Post on 03-Feb-2016
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Ensino médio Dissertação
Cracolândia: os meios justificam o fim?De acordo com a lei, a internação involuntária de uma
pessoa portadora de transtorno mental é aquela que se dá
sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro —
habitualmente os familiares, mas é possível que o pedido
venha de outras fontes — e deverá, no prazo de setenta e
duas horas, ser comunicada ao Ministério Público Estadual.
A decisão da Polícia Militar e do governo paulista de acabar
com a “cracolândia”, no centro de São Paulo, abriu a discus-
são sobre esse procedimento polêmico, que suscita uma série de questões éticas devido à privação de
liberdade do paciente. Para adquirir argumentos e escrever sobre o tema, leia os textos que seguem.
Texto 1
Operação policial na cracolândia começou “pelo lado contrário”
“Operação desastrosa” foi a avaliação mais recorrente durante um debate nesta quarta-feira (11) para
definir a ação policial na região da Luz, no centro da capital paulista, taxada de “cracolândia” por concentrar
usuários da droga. A discussão foi promovida na Câmara Municipal de São Paulo. A ação integrada entre
o governo estadual e a prefeitura na região, promovida desde a semana passada, foi criticada por parla-
mentares, juízes e representantes de entidades de defesa de direitos da população em situação de rua.
O motivo de tamanha desaprovação é a percepção de que o caminho escolhido foi o da truculência
na abordagem policial. [...] “Seria o mesmo que acabar com o alcoolismo prendendo todo mundo que
bebe”, resumiu o padre Júlio Lancelotti, da Pastoral do Povo de Rua, que diz ter sido ameaçado por um
policial com uma arma, enquanto tentava proteger os usuários de excessos praticados por agentes de
segurança pública. “Estamos entrando numa política de extermínio. O estado não pode adotar uma
postura criminosa”, disse. [...]
www.redebrasilatual.com.br/temas/cidadania/2012/01/operacao-policial-na-cracolandia-comecou-pelo-lado-contrario
Texto 2
Ministério Público investigará operação na cracolândia
O Ministério Público de São Paulo abriu inquérito para investigar a chamada Operação Centro Legal,
realizada desde o último dia 3 pela Polícia Militar na região da cracolândia, no centro de São Paulo. Se-
gundo o MP, serão apurados “episódios de violência e truculência” e “os fundamentos terapêuticos de
dor e sofrimentos” empregados para submeter os usuários de crack a tratamento. “Então é assim que o
Estado trata seus cidadãos doentes. A dependência química é questão de saúde, o tráfico de drogas que
é caso de polícia”, explicou o promotor Eduardo Valério, da Promotoria de Direitos Humanos. Também
CRACOLÂNDIAÉ exemplo do descaso
na saúde públicado Brasil
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participam na investigação as promotorias da Infância e da Juventude e de Habitação e Urbanismo. [...]
Para o MP, a maneira como a operação está sendo realizada trata o problema da dependência química
como caso de polícia, além de “instaurar um clima de repressão, violência, medo e desolação”. [...]
http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/ministerio-publico-investigara-operacao-na-cracolandia
Texto 3
90% apoiam internação involuntária de viciados
Para 9 em cada 10 brasileiros, um adulto dependente de crack deve ser internado mesmo contra a
vontade. Homens e mulheres, de todas as idades, têm praticamente a mesma opinião, mostra pesquisa
nacional do Datafolha feita na semana passada.
O tema é polêmico desde o lançamento do plano federal de combate ao crack, em dezembro, e o
início da ação policial na cracolândia paulistana.
A pesquisa mostra que 2% dos brasileiros com mais de 16 anos (cerca de 3 milhões de pessoas) dizem
já ter experimentado a droga. É mais que o dobro da estimativa de usuários no país.
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, defende a internação involuntária, apoiado por psiquia-tras especializados na área. O Conselho Federal de Psicologia é contra.
Folha de S. Paulo, 25 jan. 2012.
Texto 4
Notas sobre a cracolândia
[...] Num dos seus melhores seminários (o de 1975, “Os anormais”, Martins Fontes), Foucault mostra
que o poder na modernidade oscila entre dois modelos: o da lepra e o da peste. Os diferentes e infratores
podem ser retirados da circulação, fechados na prisão, na colônia agrícola, no antigo asilo. Esse é o modelo
adotado para a lepra; ele segrega no lazareto. Mas, às vezes, os diferentes e infratores, muito numerosos,
espalham-se pelo tecido social de forma que sua segregação seria improvável. É o que acontecia no caso
da peste. Os contaminados, então, não eram fechados em lazaretos afastados, mas a cidade era dividida
em quadras, que eram vigiadas por, digamos, agentes sanitários: os doentes eram proibidos de deixar
seu domicílio, e o governo administrava a vida (e a morte) deles dentro de suas próprias casas.
[...] Hoje, podemos ser infratores e incômodos, mas raramente somos “ruins” e irrecuperáveis: seremos
emendados pelos bons cuidados da sociedade, pois, de fato, éramos (ou melhor, estávamos) apenas
“doentes”. Será que este modelo nos deixa mais livres? Engano. Atrás da face indulgente do poder que se
inspira no modelo da peste (o infrator estava doente, não fez por querer, está “desculpado”), esconde-se
uma face especialmente tirânica: qualquer ato dissonante é reconhecido não como fruto de rebeldia ou
originalidade, mas como efeito de uma patologia. [...]
Voltemos à cracolândia. Talvez a toxicomania, uma vez instalada, seja uma espécie de doença. Mas
a escolha inicial de se engajar na droga, será que é uma doença? Consideraremos doente (por alguma
disfunção do córtex pré-frontal, por exemplo) qualquer sujeito que não se autorregule como a gente?
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Anos atrás, jovem psicanalista, no norte da França, eu me ocupava de adolescentes “problemáticos”
pelas drogas que consumiam, pela desistência escolar, por uma criminalidade difusa e pela violência
contra os adultos que se opunham a suas vontades. Alguns eram filhos de excluídos, outros inventavam
uma marginalidade própria, não herdada. Um desses jovens escutou pacientemente enquanto eu tentava
convencê-lo a frequentar as sessões de terapia e a aceitar a ajuda de uma assistente social, que facilitaria
sua reinserção. Quando acabei, ele me disse, pausadamente, olho no olho: “O que lhe faz pensar que eu
queira ter uma vida parecida com a sua?”
Conclusão. Podemos tentar curar os “noias”, ou seja, esperar suprimi-los de um jeito mais radical do
que apenas prendendo-os. De qualquer forma, agimos porque os achamos insalubres para nós. E peço
que ninguém pretenda me convencer que a dita cura, à diferença da segregação ou das porretadas, seria
para o bem (ou para a dignidade) deles. [...]
Contardo Calligaris, Folha de S. Paulo, 19 jan. 2012.
Texto 5
Sistema de saúde não comporta demanda
[...] O coordenador do plantão de saúde mental do posto Cruzeiro do Sul, psiquiatra Sérgio Lozada,
destacou a diferença entre a internação involuntária e a compulsória. Enquanto a primeira não tem o
consentimento do paciente, a segunda é determinada pela justiça. “Dificilmente nós aqui no front chega-
mos a receber internações compulsórias. Nós temos é mandados judiciais porque muitas vezes a família,
na tentativa desesperada de algum atendimento, aciona a justiça para conseguir a internação,” disse.
A questão evidencia a falta de leitos no sistema de saúde para atendimento a viciados, mas segundo
Lozada este não é o único problema. “O que nós precisamos é uma rede ambulatorial para que o paciente
possa ser atendido [também após a alta]. Não adianta muito internarmos, porque em 20, 25 dias ele sai
da internação e recai no uso de drogas, principalmente no crack”, comentou.
Adaptado de: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/noticia/2012/01/
Proposta de redaçãoCom base nas informações e nos pontos de vista expressos nos textos lidos, escreva um texto
dissertativo que tenha como título: “Cracolândia: os meios justificam o fim?” Procure, no desenvol-vimento de seu texto, usar dados da coletânea, apresentando argumentos e contra-argumentos que possam convencer o leitor de seu texto. Exponha suas ideias em norma culta da língua portuguesa e em, no máximo, 30 linhas.
Neusa Maria Araújo
Professora de língua portuguesa no ensino médio
maio/2012