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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
DIREITOS HUMANOS E SUA CONCEPÇÃO MULTICULTURAL: UMA PERSPECTIVA A PARTIR
DOS PENSAMENTOS DE BOAVENTURA DE SOUZA SANTOS
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
Daniela Missaggia Bertolo
Santa Maria, RS, Brasil 2015
DIREITOS HUMANOS E SUA CONCEPÇÃO MULTICULTURAL: UMA PERSPECTIVA A PARTIR DOS PENSAMENTOS DE BOAVENTURA DE SOUZA SANTOS
Daniela Missaggia Bertolo
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS),
como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacionais.
Orientadora: Profª Danielle Jacon Ayres Pinto
Santa Maria, RS, Brasil 2015
Universidade Federal de Santa Maria Centro de Ciências Sociais e Humanas Departamento de Ciências Econômicas
Curso de Relações Internacionais
A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova o Trabalho de Conclusão de Curso
DIREITOS HUMANOS E SUA CONCEPÇÃO MULTICULTURAL: UMA PERSPECTIVA A PARTIR DOS PENSAMENTOS DE BOAVENTURA DE SOUZA
SANTOS
elaborado por Daniela Missaggia Bertolo
como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacionais
COMISSÃO EXAMINADORA:
Danielle Jacon Ayres Pinto, Ms. (Presidente/Orientadora)
Marcos Pascotto Palermo, Ms.
José Renato Ferraz da Silveira, Dr.
Santa Maria, dezembro de 2015
RESUMO
Trabalho de Conclusão de Curso Curso de Relações Internacionais
Universidade Federal de Santa Maria
DIREITOS HUMANOS E SUA CONCEPÇÃO MULTICULTURAL: UMA PERSPECTIVA A PARTIR DOS PENSAMENTOS DE BOAVENTURA DE SOUZA
SANTOS AUTOR: DANIELA MISSAGGIA BERTOLO
ORIENTADORA: DANIELLE JACON AYRES PINTO Data e Local da Defesa: Santa Maria, dezembro de 2015
O presente trabalho tem como objetivo de estudo analisar e discutir os direitos
humanos como direitos multiculturais, capazes de abranger efetivamente todos os
Estados, e não como direitos criados e positivados apenas por uma perspectiva
eurocêntrica ocidental. Para isto, será explicada, ao longo deste trabalho, a evolução
histórica dos direitos humanos desde a criação dos direitos humanos de primeira
geração, passando pela segunda e pela terceira geração, bem como os principais
marcos históricos e os ordenamentos jurídicos que contribuíram para a importância
dos direitos humanos na atualidade. Buscar-se-á explicar a necessidade da
superação tanto do universalismo dos direitos humanos, quanto do relativismo
cultural. O universalismo nada mais é do que a tentativa de tornar global direitos que
possuem uma raiz local, como uma forma de dominação cultural. Já o relativismo
cultural pode servir para justificar violações contra os seres humanos, alegando que
certas práticas fazem parte da cultura de determinado povo. Assim, a alternativa para
os direitos humanos no século XXI passa a ser a concepção multicultural de direitos.
É justamente este ponto que este trabalho, por meio de revisão bibliográfica e,
principalmente, pelo entendimento de Boaventura de Souza Santos sobre os direitos
humanos, visa discutir.
Palavras-chave: Direitos Humanos, Universalismo, Relativismo Cultural, Concepção Multicultural de Direitos.
ABSTRACT
Senior Thesis International Relations Major
Universidade Federal de Santa Maria
HUMAN RIGHTS AND YOUR MULTICULTURAL CONCEPTION: A PERSPECTIVE ACCORDING TO BOAVENTURA DE SOUZA SANTOS
AUTHOR: DANIELA MISSAGGIA BERTOLO ADVISER: DANIELLE JACON AYRES PINTO
Defense Date and Place: Santa Maria, December, 2015.
This study aims to analyze and discuss human rights as multicultural rights, able
to effectively comprise every State, and not as rights created and affirmed only through
a Eurocentric western perspective. For that, the historical evolution of human rights will
be explained in this study, from the creation of first-generation human rights to second
and third generations, as well as the main historical hallmarks and legal systems that
contributed to the current importance of human rights. The study intends to explain the
need to overcome both universality and cultural relativity of human rights. Universality
is nothing more than an attempt to turn locally rooted rights into global rights, as a form
of cultural domination. Cultural relativity can help justify violations against human
beings, claiming that certain practices are part of the culture of a particular people.
Thus, the alternative for human rights in the 21st century becomes a multicultural
conception of rights. This is exactly what this study aims to discuss, by means of a
review of literature, and, mainly, by understanding the ideas of Boaventura de Souza
Santos on human rights.
Keywords: Human Rights, Universality, Cultural Relativity, Multicultural Conception of Rights.
SUMÁRIO
1.1 CONCEITOS DE DIREITOS HUMANOS ................................................................... 8 1.2 AS GERAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS ............................................................. 11 1.2.1 A primeira geração de direitos humanos .......................................................... 12 1.2.2 A segunda geração de direitos humanos ......................................................... 16 1.2.3 A terceira geração de direitos humanos ........................................................... 18
2.1 CARTA INTERNACIONAL DE DIREITOS DO HOMEM ............................................... 23 2.1.1 Declaração Universal de Direitos Humanos ..................................................... 25 2.1.2 Pactos Internacionais de Direitos Humanos ..................................................... 31 2.2 DECLARAÇÃO DE VIENA ................................................................................. 37 2.3 CRÍTICAS À VISÃO UNIVERSAL PRESENTE NA CARTA INTERNACIONAL DE DIREITOS
HUMANOS E NA DECLARAÇÃO DE VIENA ................................................................. 41
3.1 MULTICULTURALISMO VERSUS RELATIVISMO CULTURAL ..................................... 45 3.2 BOAVENTURA DE SOUZA SANTOS E A CONCEPÇÃO MULTICULTURAL DE DIREITOS
HUMANOS ........................................................................................................... 51 3.3 ALTERNATIVAS MULTICULTURAIS PARA OS DIREITOS HUMANOS NO SÉCULO XXI .... 60
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 6 1 CONCEITOS E HISTÓRIA DOS DIREITOS HUMANOS......................................... 8
2 INSTRUMENTOS JURÍDICOS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ..... 23
3 A SUPERAÇÃO DO DEBATE SOBRE UNIVERSALISMO E RELATIVISMO CULTURAL E A CONCEPÇÃO MULTICULTURAL DOS DIREITOS HUMANOS .. 45
CONCLUSÃO ........................................................................................................... 65 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 67
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INTRODUÇÃO
A política de direitos humanos é algo bastante debatido nos dias de hoje.
Estes direitos sempre foram considerados, pela sociedade ocidental, como
vitórias que o povo foi conquistando à cada período histórico. Nas últimas
décadas, estes direitos, positivados nas grandes declarações de direitos
humanos, passaram a ser considerados como direitos universais, devendo ser
estendido à todos as culturas do globo.
O sistema internacional é multicultural, ou seja, é formado por diferentes
culturas, sendo que os direitos humanos da forma que são reconhecidos hoje,
são direitos da cultura ocidental. O problema deste trabalho é responder qual a
melhor forma de se pensar os direitos humanos em um mundo multicultural. Este
problema se forma porque, como afirmado, o mundo é multicultural e a tentativa
de universalização nada mais é do que uma busca por transformar direitos que
possuem caráter ocidental, em direitos universais, como uma forma de
dominação dos povos ocidentais hegemônicos ao restante do globo.
No primeiro capítulo do trabalho, procura-se explicar o conceito dos
direitos humanos e de dignidade humana. Estes conceitos, como é explicado ao
longo do texto, mostram o quanto é ocidental a política dos direitos humanos.
Além disto, o primeiro capítulo trata de apresentar as três principais gerações de
direitos pelas quais os direitos humanos passaram, fazendo uma análise
histórica destes direitos desde a primeira geração de direitos humanos, do
período da criação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789,
passando pelos direitos de segunda geração até chegar aos direitos de terceira
geração que surgiram no período pós Segunda Guerra Mundial.
O segundo capítulo procura fazer uma análise mais detalhada sobre
alguns ordenamentos jurídicos internacionais que tratam sobre o tema dos
direitos humanos. Foram escolhidos para serem postos neste trabalho, entre
diferentes tratados e declarações, a Carta Internacional de Direitos do Homem,
que é composta pela Declaração Universal de Direitos Humanos, pelo Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos e pelo Pacto Internacional de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais; e a Declaração de Viena. Depois de fazer uma
análise histórica e uma análise das normas jurídicas de cada um destes
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ordenamentos, é feita uma crítica sobre a visão ocidental e sobre a concepção
universalista contida nestas Declarações e Pactos.
O terceiro capítulo visa responder ao problema que instigou a criação
deste trabalho. Aqui, é posta a necessidade de se alcançar a superação da
concepção relativista cultural e da concepção universalista. Após isto, é
explicada a concepção multicultural de direitos humanos, defendida por
Boaventura de Souza Santos. E, ao fim do trabalho, são postas alternativas
multiculturais para os direitos humanos no século XXI.
O objetivo do presente trabalho, então, é analisar e discutir os direitos
humanos como direitos multiculturais, capazes de abranger efetivamente todos
os Estados, e não como direitos criados e positivados através apenas de uma
perspectiva eurocêntrica ocidental. Para isto, através de revisão bibliográfica e,
principalmente, através da análise do entendimento de Boaventura de Souza
Santos sobre os direitos humanos, o seguinte trabalho procura explicar a
necessidade de se alcançar a superação de temas como o universalismo e o
relativismo cultural e defender a concepção multiculturalista dos direitos
humanos.
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1 CONCEITOS E HISTÓRIA DOS DIREITOS HUMANOS
O estudo dos direitos humanos merece bastante atenção graças a sua
atualidade e a importante proposta emancipadora a que se propõe. A ideia de
direitos humanos surge e se modifica através do tempo de acordo com as
necessidades de cada época. Para entendermos melhor a modificação dos
direitos humanos através do tempo, o dividimos em diferentes gerações. Este
capítulo se propõe a conceituar o que se entende por direitos humanos e a fazer
uma análise sobre as principais gerações destes direitos ao longo da história.
1.1 Conceitos de direitos humanos
A política dos direitos humanos é muito importante na atualidade. A
proteção desses direitos e de como fazer políticas para torná-los efetivos é muito
debatida por todos. Estes direitos não são completos e nem absolutos, ou seja,
eles foram sendo construídos a partir das especificidades e necessidades de
cada época e região até se tornarem o que são hoje. Como diz Hannah Arendt
(1979), os direitos humanos são um construído histórico que estão sempre se
construindo e reconstruindo. Eles são produtos de lutas políticas e sociais que
refletem os valores e aspirações de cada sociedade. Sobre este assunto,
Norberto Bobbio explica:
Do ponto de vista teórico, sempre defendi — e continuo a defender, fortalecido por novos argumentos — que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas (BOBBIO, 2004, p. 5).
Já que os diferentes direitos surgiram em épocas variadas, os direitos
humanos acabaram sendo classificados em gerações, de acordo com a sua
evolução na história. Mais adiante, iremos tratar com mais especificidade sobre
as três principais gerações de direitos humanos.
Além dos direitos humanos possuírem a característica de se modificarem
através do tempo de acordo com as dificuldades enfrentadas em cada momento
histórico, outra característica presente é da sua ocidentalidade. Os direitos
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humanos e suas gerações acompanham a história das sociedades ocidentais.
Surgem no momento em que as sociedades ocidentais percebem a necessidade
do seu surgimento e se modificam quando as sociedades ocidentais
necessitarem que isso aconteça. Por esta razão, existem questionamentos sobre
a implementação dos direitos humanos em nações não ocidentais que não
possuem a mesma história e mesmas preocupações.
Uma característica que demonstra que os direitos humanos são uma
concepção ocidental é a da importância que é dada ao individualismo. Por
exemplo, segundo Pandeya (1985), para um hindu, se existirem direitos para
uma pessoa é porque também existem deveres. Não existem direitos pelo
simples fato de serem inerentes à pessoa humana. Sobre estes assuntos, iremos
tratar no terceiro capítulo deste trabalho.
Em relação à sua história, a ideia dos direitos humanos surge na
modernidade, semeado a partir da paz de Westfália1. Porém, o conceito começa
a tomar forma com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789).
Na declaração da Virgínia, que marca a Independência dos Estados Unidos, já
estavam contidos alguns direitos naturais, porém, estes direitos possuíam um
caráter mais local, destinado à um mesmo povo. É apenas com a declaração
francesa que é encontrado um maior caráter de universalidade. O histórico dos
direitos humanos vai ser melhor explicado nos subtítulos posteriores que tratam
sobre as suas gerações.
O conceito de direitos humanos possui um caráter fluído e está em
contínua redefinição. Os direitos humanos abrangem diferentes situações
políticas e sociais ao longo do tempo e espaço, o que faz com que seja difícil sua
conceituação, e desta forma, cada autor o defini da forma que julga ser a mais
correta. Segundo Alves, a política de direitos humanos rompe com certas visões
tradicionais do direito internacional. Em suas palavras:
1 Segundo Lafer, a Paz de Westfália “[...] representou a consolidação de uma ordem mundial constituída exclusivamente pelos governos de Estados soberanos. Estes teriam liberdade absoluta para governar um espaço nacional – territórios – podendo entrar em acordos voluntários – tratados – para regular as relações externas e intraconexões de variados tipos (LAFER, 1982, pg. 69-70).” Ainda de acordo com Lafer, o tratado de Westfália consagrou os Estados como atores únicos das relações internacionais. O objetivo deste tratado foi estabelecer uma ordem e harmonia no sistema internacional a partir do equilíbrio de poder destes atores, os quais agindo de forma egoísta a partir de suas razões de Estados, conformariam um interesse comum da comunidade internacional. Essa concepção coloca o Estado como insubordinado a qualquer poder externo (LAFER, 1982).
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Os direitos humanos têm caráter peculiar no direito e nas relações internacionais por várias razões. Em primeiro lugar porque têm como sujeitos não os Estados, mas sim, no dizer de Noberto Bobbio, o homem e a mulher na qualidade de ‘cidadãos do mundo’. Em segundo porque, pelo menos à primeira vista, a interação dos Governos nesta área não visa a proteger interesses próprios. Em terceiro, e indubitavelmente, porque o tratamento internacional da matéria modifica a noção habitual de soberania (ALVES, 2003).
O sujeito de direito que deve ser protegido, segundo a concepção
ocidental de direitos humanos, é todo aquele que possui dignidade. De acordo
com esta concepção ocidental, a dignidade é intrínseca à todos as pessoas.
Então, percebe-se que toda pessoa humana seria a titular do que está previsto
nas normas jurídicas de direitos humanos. Segundo Sarmento,
Os direitos humanos são faculdades de agir ou poderes de exigir atribuídos ao indivíduo para assegurar a dignidade humana nas dimensões da liberdade, igualdade e solidariedade. Nascem na ordem jurídica supraestatal e são recepcionados nos países que se comprometeram a assegurá-los e garanti-los em suas Constituições (SARMENTO, s/d, p. 1).
Sarmento cita, neste trecho, os princípios da liberdade, igualdade e
solidariedade que são característicos, cada um, de uma das fases das gerações
de direitos humanos que iremos explicar mais adiante. Além disso, ele explica
que os direitos humanos são supraestatais, isto é, são direitos que devem ser
protegidos pela comunidade internacional, independentemente das fronteiras
dos Estados, e são recepcionados por estes através da ratificação de tratados
internacionais e pela positivação das normas de direitos humanos em suas
Constituições. Desta forma, a nomenclatura direitos humanos refere-se a direitos
supraestatais e, quando recepcionados pelos ordenamentos jurídicos nacionais,
eles passam a ser chamados de direitos fundamentais.
Os direitos humanos, segundo a concepção ocidental, então, buscam a
plena proteção da dignidade humana presente em todos os seres humanos. Da
mesmo forma que os direitos humanos, também é difícil de conceituar o que
seria a dignidade humana. Sarlet a conceitua como:
Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que
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assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos (SARLET, 2001, p. 60).
Nesse entendimento, a dignidade humana é vista como intrínseca e
inseparável de todo e qualquer ser humano. É um valor que é inerente a cada
pessoa. Pelo fato do ser humano possuir dignidade, ele é titular de direitos que
devem ser respeitados por todos. Em relação ao entendimento de Piovezan
sobre o assunto, temos:
todo ser humano tem uma dignidade que lhe é inerente, sendo incondicionada, não dependendo de qualquer outro critério, senão ser humano. O valor da dignidade humana se projeta, assim, por todo o sistema internacional de proteção. Todos os tratados internacionais, ainda que assumam a roupagem do Positivismo Jurídico, incorporam o valor da dignidade humana (PIOVEZAN, 2003, p. 188).
Porém, estas concepções de dignidade e de direitos humanos, como já
afirmado acima, são visivelmente ocidentais, não abrangendo os direitos e as
crenças da totalidade das culturas do globo. A própria ideia de dignidade como
inerente e intrínseca não é vista desta forma pelos Estados que não fazem parte
da cultura ocidental. Para Santos (1997), defensor da ideia de que a política de
direitos humanos atual não trata de direitos universais, e sim de direitos
ocidentais, os direitos humanos podem ter o papel de uma política progressista
emancipadora se forem concebidos com alcance global e com legitimidade local,
sem imposições de direitos por parte da cultura ocidental, mas sim com diálogos
que formem consenso entre todas as culturas. Estas críticas sobre o caráter
ocidental dos direitos humanos e sobre a tentativa, por parte das potências
ocidentais, de uma imposição destes direitos às culturas não ocidentais serão
explicadas melhor no terceiro capítulo deste trabalho.
1.2 As gerações de direitos humanos
A teoria que trata das gerações de direitos humanos traz a ideia de que
os direitos humanos evoluem e se modificam de acordo com as etapas históricas
das civilizações. De acordo com a sociedade de cada época e lugar, existem
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diferentes demandas sociais que podem ser visualizadas no conteúdo das
normas de direitos humanos de cada período. Desta forma, as regras de direitos
humanos estão em constante transformação junto com as sociedades, sempre
buscando regular as relações sociais de cada tempo e espaço. De acordo com
essa ideia, Sarmento afirma que:
A teoria das gerações tem como paradigma a evolução histórica dos direitos humanos na ordem jurídica supraestatal (...) Preconiza que o processo de criação de direitos humanos é contínuo e inesgotável. Os defensores dessa teoria vinculam cada etapa civilizatória a valores relevantes para a vida social. Sob a inspiração de determinado elemento axiológico, surgem direitos com o mesmo perfil (SARMENTO, s/d, p. 2).
Vamos explicar, em seguida, com mais detalhes, as três principais
gerações de direitos humanos, que são: direitos de primeira geração - liberdades
públicas e direitos políticos; direitos de segunda geração – direitos sociais,
econômicos e culturais; e direitos de terceira geração – direitos difusos, coletivos
e individuais homogêneos.
1.2.1 A primeira geração de direitos humanos
A primeira geração de direitos humanos tem como direitos tutelados à
proteção das liberdades individuais. Busca-se proteger, aqui, a liberdade e a
individualidade das pessoas. O marco histórico da tutela desses direitos
aconteceu com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789,
positivada graças à Revolução Francesa. A Declaração de Direitos da Virgínia
de 1776, que é a Declaração do marco da independência dos Estados Unidos
da América, também é muito importante na história do florescimento dos direitos
humanos de primeira geração.
A Revolução Francesa foi muito importante na história da humanidade,
pois representa o rompimento de uma época, o absolutismo, e assinala o
surgimento de outra, a ascensão burguesa e a importância do capital. Segundo
o entendimento de Bobbio:
A Revolução Francesa foi exaltada e execrada, julgada ora como uma obra divina, ora como uma obra diabólica. Foi justificada ou não justificada de diferentes modos: justificada porque, apesar da violência
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que a acompanhou, teria transformado profundamente a sociedade européia; não justificada porque um fim, mesmo bom, não santifica todos os meios, ou pior ainda, porque o próprio fim não era bom, ou finalmente, porque o fim teria sido bom, mas não foi alcançado. Mas, qualquer que seja o Juízo sobre aqueles eventos, a Declaração dos Direitos continua a ser um marco fundamental (BOBBIO, 2004, p. 55).
É neste momento, a partir da Revolução Francesa, que começa a fase de
positivação dos direitos percebidos, pelos povos ocidentais, como inerentes aos
seres humanos. Nessa época, buscava-se, principalmente, o direito fundamental
de liberdade. Para isto, a autoridade estatal deveria ser enfraquecida, perdendo
o poder de limitar as liberdades do ser humano. De acordo com Piovezan:
No final do século XVIII, as modernas Declarações de Direitos refletiam um discurso liberal da cidadania. Tanto a Declaração francesa de 1789, como a Declaração americana de 1776, consagravam a ótica contratualista liberal, pela qual os direitos humanos se reduziam aos direitos à liberdade, segurança e propriedade, complementados pela resistência à opressão. Daí o primado do valor da liberdade, com a supremacia dos direitos civis e políticos e a ausência de previsão de qualquer direito social, econômico e cultural que dependesse da intervenção do Estado (PIOVEZAN, 2009, p. 3).
De acordo com esta ideia, Piovezan deixa claro o caráter liberal dessas
declarações e aponta que estas buscam proteger os direitos civis e políticos,
com a ausência de qualquer proteção sobre os direitos econômicos, sociais e
culturais.
Ainda analisando as Declarações francesa e americana, segundo Hunt:
A igualdade, a universalidade e o caráter natural dos direitos ganharam uma expressão política direta pela primeira vez na Declaração da Independência americana de 1776 e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789... A Declaração da Independência insistia que "todos os homens são criados iguais" e que todos possuem "direitos inalienáveis". Da mesma forma, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão proclamava que "Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos". Não os homens franceses, não os homens brancos, não os católicos, mas "os homens", o que tanto naquela época como agora não significa apenas machos, mas pessoas, isto é, membros da raça humana. Em outras palavras... direitos que tinham sido considerados muito frequentemente como sendo de determinado povo —os ingleses nascidos livres, por exemplo—foram transformados em direitos humanos, direitos naturais universais, o que os franceses chamavam les droits de Vhomme, ou "os direitos do homem" (HUNT, 2009, p. 19-20).
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Aqui, neste trecho de Hunt, percebemos a preocupação da época em
construir Declarações que possuíssem um caráter universal, buscando positivar
direitos inalienáveis de todos os seres humanos.
Porém, apesar dessa universalidade que a Declaração busca alcançar,
na prática os direitos aqui tutelados eram direitos que beneficiavam uma classe
específica da sociedade, os burgueses. Os burgueses se tornaram uma classe
poderosa no pós Revolução Francesa e para eles era importante que fossem
protegidos os direitos de liberdade e de propriedade. O conteúdo dos direitos
humanos de primeira geração deixaram de lado toda uma outra camada da
sociedade, como o caso dos trabalhadores. Além deles, outros grupos, como
mulheres e negros, não eram contemplados por benefícios na primeira geração
de direitos humanos. Como Hunt aponta:
Ainda mais perturbador é que aqueles que com tanta confiança declaravam no final do século XVIII que os direitos são universais vieram a demonstrar que tinham algo muito menos inclusivo em mente. Não ficamos surpresos por eles considerarem que as crianças, os insanos, os prisioneiros ou os estrangeiros eram incapazes ou indignos de plena participação no processo político, pois pensamos da mesma maneira. Mas eles também excluíam aqueles sem propriedade, os escravos, os negros livres, em alguns casos as minorias religiosas e, sempre e por toda parte, as mulheres. Em anos recentes, essas limitações a "todos os homens" provocaram muitos comentários, e alguns estudiosos até questionaram se as declarações tinham um verdadeiro significado de emancipação. Os fundadores, os que estruturaram e os que redigiram as declarações têm sido julgados elitistas, racistas e misóginos por sua incapacidade de considerar todos verdadeiramente iguais em direitos (HUNT, 2009, p. 16-17)
Como foi dito anteriormente, na primeira geração de direitos humanos o
principal direito tutelado foi o da liberdade. Então, neste momento histórico,
foram protegidos as liberdades individuais e os direitos políticos.
Sobre as liberdades individuais, o indivíduo tem o direito de ser livre para
agir, se expressar, falar sem ser censurado por outros indivíduos ou pelo Estado.
Busca-se a proteção da autonomia da pessoa humana. Segundo Sarmento, as
liberdades individuais:
São, portanto, faculdades de agir que implicam o dever de abstenção, sobretudo do Estado. Entre os direitos dessa categoria estão a liberdade de expressão, a presunção de inocência, a inviolabilidade de domicílio, a proteção à vida privada, a liberdade de locomoção, os direitos da pessoa privada de liberdade, o devido processo legal etc.
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Todos possuem um ponto de confluência: a tutela da pessoa humana em sua dimensão individual (SARMENTO, s/d, p. 3).
Na tutela das liberdades individuais, buscam-se proteger direitos como a
liberdade e a propriedade dos indivíduos. Aqui, não procura-se dar nenhum tipo
de auxílio com prestação positiva por parte do Estado, como educação e saúde.
Esta não preocupação do Estado em fazer prestações positivas representa bem
o liberalismo da época. De acordo com Sarmento:
As liberdades públicas, por exemplo, protegem o indivíduo do arbítrio. Caracterizam-se por exigir conduta não interventiva do Estado. Valorizam o ser humano em sua individualidade. Quando falamos em liberdade de expressão, referimo-nos à faculdade individual de emissão do pensamento sem censura ou proibição do Estado. Assim, toda pessoa humana tem a prerrogativa de manifestar publicamente suas ideias políticas, filosóficas, artísticas, científicas e comunicativas sem submeter-se à censura. Outro exemplo. Ao reconhecer a liberdade de consciência, a Constituição assegurou a todos não só a faculdade de escolher livremente sua religião, mas também de optar por ser ateu ou agnóstico, sem ser molestado ou discriminado por suas convicções (SARMENTO, s/d, p. 4).
Os direitos políticos, que também fazem parte dos direitos de primeira
geração, são os direitos de participar da administração do Estado. Aqui, estão
presentes os direitos de votar e de ser votado, etc. São os direitos de
participação na política do país. De acordo com Sarmento:
Os direitos políticos, por sua vez, asseguram a participação popular na administração do Estado. O núcleo dos direitos políticos é composto pelo direito de votar (jus suffragi), pelo direito de ser votado (jus honorum), pelo direito de ocupar cargos, empregos ou funções públicas (jus ad officium) e pelo direito de neles permanecer (jus in officio). Consiste ainda no controle dos atos administrativos através de propositura de ação popular e do direito de filiação a partidos políticos (SARMENTO, s/d, p. 3).
Existem muitas críticas referentes aos direitos de primeira geração. Uma
das maiores críticas é o fato de que a liberdade extrema e a não presença do
Estado faz que aumente a quantidade de desigualdade social nas sociedades.
Com a crise deste Estado Liberal e com a crescente desigualdade social, surgiu
um novo tipo de Estado, o Estado Social, como veremos a seguir.
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1.2.2 A segunda geração de direitos humanos
A segunda geração de direitos humanos tem como principais direitos
assegurados os direitos econômicos, sociais e culturais. Diferentemente da
primeira geração de direitos humanos, que tem a liberdade como direito
característico, aqui, o grande direito protegido passa a ser a igualdade. Neste
momento, o Estado está mais presente entre a sociedade civil do que na fase
anterior, sendo responsável por prestações positivas de acordo com as
demandas da sociedade.
Busca-se, através dos direitos de segunda geração, superar as
desigualdades sociais que se formam em um mundo de livre mercado em que
não há atuação positiva do Estado. O Estado Liberal acabou deixando a
sociedade em uma situação de muita desigualdade. Isso aconteceu porque este
Estado atuava de maneira mínima, com total indiferença em relação à vida
econômica e social da população.
Os direitos de primeira geração beneficiavam a burguesia. Com a
liberdade em primeiro plano, os burgueses se beneficiavam de seu lugar
privilegiado como patrões de trabalhadores que não eram, ainda, protegidos por
leis trabalhistas. Em um mundo onde prevalecia o livre mercado, os burgueses
eram poderosos, enquanto os trabalhadores eram excluídos. Com a
necessidade da proteção dos trabalhadores e dos excluídos em geral, é que
começam a surgir os direitos de segunda geração, que buscavam prestações
positivas do Estado para alcançar um maior grau de igualdade material entre a
sociedade civil.
O Estado, durante o período dos direitos de primeira geração, era visto
como um inimigo, aquele que era opressor e que não permitia a plena satisfação
das liberdades. Com os problemas e crises que surgiram através da busca por
um lucro incessante sem nenhum controle estatal, surge uma nova ideia de
Estado interventor que deve sanar as crises e desigualdades sociais. Com o
Estado social, surgem os direitos de segunda geração presentes nas
declarações de direitos e nas Constituições, como foi o caso, na época, da
Constituição Russa, da Constituição Mexicana e da Constituição de Weimar.
Então, percebe-se que no início do século XX a sociedade começa a se
preocupar em positivar em suas Constituições os direitos de segunda geração.
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Isso ocorre graças ao crescimento de movimentos operários que buscam
mudança no sistema internacional liberal que produzia desigualdades entre
burgueses e trabalhadores. Em relação a isso, Adércio explica:
Os precedentes do constitucionalismo social estavam desde então postos e haveriam de ser desenvolvidos pelo crescimento político dos movimentos operários, do descontentamento dos extratos médios da sociedade e da crescente adesão das forças sociais organizadas ao ideário marxista. A segunda metade do século XIX assiste às crescentes reivindicações obreiras, aos levantes populares e a uma busca de revisão de rota do liberalismo que, mesmo de alguns de seus defensores, sofria críticas por não ter cumprido os projetos de razoável igualdade social gerada pelo ganho de produtividade, notadamente após a Revolução Industrial, encontrando-se, ao contrário, um quadro de pobreza das classes populares em contraste com uma minoria poderosa e cada vez mais rica (ADÉRCIO, 2004, p. 218).
Sobre este assunto, Cunha Júnior afirma:
Estava instalado, portanto, o clima político-social propiciador da intervenção do Estado nas relações socioeconômicas travadas pelo indivíduo. Nasce, então, o Estado de Bem-Estar Social. Assim, esse Estado de Bem-Estar social e da Justiça Social fez-se intervencionista na sociedade e na economia nela praticada, exatamente para que os direitos sociais e econômicos fossem indistinta e genericamente assegurados. Sua atitude era ativa, pois não se contentava em prevenir e solucionar os conflitos de interesses interindividuais (CUNHA JÚNIOR, 2009, p. 585).
Então, analisando a história pela qual o direitos humanos atravessaram
até os direitos de segunda geração, Piovezan aponta:
Caminhando na história, verifica-se por sua vez que, especialmente após a Primeira Guerra Mundial, ao lado do discurso liberal da cidadania, fortalece-se o discurso social da cidadania e, sob as influências da concepção marxista-leninista, é elaborada a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado da então República Soviética Russa, em 1918. Do primado da liberdade transita-se ao primado do valor da igualdade, objetivando-se eliminar a exploração econômica. O Estado passa a ser visto como agente de processos transformadores e o direito à abstenção do Estado, nesse sentido, converte-se em direito à atuação estatal, com a emergência dos direitos a prestações sociais. A Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado de 1918, bem como as Constituições sociais do início do século XX (ex: Constituição de Weimar de 1919, Constituição Mexicana de 1917, etc.) primaram por conter um discurso social da cidadania, em que a igualdade era o direito basilar e um extenso elenco de direitos econômicos, sociais e culturais era previsto (PIOVEZAN, 2009, p. 3).
18
Como percebido, os direitos humanos de segunda geração são os direitos
econômicos, sociais e culturais, os quais trazem para os Estados a obrigação de
suprir as necessidades básicas da sociedade civil. Entre estes direitos, temos o
direito a saúde, moradia, educação e todos aqueles que forem entendidos como
básicos para a plena realização da dignidade humana. Segundo Sarmento:
A 2ª geração produziu direitos que obrigam a intervenção do poder público para assegurar condições básicas de saúde, educação, habitação, transporte, trabalho, lazer etc., através de políticas públicas e ações afirmativas eficientes e inclusivas. Do ponto de vista semântico as liberdades se inserem na categoria “direitos de...”, representada por prerrogativas individuais, enquanto a segunda geração é composta por “direitos à...”, pois implicam o poder de exigir do Estado o cumprimento de prestações positivas que garantam a todos o acesso aos bens da vida imprescindíveis a uma vida digna (SARMENTO, s/d, p. 5).
Sarmento cita, em seu trabalho, o que ele entende como direitos
econômicos, sociais e culturais. Segundo ele:
a) Direitos Sociais: educação, saúde, trabalho, moradia, lazer segurança, previdência social, assistência aos desamparados, proteção à maternidade e à infância. b) Direitos Econômicos: valorização do trabalho, livre iniciativa, função social da propriedade, livre concorrência, defesa do consumidor, redução das desigualdades regionais e sociais etc. c) Direitos Culturais: acesso às fontes da cultura nacional, valorização e difusão das manifestações culturais, proteção às culturas populares (...); proteção ao patrimônio cultural (...), que são os bens de natureza material e imaterial portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade (...) (SARMENTO, s/d, p. 7).
Os direitos de liberdade e igualdade são vistos por muitos como
dicotômicos, em que há a necessidade de escolher um em relação ao outro. A
ideia é de que quanto maior a liberdade, menor vai ser a igualdade da população.
Porém, ambos os direitos estão no rol de direitos humanos assegurados nas
declarações de direitos. Além destas gerações, também existe uma terceira
geração de direitos humanos, como iremos tratar a seguir.
1.2.3 A terceira geração de direitos humanos
19
Os direitos de terceira geração são os direitos que buscam proteger os
grupos sociais mais vulneráveis da sociedade e preservar o meio ambiente de
forma equilibrada. Então, como direitos de terceira geração, temos os direitos
difusos e coletivos. Estes direitos surgem para alcançar o bem comum, pois são
direitos de uma coletividade. Surgem no pós Segunda Guerra Mundial e
objetivam proteger grupos específicos de pessoas, como mulheres, refugiados,
imigrantes, deficientes físicos, crianças etc. Segundo Sarmento:
No plano internacional, a terceira geração abrange o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade, o direito de comunicação, o direito de autodeterminação dos povos, o direito à defesa de ameaça de purificação racial e genocídio, o direito à proteção contra as manifestações de discriminação racial, o direito à proteção em tempos de guerra ou qualquer outro conflito armado (SARMENTO, s/d, p. 9-10).
Para Bobbio (2004), é a Declaração Universal de Direitos Humanos de
1948 o marco inicial dos direitos de terceira geração. A Declaração Universal de
Direitos Humanos foi formada no pós Segunda Guerra Mundial na tentativa de
guiar o tratamento sobre os direitos humanos do pós-guerra. Os horrores
cometidos durante o nazismo e na Segunda Guerra demonstraram a
necessidade da criação de uma Declaração que visasse a proteção da
comunidade internacional. Sobre esta Declaração, vamos tratar melhor no
próximo capítulo. No pós Segunda Guerra Mundial, então, surge a necessidade
de outras formas de proteção, além dos direitos civis e políticos e dos direitos
econômicos, sociais e culturais. Neste momento, há a necessidade de se
proteger de direitos em que os titulares não sejam o homem isoladamente, mas
a coletividade, os grupos sociais. Uma característica diferente dos direitos de
terceira geração é que ele se afasta da proteção do indivíduo no singular, e sim,
busca a proteção de uma coletividade. Diante disto, Bonavides descreve:
Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo, ou de um determinado Estado (BONAVIDES, 2000, p. 523).
20
Como dito, os direitos de terceira geração são os direitos coletivos e
difusos. Os direitos coletivos são aqueles que possuem um número determinado
ou determinável de titulares dos direitos, enquanto que entre os direitos difusos
há a impossibilidade de determinar a quantidade de titulares. Sarmento explica:
Os direitos coletivos possuem um número determinado ou determinável de titulares – mutuários do Sistema Financeiro da Habitação, usuários do Sistema Único de Saúde, alunos da rede estadual de ensino, adquirentes de determinado produto ou serviço. Todos os titulares possuem algo em comum: estão ligados entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base, como o contrato de financiamento da casa própria ou a matrícula na rede estadual de ensino. Já os direitos difusos caracterizam-se pela indeterminação de seus titulares. É impossível estabelecer-se o número exato dos beneficiários. Além da indeterminação, os sujeitos de direito unem-se por circunstâncias de fato. Quando uma propaganda enganosa é veiculada numa rede de televisão, torna-se absolutamente impossível mensurar o número de pessoas que foram atingidas. O mesmo acontece com a impossibilidade de estabelecer-se o número de pessoas que irão inalar o ar poluído de dado município (SARMENTO, s/d, p. 10).
Duas características existentes nos direitos de terceira geração são a
transindividualidade e a indivisibilidade. A transindividualidade traz a ideia de que
eles são direitos de ação coletiva e não individuais, enquanto a indivisibilidade é
porque os direitos de terceira geração são direitos que não podem ser divididos
entre os titulares. Sarmento explica:
Os direitos difusos e coletivos são a principal manifestação do princípio da solidariedade. Sua concretização é responsabilidade do Estado e da sociedade. Possuem dois pontos em comum: a transindividualidade e a indivisibilidade. São transindividuais porque só podem ser exigidos em ações coletivas e não individuais, pois o seu exercício está condicionado à existência de um grupo determinado ou indeterminado de pessoas; são indivisíveis porque não podem ser fracionados entre os titulares. Não há como apartar a fatia de cada um. A satisfação de seus mandamentos beneficia indistintamente a todos. A violação é igualmente prejudicial à totalidade do agrupamento humano (SARMENTO, s/d, p. 9).
Os direitos de terceira geração não se caracterizam por serem direitos de
pessoas menos favorecidas em frente aos detentores do poder, como no caso
da primeira e da segunda geração, e sim direitos inerentes à todos, essenciais
para a vida no mundo.
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Com os direitos fundamentais de terceira geração, completa-se o lema
da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. A primeira geração
corresponderia à liberdade, a segunda à igualdade e a terceira à fraternidade.
Não devemos enxergar os direitos humanos das três gerações como direitos
antagônicos entre si, e sim direitos que se complementam. De acordo com essa
ideia, temos o pensamento de Marchinhacki:
É importante destacar ainda que as três gerações de direitos fundamentais não se excluem, mas se complementam. Os direitos de liberdade complementam os direitos sociais e econômicos que, por sua vez, complementam os direitos da solidariedade. Pode ocorrer também que alguns dos hoje chamados novos direitos sejam apenas os antigos adaptados às novas exigências do momento. Por isso, todas as gerações de direitos fundamentais devem ser situadas num contexto de unidade e indivisibilidade, onde, num processo de interação, se terá a compreensão do todo (MARCHINHACKI, 2012, p. 171).
Neste período do pós Segunda Guerra Mundial, ocorre, também, uma
grande internacionalização dos direitos humanos, isto é, estes direitos, que antes
eram, em regra, tutelados pela esfera doméstica dos Estados, acabaram virando
preocupações da comunidade internacional. Esta fase começa a partir do século
XIX, com a formação dos primeiros tratados internacionais de direitos humanos,
impondo limites na soberania dos Estados em relação a esses direitos inerentes
ao ser humano. Como exemplo, neste período, temos a formação de tratados
sobre a abolição da escravatura. A internacionalização dos direitos humanos,
porém, surge com força no pós Segunda Guerra Mundial, como resposta as
violações feitas pelo nazismo. Segundo estas violações praticadas pelo nazismo,
Piovezan dispõe:
Apresentando o Estado como o grande violador de direitos humanos, a era Hitler foi marcada pela lógica da destruição e descartabilidade da pessoa humana, que resultou no envio de 18 milhões de pessoas a campos de concentração, com a morte de 11 milhões, sendo 6 milhões de judeus, além de comunistas, homossexuais, ciganos,… O legado do nazismo foi condicionar a titularidade de direitos, ou seja, a condição de sujeito de direitos, à pertinência a determinada raça - a raça pura ariana (PIOVEZAN, 2009, p. 4-5).
Para Piovezan (2009), a internacionalização dos direitos humanos foi algo
fundamental para a proteção dos indivíduos que não eram protegidos pela
jurisdição interna de seu Estado, como aconteceu no caso do nazismo, sendo
22
dessa forma necessário a intervenção de direito internacional. Segundo suas
palavras:
Fortalece-se a ideia de que a proteção dos direitos humanos não deve se reduzir ao domínio reservado do Estado, porque revela tema de legítimo interesse internacional. Prenuncia-se, deste modo, o fim da era em que a forma pela qual o Estado tratava seus nacionais era concebida como um problema de jurisdição doméstica, decorrência de sua soberania (PIOVEZAN, 2009, p. 6).
Já para Andrew Hurrell:
O aumento significativo das ambições normativas da sociedade internacional é particularmente visível no campo dos direitos humanos e da democracia, com base na ideia de que as relações entre governantes e governados, Estados e cidadãos, passam a ser suscetíveis de legítima preocupação da comunidade internacional; de que os maus-tratos a cidadãos e a inexistência de regimes democráticos devem demandar ação internacional; e que a legitimidade internacional de um Estado passa crescentemente a depender do modo pelo qual as sociedades domésticas são politicamente ordenadas (HURRELL, 1999, p. 277).
Como percebe-se nessa linha histórica desenhada até o momento, os
direitos humanos são algo recente na história da humanidade. O que é
interessante notar nestas fases é que elas acompanham a história das
sociedades ocidentais, de origem europeia, sem levar em consideração a
história das comunidades africanas, asiáticas, indígenas, etc., o que demonstra
que os direitos humanos, como já afirmado, são formulações das sociedades
ocidentais eurocêntricas.
A internacionalização dos direitos humanos explicada aqui, fez com que
surgisse a positivação destes direitos em diferentes tratados internacionais.
Estes tratados visam alcançar o comprometimento dos Estados na proteção dos
direitos humanos. No próximo capítulo iremos tratar sobre os diferentes tratados
internacionais que positivam as normas de direitos humanos e que almejam
alcançar proteções efetivas sobre o assunto.
23
2 INSTRUMENTOS JURÍDICOS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS
HUMANOS
Vários foram os instrumentos de proteção dos direitos humanos desde o
momento que surgiu a ideia de direitos humanos como a entendemos
atualmente. Desde a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão até hoje,
muitas leis e regras para a proteção da dignidade humana foram criadas e
possuem importância ímpar dentro dos instrumentos jurídicos que a positivaram.
Porém, algo que deve ser questionado é até que ponto este tratados de direitos
humanos conseguem abarcar direitos que, de fato, todos os povos entendam
como seus. Aqui, neste capítulo, iremos tratar sobre quatro destes instrumentos
jurídicos de proteção aos direitos humanos: a Carta Internacional de Direitos do
Homem, que é composta pela Declaração Universal de Direitos Humanos, pelo
Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e pelo Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos; e a Declaração de Viena. Por fim,
faremos uma crítica à visão universalista e ocidental destes tratados.
2.1 Carta internacional de direitos do homem
A Carta Internacional de direitos do homem é formada pela Declaração
Universal de Direitos Humanos, pelo Pacto Internacional sobre Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais e pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis
e Políticos e seus dois Protocolos facultativos.
Na Conferência de São Francisco de 1945, feita para redigir a Carta das
Nações Unidas, surge a ideia da construção de uma Declaração sobre direitos
humanos. Porém, naquele momento a Declaração ainda não havia sido iniciada.
A Comissão Preparatória das Nações Unidas deu ao Conselho Econômico e
Social a tarefa de criar uma Comissão de Direitos do Homem, o que aconteceu
no início do ano de 1946.
A Comissão Preparatória das Nações Unidas, que se reuniu logo após a sessão final da Conferência de S. Francisco, recomendou que o Conselho Económico e Social deveria, na sua primeira sessão, criar uma Comissão que promovesse os direitos humanos, conforme previsto no artigo 68.º da Carta. Dando cumprimento a tal, o Conselho
24
criou, no início de 1946, a Comissão dos Direitos do Homem (ONU, 2001, p. 3).
Na segunda sessão, feita de dezembro de 1947, foi dado o nome de
Carta Internacional dos Direitos Humanos aos documentos que estavam sendo
formados e dividiu-os em três grupos de trabalho: um para a criação de uma
declaração, outro para a criação de uma convenção ou pacto, e ainda outro que
seria responsável pelas medidas de aplicação dos direitos humanos.
De início, foram expressos diferentes pontos de vista acerca da forma que a Carta deveria revestir. O Comité de Redacção decidiu elaborar dois documentos: um, sob a forma de uma declaração, que daria a conhecer princípios ou normas gerais de direitos humanos; o outro, sob a forma de uma convenção, que definiria direitos específicos e as restrições ao seu exercício. Nesse sentido, o Comité de Redacção transmitiu à Comissão dos Direitos do Homem os projectos de uma declaração internacional e de uma convenção internacional de direitos humanos. A Comissão decidiu, na sua segunda sessão, realizada em Dezembro de 1947, atribuir a designação de «Carta Internacional dos Direitos Humanos» ao conjunto dos documentos em preparação e criar três grupos de trabalho: um para a declaração, outro para a convenção (que ela rebaptizou de “pacto”) e ainda um terceiro respeitante às medidas de aplicação (ONU, 2001, p. 4).
Na terceira sessão, realizada em 1948, a Comissão reuniu-se novamente
para rever o projeto da declaração. No entanto, a convenção e as medidas de
aplicação foram deixadas de lado naquele momento. Desta forma, mediante a
sua resolução 217 A (III), de 10 de Dezembro de 1948, a Assembleia Geral
aprovou o primeiro entre os instrumentos previstos pela Carta, a Declaração
Universal dos Direitos do Homem.
No mesmo dia da aprovação da Declaração Universal de Direitos
Humanos, a Assembleia Geral pediu para a Comissão que preparasse com
prioridade um projeto de pacto e um projeto com medidas de aplicação sobre
direitos humanos. Na sexta sessão feita para a formação do pacto, em 1951-
1952, a Assembleia Geral pediu que a Comissão de Direitos Humanos fizesse
dois pactos – o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto
internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
Depois de um longo debate levado a cabo na sua sexta sessão, de 1951-1952, a Assembleia Geral pediu à Comissão que «elaborasse dois pactos sobre direitos humanos, sendo um relativo aos direitos civis e políticos e o outro aos direitos económicos, sociais e culturais » (resolução 543 (VI), 1.º parágrafo). A Assembleia especificou que os
25
dois pactos deveriam conter o maior número possível de disposições similares. Decidiu igualmente que neles fosse incluído um artigo garantindo que «todos os povos têm o direito a dispor deles mesmos» (resolução 545 (VI)) (ONU, 2001 p. 5).
Porém, foi apenas em 1966 que os Pactos foram, de fato, concluídos.
Desta forma, o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e
Culturais e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos foram
adotados pela Assembleia Geral através da sua resolução 2200 A (XXI) em 16
de Dezembro de 1966.
A Carta Internacional dos Direitos do Homem é entendida como um marco
histórico sobre o conteúdo dos direitos humanos, é uma verdadeira Magna Carta.
A Declaração e os dois Pactos irão ser melhor explicados e detalhados neste
momento.
2.1.1 Declaração Universal de Direitos Humanos
A Declaração Universal dos Direitos Humanos surge a partir da convicção
de que se faz necessária, naquele momento histórico pós-Segunda Guerra
Mundial, uma Declaração que proteja os seres humanos de maneira geral. Esta
necessidade ocorreu naquele momento porque muitas atrocidades e desrespeito
aos direitos humanos foram cometidos. Desta forma, os atores do sistema
internacional buscaram criar regras que visassem proteger as pessoas de
desrespeitos aos direitos humanos. Assim, a Declaração, para aqueles que
concordam com a visão universalista dos direitos humanos, passa a ser vista
como possuidora de um caráter universal, trazendo um ideal que todos os povos
e nações devem atingir.
Em relação aos votos, 48 Estados votaram a favor da Declaração, 8 se
abstiveram e nenhum votou contra. Como a Declaração foi feita sob os impactos
da Segunda Guerra Mundial, os membros das Nações Unidas não tiveram a
mesma influência no formação da documento, pois alguns países tinham mais
influência do que outros. Então, mesmo a Declaração tendo sido aprovada por
unanimidade, os países comunistas - União Soviética, Ucrânia e Rússia Branca,
Tchecoslováquia, Polônia e Iugoslávia - a Arábia Saudita e a África do Sul
abstiveram-se de votar.
26
A Declaração é formada por um preâmbulo e por 30 artigos, onde estão
postos os diretos humanos e as liberdades fundamentais considerados
universais, sem qualquer discriminação de raça, gênero, etnia etc.
Artigo 1º Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade (ONU, 1948).
Aqui, estão postas as premissas básicas da Declaração, como o direito à
liberdade e igualdade como pertencentes à todos os seres humanos. Além disso,
aqui também é posta a ideia de fraternidade, o que faz com que neste primeiro
artigo esteja a tríade de direitos caracterizadores das três gerações de direitos:
a liberdade, a igualdade e a fraternidade.
O artigo 2º é considerado muito importante, pois ali é posta a ideia de não
discriminação de qualquer natureza entre as pessoas:
Artigo 2º Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autónomo ou sujeito a alguma limitação de soberania (ONU, 1948).
A partir do artigo 3º ao 21º, a Declaração tutela direitos civis e políticos.
Segundo a ONU em As Fichas Informativas sobre Direitos Humanos:
O artigo 3.º, a primeira pedra-angular da Declaração, proclama o direito à vida, liberdade e segurança pessoal, um direito essencial para o gozo de todos os outros direitos. Este artigo é o ponto de partida para os artigos 4.º a 21.º, onde se proclamam outros direitos civis e políticos que incluem, nomeadamente, a proibição da escravatura e da servidão, a proibição da tortura e de penas ou tratamento cruéis, desumanos ou degradantes, o direito ao reconhecimento, em todos os lugares, da personalidade jurídica, o direito a uma protecção judicial eficaz, a proibição da prisão, detenção ou exílio arbitrários, o direito a um julgamento equitativo e à audição pública por um tribunal independente e imparcial, o direito à presunção de inocência até que a culpabilidade seja provada, a proibição de intromissões arbitrárias na vida privada, na família, no domicílio ou na correspondência, a liberdade de circulação e de residência, o direito de asilo, o direito a ter uma nacionalidade, o direito de casar e de constituir família, o direito à propriedade, o direito de pensamento, de consciência e de religião, a liberdade de opinião e de expressão, o direito de reunião e associação
27
pacíficas e o direito de tomar parte na direcção dos negócios públicos do seu país e de acesso, em condições de igualdade, às funções públicas do seu país (ONU, 2001, p 7-8).
Em relação aos direitos econômicos, sociais e culturais, estes estão
postos na Declaração a partir do artigo 22º ao 27º. De acordo com a ONU em As
Fichas Informativas sobre Direitos Humanos:
O artigo 22.º, a segunda pedra-angular da Declaração, introduz os artigos 23.º a 27.º, onde são contemplados os direitos económicos, sociais e culturais, os direitos de que todos são titulares «como membros da sociedade». O artigo caracteriza esses direitos como indispensáveis à dignidade humana e ao desenvolvimento livre da personalidade e menciona que devem ser realizados «graças ao esforço nacional e à cooperação internacional». Ao mesmo tempo, assinala as limitações ao gozo desses direitos, por estar dependente dos recursos de cada Estado. Os direitos económicos, sociais e culturais reconhecidos nos artigos 22.º a 27.º, incluem o direito à segurança social, o direito ao trabalho, o direito ao salário igual por trabalho igual, o direito ao repouso e aos lazeres, o direito a um nível de vida suficiente para assegurar a saúde e o bem-estar, o direito à educação e o direito de tomar parte na vida cultural da comunidade (ONU, 2001, p. 8).
Porém, tanto os direitos civis e políticos, quanto os direitos econômicos,
sociais e culturais vão ser tutelados com mais especificidade pelo Pacto
Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e pelo Pacto Internacional sobre
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, respectivamente. Sobre estes, vamos
estudar com mais detalhes no próximo tópico.
O artigo 28º traz que todos os seres humanos possuem o direito de viver
em um ambiente em que seus direitos e as liberdades sejam plenamente
realizados. O artigo 29º afirma que os indivíduos têm deveres para com a
comunidade, que as únicas limitações dos seus direitos e suas liberdades são
aquelas limitações estabelecidas pela lei e que estes direitos e estas liberdades
não podem ser exercidas de forma contrária aos fins e princípios da Organização
das Nações Unidas. O 30º e último artigo põe que nenhum Estado, agrupamento
ou indivíduo pode praticar alguma atividade que possa destruir os direitos e
liberdades tutelados pela Declaração.
Em relação a força vinculante, a Declaração não é um tratado, tendo sido
adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas como resolução, não
apresentando força de lei. Porém, mesmo não apresentando força de lei,
Piovezan (2006, pg. 137) entende que a Declaração possui força jurídica, pois é
28
considerada como um dos mais influentes instrumentos jurídicos e políticos do
século XX e por ter se transformado ao longo do tempo em direito costumeiro e
princípio geral de direito internacional.
De acordo com o entendimento de Piovezan, a Declaração trouxe uma
nova concepção de direitos humanos, unindo, como já vimos, tanto os direitos
civis e políticos, quanto os direitos econômicos, sociais e culturais. Estes direitos,
que por muitas vezes foram vistos como dicotômicos, estão tutelados e igualados
em grau de importância em uma mesma fonte jurídica e são vistos como
interdependentes e inter-relacionados entre si. De acordo com ela:
Considerando esse contexto, a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 introduz extraordinária inovação, ao conter uma linguagem de direitos até então inédita. Combinando o discurso liberal da cidadania com o discurso social, a Declaração passa a elencar tanto direitos civis e políticos (arts. 3 a 21), como direitos sociais, econômicos e culturais (arts. 22 a 28), afirmando a concepção contemporânea de direitos humanos. De um lado, parifica, em grau de relevância, os direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais; por outro, endossa a interdependência e inter-relação destas duas categorias de direitos, inspirada na visão integral dos direitos humanos (PIOVEZAN, s/d, p. 4).
Esta nova concepção informada por Piovezan se originou do movimento
de internacionalização dos direitos humanos do pós-Segunda Guerra Mundial
explicados anteriormente, em que percebeu-se que apenas a presença do
Estado como garantidor dos direitos básicos dos seres humanos não era
suficiente, tendo como exemplo o genocídio do povo judeu causado pela
Alemanha nazista, e entendeu-se, então, que os direitos humanos deveriam ser
tutelados e protegidos em uma dimensão internacional. Segundo Piovezan, se
graças as atrocidades cometidas na Alemanha nazista e na Segunda Guerra
Mundial houve uma ruptura com os direitos humanos, o Pós-Guerra pode ser
entendido como uma reconstrução destes direitos, sendo a criação da
Declaração Universal dos Direitos Humanos um marco dessa reconstrução.
Segundo esta ideia, no Pós-Guerra houve o reconhecimento por parte da
comunidade internacional de que a proteção dos direitos humanos é de legítimo
interesse internacional. É entendido que os direitos humanos transcendem as
fronteiras nacionais dos Estados, deixando de ser competência exclusiva destes.
29
Aqui, formaram-se as ideias de direitos humanos como parâmetro globais e que
devem ser respeitados pelos Estados.
Complementando estas ideias, Bobbio afirma que a era dos direitos é
apenas reconhecida no pós-guerra, pois
somente depois da 2ª. Guerra Mundial é que esse problema passou da esfera nacional para a internacional, envolvendo – pela primeira vez na história – todos os povos (BOBBIO, 2004, p. 49).
Com a internacionalização dos direitos humanos, há uma certa limitação
da soberania estatal, pois antes direitos que deveriam ser regulados pelo Estado
passam agora para a esfera internacional. Como exemplo disso, podemos citar,
de acordo com Piovezan (2006, pg 123), o caso de limitação de soberania estatal
produzido pelo Tribunal de Nuremberg, um tribunal militar com a função de julgar
os responsáveis por crimes de guerra e crimes contra a humanidade causados
pelas autoridades tanto políticas quando militares da Alemanha nazista e do
Japão imperial. Esse tribunal trouxe para o plano prático a limitação da soberania
nacional, reconhecendo que os indivíduos tem direitos que devem ser protegidos
pelo direito internacional.
De acordo com estas ideias sobre a internacionalização dos direitos
humanos, Piovezan afirma, como já dito anteriormente, que a Declaração
Universal dos Direitos Humanos deve ser considerada como uma nova
concepção sobre o assunto. Segunda ela, a Declaração tem como característica
a universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos. Ela afirma que “a
concepção contemporânea de direitos humanos caracteriza-se pelos processos
de universalização e internacionalização destes direitos, compreendidos sob o
prisma de sua indivisibilidade” (PIOVEZAN, 2004, pg 57). Universalidade porque
todos os seres humanos são sujeitos de direito dos direitos humanos. A
dignidade é inerente à todas as pessoas humanas, independente de qualquer
diferença que essa possua em relação à outra, e desta forma todos os seres
humanos possuem os direitos e liberdades postos na Declaração. Os direitos
humanos são indivisíveis porque para haver o respeito aos direitos civis e
políticos, é necessário que se respeite também os direitos econômicos, sociais
e culturais e vice-versa. Estes direitos são indivisíveis entre si e deve-se respeitar
todos.
30
Universalidade porque clama pela extensão universal dos direitos humanos, sob a crença de que a condição de pessoa é o requisito único para a titularidade de direitos, considerando o ser humano como um ser essencialmente moral, dotado de unicidade existencial e dignidade, esta como valor intrínseco à condição humana. Isto porque todo ser humano tem uma dignidade que lhe é inerente, sendo incondicionada, não dependendo de qualquer outro critério, senão ser humano. O valor da dignidade humana, incorporado pela Declaração Universal de 1948, constitui o norte e o lastro ético dos demais instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos. Além de afirmar a universalidade dos direitos humanos, a Declaração Universal acolhe a idéia da indivisibilidade dos direitos humanos, a partir de uma visão integral de direitos. A garantia dos direitos civis e políticos é condição para a observância dos direitos sociais, econômicos e culturais e vice-versa. Quando um deles é violado, os demais também o são. Os direitos humanos compõem, assim, uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, capaz de conjugar o catálogo de direitos civis e políticos com o catálogo de direitos sociais, econômicos e culturais (PIOVEZAN, s/d, p 6-7).
Reportando-se sobre a importância da Declaração Universal e ao futuro
dos direitos humanos, Trindade dispõe que:
Decorridos cinco décadas desde a adoção da Declaração dos Direitos Humanos, é inegável que a proteção dos direitos humanos ocupa hoje uma posição central na agenda internacional da passagem do século. Ao longo das cinco últimas décadas, apesar das divisões ideológicas do mundo, a universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos encontraram expressão na Declaração Universal de 1948, daí projetando-se a numerosos e sucessivos tratados e instrumentos de proteção, nos planos global e regional, e a Constituições e legislações nacionais, e se reafirmaram em duas Conferências Mundiais de Direitos Humanos (Teerã, 1968, e Viena, 1993). Para todos os que atuamos no campo da proteção internacional dos direitos humanos, 1998 é, pois, um ano particularmente significativo: marca o cinqüentenário das Declarações Universal e Americana dos Direitos Humanos, assim como da Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio. Marca o cinqüentenário de um movimento universal irreversível de resgate do ser humano como sujeito do Direito Internacional dos Direitos Humanos, dotado de plena capacidade jurídica internacional (TRINDADE, 2002, p 627-628).
Como percebe-se, tanto Piovezan, quanto Trindade possuem uma visão
positiva da universalidade dos direitos humanos e da Declaração, visto que esta
é entendida como marco de uma nova concepção dos direitos humanos, ou seja,
o início de uma nova era de direitos humanos que considera indivisíveis regras
que antes eram vistas como dicotômicas e que traz a ideia de universalidade
para as normas de direitos humanos.
31
2.1.2 Pactos Internacionais de Direitos Humanos
No ano de 1966, com a intenção de dar maior eficácia à Declaração
Universal de Direitos Humanos, buscando obrigar os atores internacionais à
respeitarem os direitos e garantias postos na Declaração, foram aprovados dois
Pactos, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional
de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Na Declaração Universal de Direitos
Humanos também estão tuteladas várias das normas que estão presentes nos
Pactos, porém a existência dos Pactos se fez necessária porque eles, como já
dito, procuram dar maior eficácia à Declaração.
No momento histórico da aprovação dos Pactos existiam dois blocos
antagônicos no plano internacional. Neste período, auge da Guerra Fria, estes
blocos antagônicos disputavam pelo poder no sistema internacional e buscavam
atrair os outros Estados para as suas ideologias políticas e econômicas. Estes
blocos antagônicos eram formados pelo bloco capitalista, liderado pelos Estados
Unidos, e o bloco socialista, liderados pela antiga União Soviética.
O bloco capitalista defendia o liberalismo, sendo a favor de uma
intervenção estatal mínima e da livre concorrência. Desta forma, entendia que
era importante a positivação apenas dos direitos de primeira geração, que traz
como direito mais importante o da liberdade. Este bloco era a favor da criação
do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. O bloco socialista defendia
uma visão social do Estado, sendo a favor de um Estado intervencionista que
fizesse prestações positivas para com a sociedade civil. Assim, este bloco
defendia a positivação dos direitos de segunda geração, caracterizados pelo
direito à igualdade, os quais estão contidos no Pacto Internacional de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais.
A elaboração de dois tratados e não de um só, compreendendo o conjunto dos direitos humanos segundo o modelo da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, foi o resultado de um compromisso diplomático. As potências ocidentais insistiam no reconhecimento, tão-só, das liberdades individuais clássicas, protetoras da pessoa humana contra os abusos e interferências dos órgãos estatais na vida privada. Já os países do bloco comunista e os jovens países africanos preferiam colocar em destaque os direitos sociais e econômicos, que têm por objeto políticas públicas de apoio aos grupos ou classes desfavorecidas, deixando na sombra as liberdades individuais (BELLINHO, s/d, p. 19).
32
Então, como apontado por Bellinho, para resolver este impasse de
maneira diplomática, a Assembleia Geral da ONU resolveu fazer os dois Pactos,
cada um representando o interesse de um dos blocos. Assim, os diferentes
Estados do sistema internacional poderiam escolher um ou ambos os Pactos, de
acordo com seus interesses. O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos
foi aprovado e aberto a subscrição, ratificação e adesão no dia 19 de dezembro
de 1966, mas a sua entrada em vigor aconteceu no dia 23 de março de 1976. O
Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais foi aprovado em
1966, porém a sua entrada em vigor aconteceu apenas em 3 de janeiro de 1976.
Os Estados que ratificaram o Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos assumiram uma obrigação imediata de respeitar os direitos e garantias
ali presentes. Nos lugares onde o tratado foi ratificado e ainda não estiver em
vigor, os Estados tem o dever em tomar todas as medidas para atingir a plena
realização do Pacto
Já os Estados-partes do Pacto Internacional de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais assumem o compromisso de adotar medidas eficazes para a
implementar os direitos que estão ali contidos, o que não, necessariamente, terá
que ser feito de maneira imediata. Esta implementação dos direitos econômicos,
sociais e culturais exige prestações positivas do Estado, isto é, que o Estado
forneça estes direitos à toda a sociedade civil. A implementação destes direitos
depende da disponibilidade financeira dos Estados, o que faz com que sua
implementação disponha de recursos diferentes do que os necessários para a
implementação do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.
Referindo-se à essas ideias, Accioly comenta que:
O Pacto referente às liberdades civis e políticas deveria talvez encontrar menores óbices, porque a conquista de tais liberdades, pelo indivíduo, vem sendo consagrada desde muito nas legislações de maior parte dos Estados civilizados. Não se deve esquecer porém, o retrocesso ocorrido nalguns países, em virtude de regimes totalitários. Quanto ao Pacto destinado a garantir direitos econômicos, sociais e culturais, parece natural que sua elaboração não seja fácil, porque, conforme observa H. Saba, não se trata apenas de estabelecer regras para o respeito a direitos existentes, mas de obter a criação, em muitos casos, de condições propícias ao exercício de tais regras (ACCIOLY, 1956, p, 115).
Percebe-se, então, que os direitos reconhecidos no Pacto Internacional
de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais dependem do plano interno de cada
33
Estado-parte, pois cada país possui suas particularidades e suas condições
econômicas, sendo que estas particularidades e condições tem influência sobre
a possibilidade de se alcançar em maior ou menor grau os objetivos buscados
pelo Pacto.
Em relação ao conteúdo dos pactos, o Pacto Internacional sobre Direitos
Civis e Políticos é dividido em seis partes, entre as quais estão distribuídos os
seus 53 artigos. O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais é composto por cinco parte, entre as quais estão postos seus 31
artigos.
Os preâmbulos de ambos os Pactos tratam sobre o mesmo assunto, isto
é, recordam que a Carta das Nações Unidas impõe que os Estados promovam
os direitos humanos, põe que o indivíduo tem a responsabilidade em promover
os direitos humanos e reconhecem que devem ser respeitados tanto os direitos
civis e políticos quanto os direitos econômicos, sociais e culturais para que as
liberdades civis e políticas sejam alcançadas e para que não reine o terror e
miséria.
Os artigos 1º, 3º e 5º dos pactos são quase idênticos. No artigo 1º de
ambos os Pactos é tratado sobre autodeterminação dos povos. Todos os
Estados tem direitos de se autodeterminar, sendo a autodeterminação, desta
forma, vista como um direito universal. Podendo se autodeterminar, os Estados
podem escolher seus estatutos políticos e buscar o desenvolvimento. Segundo
o artigo 1º do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais:
Artigo 1º Todos os povos tem o direito a dispor deles mesmos. Em virtude deste direito, eles determinam livremente o seu estatuto político e asseguram livremente o seu desenvolvimento económico, social e cultural (ONU, 1966).
O artigo 3º dispõe que os Estados devem tratar de maneira igual homens
e mulheres. Segundo o artigo 3º do Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos:
Artigo 3º Os Estados Partes no presente Pacto comprometem-se a assegurar o direito igual dos homens e das mulheres a usufruir de todos os direitos civis e políticos enunciados no presente Pacto (ONU, 1966).
34
Já o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais põe
em seu artigo 3º:
Artigo 3º Os Estados Partes no presente Pacto comprometem-se a assegurar o direito igual que têm o homem e a mulher ao gozo de todos os direitos económicos, sociais e culturais enumerados no presente Pacto (ONU, 1966).
O que ambos diferem, portanto, é nos direitos em que a igualdade entre
homens e mulheres vai ser dada, um tratando sobre os direitos civis e políticos,
outro tratando sobre os direitos econômicos, sociais e culturais.
No artigo 5º, ambos os pactos buscam estabelecer garantias que
impeçam a destruição ou a limitação dos direitos humanos ou liberdades
fundamentais, bem como busca evitar qualquer interpretação distorcida dos
Pactos. Também proíbe que os Estados limitem direitos que vigoram nos seus
países sob o pretexto desses direitos não serem reconhecidos nos Pactos ou
serem em menor grau. O artigo 5º do Pacto Internacional de Direito Civis e
Políticos traz:
Artigo 5º 1. Nenhuma disposição do presente Pacto pode ser interpretada como implicando para um Estado, um grupo ou um indivíduo qualquer direito de se dedicar a uma actividade ou de realizar um acto visando a destruição dos direitos e das liberdades reconhecidos no presente Pacto ou as suas limitações mais amplas que as previstas no dito Pacto. 2. Não pode ser admitida nenhuma restrição ou derrogação aos direitos fundamentais do homem reconhecidos ou em vigor em todo o Estado Parte no presente Pacto em aplicação de leis, de convenções, de regulamentos ou de costumes, sob pretexto de que o presente Pacto não os reconhece ou reconhece-os em menor grau. (ONU, 1966).
O artigo 2º do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais dispõe que os Estados Partes do pacto se comprometem a agir para
realizar os direitos previstos no Pacto; que os Estados se comprometem a
fornecer os direitos tutelados sem nenhum tipo de discriminação baseada em
motivos de raça, cor, sexo, língua, religião, etc; e que os países que estão em
desenvolvimento podem determinar como irão garantir os direitos econômicos à
não nacionais. O artigo 2º determina:
35
Artigo 2º 1. Cada um dos Estados Partes no presente Pacto compromete-se a agir, quer com o seu próprio esforço, quer com a assistência e cooperação internacionais, especialmente nos planos económico e técnico, no máximo dos seu recursos disponíveis, de modo a assegurar progressivamente o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto por todos os meios apropriados, incluindo em particular por meio de medidas legislativas. 2. Os Estados Partes no presente Pacto comprometem-se a garantir que os direitos nele enunciados serão exercidos sem discriminação alguma baseada em motivos de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou qualquer outra opinião, origem nacional ou social, fortuna, nascimento, qualquer outra situação. 3. Os países em vias de desenvolvimento, tendo em devida conta os direitos do homem e a respectiva economia nacional, podem determinar em que medida garantirão os direitos económicos no presente Pacto a não nacionais (ONU, 1966).
O artigo 2º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos trata
sobre o comprometimento dos Estados em respeitar e garantir à todos os
indivíduos nos seus territórios os direitos do presente Pacto, sem qualquer
discriminação; trata sobre o comprometimento dos Estados com medidas que
sejam capazes de dar efetividade aos direitos reconhecidos pelo Pacto; e dispõe
sobre o comprometimento dos Estados em garantir à todas as pessoas recursos
eficazes quando seus direitos e liberdades forem violados:
Artigo 2º 1. Cada Estado Parte no presente Pacto compromete-se a respeitar e a garantir a todos os indivíduos que se encontrem nos seus territórios e estejam sujeitos à sua jurisdição os direitos reconhecidos no presente Pacto, sem qualquer distinção, derivada, nomeadamente, de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política, ou de qualquer outra opinião, de origem nacional ou social, de propriedade ou de nascimento, ou de outra situação. 2. Cada Estado Parte no presente Pacto compromete-se a adoptar, de acordo com os seus processos constitucionais e com as disposições do presente Pacto, as medidas que permitam a adopção de decisões de ordem legislativa ou outra capazes de dar efeito aos direitos reconhecidos no presente Pacto que ainda não estiverem em vigor. 3. Cada Estado Parte no presente Pacto compromete-se a: a) Garantir que todas as pessoas cujos direitos e liberdades reconhecidos no presente Pacto forem violados disponham de recurso eficaz, mesmo no caso de a violação ter sido cometida por pessoas agindo no exercício das suas funções oficiais; b) Garantir que a competente autoridade judiciária, administrativa ou legislativa, ou qualquer outra autoridade competente, segundo a legislação do Estado, estatua sobre os direitos da pessoa que forma o recurso, e desenvolver as possibilidades de recurso jurisdicional; c) Garantir que as competentes autoridades façam cumprir os resultados de qualquer recurso que for reconhecido como justificado (ONU, 1966).
36
Sobre o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, os artigos 6º
ao 15º tratam sobre os direitos de segunda geração, reconhecidos como direitos
positivos prestados pelo Estado para com a sociedade civil, como já explicado
neste trabalho, sendo, então, tutelados os direitos econômicos, sociais e
culturais. O artigo 6º trata sobre o direito ao trabalho; o artigo 7º sobre o direito
de todas as pessoas gozarem de condições de trabalho justas e favoráveis; o
artigo 8º sobre o direito das pessoas de formarem e de se filiarem em sindicatos
e sobre o direito de greve; o artigo 9º trata sobre o direito à segurança social,
incluindo os seguros sociais; o artigo 10º trata sobre o direito à proteção e à
assistência possível às famílias, às mães, às crianças e aos jovens; o artigo 11º
fala sobre o direito à um nível de vida condigno; o artigo 12º sobre o direito das
pessoas de gozarem do melhor estado de saúde física e mental possível; os
artigos 13° e 14° falam sobre o direito à educação; e o artigo 15° trata sobre
direito de participação na vida cultural, sobre o direito de se beneficiar do
progresso científico e de proteger os interesses morais e materiais que decorrem
de toda a produção científica, literária ou artística de que cada um é autor.
O Pacto de Direitos Civis e Políticos, em seus artigos 6º ao 27º, positiva
os direitos de primeira geração, ou seja, os direitos políticos e as liberdades
individuais. O artigo 6º trata sobre a proteção do direito à vida; o artigo 7º dispõe
que ninguém pode ser torturado, nem sofrer penas ou tratamentos cruéis,
desumanos ou degradantes; o artigo 8º traz que ninguém pode ser escravizado,
que o tráfico de escravos é proibido e que ninguém pode ser mantido em
situação de servidão ou constrangido a realizar trabalho forçado ou obrigatório;
o artigo 9º dispõe que ninguém pode ser preso ou detido arbitrariamente; o artigo
10º diz que todos os indivíduos privados de sua liberdade devem ser tratados
com humanidade; o artigo 11º dispõe que ninguém pode ser preso por não poder
executar um compromisso contratual; o artigo 12º garante o direito das pessoas
poderem circular livremente e o direitos de poderem escolher sua residência; o
artigo 13º traz restrições à expulsão dos estrangeiros que estiverem legalmente
em um Estado Parte do Pacto; o artigo 14º dispõe que todas as pessoas são
iguais perante os tribunais e traz garantias para todos que estejam em processos
judiciais; o artigo 15º proíbe a retroatividade das leis penais; o artigo 16º diz que
toda a pessoa tem direito, independente do lugar onde esteja, de ter reconhecida
sua personalidade jurídica; o artigo 17º aponta que são proibidas as intervenções
37
arbitrárias e ilegais nas vidas privadas e que também são proibidos os atentados
ilegais à honra e à reputação; o artigo 18º protege o direito à liberdade de
pensamento, de consciência e de religião; o artigo 19º protege a liberdade de
opinião e de expressão; o artigo 20º proíbe propaganda que seja a favor da
guerra e de qualquer demonstração de ódio nacional, racial e religioso, que seja
responsável por discriminação, hostilidade ou violência; o artigo 21º traz o direito
das pessoas poderem fazer reuniões pacíficas; o artigo 22º traz o direito de
liberdade de associação; o artigo 23º reconhece o direito de casamento do
homem e da mulher e de constituírem família e traz o princípio da igualdade de
direitos e responsabilidades dos cônjuges; o artigo 24º traz medidas para
proteção dos direitos da criança; o artigo 25º dispõe que todo cidadão pode dirigir
negócios públicos, pode votar e ser votado e pode ter acesso às funções públicas
do seu país; o artigo 26º diz que todas as pessoas são iguais perante a lei e que
todos tem direito de ser protegidos por esta; o artigo 27º aponta medidas para
proteção de minorias étnicas, religiosas ou linguísticas que existam nos Estados
Partes; e o artigo 28º institui um Comitê dos Direitos do Homem que tem a função
de supervisionar a aplicação dos direitos postos no Pacto.
Desta forma, percebe-se que os artigos mais importantes e que dizem
maior respeito aos direitos que os Pactos buscam tutelar são os artigos 6º ao 15º
no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; e os artigos
6º ao 27º no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.
Apesar da importância que a Declaração Universal de Direitos Humanos
possuía, ainda percebeu-se fundamental a criação dos Pactos, pois estes
possuem uma força vinculante maior do que a Declaração. Graças a divisão do
sistema internacional do momento da criação dos Pactos em dois blocos
antagônicos, é que se fez necessária a criação de dois diferentes Pactos, um
procurando tutelar os direitos econômicos, sociais e culturais, outro buscando
proteger os direitos civis e políticos. De qualquer forma, os pactos representam
a jurisdicização da Declaração Universal de Direitos Humanos, pois detalham e
ampliam os direitos nela contidos.
2.2 Declaração de Viena
38
Décadas após à promulgação da Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 1948, foi realizada pelas Nações Unidas, em 1993, a II Conferência
Mundial sobre Direitos Humanos em Viena. Através dessa Conferência, então,
foi criada a Declaração de Viena, que veio consolidar e fortalecer os princípios
já existentes na Declaração Universal de 1948, como a universalidade e a
indivisibilidade dos direitos humanos.
O momento histórico da criação da Declaração de Viena foi no período
pós-Guerra Fria, no qual houve a vitória da ideologia capitalista sobre a ideologia
socialista. A Declaração Universal de 1948 e os dois Pactos de direitos humanos
foram criados durante a Guerra Fria, então apesar da ideia de indivisibilidade
dos direitos humanos e da universalidade destes, a divisão bipolar do mundo
teve muita influência sobre estes documentos. Tanto é que tiveram que dividir
os pactos entre direitos econômicos, sociais e culturais e em direitos civis e
políticos, um representando os interesses da ideologia socialista e o outro da
ideologia capitalista.
Apesar da Declaração Universal, já citada, e dos dois Pactos de 1966 assinados no âmbito da ONU, e da realização da I Conferência Mundial para os Direitos Humanos em Teerã, em 1968, os direitos humanos, enquanto tema da agenda internacional, permaneceram, como vimos acima, durante a Guerra Fria na lógica do conflito ideológico entre EUA e URSS. Todas as discussões acerca do tema e de sua universalização eram permeadas por esse embate ideológico, assim como a grande maioria dos conflitos da época (HERNANDEZ, 2011, p. 39).
A Conferência de Viena, como visto acima, foi formada no período Pós
Guerra Fria. Porém, apesar da divisão do mundo em Leste-Oeste ter deixado de
existir no momento da formação da Conferência de Viena, houve a configuração
de uma divisão do mundo entre culturalistas e universalistas, isto é, entre
aqueles que defendiam a não imposição de direitos humanos, que são valores
ocidentais, em suas culturas, e aqueles que queriam universalizar estes valores.
As diferenças culturais passaram a ser, então, fatores de conflitos para os
debates de direitos humanos. Isto aconteceu porque os países não hegemônicos
viam essa implementação dos direitos humanos como uma forma de dominação
por parte dos países ocidentais. Sobre a presença destas ideias durante a
Conferência de Viena, Hernandez afirma:
39
As ideologias e suas forças realmente declinaram, no entanto, a cultura, ou melhor, as diferenças culturais passaram a ser fatores determinantes nos choques e conflitos do período, fenômeno que acabou por se estender à área dos direitos humanos (HERNANDEZ, 2011, p. 40).
De acordo com estas ideias, Alves dispõe que durante a Conferência de
Viena houve de uma lado, conflitos entre:
A visão ocidental reducionista que localizava nos países subdesenvolvidos a origem de todos os males e, de outro, pela reação das culturas autóctones hipervalorizando o nativismo contra a importação de valores do Ocidente (ALVES, 2000, p. 4).
Porém, apesar das discussões entre universalistas e culturalistas que
aconteceram durante a Conferência, a Declaração de Viena acabou sendo, de
certa forma, uma atualização da Declaração Universal de Direitos Humanos,
possuindo, também, a ideia de alcançar uma abrangência universal dos direitos
humanos. De acordo com a ideia positiva de Piovezan sobre o universalismo e
sobre as Declarações, temos:
a Declaração Universal, de 1948, foi adotada por voto, com abstenções, num foro então composto por apenas 56 países, e se levarmos em conta que a Declaração de Viena é consensual, envolvendo 171 Estados, a maioria dos quais eram colônias no final dos anos 40, entenderemos que foi em Viena, em 1993, que se logrou conferir caráter efetivamente universal àquele primeiro grande documento internacional definidor dos direitos humanos (PIOVEZAN, 2006, p. 63).
A Declaração e Programa de Ação de Viena foi dividida em três partes.
Na primeira parte está contido um preâmbulo, no qual está posto os princípios
gerais do documento e da conferência. A segunda parte é a Declaração
propriamente dita, onde estão contidos os princípios básicos dos direitos
humanos. A terceira parte contém o Programa de Ação. Neste programa estão
as regras para guiar a forma de implementação dos princípios postos na
Declaração.
O preâmbulo trata sobre a importância da proteção da dignidade humana,
da democracia, do Estado de Direito e do pluralismo, etc., e também destaca as
responsabilidades do Estado para garantir os direitos humanos. A Declaração foi
40
organizada em 39 artigos. Aqui, cito sobre aqueles que penso serem mais
relevantes:
O Artigo 1º começa com a defesa da universalidade dos direitos humanos
e declarando que a proteção e promoção destes são de responsabilidade dos
Governos; o artigo 2º defende o direito à autodeterminação dos povos; o artigo
3º declara quem devem ser tomadas medidas internacionais para garantir e
fiscalizar o cumprimento das regras de direitos humanos; o artigo 4° diz que a
proteção dos direitos humanos e liberdades fundamentais devem ser objetivos
prioritários das Nações Unidas; o artigo 5º diz que todos os Direitos Humanos
são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados, o que
demonstra que, mesmo com todos conflitos para se chegar ao consenso, como
explicado antes, os princípios caracterizadores da Declaração Universal se
tornam importantes princípios na Declaração de Viena; o artigo 6º declara que
esforços empreendidos para o respeito universal dos direitos humanos
contribuem para a estabilidade do sistema internacional; o artigo 7º dispõe que
os Direitos Humanos devem ser conduzidos de acordo com os princípios da
Carta das Nações Unidas.
O artigo 8° trata sobre a importante tríade da Declaração: os direitos
humanos, a democracia e o desenvolvimento. Segundo este artigo, há uma
interdependência entre estes três valores e eles se reforçam mutuamente. Não
há direitos humanos sem democracia e nem democracia sem direitos humanos.
De acordo com esta ideia, o regime mais compatível com os direitos humanos é
o regime democrático. Em relação ao desenvolvimento, este é muito importante
para a plena realização dos direitos humanos. Em lugares muito pobres, os
Estados e as pessoas em geral não possuem condições financeiras para
conseguirem viver em uma vida com dignidade.
Artigo 8° A democracia, o desenvolvimento e o respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais são conceitos interdependentes que se reforçam mutuamente. A democracia se baseia na vontade livremente expressa pelo povo de determinar seus próprios sistemas políticos, econômicos, sociais e culturais e em sua plena participação em todos os aspectos de suas vidas. Nesse contexto, a promoção e proteção dos direitos humanos e liberdades fundamentais, em níveis nacional e internacional, devem ser universais e incondicionais. A comunidade internacional deve apoiar o fortalecimento e a promoção de democracia e o desenvolvimento e respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais no mundo inteiro (ONU, 1993).
41
O artigo 14º dispõe que a existência de uma pobreza extrema deve ser
imediatamente atenuada ou, se possível, eliminada; o artigo 15º trata sobre a
eliminação de todas as formas de racismo e discriminação racial, xenofobia e
manifestações conexas de intolerância; o artigo 18º se refere à proteção dos
direitos das mulheres e das crianças do sexo feminino; o artigo 19º trata sobre a
proteção dos direitos das minorias; o artigo 20º dispõe sobre a proteção dos
povos indígenas; o artigo 22º busca a proteção à pessoas com deficiência; o
artigo 24º trata sobre a proteção dos direitos humanos de pessoas pertencentes
a grupos vulneráveis, incluindo os trabalhadores migrantes; o artigo 37° dispõe
sobre a importância de acordos regionais na proteção dos Direitos Humanos; o
artigo 38º reconhece o importante papel das organizações não-governamentais
na promoção dos direitos humanos.
Percebe-se, ao estudar as normas presentes na Carta das Nações Unidas
e na Declaração de Viena, que os direitos de ambas possuem um mesmo viés
ocidental de direitos, isto é, os direitos destes ordenamentos jurídicos foram
criados e desenvolvidos pelos países ocidentais hegemônicos do sistema
internacional. Sobre este aspecto, serão feitas críticas no próximo tópico.
2.3 Críticas à visão universal presente na Carta Internacional de Direitos
Humanos e na Declaração de Viena
Foram estudados, neste capítulo, alguns tratados que versam sobre o
tema dos direitos humanos. Estes tratados não são iguais, cada um possuindo
suas particularidades. Porém, apesar destas particularidades, eles possuem
características em comum como é o caso da ocidentalidade dos direitos que ali
foram positivados e a ideia de que estes direitos são universais.
Na verdade, os direitos humanos, como já explicado no primeiro capítulo,
são direitos ocidentais formados pelos países hegemônicos do sistema
internacional. Estes países querem a ratificação dos tratados de direitos
humanos por todos os povos como se estes direitos fossem universais. Porém,
para várias partes do mundo, estes tratados não representam aquilo que eles
entendem por direitos fundamentais.
42
Uma das principais críticas da concepção multiculturalista à universalista dos Direitos Humanos está pautado na idéia de que é que esta última seria, na realidade, não uma perspectiva, realmente, universal dos Direitos Humanos, mas sim ocidental. Durante os anos 50, a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi considerada em vários países africanos e asiáticos, então recentemente independentes, como ocidental. Ressalta-se que surgiram críticas nos próprios países do ocidente em relação ao fato de que a Declaração realmente privilegiava a visão ocidental de Direitos Humanos e não universal (MELO, 2010).
A concepção multicultural dos direitos humanos citada neste trecho irá ser
melhor explicada no próximo capítulo. De acordo com a ideia da ocidentalidade
das Declarações e dos Pactos de direitos humanos, e se referindo, neste trecho,
à Declaração Universal de Direitos humanos, Cruz afirma:
Mediante a compreensão do fenômeno cultural, é possível situar e reconhecer a diversidade existente no mundo, e sob a premissa da pluralidade deve caminhar o entendimento dos direitos humanos. Cultura é o processo acumulativo resultante de toda a experiência histórica das gerações anteriores, e os direitos humanos não podem adotar um critério universalista, consagrando a concepção de um ser abstrato, em um determinado estágio de civilização, conforme concebido e erigido na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nem todos os povos e culturas estavam incluídos no estabelecimento do conteúdo dado aos direitos humanos, que poderiam servir à afirmação da hegemonia ocidental (CRUZ, s/d, p. 1).
Cruz acredita que as diferentes culturas têm que ser levadas em
consideração no momento em que se pensa sobre os direitos humanos. Como
as Declarações de direitos humanos positivam direitos ocidentais, elas não
podem ser consideradas universais. Sobre este assunto, Morais também dispõe:
Um segundo argumento refere-se à política imperialista cultural ocidental que procura impor seus valores aos povos do oriente, numa relação top down. Este questionamento foi aventado em virtude de que a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 fora adota pela ONU sem voto em sentido contrário, e com 8 abstenções (Bielorússia, Checoslováquia, Polônia, União Soviética, Ucrânia Iugoslávia, Arábia Saudita e África do Sul), num foro deliberativo composto por apenas 56 países. O pequeno número de adesões numa constelação de mais ou menos 200 Estados, de fato, é pouco significativo, para uma declaração de direitos que tem pretensões de universalidade. (...) O que, por si, denota a predominância do viés cultural ocidental, ao impor suas crenças aos demais povos subjugando suas práticas culturais, ao invés de procurar compatibilizá-las (MORAIS, 2012).
Apesar de ser citada por Melo, Cruz e Morais, a Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948, a crítica ao caráter ocidental dos direitos humanos
43
também pode ser feita à Declaração de Viena de 1993 e aos Pactos
Internacionais de Direitos Humanos, principalmente ao Pacto Internacional de
Direitos Civis e Políticos, pois os direitos individuais ali positivados possuem um
caráter bastante ocidental. Como prova da ocidentalidade destes ordenamentos
jurídicos, podemos citar o viés individualista dos direitos humanos que estes
ordenamentos positivam. A visão individualista dos direitos humanos é
claramente uma visão ocidental que muitos povos orientais não reconhecem. Se
referindo ao individualismo da Declaração Universal de Direitos humanos,
Pottumati aponta:
(...) na Declaração Universal de 1948, o indivíduo aparece como o único real detentor de direitos, desta forma é produzida a noção de que todo o direito deve servir o ser humano individualmente, para ser legitimado (POTTUMATI, 2014, p. 188).
Sobre este caráter individualista, Morais também afirma:
Enquanto a Declaração Universal dos Direitos Humanos privilegia, quase exclusivamente, o indivíduo como o único titular de direitos a ser respaldado dentro do chamado mínimo ético irredutível, a maioria das sociedades africanas e asiáticas primam pela prevalência dos direitos e deveres dos grupos e da comunidade frente aos dos indivíduos. De fato, os ocidentais não se preocupam, via de regra, com as questões metafísicas, ao passo que, por exemplo, para os povos de tradição islâmica o ser humano só pode ser entendido como ente detentor de direitos e deveres a partir de uma visão teológica (MORAIS, 2012).
Apesar de ser a Declaração Universal de Direitos humanos a citada por
Pottumati e Morais, a individualidade destes direitos também se encontra na
Declaração de Viena e no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. Além
disso, outra evidência que aponta a ocidentalidade dos direitos humanos são os
direitos protegidos por estes tratados. Como visto neste capítulo, há a proteção
de direitos como os da liberdade, da propriedade, da igualdade entre os sexos,
da tolerância religiosa. Estes direitos são claramente direitos ocidentais, não
sendo tutelados por várias culturas orientais. Desta forma, percebe-se que a
ideia da universalismo que estes tratados de direitos humanos tentam alcançar
é falha, pois estes direitos nada mais são do que tentativas de imposição cultural
dos países ocidentais para os países orientais.
A afirmação de que os direitos oriundos de uma determinada cultura são universais, representa uma evidente forma de imperialismo do
44
ocidente sobre as demais culturas, tanto é que a elaboração da Declaração Universal de Direitos Humanos ocorreu sem representatividade global. Além do que, não podemos olvidar que muitas culturas não são compatíveis com os direitos humanos, o que indica o caráter ocidental predominante (POTTUMATI, 2014, p. 188-189).
Tanto a Carta da Nações Unidas, quanto a Declaração de Viena foram
construções muito importantes para a história dos direitos humanos. Porém,
como percebido, elas são alvo de muitas críticas em relação ao seu caráter
ocidental e a sua tentativa de universalizar direitos que possuem uma raiz local.
No próximo capítulo, iremos tratar sobre a necessidade da superação do debate
entre universalistas e relativistas e da tentativa de se implementar uma
concepção multicultural de direitos humanos.
45
3 A SUPERAÇÃO DO DEBATE SOBRE UNIVERSALISMO E
RELATIVISMO CULTURAL E A CONCEPÇÃO MULTICULTURAL
DOS DIREITOS HUMANOS
Quando é tratado do tema dos direitos humanos, há o costume de pensá-
lo de forma universalista ou relativista cultural. Muitos defendem o universalismo,
entendendo que existe um mínimo ético irredutível de direitos entre todas as
culturas. Já outros defendem o relativismo cultural, por entender que as variadas
culturas são muito diferentes e que os direitos humanos tem uma raiz local
ocidental que não são reconhecidos em outras culturas. Porém, tanto o
universalismo, quanto o relativismo cultural são cheios de falhas, sendo, desta
forma, necessária a superação tanto de um, quanto de outro. Assim, surge a
concepção multicultural de direitos humanos, defendida por Boaventura de
Sousa Santos, que visa a superação destes debates e a defesa da emancipação
dos direitos humanos através do diálogo intercultural.
3.1 Multiculturalismo versus relativismo cultural
Devido as atrocidades cometidas na Segunda Guerra Mundial, surge com
força no Pós-Guerra a visão universalista dos direitos humanos. Esta visão
universalista foi posta na Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948
como uma tentativa dos Estados em proteger toda a pessoa humana segundo
regras que eles entenderiam como universais. Porém, esta visão universalista é
alvo de críticas por parte dos relativistas culturais que entendem que não existem
direitos humanos universais, e sim que os direitos e regras são um construído
sociológico de cada lugar em cada período, não se podendo falar em direitos
que se estendam por todo o globo. Já os relativistas também são alvos de
críticas, pois muitos entendem que a defesa de uma relativismo cultural busca
encobrir violações de direitos humanos, justificando-as como parte da cultura de
certo povo.
A visão universal dos direitos humanos defende que estes direitos
decorrem da dignidade humana, e que esta é inerente à todos os seres
humanos. De acordo com esta ideia, todos os seres humanos possuem uma
46
dignidade intrínseca que independe do meio social em que a pessoa está
inserida. De acordo com Piovezan (2009), existe um mínimo ético irredutível, que
deve ser respeitado por todas as pessoas. Isto significa que todos os humanos,
independentemente do meio em que vivem, reconhecem a importância de certos
direitos, sendo estes os direitos humanos universais. Uma visão positiva em
relação aos direitos humanos e sua universalidade é a de Tosi:
Afirmar, portanto, que os direitos humanos são uma ‘ideologia’ que surgiu num determinado momento histórico, vinculada aos interesses de uma determinada classe social na sua luta contra o Antigo Regime, não significa negar que eles possam vir a ter uma validade que supere aquelas determinações históricas e alcance um valor mais permanente e universal. De fato, apesar de ter surgido no Ocidente, a doutrina dos direitos humanos está se espalhando a nível planetário. Isto pode ser medido não somente pela assinatura dos documentos internacionais por parte de quase todos os governos do Mundo, mas igualmente pelo surgimento de um movimento não governamental de promoção dos direitos humanos que constitui quase que uma ‘sociedade civil’ organizada em escala mundial, desde bairro até as Nações Unidas (TOSI, 2005, p. 37).
Bobbio é um crítico da ideia de direitos humanos absolutos e atemporais.
Para ele, um direito que é entendido como fundamental em certo período e certo
lugar, é visto de uma forma totalmente diferente em outra época e lugar:
Do ponto de vista teórico, sempre defendi – e continuo a defender, fortalecido por novos argumentos – que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez, e nem de uma vez por todas (BOBBIO, 2004, p. 25).
No entanto, Bobbio não foge do universalismo. Ele é contrário ao
universalismo atemporal, porém acredita em uma universalidade que teria sido
conquistada através do consenso da comunidade internacional ao ratificar
documentos de direitos humanos, como é o caso da Declaração Universal de
Direitos Humanos. Ele acredita que certos direitos postos na Declaração
acabaram por ser reconhecidos como universais porque a maioria dos Estados
entenderam que os direitos ali postos devem ser defendidos em âmbito
universal.
Guimarães acredita na existência de um valor intrínseco ao homem que
deve ser respeitado sempre. Para ele, o relativismo não pode negar os direitos
47
humanos. Usa, para justificar suas ideias, o exemplo da prática da clitorectomia
e da mutilação feminina, afirmando que
Ora, sustentar que as mulheres destas sociedades acham normal este tipo de mutilação, simplesmente porque foram criadas numa determinada cultura, não pode justificar a manutenção do seu sofrimento físico e moral. Deve-se ouvir a voz destas vítimas, que na maioria das vezes não têm sequer a oportunidade de manifestar sua oposição a estes bárbaros costumes, sofrendo silenciosamente (GUIMARÃES, 2006, p. 61).
Existem diferentes formas de enxergar o universalismo. Flores nos
apresenta um universalismo de confluência, ou seja, um universalismo de ponto
de chegada e não de ponto de partida:
(...) nossa visão complexa dos direitos baseia-se em uma racionalidade de resistência. Uma racionalidade que não nega que é possível chegar a uma síntese universal das diferentes opções relativas a direitos. (...) O que negamos é considerar o universal como um ponto de partida ou um campo de desencontros. Ao universal há que se chegar – universalismo de chegada ou de confluência – depois (não antes de) um processo conflitivo, discursivo de diálogo (...). Falamos de entrecruzamento e não de uma mera superposição de propostas (FLORES, 2004, p. 7).
Então, segundo o universalismo de confluência, devemos chegar à
universalidade através de diálogos entre os povos. No mesmo sentido, Parekh
defende um universalismo pluralista, que busca desenvolver um diálogo inter-
cultural aberto:
O objetivo de um diálogo inter-cultural é alcançar um catálogo de valores que tenha a concordância de todos os participantes. A preocupação não deve ser descobrir valores, eis que os mesmos não têm fundamento objetivo, mas sim buscar um consenso em torno deles. (...) Valores dependem de decisão coletiva. Como não podem ser racionalmente demonstrados, devem ser objeto de um consenso racionalmente defensável. (...) É possível e necessário desenvolver um catálogo de valores universais não-etnocêntricos, por meio de uma diálogo inter-cultural aberto, no qual os participantes decidam quais os valores a serem respeitados. (...) Esta posição poderia ser classificada como um universalismo pluralista (PAREKH, 1999, p. 139-140).
Parekh (1999) ressalta a importância de haver um diálogo internacional
que deve procurar um consenso entre culturas diferentes. O caminho para
encontrar este consenso surge com um diálogo intercultural baseado em valores
que seriam universais. Para Parekh, existem cinco valores morais universais: a
48
unidade humana, a dignidade humana, o valor humano, a promoção do potencial
humano ou interesses humanos fundamentais, e a igualdade.
A crítica feita pelos relativistas culturais contrários a concepção universal
dos direitos humanos é a de que não existem direitos humanos universais, pois
os povos e culturas de todo o globo são muito diferentes e tem entendimentos
diferentes sobre seus direitos fundamentais. Os direitos humanos reconhecidos
atualmente são criados pelo países ocidentais e imperialistas, que buscam por
meio deles impor suas culturas para o resto do mundo. Para alguns, estes
direitos não passam de uma forma de dominação de uma cultura sobre outra.
Ao afirmar direitos locais como universais, percebe-se uma forma de
imperialismo imposto, no caso do direitos humanos, pelo ocidente, buscando
universalizar suas crenças por todo o globo.
Várias outras críticas podem ser feitas questionando a concepção
universalista dos direitos humanos. Uma dessas críticas é a própria ideia da
defesa unicamente de direitos que contrapõem-se a ideia de deveres
proclamados por muitos lugares. Os direitos humanos buscam proteger os
direitos de todos, porém não contemplam a ideia dos deveres de cada um que
são muito importantes em diferentes culturas. Segundo Pandeya, para um hindu
não existem direitos pelo simples fato de ser pessoa, e sim estes devem ser
conquistados de acordo com o cumprimento de deveres. Se forem concedidos
direitos a um hindu é porque foram dados deveres a este hindu. Além disso, o
conceito de direitos humanos traz uma visão antropocêntrica do mundo, o que
difere de muitas outras culturas, como a islâmica, que traz uma visão do mundo
muito mais coletiva. Portanto, se na concepção de direitos humanos ocidental
tem-se a valorização do indivíduo, em outras concepções tem-se a valorização
do coletivo.
Os relativistas culturais defendem que cada lugar e época possui suas
culturas e regras, e que não existem direitos que sejam universais, visto que os
direitos são uma construção histórica de cada sociedade. Desta forma, existe
uma variedade de culturas, sociedades, políticas e modos de vida, sendo
impossível encontrar regras fundamentais que consigam englobar todas estas
diferentes sociedades. Segundo Piovezan
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Para os relativistas, a noção de direitos está estritamente relacionada ao sistema político, econômico, cultural, social e moral vigente em determinada sociedade. Cada cultura possui seu próprio discurso acerca dos direitos fundamentais, que está relacionado às específicas circunstâncias culturais e históricas de cada sociedade. Não há moral universal, já que a história do mundo é a história de uma pluralidade de culturas. Há uma pluralidade de culturas no mundo e estas culturas produzem seus próprios valores (PIOVEZAN, 2009, p. 13).
Então, com o relativismo cultural a ideia de universalidade dos direitos
humanos foi questionada. Aqui, a cultura de cada povo é valorizada,
diferentemente do universalismo, que busca impor a cultura ocidental à todos os
povos. Segundo Brzenzinski:
A cultura vai se tornar a linha divisória do debate sobre a liberdade e os direitos humanos. Todos nós estamos familiarizados com o argumento cultural. Ele rejeita a noção de direitos humanos inalienáveis com base no fato de que essa noção apenas reflete uma perspectiva ocidental bastante provinciana (BRZEZINSKI ,1995, p. 4).
De acordo com os defensores do relativismo cultural, sempre devem ser
respeitadas as particularidades de cada povo, pois é necessário que o homem
se identifique com os valores que sua sociedade defende, sendo que essa
identificação só é possível, se protegidos os direitos de seu contexto cultural.
Os relativistas entendem, então, que os direitos são frutos do meio cultural
de cada um e que não há valor intrínseco que ultrapassasse as barreiras do
tempo. Porém, as ideias relativistas também sofrem diversas críticas. Uma
destas críticas é o fato de que, com o argumento da defesa e proteção da
diversidade cultural, são legitimados atos que atentam contra os seres humanos.
Outra crítica apontada aos relativistas culturais é a de que o relativismo,
por vezes, apresenta uma visão muito romântica, como se os costumes de uma
cultura fossem, de fato, compartilhados harmonicamente por todos os
integrantes daquele meio social. Muitas vezes a própria crítica de certos
costumes é feita por pessoas que estão inseridas naquele ambiente cultural. No
entanto, estas pessoas contrárias à certos tradições são reprimidas e
subjugadas pelo coletivo, o que seria uma afronta a sua liberdade. Sobre o
assunto, Segato afirma:
(...) Outra possibilidade, que sugeri em alguns textos, consiste em revisar a maneira como nós antropólogos entendemos a noção de relativismo. De fato, recorremos frequentemente ao relativismo de forma um tanto
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simplificadora, focalizando as visões de mundo de cada povo como uma totalidade. Com isso, muitas vezes não vemos ou minimizamos as parcialidades com pontos de vista diferenciados e os variados grupos de interesse que fraturam a unidade dos povos que estudamos. Não levamos em consideração as relatividades internas que introduzem fissuras no suposto consenso monolítico de valores que, por vezes, erroneamente atribuímos às culturas. Por menor que seja a aldeia, sempre haverá nela dissenso e grupos com interesses que se chocam. É a partir daí que os direitos humanos fazem eco às aspirações de um desses grupos (SEGATO, 2006).
Para Donnelly, existem diversas correntes relativistas, como o relativismo
radical, relativismo forte e o relativismo fraco:
No extremo, há o que nós denominamos de relativismo cultural radical, que concebe a cultura como a única fonte de validade de um direito ou regra moral. (...) Um forte relativismo cultural acredita que a cultura é a principal fonte de validade de um direito ou regra moral.(...) Um relativismo cultural fraco, por sua vez, sustenta que a cultura pode ser uma importante fonte de validade de um direito ou regra moral (DONNELLY, 2003, p. 89-90).
Segundo ele, o relativismo cultural é inegável e prejudica a proteção
internacional de direitos humanos. Sua preocupação é em relação as práticas
terríveis que acontecem todos os dias e que são justificadas como partes das
culturas de determinados povos. Porém, em sua concepção, “a cultura coloca
apenas um modesto desafio para o contemporâneo universalismo normativo dos
direitos humanos” (DONNELLY, 2003, pp. 89-92). Desta forma, Donnelly
defende que, embora o universalismo tradicionalmente usado não seja
suficiente, há a necessidade de se adotar um padrão contemporaneamente
normativo do universalismo.
Através das informações apresentadas acima sobre a universalidade e a
relatividade dos direitos humanos, percebe-se que ambas são suscetíveis a
críticas graças aos problemas que apresentam. Em resumo, Piovezan aponta os
problemas presentes em ambas as percepções:
Na crítica dos relativistas, os universalistas invocam a visão hegemônica da cultura eurocêntrica ocidental, na prática de um canibalismo cultural. Já para os universalistas, os relativistas, em nome da cultura, buscam acobertar graves violações a direitos humanos. Ademais, complementam, as culturas não são homogêneas, nem tampouco compõem uma unidade coerente; mas são complexas, variáveis, múltiplas, fluídas e não estáticas. São criações humanas e não destino (PIOVEZAN, 2009, p. 13).
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Portanto, nota-se que a dicotomia universalismo versus relativismo
cultural deve ser superada, pois ambas percepções trazem grandes problemas
e não conseguem dar uma proteção efetiva aos seres humanos. Neste debate,
destacam-se as ideias de Santos, que defende uma concepção multicultural de
direitos humanos, tema que será tratado no próximo tópico.
3.2 Boaventura de Souza santos e a concepção multicultural de direitos
humanos
Na análise de Santos, é defendida a concepção multicultural de direitos
humanos. Esta concepção defende a ideia da implementação da hermenêutica
diatópica. Esta hermenêutica visa o diálogo intercultural dos direitos humanos,
no qual as diferentes culturas, através do diálogo, percebem que são
incompletas e, assim, por meio do conhecimento dessas incompletudes, buscam
a emancipação dos direitos humanos através da implementação de uma
concepção multicultural sobre estes direitos.
Para entendermos a concepção multicultural de direitos humanos, é
necessário que compreendamos como Santos entende a globalização. Ele a
define como:
a globalização é o processo pelo qual determinada condição ou entidade local consegue estender a sua influência a todo o globo e, ao fazê-lo, desenvolve a capacidade de designar como local outra condição social ou entidade rival (SANTOS, 1997, p. 108).
Para Santos, a globalização é formada por diferentes conjuntos de
relações sociais, e estes conjuntos originam diferentes fenômenos de
globalização, não existindo uma globalização única, e sim várias globalizações
que se formam de acordo com aquelas diferentes relações sociais. Desta forma,
por meio das diferentes relações sociais, surgem os conflitos, e com os conflitos
surgem os vencedores e os vencidos. A história contada sobre a globalização é
a daqueles que venceram, e não a daqueles que foram vencidos. A globalização
não é genuína e ela pressupõe a localização. Sobre isto, Santos explica:
(...) Em primeiro lugar, perante as condições do sistema-mundo ocidental não existe globalização genuína; aquilo a que chamamos
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globalização é sempre a globalização bem sucedida de determinado localismo. Por outras palavras, não existe condição global para a qual não consigamos encontrar uma raiz local, uma imersão cultural específica. Na realidade, não consigo pensar uma entidade sem tal enraizamento local; o único candidato possível, mas improvável, seria a arquitectura interior dos aeroportos. A segunda implicação é que a globalização pressupõe a localização. De facto, vivemos tanto num mundo de localização como num mundo de globalização. Portanto, em termos analíticos, seria igualmente correcto se definíssemos a presente situação e os nossos tópicos de investigação em termos de localização, em vez de globalização. O motivo porque preferimos o último termo é basicamente porque o discurso científico hegemônico tende a privilegiar a história do mundo na versão dos vencedores (SANTOS, 1997, p. 108).
A globalização é tornar global algo que possuía uma raiz local, isto é, não
existe condição que sempre foi global ou que já surge global, e sim há a
imposição global de uma condição que tem raiz local. Quando uma condição se
torna global, pressupõem-se que as outras condições sejam locais. De acordo
com estas ideias, Santos exemplifica:
Existem muitos exemplos de como a globalização pressupõe a localização. A língua inglesa enquanto língua franca é um desses exemplos. A sua propagação enquanto língua global implicou a localização de outras línguas potencialmente globais, nomeadamente a língua francesa. Quer isto dizer que, uma vez identificado determinado processo de globalização, o seu sentido e explicação integrais não podem ser obtidos sem se ter em conta os processos adjacentes de relocalização com ele ocorrendo em simultâneo ou sequencialmente. A globalização do sistema de estrelato de Hollywood contribuiu para a etnicização do sistema de estrelato do cinema hindu. Analogamente, os actores franceses ou italianos dos anos 60 — de Brigitte Bardot a Alain Delon, de Marcello Mastroiani a Sofia Loren — que simbolizavam então o modo universal de representar, parecem hoje, quando revemos os seus filmes, provincianamente europeus, se não mesmo curiosamente étnicos. A diferença do olhar reside em que de então para cá o modo de representar holliwoodesco conseguiu globalizar-se. Para dar um exemplo de uma área totalmente diferente, à medida que se globaliza o hambúrguer ou a pizza, localiza-se o bolo de bacalhau português ou a feijoada brasileira no sentido de que serão cada vez mais vistos como particularismos típicos da sociedade portuguesa ou brasileira (SANTOS, 1997, p. 108).
O processo de globalização pode acontecer de diferentes formas e
situações, sendo formada tanto pelos capitalistas, executivos de empresas
transnacionais, que são aqueles que realmente possuem controle sobre o
sistema internacional, quanto pelos migrantes e refugiados, grupos
subordinados, que não possuem controle algum. Além destas situações, a
globalização também é formada por aqueles que não saem de seu espaço local,
53
mas que mesmo assim contribuem para transformar o mundo em um lugar
globalizado. Como exemplo disso, temos os camponeses da Colômbia que
cultivam coca, contribuindo para uma cultura mundial das drogas. Portanto,
percebe-se que, por existir tantas assimetrias e diferenças em sua formação, as
globalizações deve ser sempre consideradas em sua pluralidade.
Para Santos, existem quatro modos diferentes de produção da
globalização: o localismo globalizado, o globalismo localizado, o cosmopolitismo
e o patrimônio comum da humanidade. O localismo globalizado baseia-se em
transformar em global aquilo que possui uma raiz local. Como exemplo disto,
temos a globalização de fast foods e das músicas dos Estados Unidos.
O globalismo localizado consiste na perturbação que as práticas
transnacionais ocasionam nas condições locais, as quais se modificam de
acordo com estas perturbações. Como exemplo de globalismo localizado, temos:
enclaves de comércio livre ou zonas francas; desflorestamento e destruição maciça dos recursos naturais para pagamento da dívida externa; uso turístico de tesouros históricos, lugares ou cerimonias religiosos, artesanato e vida selvagem; dumping ecológico ("compra" pelos países do Terceiro Mundo de lixos tóxicos produzidos nos países capitalistas centrais para gerar divisas externas); conversão da agricultura de subsistência em agricultura para exportação como parte do "ajustamento estrutural"; etnicização do local de trabalho (desvalorização do salário pelo facto de os trabalhadores serem de um grupo étnico considerado "inferior" ou "menos exigente") (SANTOS, 1997, p. 110).
A globalização produzida pelo sistema internacional é constituída por
localismos globalizados e globalismos localizados, sendo que o primeiro modelo
é produzido pelos países centrais, enquanto o segundo é produzido pelos países
periféricos.
Além do localismo globalizado e do globalismo localizado, existem mais
duas formas de globalização. A primeira é o cosmopolitismo. O cosmopolitismo
configura-se como forma dos Estados ou grupos sociais se organizarem para
defenderem interesses comuns, aproveitando as interações transnacionais em
seu benefício. De acordo com Bittar:
(...) o cosmopolitismo se fará com a agregação de um modus de respeito multicultural, habilidade esta a ser desenvolvida para que o processo de globalização realmente represente um passo substancial em direção à libertação e ao cosmopolistismo. Diálogo e
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multiculturalismo são, portanto, dois ingredientes necessários para que a globalização ganhe um sentido valorativo aceitável no século XXI (BITTAR, s/d, p. 17).
Desta forma, percebe-se que para a construção de uma globalização
cosmopolita, é necessário que sejam feitos diálogos multiculturais entre as
diferentes culturas do sistema internacional. Segundo esta ideia, Teófilo e Braga
dispõe que:
(...) o cosmopolitismo trata da possibilidade de conexão, imbricamento, das diversas culturas naquilo em que se revelem compatíveis, procurando, nesse processo, observar o ponto de vista uma das outras. Não se trata apenas de respeitar as diferenças culturais, mas viabilizar mecanismos de diálogos entre elas (TEÓFILO; BRAGA, s/d, p. 14-15).
Para exemplificar esta forma de globalização cosmopolita, temos:
(...) As atividades cosmopolitas incluem, entre outras, diálogos e articulações Sul-Sul; novas formas de intercâmbio operário; redes transnacionais de lutas ecológicas, pelos direitos da mulher, pelos direitos dos povos indígenas pelos direitos humanos em geral; serviços jurídicos alternativos de caráter transnacional; solidariedade anticapitalista entre o Norte e o Sul; organizações de desenvolvimento alternativo e em luta contra o regime hegemônico de propriedade intelectual que desqualifica os saberes tradicionais e destrói a biodiversidade (SANTOS, 2003, p. 436).
A última forma de globalização é formada por temas que, pela sua
natureza, são considerados patrimônio comum da humanidade. Estes temas só
possuem sentido se os tratarmos de forma global. Como exemplo desta forma
de globalização, temos: a sustentabilidade, a proteção da camada de ozônio, a
Antártida, a exploração do espaço exterior, etc. De acordo com estas quatro
formas de globalização, Santos dispõe:
Neste contexto é útil distinguir entre globalização de-cima-para-baixo e globalização de-baixo-para-cima, ou entre globalização hegemônica e globalização contra-hegemónica. O que eu denomino de localismo globalizado e globalismo localizado são globalizações de-cima-para-baixo; cosmopolitismo e patrimônio comum da humanidade são globalizações de-baixo-para-cima (SANTOS, 1997, p. 111).
Ou seja, a globalização de-cima-para-baixo é aquela produzida pelos
países hegemônicos, que impõe seus modos de vida por todo o globo; já a
globalização de-baixo-para-cima são formas de resistência daqueles que
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buscam espaço para o exercício pleno de seus direitos e de suas culturas no
sistema internacional globalizado. Bittar, reiterando as ideias de Santos, acredita
que deve-se
(...) distinguir entre as diversas formas de globalização e delas saber escolher a única legítima e verdadeira. Isso pode significar repudiar seja o localismo globalizado, seja também o globalismo localizado, nas definições de Boaventura de Souza Santos, ambas formas fascistas de se realizar a aproximação integrativa dos povos, e que, certamente, seguem o modelo de imposição e desprezo cultural, dominação e opressão populares e econômicas. A forma de globalização aceitável e legítima passa pela concepção (...) denominada como cosmopolitismo (BITTAR, s/d, p. 22).
Como percebido, os direitos humanos podem ser concebidos tanto como
globalização hegemônica, quanto globalização contra-hegemônica. Enquanto
forem tratados como universais, sempre vai haver o predomínio de uma
globalização de-cima-para-baixo, pois o alcance da abrangência universal se dá
às custas da perda da legitimidade local. Para os direitos humanos serem
concebidos como globalização de-baixo-para-cima, ou seja, através do
cosmopolitismo, eles devem ser ajustados como multiculturais. Em relação à
universalidade dos direitos humanos, Santos dispõe:
Todas as culturas tendem a considerar os seus valores máximos como os mais abrangentes, mas apenas a cultura ocidental tende a formulá-los como universais. Por isso mesmo, a questão da universalidade dos direitos humanos trai a universalidade do que questiona pelo modo como o questiona. Por outras palavras, a questão da universalidade é uma questão particular, uma questão específica da cultura ocidental (SANTOS, 1997, p. 112).
A ideia da universalidade dos direitos humanos, como explica Santos, é
oriunda do pensamento ocidental hegemônico, que se configura por um
localismo globalizado, isto é, uma forma de imposição global de um modo de
vida que possui uma raiz local. Para defender esta ideia, Santos expõe os
pressupostos dos direitos humanos universais, mostrando que suas raízes não
são globais, e sim ocidentais:
O conceito de direitos humanos assenta num bem conhecido conjunto de pressupostos, todos eles tipicamente ocidentais, designadamente: existe uma natureza humana universal que pode ser conhecida racionalmente; a natureza humana é essencialmente diferente e superior à restante realidade; o indivíduo possui uma dignidade
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absoluta e irredutível que tem de ser defendida da sociedade ou do Estado; a autonomia do indivíduo exige que a sociedade esteja organizada de forma não hierárquica, como soma de indivíduos livres (Panikkar 1984: 30). Uma vez que todos estes pressupostos são claramente ocidentais e facilmente distinguiveis de outras concepções de dignidade humana em outras culturas, teremos de perguntar por que motivo a questão da universalidade dos direitos humanos se tornou tão acesamente debatida (SANTOS, 1997, p. 112).
Desta forma, observa-se que a concepção universal dos direitos humanos
está a serviço das ideias e dos interesses das potências ocidentais, e não
condizem com a realidade do resto do mundo. Defendendo esta ideia, Teófilo e
Braga afirmam que:
ao compreendermos os direitos humanos como universais, eles atuarão como localismo globalizado que, portanto, impõe uma globalização hegemônica de “cima para baixo” ou dos mais fortes sobre os mais fracos. Acontece que, na maioria das vezes, essa atitude gera um terrível choque cultural que, além de severas críticas, acarreta uma fatigante imposição por parte das sociedades envoltas ao globalismo localizado (TEÓFILO; BRAGA, s/d, p. 13).
Esta marca ocidental do discurso dominante dos direitos humanos pode
ser encontrada, como exemplos,
(...) na Declaração Universal de 1948, elaborada sem a participação da maioria dos povos do mundo; no reconhecimento exclusivo de direitos individuais, com a única excepção do direito colectivo à autodeterminação, o qual, no entanto, foi restringido aos povos subjugados pelo colonialismo europeu; na prioridade concedida aos direitos civis e políticos sobre os direitos econômicos, sociais e culturais e no reconhecimento do direito de propriedade como o primeiro e durante muitos anos, o único direito econômico (SANTOS, 1997, p. 113).
Dito isto, percebe-se que deve haver a superação da visão universalista
pela visão multicultural de direitos humanos. Defendendo o multiculturalismo,
Reis dispõe que:
No multiculturalismo, existe a convivência em um país, região ou local de diferentes culturas e tradições. Há uma mescla de culturas, de visões de vida e valores. O multiculturalismo é pluralista, como já se pode observar, pois aceita diversos pensamentos sobre um mesmo tema, abolindo o pensamento único. Há o diálogo entre culturas diversas para a convivência pacífica e com resultados positivos a ambas (REIS, 2004, p. 10).
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Teófilo e Braga, seguindo a mesma ideia, apontam o multiculturalismo
como:
(...) marcado pela interação das diferentes culturas, tradições. Há uma união dos diversos valores e visões de mundo o que o caracteriza, portanto, como pluralista. O multiculturalismo é pluralista pois viabiliza a vivência harmônica e respeitosa entre os diferentes pensamentos arraigados às culturas também diferentes. Essa nova vertente de análise dos direitos humanos foi a solução achada não apenas para a superada e infrutífera discussão entre o universalismo e o relativismo, como também à própria horizontalização de tais direitos no vigente século XXI (TEÓFILO; BRAGA, s/d, p. 14).
Então, segundo Santos, deve ocorrer a transformação do projeto de
direitos humanos de um localismo globalizado para um cosmopolitismo,
buscando, de fato, transformar os direitos humanos em direitos multiculturais.
Sobre a busca por esta transformação, através do tempo, foram surgindo
discursos e práticas contra o localismo globalizado e contra a dominação dos
países hegemônicos, pretendendo-se alcançar o cosmopolitismo dos direitos
humanos no sistema internacional.
(...) Em todo o mundo milhões de pessoas e milhares de ONGs têm vindo a lutar pelos direitos humanos, muitas vezes correndo grandes riscos, em defesa de classes sociais e grupos oprimidos, em muitos casos vitimizados por Estados capitalistas autoritários. Os objectivos políticos de tais lutas são frequentemente explicita ou implicitamente anticapitalistas. Gradualmente foram-se desenvolvendo discursos e práticas contra-hegemónicos de direitos humanos, foram sendo propostas concepções não ocidentais de direitos humanos, foram-se organizando diálogos interculturais de direitos humanos. Neste domínio, a tarefa central da política emancipatória do nosso tempo consiste em transformar a conceptualização e prática dos direitos humanos de um localismo globalizado num projecto cosmopolita (SANTOS, 1997, p. 113).
Para que a emancipação dos direitos humanos seja, de fato, concretizada,
é necessário que se desenvolva em um mundo cosmopolita e multicultural o
diálogo entre as diferentes culturas. As diferentes culturas possuem diferentes
entendimentos sobre variados assuntos, e nenhum destes entendimentos é
completo, ou seja, as culturas não são completas. As diferentes percepções das
diferentes culturas são os chamados topoi forres, ou seja, topoi forres são as
variadas formas que os culturas enxergam o mundo. Cada cultura possui seu
topoi, sendo este considerado o correto para aquela cultura. Porém, quando este
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topoi é posto em outra cultura, percebe-se que ocorre um choque entre estas
diferentes percepções do mundo. Assim, visto de fora, é possível notar que os
topoi de uma cultura, que parecem absolutos e completos dentro dela, se tornam
incompletos no momento em que se deparam com outro topoi, que também é
incompleto. Desta forma, deve ocorrer um diálogo intercultural entre estas
diferentes culturas para que cada uma perceba as suas incompletudes, e assim
nenhuma queira se impor sobre a outra. A hermenêutica diatópica proposta por
Santos tem o objetivo de levar para essas culturas à percepção sobre suas
incompletudes, para que assim seja possível resolver o problema da
emancipação dos direitos humanos. Sobre isto, Santos explica:
No caso de um diálogo intercultural, a troca não é apenas entre diferentes saberes mas também entre diferentes culturas, ou seja, entre universos de sentido diferentes e, em grande medida, incomensuráveis. Tais universos de sentido consistem em constelações de topoi forres. Os topoi são os lugares comuns retóricos mais abrangentes de determinada cultura. Funcionam como premissas de argumentação que, por não se discutirem, dada a sua evidência, tornam possível a produção e a troca de argumentos. Topoi forres tornam-se altamente vulneráveis e problemáticos quando "usados" numa cultura diferente. O melhor que lhes pode acontecer é serem despromovidos de premissas de argumentação a meros argumentos. Compreender determinada cultura a partir dos topoi de outra cultura pode revelar-se muito difícil, se não mesmo impossível. Partindo do pressuposto de que tal não é impossível, proponho a seguir uma hermenêutica diatópica, um procedimento hermenêutico que julgo adequado para nos guiar nas dificuldades a enfrentar, ainda que não necessariamente para as superar. Na área dos direitos humanos e da dignidade humana, a mobilização de apoio social para as possibilidades e exigências emancipatórias que eles contêm só será concretizável na medida em que tais possibilidades e exigências tiverem sido apropriadas e absorvidas pelo contexto cultural local. Apropriação e absorção, neste sentido, não podem ser obtidas através da canibalização cultural. Requerem um diálogo intercultural e uma hermenêutica diatópica. A hermenêutica diatópica baseia-se na idéia de que os topoi de uma dada cultura, por mais forres que sejam, são tão incompletos quanto a própria cultura a que pertencem. Tal incompletude não é visível do interior dessa cultura, uma vez que a aspiração à totalidade induz a que se tome a parte pelo todo. O objectivo da hermenêutica diatópica não é, porém, atingir a completude — um objectivo inatingível — mas, pelo contrário, ampliar ao máximo a consciência de incompletude mútua através de um diálogo que se desenrola, por assim dizer, com um pé numa cultura e outro, noutra. Nisto reside o seu caracter diatópico (SANTOS, 1997, p. 115-116).
Um exemplo, feito por Santos, de onde seria possível acontecer uma
hermenêutica diatópica, é entre o topos dos direitos humanos na cultura
ocidental, o topos do dharma na cultura hindu e o topos da umma na cultura
islâmica. Uma cultura onde a ideia de Dharma é central não está preocupada em
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proteger o direitos de um indivíduo contra o outro ou do indivíduo contra a
sociedade, e sim está mais preocupada em avaliar o caráter correto e verdadeiro
de qualquer coisa ou ação no cosmos. Desta forma, vistos a partir do dharma,
os direitos humanos são incompletos, pois não fazem ligação entre o indivíduo
e o todo, se centrando naquilo que é derivado, os direitos, em vez de se
centrarem no dever dos indivíduos de descobrirem o lugar a que pertencem na
ordem geral da sociedade e do cosmos. Já para a concepção ocidental de
direitos humanos, o dharma também é incompleto, pois tende a esquecer que o
sofrimento humano possui uma dimensão individual, pois não são as sociedades
que sofrem, e sim os indivíduos. O dharma tende a esquecer que, sem os direitos
primordiais, o indivíduo torna-se muito frágil para conseguir evitar ser subjugado
pelas questões que o transcendem.
A hermenêutica diatópica, como citado acima, também pode ocorrer entre
o topos da umma da cultura islâmica e o topos dos direitos humanos da cultura
ocidental. A umma se baseia na religião, surgindo através do Corão. Refere-se
sempre àqueles que são objetos do plano de salvação da cultura islâmica, isto
é, à certas entidades étnicas e religiosas seguidoras do islamismo. A crítica da
umma em relação aos direitos humanos ocidentais se dá pela dificuldade que a
cultura ocidental tem de definir a comunidade como arena de solidariedades
concretas. A ideia de comunidade não faz parte da concepção liberal ocidental,
que acabou por reduzir toda a complexidade da sociedade entre a dicotomia
Estado e sociedade civil. Porém, para os direitos humanos ocidentais, a
incompletude da umma encontra-se no fato de que ela valoriza muito mais os
deveres em relação aos direitos, o que faz com que ela não se preocupe com
certas desigualdades que seriam consideradas pelo pensamento ocidental como
inadmissíveis. Como exemplo disto, temos a desigualdade entre homens e
mulheres e a desigualdade entre mulçumanos e não-mulçumanos. Santos, ao
tratar sobre as diferenças e incompletudes entre estas três culturas, dispõe:
(...) A hermenêutica diatópica mostra-nos que a fraqueza fundamental da cultura ocidental consiste em estabelecer dicotomias demasiado rígidas entre o indivíduo e a sociedade, tornando-se assim vulnerável ao individualismo possessivo, ao narcisismo, à alienação e à anomia. De igual modo, a fraqueza fundamental das culturas hindu e islâmica deve-se ao facto de nenhuma delas reconhecer que o sofrimento humano tem uma dimensão individual irredutível, a qual só pode ser
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adequadamente considerada numa sociedade não hierarquicamente organizada (SANTOS, 1997, p. 118).
A partir desta análise, percebe-se que a adoção da hermenêutica
diatópica é essencial para que estas sociedades identifiquem as suas
incompletudes e, assim, iniciem diálogos interculturais, buscando alcançar a
emancipação dos direitos humanos como direitos multiculturais.
3.3 Alternativas multiculturais para os direitos humanos no século XXI
Como percebido ao longo deste trabalho, a política de direitos humanos é
muito contemporânea. Porém, é necessário sempre nos preocuparmos sobre
como estes direitos irão ser adotados para que, de fato, se tornem efetivos em
todo o globo, sem subjugar nenhum povo em relação à outro e respeitando à
todos.
As concepções mais tradicionais de direitos humanos possuem
características liberais, como a ideia da universalidade do direitos humanos, a
dignidade absoluta, a superioridade da natureza humana, etc. As próprias
Declarações e Pactos citados neste trabalho são um exemplo da visão que os
países ocidentais possuem de que as concepções de direitos humanos são
universais, abrangendo todos os povos. Diferentemente do que acontece, a
política de direitos humanos não deveria ser formada por direitos ocidentais
impostos aos povos orientais, como se universais fossem. Devemos evitar esta
forma de dominação ocidental dos direitos humanos, pois estas concepções
universalistas nada mais são do que discursos bonitos que, na verdade,
exploram e dominam outros povos, desprezando outras formas de cultura.
Concordando com esta ideia, Bittar afirma que
Os direitos humanos não podem provocar o choque de civilizações, caso contrário estarão servindo para a opressão cultural. No entanto, as concepções tradicionais de direitos humanos em si albergam concepções caracteristicamente liberais, quais sejam: universalidade do indivíduo, certa forma de organização do Estado, dignidade absoluta, superioridade da natureza humana. Com esse sentido, os direitos humanos serão somente a bandeira de conquista do Oriente pelo Ocidente, do Sul pelo Norte (BITTAR, s/d, p. 24).
Então, Bittar propõe que
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(...) o que se deve procurar evitar, por meio de procedimentos teóricos obtusos, é a extensão da idéia de direitos humanos como simples baluarte de sustentação de um ocidentalismo neocolonialista, patrocinado por ONGs, setores organizados, empresários, agentes humanitários, organizações internacionais, a ser subrepticiamente implantado aos poucos sobre os orientais, a pretexto de praticar-se liberdade e democracia. Aqui não haveria globalização e nem cosmopolitismo, muito menos defesa de direitos humanos, mas sim exploração, imperialismo e dominação. O real sentido do cosmopolitismo se dá a partir da ruptura da condição de subalternidade por aquele que é feito refém dela, ou seja, por quem é feito subalterno em políticas internacionais (BITTAR, s/d, p. 22).
Além da crítica em relação a tentativa de dominação por parte das
potências ocidentais sobre os povos orientais na matéria de direitos humanos,
outra crítica que deve ser feita é sobre o universalismo e o relativismo. Para
acontecer a emancipação dos direitos humanos, deve ocorrer a superação do
debate entre universalismo e relativismo cultural, pois ambos conceitos polares
são prejudiciais à implementação de direitos humanos que sejam, de fato,
reconhecidos por todos. De acordo com Santos:
Trata-se de um debate intrinsecamente falso, cujos conceitos polares são igualmente prejudiciais para uma concepção emancipatória de direitos humanos. Todas as culturas são relativas, mas o relativismo cultural enquanto atitude filosófica é incorrecto. Todas as culturas aspiram a preocupações e valores universais, mas o universalismo cultural, enquanto atitude filosófica, é incorrecto. Contra o universalismo, há que propor diálogos interculturais sobre preocupações isomórficas. Contra o relativismo, há que desenvolver critérios políticos para distinguir política progressista de política conservadora, capacitação de desarme, emancipação de regulação (SANTOS, 1997, p. 113-114).
Percebe-se, então, através do que foi explanado aqui, que tanto o
universalismo quanto o relativismo cultural são problemáticos em suas
percepções sobre os direitos humanos, devendo haver a superação deste
debate, transformando os direitos humanos em direitos multiculturais. Para esta
transformação, é necessário que ocorra, como defende Santos, um diálogo
intercultural. A concepção multicultural dos direitos humanos se concretizaria a
partir da hermenêutica diatópica, que ocorre através deste diálogo.
Outro ponto que deve ser conquistado para que ocorra a transformação
dos direitos humanos em direitos emancipadores é o alcance da percepção, por
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todos os povos, como já dito anteriormente, de que suas culturas são
incompletas nas suas concepções de dignidade humana. De acordo com o
entendimento de Santos:
(...) A incompletude provém da própria existência de uma pluralidade de culturas, pois, se cada cultura fosse tão completa como se julga, existiria apenas uma só cultura. A idéia de completude está na origem de um excesso de sentido de que parecem enfermar todas as culturas, e é por isso que a incompletude é mais facilmente perceptível do exterior, a partir da perspectiva de outra cultura. Aumentar a consciência de incompletude cultural até ao seu máximo possível é uma das tarefas cruciais para a construção de uma concepção multicultural de direitos humanos (SANTOS, 1997, p. 114).
Com a percepção da incompletude de todas as culturas, percebe-se que
não deve prevalecer nem a visão ocidental, nem a oriental de direitos
fundamentais, e sim o entendimento que nenhum dos extremos deve ser
utilizado ao se adotar uma política de direitos humanos. Desta forma, nem o
individualismo ocidental, nem o comunitarismo mulçumano e asiático poderiam
ser adotados em sua integridade na construção de direitos humanos
multiculturais, mas sim o diálogo entre estas diferentes culturas. Denfendendo
esta ideia, Bittar dispõe que:
Não se trata de uma terceira via em políticas internacionais, mas de se perceber que nenhum dos extremos na concepção da política permitirá a agregação dos valores da comunidade internacional e muito menos a integração das concepções de direitos humanos. Trata-se também de se perceber que a questão dos direitos humanos não é um legado ocidental a ser imposto a povos orientais e muito menos um legado do Norte a ser imposto ao Sul. Com clareza é que se pode dizer que nem o extremismo individualista europeu e americano, nem o extremismo fundamentalista muçulmano e asiático colaboram com uma visão de mundo que não dê origem a maiores desentendimentos étnicos, religiosos, políticos, sociais e econômicos (BITTAR, s/d, p. 18-19).
Outra forma de transformar os direitos humanos em direitos multiculturais,
é entendermos que existem, entre as variadas culturas, diferentes formas de se
alcançar a proteção dos seres humanos, algumas sendo mais amplas e abertas
do que outras. Como exemplo disso, na cultura ocidental temos as concepções
liberais e marxistas de direitos humanos, na qual a concepção que tiver o círculo
de reciprocidade mais amplo é a que deve ser escolhida para se iniciar os
diálogos multiculturais de direitos humanos com as outras culturas. Segundo
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esta ideia, deve ser adotada a versão, dentre as diferentes versões de uma dada
cultura, que abranja o maior reconhecimento do outro.
(...) das diferentes versões de uma dada cultura, deve ser escolhida aquela que representa o círculo mais amplo de reciprocidade dentro dessa cultura, a versão que vai mais longe no reconhecimento do outro. (...) O mesmo procedimento deve ser adoptado na cultura ocidental. Das duas versões de direitos humanos existentes na nossa cultura — a liberal e a marxista — a marxista deve ser adoptada, pois amplia para os domínios econômico e social a igualdade que a versão liberal apenas considera legítima no domínio político (SANTOS, 1997, p. 121-122).
Ainda, outra questão que é importante cuidarmos e respeitarmos ao
buscar uma política emancipatória dos direitos humanos para o século XXI, é a
ideia de respeito aos princípios da igualdade e da diferença. Segundo esta ideia,
Santos explica:
(...) todas as culturas tendem a distribuir as pessoas e os grupos sociais entre dois princípios competitivos de pertença hierárquica. Um —. o princípio da igualdade — opera através de hierarquias entre unidades homogêneas (a hierarquia de estratos socioeconómicos; a hierarquia cidadão/estrangeiro). O outro — o princípio da diferença — opera através da hierarquia entre identidades e diferenças consideradas únicas (a hierarquia entre etnias ou raças, entre sexos, entre religiões, entre orientações sexuais). Os dois princípios não se sobrepõem necessariamente e, por esse motivo, nem todas as igualdades são idênticas e nem todas as diferenças são desiguais (SANTOS, 1997, p. 115).
Sobre estes princípios, ambos devem ser considerados se quisermos
implementar os direitos humanos de uma forma que respeite à todos em seus
direitos de serem iguais e também de serem diferentes.
(...) uma vez que todas as culturas tendem a distribuir pessoas e grupos de acordo com dois princípios concorrentes de pertença hierárquica, e, portanto, com concepções concorrentes de igualdade e diferença, as pessoas e os grupos sociais têm o direito a ser iguais quando a diferença os inferioriza, e o direito a ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza. Este é, consabidamente, um imperativo muito difícil de atingir e de manter (SANTOS, 1997, p. 122).
O diálogo entre os povos e o multiculturalismo são dois requisitos
necessários para que a globalização supere o localismo globalizado e se
transforme em uma versão cosmopolita dos direitos humanos. Os direitos
humanos, em verdade, devem atuar em uma forma de globalização contra-
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hegêmonica, contrários aos dominadores expansionistas ocidentais que tentam
pregar suas ideologias e seus imperialismos, buscando alcançar, desta forma, a
construção da hermenêutica diatópica para a emancipação dos direitos humanos
no século XXI.
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CONCLUSÃO
A ideia de direitos humanos ganhou demasiada importância nas últimas
décadas devido a sua proposta emancipadora, que têm como finalidade a
proteção da dignidade da pessoa humana de maneira universal, ou seja,
abrangendo todos os seres humanos. Com o passar do tempo, desde o
surgimento dos direitos humanos como entendidos hoje, diferentes direitos
foram sendo criados e conquistados segundo as necessidades de cada época,
o que representaria um progresso para aqueles povos na medida em que mais
pessoas vulneráveis seriam protegidas por estes direitos. Daí decorre a grande
relevância que o tema tem tomado no cenário mundial.
Porém, estes direitos humanos reconhecidos atualmente são criações das
sociedades ocidentais. Estes direitos são o que os ocidentais entendem como
direitos fundamentais para a vida com plena dignidade. Até a ideia de dignidade
humana reconhecida atualmente é uma criação ocidental. Com o passar do
tempo, as Declarações de direitos humanos foram sendo criadas e com elas,
houve a tentativa de universalizar os direitos humanos. Como exemplo disto,
temos a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 e a Declaração de
Viena de 1993.
O que nota-se é que direitos que possuem uma raiz local ocidental,
procuram ter uma abrangência universal. Esta abrangência universal não é
verdadeira, visto que várias culturas não reconhecem os direitos positivados nas
Declarações de direitos humanos como direitos de suas culturas.
A concepção universalidade dos direitos humanos é falha e deve ser
superada. Não apenas esta concepção, mas a concepção relativista cultural
também é cheia de inconsistências, como o fato de que muitos relativistas usam
a justificativa de que algo é cultural para justificar várias violações contra os seres
humanos.
Com a superação tanto do universalismo, quanto do relativismo cultural,
deve prevalecer a concepção multicultural dos direitos humanos. Esta
concepção, segundo o entendimento de Boaventura de Souza Santos, deve ser
feita através de uma globalização cosmopolita, em que haja a aceitação por
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todas as culturas de que vivemos em um mundo multicultural. Todas as culturas
são incompletas, e com a percepção, por parte destas culturas, de suas
incompletudes, começaria um diálogo intercultural, no qual todas as culturas
tentariam alcançar um grau de consenso sobre os direitos humanos. Esta
hermenêutica diatópica, expressão usada por Boaventura de Souza Santos,
pode ser a solução para a transformação dos direitos humanos de direitos
ocidentais que visam a falsa universalidade, à direitos, de fato, multiculturais.
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