“A fragilidade do INPI hoje é extremamente preocupante”univerci/n_5_6_a2/entrevista.pdf · um...

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por Lúcia Ortiz (colaborou Mariana Pezzo)

Maria Celeste Emerick, socióloga emestre em Gestão de Ciência e Tecnologiaem Saúde, é Coordenadora de GestãoTecnológica da Fundação Oswaldo Cruzdesde 1990, onde é responsável pelacoordenação, elaboração e implementaçãoda Política Institucional de PropriedadeIntelectual e Transferência de Tecnologiada instituição. Maria Celeste é tambémcoordenadora da Rede de Temática dePropriedade Intelectual e Comercializaçãode Tecnologia (Repict), que subsidiauniversidades, institutos acadêmicos,agências de fomento e incubadoras deempresas. Além disso, é representante daFiocruz na Rede de Tecnologia do Rio deJaneiro, na Associação Brasileira dasInstituições de Pesquisas Tecnológicas(Abipti), na Associação Brasileira dasEmpresas de Biotecnologia (Abrapi), naFundação Bio-Rio e no Plano Estratégicoda Cidade do Rio de Janeiro. É membrotitular da Comissão Ministerial sobreAcesso e Uso do Genoma Humano e doConselho de Gestão do PatrimônioGenético (CGEN), do Ministério doMeio Ambiente, e presidente daComissão Técnica de Biossegurança daFiocruz, que formula a política insti-tucional de biossegurança e coordena suaimplementação.

Maria Celeste Emerick

Socióloga, Coordenadora deGestão Tecnológica da Fiocruz ecoordenadora da Repict

“A fragilidade do INPIhoje é extremamentepreocupante”A Fundação Oswaldo Cruz pode ser considerada pioneira por contar,há mais de dez anos, com a Coordenação de Gestão Tecnológica, quetem, entre suas funções, a de proteger os resultados de pesquisa edesenvolvimento gerados pelo seu corpo técnico. Nesta entrevista,Maria Celeste Emerick, que dirige a Coordenação desde 1990, falasobre a importância dos mecanismos de propriedade intelectual eindustrial para uma política nacional de desenvolvimento. E defendea necessidade de países como o Brasil acompanharem a evoluçãodo sistema internacional, “para deixarmos de perder tanto e quemsabe ganhar um pouco sabendo proteger e comercializar conhe-cimentos que desenvolvemos no âmbito de nossos institutos depesquisa, universidades e incubadoras de empresas”.

Em 2000, você afirmava que o Brasil não tinha “cultura de patentes”. Como estáa situação atualmente?O Brasil, a partir do final da década de 90, começou a se preocupar com o assunto dapropriedade intelectual, em função do movimento de adaptar suas legislações ao Trips(acordo da Organização Mundial do Comércio – OMC). Foi formado o GIPI (GrupoInterministerial de Propriedade Intelectual), que vem criando massa crítica no âmbitodos ministérios e permitindo ao país uma participação mais estratégica nos fórunsinternacionais. Foi criada também a Repict (Rede de Propriedade Intelectual eComercialização de Tecnologia), em 1998, que vem se consolidando como um espaçoprivilegiado para discutir o uso dos mecanismos de propriedade intelectual ecomercialização de tecnologia no ambiente das instituições que fomentam e que geramconhecimentos científicos e tecnológicos. Atualmente, portanto, o assunto está na agendadas universidades, institutos de pesquisa, incubadoras de empresas e agências de fomento.Cabe aos dirigentes e gestores elaborarem políticas institucionais de pesquisa e ensinoadequadas, para que a comunidade de C&T tenha orientação clara quanto à forma derealizar suas pesquisas.

Qual é o papel dos mecanismos de propriedade intelectual e industrial paraos países em desenvolvimento?Esses países devem conhecer o sistema de propriedade intelectual e acompanhar sua evoluçãoe dinamicidade. Devemos estimular o uso sistemático das informações contidas nosdocumentos de patentes, o que talvez seja a maior vantagem desse sistema. Após 18 mesesde sigilo, ele permite a difusão do conhecimento através dos bancos de patentes.

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A Fiocruz conta há mais de dez anos,com a Coordenação de Gestão Tec-nológica. Quais foram os fatores quepermitiram essa iniciativa?O que motivou diretamente a criação dessaatividade na Fiocruz foi a ampla coope-ração internacional, principalmente noâmbito da pesquisa biotecnológica emmeados da década de 80, quando nossospesquisadores assinavam “termos” bastanterestritivos quanto ao uso do conhecimentoadquirido nos países desenvolvidos. Alémdisso, a instituição, vinculada ao Minis-tério da Saúde, sempre teve uma preo-cupação com o impacto social de suaspesquisas; a expectativa é que, além daformação de recursos humanos e depublicações, a pesquisa tenha aplicaçãoprática. Nesse sentido, a proteção legalatravés dos mecanismos de propriedadeintelectual contribui para atrair parceriascom o setor industrial.Os principais frutos desse trabalhocolhidos até o momento, além da liderançada discussão no Brasil e da criação ecoordenação da Repict, são os númerosapresentados pela Fiocruz.

Qual é o quadro em outras insti-tuições? Quais são os grandes desa-fios a serem enfrentados para queo Brasil tenha uma estrutura “ideal”no que diz respeito à proteção desuas inovações e à competitividadede sua indústria?No Brasil, hoje, a maioria das instituiçõesacadêmicas vem estabelecendo políticasinternas, criando setores. Em 2002, oprojeto “Estímulo à Criação e Consolidaçãode Núcleos de Propriedade Intelectual eTransferência de Tecnologia em Univer-sidades Brasileiras” – parceria entre o INPI(Instituto Nacional de Propriedade Indus-trial), a Universidade Federal do Rio Grandedo Sul e a Rede de Tecnologia do Rio deJaneiro – indicou que 27 universidadesbrasileiras possuem setores para tratar dotema e grande parte dos institutos depesquisa também possui políticas.Mas a questão é extremamente ampla. Apropriedade intelectual é apenas uma partepequena e importantíssima do complexo

Ministra Marina Silva, para ser apre-sentado um novo projeto de lei. Nomundo, a Organização Mundial dePropriedade Intelectual está estudando amatéria e alguns países já estão imple-mentando legislação (Peru, Costa Rica eÍndia, entre outros).

A medida provisória editada ori-ginalmente em junho de 2000, queregulamenta o patenteamento derecursos naturais, é alvo de críticasdiversas. Quais são os principaisproblemas relacionados a ela?Em primeiro lugar, o fato de ser umamedida provisória, em se tratando deassunto tão estratégico para um paísmegabiodiverso como o Brasil, que merecemedida regulamentar de caráter definitivo.Esse fato tem várias implicações, como aimpossibilidade de inclusão de cláusulasde penalidades. A definição de patrimôniogenético como “bem da União” implicaem reforma da Constituição de difíciltramitação e aprovação. A própria defini-ção de patrimônio genético como a“informação genética” traz interpretaçõesdiversas e complexa implementação (“bemintangível”, “imaterial”).É consenso que o assunto do regulamentodo acesso, uso e remessa do (patrimônio?)(recurso?) (material?) genético, da pro-teção aos conhecimentos tradicionais, darepartição de benefícios é estratégico parao país. Também é consenso sua enormecomplexidade. É um desafio para todosnós contribuir para esse debate, que estávoltando neste novo Governo com força.

A patente, às vezes, é vista comoinstrumento anticompetitivo, namedida em que estabelece um mo-nopólio que pode ser vantajosoapenas para os países que têm capa-cidade industrial e massa críticapara enfrentar o poder inerente aosmonopólios. Você concorda?Eu insisto que o debate da propriedadeintelectual deve ser inserido no debatemais amplo de uma Política Nacional deC&T&I. Eu defendo a imperiosa neces-sidade dos países em desenvolvimento

processo de inovação. Uma políticanacional de desenvolvimento deve incor-porar um conjunto de reforma de políticasde diversos setores: econômico, social, in-dustrial e de C&T&I, entre outros.

Com relação a medicamentos, asituação é geralmente de conflito en-tre os interesses econômicos dasgrandes indústrias e o caráter de bempúblico desses insumos. Quais são aspossíveis soluções para o impasse?O setor farmacêutico, historicamente, éum dos que mais usa o sistema de patentese influencia sua evolução. Por suas carac-terísticas (oligopolizado, intensivo deconhecimentos científicos e centralizador,entre outras) e pelas características da áreade saúde dos países em desenvolvimento,o patenteamento desses produtos acirra oconflito de interesses.A solução para o impasse pode estar numapolítica de governo bem estruturada,incorporando seu poder de compra e deregulamentador. Por outro lado, a Decla-ração de Doha (da OMC, assinada em2000, que exalta a prevalência da saúdediante de qualquer interesse comercial)abre uma brecha para a política demedicamentos, se bem que é bastantecomplexa sua implementação.

A relação entre a proteção do conhe-cimento das comunidades tradicio-nais associado aos recursos bioló-gicos e o direito à propriedade inte-lectual é uma questão fundamentalem todo o mundo e, particularmente,no Brasil, devido à sua grande bio-diversidade. Como o país está in-serido no debate sobre o assunto?O Brasil está discutindo a proteção dosconhecimentos tradicionais desde 1995,quando a então senadora Marina Silvaapresentou ao país o PL 300/95, inspiradona Convenção da Diversidade Biológica/CDB – Rio 92. O assunto acabou sendoregulamentado pela MP nº 2.186-16/2001. Hoje, o Conselho de Gestão doPatrimônio Genético, vinculado aoMinistério do Meio Ambiente, estáestudando o assunto por solicitação da

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conhecerem e acompanharem a evoluçãodo sistema internacional, para deixarmosde perder tanto e quem sabe ganharmosum pouco sabendo proteger e comercia-lizar conhecimentos que desenvolvemosem nossos institutos de pesquisa, univer-sidades e incubadoras. Eu chamo a atençãopara o uso das informações contidas nosdocumentos de patente, para a incor-poração dessa preciosa fonte de infor-mação, associada às tradicionais usadaspela comunidade científica e pelosgestores. Eu concordo que o sistema depatentes instituído no final do século XIX,com a Convenção da União de Paris, econsolidado no final do século XX, como Trips, é um sistema muito forte e tendea se fortalecer cada vez mais nesse contextomundial onde o conhecimento tem cadavez mais valor. Esta é a regra do jogo!

Como o modelo de reconhecimentodo trabalho científico existente noBrasil, de divulgação antes da pro-teção, influencia o processo de paten-teamento? Que ações podem seradotadas para a reversão desse qua-dro em uma cultura como a nossa?Insistir na difusão do conhecimento dosistema de propriedade intelectual. ARepict tem justamente como missãopromover a disseminação da cultura dapropriedade intelectual e apoiar a formu-lação de políticas e a implementação deações estratégicas destinadas à proteção,valoração e comercialização do conheci-mento gerado em universidades, centrosde pesquisa, instituições tecnológicas eempresas.

chegue ao mercado, que o processo deinovação se cumpra. Por outro lado, emalguns setores, como no chamado com-plexo industrial da saúde (indústriafarmacêutica, vacinas, reativos paradiagnóstico, equipamentos, hemoderiva-dos), a patente é peça chave para atransferência de tecnologia.

Como a atual crise do INPI afeta aconsolidação dos mecanismos deproteção à propriedade intelectual eindustrial no Brasil? Quais são asprincipais causas da crise, e aspossíveis soluções?Entendo que o assunto da propriedadeindustrial é bastante estratégico e afetaquestões relacionadas à soberania nacional.Nesse sentido, o principal órgão deimplementação da propriedade industrialno Brasil – o INPI – deve ser forte emoderno. Deve dar conta de desempenharsua missão institucional: receber, analisare conceder direitos, embasados emespecializados conhecimentos técnicos,nas leis vigentes e em tempo hábil. Ademora na concessão ou indeferimento dedireito acarreta significativos problemas deordem econômica. Fragilidade no exametécnico leva à desmoralização.As principais causas da “crise atual doINPI”? Não consigo entender muito bem:nos discursos políticos, todos parecementender seu papel relevante. Conflitos deinteresses de ordens diversas é quedificultam aprumar o INPI? Também essesfatores podem ser anulados se o Governoexplicitar uma posição clara e o dirigentedo órgão estiver afinado com essesprincípios e tiver garra o suficiente paramotivar e capacitar continuamente seusprofissionais e chamar atenção a quem dedireito (ministros, Congresso Nacional,clientes em geral) para as questões queestão entravando o bom desempenho doINPI. No contexto dos países em desen-volvimento e no contexto das tendênciasde evolução do sistema internacional, afragilidade do INPI é extremamentepreocupante. Há que se tomar medidaurgente para reerguer um órgão comexpressivo impacto no âmbito de umaPolítica Nacional de Desenvolvimento.

Para alguns, o estímulo às patentesimpede a colaboração, pois cadacientista pode tentar esconder suasdescobertas até que possam ser pa-tenteadas. Qual sua opinião?No contexto das grandes transformaçõesocorridas nos últimos trinta anos, imensosdesafios foram colocados para os países epara a gestão de suas instituições de ensino,pesquisa e fomento. Essas instituiçõespassaram a ter de lidar com temas até entãoimpensáveis, como: propriedade in-telectual, biossegurança, bioética, exigên-cia de confidencialidade das informaçõesgeradas na pesquisa, formalização adequa-da de toda e qualquer cooperação eestabelecimento dos direitos dos pes-quisadores visitantes, bolsistas e esta-giários, entre outros. Diante desse contex-to, cabe aos dirigentes estabelecerempolíticas institucionais coerentes (P&D,propriedade intelectual, planejamentoestratégico etc.) que dêem conta degerenciar todas essas exigências. É umaquestão de competência gerencial inteli-gente! É complexo, mas não é impossível.

A patente pode ser vista como tendoobjetivos sociais e desenvolvimen-tistas, já que é fonte de informaçõestecnológicas. Porém, em sua maioria, osdocumentos omitem parte dos dadosnecessários para a replicação. Comovocê enxerga essa limitação?O documento de patente nem sempredeixa claras algumas informações técnicase dificulta a “replicação” até certo limite;isto faz parte da “manha do sistema”.Porém, esse fato não deve desestimular oesforço de incluir a busca em banco depatentes como rotina nas nossas institui-ções de C&T, ensino e fomento. Asvantagens dessa prática e a quantidade deinformação que pode ser depreendida deum documento de patente são enormes.

O simples ato de patentear uma ino-vação é garantia de resultados prá-ticos e retorno financeiro?Costumo dizer que a patente em si nãofaz milagres... É necessário um conjuntode ações complexas para viabilizar que oresultado de pesquisa saia da bancada e

“Patenteamento derecursos naturais em umpaís megabiodiversocomo o Brasil merecemedida regulamentarde caráter definitivo”

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