ser sequer destituído pela
assembléia de acionistas, a destituição é um processo complicado e
dependendo da legislação ele é auto renovável, etc. Então é um negócio
que a gente tem que tomar um pouco de cuidado entre conselho de
administração e boarder . A diferença é tão grande, os poderes aqui são
reservados para a assembléia enquanto que os poderes lá são
reservados para o board não são reservados para assembléia. A
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assembléia tem alguns poderes mas não como aqui, a lei diz aqui que a
assembléia é o poder fundamental e pode tudo, pode tudo, pode tudo.
Ela pode inclusive pegar poderes do board e ela pode decidir em cima
daqueles poderes.
G.L. – É, mas o que é relevanto no contexto aqui parece ser ...
C.L. – É que essa reforma da lei de S/A veio de todos os trabalhos que
foram produzidos dentro do CEPED.
G.L. – Pois é e aqui temos a grande pergunta quer dizer, a pesquisa
nossa, Leoni, que é um pouco identificar o que é que foi aquele
movimento e sobretudo a marca que ele teve no futuro...
C.L. – É, e no futuro, eu acho que a reforma da lei de S/A é um
subproduto do CEPED, direto.
G.L. – É na medida que tem uma atitude aí.
44
C.L. – Em 74, porque em 73 foi o último curso, em 74 foi o compromisso
assumido pelo Golbery comigo, em nome do Geisel, de fazer a reforma,
nomear uma comissão para fazer essa reforma logo em seguida ao
primeiro ano do governo Geisel, que foi em 75. Mas aí já foi um papel
que eu entreguei ao Golbery que levou ao Geisel, voltou com aquela
letrinha minúscula do Geisel toda anotadinha, porque ele lia tudo, era
impressionante, a alemão era um horror, ele lia tudo, tudo, tudo, tudo.
Era um centralizador desgraçado. E se conseguiu fazer a reforma
porque o Geisel assumiu esse compromisso e mandou fazer.
G.L. – Há alguma correlação também com aquela lei 1598 nesse
processo?
C.L. – É, a CVM é uma discussão...
G.L. – Não aquela lei de Imposto de Renda, a 1598...
C.L. – Ah, não, ali veio depois, aquilo era o problema da consolidação de
balanços aquela coisa toda. Isso daí veio como um desdobramento desse
processo, como consequência da mudança da lei de S/A, mas eu não
diria que ela foi um desdobramento direto do CEPED. Ela é um
desdobramento do que se discutiu em relação a lei de S/A.
45
G.L. – Esse ponto, a meu ver, é extremamente relevante, quer dizer, você
tem o governo se preocupando com uma nova lei e essa nova lei sendo
discutida de uma outra ótica por juristas, mas juristas que não tem
apenas a formação jurídica tem uma formação muito mais horizontal.
C.L. – Isso, isso. E aí nesse grupo em 74 você já tinha o José Luiz Bulhões
Pedreira. O José Luis já estava integrado nesse grupo que discutia essas
coisas.
G.L. – É, a influência dele no CEPED?
C.L. – Nenhuma, zero.
G.L. –Nenhuma. E dos jurídicos da Light, enquanto jurídicos da Light?
C.L. –Nenhuma.
G.L. – É uma bobagem, quer dizer, isso está dito.
46
C.L. – Não, não, o jurídico da Light nunca influiu em nada disso. Havia
um grupo na Cobaste, a Cobaste era Companhia Brasileira de
Administração e Serviços Tecnicos, uma coisa assim, que era a empresa
de serviços que na verdade geria a Light aqui dentro. Era a gestão
superior do conjunto de empresas, porque não era só a Light, você tinha
a Light, tinha a Telefônica, tinha bondes, tinha aquele troço todo, você
lembra disso. Bom e a Cobaste era o grupo onde estava o Lamy, onde
estava o próprio Galotti – ele era o presidente da Cobaste, era o vice-
presidente executivo da Light mas ele era o presidente da Cobaste.
Estava o Pires Sodré, estava o Caio Tácito, estava o Cândido Mendes,
estava o José Rubens Fonseca. O José Rubens é de lá, é daquela época.
Estava quem mais? O português, aquele que era o chefe de gabinete do
Galotti, como é que era o nome dele?
G.L. – Almílcar Falcão não?
C.L. – Não um portugues, muito engraçado.
G.L. – Francisco Xavier?
C.L. – Não, não tem nada a ver. Não era jurista famoso, era...
47
G.L. – Trigo?
C.L. – Não, o Trigo foi coisa do Roberto Paulo Cezar de Andrade, não tem
nada a ver com o Galotti. Era um sujeito da mesma idade que o Galotti,
não me lembro mais.
G.L. – Roberto Cesar de Andrade?
C.L. – O Roberto estava lá naquela época, não tinha saído para a Brascan,
ele estava na Cobaste. Sabe isso daí era o grupo, mas esse grupo ele
estava preocupado era com a estrutura das empresas, não tinha nada a
ver com isso. Nada, nada. E nunca esse grupo interferiu em nada. Era o
Lamy como pessoa física, um scholar que vivia estudando aqueles troços
e que realmente gostava daquilo.
G.L. – É, eu vou te fazer aqui de novo Leoni uma pergunta que você a
rigor já respondeu no contexto da sua exposição mas eu queria que você
respondesse mais especificamente, diretamente à pergunta que é a
seguinte, está no roteiro: quais, a seu ver, as idéias básicas do programa
em termos de metodologia do ensino em termo de conceito de Direito e
48
em termo do papel do advogado na sociedade? Você de certa forma já
cobriu tudo isso, eu posso extrair isso do seu depoimento.
C.L. – Basicamente eu acho que no ensino do Direito nós estávamos
testando modos diferentes de ensinar com uma visão de um Direito em
realização permanente que – por isso é que eu falei do Roberto
Mangabeira Unger e da teoria dele da evolução do Direito. Eu acho que
nós estávamos com uma visão muito mais concreta de como é que
evolui o Direito, quais são as necessidades econômicas que aparecem,
que obrigam você a reformular o processo a criar as excessões aos
conceitos já existentes. Nós adotávamos a posição de que o Direito é
uma ciência, uma ciência criada pela mente humana, mas uma ciência.
Por que uma ciência? Porque cada princípio tem os seus corolários e
seus corolários podem ser quebrados para criar novos princípios, mas
você tem que entender como é que você quebra para determinar
extamente o alcance daquela quebra, para não anular o princípio básico
que está lá atrás. E assim você ia fazendo uma evolução natural do
Direito. A preocupação que o Brasil já estava em um processo de
evolução e era preciso acompanhar aquela evolução com um Direito que
fosse adequado, que fosse ágil, que fosse moderno, que não ficasse
entranhado da visão do passado, da visão de Código Napoleônico
traduzido em um Código Civil. Então a idéia era metodologia nova para
tentar colocar o método discursivo, tentar ver se era possível chegar nas
Universidades, não a exposição completa, mas fazer aquilo que nós
tentávamos fazer na aula. Nós discutíamos os vários princípios, caso a
49
caso para finalmente pegar quatro ou cinco e dizer: bom, será que isso
aqui não constitui um conjunto único de princípios? Será que não são
corolários de um princípio maior? Qual é o princípio maior? Aí você dava
a visão já da floresta e não apenas das árvores, etc. Quer dizer isso era
uma primeira coisa, e nessa metodologia como é que você poderia
chegar à especialização, porque até então você não tinha especialização,
todo mundo tinha que fazer todas as matérias do currículo e chegava a
se formar, podia ser advogado de qualquer especialidade, na verdade de
nenhuma especialidade. E você dizia: não, vamos tentar especializar
isso, vamos tentar formar advogados que tenham uma formação mais
específica, que possam realmente contribuir mais, não apenas para a
sociedade mas para a realização do processo, a evolução do processo do
Direito. Não estou dizendo que todo mundo fosse jurista, mas pelo
menos que tivesse uma visão da necessidade do atendimento das
necessidades da sociedade. E, finalmente, o que é que você perguntou
mais?
G.L. – Era exatamente isso, era o papel do advogado na sociedade
também.
C.L. – É o papel do advogado na sociedade, o que se dizia é: o advogado
não pode ser apenas passivo no sentido de dizer: bom me dá seu
problema, está aqui o documento, tem que preparar um documento para
atender ao seu interesse. Ele tem que discutir com o cliente: qual é o seu
50
verdadeiro interesse, é esse, não é, olha você aqui está tentando chegar
a um resultado que é absurdo por isso, por isso, por aquilo, vamos
tentar chegar a um outro resultado assim, assim, assim. Onde você
preserva a longo prazo todo o interesse da sociedade mas você também
preserva o seu interesse, você tem mais defesa. E isso tudo foi feito com
muita tranquilidade, quer dizer, nós estávamos preparando o advogado
para um papel mais ativo na sociedade.
G.L. – Eu acho que está tudo respondido.
T.R – Não, eu tenho algumas dúvidas, na verdade só para maiores
esclerecimentos. Nessa questão da crítica, surge essa crítica forte do
Mangabeira, e aí qual a resposta de vocês? Ou seja, o Mangabeira
escreve um artigo e isso acaba...
C.L. – Ninguém dava muita bola, ninguém deu muita bola para o artigo
aqui, este artigo teve muita repercussão nos Estados Unidos aqui não
teve nenhuma.
T.R – Não? E aí vocês fizeram algum movimento, teve alguém lá?
51
G.L. – Esse artigo você tem ele, sabe onde é que a gente acha? Sabe onde
é que foi publicado?
T.R. – Não, mas isso é fácil.
G.L. – Nós precisamos achar isso.
C.L. – Isso o próprio Roberto pode te dar, não tem problema.
T.R. – Mas a questão é, vocês se preocuparam nesse momento em dar
uma resposta lá fora, do tipo: não é isso que está acontecendo, não é por
aí?
C.L. –Não, não. Não demos a menor bola para o artigo.
G.L. –Esse artigo o Vivaldo, o nosso próximo na lista, certamente terá
esse artigo.
C.L. – Ah bom! E deverá estar feliz da vida em tê-lo, etc.
52
G.L. – O Vivaldo, eu já localizei o Vivaldo, vamos ver se ele ...
T.R. – É, o Vivaldo quando ele vai para Havard ele acaba se aproximando
muito do Mangabeira, e aí quando ele volta ele vai para o CEPED. Isso aí
não seria ...
C.L. – Não, isso aí não tem nada a ver isso não. O Vivaldo foi para o
CEPED porque...
G.L. – Como aluno.
C.L. – Não, aí ele já foi aí como secretário porque o Vivaldo teve bolsa
não é?
G.L. – Teve bolsa e foi ...
T.R. – Mas ele chegou a ser aluno do CEPED. Foi aluno e aí foi para o
Mangabeira.
53
C.L. – E aí quando ele volta, nosso Venâncio não queria mais ser
Secretário, o Vivaldo se candidatou a ser secretário e o Caio gostava
muito do Vivaldo, então ele insistiu que a gente contratasse. Eu não
tinha ninguém para o lugar, o Lamy não tinha ninguém para o lugar,
ninguém estava preocupado com aquele troço e o Vivaldo ocupou. No
início o Vivaldo foi até eficiente, depois ele perdeu muito. O Vivaldo
sofreu um processo de transformação muito engraçado, mas isso daí é
da vida.
G.L. – O processo de transformação do Vivaldo me interessa um pouco
porque ele está na fronteira do CEPED enquanto análise ideológica.
Porque ele virou um político afinal de contas, transformou-se em um
político como uma ideologia...
C.L. – É, é, mas eu acho que na pesquisa vai ser importante ver a opinião
dele.
G.L. – Claro, importantíssimo.
C.L. – Como vai ser importante ouvir a opinião de todos que foram
contra, não tenho nada contra. Eu acho que o CEPED foi uma
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experiência excepcional, de grande valor para o Brasil e para o Direito.
Agora, vai ter gente que foi contra e que vai continuar sendo contra,
dizendo que era contra que aquilo ali era um absurdo, etc, etc. E vai ter
gente que... O CEPED hoje não tem mais aquela marca que tinha. Era
uma marca muito importante na década de 70. Hoje não é mais, foi
ultrapassado pelo tempo.
G.L. – É mas o tema básico que foi abordado aqui é exatamente isso. O
CEPED ajudou a reformar ou a modificar a visão do Direito no
brasileiro?
C.L. – Certamente.
G.L. – Ou formou uma geração de privilegiados – a tese é de que já eram
privilegiados antes – e que mais privilegiados ficaram porque tiveram
essa preparação? Esse é que é o debate.
C.L. – Mas no fundo para mim o CEPED realmente mudou uma geração
de advogados, formou uma geração de advogados, que se preparou para
acompanhar a evolução do Brasil. Essa é a posição que eu tenho e para
mim está muito tranquilo. Eu acho que vale a pena checar com o
Dornelles por exemplo, porque é um sujeito que viveu na profissão
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relativamente pouco tempo, e depois viveu muito mais como político e
como executivo, e um sujeito que tem uma visão também diferente. Mas
eu acho que vale a pena falar com o Dornelles por causa disso.
G.L. – É esse tema é ó tema claro da pesquisa.
C.L. – E ele viveu o CEPED, então é um sujeito que tem um testemunho a
dar também importante para avaliação.
G.L. – Pronto, está na nossa lista. Mas algum nome que você lembra para
a lista de entrevistados?
C.L. – Não aí que eu vi que quando se falava do CEPED se esquecia o
Dornelles com frequencia. Isso é um absurso, porque ele viveu ali uns
três anos ou quatro anos convivendo conosco e trabalhando conosco. E
ele realmente tinha uma admiração muito grande, ele teve um prazer
muito grande intelectual ali e teve uma admiração muito grande por
tudo que estava acontecendo ali dentro.
G.L. – É, o Dornelles está inscrito, mas tem alguém que vocês lembrem
assim? Eu não tenho a lista aqui comigo.
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C.L. – Não mas as pessoas que...
G.L. – Gustavo Leite, que era outro, o Wald, você já mais ou menos falou,
eu vou falar ...
C.L. – Eu acho que Wald vale a pena conversar por causa dos primórdios
e tal, é um sujeito de uma lucidez brutal, mas o Wald não viveu a
experiência como nós vivemos. Quer dizer o Wald ele não fez questão do
método dialogado e ele teve essa resistência do curso à pequena e
média empresa porque para você ser advogado de limitada você não
precisa de formação muito grande não é?
T.R. – O Marcílio a gente chegou a falar com ele.
C.L. – O Marcílio nunca viveu a experiência do CEPED.
T.R - Ele ajudou a ligar as pessoas não é?
C.L. – Alguma ligação no início do coisa ele fez.
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G.L. – Pois é, essa ligação também foi muito importante para você traçar
essa ligação e a ideologia fecundante.
C.L. – Foi, foi, concordo. Mas ele não viveu a experiência.
G.L. – Nunca pretendeu.
C.L. – É o que estou estou dizendo é só isso. Se você pedir a ele como é
que ele avalia o CEPED, a avaliação dele não é uma avaliação de quem
tenha realmente o conhecimento suficiente para poder te dar realmente
uma avaliação imparcial.
T.R. – É, ele para a gente o que ele disse é que quando ele volta, ele acaba
trabalhando com o Santiago Dantas, que aí de acordo com ele e com o
Lamy era realmente baseado nas idéias de Santiago Dantas que começa
esse movimento todo do CEPED.
C.L. – É, o Sant iago foi um inspirador de muitas coisas.
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T.R. – É, ele não atuou diretamente mas ele fez realmente isso.
C.L. – Não, não, o Santiago já estava doente inclusive. Mas o Santiago foi
um inspirador de que o Brasil precisava se modernizar. E uma das
modernizações necessárias era em Direito. E o Direito que precisava se
modernizar não era o Direito Civil, não era o Direito Criminal - esse até
vinha à reboque das necessidades mais adiante. Era um Direito
Trabalhista que tinha ali, mas era principalmente o Direito Empresarial
porque as empresas no Brasil tinham que acompanhar o mundo e elas
não estavam ainda acompanhando. Essa era a ideía básica que vinha do
Santiago.
T.R. – Eu tenho uma última pergunta.
G.L. – Faça que eu tenho uma outra depois. Mas a minha não é central
para entrevista, a sua pode ser.
T.R. – É sobre o final do CEPED, ou seja o CEPED surge dentro da UERJ,
com o apoio do reitor da UERJ...
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C.L. – Não sei o final como é que foi o final. Nós paramos de dar o curso e
o CEPED pode ter sobrevivido alguns anos.
G.L. – Está vivo até hoje sabia? Como caixa institucional.
C.L. – É, provavelmente.
T.R. – Institucionalmente? Eu queria saber se institucionalmente...
C.L. – Eu ia dizer isso, que provavelemente ele não foi morto nunca
dentro da UERJ, continua sendo...
G.L. – Nunca, está lá você tira na internet e aparece o site.
T.R. – Mas quando terminou a equipe toda saiu, vamos assim dizer?
C.L. – Do curso. Porque lembre-se que nós temos que separar o que é
que era o CEPED, que era essa entidade autônoma da Universidade do
Estado, com o curso que era dado na Fundação Getulio Vargas. Por que é
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que era dado na Fundação? Por causa da facilidade da escola de pós-
graduação. Nós dávamos aula no mesmo andar que a Escola de Pós-
Graduação dava as suas aulas. Nós usávamos uma sala da escola de pós-
graduação para o curso, era por isso. Então nós não dávamos na
Universidade, nós dávamos na Fundação Getúlio Vargas.
C.D. – E vocês também não conversaram com ninguém da UERJ, ou seja,
o CEPED ficou fechado no grupo do CEPED dado ali na FGV e não houve
uma comunicação...
C.L. – Na verdade o CEPED não estava na FGV. O que estava na FGV era o
curso de formação de advogados de empresa.
C.D. – Entendi.
G.L. – Da UERJ.
C.L. – Que era do CEPED. O curso era patrocinado, enfim, era
subordinado formalmente ao CEPED. Mas o CEPED, como tal, ele
obviamente ele teve uma sede ali com Secretario Executivo, fazia o
report, etc. Mas nós não entrávamos em contato com esse CEPED
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formal, existente, centro autônomo da Universidade. Nós estávamos ali
como professores do curso de formação de advogados de empresa, mais
nada.
T.R. –Entendi.
G.L. – É, esse centro autônomo era quem pagava inclusive aos
professores, tinha uma verba específica você sabe disso?
C.L. – É, era assim um negócio minúsculo, mas pagava.
T.R. – Não, é só para a gente ver que assim esse curso de formação que a
gente anda chamando de CEPED, na verdade ele é diferente daquilo que
estava institucionalizado na UERJ, ou seja, foi uma coisa que ficou
fechada...
C.L. – Não porque esse curso era um curso dentro do CEPED, ele não era
o CEPED. Mas se chamava CEPED porque o CEPED era o dono do curso.
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C.D. – Ah, entendi. E aí além desses cursos nessa época o CEPED tinha
outros ou não?
C.L. – Nunca houve mais nada, o CEPED nunca teve nenhuma outra
atividade.
G.L. Bom, pode desligar aí que eu tenho uma outra pergunta mais
curiosa.