Domingo em Porto Alegre de Sergio Faraco, Apresentação Prof. Ilenir

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Domingo em Porto Alegre de Sérgio Faraco, Apresentação Prof. Ilenir. .

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Sergio Faraco

Enquanto Luíza termina de Pôr acriançada a jeito, ele confere o dinheiroque separou e o prende num clipe.Tudoem ordem para o grande dia. Passa a mãona bolsa das merendas e se apresenta naporta do quarto .

_ Tá na hora, pessoal._ Já vai, já vai-diz a mulher.

_ Espero vocês lá embaixo.Luíza se volta.

_ Por favor, vamos descer todos juntos.Todos juntos, como uma família, papai e

mamãe de braços dados à frente do pequeno cortejo de meninas de tranças. Chama um carro – o passeio de táxi também

faz parte do domingo. As meninas vão com a mãe no banco de trás. Na frente, ele espicha as pernas, recosta a nuca, que conforto um automóvel e o chofer não é como o do ônibus, mudo e mal-humorado, e até puxa conversa.

_ Dia bonito, não?_ Pelo menos isso. _ É, a vida tá dureza...Dureza é apelido e do Alto Petrópolis ao

Bom Fim viajam nesse tom, tom de domingo e na sua opinião não é verdade que esse país já tá com vela?

Nas vitrinas do Bom Fim vão olhando os ternos de sala, as mesinhas de centro, os quartos que sonham comprar um dia. Luíza se encanta num abajur dourado, que lindo, ficaria tão bem ao lado da poltrona azul. E caminham. As garotinhas de mãos dadas e o pai e a mãe trotando atrás, contentes, como se as semanas vencidas e as vincendas não passassem de um sonho mau e cada coisa de suas vidas estivesse em seu lugar, bem ajustada, bem sentada, como aquele abajur ao lado da poltrona azul.

Na calçada, Luíza lhe passa obraço e comenta que ochoferzinho era meio corredor.Eleconcorda e acha também que erameio comunista.

E caminham.

Nas vitrinas do Bom Fim vão olhando osternos de sala, as mesinhas de centro, osquartos que sonham comprar um dia.Luíza se encanta num abajur dourado, quelindo, ficaria tão bem ao lado da poltronaazul. E caminham. As garotinhas de mãosdadas e o pai e a mãe trotando atrás,contentes, como se as semanas vencidas eas vincendas não passassem de um sonhomau e cada coisa de suas vidas estivesse emseu lugar,

bem ajustada, bem sentada, como aquele abajur ao lado da poltrona azul.

Atravessam a avenida e ali está, verde cheiroso, o Parque da Redenção. As garotinhas correm e já vão brincando de pegar, buliçosas, risonhas, e até Luíza, na Redenção, fica um pouco bonita. Os olhos dela se movem mais rapidamente, as mãos se umedecem e as faces recobram nuanças juvenis.

Papai compra passes para o carrossel e acomoda a meninada. Fora do cercado uns quantos casais admiram seus filhos, como se agarram, não caem, como são lindos e gorduchinhos e a vovó ia gostar de ver. Os recém chegados se orgulham também dos seus, como rodam e rodam, dão gritinhos de prazer e nervosas risadinhas.

Luíza se ergue na ponta dos pés, saltita,ele vislumbra o peito no decote e gabasuas estremeções de gelatina. Encosta-senela com súbita volúpia, mas o carrosseldá a última volta e Luíza precisa correr,Marietinha já vem pendurada no pescoçodo cavalinho.

Hora da merenda.

Mamãe faz uma distribuição criteriosade sanduíches, copinhos, guardanapos.Comem. Conversam sobre as maravilhas,do parque e viste como estão caros oschurros uruguaios? Mariana vai pegar oúltimo sanduíche e Marta avança.

_É meu.

_ Não, é meu.E se empurram e já choramingam, mas

Luíza fala da roda- gigante, ficam todaslouquinhas e lá se vão mastigandomortadela e interjeições.Das alturas, entre as copas das grandes

árvores, Luíza chama.- Meu bem, aqui.

Ele abana também, e se finge que seassusta à paisagem de seus bancosvoadores, quase se finam de rir.

Comem pipocas, amendoim torrado,percorrem alamedas de arbustos enamorados, brincam de esconde – escondeno Recanto Chinês e andam todos notrenzinho- é uma pintura quando ele vaicosteando o lago, vendo–se de cima osbarquinhos de pedal.

Começa a escurecer e eles vãoretornando pelos caminhos da Redenção,vão chegando perto da avenida e docorredor dos ônibus. E vão ficando sérios,intimidados sem saber por quê.

Na parada, agrupam-se e pouco ou nadafalam, até que vêem assomar no corredor,roncando, soltando fumaça negra, odragão de lata.

_Qual é aquele pergunta Luíza. _ AltoPetrópolis?

Ele aperta os olhos._ Acho que é.

Mas não é. E por instantes eles ficamse olhando, sorrindo, querendoacreditar que o domingo ainda nãoterminou.

FARACO, Sérgio. Majestic hotel.Porto Alegre: LSPM, 1991, p. 47-50