Post on 05-Aug-2016
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A M
ORTE
REPRESENTADA
NA
CULTU
RApor D
anilo N
ovais
Uma investigação
sobre quais
expressões culturais
a única certeza
que temos em vida
assumiu ao longo
da história.
0003
ENQUANTO SOCIEDADE, não nos
sentimos confortáveis com a ideia
de mortalidade. Talvez por isso,
a morte — e a tentativa de prorrogação
da sua chegada — seja um assunto tão
enraizado em nossa cultura. Crescemos
em meio a intervenções cirúrgicas,
rituais religiosos ou artifícios científicos
para atingir a imortalidade. Conforme
envelhecemos, refletir sobre a morte
se torna uma constante inevitável.
0004
Apesar dessa reflexão ser mais comum em circunstâncias fúnebres,
ela bate à nossa porta em diversos outros momentos por meio das
produções culturais — arte, literatura, música, cinema,
moda, fotografia e televisão.Qualquer produto da cultura, naturalmente,
é resultado de um contexto histórico. Entre os séculos 14 e 19, por
exemplo, quando a expectativa de vida foi afetada por epidemias
que assolaram o mundo de maneira descontrolada, a morte
teve participação cativa em parte considerável das criações artísticas
e literárias do período.
0005
“Para uma
mente bem
estruturada, a
morte é apenas
uma aventura
seguinte.”As produções variam de acordo com o contexto. Com isso em mente
e observando obras de datas distintas, vamos mergulhar numa breve análise das identidades que a morte assumiu ao longo da história. Vem comigo!
— J.K. Rowling (31/07/1965 ), Harry Potter e a Pedra Filosofal
Uma playlist com músicas sobre a morte e suas diversas representações para degustar durante a leitura.
Cemitery por SilverchairI Will Follow You In The Dark por Deatch Cab For CutieNovember Rain por Guns N' RosesFade To black por MetallicaBest Friend por The DrumsTears In Heaven por Eric ClaptonBack To Black por Amy WinehouseCreep por RadioheadShadowplay por The KillersThe Scientist por ColdplayHurt por Johnny CashLive Foreve por OasisTempo Perdido por Legião UrbanaMyth por Beach HouseGraveyard por FeistMy Body Is A Cage por Arcade FireGreet Death por Explosions In the skyCemitery por Silverchair
IRREVOGÁVEL
0006
"A Single Man" (2009), de Tom Ford ( 27/08/1962 )
CONSCIÊNCIAE ACEITAÇÃO DO ÓBITO COMO FATO
Aqui a analogia
funciona como assistência ao luto
pessoal. É o caso do primeiro filme de Tom
Ford ( 27/08/1962 ), “A Single Man” (2009),
maravilhosamente carregado de metáforas visuais sobre
a separação súbita de um casal apaixonado. De belíssima fotografia, figurino impecável e desfecho trágico, a trama acompanha 24 horas da vida de um professor que deseja superar a perda de seu amado. Ainda sobre luto, só que de um modo lírico, Eric Clapton ( 30/03/1945 ) concebeu a primorosa “Tears in Heaven” para lidar com a tristeza causada pela partida de seu filho. A canção evidencia a saudade de Eric, mas ao mesmo tempo vislumbra
IRREVOGÁVEL
0007
um bem-estar que parece distante. Um fato curioso: Clapton retirou a música de seu setlist em 2004 por não conseguir se conectar com ela como quando a lançou, em 1992.No papel de admissão do fim na qualidade de inelutável, a série “Ghost Whisperer” (2005 –2010) cumpre bem a representação. Ela conta a história de Melinda Gordon (Jennifer Love Hewitt ( 21/02/1979 )), uma jovem que consegue se comunicar com os espíritos perdidos no plano terrestre que, de alguma forma, ainda não conseguiram aceitar a própria morte. Melinda ajuda não só quem passou dessa para melhor, como também as pessoas que eles eram conectados em vida.
0008
A DICOTOMIA MORTE/VIDA
E SUAS IMPLICAÇÕES
RELIGIOSAS E CIENTÍFICAS
Registros escritos sobre a relação inerente entre morte/vida existem desde as primeiras civilizações. É o caso do Livro dos Mortos, um conjunto de feitiços e orações criado pelos Egípcios para ajudar o falecido em sua viagem para outro estágio de existência. Daí a importância de conservar o corpo por meio da mumificação, porque eles acreditavam que o morto tomaria posse do mesmo em sua nova etapa.
00090009
Em 1818, a autora Mary Shelley
( 30/08/1797 - 01/02/1851 )
deu origem a uma das criaturas mais
conhecidas da literatura romântica
- FrankenstEIN - em seu romance
“O Moderno Prometeu” (1818).
Entre as múltiplas interpretações, pode-se
dizer que o embate morte/vida está presente
do início ao fim da narrativa. Tais
significados são trazidos à tona na trajetória
de VICtor Frankenstein, a qual alude ao dom
divino d a c r i a ç ã o / f i m d a vida.
“I’m not afraid of death;
I just don’t want to be there when it happens.” — Woody Allen
(01/12/1935)
Outro mistério encontrado no livro de Shelley é a pós-morte. Até hoje, tanto a ciência quanto a religião não conseguiram afirmar o que acontece depois que alguém morre. Existem sim sugestões, o que depende de cada cultura.
00110011
Gustave Doré ( 06/01/1832 - 23/01/1883 ),
“Death on a Pale Horse” (1865)
O costume de jun tar pedaços de teorias para
compor uma resposta plausível a anti gos questionamentos pode ser considerado
característica latente da sociedade pós-moder na. Esses remendos de verdades que constroem
nossa crença estão diretamente ligados aos remendos de carne e restos de defunto usados para criar o próprio
Frankenst ein. E quando falamo s em cre nça, nã o dá para não m encionar
a perso nificação da mo rte em vár ias cult uras. A mais famosa delas é o Ceifador, seja como c
oletor de almas ou com o causa dor da morte literal . De álbu
ns de heavy metal à pinturas sinistras, a sua estética geralmente te m
base n a i magem da caveira. Veja a imagem ao lado de Gusta ve Doré ( 06/01/1832 - 23/01/1883 ), “Death on a Pale Horse” (1865).
0012
A fotógrafa Ana Oliveira retratou a passagem
do tempo em sua série “Personalidade”.
A PASSAGEM
DO TEMPO
INEXORÁVEL
A la
men
táve
l cer
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de
que
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stan
te p
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alus
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i vié
s m
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ema
“O T
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” de
Már
io Quin
tana:
A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já
são se
is horas!
Quando se vê, já
é sexta-fe
ira!
Quando se vê, já
é natal…
Quando se vê, já
terminou o ano…
Quando se vê perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê passa
ram 50 anos!
0014
Cerc
ado
pelo
oní
rico
e o
mac
abro
, o su
icídio
das
irmãs
Lis
bon
em “A
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uicida
s” (1
993), apesar d
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desa
stro
so, r
evel
a ou
tra
trag
édia:
a au
stera
passagem do
tem
po c
omo
mor
te c
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iana
. Em
seu
prim
eiro
rom
ance
, Jef
frey
Eugen
ides (
08/0
3/1960 )
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mpa
a to
rtur
a da
alm
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usad
a pe
lo d
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ste
da ro
tina e
m u
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eira pessoa do
plur
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ecur
so p
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usa
do n
a lit
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ura.
Ago
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tard
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s par
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repro
vado…
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Quando se vê, já
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Quando se vê perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê passa
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Se m
e fo
sse
dado
um
dia, o
utra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
Segu
iria
sem
pre
em f
ren
te e
iria
joga
ndo pel
o cam
inho a casca dourada e inútil das horas…
Segu
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amor
que
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min
ha fr
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te e diri
a que eu o amo.
E t
em m
ais:
não
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zer a
lgo d
e que gosta devido à falta de tempo.
Não
dei
xe d
e te
r pe
ssoa
s ao
seu la
do por puro medo de ser feliz.
A ú
nic
a fa
lta
que
terá
será
a desse
tempo que, infelizmente,
nunca mais voltará.
TODO DIA ACIMA DO CHÃO É UM
Para celebrar a vida, algumas produções
culturais imaginam realidades utópicas
em que a humanidade vive em paz. John Lennon
e sua transcendental “Imagine” (1971) é uma dessas
obras que aspiram um mundo melhor, no qual as pessoas
não tenham razão para matar, seja pela falta de ganância
e guerras ou pela gratidão de estar vivo.
A morte, por vezes, assume um
caráter indireto ou coadjuvante,
não sendo necessariamente
citada, mas ainda assim presente
em referências relacionadas.
BOM DIA
00160016
Para celebrar a vida, algumas produções
culturais imaginam realidades utópicas
em que a humanidade vive em paz. John Lennon
e sua transcendental “Imagine” (1971) é uma dessas
obras que aspiram um mundo melhor, no qual as pessoas
não tenham razão para matar, seja pela falta de ganância
e guerras ou pela gratidão de estar vivo.
Neste mesmo caminho, o filme “Restless” (2011), de Gus Van Sant, nos conta
o encontro de Annabel e Enoch, dois jovens que se conhecem em um funeral. Enoch,
ainda compensando a perda de seus pais, conhece Annabel, uma jovem
com câncer terminal e três meses de vida. A atmosfera mórbida que paira sobre as
personagens influencia o comportamento delas.
Se a morte junta os dois, é a vida que os
fazem se apaixonar. Aliás, Van Sant é dono de outros
longas sobre a morte, esses mais contemplativos, como
“Elefante” e “Paranoid Park”, mas que valem
sua atenção.
0017
0018
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0020
REPRESENTAÇÃO SIMBÓLICA DE
QUESTÕES SOCIAIS
Enquanto crítica à sociedade, esse papel tomado pela morte teve origem no final do século 19, quando o fim da escravidão, a luta de classes e o liberalismo de fachada se instauraram. Da época, um representante categórico, conhecido dos brasileiros, é o livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881), de Machado de Assis ( 21/06/1839 - 29/09/1908 ).O fato do protagonista estar morto possibilita a sua isenção e distanciamento da sociedade. Tal separação do mundo físico concede o direito a Brás Cubas de zombar e criticar o que e quem ele quiser. A ironia marca a obra inteira, a começar pela dedicatória encontrada na abertura que exprime a revolta pela vida ou a insignificância do ser humano diante da natureza:
Lei
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0021
“Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do
meu cadáver dedico com saudosa lembrança
estas memórias póstumas.”
— Brás Cubas
Uma das séries mais icônicas da televi-são, “Six Feet Under” (2001–2005), tam-bém usava a morte como veículo para
debater temas sociais cabeludos. Carregado
de humor negro, o show tinha uma dinâmica de narrativa
bem sólida. O arco central trazia o falecimento de alguém, que servia para
explorar tabus como homossexualidade, drogas, racismo, infidelidade, entre outros.
0022
Calcado no romantismo sombrio, Edgar Allan Poe ( 19/01/1809 - 07/10/1849 ) utilizava a morte e seus aspectos físicos — a decomposição de cadáveres, pessoas enterradas vivas, reanimação de mortos — como tema recorrente em suas criações. Edgar se opunha aos significados óbvios na literatura, por isso suas ideias eram calculadas e dosadas, tendo um único efeito como objetivo.
Fim iminente como propulsor narrativo
Apesar dos muitos elementos que o trabalho de Poe trouxe à literatura universal, um em especial contribui
para nossa causa: morte como objeto de investigação e a figura do detetive. Em “Os Assassinatos da Rua Morgue”
(1841), o detetive C. Auguste Dupin, considerado o primeiro da ficção, apura uma série de assassinatos
brutais. O conto deu início ao gênero policial, o qual seria desenvolvido
melhor posteriormente por outros autores célebres, como Arthur Conan Doyle ( 22/05/1859 - 07/07/1930 )
e Agatha Christie ( 15/09/1890 - 12/01/1976 ).
0023
Fim iminente como propulsor narrativo
Morte como ser iminente em ambientes assustadores, causada por serial killers, fantasmas ou outras criaturas sobrenaturais, é a representação favorita dos filmes de horror e suspense. Este recurso narrativo, que funciona bem para prender a atenção do público, provavelmente é a expressão mais atual em relação às outras apresentadas neste artigo.
Mais sob
re N
osferatu n
o artigo: Terror d
as An
tigas
Se você chegou até aqui, deve ter percebido que não importa a dimensão ou protagonismo que a morte tenha nas diferentes obras, ela sempre vai servir
de fomento para representações maiores. E apesar do contexto, do formato e do meio definirem essas estruturas narrativas e a frequência com que o tema é abordado, uma única coisa é certa: a mórbida constatação de que ela tem
papel garantido em qualquer história ficcional a ser contada, porque faz parte da história real das nossas vidas.