Post on 09-Feb-2019
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
Ensaiando histórias: propostas de atividades com
fontes do Teatro Guaíra
Coleção Didática PET História-UFPR
v. 01, n. 01
2014Organizadores:
Alexandre Cozer Jéssica Louise Rocha Neiva de Lima
José Vinícius Maciel Kelleny Brasil Rodrigues
Maria Victoria Ribeiro Ruy Willian Funke
Projeto Gráfico e Capa:
Suellen Carolyne Precinotto
CURITIBA 2014
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
VENDA PROIBIDA
Endereço para correspondência Rua General Carneiro, no 460, 6o andar, sala 605
Centro – Curitiba – Paraná – Brasil CEP: 80060-150
e-mail: pethistoriaufpr@gmail.com
Impresso com recursos do FNDE
Ensaiando histórias: propostas de
atividades com fontes do Teatro Guaíra
Periodicidade: irregular ISSN: 2359-3393
Curitiba, PR: PET –História UFPR, 2014.(Volume 1)
Coleção Didática PET História-UFPR
Ensaiando Histórias: propostas de
atividades com fontes do Teatro Guaíra
Renata Senna Garraffoni (tutora do PET História) Membros do PET: Alexandre Cozer Camila Flores Granella Douglas Figueira Scirea Felipe Correia Castro Bastos Gabriel Elysio Maia Braga Ivan Araujo Lima Jean Carlo Giodani Jéssica Rocha Neiva de Lima José Vinícius Maciel Josip Horus Giunta Osipi Karin Barbosa Joaquim Kelleny Brasil Rodrigues Maria Victoria Ribeiro Ruy Mayara Ferneda Mottin Michel Ehrlich Shirlei Batista dos Santos Suellen Carolyne Precinotto Willian Funke
PET – História Departamento de História
Universidade Federal do Paraná
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ. SISTEMA DE BIBLIOTECAS. BIBIBLIOTECA DE CIÊNCIAS HUMANAS E EDUCAÇÃO ________________________________________________________________ COLEÇÃO Didática PET História-UFPR / UFPR. Departamento de História ; [or-
ganizadores: Alexandre Cozer ... et al; projeto gráfico e capa: Suellen Carolyne Precinotto]. – v.1, n.1( 2014-) . – Curitiba, PR : PET-História UFPR, 2014.
v.1,n.1, 2014 Irregular ISSN: 2359-3393 1. Teatro Guaíra (Curitiba, PR) – Política cultural. 2. Cultura – Curitiba (PR). 3. Teatro Guaíra (Curitiba, PR) – Atividades culturais. I. Universidade Federal do Paraná. Departamento de História. PET. II. Cozer, Alexandre. III. Precinotto, Suellen Carolyne.
306.484098162 ________________________________________________________________ Sirlei do Rocio Gdulla CRB-9ª/985
Apresentação da coleção
O PET-História da Universidade Federal do Paraná foi fundado
em 1992. Durante mais de duas décadas o grupo tem desenvolvido
uma série de atividades que visam explorar o eixo básico do Programa
de Educação Tutorial do MEC/SESU: relacionar atividades de ensino,
pesquisa e extensão. Nos últimos anos, em especial, alunos bolsistas e
não bolsistas têm realizado uma série de atividades inovadoras e
buscado torná-las públicas para que a comunidade extra acadêmica
possa se beneficiar de seus resultados. Com auxílio das ferramentas da
internet, por exemplo, cada vez mais o trabalho tem ganhado
visibilidade nacional (muitas das atividades realizadas podem ser
acessadas pelo blog do grupo http://pethistoriaufpr.wordpress.com/) e
a publicação anual da Revista Cadernos de Clio tem permitido o contato
de graduandos dos cursos de História do Brasil e do exterior, por meio
da difusão e publicação de pesquisas desenvolvidas por acadêmicos.
Dentro dessa perspectiva de disponibilizar materiais produzidos
pelo grupo, nesse ano de 2014 decidimos criar uma Coleção exclusiva
para publicação de Material Didático produzido no âmbito das
atividades que envolvam alunos do PET-História da UFPR. A presente
Coleção visa, portanto, trazer a luz pesquisas inovadoras realizadas por
petianos e seus colegas de graduação no âmbito da Universidade com
finalidade de divulgar o potencial desses trabalhos para o uso com
alunos nas escolas. Escrita em uma linguagem acessível, a Coleção
Didática tem como objetivo central problematizar temas de
historiografia de diferentes períodos, coletar documentos e propor
reflexões que permitam aos professores da rede de ensino pública e
privada acesso a um material inédito que proporcione uma maior
aproximação e diálogo entre academia e escolas. Esperamos, com essa
nova Coleção, estimular a todos, petianos, graduandos em História,
professores e alunos das escolas brasileiras, a produção crítica do
conhecimento sobre o passado, bem como explorar sua potencialidade
de diálogo entre diferentes modos de viver. O trabalho se baseia em
perspectivas plurais que incluem reflexões sobre temas que possam
ajudar na construção de uma sociedade mais democrática, colaborando
assim para a formação cidadã dos jovens brasileiros.
Primavera de 2014
PET-História da UFPR
Sumário
Apresentação da coleção ....................................................................... 5
“O palco em cena: a produção cultural em Curitiba a partir do teatro
Guaíra” ................................................................................................... 8
O arquivo do Teatro Guaíra .................................................................. 13
Atividades
Poty e o Teatro Guaíra ......................................................................... 14
Antigo e Moderno: A UFPR e o Teatro Guaíra ...................................... 15
Teatro Guaíra como símbolo cultural da elite curitibana ..................... 17
O teatro e a busca por diferentes públicos .......................................... 19
Guaíra e sua fundação a partir da elite provincial ................................ 22
Teatro Guaíra e a censura .................................................................... 24
A importância do sucesso ..................................................................... 25
O Teatro e a Sociedade ........................................................................ 26
Repensando o Teatro em fins da ditadura ........................................... 29
8
“O palco em cena: a produção cultural em Curitiba a
partir do teatro Guaíra”
O Programa de Educação Tutorial (PET) do curso História
Bacharelado e Licenciatura da UFPR desenvolve todos os anos
atividades de pesquisa coletivamente. O grupo escolhe um tema e
trabalha a partir deste, buscando realizar revisão bibliográfica e
trabalho com fontes. O PET está baseado na indissociabilidade entre a
Pesquisa, a Extensão e o Ensino, portanto, tentamos sempre realizar
atividades que conectem estes eixos. A partir dos resultados da
pesquisa coletiva de 2013 pensamos em produzir um material diferente
de um artigo ou de uma comunicação que se encerrassem no meio
universitário. Assim surgiu a ideia de preparar um material com
propostas de estudos de fontes relativas ao tema da pesquisa, as quais
pudessem ser utilizadas no ensino básico. Na sequência,
apresentaremos uma breve descrição da pesquisa, para passarmos
posteriormente às atividades.
A escolha do tema de pesquisa para o ano de 2013 surgiu de
indagações levantadas ainda na pesquisa coletiva de 2012, que tinha
como foco a Revista Joaquim – uma publicação curitibana da década de
1940, editada por Dalton Trevisan. Ao concluir a pesquisa, percebeu-se
que a revista não abordava os espaços teatrais curitibanos e, por causa
dessa curiosidade, foi escolhido como tema para a pesquisa do ano
seguinte o Teatro Guaíra e sua produção cultural, escolha que acabou
coincidindo com a data comemorativa dos 50 anos do Teatro.
Após a decisão sobre o tema, levantamos alguns objetivos
principais que foram mais desenvolvidos de acordo com as fontes e
bibliografia. As questões levantadas inicialmente visavam entender
como o Teatro era organizado internamente, como esse se localizava
9
em meio a uma Curitiba que se modernizava, e de que forma a ditadura
militar atuou e interviu naquele espaço. Também desejávamos abordar
como as políticas públicas afetavam a fundação, qual era seu público,
quem eram os que trabalhavam lá dentro, como a imprensa
apresentava o Guaíra e o que a população pensava sobre o mesmo.
Visando atingir esses objetivos iniciais, a proposta construída foi a de
uma análise de caráter menos institucional, dando destaque para as
sensibilidades construídas em torno do Teatro.
O próximo passo foi definir a bibliografia básica para o
aprofundamento quanto à história do Teatro Guaíra – delimitando
assim o contexto da nossa pesquisa. Selecionamos alguns textos, e a
partir das leituras, realizamos discussões coletivas durante nossas
reuniões semanais.
Como primeira referência, usamos a dissertação de mestrado de
Selma Suely Teixeira, intitulada Teatro em Curitiba na década de 50:
história e significação. A partir do texto, levantamos questões sobre o
meio teatral curitibano do período, destacando a importância do
incentivo público – afinal o teatro era visto como uma resistência
cultural a expansão do cinema – assim como o questionamento de para
quem era esse teatro, pois ficava evidente uma elitização, inclusive nas
apresentações que valorizavam os artistas internacionais.
Por meio do texto de Rodrigo Duguay da Hora Pimenta,
intitulado Um Circo Outro: enunciado e polifonia no espetáculo “O
Grande Circo Místico”, passamos a entender um pouco mais sobre as
produções de apresentações relacionadas à dança dentro do Guaíra,
assim como a formação de uma ideia de inovação e modernização
ligadas a esse núcleo de dança do Teatro – principalmente na década
de 1980, quando a peça O Grande Circo Místico é encenada.
Para abordar o Teatro Guaíra dentro do contexto da ditadura
militar, nós buscamos dois textos, o primeiro deles é O teatro em
Curitiba no período de 1961 a 1970 de Marta Morais da Costa, Marcelo
10
Franz e Edson Hennings. Nesse texto, os autores destacam o teatro
universitário, as formas de resistência, a tentativa de interiorização do
teatro, assim como a construção do teatro infantil, além da diminuição
do público – relacionando ao aumento da influência da televisão.
O segundo texto abondando este período é a dissertação de
mestrado de Reginaldo Cerqueira, intitulada Arte e política: o teatro
como prática de liberdade – Curitiba (1950-1978). Desse texto podemos
destacar o papel do teatro como um construtor da identidade
paranaense dentro de um ideal modernizador, a construção na Praça
Santos Andrade como uma comemoração ao centenário da
emancipação paranaense, e a valorização dada pela ditadura a
urbanização.
Devido a grande quantidade de objetivos a serem explorados e
levantados após as discussões teóricas coletivas, percebemos a
necessidade de tratar de alguns temas particulares, o que contribuiu
para a elaboração dos eixos temáticos. Assim, nos dividimos e
definimos três eixos para pautar a pesquisa: Política e Projeto;
Espetáculos e Bastidores; e Sensibilidade Urbana – todos recortados no
período anterior à construção da atual sede, isto é, à década de 1950
até o final dos anos 1980, a fim de abordar os últimos anos da ditadura.
O primeiro eixo temático, voltado para a Política e Projeto do
Teatro Guaíra, visou entender o contexto político em que se
enquadrava a elaboração e construção do Teatro, e perceber como se
davam as relações deste com a política curitibana e paranaense.
Interessava entender de que forma as políticas do governo do Estado
para com o Teatro interviram na sua construção, como o público
opinava sobre essas questões políticas, e, finalmente, a maneira como
ocorreram as mudanças do espaço físico e cultural curitibano de acordo
com projeto modernista do Teatro. Já o eixo Espetáculos e Bastidores
focava os processos de produção dos espetáculos e a recepção por
parte do público. Esse também se dividiu a fim de abordar diferentes
11
espaços artísticos dentro da instituição, isto é, teatro, ballet, ópera e
orquestra. No último eixo, Sensibilidade Urbana, o objetivo foi analisar
a construção da história do Teatro Guaíra como patrimônio sentimental
de Curitiba, traçando paralelos entre sua história enquanto instituição
pública e as memórias de pessoas cujas trajetórias pessoais ou
profissionais estiveram ligadas a este local.
Já com uma base teórica formada pelas leituras e discussões
coletivas, e com a formação dos eixos de pesquisa, partimos para a
visita aos acervos. Primeiramente fomos à Biblioteca Pública do Paraná,
que possui um grande acervo da imprensa paranaense, possibilitando a
consulta a jornais a fim de analisarmos o que estava sendo produzido e
publicado sobre o teatro. Depois passamos a visitar o Arquivo Público
do Paraná, local onde o arquivo da Fundação Teatro Guaíra está
guardado. Com uma grande diversidade de documentos internos,
programas, fotografias, projetos, recortes de jornais, além de itens
pessoais, como diários e cadernos de autógrafos, este acervo foi
formado por funcionários do teatro e se localizava no próprio Guaíra,
mas por motivos de conservação ele foi transferido.
Como principais conclusões destes eixos, destacamos
primeiramente a presença de um discurso político sobre o Teatro em
meio à imprensa paranaense. Por isso, ressaltamos a importância do
acervo encontrado no Arquivo Público a fim de perceber como o Guaíra
se constituía não somente como uma demanda política da classe
artística visando o aprimoramento cultura em Curitiba, mas igualmente
como um espaço de sociabilidade e um patrimônio sentimental. A
partir dessa perspectiva, foi possível percebemos que além de um
prédio e uma instituição pública, o Guaíra também ocupava – e ainda
ocupa – um espaço especial na vida dos trabalhadores envolvidos no
teatro.
Para concluir, gostaríamos de enfatizar que a pesquisa foi
enriquecedora para os membros do grupo, pois além de conhecermos
12
mais sobre a história do Teatro, também possibilitou a experiência com
a pesquisa em Arquivos e, especialmente, o contato direto com o
Guaíra. A experiência não ficou restrita aos integrantes do PET, mas
também foi compartilhada com os demais alunos de ambos os cursos
de História por meio de visitas ao Teatro, guiadas pelo Senhor Miguel
Esposito, um dos funcionários mais antigos da fundação, e um Café com
História com a bailarina Cintia Napoli, que compartilhou histórias de
sua carreira dentro do Balé do Teatro Guaíra.
Autoras do texto: Karin Joaquim, Mayara Mottin, Shirlei Santos e
Suellen Precinotto.
Integrantes do PET (no período de realização da pesquisa):
Prof.ª Dr.ª Renata Senna Garraffoni (tutora), Alexandre Cozer, Augusto
Maynardes, Camila Granella, Camila Longo, Felipe Bastos, Gabriela
Larocca, Gabriel Braga, Gregório Mazzo, Ivan Lima, Jéssica Lima, Karin
Joaquim, Kelleny Rodrigues, Mayara Mottin, Natascha Eggers, Renata
Alcantara, Shirlei Batista dos Santos, Suellen Precinotto e Willian Funke.
13
O arquivo do Teatro Guaíra
O arquivo do Teatro Guaíra tem suas especificidades. Apesar de hoje ser institucionalizado e estar sob a guarda do Arquivo Público do Paraná, foi constituído em grande parte pelos esforços de um funcionário sem especialização e não responsável por essa função, o senhor Miguel Esposito. Ele juntou recortes de jornais, fotografias, projetos. Guardou cadernos de colegas de trabalho, cartas e objetos pessoais. Também estão arquivados documentos institucionais com uma organização mais rígida, como os boletins dos alunos dos cursos ofertados pelo Teatro nas primeiras décadas de sua existência, os programas das montagens e as plantas do edifício. Essa junção deu uma forma diferenciada aos guardados do Guaíra. Entre o pessoal e o institucional, preserva tanto a parte formal como a subjetiva. Não que isso seja exclusividade do presente caso, mas nele os traços vivenciais são extremamente evidentes.
O exposto não torna o conjunto de documentos completo ou neutro. Todo arquivo representa escolhas, recortes, exclusões. Para que algumas coisas fossem guardadas outras tiveram de ser jogadas fora. Da mesma forma com o que apresentamos a seguir. São apenas poucos vestígios do que foi preservado e a partir disso propomos questões específicas que podem – ou não – ser respondidas por esses documentos. Dessa forma se dá o trabalho do historiador, buscando vestígios que sejam capazes de responder a questões específicas.
A maneira como organizamos o material permite que ele seja usado em sua totalidade ou parcialmente, fornecendo possibilidades de trabalhos com fontes primárias de diferentes temas abordados nas aulas de história do ensino básico: de história do Paraná à urbanização do Brasil, passando por questões de patrimônio ou políticas públicas de diferentes momentos. Acreditamos que essa seleção pode aproximar as alunas e os alunos do trabalho de pesquisa e de uma reflexão crítica sobre o passado.
Um bom e divertido trabalho!
14
Poty e o Teatro Guaíra
A partir deste recorte de jornal, retirado dos Arquivos do Guaíra,
presentes no Arquivo Público do Paraná, podemos observar a grande
importância do artista Poty Lazzarotto para a cidade de Curitiba como
um todo. Poty se faz presente nos grandes meios da arte moderna da
época e, como podemos observar, também se faz presente na
construção do Teatro Guaíra, por meio de seus murais. Estes murais de
Poty seriam uma homenagem, como podemos ler no recorte de jornal,
aos grandes nomes do teatro clássico e moderno.
Gazeta do Povo, 04 de março de 1970
15
Qual a importância de Poty na cidade de Curitiba e nos outros
lugares em que se faz presente sua obra?
Sabendo que em 1970 Poty já era um artista de renome,
conhecido até mesmo fora do Brasil, como podemos pensar
este vínculo entre um artista curitibano importante e o Teatro
Guaíra?
Qual a intenção de Poty, em seu ato de homenagem, ao
realizar uma junção entre o teatro clássico e o moderno?
Devemos lembrar a própria proposta arquitetônica do Teatro
Guaíra: com uma fachada moderna, seu interior possui uma
organização convencional, com o palco italiano, que causa uma
separação entre os artistas e o público.
Antigo e Moderno: A UFPR e o Teatro Guaíra
Fotografia tirada durante visita guiada em 23 de agosto de 2014. O Prédio Histórico da UFPR pode ser visto a partir do mezanino interno do Teatro, na fachada que fica à Rua Conselheiro Laurindo. (Foto: Suellen Precinotto)
Gravura do Teatro Guaíra.
Parte do arquivo da
instituição, sob guarda do
Arquivo Público do Paraná.
Autoria não identificada.
16
Pensando sobre essa relação entre o antigo e o moderno,
podemos perceber a grande diferença existente entre os prédios do
Teatro Guaíra e da Universidade Federal do Paraná, ambos voltados
para a Praça Santos Andrade, no centro de Curitiba.
No período em que se iniciou a construção do Teatro (anos 50), o
Paraná vivia um fenômeno semelhante ao que ocorria em todo o Brasil,
chamado desenvolvimentismo. A intenção era fazer de Curitiba uma
cidade moderna, ligada ao resto do mundo. Foram construídas diversas
outras obras no mesmo período, como o Palácio Iguaçu e a Praça 19 de
Dezembro. O estado, no entanto, não queria estar completamente
desligado daquilo que os antigos, gregos e romanos, representavam.
Outra preocupação do período era a definição de uma identidade
nacional. Isso acabou levando a propostas de identidades regionais: o
gaúcho do Rio Grande do Sul, o bandeirante de São Paulo, o sertanejo
do Nordeste. No Paraná, essa identidade não era fácil de ser construída,
mas buscaram-se alguns símbolos, como o pinheiro; e quanto à
população, a saída foi considerar o Paraná uma “Terra de todas as
gentes”.
O que os antigos gregos e romanos representam? Por que seria
importante, mesmo num projeto de modernização, manter a
ligação com essa representação?
No que se refere às construções propriamente ditas, por que
possíveis razões a Universidade teria um desenho que remete
ao antigo e o Teatro ao moderno?
Vimos que os governos desenvolvimentistas do Paraná
buscaram aliar uma arquitetura moderna a uma arquitetura
inspirada na Antiguidade para legitimarem-se. Hoje em dia os
governos ainda tentam usar o passado para se legitimar?
17
Quais os possíveis motivos para criar uma diferença entre o
Paraná e os outros estados, uma identidade paranaense?
Teatro Guaíra
como símbolo
cultural da
elite curitibana
Podemos observar,
a partir da leitura
da pequena man-
chete de jornal do
Diário do Paraná,
que o Teatro Guaíra
sempre teve a in-
tenção de grandio-
sidade, propondo,
desde seu projeto,
ser considerado um
dos dez maiores te-
atros do mundo.
Esta proposta de
grandiosidade se
vinculava à política
do governo do Pa-
raná da época, a
qual pretendia
construir uma ideia
de Paraná a partir
da visibilidade de
sua capital, pequena (provinciana), porém deslumbrante e moderna. O
Diário do Paraná, 24 de novembro de 1974
18
Teatro Guaíra entra nestes esforços do governo em transformar
Curitiba em uma metrópole cultural e modernizada, mas sua pungência
muitas vezes foi questionada pelos críticos da época.
Como podemos vincular a construção do Teatro Guaíra à
proposta do governo da época em construir uma Curitiba
moderna, igualando-se às grandes metrópoles brasileiras e do
exterior?
Como é possível entender essa política de modernização da
capital curitibana e a proposta de Emílio Gomes de realizar na
inauguração do Guaíra um espetáculo totalmente produzido no
Paraná? Devemos lembrar que no Paraná o movimento
artístico denominado “paranista” foi muito forte como modelo
político para a constituição de uma identidade paranaense.
A peça da inauguração “Paraná, Terra de Todas as Gentes”
pode ser entendida de que maneira em seu contexto histórico?
Não podemos esquecer que o movimento de imigração de
estrangeiros teve grande importância para a construção do
Paraná, principalmente como discurso político.
19
O teatro e a busca por diferentes públicos
Tribuna do Paraná, 30 de abril de 1973
Transcrição do recorte de jornal acima:
“O governo do Estado, através
da Secretaria da Educação, fará com que a
Fundação Teatro Guaíra promova uma
interiorização mais efetiva do tetro no
Interior do Estado. Nesse sentido, o
secretário Luís Gabriel Sampaio esteve
reunido com o superintendente daquela
fundação, acertando os detalhes para
uma programação intensa de grupos
teatrais nas cidades do Interior do Paraná.
O secretário da Educação fará
também durante esta semana, uma
reunião, em seu gabinete, com todos os
diretores de órgãos culturais da SEC,
objetivando traçar uma filosofia de
interiorização da Cultura, atingindo todo o
Interior do Estado.
20
SÓ NA CAPITAL
O governo do Estado vem dando
ênfase especial às atividades culturais
numa série de promoções que atingem
todos os setores artísticos, beneficiando
diretamente o público da Capital. Por
orientação do governador Parigot de
Souza, agora a Secretaria da Educação e
Cultura desenvolverá um plano no sentido
de levar também ao Interior as principais
atividades culturais no campo das artes
plásticas, música, exposições, mostras,
recitais, teatro, dança, cursos de literatura,
etc.
Para o secretário Luís Gabriel
Sampaio "o Interior não pode ficar
marginalizado dos movimentos e
realizações culturais. Devemos nos
lembrar sempre que dos 7 milhões de
paranaenses, mais de seis milhões estão
no Interior".
TRABALHO OBJETIVO
A filosofia administrativa do
secretário Luís Gabriel Sampaio é no
sentido de que a Secretaria da Educação
concretize uma conduta de ação visando
um atendimento objetivo aos problemas
do Interior do Estado, equacionando-os,
de maneira rápida, eficiente e dentro das
técnicas modernas de ensino. Assim uma
das metas do titular da SEC será a de
promover despachos administrativos nas
diversas regiões do Estado, resolvendo "in
loco" todos os problemas educacionais,
eliminando assim a necessidade de que as
partes interessadas tenham que se
locomover até a Capital para solucioná-los.
"A Secretaria - afirma o secretário - está já
indo ao encontro dos problemas".
PROGRAMA INTENSO
Durante a semana que se inicia
amanhã, o secretário Luís Gabriel Sampaio
vai cumprir um intenso programa.
Diariamente, das 7 às 9 horas da manhã,
despachará com assessores e membros da
equipe da SEC. Na terça-feira,
comparecerá à reunião do Conselho
Deliberativo da Fundepar.
Quarta-feira, fará visita ao Conselho
Estadual de Educação. Quinta-feira
promoverá visita pessoal aos principais
estabelecimentos de ensino da Capital,
para conhecer seus problemas e na sexta-
feira à noite seguirá para o Interior do
Estado onde, durante o fim de semana,
visitará vários municípios”.
A partir da notícia acima e do recorte de jornal da página 21, é
possível observar um esforço – durante o período de reconstrução do
Guaíra – por parte do Estado do Paraná, de atrair diferentes públicos ao
teatro paranaense como, por exemplo, o infantil ou o interiorano.
De que maneira o governo paranaense estimulava e atraia o
público infantil ao teatro? E o do interior?
21
Com que objetivo era formado o público infantil de teatro?
Considerando o con-
texto histórico mais
amplo de Ditadura
Militar no Brasil, re-
flita sobre que tipo de
cultura estava sendo,
possivelmente, fo-
mentada no Paraná à
época das notícias.
(Ex: manifestações
artísticas revolucio-
nárias? Formação de
gosto ao teatro
voltada a experimen-
tações teatrais liberta-
doras e transforma-
doras ou relacionada
a uma estética mais
conservadora? Uma
cultura nacional ho-
mogeneizadora ou
atrelada aos diversos
contextos e conflitos
presentes nos dife-
rentes grupos soci-
ais)? Tribuna do Paraná, 02 de junho de 1967
22
Guaíra e sua fundação a partir da elite provincial
Gazeta do Povo, 20 de novembro de 1974
Transcrição do recorte de jornal acima: “Pelo menos três mil pessoas serão
convidadas para assistir a festa de inauguração do grande auditório do Teatro Guaíra, dia 12 de dezembro próximo. As equipes do Cerimonial do Palácio Iguaçu e da própria Fundação encontram-se trabalhando há mais de 10 dias só na elaboração de listas de presenças, que começam com o Presidente Ernesto Geisel e chegam até as famílias mais tradicionais do Paraná.
Não haverá coquetel, mas uma solenidade rápida do "hall" de entrada com o descerramento da placa. Nesta só irá o nome do ex-Governador Bento Munhoz da Rocha, do Presidente Geisel, do Ministro da educação, Secretário de Educação e o Superintendente atual do Teatro Guaíra. É uma plaqueta de bronze, que ainda está sendo confeccionada pela Secretaria de Obras e marcará o acontecimento para sempre.
O Presidente Ernesto Geisel deverá fazer um pronunciamento via Embratel, para todo o País. Falará a respeito do acontecimento e o programa de Ação Cultural, desenvolvido pelo Ministério da Educação e Cultura. Essa mensagem será transmitida simultaneamente por todas as emissoras de televisão e rádio do País.
Certos detalhes para essa solenidade já estão sendo previstos quanto ao traje. Todos os convidados deverão comparecer de "smoking" e as mulheres também a rigor. Para os homens só vale o traje preto. Assim já se pode prever a seriedade do acontecimento, para o qual virão personalidades de todo o Brasil.
Toda a equipe da Fundação Teatro Guaíra e do Cerimonial trabalha durante o dia e algumas horas da noite, na formação de listagem e convites. Dentro de mais alguns dias os primeiros começarão a chegar nos locais de origem, prevendo-se que tudo esteja concluído até o dia 5 de dezembro. O grupo do Guaíra é
23
constituído do próprio Superintendente, do Relações Públicas Norberto Segura, Marília de Lourdes Domingues (diretora administrativa), Antonio Carlos Gerbers
(diretor Artístico), Nelson Faria de Barros (assessor de imprensa), Regina Nery Macedo e Regina Celia Brasil”.
Apesar de muitas propagandas jornalísticas do governo paranaense
apontarem para a construção do Teatro Guaíra como um meio cultural
popular, podemos observar, desde sua fundação, como indica o recorte
de jornal, sua vinculação a uma cultura urbana elitista da capital
curitibana. Outro fator interessante de se ressaltar é o vínculo com a
ditadura militar e seu Programa de Ação Cultural.
Como podemos entender o Teatro Guaíra a partir de sua
proposta elitista diante de uma capital em que grande parte da
população não teria acesso a este tipo de cultura? Podemos
considerar que hoje em dia o Teatro Guaíra propõe uma
política cultural popular?
Pensando a conexão da construção do Teatro Guaíra com o
período da Ditadura Militar, como podemos entender a
construção deste teatro a partir da Política de Ação Cultural do
regime militar? Lembrando que este programa buscava a
construção de uma identidade nacional a partir do fomento
cultural.
24
Teatro Guaíra e a censura
Como já visto na questão anterior, a reabertura do Teatro
Guaíra, em 1974, esteve ligada ao contexto de Ditadura Militar no Brasil,
seja pela visita constante dos presidentes ao teatro ou, como se vê na
figura acima, pela censura a produções culturais que viriam a ser
apresentadas no local.
Na nota do Estado do Paraná, vemos noticiada a censura à participação
de Chico Buarque de Hollanda no show “República do Peru”.
Você conhece Chico Buarque de Hollanda? Que conexões o
artista estabelecia com o regime militar da época? Que motivos
levariam à censura de sua participação no show?
Sugerimos que o (a) professor (a) guie os alunos a uma pesquisa mais
aprofundada sobre o tema da censura no contexto do Regime Militar,
apontando, por exemplo: que tipos de materiais eram vetados, os
artistas que foram exilados e de que maneira, segundo o governo, os
alvos dessa censura eram tidos como subversivos à Segurança Nacional.
25
A importância do sucesso
“O Grande Circo Místico” foi um dos principais espetáculos
produzidos pelo Ballet Teatro Guaíra. Demandou um grande esforço e
reuniu diversos profissionais. As músicas eram de Chico Buarque e Edu
Lobo, importantes compositores do período, que com o processo de
abertura do Regime Militar tinham um pouco mais de liberdade para
realizar seu trabalho. A montagem, além de Curitiba, também foi
apresentada em outras cidades brasileiras e em Portugal. Segundo
Panfleto de uma das montagens do espetáculo “O Grande Circo
Místico”, encenado pela primeira vez no Teatro Guaíra em 1983
26
coluna de Aramis Millarch, de maio de 1989, haviam ocorrido mais de
140 apresentações até aquela data.1
Esse material de divulgação faz referência a uma montagem
realizada no grande auditório do Teatro Guaíra (Auditório Bento
Munhoz da Rocha Netto) depois de “O Grande Circo Místico” ter
rodado o Brasil e ido a Portugal.
Você já viu uma apresentação de ballet, ou de outro tipo de
dança? O que faria uma apresentação interessante?
O fato de “O Grande Circo Místico” ter músicas de autores
famosos (como Chico Buarque) poderia ter ajudado a conseguir
esse sucesso?
Relacionando com o que foi visto nas atividades sobre os
edifícios do Teatro e da UFPR e nas da participação de Poty
Lazzarotto (intenção de projetar Curitiba e o Paraná
nacionalmente como modernos e progressistas), qual a
importância de um espetáculo produzido no Teatro Guaíra
alcançar sucesso nacional?
O Teatro e a Sociedade
1 http://www.millarch.org/artigo/o-circo-mistico-magico-na-maturidade-de-um-ballet
27
Transcrição do recorte da página 26: “Afirmando que a encenação de
"AS colunas da Sociedade, de Ibsen, é um autêntico desafio para os intérpretes paranaenses, o diretor Claudio Corrêa e Castro revelou-se muito satisfeito com o resultado que o elenco do Teatro de Comédia do Paraná vem alcançando nos ensaios. "As grandes emoções que Ibsen manipula - explica - se escondem por detrás de uma capa de severidade e contenção, exigindo dos atores grande empenho para exibir esse vulcão de sentimentos de vazio de tanta postura e dignidade". Há dez dias da estreia, os responsáveis pela direção como todo o elenco, composto de 30 pessoas, mostram=se confiantes no sucesso da peça junto ao público, principalmente por se tratar de um texto ainda inédito no Brasil, e Curitiba vai ter o privilégio de assistir no próximo dia 13 ao lançamento nacional. POR QUE IBSEN Claudio Corrêa e Castro, diretor de praticamente todos os espetáculos levados pelo TCP nos últimos três anos, entende que a encenação de Ibsen se deve a uma política da Superintendência do Guaíra de "entremear" autores clássicos e contemporâneos. Isto que agora motiva a
apresentação do autor do chamado teatro realista. Ademais, isso "dá chance a que os intérpretes locais se exercitem nesse gênero e também possibilita ao público um contato com todos os estilos teatrais". O custo da encenação de "As Colunas da Sociedade" ascende a Cr$ 30 milhões, o dobro do gasto com "A Megera Domada", e o mais alto já aplicado pelo Guaíra em seus espetáculos. A peça se passa no interior de uma residência elegante na Noruega, em 1870: todo um vestuário da época, totalizando 54 roupas, foi especialmente confeccionado a partir de uma idealização da conhecida figurinista carioca, Kalma Murtinho. QUE DIZ IBSEN Henrik Ibsen "pode hoje ser classificado mais como um artista do que como um pensador" - reconhece o diretor do "As Colunas da Sociedade". Sua importância em relação aos nossos dias é que nesse texto o dramaturgo norueguês procura desmascarar uma negociata que se apresenta e é tido como uma reserva moral da sociedade. "Assim, a atitude de Ibsen, diz Claudia Corrêa e Castro - diante da personalidade principal (embora com uma esperança de melhoria) é o que o mundo gostaria que se fizesse com algumas de nossas colunas".
Henrik Ibsen é um teatrólogo, considerado um dos maiores
desse gênero do século XIX. Suas peças, num geral, apresentam
construções psicológicas complexas de personagens, e criticam
fortemente a cultura burguesa tradicional – que é vista como
decadente. O casamento, e nesse caso, também a ambição são os
temas escolhidos pelo autor para expor a sociedade que ele critica. Por
tais características, esse autor já foi até mesmo considerado anarquista,
e muitos estudos de gênero se apegaram a ele para questionar o papel
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da mulher na sociedade. Em 1966, a peça foi apresentada peloo TCP
(Teatro de Comédia Paranaense) que viria a integrar o Teatro Guaíra
apenas em 1974, quando houve a construção grandiosa da nova sede.
Sabendo que essa peça é de 1966, como você poderia
interpretar tal apresentação no começo da ditadura? O trecho
de jornal dá pistas sobre as intenções dos pensadores da peça?
O que a
declaração de Ibsen
como um artista, mais do
que como pensador,
demonstra sobre a
interpretação da própria
apresentação da peça
pelo seu diretor, Cláudio
Corrêa e Castro?
Como podemos
interpretar a propaganda
do teatro? Por que ela
apresenta com humor a
figura de uma senhora
com muitas joias?
Há alguma
indicação de crítica à
sociedade no texto do
jornal?
As Colunas da Sociedade, peça apresentada
em 1966
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Repensando o Teatro em fins da ditadura
A partir do texto de Aramis Millarch, podemos perceber diversos
momentos pelos quais passou o teatro Guaíra, e o teatro no Paraná de
maneira geral. O período do TCP, citado no texto, vai de 1874 a 1974,
quando o estado do Paraná, juntamente com o governo ditatorial
brasileiro, funda o Teatro como o conhecemos hoje. Ao mesmo tempo
em que Millarch comenta sobre a decadência da empresa cênica ao
longo dos anos 70, fato cuja responsabilidade é do governo, também
eleva o heroísmo dos artistas que se engajaram em manter vivos os
palcos paranaenses. O texto é marcado por duas críticas principais: ao
governo e ao gosto dos curitibanos, que deixaram de presenciar as
peças mais complexas e difíceis, e se limitaram à participação nas
empreitadas mais simples, reduzidas e, frequentemente, repetitivas. O
contexto dos anos 1980 pode ajudar em muito a compreensão desses
sentimentos do autor.
Transcrição de texto de jornal:
“Nada demora tanto a passar quanto o tempo, pois ele é a medida da eternidade. Nada é mais breve, pois nos falta em todos os empreendimentos. Nada demora tanto a passar para aquele que espera. Nada passa tão rápido para quem o desfruta. Pode-se estender-se até a imensidão e ser dividido em minúsculas partículas. Todo o mundo o considera insignificante, porém todos lamentam sua perda. Nada pode acontecer sem ele, pois faz com que tudo que não seja digno da posteridade caia no esquecimento, mas concede imortalidade a tudo o que é grande”. (Voltaire, 1694 – 1778) Vários aspectos fazem com que “O Presidente” (auditório Salvador de Ferrante, até o dia 19 de junho, 21 horas) se destaque como um evento especial no amortecido cenário teatral do Paraná. De princípio porque há muito tempo não
havia uma produção local empregando mais de uma dezena de profissionais – entre os quais, alguns dos melhores atores e atrizes que há anos vêm, idealística e bravamente, dando sua contribuição ao teatro em nosso Estado. Ano a ano, o panorama cênico vem decaindo, não só na qualidade dos espetáculos (em que pese valorosos esforços de alguns editores, autores e intérpretes), mas também nas produções pressionadas cada vez mais pelas limitações financeiras – que inviabilizam encenações que exijam mais de cinco ou seis atores, cenários e guarda-roupa. Só mesmo através de um grupo amador e contando com a infra-estrutura de um estabelecimento como o Centro de Ensino Técnológico do Paraná (a antiga Escola Técnica Federal), que o corajoso José Maria Santos tem conseguido montar
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textos que colocam no palco dezenas de personagens. Entretanto, em que pese a honestidade e empenho que caracteriza o bom José Maria em tudo o que faz (e a prova está no sucesso que vem obtendo com sua divertida sátira “Nem Gay, Nem Bicha”, de quinta-feira a domingo no ponto de encontro [...] Teatro da Classe) são encenações amadorísticas, que não chegam a motivar fatias maiores de público. Longe vai a época em que o Teatro de Comédia do Paraná, criado pelo jornalista Fernando Pessoa Ferreira, na primeira administração de Ney Braga (1961) – e consolidado por seu sucessor, Otavio Ferreira do Amaral Neto, conseguiu dar bases estruturais para montagens desde comédias de Millôr Fernandes (“Um Elefante no Caos”, a primeira produção do TCP) e corajosos dramas políticos (“A Vida Impressa em Dólar”, de Cleifford Oddts) até clássicos de Shakespeare (“A Megera Domada”), Ibsen (“As Colunas da Sociedade”), Paul Claudel (“O Livro de Cristovão Colombo”), Molière (“Escola de Mulheres”), que com diretores como Cláudio Correa Castro, José Renato, Ivan Albuquerque, entre outros – deixaram uma sólida contribuição ao nosso teatro. Criticados na época, hoje, numa ótica histórica, é inegável a importância das grandes produções que o TCP fez nos governos Ney Braga e Paulo Pimentel, inclusive interiorizando o teatro, com produções apropriadas às plateias de cidades que até então – nos anos 60 e 70 – jamais tinham assistido espetáculos cênicos. Sem pretender divagações nostálgicas – sentimentais, é indispensável tal preâmbulo para entender a importância de que duas fundações – a Cultural de Curitiba e a Teatro Guaíra, mais uma
instituição cultural mantida com recursos internacionais – o Instituto Goethe e um empresário – José Basso, tenham que se unido para montar uma peça que coloca no palco, em 2 atos, 15 intérpretes e movimenta uma equipe de mais de 25 pessoas numa produção que, na ponta do lápis, passou dos CR$ 5 milhões. Portanto a temporada de “O Presidente” – que estreou no último dia 27 e, lamentavelmente, vem tendo reduzidíssimo público – tem que ser entendida como corajosa e importante em termos de dedicação de uma política cultural, em área tão sensível e delicada – com um cipoal de interesses. De certa forma, a estreia nacional do texto de um dos mais difíceis autores europeus, Thomas Bernhard, é ainda um fruto das sementes que o casal Helmut-Heid, Lied, hoje diretores do Goethe Institut, em Toronto, no Canadá, aqui plantaram durante os 7 anos em que residiram em nossa Capital – praticamente fazendo com que o Goethe se transformasse na mais importante instituição cultural (fora do âmbito oficial) do Estado, com um calendário de intensas (e sérias) promoções culturais. O entusiasmo de Heid Lied pelo teatro, que levou a criar, dentro do Goethe Institut, um grupo de tradução, motivou a participação decisiva destes organismos na área teatral – trazendo a Curitiba duas peças do Grips, o mais político grupo de teatro alemão (mantido pela Prefeitura de Berlin) – com as peças “Lilipiti e Locomoc” e “O Robô Bobo de Bobi” e, posteriormente, aqui promovendo a estreia mundial de “Linha de Montagem”, de Xaver Krotz, numa produção difícil, polêmica – mas indiscutivelmente importante.
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A transferência do casal Lied para o
Canadá não interrompeu as atividades do
grupo de tradução, que sob coordenação
da professora Adelaide Rudolfs, trabalhou
em 1981/82, sobre um dos textos de
Thomas Bernhard, nascido na Holanda em
1931, vivendo na Áustria desde 1987, e
teve com 42 obras publicadas (11 peças
de teatro) é um intelectual tão expressivo
como difícil. O professor Henrich Heimer
que na direção do instituto Goethe vem
procurando manter o ágil calendário
cultural a que os Lied acostumaram as
unidades culturais de Curitiba, se
empenhou para que a peça traduzida
fosse encenada. Assim, desde o segundo
semestre do ano passado anunciou as
desmarches para a produção de “O
Presidente”. A mudança do guarda do
poder com novos dirigentes nas duas
fundações culturais, a trágica morte de
Antônio Carlos Kraide a 15 de janeiro
último – quando este já havia sido
contratado para dirigir a montagem, não
impedira que o espetáculo, afinal, fosse
estreado na data marcada. E isto se deve
ao esforço de muitas pessoas e,
especialmente, a competência e
honestidade profissional de Eddy Antônio
Franciosi, que mesmo sabendo dos riscos
de encenar um texto difícil como o de
Bernhard, limitado tanto na área
financeira como de recursos humanos, fez
um espetáculo bem acabado, uma
marcação perfeita, e obtendo resultados
significativos. Trabalhando com um texto
em que a política, o poder e o tempo – o
que dá um significado especial ao texto
pinçado de Voltaire, incluído na Revista-
Programa e que incluímos como epígrafe
de nossa coluna – se intercalam. Eddy
realizou uma peça que merece ser vista –
mesmo que as reações sejam divergentes
e, naturalmente polêmicas. Com 15
intérpretes em cena – mas basicamente
quase dois longos monólogos, num tour-
de-force de Ivone Hoffmann, no primeiro
ato e, de Reinaldo Camargo, nos três
quadros do segundo – “O Presidente” é
um espetáculo de idéias simbólico, um
desafio a quem, nos últimos anos, se
acostumou com textos-entretenimento,
espetáculos com dois a três interpretes,
montagens, caça-níqueis que mesmo com
nomes de promoção global, pouco
significam em termos culturais. Se ao
invés de Reinaldo, Ivone, Lala Schneider,
Gilda Elisa, Sansores França, Lúcio Weber,
e os outros intérpretes que, todas as (frias
noites) no palco do Guaíra, dão o melhor
de si, para esta peça – houvesse nomes
famosos da televisão, as empetelecadas
damas da sociedade curitibana e seus
circunspectos maridos, que lotam o
guairão, quando ali Paulo Autran e Tonia
Carreiro mostram qualquer asneira teatral,
por certo o auditório Salvador de Ferrante,
teria um público mais numeroso.
Entretanto, (e infelizmente) o teatro em
Curitiba ainda se encontra na exata
proporção da badalação social – e por isto
é necessário levantar alguns pontos em
relação à temporada de “O Presidente”,
enquanto esta peça estiver em cartaz
(continua).
O Estado do Paraná, 07 de junho de 1983 Um “Presidente” perturbador. Por Aramis Millarch.
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Procure os trechos do texto em que o autor apresenta
referência (positiva ou negativa) ao apoio do governo ao teatro.
Selecione os momentos em que Millarch critica o público do
teatro que não sabe apreciar determinados tipos de peças.
Você acha que isso tem a ver com o desenvolvimento do rádio
e principalmente da televisão na mesma época? Como você
poderia relacionar os dois fatores?
Nos momentos em que o autor fala dos artistas que se
engajaram com o teatro em Curitiba, o que você percebe sobre
o discurso? Poderia compreender aí uma defesa da classe dos
artistas no estado do Paraná?
Quando Millarch fala do Goethe Institut, advoga a importância
de uma instituição que não é pública para o teatro. Você acha
que pode haver, no texto, uma crítica ao próprio governo da
época? Sabendo que se vivia o fim da ditadura militar, como
você relacionaria o texto com tal contexto político? Ele parece
defender maior incentivo ao teatro?
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Referências citadas no texto e que podem ajudar as alunas e os alunos
em suas reflexões
COSTA, Marta Morais da; FRANZ, Marcelo e HENNINGS, Edson. O teatro
em Curitiba no período de 1961 a 1970. Letras, Curitiba, n. 45, pp. 115-
144, 1996. Disponível em:
http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/letras/article/view/19060/12365.
Acesso em: 04 de novembro de 2014.
PIMENTA, Rodrigo Duguay da Hora. Um Circo Outro: enunciado e
polifonia no espetáculo “O Grande Circo Místico”. Anais do XXVIII
Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 2005. Disponível em:
http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2005/resumos/R1515-
3.pdf. Acesso em 04 de novembro de 2014.
SOUZA, Reginaldo Cerqueira. Arte e política: o teatro como prática de
liberdade – Curitiba (1950-1978). 2010. 132 f. Dissertação (Mestrado
em História) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2010.
Disponível em:
http://dspace.c3sl.ufpr.br/dspace/bitstream/handle/1884/24495/ARTE
%26POLITICA.pdf?sequence=1. Acesso: 04 de novembro de 2014.
TEIXEIRA, Selma Suely. Teatro em Curitiba na década de 50: história e
significação. Dissertação (Mestrado em Literatura Brasileira) –
Universidade Federal do Paraná In: Encontro do GT de Dramaturgia da
ANPOLL, 2001, Curitiba. Anais do GT de Dramaturgia da ANPOLL. Rio de
Janeiro: Associação Nacional de Pós-Graduação e pesquisa em Letras e
Lingüística, 2001.