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MATERIAL DE APOIO
DIREITO CIVIL
TEORIA GERAL DOS CONTRATOS
Apostila 01
Prof. Pablo Stolze Gagliano
1. Visão Geral dos Contratos no novo CC
O Código Civil de 2002 disciplinou os contratos da seguinte forma:
a) Título V – Dos contratos em Geral, subdividido em dois
Capítulos (Capítulo I - “Das Disposições Gerais” - e Capítulo 2 -
“Da Extinção do Contrato”). Tais capítulos são ainda
estruturados em Seções, que versam sobre aspectos gerais da
matéria contratual;
b) Título VI – Das Várias Espécies de Contratos, subdividido em
20 capítulos, compartimentados em várias outras Seções,
cuidando dos Contratos em Espécie1.
Nota-se, no estudo dessa disciplina, que o codificador inovou, ao tratar
de temas não regulados pelo Código anterior, a exemplo do contrato
preliminar, do contrato com pessoa a declarar, da resolução por onerosidade
excessiva (aplicação da teoria da imprevisão), da venda com reserva de
domínio, da venda sobre documentos e do contrato estimatório.
Além disso, disciplinou contratos novos, como a comissão, a
agência/distribuição, a corretagem e o contrato de transporte, deixando de
fazer referência a alguns outros institutos, como, por exemplo, a cláusula
comissória na compra e venda (art. 1163 do CC-16).
1 “Contratos em Espécie” integram outra grade do Curso LFG.
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Perdeu-se, todavia, a oportunidade de se regular, pondo fim a
infindáveis dúvidas, algumas importantes modalidades contratuais já de uso
corrente, como o leasing, o franchising, o factoring, o consórcio, os contratos
bancários e os contratos eletrônicos.
Apesar dessas omissões, entretanto, devemos reconhecer que, em
geral, o trabalho do codificador, na seara contratual, foi bem desempenhado,
sobretudo por haver realçado a necessidade de imprimir socialidade à noção de
contrato.
2. Princípios do Direito Contratual
Segue o painel dos princípios que analisaremos em sala de aula:
a) o princípio da autonomia privada ou do consensualismo;
b) o princípio da força obrigatória do contrato (pacta sunt servanda);
c) o princípio da relatividade subjetiva dos efeitos do contrato;
d) o princípio da função social do contrato;
e) o princípio da boa-fé objetiva;
f) o princípio da equivalência material.
2.1. Observações acerca do princípio da função social do contrato
Devemos, de logo, ressaltar que a função social do contrato traduz
conceito sobremaneira aberto e indeterminado, impossível de se delimitar
aprioristicamente.2
HUMBERTO THEODORO JR., citando o competente professor PAULO
NALIN, na busca por delimitar as suas bases de intelecção, lembra-nos, com
acerto, que a função social manifestar-se-ia em dois níveis3:
2 Sobre o tema, confira-se a excelente obra: Função Social dos Contratos, do Código de Defesa do Consumidor ao Código Civil de 2002. Coleção: Rubens Limongi França, 2ª Ed. São Paulo: Método, 2002, FLÁVIO TARTUCE.
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a) intrínseco – o contrato visto como relação jurídica entre as
partes negociais, impondo-se o respeito à lealdade negocial e à
boa fé objetiva, buscando-se uma equivalência material entre
os contratantes;
b) extrínseco – o contrato em face da coletividade, ou seja, visto
sob o aspecto de seu impacto eficacial na sociedade em que
fora celebrado.
2.2. Observações acerca do princípio da boa-fé objetiva
Além das finalidades interpretativa, integradora e delimitadora de
direitos subjetivos, o princípio da boa-fé objetiva ainda tem a função
constitutiva (normativa) de deveres anexos ou de proteção, implícitos em
qualquer contrato4.
CONTRATO VÁLIDO ------------------------ RELAÇÃO OBRIGACIONAL:
(FONTE PRIMORDIAL
DE OBRIGAÇÕES)
a) dever jurídico principal:
prestação de DAR,
FAZER ou NÃO FAZER;
b) deveres jurídicos anexos
ou colaterais
(decorrentes da BOA-FÉ
OBJETIVA): lealdade e
confiança, assistência,
informação,
3 THEODORO JR., Humberto. O Contrato e sua Função Social. Rio de Janeiro: Forense, 2003, pág. 43. 4 Sobre a o tema: CORDEIRO, Antônio Menezes. Da Boa-Fé Objetiva no Direito Civil. Portugal: Almedina, 2001. Em nosso sentir, obra máxima, em língua portuguesa, no estudo do princípio.
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confidencialidade ou
sigilo etc.
A boa fé objetiva, pois, é o principio ou norma reguladora desses deveres,
cuja enumeração não pode ser considerada taxativa5.
3. Formação dos Contratos
O contrato se forma quando as manifestações de vontade, em geral
contrapostas, contemporizam-se, conciliando os interesses divergentes, e
formando o denominado consentimento.
O consentimento das partes é a pedra de toque de todo contrato:
PARTE 1 ------------- CONSENTIMENTO ------------- PARTE 2
5 “Entre os deveres com tais características encontram-se, exemplificativamente: a) os deveres de cuidado, previdência e segurança, como o dever do depositário de não apenas guardar a coisa, mas também de bem acondicionar o objeto deixado em depósito; b) os deveres de aviso e esclarecimento, como o do advogado, de aconselhar o seu cliente acerca das melhores possibilidades de cada via judicial passível de escolha para a satisfação de seu desideratum, o do consultor financeiro, de avisar a contraparte sobre os riscos que corre, ou o do médico, de esclarecer ao paciente sobre a relação custo/benefício do tratamento escolhido, ou dos efeitos colaterais do medicamento indicado, ou ainda, na fase pré-contratual, o do sujeito que entra em negociações, de avisar o futuro contratante sobre os fatos que podem ter relevo na formação da declaração negocial; c) os deveres de informação, de exponencial relevância no âmbito das relações jurídicas de consumo, seja por expressa disposição legal (CDC, arts.12, in fine, 14, 18, 20, 30 e 31, entre outros), seja em atenção ao mandamento da boa-fé objetiva; d) o dever de prestar contas, que incumbe aos gestores e mandatários, em sentido amplo; e) os deveres de colaboração e cooperação, como o de colaborar para o correto adimplemento da prestação principal, ao qual se liga, pela negativa, o de não dificultar o pagamento, por parte do devedor; f) os deveres de proteção e cuidado com a pessoa e o patrimônio da contraparte, v.g., o dever do proprietário de uma sala de espetáculos ou de um estabelecimento comercial de planejar arquitetonicamente o prédio, a fim de diminuir os riscos de acidentes; g) os deveres de omissão e de segredo, como o dever de guardar sigilo sobre atos ou fatos dos quais se teve conhecimento em razão do contrato ou de negociação preliminares, pagamento, por parte do devedor etc” (COSTA, Judith Martins-. A Boa-Fé no Direito Privado. São Paulo: RT, 1999, p.439).
5
Na denominada “fase de puntuação”, as partes discutem, ponderam,
refletem, fazem cálculos, estudos, redigem a minuta do contrato, enfim,
contemporizam interesses antagônicos, para que possam chegar a uma
proposta final e definitiva.
No dizer de GUILLERMO BORDA,
“Muchas veces las tratativas contractuales se desenvuelven através de um
tiempo más o menos prolongado, sea porque el negocio es complejo y las
partes quieren estudiarlo em todas sus consecuencias o porque quien lo firma
no tiene poderes suficientes o por cualquier otro motivo”.6
A característica básica desta fase é justamente a não vinculação
(formal) das partes à uma relação jurídica obrigacional, muito embora possa,
em tese, haver responsabilidade civil pré-contratual por quebra de boa-fé
objetiva, caso haja lesão à legítima e firme expectativa de contratar
alimentada por uma das partes, à luz do princípio da confiança. Dependerá da
análise do caso concreto à luz da principiologia constitucional aplicada às
relações de direito privado, consoante veremos em sala.
Esses atos preparatórios, característicos da fase de puntuação, não se
identificam com o denominado contrato preliminar, figura jurídica que é
especialmente – posto não apenas - estudada no âmbito da “promessa de
compra e venda”.
A proposta de contratar, também denominada de policitação, consiste na
oferta de contratar que uma parte faz à outra, com vistas à celebração de
determinado negócio (aquele que apresenta a oferta é chamado de
proponente, ofertante ou policitante).
Trata-se de uma declaração receptícia de vontade.
6 BORDA, Guillermo A. Manual de Contratos. 19 ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2000, pág. 33.
6
O Código Civil, ao disciplinar o tema, na Seção II, do Capítulo I, Título V
(Da Formação dos Contratos), embora não haja elencado os seus elementos
constitutivos, regulou-a, nos seguintes termos:
Art. 427. A proposta de contrato obriga o proponente, se o
contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio, ou
das circunstâncias do caso.
Observe-se, portanto, que a proposta de contratar obriga o proponente
ou policitante, que não poderá voltar atrás, ressalvadas apenas as exceções
capituladas na própria lei (arts. 427 e 428).
Cuida-se, no caso, do denominado princípio da vinculação ou da
obrigatoriedade da proposta, diretriz normativa umbilicalmente ligada ao
dogma da segurança jurídica.
Da análise desse dispositivo, concluímos que o legislador reconhece a
perda da eficácia cogente da oferta, nas seguintes situações especiais:
a) se o contrário (a não-obrigatoriedade) resultar dos termos
dela mesma – é o caso de o proponente salientar, quando da sua
declaração de vontade (oferta), que reserva o direito de retratar-se
ou arrepender-se de concluir o negócio. Tal possibilidade,
entretanto, não deverá existir nas ofertas feitas ao consumidor, na
forma da Lei n. 8078/90 (CDC);
b) se o contrário (a não-obrigatoriedade) resultar da natureza
do negócio – cite-se como exemplo, seguindo o pensamento de
7
CARLOS ROBERTO GONÇALVES, “das chamadas propostas abertas
ao público, que se consideram limitadas ao estoque existente”7;
c) se o contrário (a não-obrigatoriedade) resultar das
circunstâncias do caso – nesse caso, optou o legislador por
adotar uma dicção genérica, senão abstrata, que dará ao juiz a
liberdade necessária para aferir, no caso concreto, e respeitado o
princípio da razoabilidade, situação em que a proposta não poderia
ser considerada obrigatória.
Nessa mesma linha, vale registrar ainda que a proposta pode ter prazo
de validade.
É o que dispõe o art. 428 do CC-02 (correspondente ao art. 1.081, CC-
16):
Art. 428. Deixa de ser obrigatória a proposta:
I - se, feita sem prazo a pessoa presente, não foi
imediatamente aceita. Considera-se também presente a
pessoa que contrata por telefone ou por meio de
comunicação semelhante;
II - se, feita sem prazo a pessoa ausente, tiver decorrido
tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento
do proponente;
III - se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a
resposta dentro do prazo dado;
IV - se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao
conhecimento da outra parte a retratação do proponente.
7 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Obrigações – Parte Especial – Tomo I – Contratos (Sinopses Jurídicas). 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, pág. 16.
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Para que entendamos tais situações, é preciso definir o que se
entende por “pessoa presente” e “pessoa ausente”.
Presentes são as pessoas que mantêm contato direto e simultâneo
uma com a outra, a exemplo daquelas que tratam do negócio pessoalmente,
ou que utilizam meio de transmissão imediata da vontade (como o telefone,
por exemplo). Observe-se que, em tais casos, o aceitante toma ciência da
oferta quase no mesmo instante em que a mesma é emitida.
Ausentes, por sua vez, são aquelas pessoas que não mantém contato
direto e imediato entre si, caso daquelas que contratam por meio de carta ou
telegrama (correspondência epistolar).
Não tendo regulado os contratos eletrônicos, entendemos que tais
regras, constantes no Código Civil, devem, mutatis mutandis, lhes ser
aplicadas.
Nessa linha de raciocínio, poderemos considerar, entre presentes, o
contrato celebrado eletronicamente em um chat (salas virtuais de
comunicação), haja vista que as partes envolvidas mantêm contato direto
entre si quando de sua formação, e, por outro lado, entre ausentes, aquele
formado por meio do envio de mensagem eletrônica (e-mail), pois, nesse caso,
medeia um lapso de tempo entre a emissão da oferta e a resposta.
Fora dessas hipóteses (arts. 427, segunda parte e art. 428),
portanto, a proposta obriga o proponente e deverá ser devidamente
cumprida, caso haja a conseqüente aceitação.
E o que se sentende por aceitação?
Trata-se da manifestação de vontade concordante do aceitante ou
oblato que adere à proposta que lhe fora apresentada.
Cumpre-nos observar que se a aceitação for feita fora do prazo,
com adições, restrições, ou modificações, importará em nova proposta.
Ou seja, caso a aquiescência não seja integral, mas feita intempestivamente
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ou com alterações (restritivas ou ampliativas), converter-se-á em
contraproposta, nos termos do art. 431 do Código Civil.8
Nessa mesma linha, se a aceitação, por circunstância imprevista,
chegar tarde ao conhecimento do proponente, este deverá comunicar o fato
imediatamente ao aceitante, sob pena de responder por perdas e danos (art.
430). Aqui está mais uma aplicação do “dever de informar” decorrente da boa
fé objetiva!...
Finalmente, vale salientar que a aceitação poderá ser expressa ou
tácita, consoante se pode concluir da análise do art. 432 do Código Civil:
Art. 432. Se o negócio for daqueles em que não seja
costume a aceitação expressa, ou o proponente a tiver
dispensado, reputar-se-á concluído o contrato, não chegando
a tempo a recusa.
Por fim, importante questão a ser enfrentada diz respeito à
formação do contrato entre ausentes, especialmente o pactuado mediante
correspondência epistolar.
Aliás, como carecemos de uma disciplina específica dos contratos
eletrônicos, consoante já dissemos, a matéria aqui exposta poderá, mutatis
mutandis, ser adaptada àqueles negócios pactuados via e-mail.
Fundamentalmente, a doutrina criou duas teorias explicativas a
respeito da formação do contrato entre ausentes9:
a) teoria da cognição para os adeptos dessa linha de
pensamento, o contrato entre ausentes somente se consideraria
formado, quando a resposta do aceitante chegasse ao
conhecimento do proponente.
8 Norma muito semelhante vem prevista no Código Civil Argentino: “Art. 1152. Cualquiera modificación que se hiciere em la oferta al aceptarla, importará la propuesta de um nuevo contrato”. 9 Cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva, ob. cit., pág. 25 e RODRIGUES, Silvio. Direito Civil – Dos Contratos e Declarações Unilaterais de Vontade. vol 3. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 1997.
10
b) teoria da agnição (dispensa-se que a resposta chegue ao
conhecimento do proponente):
b.1. sub-teoria da declaração
propriamente dita – o contrato se formaria
no momento em que o aceitante ou oblato
redige, datilografa ou digita a sua resposta.
Peca por ser extremamente insegura, dada a
dificuldade em se precisar o instante da
resposta.
b.2. sub-teoria da expedição - considera
formado o contrato, no momento em que a
resposta é expedida.
b.3. sub-teoria da recepção – reputa
celebrado o negócio no instante em que o
proponente recebe a resposta. Dispensa, como
vimos, que leia a mesma. Trata-se de uma
sub-teoria mais segura do que as demais, pois
a sua comprovação é menos dificultosa,
podendo ser provada, por exemplo, por meio
do A.R. (aviso de recebimento), nas
correspondências.
Mas, afinal, qual seria a teoria adotada pelo nosso direito positivo?
CLÓVIS BEVILÁQUA, autor do projeto do Código Civil de 1916 era,
nitidamente, adepto da sub-teoria da expedição, por reputá-la “a mais
razoável e a mais jurídica”.10
Por isso, boa parte da doutrina brasileira, debruçando-se sobre o art.
1086 do Código revogado, concluía tratar-se de dispositivo afinado com o
pensamento de BEVILÁQUA:
10 BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Obrigações.São Paulo: RED, 2000, pág. 238.
11
Art. 1086 (caput). Os contratos por correspondência
epistolar, ou telegráfica, tornam-se perfeitos desde que a
aceitação é expedida, ... (grifamos)
Na mesma linha, se cotejarmos esse dispositivo com o
correspondente do Código em vigor, teremos a nítida impressão de que foi
adotada a vertente teórica da expedição:
Art. 434. Os contratos entre ausentes tornam-se
perfeitos desde que a aceitação é expedida, exceto:
I - no caso do artigo antecedente;
II - se o proponente se houver comprometido a
esperar resposta;
III - se ela não chegar no prazo convencionado.
(grifamos)
Note-se, entretanto, que o referido dispositivo enumera situações em
que o contrato não se reputará celebrado: no caso do art. 433; se o
proponente se houver comprometido a esperar a resposta (nesta hipótese, o
próprio policitante comprometeu-se a aguardar a manifestação do oblato); ou,
finalmente, se a resposta não chegar no prazo assinado pelo policitante.
Ocorre que se nós observarmos a ressalva constante no inciso I
desse artigo, que faz remissão ao art. 433, chegaremos à inarredável
conclusão de que a aceitação não se reputará existente, se antes dela ou
com ela chegar ao proponente a retratação do aceitante.
Atente para essa expressão: “se antes dela ou com ela CHEGAR ao
proponente a retratação do aceitante”.
12
Ora, ao fazer tal referência, o próprio legislador acabou por negar a
força conclusiva da expedição, para reconhecer que, enquanto não tiver havido
a RECEPÇÃO, o contrato não se reputará perfeito, pois, antes do recebimento
da resposta ou simultaneamente a esta, poderá vir o arrependimento do
aceitante.
Dada a amplitude da ressalva constante no art. 433, que admite,
como vimos, a retratação do aceitante até que a resposta seja recebida pelo
proponente, entendemos que o nosso Código Civil adotou a sub-teoria da
recepção, e não a da expedição11.
Nessa linha, inclusive, enunciado da Terceira Jornada sufraga a tese
da recepção, aplicando-a para a contratação pela via eletrônica:
E. 173 – Art. 434: A formação dos contratos realizados entre pessoas
ausentes, por meio eletrônico, completa-se com a recepção da aceitação pelo
proponente.
4. Classificação dos Contratos
a) Quanto à Natureza da Obrigação.
a.1) Contratos Unilaterais, Bilaterais ou Plurilaterais - na medida
em que o contrato implique em direitos e obrigações para ambos os
contratantes ou apenas para um deles, será bilateral (ex.: compra e venda)
ou unilateral (ex.: depósito), podendo se falar em contrato plurilateral (ou
multi-lateral), na medida em que haja mais de dois contratantes com
obrigações (contrato de constituição de uma sociedade ou de um condomínio);
a.2) Contratos Onerosos ou Gratuitos – Quando a um benefício
recebido corresponder um sacrifício patrimonial (ex: compra e venda), fala-se
11 Nesse sentido, tb., GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das Obrigações – Parte Especial – Tomo I – Contratos (Sinopses Jurídicas). 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p.20/21.
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em contrato oneroso. Quando, porém, fica estabelecido que somente uma
das partes auferirá benefício, enquanto a outra arcará com toda obrigação,
fala-se em contrato gratuito ou benéfico (ex: doação pura (sem encargo) e
comodato).
a.3) Contratos Comutativos ou Aleatórios. Quando as obrigações se
equivalem, conhecendo os contratantes, ab initio, as suas respectivas
prestações, como, por exemplo, na compra e venda ou no contrato individual
de emprego, fala-se em um contrato comutativo. Já quando a obrigação de
uma das partes somente puder ser exigida em função de coisas ou fatos
futuros, cujo risco da não ocorrência for assumido pelo outro contratante, fala-
se em contrato aleatório, previsto nos arts. 458/461, como é o caso, por
exemplo, do contratos de seguro, jogo e aposta, bem como como o contrato
de constituição de renda.
Sub-divisão dos Contratos Aleatórios:
a) Contrato de Compra de Coisa Futura, com
Assunção de Risco pela Existência (emptio spei): nessa
primeira espécie, prevista expressamente no art. 458, o
contratante assume o risco de não vir a ganhar coisa
alguma, deixando à sorte propriamente dita o resultado da
sua contratação;
b) Contrato de Compra de Coisa Futura, sem
Assunção de Risco pela Existência (emptio rei
speratae): nessa segunda hipótese, prevista no art. 459,
CC-02 (art.1.119, CC-16)12, não há a assunção total de
riscos pelo contratante, tendo em vista que o alienante se
comprometeu a que alguma coisa fosse entregue;
c) Contrato de Compra de Coisa Presente, mas
Exposta a Risco assumido pelo Contratante: a última
12 CC-02: “Art.459. Se for aleatório, por serem objeto dele coisas futuras, tomando o adquirente a si o risco de virem a existir em qualquer quantidade, terá também direito o alienante a todo o preço, desde que de sua parte não tiver concorrido culpa, ainda que a coisa venha a existir em quantidade inferior à esperada. Parágrafo único. Mas, se da coisa nada vier a existir, alienação não haverá, e o alienante restituirá o preço recebido”.
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modalidade codificada é a que versa sobre a venda de coisa
atual sujeita a riscos, prevista nos art.46013.
a.4) Contratos Paritários ou por Adesão - Na hipótese das partes
estarem em iguais condições de negociação, estabelecendo livremente as
cláusulas contratuais, na fase de puntuação, fala-se na existência de um
contrato paritário, diferentemente do contrato de adesão, que pode ser
conceituado simplesmente como o contrato onde um dos pactuantes pré-
determina (ou seja, impõe) as cláusulas do negócio jurídico
a.5) Contratos Evolutivos - Classificação proposta pelo Prof. ARNOLDO
WALD, para se referir a figuras contratuais, próprias do Direito Administrativo,
em que é estabelecida a equação financeira do contrato, impondo-se a
compensação de eventuais alterações sofridas no curso do contrato, pelo que o
mesmo viria com cláusulas estáticas, propriamente contratuais, e outras
dinâmicas, impostas por lei.
b) Classificação dos Contratos quanto à Disciplina Jurídica (civis,
comerciais, trabalhistas, consumeristas e administrativos).
c) Classificação dos Contratos quanto à Forma.
c.1) Solenes ou Não-Solenes - Quanto à imprescindibilidade de
uma forma específica para a validade da estipulação contratual;
c.2) Consensuais ou Reais - Em relação à maneira (forma) pela
qual o negócio jurídico é considerado ultimado, ainda nesta classificação
quanto à forma, os contratos podem ser consensuais, se concretizados com a
simples declaração de vontade, ou reais, na medida que exijam a entrega da
coisa, para que se reputem existentes.
d) Classificação dos Contratos quanto à Designação (nominados e
inominados) - pode-se falar na existência de contratos nominados e
contratos inominados, na medida em que tenham terminologia ou 13 CC-02: “Art.460. Se for aleatório, por se referir a coisas existentes, mas expostas a risco, assumido pelo adquirente, terá igualmente direito o alienante a todo o preço, posto que a coisa já não existisse, em parte, ou de todo, no dia do contrato”
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nomenclatura definida e prevista expressamente em lei ou, em caso contrário,
sejam apenas fruto da criatividade humana.
e) Classificação dos Contratos quanto à Pessoa do Contratante.
e.1) Pessoais ou Impessoais – Quanto à importância da pessoa do
contratante para a celebração e produção de efeitos do contrato, podem
tais negócios jurídicos ser classificados em contratos pessoais ou contratos
impessoais. Os primeiros, também chamados de personalíssimos, são os
realizados intuitu personae, ou seja, celebrados em função da pessoa do
contratante, que tem influência decisiva para o consentimento do outro, para
quem interessa que a prestação seja cumprida por ele próprio, pelas suas
características particulares (habilidade, experiência, técnica, idoneidade etc).
Nessas circunstâncias, é razoável se afirmar, inclusive, que a pessoa do
contratante torna-se um elemento causal do contrato (ex: contrato de
emprego). Já os contratos impessoais são aqueles em que somente interessa
o resultado da atividade contratada, independentemente de quem seja a
pessoa que irá realizá-la.
e.2) Individuais ou Coletivos - Tem-se como parâmetro também o
número de sujeitos envolvidos/atingidos. No contrato individual, sua
concepção tradicional se refere a uma estipulação entre pessoas determinadas,
ainda que em número elevado, mas consideradas individualmente. Já no
contrato coletivo, também chamado de contrato normativo, tem-se uma
transubjetivização da avença, alcançando grupos não individualizados,
reunidos por uma relação jurídica ou de fato.
f) Classificação dos Contratos quanto ao Tempo.
f.1) Instantâneos (execução imediata ou execução diferida) -
Por contratos instantâneos, compreendam-se as relações jurídicas
contratuais cujos efeitos são produzidos de uma só vez (ex: compra e venda a
vista de bens móveis, em que o contrato se consuma com a tradição da coisa).
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Tal produção concentrada de efeitos, porém, pode se dar ipso facto à avença
ou em data posterior à celebração (em função da inserção de um termo
limitador da sua eficácia), subdividindo-se, assim, tal classificação em
contratos instantâneos de execução imediata ou de execução diferida. Tal
subclassificação também tem interesse prático, tendo em vista que, nos
contratos de execução diferida, é aplicável a teoria da imprevisão, por
dependerem de circunstâncias futuras, o que, por óbvio, inexiste nos contratos
de execução imediata.
f.2) De duração (determinada ou indeterminada) - Já os contratos
de duração, também chamados de contratos de trato sucessivo, execução
continuada ou débito permanente14, são aqueles que se cumprem por meio
de atos reiterados, como, por exemplo, o contrato de prestação de serviços,
compra e venda a prazo e o contrato de emprego. Tal duração pode ser
determinada ou indeterminada, na medida em que haja ou não previsão
expressa de termo final ou condição resolutiva a limitar a eficácia do contrato.
g) Classificação dos Contratos quanto à Disciplina Legal Específica
(típicos e atípicos) - Quando há uma previsão legal da disciplina de
determinada figura contratual, estaremos diante de um contrato típico; na
situação inversa, ou seja, em que o contrato não esteja disciplinado/regulado
pelo Direito Positivo, vislumbraremos um contrato atípico.
h) Classificação pelo Motivo Determinante do Negócio (causais e
abstratos) - Classificação (lembrada por SILVIO RODRIGUES), que toma, por
base, o motivo determinante do negócio, para dividi-los em contratos
causais e contratos abstratos. Os primeiros estão vinculados à causa que os
determinou, podendo ser declarados inválidos, se a mesma for considerada 14 “Débito permanente é o que consiste em uma prestação tal que não é possível conceber sua satisfação em um só momento; mas, do contrário, tem de ser cumprida durante certo período de tempo, continuadamente. A determinação de sua duração resulta da vontade das partes, mediante cláusula contratual em que subordinam os efeitos do negócio a um acontecimento futuro e certo, ou da declaração de vontade de um dos contratantes pondo termo à relação (denúncia). São, por conseqüência, por tempo determinado ou indeterminado” (GOMES, Orlando. Contratos, 24 ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001, p.79).
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inexistente, ilícita ou imoral. Já os contratos abstratos seriam aqueles cuja
força decorre da sua própria forma, independentemente da causa que o
estipulou. Seriam os exemplos dos títulos de crédito em geral, como um
cheque.
i) Classificação pela Função Econômica (de troca, associativos, de
prevenção de riscos, de crédito e de atividade)
a) de troca: caracterizado pela permuta de utilidades
econômicas, como, por exemplo, a compra e venda
b) associativos: caracterizado pela coincidência de fins, como é
o caso da sociedade e da parceria;
c) de prevenção de riscos: caracterizado pela assunção de
riscos por parte de um dos contratantes, resguardando a
possibilidade de dano futuro e eventual, como nos contratos de
seguro, capitalização e constituição de renda;
d) de crédito: caracterizado pela obtenção de um bem para ser
restituído posteriormente, calcada na confiança dos
contratantes e no interesse de obtenção de uma utilidade
econômica em tal transferência. É a hipótese típica do mútuo
feneratício (a juros);
e) de atividade: caracterizado pela prestação de uma conduta
de fato, mediante a qual se conseguirá uma utilidade
econômica. Como exemplos, podem ser lembrados os
contratos de emprego, prestação de serviços, empreitada,
mandato, agência e corretagem.
j) Contratos Reciprocamente Considerados
j.1. Classificação quanto à Relação de Dependência (principais e
acessórios) - Os contratos principais são os que têm existência autônoma,
independentemente de outro. Por exceção, existem determinadas relações
contratuais cuja existência jurídica pressupõe a de outros contratos, a qual
servem. É o caso típico da fiança, caução, penhor, hipoteca e anticrese.
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j.2. Classificação quanto à Definitividade (preliminares e
definitivos) - Por fim, quanto à definitivamente, podem ser os contratos ser
classificados em preliminares e definitivos. Os contratos preliminares (ou
pactum de contrahendo), exceção no nosso ordenamento jurídico, nada mais
são do que negócios jurídicos que têm por finalidade justamente a celebração
de um contrato definitivo.
OBS.: Este tópico (classificação dos contratos) foi elaborado por RODOLFO
PAMPLONA FILHO (co-autor da obra Novo Curso de Direito Civil – Saraiva), a
quem registramos o nosso agradecimento.
Contato: rpamplonafilho@uol.com.br
5. Textos Complementares
Seguem textos, meus amigos, de dois grandes civilistas do Brasil, o Profs.
Antônio Junqueira de Azevedo (sobre o Projeto do CC) e Flávio Tartuce.
O princípio da boa-fé nos contratos
Antônio Junqueira de Azevedo15
RESUMO
Tece críticas referentes ao art. 421 do Projeto do Código Civil, onde está
presente a cláusula geral da boa-fé nos contratos. Como insuficiências,
destaca: a) não se pode saber se o artigo representa norma cogente ou
dispositiva; b) o artigo se limita ao período que vai da conclusão até a
execução do contrato, não prevendo a aplicação da boa-fé nas fases pré e pós-
contratuais. Como deficiências do art. 421, cita a ausência de disposições
15 Fonte: www.cjf.gov.br
19
sobre: deveres anexos, cláusulas faltantes e cláusulas abusivas. A última
crítica é que o Projeto assenta-se em um paradigma ultrapassado, centrado na
figura do julgador, devendo o paradigma atual centrar-se na Constituição, em
normas cogentes.
ABSTRACT
The text criticises the Art. 421 of the Civil Code Project where the general
clause on good faith in contracts is established. As inadequacies, it states that:
a) it is not possible to know if the article is a reasonably necessary or specific
norm, b) the article is only about the period between the conclusion and the
execution of the contract, not predicting the good faith application in the
phases before and after the contract. It also considers as inadequacies of the
Art. 421 and mentions that there are not dispositions about attached rights,
missing and abusive clauses. The last criticism is that the Project is based in an
outmoded paradigm, centred in the judge figure. The actual paradigm should
centred itself in the Constitution, in reasonably necessary norms.
O tema "Boa-fé nos contratos" é uma homenagem que faço ao Prof. Clóvis do
Couto e Silva.
Meu intuito é fazer a crítica de um projeto de lei. Sinto-me nisso como quem
cumpre um dever.
A presença da boa-fé no Projeto está em três artigos: em um sobre o exercício
de direito, em outro sobre interpretação — como se deve interpretar os
negócios jurídicos — e no que me diz respeito boa-fé nos contratos, no art.
421, cujo texto é o seguinte: Os contratantes são obrigados a guardar, assim
na conclusão do contrato como em sua execução, os princípios da probidade e
da boa-fé.
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O artigo é insuficiente, deficiente e, além de tudo, revela que está num
paradigma anterior aos tempos em que estamos vivendo. Ele está no
paradigma do sistema que alguns dizem aberto, de cláusulas gerais e conceitos
indeterminados. No meu modo de entender, já estamos, no mundo, hoje, em
outro paradigma.
O primeiro paradigma se baseava inteiramente na segurança da lei — naquela
idéia de que a lei deve ser universal, geral, prever tudo com precisão e, tanto
quanto possível, ser completa. O papel do juiz, nesse paradigma, era o de um
autômato. É o famoso juiz "boca da lei", la bouche de la loi, na linguagem de
Montesquieu.
Esse paradigma, no começo do século XX, foi alterado, foi substituído pelo
segundo paradigma, que hoje alguns estão chamando de "sistema aberto".
Nesse sistema, o ponto central deixou de ser a lei e passou a ser o juiz. Para
isso, passou-se a utilizar conceitos indeterminados e cláusulas gerais.
A boa-fé é um conceito indeterminado. Quando se refere ao tipo de
comportamento exigido — por exemplo, dos contratantes — configura-se em
cláusula geral.
O artigo referido, com a evolução do Direito, é hoje insuficiente por várias
razões. Uma delas é que não sabemos se representa uma norma cogente ou se
é uma norma dispositiva. O Projeto de Código Civil não levou em consideração
códigos modernos, como o Uniform Comercial Code (Código Comercial
americano) — na verdade, ainda que tenha horror aos americanos, os Estados
Unidos são a Nação que está impondo as suas regras e nada mais lógico que,
pelos menos, se verificasse aquilo que é o código prescritivo, normativo, no
mundo americano. O Uniform Comercial Code diz sobre a boa-fé: The
obligation of good faith may not be disclaimed by agreement, ou seja, no
Direito americano está muito claro que a obrigação de boa-fé não pode ser
afastada por contrato. Portanto, ele está imposto como cogente, mas, o
mesmo artigo do Código americano é ainda mais completo porque acrescenta
21
que as partes podem, por contrato, determinar quais os standards by with the
performance of such obligation is to be measured, ou seja, o standard pelo
qual a "performance", a execução da obrigação, será executada. Naturalmente
há determinações possíveis pelas partes, segundo o tipo de área de atividade e
de negócio que estão fazendo. Já nas Ordenações do Reino se dizia que quem
compra cavalo no mercado de Évora não tem direito aos vícios redibitórios. Se
um sujeito vai negociar no mercado de objetos usados, em feira de troca, a
boa-fé exigida de um vendedor não pode ser igual à de uma outra loja ou
outro negócio, em que há um pressuposto de cuidado. Portanto, no caso do
Projeto, não se sabe se a norma é cogente e não se fala se as partes podem
adotar outros standards ou quais standards e assim por diante.
Segunda insuficiência: o art. 421 se limita ao período que vai da conclusão do
contrato até a sua execução. Sempre digo que o contrato é um certo processo
em que há um começo, prosseguimento, meio e fim. Temos fases contratuais
— fase pré-contratual, contratual propriamente dita e pós-contratual. Uma das
possíveis aplicações da boa-fé é aquela que se faz na fase pré-contratual, fase
essa em que temos as negociações preliminares, as tratativas. É um campo
propício para o comportamento de boa-fé, no qual ainda não há contrato e
podem-se exigir aqueles deveres que uma pessoa deve ter como correção de
comportamento em relação ao outro.
Cito um caso entre a Cica e plantadores de tomate, no Rio Grande do Sul, no
qual, em pelo menos 4 acórdãos, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
reconheceu que a Companhia Cica havia criado expectativas nos possíveis
contratantes — pequenos agricultores —, ao distribuir sementes para que
plantassem tomates e, depois, errou ao se recusar a comprar a safra dos
tomates. Houve, então, prejuízo dos pequenos agricultores, baseado na
confiança despertada antes do contrato, fase pré-contratual. Logo, o caso do
art. 421 deveria também falar em responsabilidade pré-contratual ou extensão
do comportamento de boa-fé na fase pré-contratual.
22
Faço um parêntese para exemplificar, transformando em hipótese o que li nos
jornais de hoje sobre o caso da Ford com o Governador do Rio Grande do Sul.
A Ford, durante os dois anos em que teria procurado montar a sua indústria,
certamente teve muitos gastos e, de repente, o negócio não teria sido
efetivado. O problema da responsabilidade pré-contratual é justamente esse,
qual seja, o dos gastos que se fazem antes do contrato e quando há a ruptura.
Se essa hipótese da Ford for pré-contratual — no caso, suponho ter havido
algum contrato anterior — mas se não houvesse, e se fosse apenas um
problema de negociações, antes de qualquer efetivação do negócio, haveria
dois pressupostos da responsabilidade pré-contratual: a confiança na
realização do futuro negócio e o investimento na confiança. Faltariam, talvez,
outros dois pressupostos: o de poder atribuir uma justificação à confiança que
alguém teve e, em segundo lugar, o de que essa confiança tenha sido causada
pela outra parte. Assim, poderíamos duvidar se o Governador chegou a criar
essa confiança e, portanto, provocou a despesa da indústria; e, ainda, se a
indústria não confiou demais e assim por diante. São problemas em aberto,
mas de qualquer maneira, o meu primeiro ponto sobre a responsabilidade pré-
contratual é que há uma omissão do Projeto de Código Civil, no artigo em
causa.
A terceira insuficiência é na fase pós-contratual, porque se está dito "boa-fé na
conclusão" e "na execução", nada está dito sobre aquilo que se passa depois
do contrato. Isso também é assunto que a doutrina tem tratado — a chamada
"responsabilidade pós-contratual" ou post pactum finitum. Darei três exemplos
para comprovação de que, após o contrato encerrado, ainda há possibilidade
de exigir boa-fé dos contratantes:
1 O proprietário de um imóvel vendeu-o e o comprador o adquiriu por este ter
uma bela vista sobre um vale muito grande, construindo ali uma bela
residência, que valia seis vezes o valor do terreno. A verdade é que o vendedor
gabou a vista e aí fez a transferência do imóvel para o comprador — negócio
acabado. Depois, o ex-proprietário, o vendedor foi à prefeitura municipal,
verificou que não havia a possibilidade de construir um prédio em frente, mas
23
adquiriu o prédio em frente ao que tinha vendido e conseguiu na prefeitura a
alteração do plano diretor da cidade, permitindo ali uma construção. Quer
dizer, ele construiu um prédio que tapava a vista do próprio terreno que havia
vendido ao outro — esse não era ato literalmente ilícito. Ele primeiramente
vendeu, cumpriu a sua parte. Depois, comprou outro terreno, foi à prefeitura,
mudou o plano, e aí construiu. A única solução para o caso é aplicar a regra da
boa-fé. Ele faltou com a lealdade no contrato que já estava acabado. É,
portanto, post pactum finitum.
2 Uma dona de boutique encomendou a uma confecção de roupas 120 casacos
de pele. A confecção fez os casacos, vendeu-os e os entregou para essa dona
da boutique. Aí, liquidado esse contrato, a mesma confecção fez mais 120
casacos de pele idênticos e vendeu-os para a dona da boutique vizinha. Há,
também, evidentemente, deslealdade e post pactum finitum.
1. Um indivíduo queria montar um hotel e procurou o melhor e mais
barato carpete para colocar no seu empreendimento. Conseguiu
uma fornecedora que disse ter o preço melhor, mas que não fazia
a colocação. Ele pediu, então, à vendedora a informação de quem
poderia colocar o carpete. A firma vendedora indicou o nome de
uma pessoa que já tinha alguma prática na colocação do carpete,
mas não disse que o carpete que estava fornecendo para esse
empresário era de um tipo diferente. O colocador do carpete pôs
uma cola inadequada e, semanas depois, todo o carpete estava
estragado. A vendedora dizia: cumpri a minha parte no contrato,
entreguei, recebi o preço, o carpete era esse, fiz favor indicando
um colocador. Segundo a regra da boa-fé, ela não agiu com
diligência, porque, no mínimo, deveria tê-lo alertado — uma
espécie de dever de informar e de cuidar depois de o contrato ter
terminado — a propósito do novo tipo de carpete. Há
responsabilidade pós-contratual.
24
Portanto, o art. 421 está insuficiente, pois só fala em conclusão — o momento
em que se faz o contrato — e execução. Não fala nada do que está para
depois, nem falava do que estava antes. Finalmente, ainda a propósito das
insuficiências, o artigo fala apenas em execução, no momento final, e muitas
vezes o caso na verdade não chega a ser de execução, mesmo que dilatemos a
expressão em português "execução".
A respeito da "substancial performance", ou seja, o contratante que executa
em grande parte as suas obrigações e somente não executa uma pequena
parte, por não executar essa pequena parte não seria razoável que se
rescindisse o contrato. O caso dessas cláusulas que permitem uma resolução
por um contratante tendo em vista o inadimplemento de outro, é de
inexecução e não propriamente de execução. Mas uma cláusula resolutiva pode
ser empregada com má-fé. O Código deveria ter dito "execução" ou "extinção
da obrigação". Não só o Código Comercial americano, a que vinha me
referindo, fala em "performance" ou enforcement; outros códigos mais novos,
a exemplo do de Quebec, também se referem à execução ou à extinção da
obrigação. Até o Código da Louisiana tratou do assunto.
Refiro-me a esses códigos porque são desta década. O que estou citando do
Código Comercial americano é da última edição, de 1990; o Código da
Louisiana, edição de 1999, que foi revista; e o Código de Quebec entrou em
vigor em 1994.
Os autores do Projeto de Código Civil não tiveram conhecimento dessas leis,
porque elas são posteriores. Mas esse é o ponto: ficamos com um Projeto de
Código Civil feito antes de os atuais estudantes de Direito terem nascido! O
mundo mudou muito; as coisas ficaram não-factíveis na situação em que
estamos.
Até aqui falamos das insuficiências; temos ainda as deficiências e o problema
dos paradigmas — o assunto é vasto.
25
Com relação às deficiências, a regra da boa-fé tem uma espécie de função que
chamo de "pretoriana" em relação ao contrato. O chamado "Direito
Pretoriano", no Direito romano, foi aquele que os pretores introduziram para
ajudar, suprir e corrigir o Direito Civil. Havia o Direito Civil estrito (o Direito
Civil mais rigoroso) e o Direito Pretoriano veio adjuvandi, supplendi, vel
corrigendi e juris civilis gratia.
Essa tríplice função existe na cláusula geral de boa-fé, porque justamente a
idéia dessa cláusula no contrato é ajudar na interpretação do contrato,
adjuvandi, suprir algumas das suas falhas, acrescentar o que nele não está
incluído supplendi e eventualmente corrigir alguma coisa que não é de direito
no sentido de justo corrigendi. Esse é o papel da cláusula de boa-fé nos
contratos feitos.
São essas três funções os pontos que, nos países europeus, na doutrina da
boa-fé, mais são salientados. Houve um certo movimento, desde o começo do
século, a propósito da boa-fé, ela já teve até mais importância do que tem
hoje e nos últimos anos tem havido até um certo refluxo da mesma, mas
continua fundamental para os contratos.
A interpretação de acordo com a boa-fé está bem tanto no art. 421 como no
primeiro artigo da Parte Geral sobre interpretação dos negócios jurídicos. Mas
as outras duas funções, aquela que é supplendi e a outra que é corrigendi, não
estão no Projeto. No caso da função supplendi, há dois aspectos: um é o
problema dos deveres anexos. A cláusula de boa-fé — sempre comentada por
todos os tratadistas, por todos os manuais — cria deveres anexos ao vínculo
principal. Existe aquilo a que as partes expressamente se referiram e, depois,
há deveres colocados ao lado, ora ditos secundários, ora anexos,
especialmente o dever de informar, mais um dever negativo, o de manter
sigilo sobre alguma coisa que soube da outra parte, ou até deveres ditos
positivos, como o de procurar colaborar com a outra parte (daí até uma visão
talvez excessivamente romântica, de que os contratantes devem colaborar
entre si).
26
Esses deveres anexos, nos Códigos a que estava me referindo, hoje estão
expressos. O Código Civil holandês, por exemplo, trata do assunto no art. 242
do Livro das Obrigações e diz que as partes devem respeitar aquilo que
convencionaram. Ou seja, o contrato não produz somente os efeitos que foram
convencionados entre as partes, mas igualmente aqueles que, segundo a
natureza do contrato, decorrem das exigências da razão e da eqüidade. Razão
e eqüidade é a maneira como o Código Civil holandês se refere à boa-fé. Os
autores holandeses evitaram a palavra "boa-fé", para que não houvesse
confusão com a chamada "boa-fé subjetiva" — a boa-fé no sentido de
conhecimento ou desconhecimento de uma situação. Como o caso da cláusula
geral da boa-fé não é um problema de boa-fé subjetiva, mas sim objetiva, no
sentido de comportamento, os holandeses preferiram mudar a expressão para
"exigências da razão e da eqüidade". De qualquer maneira, falam da boa-fé
criando deveres. Idem o art. 1.434 do Código do Quebec que, no caso, já fala
em boa-fé. O Projeto, para estar pelo menos de acordo com os dias de hoje,
deveria ter expressa a regra da criação dos deveres anexos.
O outro ponto, a propósito do supplendi das funções da cláusula de boa-fé,
refere-se às cláusulas faltantes. Às vezes as partes fazem o contrato e, por
omissão, falta de previsão ou incapacidade redacional, não incluem alguma
cláusula; teremos, então, uma omissão. Também o Código da Louisiana prevê
a falta de cláusula e atribui à boa-fé a idéia de pôr a cláusula que falta no lugar
da omissão.
A terceira função corrigendi a que me referi e é talvez a pior omissão do
Projeto do Código Civil no tema: "cláusulas abusivas". O nosso Código do
Consumidor, que veio muito depois do Projeto do Código Civil, está mais
atualizado do que este. O assunto das cláusulas abusivas não só tem um
elenco no art. 51 do Código como até o Ministério da Justiça publicou mais 29
— no mês de março de 1999 — cláusulas abusivas em matéria de planos de
saúde, de cartão de crédito, de transporte aéreo etc.
27
O que se passa no resto do mundo, a propósito disso, são referências à boa-fé,
como maneira de evitar as cláusulas abusivas. Por exemplo, no Código de
Quebec, em que se define o que é cláusula abusiva, é feita a distinção entre
contrato de consumo (le consommateur) e contrato de adesão, porque pode
haver contrato de adesão de quem não é consumidor. Considera, portanto,
abusiva a cláusula que leva à desvantagem o consumidor, ou aderente a
cláusula que, de uma maneira excessiva e irrazoável (déraisonnable), vá
contra as exigências da boa-fé. Mais adiante torna a acrescentar que é abusiva
especialmente a cláusula tão afastada das obrigações essenciais que desnatura
o contrato. O Código Civil holandês também define, em seu art. 248, o que é
cláusula abusiva e assim por diante.
Apontei insuficiências e deficiências a propósito da boa-fé nos contratos.
Agora, passarei a uma visão mais global, que demonstra que o paradigma do
Projeto de Código Civil está ultrapassado. Em primeiro lugar, qualquer cientista
hoje na Biologia, na Física ou na Química conhece um historiador das ciências
chamado Thomas Kuhn, que escreveu um livro chamado A estrutura das
revoluções científicas — Tradução por Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira.
São Paulo: Perspectiva, 1975. 262 p. (Debates; 115). Não trata de Direito,
mas define o que é paradigma, dizendo que o mundo intelectual caminha por
mudanças de paradigma. Um paradigma foi, por exemplo, na Astronomia, o de
Ptolomeu; outro, o de Copérnico. Um paradigma é o da geometria de Euclides;
outro, o da geometria não-euclidiana. Um da Biologia antes da genética, dos
gens; outro, o da genética, e assim por diante.
No caso do Direito — e isso é senso comum —, aquele paradigma do século
passado, da lei, do juiz autômato, da lei geral, universal, em que o juiz não
tinha papel algum, ficou ultrapassado.
Veio, então, um segundo paradigma, no qual o juiz ganhou um papel
importante, inclusive com os trabalhos sobre hermenêutica, o que trouxe
mudanças ao tipo de solução. E é isso o que Kuhn diz a propósito de
paradigma, que é uma espécie de modelo de solução que uma determinada
28
área do conhecimento apresenta para os problemas. O paradigma na visão de
Kuhn é um modelo que serve a um grupo que se dedica a algum tipo de
conhecimento, para solucionar os problemas que se apresentam.
O mundo inteiro, em todas as áreas, está acostumado a trabalhar com
problemas. Todo biólogo tem problema; todo físico tem problema. A maneira
como se soluciona o problema é o paradigma, e isso aprendemos na escola. O
professor transmite para o aluno; o aluno aprende e será operador do Direito
com o paradigma que recebeu. Daí uma certa dificuldade quando o paradigma
está em mudança ou quando o anterior entrou em crise. Muitos juristas,
muitos professores, no caso do Direito, recusam as inovações.
Após o da lei, o paradigma dito do juiz, daquele tempo em que o Estado era
intervencionista, era aquele que usava os famosos conceitos jurídicos
indeterminados, as cláusulas gerais; os conceitos indeterminados eram
principalmente o que chamo de "bando dos quatro" — à moda daquela
revolução cultural comunista —, quais sejam: função social, boa-fé, ordem
pública e interesse público.
O problema todo desses quatro conceitos é que eles não têm conteúdo, são
vazios do ponto de vista axiológico. Eles servem para retórica, e o mundo de
hoje não se conforma mais com esses conceitos vazios. O paradigma, que
antes era da lei, passou a ser o do juiz e hoje é o do caso concreto e da
Constituição. Hoje estamos fugindo do juiz. Essa fuga não é um problema do
Judiciário, ele vai decidir o que é da missão dele, que é conflito real, o caso
difícil, que exige ponderação. Mas o juiz é um julgador e, quando não há
necessidade desse julgador, não é preciso o juiz. Nesse sentido, há uma fuga
do juiz.
Aponto não só a Lei da Arbitragem, que é evidente, mas as instituições como a
Bolsa de Mercadorias e Futuros, como a CVM — Comissão de Valores
Mobiliários — a OAB, Conselho de Medicina e várias outras instituições cujos
problemas não deságuam no Judiciário. Fiquei perplexo quando tive de tratar
29
de um assunto acadêmico — uma tese sobre a Bolsa de Mercadorias e Futuros
— e verifiquei que todos os dias há milhões e milhões de reais que se
transferem entre pessoas que negociam na Bolsa de Mercadorias e Futuros.
Nenhum caso da Bolsa de Mercadorias e Futuros está no Poder Judiciário! As
pessoas estão fugindo da estrutura do Judiciário, própria do paradigma
anterior. As escolhas, hoje em dia, recaem em apelar para a Constituição e
outros tipos de soluções. O Projeto de Código Civil infelizmente volta a insistir
na presença do juiz para muita coisa. O Projeto está no paradigma do Estado
inchado.
Os conceitos indeterminados — o "bando dos quatro" a que me referi —
continuam a ser usados hoje, mas agora com diretrizes materiais. A
Constituição, sobre a função social, não se limitou a dizer que a propriedade
tem função social, como está no art. 5º. Na verdade, disse o que era função
social no art. 182, § 2º, para os imóveis urbanos e para a propriedade rural no
art. 186. Ou seja, dá diretrizes, não é um jogo de palavras retórico.
Com relação à boa-fé, todos os códigos modernos dão diretrizes. O Código Civil
holandês diz que a boa-fé deve ser vista de acordo com o Direito holandês, de
acordo com o interesse das partes, combinado com o interesse coletivo.
Procura-se dar ao juiz alguma diretiva; uma diretriz para o conceito.
Evidentemente, há normas de ordem pública — um tipo de situação da qual se
fala tanto — que são as cogentes: estas continuam, sem problema. O
problema real do conceito indeterminado de ordem pública é quando se fala
em "princípio" de ordem pública e não em "regra" de ordem pública. A regra
de ordem pública é a cogente, mas, quando se fala em princípio e que aí não
tem definição, a tendência hoje é recusar esse emprego vago. Na verdade,
deve-se fazer a distinção entre ordem pública de direção — que era aquela
econômica, própria da primeira metade do século — e a ordem pública de
proteção às pessoas mais fracas — que se reflete em normas cogentes. A
ordem pública de direção, hoje encarada como princípio, está limitada à
dignidade humana. Quando alguma norma, alguma decisão, algum contrato
30
quebra a dignidade humana, podemos dizer que ela quebra o princípio de
ordem pública; mas daí extravasar para uma ordem pública de ordem
econômica já não está no mundo de hoje.
Todo código implica um certo desgaste social e um trabalho muito grande para
os operadores do Direito. O meu ponto de vista é que o Projeto de Código Civil
é um pouco, só um pouco mais adiantado do que o Código Civil vigente. Claro,
porque um é de 1916 e o outro é de 1970. Porém, não concordo — tendo em
vista as mudanças do mundo de hoje — em adotarmos, para o ano 2000, um
Projeto, que é de 1970, por uma pequena melhora em relação ao Código Civil.
Não vale, tudo posto na balança, o desgaste que isso representa e aquilo que
vai resultar para nós. A questão não é só o Código Civil, e sim, todo o Direito
Civil, e o Direito Civil como está é superior ao Direito Civil como ficaria, se
fosse aprovado o Projeto.
O Dr. Antonio Junqueira de Azevedo é Professor da Universidade de São
Paulo.
A FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS, A BOA-FÉ OBJETIVA E AS
RECENTES SÚMULAS DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.16
Flávio Tartuce.17
Sumário: 1. INTRODUÇÃO. 2. A SÚMULA 308 DO SUPERIOR TRIBUNAL
DE JUSTIÇA: A RESTRIÇÃO DOS EFEITOS DA HIPOTECA.. 3. A
SÚMULA 302 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: A ABUSIVIDADE
DA CLÁUSULA RESTRITRIVA DE INTERNAÇÃO EM CONTRATOS DE
PLANO DE SAÚDE. 3. AS SÚMULAS 297 E 285 DO SUPERIOR
16 Artigo publicado na Revista científica da Escola Paulista de Direito (EPD – São Paulo). Ano I. N. I. Maio/Agosto de 2005. Coordenação científica Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka. 17 Graduado pela Faculdade de Direito da USP em 1998. Especialista em Direito Contratual pela COGEAE-PUC/SP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC/SP. Professor dos cursos de pós-graduação em Direito Civil, Direito Civil e Processo Civil e Direito Empresarial da Escola Paulista de Direito (EPD). Autor e colaborador de obras jurídicas. Advogado em São Paulo. Site: www.flaviotartuce.adv.br.
31
TRIBUNAL DE JUSTIÇA. A APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR ÀS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS E FINANCEIRAS. 4. A
SÚMULA 286 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: A POSSIBILIDADE
DE REVISÃO DE CONTRATOS OBJETO DE NOVAÇÃO. 5. REFERÊNCIA
BIBLIOGRÁFICAS.
1. INTRODUÇÃO.
Em nosso livro A Função Social dos Contratos, tivemos a oportunidade de
demonstrar toda a evolução pela qual vem passando o contrato,
particularmente todas as alterações substanciais pelas quais vem passando
esse instituto, que é basilar e fundamental não só para o Direito Civil, como
para todo o Direito Privado.18
Não vamos, aqui, repetir todos os conceitos que constaram naquela obra.
Na realidade, o presente trabalho serve como atualização antecipada do nosso
trabalho, trazendo novos tratamentos jurisprudenciais dados tanto em relação
à função social dos contratos quanto à boa-fé objetiva. Isso, inclusive, para
demonstrar que a jurisprudência de nossos Tribunais superiores vêm
acompanhando essa tendência.
De qualquer forma, pertinente lembrar que, pela função social dos
contratos, os negócios jurídicos patrimoniais devem ser analisados de acordo
com o meio social. Não pode o contrato trazer onerosidades excessivas,
desproporções, injustiça social.19 Também, não podem os contratos violar
18 Flávio Tartuce. A Função Social dos Contratos. Do Código de Defesa do Consumidor ao Novo Código Civil. São Paulo: Método, 2005. 19 Não se pode esquecer que o contrato é importante fonte obrigacional. Nesse sentido, Nelson Rosenvald, um dos mais brilhantes juristas da nova geração sintetiza muito bem como deve ser encarada a obrigação atualmente: “A obrigação deve ser vista como uma relação complexa, formada por um conjunto de direitos, obrigações e situações jurídicas, compreendendo uma série de deveres de prestação, direitos formativos e outras situações jurídicas. A obrigação é tida como um processo – uma série de atos relacionados entre si -, que desde o início se encaminha a uma finalidade: a satisfação do interessa na prestação. Hodiernamente, não mais prevalece o status formal das partes, mas a finalidade à qual se dirige a relação dinâmica. Para além da perspectiva tradicional de subordinação do devedor ao credor existe o bem comum da relação obrigacional, voltado para o adimplemento, da forma mais satisfativa ao credor e menos onerosa ao devedor. O bem comum na relação obrigacional traduz a solidariedade mediante a cooperação dos indivíduos para a satisfação dos interesses patrimoniais recíprocos, sem comprometimento dos direitos da
32
interesses metaindividuais ou interesses individuais relacionados com a
proteção da dignidade humana, conforme reconhece Enunciado n. 23 do
Conselho da Justiça Federal, aprovado na I Jornada de Direito Civil.20
Assim sendo, entendemos que a função social dos contratos traz
conseqüências dentro do contrato (intra partes) e também para fora do
contrato (extra partes).
Como efeito intra partes, citamos a previsão do art. 413 do novo Código
Civil, exemplo típico de relativação da força obrigatória do contrato (pacta sunt
servanda), justamente uma das conseqüências da função social dos negócios
jurídicos. Por esse dispositivo, o juiz deve reduzir o valor da cláusula penal se
a obrigação tiver sido cumprida em parte ou se entender que a multa é
excessivamente onerosa. Como o comando legal utiliza-se a expressão “deve”
a redução é de ofício, sem a necessidade de argüição pela parte interessada.
Isso é confirmado pela natureza jurídica do princípio da função social dos
contratos, de ordem pública, conforme previsão do art. 2.035, parágrafo único,
do próprio Código Civil.21
Como exemplo de efeitos extra partes, citamos um caso em que o
contrato, pelo menos aparentemente, é bom para as partes, mas ruim para a
sociedade. Podemos citar um contrato celebrado entre uma empresa e uma
agência de publicidade. O contrato é civil e paritário, não trazendo qualquer
desequilíbrio ou quebra do sinalagma. Entretanto, a publicidade veiculada é
discriminatória (publicidade abusiva – art. 37, § 2º do CDC), estando nesse
ponto presente o vício. Pela presença do abuso de direito, o contrato pode ser
personalidade e da dignidade do credor e devedor” (Dignidade Humana e Boa-Fé. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 204). 20 “Art. 421: a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana”. 21 Entendemos que a função social do contrato tem respaldo na Constituição Federal. Primeiro, na tríade dignidade-solidariedade-igualdade, que consubstancia o Direito Civil Constitucional, constantes dos arts. 1º, 3º e 5º da Norma Fundamental. Segundo, na função social da propriedade (art. 5º, XXII e XXIII e art. 170, III da CF/88) (Flávio Tartuce. Função Social dos Contratos, ob, cit.). Sobre o Direito Civil Constitucional recomendamos a leitura da obra de Gustavo Tepedino (Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2004).
33
tido como nulo, combinando-se os arts. 187 e 166, VI, do novo Código Civil –
nulidade por fraude à lei imperativa diante do ato emulativo.22
Ao lado da função social dos contratos, a boa-fé objetiva procura valorizar
a conduta de lealdade dos contratantes em todas as fases contratuais (art. 422
do novo Código Civil - função de integração da boa-fé).
Na dúvida, os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a
boa-fé (art. 113 do novo Código Civil – função de interpretação da boa-fé).
Em reforço, lembramos a interpretação a favor do consumidor (art. 47 do
CDC) e do aderente (art. 423 do novo Código Civil).
Por fim, a boa-fé objetiva está relacionada com deveres anexos, inerentes
a qualquer negócio. A quebra desses deveres caracteriza o abuso de direito
(art. 187 do novo Código Civil – função de controle da boa-fé).
Sem dúvidas, esses dois princípios trazem uma nova dimensão contratual.
Felizmente, antes mesmo do novo Código Civil a nossa melhor jurisprudência
já vinha aplicando ao contrato esses novos paradigmas.
Superou-se a tese pela qual o contrato visa principalmente a segurança
jurídica. Na realidade, o contrato tem a principal função de atender à pessoa e
aos interesses da coletividade, diante da tendência de personalização do
Direito Privado.23 Essa a real função dos contratos!
As súmulas a seguir, felizmente, servem para demonstrar essa tendência.
Passamos a analisar o seu conteúdo.
2. A SÚMULA 308 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: A
RESTRIÇÃO DOS EFEITOS DA HIPOTECA.
Prevê a Súmula 308 do Superior Tribunal de Justiça que: “A hipoteca
firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à
22 Vale citar uma passagem de Luigi Ferri, citando Acarelli no sentido de que o juiz deverá anular qualquer acordo de vontades pela simples ocorrência de um dano potencial à sociedade, mesmo que haja algum outro interesse comum (Luigi Ferri. La Autonomia Privada. Tradução e notas em espanhol por Luis Sancho Mendizibal. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1969, p. 438) 23 Sobre a personalização do Direito Privado, recomendamos as contribuições de Luiz Edson Fachin, particularmente a brilhante obra Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo (Rio de Janeiro: Renovar, 2001).
34
celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os
adquirentes do imóvel”. Trata-se de súmula com relevante enfoque sociológico.
Ora, sabe-se que a hipoteca é um direito real de garantia sobre coisa
alheia, que recai principalmente sobre bens imóveis, tratada entre os arts.
1.473 a 1.505 do atual Código Civil. Sem prejuízo dessas regras especiais, a
codificação traz ainda regras gerais quanto aos direitos reais de garantia, entre
os seus artigos 1.419 a 1.430.
Um dos principais efeitos da hipoteca é a constituição de um vínculo real,
que acompanha a coisa (art. 1.419). Esse vínculo real tem efeitos erga omnes,
dando direito de excussão ao credor hipotecário, contra quem esteja o bem
(art. 1.422).
Exemplificando, se um imóvel é garantido pela hipoteca, é possível que o
credor reivindique o bem contra terceiro adquirente do bem, o que traz o que
se denomina direito de seqüela. Assim, não importa se o bem foi transferido a
terceiro; esse também perderá o bem, mesmo que o tenha adquirido de boa-
fé.24
A constituição da hipoteca é muito comum em contratos de construção
e incorporação imobiliária, visando um futuro condomínio edilício. Como
muitas vezes o construtor não tem condições econômicas para levar a frente
a sua obra, celebra um contrato de empréstimo de dinheiro com um terceiro
(agente financeiro ou agente financiador), oferecendo o próprio imóvel como
garantia, o que inclui todas as suas unidades do futuro condomínio.
24 Marco Aurélio S. Viana comenta muito bem esse efeito da hipoteca: “O que caracteriza o direito real de garantia é a vinculação de um bem ao cumprimento da obrigação. Sua função é assegurar ao credor a satisfação do crédito, colocando-o a cavaleiro da insolvência do devedor (Cf. Orlando Gomes, Direitos Reais, cit., v. 2, p. 468; Clóvis Bevilacqua, Direito das Coisas, cit., v. 2, p. 10). O titular do direito goza de seqüela e preferência. Vinculado o bem à garantia de uma prestação, sua transmissão implica na do gravame. Isso equivale a dizer que o titular do direito real de garantia acompanhará o bem, exigindo a satisfação do crédito, pouco importando em mãos de quem ele esteja. O valor do bem está afeto à satisfação do crédito. Assim, quem adquire imóvel hipotecado, por exemplo, poderá vê-lo levado à venda para pagamento da dívida que garantia. É o direito de seqüela” (Comentários ao Novo Código Civil. Volume XVI. Coordenador: Sálvio de Figueiredo Teixeira. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 700).
35
Iniciada a obra, o incorporador começa a vender as unidades para
terceiros, que no caso são consumidores, pois é evidente a caracterização
da relação de consumo, nos moldes dos arts. 2º e 3º da Lei n. 8.078/90.
Diante da boa-fé objetiva e da força obrigatória que ainda rege os
contratos, espera-se que o incorporador cumpra com todas as suas
obrigações perante o agente financiador, pagando pontualmente as parcelas
do financiamento. Assim sendo, não haverá maiores problemas.
Mas, infelizmente, como nem tudo são flores, nem sempre isso ocorre.
Em casos tais, quem acabará perdendo o imóvel, adquirido a tão duras
penas? O consumidor, diante do direito de seqüela advindo da hipoteca.
A referida súmula visa justamente proteger o último, restringindo os
efeitos da hipoteca às partes contratantes. Isso, diante da boa-fé objetiva, já
que aquele que adquiriu o bem pagou pontualmente as suas parcelas frentes à
incorporadora, ignorando toda a sistemática jurídica que rege a incorporação
imobiliária.
Presente a boa-fé do adquirente, não poderá ser responsabilizado o
consumidor pela conduta da incorporadora, que acaba não repassando o
dinheiro ao agente financiador. Fica claro, pelo teor da súmula, que a boa-fé
objetiva também envolve ordem pública, pois caso contrário não seria possível
a restrição do direito real.25
Aliás, concluímos que a boa-fé objetiva é princípio de ordem pública
interpretando o art. 167, § 2º, do novo Código Civil, que traz a inoponibilidade
25 A referência à boa-fé é expressa no recente julgado a seguir transcrito, do próprio STJ, já aplicando a recente súmula 380: “CIVIL E CONSUMIDOR. IMÓVEL. INCORPORAÇÃO. FINANCIAMENTO. SFH. HIPOTECA. TERCEIRO ADQUIRENTE. BOA-FÉ. NÃO PREVALÊNCIA DO GRAVAME. 1 - O entendimento pacificado no âmbito da Segunda Seção deste STJ é no sentido de que, em contratos de financiamento para construção de imóveis pelo SFH, a hipoteca concedida pela incorporadora em favor do Banco credor, ainda que anterior, não prevalece sobre a boa-fé do terceiro que adquire, em momento posterior, a unidade imobiliária. Súmula 308 do Superior Tribunal de Justiça. 2 - Recurso especial conhecido, mas não provido” (STJ, REsp 625045 / GO ; RECURSO ESPECIAL 2003/0229385-3, RELATOR: Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, Julgamento: 17/05/2005, Publicação: DJ 06.06.2005).
36
do ato simulado frente a terceiros e boa-fé. Esclarecemos. Como se sabe, a
simulação gera, em regra, a nulidade absoluta do negócio celebrado. Mas essa
nulidade absoluta, que envolve ordem pública, não poderá ser oposta frente a
terceiros de boa-fé. Pois bem, se o princípio da boa-fé não envolvesse ordem
pública, a boa conduta não faria frente ao ato simulado.
Superado esse ponto, entendemos que a súmula 308 do STJ também
mantém relação com o princípio da função social dos contratos, já que visa
preservar os efeitos do contrato de compra e venda do imóvel a favor do
consumidor, parte economicamente mais fraca. Por essa simples razão, já
mereceria os nossos aplausos.
Mas a súmula visa também proteger o direito à moradia, assegurado
constitucionalmente, no art. 6º da Carta Política de 1988. Reforçando, tende-
se a preservar o negócio jurídico, diante do principio da conservação negocial,
inerente à concepção social do contrato.26
Concluindo, percebe-se que a eticidade e a socialidade acabam fazendo
milagres no campo prático, relativizando o rigor formal da concepção dos
direitos reais, em prol da proteção do vulnerável, do hipossuficiente, daquele
que sempre agiu conforme a boa-fé.
3. A SÚMULA 302 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: A
ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA RESTRITRIVA DE INTERNAÇÃO EM
CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE.
Não se pode esquecer da grande importância do Código de Defesa do
Consumidor para os contratos, uma vez que a grande maioria dos negócios
jurídicos patrimoniais são de consumo, enquadrados nos arts. 2º e 3º da Lei
n. 8.078/90.
Por muito tempo, afirmou-se que, havendo relação jurídica de consumo
não seria possível a aplicação concomitante do Código Civil e do Código de
26 Interessante aqui transcrever o Enunciado n. 22 do Conselho da Justiça Federal, também da I Jornada de Direito Civil, que traz a relação entre função social e conservação contratual: “Art. 421: a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral, que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas”.
37
Defesa do Consumidor. Isso, na vigência do Código anterior, eminentemente
individualista e muito distante da proteção do vulnerável constante da Lei
Consumerista.
Entretanto, atualmente e ao contrário, tem-se defendido um “diálogo das
fontes” entre o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor. Por meio
desse diálogo, deve-se entender que os dois sistemas não se excluem, mas se
complementam. A tese foi trazida para o Brasil por Cláudia Lima Marques,
utilizando os ensinamentos de Erik Jayme.27 Isso se dá diante de uma
aproximação principiológica entre os dois sistemas legislativos, principalmente
no que tange aos contratos.28
27 Cláudia Lima Marques demonstra as razões filosóficas e sociais da tese do “diálogo da fontes”: “Segundo Erik Jayme, as características da cultura pós-moderna no direito seriam o pluralismo, a comunicação, a narração, o que Jayme denomina de ‘le retour des sentiments’, sendo o Leitmotiv da pós-modernidade a valorização dos direitos humanos. Para Jayme, o direito como parte da cultura dos povos muda com a crise da pós-modernidade. O pluralismo manifesta-se na multiplicidade de fontes legislativas a regular o mesmo fato, com a descodificação ou a implosão dos sistemas genéricos normativos (Zersplieterung), manifesta-se no pluralismo de sujeitos a proteger, por vezes difusos, como o grupo de consumidores ou os que se beneficiam da proteção do meio ambiente, na pluralidade de agentes ativos de uma mesma relação, como os fornecedores que se organizam em cadeia e em relações extremamente despersonalizadas. Pluralismo também na filosofia aceita atualmente, onde o diálogo é que legitima o consenso, onde os valores e princípios têm sempre uma dupla função, o ‘double coding’, e onde os valores são muitas vezes antinômicos. Pluralismo nos direitos assegurados, nos direitos à diferença e ao tratamento diferenciado aos privilégios dos ‘espaços de excelência’ (JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration: le droit internacionale privé postmoderne. Recueil des Cours de l’Académie de Droit International de la Haye, 1995, II, Kluwer, Haia, p. 36 e ss)” (MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Introdução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 24). 28 Sobre essa aproximação, aliás, foi aprovado o Enunciado nº 167 na III Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal em dezembro último, com o seguinte teor: “Com o advento do Código Civil de 2002, houve forte aproximação principiológica entre esse Código e o Código de Defesa do Consumidor, no que respeita à regulação contratual, uma vez que ambos são incorporadores de uma nova teoria geral dos contratos”. As razões apontadas pelo magistrado paraibano e jovem civilista Wladimir Alcibíades Marinho Falcão Cunha, autor da proposta, são pertinentes, merecendo transcrição o seguinte trecho: “Entretanto pode-se dizer que, até o advento do Código Civil de 2002, somente o Código de Defesa do Consumidor encampava essa nova concepção contratual, ou seja, somente o CDC intervinha diretamente no conteúdo material dos contratos. Entretanto, o Código Civil de 2002 passou também a incorporar esse caráter cogente no trato das relações contratuais, intervindo diretamente no conteúdo material dos contratos, em especial através dos próprios novos princípios contratuais da função social, da boa-fé objetiva e da equivalência material.Assim, a corporificação legislativa de uma atualizada teoria geral dos contratos protagonizada pelo CDC teve sua continuidade com o advento do Código Civil de 2002, o qual, a exemplo daquele, encontra-se carregado de novos princípios jurídicos contratuais e cláusulas gerais, todos hábeis a proteção do
38
Pretendemos analisar a Súmula 302 do STJ à luz desse diálogo de
complementariedade entre os dois sistemas, “a permitir a aplicação
simultânea, coerente e coordenada das plúrimas fontes legislativas”.29 Prevê a
referida súmula que “é abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que
limita no tempo o internação hospitalar do segurado”.
A súmula somente consubstancia o que já vinha entendendo tanto a
doutrina quanto a jurisprudência.30 A abusividade da cláusula é flagrante,
enquadrando-se inicialmente no art. 51, I, da Lei n. 8.078/90, pela qual é nula
a cláusula que exonerem ou atenuem a responsabilidade do prestador do
serviço. Além dessa previsão, a referida cláusula já era vedada expressamente
pela Portaria n. 3, de 19 de março de 1999, da Secretaria de Direito
Econômico do Ministério da Justiça.31
Fazendo um necessário “diálogo das fontes”, a cláusula de limitação de
internação poderia também ser considerada abusiva pelo que consta do art.
424 do atual Código Civil, já que o contrato em questão assume a forma de
adesão, sendo o seu conteúdo imposto unilateralmente pela empresa de plano
de saúde.
Isso porque o comando legal em questão prevê a nulidade absoluta, nos
contratos de adesão, das cláusulas que implicam em renúncia prévia a direito
consumidor mais fraco nas relações contratuais comuns, sempre em conexão axiológica, valorativa, entre dita norma e a Constituição Federal e seus princípios constitucionais. Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002 são, pois, normas representantes de uma nova concepção de contrato e, como tal, possuem pontos de confluência em termos de teoria contratual, em especial no que respeita aos princípios informadores de uma e de outra norma” (Proposta enviada por e-mail pelo próprio Conselho da Justiça Federal aos participantes da III Jornada). 29 Marques, Cláudia Lima, Comentários, ob. cit., p. 26. 30 Por todos os julgados, transcrevemos o seguinte: “CONTRATO - Plano de saúde - Contrato de adesão - Relatividade das volições contratuais - Cláusula limitativa - Internação em unidade de terapia intensiva (UTI) - Prazo exíguo de 15 dias anuais com prorrogação dependente unicamente do critério da prestadora de serviço - Nulidade - Predominância do direito à vida sobre qualquer outro - Criação de vantagem exagerada para o convênio e restrição do direito para o conveniado - Lei Federal n. 8.078, de 1990 (art. 5º, IV) - Recurso provido”. (Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação Cível n. 144.424-4/0 - São Paulo - 4ª Câmara de Direito Privado de Férias “Janeiro/2004" - Relator: Munhoz Soares - 29.01.04 - V. U.) 31 A portaria, regulamentando o art. 51 do CDC, considera abusivas, dentre outras, as cláusulas que: “2. Imponham, em contratos de planos de saúde firmados anteriormente à Lei 9665/98, limites ou restrições a procedimentos médicos (consultas, exames médicos, laboratoriais e internações hospitalares, UTI e similares) contrariando prescrição médica”.
39
resultante da natureza do negócio. Ora, pela referida cláusula está sendo
limitado o uso do serviço pelo aderente, que é o principal objetivo do contrato
celebrado entre as partes.
Partindo-se para a análise principiológica da referida súmula, observa-se,
de imediato, que a mesma traz aplicação direta do princípio da função social
dos contratos, relativizando a força obrigatória (efeito inter partes).
Podemos também citar o já mencionado Enunciado n. 23 do Conselho da
Justiça Federal, uma vez que a autonomia contratual não pode prevalecer
diante de um interesse maior, relacionado com a vida e com a integridade
física do segurado, direitos da personalidade relacionados com a dignidade
humana. Vale lembrar que os direitos da personalidade são irrenunciáveis
(art. 11 do novo Código Civil). Pela cláusula de limitação de internação, o
contratante renuncia ao direito de ser tratado como se espera, principalmente
num caso de gravidade, em unidade de tratamento intensivo (UTI). Sem
prejuízo de tudo isso, entendemos que a cláusula de limitação traz no seu
conteúdo um abuso de direito (art. 187 do novo Código Civil), a gerar a sua
nulidade por fraude à lei imperativa (art. 166, VI, do nCC).
Em reforço, a parte que impõe a referida cláusula desrespeita o dever
anexo de lealdade e, com isso, a boa-fé objetiva que se espera nas relações
negociais.32 Percorre-se o mesmo caminho: pela quebra da boa-fé, caracteriza-
se o abuso de direito a gerar a nulidade absoluta do referida cláusula.
De qualquer forma, não se pode esquecer que a cláusula é nula, mas deve
preservado todo o resto do contrato, aplicação direta do art. 51, § 2º do
Código de Defesa do Consumidor, que consagra o princípio da conservação
contratual na ótica consumerista.33
32 Sobre a quebra dos deveres anexos, relacionados com a boa-fé objetiva, vale conferir o teor do Enunciado n. 24, também da I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: “Art. 422: em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa”. 33 “Art. 51. (...) §2º A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes”. Já tivemos a oportunidade de demonstrar a relação entre o princípio da conservação do contrato e a função social, lembrando a proteção do ato jurídico perfeito, que consta do art. 5º, XXXVI da CF/88 e a importante função que o contrato exerce para a sociedade. Assim sendo, a nulidade deve ser o último recurso (Tartuce,
40
Feitas essas observações e ressalvas, manifestamos o nosso entusiasmo e
a nossa concordância integral em relação à Súmula 302 do STJ, que atende
àquela visualização personalizada do Direito Contratual, pela qual o principal
objetivo dos negócios jurídicos patrimoniais é atender aos interesses da
pessoa. Isso, sintonizada, com o Direito Civil Constitucional e os seus três
princípios máximos: a proteção da dignidade humana (art. 1º, III, da CF/88),
a solidariedade social (art. 3º, I, da CF/88) e a igualdade em sentido amplo
(art. 5º, caput, da CF/88).
4. AS SÚMULAS 297 E 285 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA. A APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
ÀS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS E FINANCEIRAS.
Ainda em relação ao Código de Defesa do Consumidor, duas
importantes súmulas do Superior Tribunal de Justiça prevêem a sua
aplicação em dois casos muito comuns da prática contratual: aos contratos
bancários e financeiros. Transcreveremos o teor das ementas de forma
destacada para uma análise conjunta:
“Súmula 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às
instituições
financeiras”
“Súmula 285: Nos contratos bancários posteriores ao Código de
Defesa do
Consumidor incide a multa moratória nele prevista”.
As duas ementa sepultam de vez a suposta discussão quanto à existência
ou não de relação de consumo nos contratos celebrados com as instituições
bancárias e financeiras.
Dizemos suposta, e de forma destacada, pois sempre nos pareceu clara a
possibilidade de aplicação da Lei n. 8.078/90 ao contratos celebrados entre
correntistas/destinatários finais e instituições bancárias e financeiras. Aliás,
entender ao contrário sepultaria a efetividade prática do Código de Defesa do
Flávio. A Função Social dos Contratos. Do Código de Defesa do Consumidor ao Novo Código Civil. São Paulo: Método, 2005, p. 104). .
41
Consumidor em nosso País. Por certo que o grande interesse social relacionado
com a norma consumerista é vê-la aplicada às relações jurídicas que as
pessoas mantém com as instituições bancárias e financeiras.
A possibilidade ou, mais do que isso, a necessidade de aplicação do
Código de Defesa do Consumidor fica clara pelo que consta do art. 3º, § 2º, da
Lei n. 8.078/90, pelo qual “serviço é qualquer atividade fornecida no mercado
de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária,
financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de
caráter trabalhista” (destacamos). Norma mais clara não há!
De qualquer forma, os bancos, por meio da Confederação Nacional do
Sistema Financeiro (Consif) propuseram uma ação declaratória de
inconstitucionalidade desse comando consumerista, que recebe o número
2.591/2003. Nessa ação pretendem que o CDC não seja aplicado às relações
bancárias. Com todo o respeito em relação às razões que constam da referida
ação, com ela não concordamos em hipótese alguma.
A referida ADIN, para nós, é totalmente destoada da principiologia
adotada pela Constituição Federal de 1988 que protege os consumidores de
forma expressa (art. 5º, XXXII e art. 170, V). A não aplicação do CDC aos
bancos viola a própria dignidade humana e a solidariedade social,
particularmente a tendência de personalização do Direito Privado. Essa não
incidência entra em conflito também com a função social dos contratos e a
boa-fé objetiva, regramentos sociais indeclináveis que corporificam uma nova
realidade contratual.
Esperamos, portanto, que a ADIN n. 2.591/2001 não obtenha êxito. Na
verdade, entendemos que a mesma está prejudicada pela entrada em vigor no
novo Código Civil, que confirma a tendência de proteção dos mais fracos, dos
mais frágeis.34
34 Concordamos integralmente com a notas do advogado e professor Paulo R. Roque A Khouri em relação à referida ADIN: “Ora, da forma como a questão é colocada na ADIn nº 2.591, o consumidor jamais poderia valer-se das normas protetivas do CDC, principalmente, do art. 6º, V, para questionar, v. g., juros bancários ‘pactuados’ em 500% ao ano. Tal entendimento contraria, ao meu sentir, a própria Constituição Federal que elegeu a ‘defesa do consumidor’, no seu art. 5º, XXXII, como um direito e garantia fundamental. De mesma forma, ao lado da própria função social da propriedade, da livre concorrência, a defesa do consumidor é princípio da ordem econômica de acordo com o art. 170 da Constituição. Impedir ao consumidor o direito de questionar a justiça da pactuação da cláusula de juros implica negar vigência a um direito e garantia
42
Com o insucesso da ADIN, continuarão a ter aplicação as referidas
súmulas, com a aplicação do CDC aos contratos bancários e financeiros, entre
os últimos, o caso dos contratos de cartão de crédito. De qualquer forma, o
que falta ainda à jurisprudência brasileira é limitar as taxas de juros cobrada
por tais instituições, o que não vem ocorrendo, diante da vigência de duas
outras súmulas de nossos Tribunais Superiores.
A Súmula 596 do STF prevê que as instituições bancárias não estão
sujeitas à Lei de Usura (Decreto-lei 22.626/1933), sendo perfeitamente
possível a livre convenção de juros, o que vem sendo aplicado pelo STJ.35 A
recente Súmula 283 do STJ prevê o mesmo para as empresas administradoras
de cartão de crédito. Já manifestamos nossa discordância em relação às
referidas súmulas.36
Na situação descrita vemos um paradoxo: duas súmulas prevêem a
aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários e
financeiros; mas duas outras trazem a livre convenção dos juros. Em outras
palavras: as Súmulas 297 e 285 do STJ tendem a proteger os consumidores; fundamental, como se fosse dada à instituição financeira uma carta branca para livremente explorar a sua propriedade, sem atentar-se para sua função social”. (Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2ª Edição, 2005, p. 64) 35 Por todos os julgados, transcrevemos o seguinte: “CONTRATO BANCÁRIO. APLICABILIDADE DO CDC EM TESE. CASO CONCRETO EM QUE NÃO INCIDE. ABUSIVIDADE INDEMONSTRADA. APLICAÇÃO DO ENUNCIADO N. 596 DA SÚMULA STF. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA À TAXA MÉDIA DE MERCADO. LEGALIDADE. RECURSO PARCIALMENTE ACOLHIDO. I - A norma protetiva do consumidor, mais nova e específica, regula situações apenas genericamente subordinadas à regra ampla do Sistema Financeiro Nacional. Não sendo caso de aplicação do Código de Defesa do Consumidor, ou não sendo demonstrada abusividade, aplica-se a jurisprudência tradicional sobre o tema, refletida no enunciado n. 596 da súmula do Supremo Tribunal Federal. II - Consoante se tem proclamado, a comissão de permanência "é aferida pelo Banco Central do Brasil com base na taxa média de juros praticada no mercado pelas instituições financeiras e bancárias que atuam no Brasil, ou seja, ela reflete a realidade desse mercado de acordo com o seu conjunto, e não isoladamente, pelo que não é o banco mutuante que a impõe" (Superior Tribunal de Justiça, ACÓRDÃO: RESP 374356/RS (200101533375), 485166 RECURSO ESPECIAL, DATA DA DECISÃO: 12/03/2003, ORGÃO JULGADOR: - SEGUNDA SEÇÃO, RELATOR: MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, RELATOR ACÓRDÃO: MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, FONTE: DJ DATA: 19/05/2003 PG: 00120, VEJA: JUROS ALÉM DO LIMITE DA LEI DE USURA) STJ - RESP 214003-SC, RESP 221942-RS, RESP 235380-MG, RESP 196253-RS). 36 Tartuce, Flávio. A Função Social dos Contratos, ob. cit., p. 291.
43
as Súmulas 596 do STF e 283 do STJ tentem a beneficiar as entidades
bancárias e financeiras.37
Se isso ocorre quanto aos juros convencionais, infelizmente; o mesmo
não se pode dizer quanto à multa moratória, felizmente. Isso porque a
cláusula penal é limitada em dois por cento (2%) sobre o valor da dívida tanto
nos casos de contratos bancários quantos nos contratos financeiros - repita-
se, o caso do contrato de cartão de crédito.
A Súmula 285 do STJ prevê essa limitação de forma expressa para os
contratos celebrados na vigência do CDC. Não faz o mesmo, de forma
expressa, a Súmula 297, mas isso é decorrência lógica do seu teor, já que a
referida multa consta da própria lei consumerista. Para ilustrar, reportamo-nos
à ementa transcrita na última nota de rodapé.
Mais uma vez, manifestamos nosso contentamento em relação às duas
últimas súmulas, adaptadas à nova Teoria Geral dos Contratos e aos novos
paradigmas contratuais. Lembramos que as súmulas apenas consubstanciam o
que a doutrina consumerista especializada sempre defendeu em relação aos
contratos bancários e financeiros. As ementas vieram em boa hora, para que
não pairem mais dúvidas em relação ao seu conteúdo.
5. A SÚMULA 286 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: A
POSSIBILIDADE DE REVISÃO DE CONTRATOS OBJETO DE NOVAÇÃO.
Como se sabe, a novação (arts. 360 a 367 do novo Código Civil) pode ser
conceituada como uma forma de pagamento indireto em que ocorre a
substituição de uma obrigação anterior por uma obrigação nova, diversa da
primeira criada pela partes. Seu principal efeito é a extinção da dívida
primitiva, com todos os acessórios e garantias, sempre que não houver
37 Não podemos concordar com julgados como o seguinte, em que fica clara a mencionada contradição: “CONTRATO - Cartão de crédito - Reconhecida a ocorrência de abusividade na conduta da administradora ao auferir lucro no repasse do financiamento - Declarada a nulidade da cláusula, por ser potestativa, nos termos da lei civil e do Código de Defesa do Consumidor (artigo 51, IV, X e XII) - Determinado o recálculo do saldo, com aplicação da taxa mensal de juros, mais os encargos pertinentes a serem comprovados, além da multa moratória (2%), afastando-se a verba relativa a honorários advocatícios decorrentes da cobrança administrativa - Inaplicabilidade, porém, do limite de juros de 12% ao ano, por depender o artigo 192, § 3º, da Constituição Federal de regulamentação por lei complementar - Ação parcialmente procedente - Recurso provido em parte - Voto vencido” (Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, PROCESSO: 1142957-7, RECURSO: Apelação, ORIGEM: São Paulo, JULGADOR: 3ª Câmara de Férias de Julho de 2003, JULGAMENTO: 03/08/2004, RELATOR: Maia da Rocha)
44
estipulação em contrário (art. 364 do novo Código Civil). Aliás, havendo a
referida previsão em contrário, autorizada pela própria lei, haverá novação
parcial. Podem as partes convencionar o que será extinto, desde que isso não
contrarie a ordem pública, a função social dos contratos e a boa-fé objetiva.
A novação não produz, como ocorre no pagamento direto, a satisfação
imediata do crédito. Por envolver mais de um ato volitivo, constituiu para nós
negócio jurídico e forma de pagamento indireto.
São elementos essenciais da novação a existência de uma obrigação
anterior (obrigação antiga) e de uma nova obrigação, ambas válidas e lícitas,
bem como a intenção de novar (animus novandi). Prevê o art. 361 do novo
Código Civil que o ânimo de novar pode ser expresso ou mesmo tácito, mas
sempre inequívoco. Não havendo tal elemento imaterial ou subjetivo, a
segunda obrigação simplesmente confirma a primeira.
Tanto a doutrina quanto a jurisprudência sempre apontaram que a
novação liqüidava totalmente a obrigação anterior, que não poderia ser
restabelecida.38 Esse seria, na verdade, o principal efeito da novatio, que a
diferenciava de institutos jurídicos como sub-rogação e a dação em
pagamento.
Pois bem, o Superior Tribunal de Justiça tem analisado ultimamente a
novação com vistas ao princípio da função social dos contratos e das
obrigações, revolucionando a própria concepção do instituto. Isso pode ser
evidenciado pelo teor da recente Súmula 286 daquele Tribunal, que tem a
seguinte redação: “A renegociação de contrato bancário ou a confissão da
dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades
dos contratos anteriores”.
38 Sobre esse efeito da novação, vale conferir: “A novação corresponde a meio liberatório singular, a modo especial de extinguir-se a obrigação. Chega-se a compará-la a um pagamento fictício. Define-se como ‘a conversão de uma dívida em outra para extinguir a primeira’. É a substituição de uma dívida por outra, eliminando-se a precedente. Desaparece a primeira e, em seu lugar, surge nova. Êsse o seu conteúdo essencial, aliás, duplo: um extintivo, referente à obrigação antiga; outro gerador, relativo à obrigação nova. Não existe, pois, tão-sòmente, uma transformação; o fenômeno é mais complexo, abrangendo a criação de nova obrigação, que subsistiu à antiga” (Barros Monteiro, Washington de. Curso de Direito Civil. Direito das Obrigações. 1ª Parte. São Paulo: Saraiva, 8ª Edição, 1972, p. 324)
45
Ora, a socialidade salta aos olhos, uma vez que se quebra com aquela
tradicional regra pela qual ocorrida a novação não é mais possível discutir a
obrigação anterior. Sendo flagrante o abuso de direito cometido pela parte
negocial e estando presente a onerosidade excessiva por cobrança de juros
abusivos nas obrigações anteriores, será possível a discussão judicial dos
contratos novados. Visando esclarecer, transcrevemos uma das ementas de
julgado que gerou a edição do entendimento sumular no ano de 2004, em que
se faz menção expressa ao instituto da novação:
“NEGÓCIOS BANCÁRIOS. REVISÃO. Na ação revisional de
negócios bancários, pode-se discutir a respeito de contratos
anteriores, que tenham sido objeto de novação. Recurso especial não
conhecido” (STJ, RESP 332832 / RS ; RECURSO ESPECIAL,
2001/0086405-2. Relator: Ministro Asfor Rocha, Segunda seção de
Direito Privado, Data do Julgamento: 28/05/2003. Data da Publicação
e Fonte: DJ 23/02/20003).
Não só concordamos com a súmula e o julgado acima transcrito como
entendemos que nasce um novo entendimento jurisprudencial quanto à
matéria, quebrando velhos paradigmas, em prol dos princípios do Direito Civil
Constitucional, particularmente o da construção de uma sociedade livre, justa
e solidária (art. 3º, I, da CF/88).
O objetivo da súmula é única: evitar o enriquecimento sem causa, o
locupletamento sem razão, a lesão subjetiva e a desproporção negocial.
Recordamos que muitas vezes as negociações contratuais são impostas por um
das partes, em posição privilegiada. A Súmula n. 286 do STJ representa uma
total quebra de paradigma, assim como as demais ementas nesse breve
estudo comentadas.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. Rio de
Janeiro: Renovar, 2001.
FERRI, Luigi. La autonomia privada. Tradução e notas em espanhol por
46
Luis Sancho Mendizibal. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1969.
KHOURI, Paulo R. Roque A. Direito do consumidor. 2. ed. São Paulo:
Atlas, 2005.
MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do
Consumidor. Introdução. São Paulo: RT, 2004.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. Direito das
obrigações. 1ª Parte. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1972.
ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé. São Paulo: Saraiva,
2005.
TARTUCE, Flávio. A função social dos contratos. Do Código de Defesa do
Consumidor ao novo Código Civil. São Paulo: Método, 2005.
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar,
2004.
VIANA, Marco Aurélio S. Comentários ao novo Código Civil. In: TEIXEIRA,
Sálvio de Figueiredo (Coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. XVI.
OBS.: Sobre os princípios da função social e da boa-fé objetiva em face
da nova Súmula 381 do STJ, confiram, meus amigos, o artigo que
escrevemos juntamente com o Prof. Salomão Viana, disponível no:
http://www.pablostolze.com.br/pabloStolze_meusArtigos.asp
6. Fique por Dentro
STJ apresenta novas súmulas 29/10/2009
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) define temas importantes nas súmulas que edita. Confira a seguir os enunciados das recentes súmulas lançadas pela Corte e acesse a notícia com detalhes sobre a aprovação de cada texto:
47
- Súmula 409: “Em execução fiscal, a prescrição ocorrida antes da propositura da ação pode ser decretada de ofício”. Leia a notícia sobre a Súmula 409.
- Súmula 408: "Nas ações de desapropriação, os juros compensatórios incidentes após a Medida Provisória n. 1.577, de 11/6/1997, devem ser fixados em 6% ao ano até 13/09/2001, e, a partir de então, em 12% ao ano, na forma da súmula n. 618 do Supremo Tribunal Federal”. Leia a notícia sobre a Súmula 408.
- Súmula 407: “É legítima a cobrança da tarifa de água, fixada de acordo com as categorias de usuários e as faixas de consumo”. Leia a notícia sobre a Súmula 407.
- Súmula 406: "A Fazenda Pública pode recusar a substituição do bem penhorado por precatórios". Leia a notícia sobre a Súmula 406.
- Súmula 405: “A ação de cobrança do seguro obrigatório (DPVAT) prescreve em três anos”. Leia a notícia sobre a Súmula 405.
- Súmula 404: "É dispensável o Aviso de Recebimento (AR) na carta de comunicação ao consumidor sobre a negativação de seu nome em bancos de dados e cadastros”. Leia a notícia sobre a Súmula 404.
- Súmula 403: “Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada da imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais”. Leia a notícia sobre a Súmula 403. - Súmula 402: “O contrato de seguro por danos pessoais compreende danos morais, salvo cláusula expressa de exclusão”. Leia a notícia sobre a Súmula 402.
Para acessar a lista completa de súmulas do STJ no site da Corte (www.stj.jus.br), basta clicar em “Consultas”, no menu à esquerda da tela inicial do site, e acessar o link “Súmulas”.
Fonte: http://www.stj.gov.br/portal_stj/objeto/texto/impressao.wsp?tmp.estilo=&tmp.area=682&tmp.texto=94439
STJ aprova Súmula que permite juros superiores a 12% ao ano
29/05/2009
48
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) aprovou a Súmula de n.º 382, que define
que a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só,
não caracteriza abuso. A Súmula foi editada nesta quarta-feira (27) pela
Segunda Seção. Os ministros entendem que é necessário analisar caso a caso
o abuso alegado por parte da instituição financeira.
A Seção tomou por base inúmeros precedentes. Um dos casos foi julgado em
2004 pela Quarta Turma e teve como relator o ministro Raphael de Barros
Monteiro Filho (Resp 507.882/RS). O julgamento foi em favor da empresa Itaú
Leasing de Arrendamento Mercantil. Em outro precedente, também do Rio
Grande do Sul (Resp 1.042.903), foi julgado no último ano pela Terceira Turma
e teve como relator o ministro Massami Uyeda.
Nesse processo, contra a BV Financeira S.A Crédito Financiamento e
Investimento, o juiz de primeiro grau julgou procedente a ação de revisão de
contrato de alienação fiduciária em garantia para limitar os juros em 12 % ao
ano e excluir a inscrição do devedor no cadastro de inadimplentes. Segundo a
decisão do STJ, não incide essa limitação, exceto em hipóteses legais e
específicas.
O ministro esclareceu nesse julgamento que não há sequer o reconhecimento
de ofício da nulidade de cláusulas contratuais consideradas abusivas, sendo
necessário o pedido expresso do interesse da parte. A Segunda Seção do STJ
entende que, no caso, não existia a limitação prevista no Decreto 22626/33,
salvo nas hipóteses legais específicas, visto que as instituições financeiras,
integrantes do Sistema Financeiro Nacional são regidas pela Lei 4595/64.
Cabe ao Conselho Monetário Nacional, segundo Súmula 596, do STF, limitar os
encargos de juro e esse entendimento não foi alterado após a vigência do
Código de Defesa do Consumidor (CDC), cujas normas também se aplicam aos
contratos firmados por instituições bancárias. A autorização do Conselho
Monetário Nacional para livre contratação dos juros só se faz em hipóteses
49
específicas, como cédula de cartão de crédito rural, industrial ou comercial.
A Segunda Seção consagrou com a Súmula o entendimento de é possível a
manutenção dos juros ajustado pelas partes, desde que não fique
demasiadamente demonstrado o abuso. O teor do texto é: “A estipulação de
juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica
abusividade”.
Referência:
CPC, art. 543-C
Lei n.4.595, de 31/12/1964
Res. N. 8, de 07/08/2008-STJ, art. 2º, § 1º
Resp 1.061.530-RS
AgRg nos Edcl no Resp 788045
Resp1042903
AgRg no Resp 879902
Resp 507882
AgRg no Resp 688627
AgRg no Resp 913609
Fonte:
http://www.stj.gov.br/portal_stj/objeto/texto/impressao.wsp?tmp.estilo=&tmp
.area=398&tmp.texto=92201 acessado em 31 de maio de 2009.
DECISÃO
Cabe indenização por danos morais quando banco envia cartão de
crédito sem solicitação
Cabe indenização por danos morais quando uma instituição financeira, na
ausência de contratação dos serviços, envia cartão de crédito e faturas de
cobrança da respectiva anuidade ao consumidor. A Terceira Turma do Superior
Tribunal de Justiça (STJ) não atendeu ao recurso de um banco e manteve a
decisão de segunda instância que condenou a instituição ao pagamento de
uma indenização por danos morais a uma consumidora gaúcha.
50
Segundo dados do processo, a consumidora recebeu um cartão de crédito não
solicitado e mais três faturas no valor de R$ 110 cada uma, referentes à
anuidade. Ela tentou cancelar o cartão e as cobranças indevidas, mas o banco
se negou a efetuar os cancelamentos.
A consumidora, então, ajuizou ação de indenização por danos morais cumulada
com declaratória de inexistência de débito contra a instituição financeira,
alegando abalo moral, já que o banco não cancelou o cartão e as cobranças,
conforme ela havia requerido.
O banco, por sua vez, argumentou que o cartão foi solicitado pela
consumidora, que os valores relativos à anuidade foram estornados e que dos
fatos narrados não adveio qualquer prejuízo moral a ensejar a reparação
pretendida.
Em primeira instância, o pedido foi julgado procedente, declarando a
inexistência do débito. Além disso, o banco foi condenado a pagar uma
indenização no valor de R$ 10 mil a título de danos morais, a ser corrigida pelo
Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M) desde a decisão, somando os juros
legais moratórios de 1% ao mês, a partir da citação, ambos até a data do
efetivo pagamento.
A instituição financeira apelou da sentença. O Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul (TJRS) deu parcial provimento à apelação, somente para reduzir
o valor da indenização. Para o TJ, o ato de enviar o cartão de crédito sem a
devida solicitação da consumidora, bem como as faturas para a cobrança da
anuidade viola o Código de Defesa do Consumidor (CDC), caracterizando
prática abusiva, passível de indenização a título de danos morais.
Inconformado, o banco recorreu ao STJ, argumentando que não foi
comprovado o dano moral, não havendo, conseqüentemente, o dever de
51
indenizar. Sustentou, ainda, que a situação vivenciada pela consumidora, o
recebimento de um cartão de crédito e de algumas faturas que posteriormente
foram canceladas, configura um mero aborrecimento, não podendo ser
considerada como uma das hipóteses em que a simples prova do ato ilícito
gera o dever de indenizar, sendo necessária a prova do dano efetivamente
sofrido.
Ao analisar a questão, o relator, ministro Sidnei Beneti destacou que o envio
de cartão de crédito não solicitado é conduta considerada pelo CDC como
prática abusiva. Para ele, esse fato e os incômodos decorrentes das
providências notoriamente dificultosas para o cancelamento significam
sofrimento moral, já que se trata de uma pessoa de idade avançada, próxima
dos cem anos de idade à época dos fatos, circunstância que agrava o
sofrimento moral.
O ministro ressaltou também que, para presumir o dano moral pela simples
comprovação do fato, este tem de ter a capacidade de causar dano, o que se
apura por um juízo de experiência. Por essa razão, é presumido o dano moral
em casos de inscrição indevida em cadastros de proteção ao crédito ou de
recusa indevida de cobertura por plano de saúde.
Coordenadoria de Editoria e Imprensa
Fonte:
http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=3
98&tmp.texto=89974 acessado em 16 de Novembro de 2008.
7. Jurisprudência do STJ e o Princípio da Boa-Fé Objetiva
52
DIREITO CIVIL. CONTRATO DE INCORPORAÇÃO. CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR. APLICABILIDADE. RESTITUIÇÃO DE PARCELAS PAGAS.
SÚMULA N.
7/STJ.
1. Em que pese o contrato de incorporação ser regido pela Lei n.
4.591/64, admite-se, outrossim, a incidência do Código de Defesa do
Consumidor, devendo ser observados os princípios gerais do direito que
buscam a justiça contratual, a equivalência das prestações e a boa-fé objetiva
e vedam o locupletamento ilícito.
2. Aplica-se a Súmula n. 7 do STJ na hipótese em que a tese versada no
recurso especial reclama a análise dos elementos fáticos produzidos ao longo
da demanda.
3. Recurso especial não-conhecido.
(REsp 747.768/PR, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA
TURMA, julgado em 06/10/2009, DJe 19/10/2009)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CIVIL. LOCAÇÃO.
IMÓVEL LOCADO PELO NU-PROPRIETÁRIO. BOA-FÉ OBJETIVA. LEGITIMIDADE
DO LOCADOR PARA EXECUTAR OS ALUGUÉIS EM ATRASO. AGRAVO
REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. Na espécie, não se aplicam os Enunciados 5 e 7 da Súmula do Superior
Tribunal de Justiça, porquanto a decisão agravada, ao decidir a matéria, não
interpretou cláusula contratual nem reexaminou o quadro fático dos autos, pois
cingiu-se a analisar a legitimidade do nu-proprietário para executar débitos
relativos a contrato de locação de imóvel objeto de usufruto.
2. Uma das funções da boa-fé objetiva é impedir que o contratante adote
comportamento que contrarie o conteúdo de manifestação anterior, cuja
seriedade o outro pactuante confiou.
3. Celebrado contrato de locação de imóvel objeto de usufruto, fere a boa-fé
objetiva a atitude da locatária que, após exercer a posse direta do imóvel por
mais de dois anos, alega que o locador, por ser o nú-proprietário do bem, não
detém legitimidade para promover a execução dos aluguéis não adimplidos.
53
4. Agravo regimental improvido.
(AgRg no AgRg no Ag 610.607/MG, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS
MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 25/06/2009, DJe 17/08/2009)
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 535
DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE AJUIZADA
EM VIRTUDE DE INADIMPLEMENTO DE CONTRATO DE COMPROMISSO DE
COMPRA E VENDA. IMPOSSIBILIDADE DE DEFERIMENTO DE ANTECIPAÇÃO DE
TUTELA SEM QUE TENHA HAVIDO MANIFESTAÇÃO JUDICIAL ACERCA DA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO, AINDA QUE ESTE CONTE COM CLÁUSULA
RESOLUTÓRIA EXPRESSA.
PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA.
1. Não há violação ao artigo 535 do CPC quando a Corte de origem aprecia a
questão de maneira fundamentada, apenas não adotando a tese do recorrente.
2. É imprescindível a prévia manifestação judicial na hipótese de rescisão de
compromisso de compra e venda de imóvel para que seja consumada a
resolução do contrato, ainda que existente cláusula resolutória expressa,
diante da necessidade de observância do princípio da boa-fé objetiva a nortear
os contratos.
3. Por conseguinte, não há falar-se em antecipação de tutela reintegratória de
posse antes de resolvido o contrato de compromisso de compra e venda, pois
somente após a resolução é que poderá haver posse injusta e será avaliado o
alegado esbulho possessório.
4. Recurso provido em parte, para afastar a antecipação de tutela.
(REsp 620.787/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA,
julgado em 14/04/2009, DJe 27/04/2009, REPDJe 11/05/2009)
DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. SEGURO SAÚDE. CONTRATAÇÃO ANTERIOR À
VIGÊNCIA DA LEI 9.656/98. DOENÇA PRÉ-EXISTENTE. OMISSÃO
IRRELEVANTE.
LONGO PERÍODO DE SAÚDE E ADIMPLEMENTO CONTRATUAL ANTES DA
MANIFESTAÇÃO DA DOENÇA.
54
- As disposições da Lei 9.656/98 só se aplicam aos contratos celebrados a
partir de sua vigência, bem como para os contratos que, celebrados
anteriormente, foram adaptados para seu regime. A Lei 9.656/98 não retroage
para atingir o contrato celebrado por segurados que, no exercício de sua
liberdade de escolha, mantiveram seus planos antigos sem qualquer
adaptação.
- O segurado perde direito à indenização, nos termos do art. 766, CC/2002,
(art. 1.444/CC1916) se tiver feito declarações inverídicas quando poderia fazê-
las verdadeiras e completas. E isso não se verifica se não tiver ciência de seu
real estado de saúde.
Precedentes.
- Excepcionalmente, a omissão do segurado não é relevante quando contrata
seguro e mantém vida regular por vários anos, demonstrando que possuía,
ainda, razoável estado de saúde quando da contratação da apólice.
- Aufere vantagem manifestamente exagerada, de forma abusiva e em
contrariedade à boa-fé objetiva, o segurador que, após longo período
recebendo os prêmios devidos pelo segurado, nega cobertura, sob a alegação
de que se trata de doença pré-existente.
Recurso Especial provido.
(REsp 1080973/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 09/12/2008, DJe 03/02/2009)
DIREITO CIVIL. VIZINHANÇA. CONDOMÍNIO COMERCIAL QUE ADMITE
UTILIZAÇÃO MISTA DE SUAS UNIDADES AUTÔNOMAS. INSTALAÇÃO DE
EQUIPAMENTO POR CONDÔMINO QUE CAUSA RUÍDO. INDENIZAÇÃO DEVIDA.
DANO MORAL FIXADO EM QUANTUM RAZOÁVEL.
- O exercício de posições jurídicas encontra-se limitado pela boa-fé objetiva.
Assim, o condômino não pode exercer suas pretensões de forma anormal ou
exagerada com a finalidade de prejudicar seu vizinho. Mais especificamente
não se pode impor ao vizinho uma convenção condominial que jamais foi
55
observada na prática e que se encontra completamente desconexa da
realidade vivenciada no condomínio.
- A 'suppressio', regra que se desdobra do princípio da boa-fé objetiva,
reconhece a perda da eficácia de um direito quando este longamente não é
exercido ou observado.
- Não age no exercício regular de direito a sociedade empresária que se
estabelece em edifício cuja destinação mista é aceita, de fato, pela coletividade
dos condôminos e pelo próprio Condomínio, pretendendo justificar o excesso
de ruído por si causado com a imposição de regra constante da convenção
condominial, que impõe o uso exclusivamente comercial, mas que é letra
morta desde sua origem.
- A modificação do quantum fixado a título de compensação por danos morais
só deve ser feita em recurso especial quando aquele seja irrisório ou
exagerado.
Recurso especial não conhecido.
(REsp 1096639/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 09/12/2008, DJe 12/02/2009)
CIVIL. CONDOMÍNIO. É POSSÍVEL A UTILIZAÇÃO, PELOS CONDÔMINOS, EM
CARÁTER EXCLUSIVO, DE PARTE DE ÁREA COMUM, QUANDO AUTORIZADOS
POR ASSEMBLÉIA GERAL, NOS TERMOS DO ART. 9º,§ 2º, DA LEI Nº 4.591/64.
A DECISÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM, BASEADA NO CONJUNTO
PROBATÓRIO, NÃO PODE SER REEXAMINADA, EM FACE DA SÚMULA 7/STJ.
1. O Tribunal "a quo" decidiu a questão com base nas provas dos autos, por
isso a análise do recurso foge à mera interpretação da Lei de Condomínios, eis
que a circunstância fática influi na solução do litígio. Incidência da Súmula
07/STJ.
2. O alcance da regra do art. 3º, da Lei nº 4.591/64, que em sua parte final
dispõe que as áreas de uso comum são insuscetíveis de utilização exclusiva por
qualquer condômino", esbarra na determinação da própria lei de que a
convenção de condomínio deve estabelecer o "modo de usar as coisas e
serviços comuns", art. 3º, § 3º, "c", da mencionada Lei. Obedecido o quorum
56
prescrito no art. 9º, § 2º da Lei de Condomínio, não há falar em nulidade da
convenção.
3. Consoante precedentes desta Casa: " o princípio da boa-fé objetiva tempera
a regra do art. 3º da Lei nº 4.591/64" e recomenda a manutenção das
situações consolidadas há vários anos.(Resp' nº.s 214680/SP e 356.821/RJ,
dentre outros).
Recurso especial não conhecido
(REsp 281.290/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA,
julgado em 02/10/2008, DJe 13/10/2008)
SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL.
FINANCIAMENTO. RELAÇÃO DE CONSUMO. COMISSÃO DE CONCESSÃO DE
CRÉDITO.
INCIDÊNCIA MENSAL QUE VIOLA A BOA-FÉ OBJETIVA.
- A comissão de concessão de crédito, cobrada pela instituição financeira para
fornecer crédito ao mutuário, incide apenas uma vez, no início do contrato.
Qualquer outra cobrança do referido encargo é ilícita. A cobrança mensal do
referido encargo viola preceitos de boa-fé objetiva, razão pela qual não deve
ser admitida.
Recurso Especial provido.
(REsp 908.835/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado
em 27/05/2008, DJe 20/06/2008)
DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. SEGURO SAÚDE. CONTRATAÇÃO ANTERIOR À
VIGÊNCIA DO CDC E À LEI 9.656/98. EXISTÊNCIA DE TRATO SUCESSIVO.
INCIDÊNCIA DO CDC, MAS NÃO DA LEI 9.656/98. BOA-FÉ OBJETIVA. PRÓTESE
NECESSÁRIA À CIRURGIA DE ANGIOPLASTIA. ILEGALIDADE DA EXCLUSÃO DE
“STENTS” DA COBERTURA SECURITÁRIA. DANO MORAL CONFIGURADO.
DEVER DE REPARAR OS DANOS MATERIAIS.
- As disposições da Lei 9.656/98 só se aplicam aos contratos celebrados a
partir de sua vigência, bem como para os contratos que, celebrados
anteriormente, foram adaptados para seu regime. A Lei 9.656/98 não
57
retroage, entretanto, para atingir o contrato celebrado por segurados que, no
exercício de sua liberdade de escolha, mantiveram seus planos antigos sem
qualquer adaptação.
- Embora o CDC não retroaja para alcançar efeitos presentes e futuros de
contratos celebrados anteriormente a sua vigência, a legislação consumerista
regula os efeitos presentes de contratos de trato sucessivo e que, por isso,
foram renovados já no período de sua vigência.
- Dada a natureza de trato sucessivo do contrato de seguro saúde, o CDC rege
as renovações que se deram sob sua vigência, não havendo que se falar aí em
retroação da lei nova.
- A cláusula geral de boa-fé objetiva, implícita em nosso ordenamento antes da
vigência do CDC e do CC/2002, mas explicitada a partir desses marcos
legislativos, impõe deveres de conduta leal aos contratantes e funciona como
um limite ao exercício abusivo de direitos.
- O direito subjetivo assegurado em contrato não pode ser exercido de forma a
subtrair do negócio sua finalidade precípua. Assim, se determinado
procedimento cirúrgico está incluído na cobertura securitária, não é legítimo
exigir que o segurado se submeta a ele, mas não instale as próteses
necessárias para a plena recuperação de sua saúde.
- É abusiva a cláusula contratual que exclui de cobertura a colocação de
“stent”, quando este é necessário ao bom êxito do procedimento cirúrgico
coberto pelo plano de saúde. Precedentes.
- Conquanto geralmente nos contratos o mero inadimplemento não seja causa
para ocorrência de danos morais, a jurisprudência desta Corte vem
reconhecendo o direito ao ressarcimento dos danos morais advindos da injusta
recusa de cobertura de seguro saúde, pois tal fato agrava a situação de aflição
psicológica e de angústia no espírito do segurado, uma vez que, ao pedir a
autorização da seguradora, já se encontra em condição de dor, de abalo
psicológico e com a saúde debilitada.
Recurso especial a que se dá parcial provimento.
(REsp 735.168/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado
em 11.03.2008, DJ 26.03.2008 p. 1)
58
AGRAVO REGIMENTAL. COMPRA E VENDA. SOJA. PREÇO FIXO. ENTREGA
FUTURA.
ONEROSIDADE EXCESSIVA. BOA-FÉ OBJETIVA.
- "Nos contratos agrícolas de venda para entrega futura, o risco é inerente ao
negócio. Nele não se cogita em imprevisão" (REsp 783.520/HUMBERTO).
(AgRg no REsp 884.066/GO, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS,
TERCEIRA TURMA, julgado em 06.12.2007, DJ 18.12.2007 p. 270)
DIREITO CIVIL E AGRÁRIO. COMPRA E VENDA DE SAFRA FUTURA A PREÇO
CERTO. ALTERAÇÃO DO VALOR DO PRODUTO NO MERCADO. CIRCUNSTÂNCIA
PREVISÍVEL. ONEROSIDADE EXCESSIVA. INEXISTÊNCIA. VIOLAÇÃO AOS
PRINCÍPIOS DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO, BOA-FÉ OBJETIVA E
PROBIDADE. INEXISTÊNCIA.
- A compra e venda de safra futura, a preço certo, obriga as partes se o fato
que alterou o valor do produto agrícola não era imprevisível.
- Na hipótese afigura-se impossível admitir onerosidade excessiva, inclusive
porque a alta do dólar em virtude das eleições presidenciais e da iminência de
guerra no Oriente Médio – motivos alegados pelo recorrido para sustentar a
ocorrência de acontecimento extraordinário – porque são circunstâncias
previsíveis, que podem ser levadas em consideração quando se contrata a
venda para entrega futura com preço certo.
- O fato do comprador obter maior margem de lucro na revenda, decorrente da
majoração do preço do produto no mercado após a celebração do negócio, não
indica a existência de má-fé, improbidade ou tentativa de desvio da função
social do contrato.
- A função social infligida ao contrato não pode desconsiderar seu papel
primário e natural, que é o econômico. Ao assegurar a venda de sua colheita
futura, é de se esperar que o produtor inclua nos seus cálculos todos os custos
em que poderá incorrer, tanto os decorrentes dos próprios termos do contrato,
como aqueles derivados das condições da lavoura.
59
- A boa-fé objetiva se apresenta como uma exigência de lealdade, modelo
objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever de que
cada pessoa ajuste a própria conduta a esse modelo, agindo como agiria uma
pessoa honesta, escorreita e leal.
Não tendo o comprador agido de forma contrária a tais princípios, não há como
inquinar seu comportamento de violador da boa-fé objetiva.
Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 803.481/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 28.06.2007, DJ 01.08.2007 p. 462)
DIREITO CIVIL E AGRÁRIO. COMPRA E VENDA DE SAFRA FUTURA A PREÇO
CERTO. ALTERAÇÃO DO VALOR DO PRODUTO NO MERCADO. CIRCUNSTÂNCIA
PREVISÍVEL. ONEROSIDADE EXCESSIVA. INEXISTÊNCIA. VIOLAÇÃO AOS
PRINCÍPIOS DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO, BOA-FÉ OBJETIVA E
PROBIDADE. INEXISTÊNCIA. CLÁUSULAS ACESSÓRIAS ABUSIVAS.
IRRELEVÂNCIA.
- A compra e venda de safra futura, a preço certo, obriga as partes se o fato
que alterou o valor do produto agrícola não era imprevisível.
- Na hipótese afigura-se impossível admitir onerosidade excessiva, inclusive
porque chuvas e pragas – motivos alegados pelo recorrido para sustentar a
ocorrência de acontecimento extraordinário – são circunstâncias previsíveis na
agricultura, que o produtor deve levar em consideração quando contrata a
venda para entrega futura com preço certo.
- O fato do comprador obter maior margem de lucro na revenda, decorrente da
majoração do preço do produto no mercado após a celebração do negócio, não
indica a existência de má-fé, improbidade ou tentativa de desvio da função
social do contrato.
- A função social infligida ao contrato não pode desconsiderar seu papel
primário e natural, que é o econômico. Ao assegurar a venda de sua colheita
futura, é de se esperar que o produtor inclua nos seus cálculos todos os custos
em que poderá incorrer, tanto os decorrentes dos próprios termos do contrato,
como aqueles derivados das condições da lavoura.
60
- A boa-fé objetiva se apresenta como uma exigência de lealdade, modelo
objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever de que
cada pessoa ajuste a própria conduta a esse modelo, agindo como agiria uma
pessoa honesta, escorreita e leal.
Não tendo o comprador agido de forma contrária a tais princípios, não há como
inquinar seu comportamento de violador da boa-fé objetiva.
- Nos termos do art. 184, segunda parte, do CC/02, “a invalidade da obrigação
principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da
obrigação principal”. Portanto, eventual abusividade de determinadas cláusulas
acessórias do contrato não tem relevância para o deslinde desta ação. Ainda
que, em tese, transgridam os princípios da boa-fé objetiva, da probidade e da
função social do contrato ou imponham ônus excessivo ao recorrido, tais
abusos não teriam o condão de contaminar de maneira irremediável o
contrato, de sorte a resolvê-lo.
Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 783.404/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,
julgado em 28.06.2007, DJ 13.08.2007 p. 364)
CIVIL. BEM DE FAMÍLIA. LEI Nº 8.009, DE 1990. A impenhorabilidade
resultante do art. 1º da Lei nº 8.009, de 1990, pode ser objeto de renúncia
válida em situações excepcionais; prevalência do princípio da boa-fé objetiva.
Recurso especial não conhecido.
(REsp 554.622/RS, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado
em 17.11.2005, DJ 01.02.2006 p. 527)
PROMESSA DE COMPRA E VENDA. CONSENTIMENTO DA MULHER. ATOS
POSTERIORES. " VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM ". BOA-FE. PREPARO.
FERIAS.
1. TENDO A PARTE PROTOCOLADO SEU RECURSO E, DEPOIS DISSO,
RECOLHIDO A IMPORTANCIA RELATIVA AO PREPARO, TUDO NO PERIODO DE
FERIAS FORENSES, NÃO SE PODE DIZER QUE DESCUMPRIU O DISPOSTO NO
ARTIGO 511 DO CPC. VOTOS VENCIDOS.
61
2. A MULHER QUE DEIXA DE ASSINAR O CONTRATO DE PROMESSA DE
COMPRA E VENDA JUNTAMENTE COM O MARIDO, MAS DEPOIS DISSO, EM
JUIZO, EXPRESSAMENTE ADMITE A EXISTENCIA E VALIDADE DO CONTRATO,
FUNDAMENTO PARA A DENUNCIAÇÃO DE OUTRA LIDE, E NADA IMPUGNA
CONTRA A EXECUÇÃO DO CONTRATO DURANTE MAIS DE 17 ANOS, TEMPO EM
QUE OS PROMISSARIOS COMPRADORES EXERCERAM PACIFICAMENTE A
POSSE SOBRE O IMOVEL, NÃO PODE DEPOIS SE OPOR AO PEDIDO DE
FORNECIMENTO DE ESCRITURA DEFINITIVA. DOUTRINA DOS ATOS
PROPRIOS. ART. 132 DO CC.
3. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
(REsp 95.539/SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA,
julgado em 03.09.1996, DJ 14.10.1996 p. 3901)
8. Bibliografia Básica do Curso e Mensagem
Bibliografia: Novo Curso de Direito Civil – Teoria Geral dos Contratos –
vol. IV, tomo 01. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho
(Saraiva) (www.saraivajur.com.br ou www.editorajuspodivm.com.br)
Mensagem
“Quando idealizamos um projeto do Bem, que contribua com o nosso
crescimento e o da humanidade, o universo conspira a nosso favor!”.
Um grande abraço, amigos!
Tenham Fé sempre!
Fiquem com Deus!
O amigo,
Pablo.
Revisado.2009.2.ok
C.D.S.