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Curitiba, 10 de junho de 2016.
Luiz Tarcísio Mossato Pinto
Presidente do Instituto Ambiental do Paraná
Rua Engenheiro Rebouças, 1206 Curitiba PR - CEP 80215-100
Fone: 3213-3700
e-mail: tarcisiomossato@iap.pr.gov.br
Assunto: A GESTÃO PÚBLICA ESTADUAL E AS AMEAÇAS PARA A CONSERVAÇÃO
DA FLORESTA OMBRÓFILA MISTA (FOM) NO PARANÁ – PROVIDÊNCIAS
EMERGENCIAIS.
Prezado Senhor,
O presente documento tem a finalidade de assinalar publicamente a preocupação com a gestão
estadual e demandar imediatas providências aos gestores dos órgãos ambientais do Governo do
Estado do Paraná em relação à conservação da Floresta Ombrófila Mista - Floresta com Araucárias e
Campos Naturais no Paraná. Essa iniciativa decorre da evidenciada desestruturação e desarticulação
das instâncias públicas responsáveis pela proteção do Patrimônio Natural do Estado, acrescida de um
conjunto de iniciativas entendidas como dissonantes da missão dessas instituições, impedindo o
atendimento mínimo às medidas emergenciais de conservação dos últimos remanescentes desses
ecossistemas no Estado do Paraná.
A Floresta com Araucárias serviu ao crescimento urbano-industrial para além da área do
ecossistema. A araucária foi a árvore mais importante da economia madeireira do Brasil desde o
princípio do século XX até a década de 1970.
1No Estado do Paraná, entre os anos de 2014 e 2015, desapareceram 1.988 hectares de
florestas. Os dados são do Atlas de Remanescentes, divulgado dia 25 de maio pela Fundação SOS
Mata Atlântica em parceria com o INPE. O levantamento considera apenas derrubadas maiores que
três hectares – assim, não enxerga o chamado desmate seletivo, em que somente as espécies mais
rentáveis são cortadas, resultando no empobrecimento da biodiversidade da área.
Estes dados per se denotam obviamente situação de extrema fragilidade ecológica e
proclama a proteção de remanescentes naturais como pauta prioritária na agenda paranaense.
Atualmente, a Mata Atlântica e a Floresta com Araucárias sobrevivem, em grande parte,
graças a esparços fragmentos de áreas naturais com menos de 50 ha (83,4% de todos os fragmentos
catalogados por Ribeiro et al), somados a alguns poucos remanescentes maiores. Ainda de acordo
com Ribeiro et al (2009), da área original da Mata Atlântica, apenas 1,62% estão protegidos em
unidades de conservação.
1
Matéria divulgada na Gazeta do Povo dia 25 de maio de 2016. “Paraná é o estado que mais derrubou Mata Atlântica nos últimos 30 anos”.
Essa realidade traz duas prioridades: zelar pela integridade desses remanescentes e pela
conectividade entre fragmentos.
Não obstante, observa-se, historicamente, uma série manipulações jurídicas-administrativas e
políticas contrárias a práticas conservacionistas, especialmente no Estado do Paraná. Mesmo com
anunciada urgência e tamanha clareza de prioridades, o Governo do Estado do Paraná paradoxalmente
abre precedentes para a continuidade da exploração de áreas naturais de Floresta com Araucária.
O Decreto Federal da Mata Atlântica de 1993, proibindo o corte em todo o bioma da Mata
Atlântica, foi ignorado no Paraná pela pressão de madeireiros, sendo que licenças de corte foram
emitidas até 2006 dentro do conceito de planos de manejo convencionais, cessando-os apenas com a
promulgação da Lei da Mata Atlântica.
Mais recentemente, ao mesmo tempo em que lançava o Programa Bioclima Paraná, com uma
perspectiva compromissada de implantação de uma estratégia de conservação da biodiversidade em
todo o território paranaense, o Governo apoiou integralmente a mudança do Código Florestal Federal
e aprovou uma regulamentação da Lei abrindo brechas para supressão de outras áreas naturais.
Não houve abertura para discussões e aprimoramentos da Lei Estadual e sua regulamentação
e, em contramão às expectativas assumidas em relação ao Programa Bioclima, nenhuma ação
proposta e assumida formalmente pelo Governo foi até aqui implementada.
O Instituto Ambiental do Paraná (IAP), que há 24 nos não abre concurso para novos
funcionários, já teve mais de 1300 colaboradores, hoje padece com um corpo de menos de 400
funcionários, boa parte em vias de aposentadoria. Desde o início da atual gestão do Governo do
Estado (2010), o convencional convênio entre o IAP e o BPAmb (Batalhão de Polícia Ambiental-
Força Verde - Polícia Militar do Paraná) não foi mais estabelecido. A decisão pressupôs que
"fiscalizar não é mais uma prática adequada”, um discurso recorrente nos palanques de parte das
lideranças do atual governo. Tal atitude estabelece uma condição de fragilidade extrema e não
justificável em relação a responsabilidade do Governo do Estado do Paraná no que se refere a
proteção do patrimônio natural.
Nas últimas semanas, o IAP sustenta juridicamente que o regramento legal de âmbito federal
que estabelece as listas oficiais de espécies ameaçadas do Brasil não é válido no Estado do Paraná,
refutando a imunidade de corte de espécies da floresta com araucárias e outros ecossistemas naturais
paranaenses. O chamado “Projeto Imbituvão”, com aval do IAP, realiza experimentos científicos de
“manejo florestal sustentável” na região Centro-Sul do Estado, cujas premissas e objetivos não estão
claras para a sociedade civil e comunidade científica, sendo que o corte de araucárias em áreas
naturais remanescentes, no mínimo se apresenta como uma conduta duvidosa que deve ser analisada
à luz do arcabouço legal.
Ainda sobre o IAP: em 2014 foi autorizado o corte de uma área de 693 ha em estágio médio
de regeneração de vegetação, cujo volume de madeira chegava a 50 mil metros cúbicos e mais 13
mil m³ de lenha. Neste mesmo ano, o IAP autorizou o corte de volume de 115.570 m³ de araucária.
Há licenças do IAP para corte de essências nativas plantadas, em 2014, cujo volume de toras liberadas
é de 93.900 m³ aproximadamente, extraída de uma área de 548 ha (171 m³/ha). No ano de 2015 o IAP
autorizou o corte do volume de 89.644 m³ de toras de araucária e mais 36.324 m³ de toras de outras
espécies nativas. Ademais, uma enorme quantidade de “material lenhoso” foi retirado com aval do
IAP. Decorrente desse amplo conjunto de procedimentos, um grande número de denúncias de
licenciamentos supostamente irregulares estão sendo foco investigação de parte da Delegacia
Estadual do Meio Ambiente.
Destaca-se atuais tratativas do Conselho Estadual de Meio Ambiente – CEMA sobre a minuta
de resolução que estabelece regras de incentivo ao plantio florestal para a utilização sustentável da
Araucaria angustifolia plantada, em sua minuta atual, não restringe o plantio de araucárias à áreas já
degradadas ou adequadas ao reflorestamento e interpretamos isso como uma ameaça latente.
Portanto, nossa preocupação transcende os âmbitos técnico e legislativo: as esferas política e
econômica e ingerências de viés setorial têm determinado a tomada de decisão dos órgãos ambientais,
no caso na figura do Instituto Ambiental do Paraná (IAP). Embora tecnicamente estejam disponíveis
boas ferramentas metodológicas conservacionistas não são observadas providências adequadas nessa
direção.
Ao invés disso, nota-se arranjos legais que permitem o avanço da degradação de áreas
naturais. Esse documento representa, portanto, uma tentativa de ajustes de engrenagens; um alerta
para que a gestão estadual do Paraná considere o conhecimento técnico-científico e adote
imediatamente uma conduta prudente - da capacidade de tomar decisões baseadas na racionalidade e
no princípio da precaução.
Ressaltamos as seguintes demandas que no nosso entendimento necessitam de um
posicionamento imediato das instâncias executivas do poder público estadual:
1. As áreas nativas remanescentes de Floresta com Araucárias - incluindo as em estágio inicial
e médio - devem ser manejadas buscando necessariamente a restauração ecológica, a proteção da
biodiversidade e integridade ecossistêmica;
2. A aplicação de mecanismos de pagamento por serviços ambientais e ecossistêmicos
(PSA/PSE), já anunciadas como uma ação assumida pelo Governo do Estado, deve ser utilizada, em
escala suficiente e com garantias de longo prazo, para estimular a execução de ações de conservação
de remanescentes naturais privados;
3. É necessário estabelecer uma rediscussão dos termos do Código Florestal do Paraná e de
sua regulamentação, de forma a transformar a compensação de Reserva Legal em um instrumento de
PSA em grande escala;
4. Volta imediata do convênio com BPAmb/IAP e uma retomada às ações rotineiras e
criticamente necessárias de combate à caça, ao extrativimo, ao desmatamento e a outras ações de
degradação generalizada dos ambientes naturais no Estado do Paraná, em especial a Floresta com
Araucárias e os Campos Naturais associados. Novos contingentes para os órgãos ambientais, já
anteriormente compromissados, devem ser efetivados;
5. Os esforços dos órgãos ambientais do Estado do Paraná devem estar voltados para ações
condizentes com diretrizes de conservação de Patrimônio Natural e que as seguidas iniciativas de
licenciamento de corte de espécies arbóreas nativas, notadamente na Floresta com Araucária, sejam
imediatamente cessadas;
6. Apuração e, em caso de comprovação, aplicação das prerrogativas legais em relação à
práticas ilegais de servidores, gestores e representantes de cargos públicos envolvidos em
irregularidades e abuso de poder.
Pela gravidade do acima exposto, esperamos receber um posicionamento formal e em curto
prazo em nome das instituições que representam a área de meio ambiente do Governo do Estado em
relação às providências acima expostas.
Respeitosamente,
Elenise Angelotti Bastos Sipinski
CPF: 722.516.209-82
Victorio Viezzer, 651 - Vista Alegre
CEP: 80810-340, Curitiba - PR
Assinam conjuntamente esse documento:
Instituições
REDE NACIONAL PRO UNIDADES DE CONSERVAÇÃO
RESERVA DA BIOSFERA DA MATA ATLÂNTICA
FUNDAÇÃO SOS-MATA ATLÂNTICA
INSTITUTO MATER NATURA
SOCIEDADE DE PESQUISA EM VIDA SELVAGEM E EDUCAÇÃO AMBIENTAL (SPVS)
BRAZIL FOUNDATION
INSTITUTO RÃ BUGIO
INSTITUTO HOMEM PANTANEIRO
ASSOCIAÇÃO MAR BRASIL
TERRA BRASILIS
ASSOCIAÇÃO DE PROPRIETÁRIOS DE ÁREAS VERDES (APAVE)
SINDIVET - PR
INSTITUTO DE PESQUISAS CANANÉIA (IPEC)
SOCIEDADE CHAUÁ
NATURAL PARTNERS
INSTITUTO AUGUSTO CARNEIRO
AMBRA - ASSOCIAÇÃO DE MORADORES DA BACIA DO RIO DAS ANTAS
ARECI - ASSOCIAÇÃO REGIONAL DE ENGENHEIROS CIVIS DE IRATI
FUNDAÇÃO NEOTRÓPICA DO BRASIL
STCP
GAMBÁ
OBSERVATÓRIO DE CONSERVAÇÃO COSTEIRA (OC2)
INSTITUTO ESPAÇO SILVESTRE
ESCOLA DE CRIATIVIDADE
ASSOCIAÇÃO DOS AMIGOS DO MEIO AMBIENTE
QUITUTES BUENA VIBRA
HESSEX ALONE
GIG 44
PROJETO TAMAR / FUNDAÇÃO PRÓ-TAMAR
GRUPO UNIVERSITÁRIO DE PESQUISAS ESPELEOLÓGICAS (GUPE - UEPG)
ASSOCIAÇÃO DE PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE E DA VIDA (APREMAVI)
Pessoas Físicas
Íris Bigarella
Fabio Feldmann
José Carlos Carvalho
José Pedro de Oliveira Costa
Ricardo Miranda de Britez
Ricardo Ribeiro Rodrigues - ESALQ/USP
Peter Crawshaw Jr
Miguel Serediuk Milano - Permian
Fabio Olmos - Permian
Joésio Siqueira - STCP
José Truda Palazzo Jr. – Instituto Augusto Carneiro
João de Deus Medeiros - UFSC
Rafael Loyola - Universidade Federal de Goiás
André Virmond Lima Bittencourt - UFPr
Teresa Bracher – Instituto Acaia
José Milton Andriguetto Filho, UFPr
João de Deus Medeiros - RMA
Márcia Marques - UFPr
Marcia Hirota - SOS Mata Atlântica
Mario Mantovani - SOS Mata Atlântica
José Alvaro da Silva Carneiro
Cezar Amin Pasqualin - Presidente do SINDIVET – PR
Eduardo Vedor de Paula - UFPr
Manuela Maluf Santos – FGV – GVCes
Clayton Lino - RBMA
Celso Carneiro
Sônia Rigueira – Terra Brasilis
Pablo Hoffman – Sociedade Chauá
Renato Cunha - Gambá
Júnior Garcia - UFPr
Eloy F. Casagrande Jr - Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR)
Luppe Ale
Gunther Furtado
Gláucia Seixas – Fundação Neotrópica do Brasil
João Guimarães – FFI
James Allen – FFI
Fabiana Orreda
Dagoberto Waydzik - ARECI
Mônica de Roure – Brazil Foundation
Angelo Rabelo, Instituto Homem Pantaneiro
Germano Woehl Jr – Instituto Rã Bugio
Elza Nishimura Woehl – Instituto Rã Bugio
Robson Odeli Espíndola Hack – Institutos Lactec
Pedro Scherer – MHNCI
William Dent – Natural Partners
Bianca Ingberman – IPEC
Roberto Fusco – IPEC
Paulo Pizzi – Mater Natura
Dailey Fischer – Mater Natura
Angela Kuczach – REDE Pró-UCS
Maurício Savi - SMMA
Renato Rizzaro – RPPN Rio das Furnas
Gabriela Giovanka – RPPN Rio das Furnas
Jean Sigel – Escola de Criatividade
Luciane Akemi – Tao Way
Jaime Martinez – Projeto Charão/AMA
Juliano Dobis – Mar Brasil
Tamara van Kaick – UTFPr
Celso Seger – ADEA
Mário Orsi - UEL
Sérgio Augusto Machado – Fundação Praia Vermelha
Vanessa Kanaan – Instituto Espaço Silvestre
Angelo Guimarães Simão – Associação dos Proprietários de Áreas Verdes (APAVE)
Terezinha Vareschi - Associação dos Proprietários de Áreas Verdes (APAVE)
Júlio Cézar Siqueira - Fazenda Ribeirão das Pedras - Bocaiúva do Sul
Mauricio Dziedzic – Universidade Positivo
Caio Afonso Kim - Banda Hessex Alone e GIG 44
Bianca De Gennaro Blanco - Quitutes Buena Vibra
Ricardo Aguiar Borges - UFPr
Alessandra Xavier de Oliveira - SPVS
Clóvis Ricardo Schrappe Borges - SPVS
Marcelo Bosco Pinto - SPVS
Felipe do Vale - SPVS
Luiz Eduardo Adriano Eiffer - SPVS
Solange Regina Latenek - SPVS
Fernando Esteban Monteiro de Oliveira - SPVS
Rômulo Cícero da Silvia - SPVS
Mônica Rosa Aguiar Borges - SPVS
Eliane Paula Santana - SPVS
Elenise Bastos Sipinski - SPVS
André Zecchin - SPVS
Josué de Oliveira Ribas - Sítio Conquista - Palmeira
Pedro Opuchkevich Júnior - Sítio São José - Prudentópolis
Cosme Pereira dos Santos - Fazenda do Salto - Castro
Fabiano Rosas Rocha - Ponta Grossa - Fazenda Santa Mônica e Fazenda Santa Luzia
Jane Brocco Budny - Sítio Paiol e Sítio Rio da Bomba - Cerro Azul
Ricardo Paulo Mandelli - Fazenda Conquista - Palmeira
Luiz Augusto Macedo Mestre - Fazenda Arapongas - Lapa
Aristides Tadeu Gianello - RPPN Uru - Lapa
Arildo Dirceu Cordeiro - Cerro Das Flores - Bocaiúva do Sul
Roger Hilbert Loose - Fazenda Salto Cotia - Ponta Grossa
Daniela Aguiar Borges - Textilaria
Rui Rocha -Instituto Floresta Viva Sul da Bahia
Carlos Manoel Amaral Soares
Professor Mário Sérgio de Melo - Universidade Estadual de Ponta Grossa
Prof. Dr. Isonel Sandino Meneguzzo - Universidade Estadual de Ponta Grossa
Bárbara Cristina Leite - Turismóloga
Marta Regina Barrotto do Carmo - Departamento de Biologia Geral - Universidade Estadual de Ponta
Grossa
Laís Luana Massuqueto - Grupo Universitário de Pesquisas Espeleológicas - GUPE.
Jaqueline Correa Farias – Bióloga
Maria Ligia Cassol-Pinto - Departamento de Geociências- UEPG -Laboratório de Geografia Física-
LaGeF
Jasmine Cardozo Moreira - Coordenadora do Laboratório de Turismo em Áreas Naturais da UEPG
Rosemeri Segecin Moro – Departamento de Biologia – UEPG
Tiaro Katu Pereira – Biólogo
Emerson Antonio de Oliveira - Observatório de Conservação Costeira
Prof. Dr. Isonel Sandino Meneguzzo -Universidade Estadual de Ponta Grossa Departamento de
Geociências
Professor Mário Sérgio de Melo - UEPG
Prof. Gilson Burigo - UEPG
Henrique Simão Pontes - Grupo Universitário de Pesquisas Espeleológicas (GUPE)
Átila Cristian Santana - UEPG
Olavo Martins Ayres - UEPG
Leandro Baptista - Universidade Estadual do Centro Oeste.
Lia Maris Orth Ritter Antiqueira - Universidade Tecnológica Federal do Paraná
Elisana Milan, Doutoranda em Geografia - Universidade Estadual de Ponta Grossa
Dra. Carla Suertegaray Fontana - pesquisador da PUCRS e membro da Igré-Associação Sócio
Ambientalista
MÁRCIO REPENNING, biólogo -PPG Zoologia, Museu de Ciências e Tecnologia da PUCRS
Ana Cláudia Folmann - Assessora na Fundação Municipal de Turismo de Ponta Grossa e doutoranda
em Geografia - UEPG
Solange Burgardt - Laboratório de Turismo da UEPG
Milton Pukall
Ameaças à Floresta com Araucárias no Estado do Paraná:
considerações sobre os atuais direcionamentos da gestão ambiental
estadual
Curitiba, junho de 2016
1. Introdução
O presente documento tem a finalidade de apresentar informações acerca do status de
conservação da Floresta com Araucárias no Estado do Paraná sob uma análise da conduta da gestão
ambiental estadual. Essa iniciativa decorre da evidenciada desestruturação e desarticulação das
instâncias públicas responsáveis pela proteção do Patrimônio Natural do Estado, acrescida de um
conjunto de iniciativas entendidas como dissonantes da missão dessas instituições, impedindo o
atendimento mínimo às medidas emergenciais de conservação dos últimos remanescentes dos
ecossistemas naturais do Estado do Paraná.
1.1. Histórico
A imponente Floresta com Araucárias - ou Floresta Ombrófila Mista, de acordo com a
terminologia do Instituto Brasileiro de Geografia (IBGE), é pertencente ao bioma da Mata Atlântica
brasileira. A Floresta com Araucárias ocupava até o século XIX cerca de 200.000 km², na maior parte
dos planaltos dos três estados sul-brasileiros marcado distintivamente das demais regiões florestais
do país pela presença da Araucaria angustifolia, uma das duas únicas espécies nativas de coníferas
do Brasil. Uma árvore com uma beleza característica, que impressiona e impressionou vários
naturalistas estrangeiros. Além da araucária, a imbuia Ocotea porosa, a canela lageana Ocotea
pulchella, a erva-mate Ilex paraguariensis, o butiá Butia eriospatha, a bracatinga Mimosa scabrella,
o xaxim Dicksonia sellowiana e tantas outras contribuem para a caracterização desse ecossistema
(CARVALHO, 2010).
A devastação da Floresta com Araucárias se deu principalmente entre 1870 e 1970,
determinantemente por ação da 2 indústria madeireira, além de outros contribuintes, como as
atividades agropecuárias e o uso da lenha. A Floresta com Araucárias serviu ao crescimento urbano-
industrial para além da área do ecossistema. A araucária foi a árvore mais importante da economia
madeireira do Brasil desde o princípio do século XX até a década de 1970, quando as florestas nativas
foram praticamente esgotadas e houve o início dos plantios sistemáticos de essências não nativas,
especialmente do gênero Pinus. Como consequência, parte da indústria madeireira sulina migrou para
a região amazônica.
Inegavelmente, estudar o processo histórico de uma dada região é estudar um processo de
desmate de amplas coberturas vegetais. O progresso e avanço científico promovidos pela sociedade
humana hegemônica nos últimos 10.000 anos se deu em paralelo e, em grande medida, às custas de
uma tremenda transformação dos ambientes naturais. Hoje, o conhecimento científico denuncia tais
transformações enquanto mudanças ambientais positivas já podem ser elencadas e conectadas a
progressos tecnológicos, como a diminuição da poluição do ar em grandes cidades européias e dos
EUA, em comparação com o início do século XX; a recuperação recente da camada de ozônio pela
diminuição no uso de CFCs; ou aumento da cobertura florestal na Europa e nos EUA desde o início
do século XX (CARVALHO, 2010).
2 Destaca-se a importância da empresa estadunidense Southern Brazil Lumber and Colonization, conhecida também como Lumber. A
Lumber era uma empresa subsidiária da Brazil Railway, foi a maior madeireira da América do Sul, contou com tecnologia de ponta
para os padrões da época e teve papel destacado na venda de madeira de araucária para a Argentina, Uruguai, São Paulo e Rio de
Janeiro. Nesse sentido a Lumber e outras centenas de serrarias menores colaboraram para a grande expansão de metrópoles como
Buenos Aires, Montevideu, São Paulo e Rio de Janeiro ao longo do século XX (CARVALHO, 2010).
1.2. Situação atual
Muito embora o último grande ciclo econômico que consta nas referências tenha sido no
século passado, o desmatamento não cessou e continua a descaracterizar as florestas. Em termos de
Mata Atlântica, a Fundação SOS Mata Atlântica e o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais)
esforçam-se para monitorar os avanços do desmatamento ano a ano e divulgar os dados em um 3atlas.
Os procedimentos metodológicos adotados na extração de informações dessas imagens são
exatamente os mesmos anualmente de forma a garantir a comparação entre os resultados e sua
consistência.
4No Estado do Paraná, entre os anos de 2014 e 2015, desapareceram 1.988 hectares de
florestas. Os dados são do Atlas de Remanescentes, divulgado dia 25 de maio pela Fundação SOS
Mata Atlântica em parceria com o INPE. O levantamento considera apenas derrubadas maiores que
3 hectares – assim, não enxerga o chamado desmate seletivo, em que somente as espécies mais
rentáveis são cortadas, resultando no empobrecimento da biodiversidade da área.
Atualmente, a Mata Atlântica e a Floresta com Araucárias sobrevivem graças a esparços
fragmentos de áreas naturais com menos de 50 ha (83,4% de todos os fragmentos catalogados por
Ribeiro et al), somados a alguns poucos remanescentes maiores (RIBEIRO, 2009). Ainda de acordo
com Ribeiro et al (2009), da área original da Mata Atlântica, apenas 1,62% estão protegidos em
unidades de conservação.
Na Floresta com Araucárias, 164.651 ha estão protegidos por unidades de conservação, o que
corresponde a 0,65% da área original do ecossistema (nos três estados sul brasileiros). No Estado do
Paraná, maior detentor original dessa floresta, restam menos de 0,8% de remanescentes naturais em
estágio avançado de regeneração, boa parte disso ainda não contemplado por unidades de
conservação.
Castella e Britez (2001), no âmbito do projeto de Conservação e Uso Sustentável da
Biodiversidade Brasileira (FUPEF/PROBIO), chegaram a conclusões alarmantes sobre sua situação
em relação a conservação da biodiversidade da região (Figura 01). Cita-se, por exemplo, a extinção
das florestas originais no ecótono com a Floresta Estacional Semidecidual, das regiões Norte e Oeste
do Paraná, que se caracterizava pela mescla destas duas formações em solos mais férteis, com árvores
que atingiam cerca de 40 a 50 metros de altura.
3 Além de relatórios e análises técnicas.
4 Matéria divulgada na Gazeta do Povo dia 25 de maio de 2016. “Paraná é o estado que mais derrubou Mata Atlântica nos últimos 30 anos”.
Infelizmente as gerações atuais não têm mais a oportunidade de conhecer esse ecótono
original por simplesmente ter desaparecido. Soma-se a isto a extinção absoluta das florestas
primárias. Segundo estes dados, a Floresta com Araucárias é considerada uma das ecorregiões mais
degradadas da América Latina (BRITEZ, 2007). Essa realidade traz duas prioridades: zelar pela
integridade dos poucos remanescentes e pela conectividade entre os principais fragmentos.
2. Discussão
Além do contexto histórico, observa-se uma série manipulações jurídicas-administrativas e
políticas contrárias a práticas conservacionistas, especialmente no Estado do Paraná. Mesmo com
anunciada urgência e tamanha clareza de prioridades, o Governo do Estado do Paraná, paradoxalmente, seguidamente abre precedentes para a continuidade da exploração de áreas naturais
de Floresta com Araucária.
O Decreto Federal da Mata Atlântica de 1993, proibindo o corte em todo o bioma da Mata
Atlântica, foi ignorado no Paraná pela pressão de madeireiros, sendo que licenças de corte foram
emitidas até 2006 dentro do conceito de planos de manejo convencionais, cessando-os apenas com a
promulgação da Lei da Mata Atlântica.
Mais recentemente, ao mesmo tempo em que lançava o Programa Bioclima Paraná, com uma
perspectiva compromissada de implantação de uma estratégia de conservação da biodiversidade em
Figura 01. Remanescentes da Floresta com Araucárias, segundo Castella e Britez (2001).
todo o território paranaense, o Governo apoiou integralmente a mudança do Código Florestal Federal
e aprovou uma regulamentação da Lei abrindo brechas para supressão de outras áreas naturais.
Não houve abertura para discussões e aprimoramentos da Lei Estadual e, em contramão às
expectativas assumidas em relação ao Programa Bioclima, nenhuma ação proposta e assumida
formalmente pelo Governo foi até aqui implementada.
O Instituto Ambiental do Paraná (IAP), que há 24 nos não abre concurso para novos
funcionários, já teve mais de 1300 colaboradores, hoje padece com um corpo de menos de 400
funcionários, boa parte em vias de aposentadoria. Desde o início da atual gestão do Governo do
Estado (2010), o convencional convênio entre o IAP e o BPAmb (Batalhão de Polícia Ambiental-
Força Verde - Polícia Militar do Paraná) não foi mais estabelecido. A decisão pressupôs que
"fiscalizar não é mais uma prática adequada”, um discurso recorrente nos palanques de parte das
lideranças do atual governo. Tal atitude estabelece uma condição de fragilidade extrema e não
justificável em relação a responsabilidade do Governo do Estado do Paraná no que se refere a
proteção do patrimônio natural.
Nas últimas semanas, o IAP sustenta juridicamente que o regramento legal de âmbito federal
que estabelece as listas oficiais de espécies ameaçadas do Brasil não é válido no Estado do Paraná,
refutando a imunidade de corte de espécies da floresta com araucárias e outros ecossistemas naturais
paranaenses. O chamado “Projeto Imbituvão”, com aval do IAP, realiza experimentos científicos de
“manejo florestal sustentável” na região centro-sul do estado, cujas premissas e objetivos não estão
claras para a sociedade civil e comunidade científica, sendo que o corte de araucárias em áreas
naturais remanescentes, no mínimo se apresenta como uma conduta duvidosa que deve ser analisada
à luz do arcabouço legal.
Ainda sobre o IAP: em 2014 foi autorizado o corte de uma área de 693 ha em estágio médio
de regeneração de vegetação, cujo volume de madeira chegava a 50 mil metros cúbicos e mais 13
mil m³ de lenha. Neste mesmo ano, o IAP autorizou o corte de volume de 115.570 m³ de araucária.
Há licenças do IAP para corte de essências nativas plantadas, em 2014, cujo volume de toras liberadas
é de 93.900 m³ aproximadamente, extraída de uma área de 548 ha (171 m³/ha). No ano de 2015 o
IAP autorizou o corte do volume de 89.644 m³ de toras de araucária e mais 36.324 m³ de toras de
outras espécies nativas. Ademais, uma enorme quantidade de “material lenhoso” foi retirado com
aval do IAP. Decorrente desse amplo conjunto de procedimentos, um grande número de denúncias
de licenciamentos supostamente irregulares está sendo foco investigação de parte da Delegacia
Estadual do Meio Ambiente.
Destaca-se atuais tratativas do Conselho Estadual de Meio Ambiente – CEMA sobre
resolução que estabelece regras de incentivo ao plantio florestal para a utilização sustentável da
Araucaria angustifolia plantada, não restringindo o plantio de araucárias à áreas já degradadas ou
adequadas ao reflorestamento e interpretamos isso como uma ameaça latente.
Portanto, nossa preocupação transcende os âmbitos técnico e legislativo para as esferas
política e econômica, supondo-se de haver ingerências de viés setorial, determinado a tomada de
decisão dos órgãos ambientais, no caso especificamente ao IAP. Embora tecnicamente estejam
disponíveis ferramentas metodológicas conservacionistas não são observadas providências
adequadas nessa direção. Ao invés disso, nota-se arranjos legais que permitem o avanço da
degradação de áreas naturais.
O presente documento representa, portanto, uma tentativa de ajustes de engrenagens; um
alerta para que a gestão estadual do Paraná considere o conhecimento técnico-científico, inclusive do
corpo técnico do IAP, e adote imediatamente uma conduta prudente - da capacidade de tomar decisões
baseadas na racionalidade e no princípio da precaução.
2.3. Providências emergenciais demandadas:
Ressaltamos as seguintes demandas que necessitam de um posicionamento imediato das
instâncias executivas do poder público estadual:
1. As áreas nativas remanescentes de Floresta com Araucárias - incluindo as em estágio inicial
e médio - devem ser manejadas buscando necessariamente a restauração ecológica, a proteção da
biodiversidade e integridade ecossistêmica;
2. A aplicação de mecanismos de pagamento por serviços ambientais e ecossistêmicos
(PSA/PSE), já anunciadas como uma ação assumida pelo Governo do Estado, deve ser utilizada, em
escala suficiente e com garantias de longo prazo, para estimular a execução de ações de conservação
de remanescentes naturais privados;
3. É necessário estabelecer uma rediscussão dos termos do Código Florestal do Paraná e de
sua regulamentação, de forma a transformar a compensação de Reserva Legal em um instrumento de
PSA em grande escala;
4. Volta imediata do convênio com BPAmb/IAP e uma retomada às ações rotineiras e
criticamente necessárias de combate à caça, ao extrativimo, ao desmatamento e a outras ações de
degradação generalizada dos ambientes naturais no Estado do Paraná, em especial a Floresta com
Araucárias e os Campos Naturais associados. Novos contingentes para os órgãos ambientais, já
anteriormente compromissados, devem ser efetivados;
5. Os esforços dos órgãos ambientais do Estado do Paraná devem estar voltados para ações
condizentes com diretrizes de conservação de Patrimônio Natural e que as seguidas iniciativas de
licenciamento de corte de espécies arbóreas nativas, notadamente na Floresta com Araucária, sejam
imediatamente cessadas;
6. Apuração e, em caso de comprovação, aplicação das prerrogativas legais em relação à
práticas ilegais de servidores, gestores e representantes de cargos públicos envolvidos em
irregularidades e abuso de poder.
3. Conclusões
Diante do exposto, evidencia-se a prioridade absoluta no pronto estabelecimento de ações que
redirecionem os órgãos ambientais para sua função primeira: zelar pelo patrimônio natural
paranaense.
Entendemos que, nas atuais condições, não há estrutura física e de pessoal para
implementação e, principalmente, fiscalização e monitoramento das ações previstas na Resolução do
CEMA e em outras propostas dúbias de incentivo à exploração em curso.
O Estado do Paraná, através da Secretaria de Meio Ambiente e sua autarquia vinculada (IAP)
devem empreender esforços para fazer cumprir a legislação existente, especialmente em termos de
implementação e ampliação de suas Unidades de Conservação públicas, priorizando a aplicação de
recursos para fomentar a ampliação das Reservas Particulares do Patrimônio Natural, para a efetiva
implementação e cadastramento das propriedades rurais privadas no Cadastro Ambiental Rural
(CAR) e implementação imediata dos respectivos Planos de Recuperação Ambiental previstos pelo
CAR.
Por fim, é prioritário fortalecer e estruturar o quadro e infraestrutura do IAP para
aprimoramento e intensificação das ações de fiscalização ambiental, visando coibir os ilícitos contra
a flora e fauna no Estado, iniciando-se pela imediata celebração de novo convênio com a Polícia
Militar Ambiental também é ação que deve ser implementada de imediato, com inclusão na lei
orçamentária estadual para realização de concurso público ainda em 2016.
4. Referências Bibliográficas
BRITEZ, 2007. Britez, Ricardo Miranda de. Aspectos ambientais a serem considerados na
restauração da Floresta com Araucária no Estado do Paraná. Pesquisa Florestal Brasileira (PFB):
Brazilian Journal of Forestry Research, n.55 (2007).
CARVALHO, 2010. Carvalho, Miguel Mundstock Xavier de. UMA GRADE EMPRESA EM MEIO
À FLORESTA: A HISTÓRIA DA DEVASTAÇÃO DA FLORESTA COM ARAUCÁRIA E A
SOUTHER BRAZIL LUMBER AD COLOIZATIO (1870-1970). Tese submetida ao Programa de
PósGraduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito parcial para a
obtenção do Título de Doutor em História. Florianópolis, 2010.
RIBEIRO, Milton Cezar et al. The Brazilian Atlantic Forest: How much is left, and how is the re-
maining forest distributed? Implications for conservation. Biological Conservation. n.142, 2009.
SOS MATA ATLÂNTICA, 2014: Atlas da Mata Atlântica > Dados mais recentes. Disponível em:
https://www.sosma.org.br/projeto/atlas-da-mata-atlantica/dados-mais-recentes/. último acesso em 23 de
maio de 2016.