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PRIMEIRO RELATÓRIO DE AVALIAÇÃO NACIONAL 3
VOLUME 2 – IMPACTOS, VULNERABILIDADES E ADAPTAÇÃO 4
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Capítulo 4
Título Recursos Naturais e Manejos, Ecossistemas e seus Usos
(Sub)Seção: 4.1 Recursos Hídricos
Autores Autores Principais: Francisco de Assis de Souza Filho-UFC
Autores Colaboradores: Alfredo Ribeiro Neto-UFPE; Joaquim Gondim-
ANA;
Autores Revisores: Carlos Eduardo Morelli Tucci- UFRGS;
Demetrios Christofidis- MIN;
Rosa Maria Johnsson - UERJ
(Sub)Seção: 4.2: Ecossistema de Água Doce e Terrestre
Autores Autores Principais: Fabio Rubio Scarano - UFRJ
Autores Colaboradores: Braulio Ferreira de Souza Dias- MMA
Francisco de Assis de Souza Filho-UFMG
Ricardo Bomfim Machado- UnB
Autores Revisores: Fábio Roland- UFJF
Simey Thury Vieira Fisch- UNITAU
(Sub)Seção: 4.3: Sistemas Costeiros e Áreas Costeiras Baixas
Autores Autores Principais: Antonio Henrique da Fontoura Klein- UFSC
Helenice Vital- UFRN
João Luis Nicolodi- UFRG;
Autores Colaboradores: Carlos Augusto França Schettini- UFPE
Gilberto Fonseca Barroso- UFES
Luciana Costa- Ecology Brasil Ltda.
Luiz Francisco Ditzel Faraco- ICMBio
Mario Luiz Gomes Soares- UERJ
Autores Revisores: Jarbas Bonetti Filho- UFSC
Paulo da Cunha Lana- UFPR
(Sub)Seção: 4.4: Ecossistema Oceânico
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4- Recursos Naturais e Manejos, Ecossistemas e seus Usos 16
Índice 17
4.1 Recursos Hídricos .............................................................................................................5 18
4.1.1. Introdução .....................................................................................................................5 19
4.1.2.Forçantes dos Recursos Hídricos ...................................................................................6 20
4.1.3. Disponibilidade e Demanda Hídricas no Brasil ............................................................8 21
4.1.3.1. Disponibilidade Hídrica ...................................................................................................... 8 22
4.1.3.2. Tendências e Variabilidade da Disponibilidade Hídrica................................................... 12 23
4.1.3.3. Demanda ........................................................................................................................... 14 24
4.1.4. Cenários de Mudanças Climáticas nos Recursos Hídricos .........................................19 25
4.1.4.1.Visão geral ................................................................................................................19 26
4.1.4.2.Bacias Hidrográficas e Regiões Brasileiras ..............................................................21 27
4.1.4.3.Águas Subterrâneas ...................................................................................................22 28
4.1.4.4.Qualidade da Água ....................................................................................................22 29
4.1.4.5.Usos da água .............................................................................................................22 30
4.1.5.Estratégia de Adaptação ...............................................................................................23 31
4.1.6.Desastres Naturais ........................................................................................................26 32
Autores Autores Principais: Fábio Hissa Vieira Hazin- UFRPE
Paulo Eurico Pires Ferreira Travassos- UFRPE
Autores Colaboradores: Humberto Gomes Hazin- UFRPE
Autores Revisores: Silvio Jablonski – UERJ
Jorge Pablo Castello- UFRG
(Sub)Seção: 4.5: Sistema Alimentar e Segurança
Autores Autores Principais: Giampaolo Pellegrino- EMBRAPA
Maya Takagi- MDS
Autores Colaboradores: Carmem Priscila Bocchi- MDS
Arnaldo Carneiro Filho – SAE
Andrea Koga Vicente -CEPAGRI/UNICAMP
Susian Christian Martins- EMBRAPA
Paula Rodrigues Salgado- EMBRAPA
Iedo Bezerra As – EMBRAPA
Autores Revisores: Aryeverton Fortes de Oliveira- EMBRAPA
Jurandir Zullo Junior- UNICAMP
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Referências Bibliográficas ....................................................................................................27 33
4.2. Ecossistemas de Água Doce e Terrestres .......................................................................40 34
4.2.1. Introdução ...........................................................................................................40 35
4.2.2. Vulnerabilidade e Impacto ..................................................................................40 36
4.2.3. Ecossistemas de Água Doce ...............................................................................42 37
4.2.4. Ecossistemas Terrestres ......................................................................................42 38
4.2.5. Adaptação ...........................................................................................................43 39
4.2.6. Adaptação baseada nos ecossistemas .................................................................44 40
4.2.7. Restauração ecológica ........................................................................................45 41
4.2.8. Biocombustíveis .................................................................................................46 42
4.2.9. Lacunas de dados e de pesquisas ........................................................................46 43
4.2.10. Conclusões e perspectivas ..................................................................................47 44
Referências Bibliográficas ....................................................................................................47 45
4.3. Sistema costeiro e áreas costeiras baixas .......................................................................54 46
4.3.1.Introdução ....................................................................................................................54 47
4.3.2. Manguezal E Marismas ...............................................................................................54 48
4.3.2.1 Principais Forçantes Sobre o Ecossistema Manguezal .............................................54 49
4.3.2.2 Ocorrência, composição e funcionamento das marismas ao longo do litoral brasileiro 57 50
4.3.2.3 Potenciais Impactos das Mudanças Climáticas Sobre o Ecossistema Manguezal ....58 51
4.3.2.4 Potenciais Impactos das Mudanças Climáticas Sobre as Marismas .........................62 52
4.3.2.5 Vulnerabilidade do Ecossistema Manguezal às Mudanças Climáticas ....................64 53
4.3.2.6 Estratégias de Adaptação ..........................................................................................67 54
4.3.3. Lagunas, Lagoas e Lagos Costeiros ............................................................................68 55
4.3.3.1. Introdução ................................................................................................................68 56
4.3.3.2 Potenciais Impactos das MCGs em Lagoas Costeiras ..............................................71 57
4.3.3.3. Ações estratégicas de Adaptação às mudanças climáticas .......................................77 58
4.3.4. Plataforma Continental e Praias ..................................................................................78 59
4.3.4.1 Introdução .................................................................................................................78 60
4.3.4.2 A orla marítima .........................................................................................................79 61
4.3.4.3 Erosão Costeira .........................................................................................................80 62
4.3.4.3.1 Evidências, causas e monitoramento. ....................................................................80 63
4.3.4.3.2. Plataforma Continental .........................................................................................86 64
4
4.3.4.3.3 Potenciais Impactos das Mudanças Climáticas Sobre a Orla Marítima e Plataforma 65
Continental ............................................................................................................................87 66
4.3.5. Vulnerabilidade da zona costeira: aspectos naturais, sociais e tecnológicos ..............88 67
4.3.5.1. Introdução ................................................................................................................88 68
4.3.5.2 Região Nordeste ........................................................................................................91 69
4.3.5.3 Região Sudeste .........................................................................................................95 70
4.3.5.4 Região Sul .................................................................................................................98 71
4.3.6 Subsídios para a ação do Poder Público .....................................................................102 72
Referências Bibliográficas ..................................................................................................103 73
4.4. Ecossistemas Oceânicos ..............................................................................................114 74
4.4.1. Introdução .................................................................................................................114 75
4.4.2. Impactos e vulnerabilidades ......................................................................................115 76
4.4.2.1. Aspectos ambientais (físico-químicos) das mudanças climáticas ..........................115 77
4.4.2.2. Aspectos biológicos ...............................................................................................117 78
4.4.2.2.1 Alterações na biota marinha .................................................................................117 79
4.4.2.2.2. Eventuais impactos sobre recursos pesqueiros ...................................................119 80
4.4.3. Estratégia de adaptação .............................................................................................124 81
4.4.4. Conclusão ..................................................................................................................125 82
Referências Bibliográficas ..................................................................................................126 83
4.5.1.Introdução ..................................................................................................................131 84
4.5.2.Produção de alimentos e sua interação com as mudanças climáticas ........................133 85
4.5.2.1.Cenários de demanda e oferta de terras ..................................................................133 86
4.5.2.2.Uso da água para produção de alimentos ................................................................137 87
4.5.2.3.Análise da vulnerabilidade dos sistemas agrícolas para produção de alimentos frente às 88
mudanças climáticas ...........................................................................................................138 89
4.5.3.Armazenamento, Distribuição e Acesso aos Alimentos e sua interação com as Mudanças 90
Climáticas 141 91
4.5.4.Análise integrada de alternativas de adaptação para aumento da segurança alimentar144 92
4.5.4.1.Ações de adaptação no contexto da segurança alimentar .......................................144 93
4.5.4.2.Políticas Públicas no setor agropecuário brasileiro .................................................147 94
4.5.4.3.Políticas Públicas de Produção e Disponibilidade de Alimentos ............................149 95
4.5.4.4.Políticas Públicas de Acesso à Alimentação Adequada ..........................................150 96
4.5.4.5.Direcionamento de novas medidas adaptativas ......................................................151 97
Referências bibliográficas ...................................................................................................151 98
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4.1 Recursos Hídricos 100
4.1.1. Introdução 101
A disponibilidade hídrica na escala planetária é distribuída de forma que 97,500% está nos Oceanos, 102
2,493% é água doce de difícil acesso e apenas 0,007% encontra-se acessível (World Resources 103
Institute, ONU 2008). 104
O desenvolvimento econômico e o crescimento populacional têm aumentado significativamente a 105
demanda de recursos hídricos. A irrigação é o maior uso na escala planetária utilizando 70% da água; 106
seguido pela indústria, que utiliza 20%, e pelo abastecimento urbano, 10%. Atualmente, o volume 107
demandado pela irrigação no planeta é 2.660 km3/ano enquanto os rios têm um volume de água 108
estocado de 2.000 km3 e uma vazão de 45.000 km
3/ano (Oki e Kanae, 2006). O uso da água para a 109
irrigação já é da ordem de grandeza do estoque de água nos rios; demonstrando que o uso de água já é 110
da escala da disponibilidade hídrica. Além do fator quantitativo, a distribuição espacial irregular impõe 111
que em algumas regiões a escassez hídrica se intensifique enquanto em outras haja maior abundância. 112
As atividades humanas exercem impactos no meio ambiente, com implicações significativas para 113
disponibilidade e serviços ambientais da água, impondo riscos crescentes para os seres humanos e a 114
natureza (Wagener et al., 2010). O crescimento populacional e o aumento da riqueza (Kundzewicz et 115
al., 2007), a mudança do uso e ocupação do solo e as alterações climáticas são os principais vetores que 116
modificam os padrões de ocorrência da oferta e da demanda hídrica. 117
Pesquisas têm demonstrado a estreita relação entre as atividades antrópicas e a mudança global do 118
clima e, mesmo nos cenários mais otimistas, são esperados efeitos, em diferentes níveis, por todo o 119
planeta. Fator limitante para uma análise mais conclusiva a respeito da disponibilidade de água 120
resultante dos cenários do IPCC é a falta de concordância dos modelos climáticos para grande parte do 121
território brasileiro como já identificado no Quarto Relatório do IPCC (Pachauri e Reisinger, 2007). 122
Grandes áreas do Norte, Nordeste, Centro Oeste encontram-se nessa situação. Apenas o leste a 123
Amazônia e o Sul do País possuem áreas em que mais de 66% dos modelos de mudança climática 124
concordam quanto ao sinal da mudança, sendo o sinal de redução na Amazônia e aumento no Sul do 125
Brasil (Pachauri e Reisinger, 2007). 126
As incertezas advindas da grande variabilidade dos cenários e a variabilidade climática na escala 127
interanual e multidecadal impõem estratégias de adaptação e gestão de riscos em recursos hídricos. As 128
atuais práticas de gestão de água provavelmente serão insuficientes para reduzir os impactos negativos 129
da mudança climática sobre a garantia de abastecimento de água, risco de inundação, saúde, energia, e 130
dos ecossistemas aquáticos (Kundzewicz et al., 2007). A incorporação de estratégias de gestão dos 131
recursos hídricos relacionadas à variabilidade climática atual faria a adaptação à mudança do clima 132
futuro mais fácil (Kundzewicz et al., 2007). Neste contexto, as pesquisas sobre clima têm uma dupla 133
tarefa (Hulme e Carter, 1999): (i) aumentar a compreensão do sistema climático; (ii) articular e se 134
possível quantificar as incertezas associadas com vistas a instrumentalizar de forma adequada as 135
estratégias de adaptação e gestão do risco. O setor de recursos hídricos tem que aprimorar seus métodos 136
e práticas para melhor enfrentar os desafios de um mundo em mudança. No qual as variáveis 137
hidrológicas não podem mais ser consideradas estacionárias (Milly et al., 2008). Independente das 138
incertezas envolvidas na mensuração dos impactos da mudança climática futura sobre o regime hídrico, 139
a escassez de recursos financeiros e a existência de áreas atualmente deficitárias na implementação da 140
gestão dos recursos hídricos indicam a necessidade de se adotar medidas de adaptação “sem 141
6
arrependimento” (no regrets), que são aquelas dirigidas à solução de problemas associados à 142
variabilidade climática existente enquanto, ao mesmo tempo, aumentam a resiliência aos efeitos de 143
uma possível mudança climática. Ou seja, enfrentando-se os problemas atuais, aumentar-se-á a 144
capacidade da sociedade e da economia de lidar com as alterações esperadas. 145
Neste documento, buscou-se entender o estado da arte dos impactos da mudança do clima sobre os 146
recursos hídricos no Brasil, por meio de ampla revisão bibliográfica, demonstrando a situação atual, 147
tendências observadas e perspectivas de mudanças estimadas pelos modelos do IPCC. O aquecimento 148
global observado durante várias décadas tem sido associado a mudanças no ciclo hidrológico de grande 149
escala, tais como: aumento da quantidade de água retida na atmosférica; alteração nos padrões de 150
ocorrência da precipitação (intensidade e extremos); cobertura de neve reduzida e derretimento de gelo; 151
e mudanças na umidade do solo e do escoamento (Bates et al. 2008). 152
Estas alterações climáticas modificam a quantidade e qualidade da água potencialmente afetando: (i) a 153
produção de alimentos, podendo levar à diminuição da segurança alimentar e maior vulnerabilidade dos 154
agricultores pobres, especialmente nos trópicos áridos e semi-árido (Bates et al. 2008); (ii) a saúde dos 155
ecossistemas e do crescimento e propagação de doenças relacionadas à água. (Kabat et al., 2002); (iii) 156
o abastecimentos de populações humanas; (iv) a função e operação de infra-estrutura hídrica existente, 157
bem como práticas de gestão da água (Kundzewicz et al., 2007). 158
O clima também condiciona a demanda. A demanda de água urbana e agrícola, por exemplo, são 159
influenciadas pela temperatura e outras variáveis meteorológicas. Desta forma as mudanças climáticas 160
afetam os recursos hídricos em sua oferta e demanda. 161
As implicações da variabilidade e alterações climáticas não têm sido integralmente consideradas nas 162
atuais políticas de recursos hídricos e nos processos de tomada de decisões (Kabat et al., 2002). Isto é 163
particularmente verdadeiro nos países em desenvolvimento, onde os recursos financeiros, impactos 164
humanos e ecológicos são potencialmente maiores e onde os recursos hídricos já podem estar em 165
situação de grande estresse, associado à pequena capacidade de se enfrentar e se adaptar as mudanças 166
(Kabat et al., 2002). 167
O Brasil é um país que tem sua economia e populações humanas significativamente condicionadas pelo 168
clima; sendo conseqüentemente sensível às mudanças climáticas. A economia fortemente dependente 169
de recurso natural diretamente ligada ao clima, notadamente a agricultura e a geração de energia 170
hidroelétrica, corroboram esta afirmação; assim como, os vastos setores das populações submetidas a 171
eventos climáticos extremos, tais como, as do semi-árido nordestino, as em área de risco de 172
deslizamentos em encostas, e as que habitam zonas submetidas a inundações nos grandes centros 173
urbanos (Freitas, 2005; Freitas e Soito, 2008). 174
175
4.1.2.Forçantes dos Recursos Hídricos 176
O principal desafio da ciência hidrológica é lidar com mudanças induzidas pelo homem, notadamente 177
no uso do solo e no clima. Como observam Wagener et al. (2010), as atividades humanas na atualidade 178
são rivais das forças da escala geológica (Kieffer, 2009), com uma pegada que se aprofunda e alarga 179
rapidamente por todo o planeta (Sanderson et al., 2002). Manifestações dessa pegada são visíveis, entre 180
outros, no declínio das geleiras resultante de mudanças climáticas induzidas pelo homem (BARNETT 181
et al., 2008), na rápida redução do armazenamento em aquífero devido ao bombeamento excessivo de 182
águas subterrâneas (Rodell et al., 2009), na modificação do regime de escoamento dos rios devido à 183
construção de represas (Poff et al., 2007), e na recarga de água subterrânea alterada devido a mudanças 184
7
do uso do solo (Scanlon et al., 2006). De forma similar, modificam-se as demandas das populações por 185
energia, água e alimentos, tendo estas uma tendência de crescimento (King et al., 2008, Jackson et al., 186
2001, Vörösmarty et al., 2000). 187
A disponibilidade de água em uma bacia hidrográfica é influenciada por forçantes de ordem climática e 188
não-climática (IPCC, 2007a). As forçantes climáticas dominantes são precipitação, temperatura e 189
evaporação e as não-climáticas estão associadas ao uso do solo, ao lançamento de poluentes e às 190
retiradas para consumo poluentes. 191
A influência das forçantes climáticas globais sobre as variáveis hidrológicas em uma bacia hidrográfica 192
encontra uma ampla documentação na literatura. Diversos estudos (Kousky et al., 1984; Kayano al., 193
1988; Ropelewski e Halpert, 1987 e 1989) mostram que as condições de temperatura da superfície do 194
mar no Oceano Pacífico na região do El Niño influenciam, através da circulação de Walker1 (Walker, 195
1928), o regime hidrológico do Nordeste do Brasil, Leste da Amazônia e Sul do Brasil. O Oceano 196
Atlântico, também, influencia o regime de precipitações notadamente no Nordeste do Brasil (Moura e 197
Shukla, 1981; Servain, 1991). O conhecimento dessa dinâmica dá previsibilidade com alguns meses de 198
antecedência ao regime de chuvas no Nordeste do Brasil (Hastenrath, 1990; Hastenrath e 199
Greishar,1993; Hastenrath e Moura, 2002; Alves et al. 1995, Alves et al., 2005; Alves et al., 2006, Sun 200
et al., 2005; Sun et al., 2006). 201
As regiões Sul e Sudeste do Brasil têm seus regimes de precipitação influenciados pela passagem e pela 202
intensidade de sistemas frontais (Oliveira, 1986; Guedes et al., 1994), pelo posicionamento do jato 203
subtropical da América do Sul (Kousky e Cavalcanti, 1984; Browing, 1985) e por Complexos 204
Convectivos de Mesoescala (CCM), (Madox, 1983; Miller e Fritsch, 1991). A Zona de Convergência 205
do Atlântico Sul (ZCAS) é definida como uma banda de nebulosidade convectiva que geralmente se 206
origina na Bacia Amazônica e se estende em direção à região Sudeste do Brasil passando pelo Centro-207
Oeste e alcançando o Oceano Atlântico (Satyamurti et al., 1998). 208
As forçantes não-climáticas influenciam os recursos hídricos pela mudança do uso do solo, construção 209
de reservatórios e emissão de poluentes (IPCC, 2007a). As modificações naturais e artificiais na 210
cobertura vegetal das bacias hidrográficas influenciam o seu comportamento hidrológico (Tucci e 211
Clarke, 1997; Tucci, 2002, Tucci, 2003; Zhao et al., 2010). Os fluxos globais de vapor d'água da 212
superfície terrestre estão se modificando devido à ação do homem. O desmatamento é uma força motriz 213
tão grande quanto a irrigação em termos de mudanças no ciclo hidrológico. O desmatamento diminuiu 214
os fluxos globais de vapor a partir da terra em 4% (3.000 km3/ano), uma diminuição que é 215
quantitativamente tão grande quanto o fluxo de vapor causado pelo aumento da irrigação - 2.600 km3/ 216
ano (Gordon et al., 2005). 217
O uso da água ainda é conduzido por mudanças na população, consumo de alimentos, política 218
econômica, tecnologia, estilo de vida das sociedades (Oki, 2005) e economia internacional (Ramirez-219
Vallejo e Rogers, 2004). 220
Existem amplas evidências de que mudanças no uso do solo e a variação do clima nas bacias dos rios 221
Alto Paraná, Paraguai e Uruguai podem ter contribuído para um aumento de 30% no fluxo médio do rio 222
1 A Célula de Walker é o resultado de uma gangorra de pressão à superfície entre os setores oeste e leste ao longo do
cinturão equatorial da bacia do Oceano Pacífico Tropical (Walker, 1924). As circulações do tipo Walker são marcadas por
zonas de ascensão de ar (fonte quente) na parte oeste do Pacífico Tropical e descida de ar no extremo leste desse oceano.
Isso faz com que a parte oeste do Oceano Pacífico seja uma região de chuva frequente e, de forma oposta, a parte leste, na
costa da América do Sul, seja uma região de chuva escassa. É importante ressaltar que anomalias nas temperaturas da
superfície do mar nessa faixa do oceano (El Niño/ La Niña) provocam alterações na circulação normal da Célula de Walker.
8
Paraná desde 1970. Tucci e Clarke (1998) perceberam que este incremento na vazão dos rios aconteceu 223
após grandes áreas terem experimentado o desmatamento ou mudanças no uso da terra. A 224
intensificação da atividade agrícola e industrial na região motivou uma transição de café para soja e 225
cana-de-açúcar, assim como criação de gado na bacia do alto Paraná. O aumento do uso do solo 226
representou aproximadamente 1/3 do aumento médio de 30% da vazão. 227
A queda sistemática nas vazões dos Rios Paraíba do Sul (Marengo et al.,1998) e Piracicaba (Morales et 228
al., 1999) em vários pontos de observação aponta para incrementos na área agrícola e no uso da água 229
como causas dessa diminuição, e não uma queda ou distribuição no regime de chuvas nas bacias dessas 230
áreas (Marengo, 2001b). 231
Observa-se aqui que o uso do solo tem um efeito no escoamento devido a modificação da relação 232
chuva-defluvio ou devido as retiradas dos usos da água implantados na bacia. Podendo, desta forma, 233
aumentar ou diminuir a vazão em dada seção fluvial. 234
Os efeitos adversos do clima sobre os sistemas de água doce agravam os impactos de outras pressões, 235
tais como crescimento populacional, mudança de atividade econômica, uso da terra e urbanização. 236
4.1.3. Disponibilidade e Demanda Hídricas no Brasil 237
4.1.3.1. Disponibilidade Hídrica 238
O conhecimento e quantificação das disponibilidades hídricas é imprescindível para que se possa 239
quantificar e qualificar como uma possível mudança do climática atuará sobre essas disponibilidades, 240
permitindo, assim, que se processem medidas de adaptação. 241
Parte do cenário desejável para o futuro corresponde a uma situação em que a disponibilidade hídrica é 242
maior que a demanda, válida para todas as bacias hidrográficas, aí evidentemente incluídos os aspectos 243
quantitativos e qualitativos. Tudo indica, entretanto, que, ao longo do século XXI, a disponibilidade 244
dos recursos hídricos diminuirá, quer por interferências climáticas e antrópicas, quer pelo simples 245
aumento das demandas. 246
A Tabela 4.1.1 apresenta as vazões (média, estiagem e disponibilidade hídrica) nas regiões 247
hidrográficas brasileiras. 248
Tabela 4.1.1 - Disponibilidade hídrica e vazões médias e de estiagem (PNRH, 2006a) 249
9
250
Fonte: Conjuntura dos recursos hídricos no Brasil 2009 / Agência Nacional de Águas. -- Brasília : ANA, 2009. 251
A vazão média anual dos rios em território brasileiro é de 179 mil m3/s, o que corresponde a 252
aproximadamente 12% da disponibilidade hídrica superficial mundial, que é de 1,5 milhões de m3/s 253
(44.000 km3/ano, Shiklomanov, 1998). 254
Levando-se em consideração as vazões oriundas de território estrangeiro que entram no país 255
(Amazônica – 86.321 m3/s, Uruguai – 878 m
3/s e Paraguai – 595 m
3/s), a disponibilidade hídrica total 256
atinge valores da ordem de 267 mil m3/s ou 8.427 km
3/ano – 18% da disponibilidade hídrica superficial 257
mundial (PNRH, 2006a). 258
A região hidrográfica Amazônica detém 73,6% dos recursos hídricos superficiais nacionais. Ou seja, a 259
vazão média desta região é quase três vezes maior que a soma das vazões de todas as demais regiões 260
hidrográficas brasileiras (PNRH, 2006a). 261
A Figura 4.1.1 apresenta a contribuição intermediária das bacias hidrográficas brasileiras em termos de 262
vazão média específica (ANA, 2009). 263
A vazão específica indica a capacidade de geração de vazão de uma determinada bacia. No Brasil, a 264
vazão específica varia de menos de 2 L/s.km² nas bacias da região semiárida até mais de 40 L/s.km2 no 265
noroeste da região Amazônica (PNRH, 2006a). 266
A baixa vazão específica observada na região do Pantanal (Região Hidrográfica do Paraguai) mostra 267
que esta área, apesar da abundância de água oriunda da região de Planalto, possui baixa contribuição 268
específica ao escoamento superficial (PNRH, 2006a) devido à grande quantidade de água utilizada para 269
prover sustentação ao ecossistema nas áreas pantaneiras alagadas. 270
A partir dos dados apresentados, fica evidente a heterogeneidade da disponibilidade hídrica superficial 271
das regiões hidrográficas brasileiras. Tal fato torna-se de grande relevância para os estudos de cenários 272
relacionados à mudança do climática, que, certamente, implicará em comportamentos também 273
heterogêneos com relação às vazões. 274
10
275
Figura 4.1.1 – Distribuição espacial das vazões específicas no território brasileiro. (Fonte: Conjuntura dos 276 recursos hídricos no Brasil 2009 / Agência Nacional de Águas. -- Brasília: ANA, 2009). 277
Atenção especial deve ser dada à região do semiárido Brasileiro, que se caracteriza, naturalmente, 278
como de alto potencial para evaporação da água em função da enorme incidência de horas de sol e altas 279
temperaturas. Esta elevada evaporação e a grande variabilidade interanual dos deflúvios proporcionam 280
significativa oscilação da disponibilidade hídrica superficial. 281
A variação do escoamento nos rios é influenciada por diversos fatores, entre os quais se destaca a 282
precipitação ocorrida na bacia de contribuição. No país, a precipitação média anual (histórico de 1961-283
2007) é de 1.761 mm, variando de valores na faixa de 500 mm na região semiárida do Nordeste a mais 284
de 3.000 mm na região Amazônica. A Figura 4.1.2 apresenta o mapa de precipitação média para o 285
histórico de 1961 a 2007. 286
287
11
288
Figura 4.1.2 – Precipitação média de 1961 a 2007. As regiões hidrográficas estão representadas de acordo com 289 as seguintes siglas: A – Amazônica; B – Tocantins-Araguaia; C – Atlântico Nordeste Ocidental; D – Parnaíba; E 290 – Atlântico Nordeste Oriental; F – São Francisco; G – Atlântico Leste; H – Atlântico Sudeste; I – Atlântico Sul; 291 J – Uruguai; L – Paraná; M – Paraguai. (Adaptado de: Conjuntura dos recursos hídricos no Brasil 2009 / Agência 292 Nacional de Águas. -- Brasília: ANA, 2009). 293
Sobre as reservas hídricas subterrâneas, embora seu uso seja complementar ao superficial, em muitas 294
regiões, em outras áreas do país a água subterrânea representa o principal manancial hídrico. No Brasil, 295
15,6% dos domicílios utilizam exclusivamente água subterrânea (IBGE, 2002). Estima-se que existam 296
no país pelo menos 400 mil poços (Zoby e Matos, 2002). A água de poços e fontes vem sendo utilizada 297
intensamente para diversos fins, tais como abastecimento humano, irrigação, indústria e lazer, 298
desempenhando importante papel no desenvolvimento socioeconômico. 299
O domínio fraturado ocupa cerca de 4.600.000 km2, que equivalem a 54% do território nacional. Esse 300
domínio apresenta, em geral, sistemas aqüíferos com potencial hídrico inferior àqueles pertencentes aos 301
domínios hidrogeológicos fraturado-cárstico e poroso (PNRH, 2006a). No cristalino do semiárido 302
nordestino brasileiro, a produtividade dos poços fica restrita às zonas fraturadas na rocha. Os poços, 303
muito comumente, apresentam vazões entre 1 e 3 m3/h, e a água possui elevada salinidade, 304
frequentemente acima do limite de potabilidade. Apesar disso, em muitas pequenas comunidades do 305
interior nordestino, esses poços constituem a fonte de abastecimento disponível (PNRH, 2006a). 306
O domínio fraturado-cárstico ocupa aproximadamente 400.000 km2, uma área correspondente a 5% do 307
país. Os principais sistemas aquíferos são Jandaíra, da bacia Potiguar (província hidrogeológica 308
costeira), e Bambuí (província hidrogeológica São Francisco). O fluxo de água nesses sistemas 309
aquíferos é influenciado pelas feições de dissolução cárstica associadas à presença de descontinuidades 310
rúpteis (fraturas) nas rochas calcárias. Em função disso, esses sistemas aquíferos apresentam poços 311
com produtividade muito variada (PNRH, 2006a). A faixa mais comum de vazão dos poços é de 5 a 60 312
m3/h para profundidades geralmente entre 50 e 150 m (PNRH, 2006a). 313
O domínio poroso ocupa uma área de cerca de 3.500.000 km2, equivalente a 41% do território nacional. 314
Ele inclui os aquíferos de maior vocação hídrica no país e está situado nas bacias sedimentares. As 315
12
maiores bacias sedimentares brasileiras são do Paleozóico (540 a 250 milhões de anos), destacando-se 316
as bacias do Paraná, do Parnaíba e do Amazonas (PNRH, 2006a). A vazão dos poços situa-se, na sua 317
maioria, entre 5 e 400 m3/h para profundidades entre 50 e 400 m (PNRH, 2006a). 318
Além da quantidade e distribuição, é importante considerar que a degradação da qualidade da água 319
provoca a redução da porção efetivamente disponível às atividades humanas e aos processos naturais. 320
Em âmbito nacional, o principal problema de qualidade da água é o lançamento de esgotos domésticos, 321
pois apenas 47% dos municípios brasileiros possuem rede coletora de esgoto e somente 18% dos 322
esgotos recebem algum tratamento. A carga orgânica doméstica total do país é estimada em 6.389 t. 323
DBO5, 20/dia (ANA, 2005b). 324
A eutrofização dos corpos d’água, outro problema relacionado com a qualidade da água, é 325
caracterizada pelo aumento da concentração de nutrientes, especialmente o nitrogênio e o fósforo, 326
causando o crescimento excessivo das plantas aquáticas a níveis tais que interferem nos seus usos 327
desejáveis. Embora possa ocorrer em rios, a eutrofização acontece principalmente em lagos e represas e 328
está usualmente associada ao uso e à ocupação do solo na bacia hidrográfica (PNRH, 2006a). 329
4.1.3.2. Tendências e Variabilidade da Disponibilidade Hídrica 330
A oferta hídrica é definida pelo comportamento médio e variabilidade do regime hidrológico, que 331
define os eventos extremos de secas e cheias. Desta forma, a avaliação do comportamento médio e sua 332
alteração (tendência) e dos padrões de variação é relevante para a estimativa da disponibilidade hídrica 333
futura. 334
Diversos estudos têm sido realizados para identificação de tendências em diferentes regiões e bacias 335
hidrográficas brasileiras, considerando as variações naturais e os possíveis efeitos da mudança do 336
clima. 337
Na Amazônia, não foram verificadas tendências significativas nas chuvas ou vazões, ainda que o 338
desmatamento tenha aumentado gradativamente nos últimos vinte anos (Marengo e Valverde, 2007). 339
Observaram-se algumas mudanças sistemáticas de chuva e dos componentes do balanço hidrológico 340
desde 1975-76, o que pode associar-se mais a mudanças decenais com períodos de 20-30 anos de clima 341
do que a uma tendência sistemática unidirecional de queda ou aumento de longo prazo (Dias de Paiva e 342
Clarke, 1995a; Dias de Paiva e Clarke, 1995b; Marengo , 2001, Costa e Foley, 1999, Curtis e 343
Hastenrath, 1999; Marengo, 2003). 344
No Nordeste, foi observado por alguns pesquisadores um ligeiro aumento de chuvas no longo prazo 345
(Wagner,1996; Hastenrath e Greischar, 1993, Costa dos Santos et al. 2009), por outros, redução 346
(Moncunill, 2006, Lacerda et al., 2009), e, ainda, por outros, que a tendência não é estatisticamente 347
significativa (Marengo e Valverde, 2007). 348
Para o Rio São Francisco, as séries no posto de Sobradinho (Sampaio, 2001) apontam para quedas 349
sistemáticas nas vazões desde 1979 (Marengo, 2001b). Por outro lado, estudo realizado por Tröger et 350
al. (2004), que investigou a aceitação da hipótese de estacionariedade das séries de vazões naturais das 351
usinas hidrelétricas de Três Marias e Sobradinho para o período 1931-2001, não observou evidências 352
para rejeição da hipótese de estacionariedade da série de vazões médias anuais naturais dos 353
reservatórios estudados. Na Figura 4.1.3 é apresentado o fluviograma médio anual (ano hidrológico) da 354
usina hidrelétrica de Sobradinho e seu desvio com relação à média de vazões do período abrangido pelo 355
estudo. Pode-se observar que a série considerada não apresenta tendências importantes, ou quaisquer 356
mudanças de comportamento que possam caracterizar uma ruptura. 357
13
358
359 Figura 4.1.3 – Fluviograma médio anual de Sobradinho. Adaptado de: Tröger et al. 2004 360
As precipitações e as vazões fluviais na Amazônia e no Nordeste apresentam uma variabilidade nas 361
escalas interanual e interdecadal mais importantes do que tendências de aumento ou redução (Datsenko 362
et al., 1995; Souza Filho, 2003; Marengo e Valverde, 2007). Essa variabilidade está associada a 363
padrões de variação da mesma escala de tempo nos oceanos Pacífico e Atlântico, como a variabilidade 364
interanual associada ao El Nino, Oscilação Sul, ENOS, ou à variabilidade decadal do Pacífico (PDO - 365
Pacific Decadal Oscillation), do Atlântico (NAO - North Atlantic Oscillation) e à variabilidade do 366
Atlântico Tropical e do Atlântico Sul (Guedes et al., 2006; Marengo e Valverde, 2007). 367
No sul do Brasil e norte da Argentina, observaram-se tendências para aumento das chuvas e vazões de 368
rios desde meados do século XX (Marengo e Valverde, 2007). 369
O Rio Prata-Paraná apresentou uma tendência de queda desde 1901 a 1970 e um aumento sistemático 370
nas vazões desde o início dos anos 70 até o presente (Barros et al., 1999; Tucci, 2001), consistente com 371
o aumento das precipitações observado (Hulme e Sheard,1999). A bacia do Rio Paraná, que drena os 372
estados do Sul e parte do Paraguai, tem apresentado um importante aumento de vazão nas últimas 373
décadas. A região do Pantanal também faz parte desta bacia, de modo que qualquer alteração na vazão 374
dos rios mencionados tem implicações diretas na capacidade de armazenamento desse enorme 375
reservatório natural. As vazões aumentaram aproximadamente 15% desde a década de 60, elevação 376
consistente com os crescentes valores da precipitação observados nessa bacia. (Marengo et al., 1998; 377
Marengo, 2001b; Garcia e Vargas, 1998; Barros et al., 1999). 378
A Bacia do Rio Paraná possui sua série de vazões não-estacionária (Müller et al., 1998) tendo como 379
características: (1) as séries de vazões naturais dos rios Tietê, Paranapanema e Paraná (a jusante do rio 380
Grande) não são estacionárias, apesentando aumento de vazões médias após o ano de 1970; (2) a taxa 381
de aumento das vazões médias cresce de montante para jusante; (3) os postos pluviométricos nas bacias 382
dos rios Grande, Tietê e Paranapanema também apresentam não-estacionariedade; e (4) somente a 383
bacia do rio Paranaíba manteve a estacionariedade de vazões para todo o período de análise. 384
Um degrau climático em 1970-1971 foi identificado para os rios que correm no Centro-Oeste 385
brasileiro, Sudeste e Sul dentro da faixa zonal variando de 15oS a 30
oS, exceto o Paraíba do Sul e rio 386
Doce. As bacias localizadas mais a leste da região Sul e Sudeste não apresentam o degrau na vazão 387
pós-1970 (Guetter e Prates, 2002). 388
14
As bacias da região Sul e Sudeste são de grande importância para a geração hidrelétrica, 389
correspondendo a 80% da capacidade instalada brasileira. A não-estacionariedade das séries de vazões 390
pode ter impacto significativo no cálculo da energia assegurada. 391
A análise das tendências do regime pluvial na região metropolitana de Belo Horizonte indicou uma 392
possível tendência de aumento de precipitação no período mais seco (abril-setembro), em 393
contraposição a uma tendência de diminuição de chuvas no período mais chuvoso (outubro-março), 394
apesar de neste período ter sido observada tendência significativa em apenas uma série pluviométrica. 395
Tanto o regime anual quanto os totais mensais máximos anuais da região não apresentaram evidências 396
de mudanças em suas séries. (Alexandre et al., 2010). 397
A não-estacionariedade das séries de vazões pode estar associada às forçantes climáticas e não 398
climáticas. As não climáticas podem estar associadas à: (i) alterações no uso do solo, como 399
desmatamento e uso de diferentes práticas agrícolas; (ii) construção de reservatórios de diferentes 400
portes a montante na bacia; (iii) inconsistências nos dados hidrológicos ao longo de muitos anos, seja 401
por medida e/ou por alteração no leito do rio na seção de medição; e (iv) retirada de água para usos 402
consuntivos (irrigação, principalmente) (Tucci e Braga, 2003). As forçantes climáticas estão 403
relacionadas à variabilidade interanual associada ao El Nino Oscilação Sul, ENOS, ou à variabilidade 404
decadal do Pacífico (PDO - Pacific Decadal Oscillation), do Atlântico (NAO - North Atlantic 405
Oscillation) e à variabilidade do Atlântico Tropical e do Atlântico Sul. 406
A análise da não-estacionariedade das séries hidrológicas demanda informações sobre tendências e 407
padrões de variação de baixa frequência do clima (décadas a séculos). O clima das próximas décadas 408
depende tanto de variações climáticas naturais como das forças antropogênicas. Previsões climáticas 409
decadais devem tentar cobrir a lacuna entre a previsão sazonal/interanual com prazos de dois anos ou 410
menos e projeções de mudanças climáticas de um século à frente (Cane, 2010). Não há nenhuma teoria 411
amplamente aceita para este tipo de previsão e não se sabe se a sua evolução passada é a chave para seu 412
futuro (Cane, 2010). No entanto, como a extensão de registros tem aumentado, os hidrólogos tomaram 413
consciência da estrutura de baixa frequência do clima (por exemplo, oscilações ENSO, PDO, NAO) e 414
tem procurado desenvolver cenários de vazões considerando essa variabilidade (Dettinger et al, 1995;. 415
Ghil e Vautard, 1991; Keppenne e Ghil, 1992a; Keppenne e Lall, 1996; Lall e Mann, 1995; Mann e 416
Park, 1993, 1994, 1996; Know et al., 2007, Souza Filho et al., 2008). 417
4.1.3.3. Demanda 418
Os usos da água podem ser não consuntivos – aqueles que não afetam significativamente a quantidade 419
da água; e consuntivos, aqueles que implicam a redução da disponibilidade hídrica. No Brasil, a vazão 420
de retirada para usos consuntivos no ano de referência de 2000 foi de 1.592 m3/s (ANA, 2005a) e 421
cresceu para 1.842 m3/s em 2009 (ANA, 2009). Cerca de 53% desse total (983 m
3/s) foi efetivamente 422
consumido e 854 m3/s retornaram à bacia (PNRH, 2006a). Os usos da água por tipo são apresentados 423
na Figura 4.1.4 (ANA, 2009). 424
15
425
Figura 4.1.4: Demandas Consuntivas no país (ANA, 2009). 426
A irrigação é responsável pela maior captação de água, com a vazão de retirada no país estimada em 427
866 m3/s (47% do total). É também o maior consumo de água, correspondendo a 69% do total (PNRH, 428
2006a). 429
No mundo, uma área da ordem de 1,541 bilhões de hectares está ocupada pela produção agrícola, dos 430
quais cerca de 277 milhões de hectares contam com infraestrutura hídrica de irrigação. A área irrigada 431
corresponde a 18% do total cultivado e é responsável por cerca de 44% da produção agrícola total. No 432
Brasil, a área irrigada corresponde a menos de 10% da área total cultivada, mas responde por mais de 433
25% do volume total e 35% do valor econômico total de produção (ANA, 2009). O Brasil detém um 434
potencial superior a 13% das capacidades mundiais de incorporação de novas áreas à agricultura 435
irrigada (Christofidis, 2005). 436
O total de área irrigada no território brasileiro, no ano de referência de 2006, levantado pelo Censo 437
Agropecuário, era de 4,6 milhões de hectares. A área irrigada estava distribuída da seguinte forma: 438
24% no método de inundação; 5,7% por sulcos; 18% sob pivô central; 35% em outros métodos de 439
aspersão; 7,3% com métodos localizados; e 10% com outros métodos ou molhação (ANA, 2010). 440
Apesar do visível incremento da superfície ocupada por irrigação percebido no Brasil desde a década 441
de 1950, representada na Figura 4.1.5, o país ainda está longe de atingir seu potencial, estimado em 442
mais de 29 milhões de hectares. O crescimento da atividade significa aumento da demanda por água. 443
No entanto, cabe destacar que as áreas irrigadas por métodos de superfície, especialmente inundação, 444
têm crescido a ritmos mais lentos em relação às áreas com métodos mais eficientes no uso da água, 445
inferindo-se uma tendência de redução do índice de água captada por hectare irrigado. 446
447
16
448
Figura 4.1.5: Evolução da área irrigada no Brasil, 1950-2006. Fonte: Christofidis e Goretti, 2009 449
Entre os usos não consuntivos, destaca-se no Brasil o aproveitamento do potencial de geração de 450
hidroeletricidade, que constitui a base da matriz energética do país. O desenvolvimento 451
socioeconômico está cada vez mais baseado no uso intensivo de energia. Constata-se uma crescente 452
demanda por energia elétrica no mundo, bem como a importância dessa expansão para o 453
desenvolvimento das nações e para a melhoria dos padrões de vida. De acordo com o Departamento de 454
Energia – DOE – dos EUA, o consumo de eletricidade praticamente irá dobrar até o ano de 2025 455
(MMA, 2006b). 456
Os dados sobre a evolução da capacidade de produção de energia elétrica instalada no Brasil, 457
consideradas todas as fontes de energia, revelam que, entre 2007 e 2009, houve um acréscimo de quase 458
6.000 MW na capacidade total do sistema, sendo 1.853 MW referentes à geração hidrelétrica 459
(ANA,2010). A evolução do consumo de eletricidade e da potência instalada é mostrada na Figura 460
4.1.6 (MME, 2005). 461
Até 2016 está previsto um crescimento do consumo de energia elétrica no setor residencial em média 462
de 5,5% ao ano, levando o consumo de 78.469 GWh, em 2004, para 152.705 GWh em 2016. Além do 463
aumento do alcance da eletrificação através de programas como o Luz para Todos do Governo Federal, 464
o consumo médio, por unidade consumidora, deverá aumentar de 140 kWh/mês, em 2004, para 191 465
kWh/mês, em 2016 (MME, 2005). 466
467
17
468
Figura 4.1.6: Evolução do consumo de eletricidade – TWh e da potência instalada – GW. Fonte: MME, 2005. 469
O uso industrial dos recursos hídricos tem participação no total consumido ainda reduzida em 470
comparação com países desenvolvidos. No entanto, apresenta importância não somente pelas retiradas, 471
mas também pelo lançamento de efluentes. Com relação às águas residuárias, estudos do IPEA 472
indicaram que a maioria dos estabelecimentos pesquisados afirmou realizar o descarte na rede pública 473
de esgoto. Importante destacar que as indústrias com maior demanda de água são também aquelas que 474
em sua maioria fazem pré-tratamento dos efluentes antes do lançamento nos corpos hídricos, a saber: 475
81% das indústrias de alimentos e bebidas; 100% das indústrias têxteis; 100% das indústrias de papel e 476
celulose; e 75% das indústrias de metalurgia. Contrariamente, 90,9% das indústrias que utilizam a rede 477
pública para o lançamento de seus efluentes não fazem nenhum pré-tratamento (MMA, 2006c). 478
O uso mais nobre dos recursos hídricos é o abastecimento humano, que vem alcançando mais 479
brasileiros ao longo do tempo. Entretanto, parte da população, especialmente aquela dispersa em 480
núcleos rurais, ainda não recebe água potável encanada. 481
Segundo os dados levantados pela PNSB 2008, a distribuição de água chega a 78,6% dos domicílios 482
brasileiros, com tratamento em 87,2% dos municípios. Já o SNIS 2008 aponta que 81,2% da população 483
tem acesso à rede de distribuição de água. Em ambas as pesquisas, grandes diferenças são percebidas 484
entre as diversas regiões do país no que diz respeito ao atendimento e à qualidade da água distribuída. 485
Nas regiões Norte e Nordeste estão os menores percentuais de domicílios atendidos. Na região Norte, 486
20,8% dos municípios com rede de abastecimento não realizam qualquer tratamento da água. Do total 487
de municípios que distribui água sem qualquer tipo de tratamento, 99,7% têm população até 50.000 488
habitantes e densidade demográfica menor que 80 habitantes por quilômetro quadrado. Na tabela 4.1.2 489
são mostrados os índices de cobertura de abastecimento de água desde 2004, levantados pelo SNIS. 490
Tabela 4.1.2: Índices de cobertura de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgotos, segundo resultados 491 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento - SNIS (2004-2008). 492
493
18
494
495
496
Figura 4.1.7: Distribuição percentual em relação à população analisada, segundo o diagnóstico de abastecimento. 497 Fonte: Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento - SNIS 498
A PNSB 2008 levantou informações sobre a ocorrência de racionamento de água: em 1.296 municípios 499
(23,4%), ocorreu racionamento de água. As regiões com maior ocorrência desse tipo de problema 500
foram a Nordeste (40,5%) e a Norte (24,9%). Na Região Nordeste, chamam a atenção os estados de 501
Pernambuco (77,3%), Ceará (48,9%) e Rio Grande do Norte (46,7%); na Região Norte, os estados do 502
Amazonas (43,5%) e Pará (41,4%). Os motivos mais frequentes apontados pelos municípios para o 503
racionamento de água são: problemas relacionados à seca/estiagem (50,5%); insuficiência de água no 504
manancial (39,7%); deficiência na produção (34,5%); e deficiência na distribuição (29,2%). 505
A quantidade de perdas nos sistemas de distribuição de água são, ainda, bastante elevadas no Brasil. No 506
entanto, o SNIS 2008 registrou o menor valor de toda sua série histórica de 14 anos, desde 1995: média 507
de 37,4% para o país. Mais uma vez, percebem-se diferenças regionais, com perdas de 53,4% e 44,8% 508
nas regiões Norte e Nordeste, e de 26,7% na região Sul. Esses índices de perda elevados refletem uma 509
infraestrutura física de má qualidade e uma gestão ineficiente dos sistemas. 510
Problema crescente para o abastecimento de água tem sido a escassez devido a problemas de qualidade 511
da água. Em pesquisa realizada pela Agência Nacional de Águas, empregando o índice de qualidade de 512
água – IQA, esta foi considerada boa ou ótima em 80% dos rios e péssima ou ruim em 8% (Figura 513
4.1.8). Um grande número de corpos d’água (69%) está eutrofizado,eutrófizado (ANA, 2010). 514
19
515
Figura 4.1.8: Percentual das classes de IQA dos pontos de amostragem nos anos de 2006 e 2008. 516
Fonte: ANA, 2010. 517
Em relação à coleta de esgotos, o SNIS e a PNSB mostram números bastante parecidos. De acordo com 518
o primeiro, somente 43,2% dos esgotos são coletados, enquanto a segunda indica 47,3% dos domicílios 519
com acesso a este serviço. Novamente, grandes diferenças regionais são percebidas, com extremos de 520
5,6 % de coleta na região Norte e 66,6% no Sudeste. 521
Do esgoto coletado, menos de 70% é tratado, resultando em um valor próximo a 30% de tratamento do 522
volume total de esgoto gerado no Brasil. A região Norte apresenta os piores índices. Com base nesses 523
dados, o Instituto Trata Brasil (2010) estima que cerca de 114 milhões de pessoas no país não contam 524
com esgotamento sanitário. 525
Quanto ao uso da água para navegação, o Brasil tem uma extensão total de 28.834km de rios. Na 526
realidade, desse total somente cerca de 8.500km (29,42%) são efetivamente navegáveis durante todo o 527
ano, 5.700km (67%) dos quais se encontram na Bacia Amazônica (ANA, 2010). 528
4.1.4. Cenários de Mudanças Climáticas nos Recursos Hídricos 529
4.1.4.1.Visão geral 530
O ciclo hidrológico está diretamente vinculado às mudanças de temperatura da atmosfera e ao balanço 531
de radiação. Com o aquecimento da atmosfera, de acordo com o que sinalizam os modelos de previsão 532
climática, esperam-se, entre outras consequências, mudanças nos padrões da precipitação (aumento da 533
intensidade e da variabilidade), o que poderá afetar significativamente a disponibilidade e a distribuição 534
temporal da vazão nos rios. Em resumo: estudos mostram que os eventos hidrológicos críticos, secas e 535
enchentes, poderão tornar-se mais frequentes e mais intensos. O recente relatório do IPCC sobre 536
Gerenciamento de risco de eventos extremos e desastres para a adaptação as mudanças do clima mostra 537
as mudanças nos extremos climáticos e seus impactos no ambiente físico natural (Seneviratne et al, 538
2012). 539
Somadas aos impactos esperados no regime hidrológico, estão as prováveis mudanças na demanda de 540
diversos setores usuários, que possivelmente aumentará acima das previsões realizadas a partir da 541
expectativa de crescimento populacional e desenvolvimento do país. A elevação da temperatura e da 542
20
evapotranspiração poderá acarretar, entre outros efeitos, maior necessidade de irrigação, refrigeração, 543
consumo humano e dessedentação de animais em determinados períodos e regiões, além de afetar a 544
capacidade de reservação e o balanço hídrico. 545
Segundo Chiew et al (2009), o aquecimento global vai levar a mudanças na precipitação e outras 546
variáveis climáticas, cujos efeitos serão ampliados no escoamento. 547
O efeito projetado das mudanças climáticas no escoamento superficial e na recarga subterrânea é 548
variável, dependendo da região e do cenário climático considerado, mas relaciona-se, em grande parte, 549
com as mudanças previstas para a precipitação (IPCC, 2001; Krol et al., 2006). Prevê-se que a 550
magnitude e a frequência de vazões máximas aumentem na maioria das regiões do planeta e que as 551
vazões mínimas sejam menores em muitas regiões (Mello et al., 2008). 552
O impacto da mudança climática sobre o escoamento pode ser estimado diretamente a partir do 553
histórico do clima sazonal ou anual e séries temporais do escoamento de forma direta, ou com base em 554
conceitos das elasticidades clima de escoamento ou ainda utilizando modelagem hidrológica (Augustin 555
et al., 2008; Gray e Mccabe, 2010, Sankarasubramanian et al., 2001; Fu et al., 2007, Escarião, 2009, 556
Schaake, 1990; XU, 1999; Chiew e Mcmahon, 2002, Medeiros, 2003, Tomasella et al., 2009, Nóbrega 557
et al., 2011). Os modelos hidrológicos podem ser alimentados por modelos climáticos regionalizados 558
estatisticamente ou dinâmicos (Charles et al., 2004; Raje e Mujumdar, 2009; Mehrotrae Sharma, 559
2010; Raje e Mujumdar, 2010; Gordon e O’Farrell, 1997; Nunez e Mcgregor, 2007, Ambrizzi et al., 560
2007). A combinação dos resultados dos modelos tem sido buscada como forma de melhoria da 561
informação (Manning et al., 2009; Stocker et al., 2010). Outra classe de abordagem é o cálculo das 562
vazões diretamente dos modelos climáticos globais (Milly et al., 2005). 563
A mudança climática desafia a suposição tradicional de que a experiência hidrológica do passado 564
fornece um bom guia para as condições futuras. As consequências das mudanças climáticas podem 565
alterar a confiabilidade dos sistemas de água atual e a gestão dos usos e das infraestruturas de 566
suprimento (Bates et al., 2008). 567
Problemas com a disponibilidade de água e as secas devem aumentar em regiões semiáridas a baixas 568
latitudes (IPCC, 2007b). Estudos mostram que muitas dessas áreas, dentre elas, o nordeste brasileiro, 569
poderão sofrer uma diminuição dos recursos de água devido às alterações climáticas (Kundzewicz et 570
al., 2007). 571
Avaliação da destreza dos modelos em representarem o clima atual mostrou a dificuldade destes em 572
representar o balanço hídrico nas regiões hidrográficas Atlântico Nordeste Ocidental e Atlântico 573
Nordeste Oriental. As vazões das regiões hidrográficas do Tocantins, Atlântico NE Ocidental, 574
Atlântico NE Oriental, Atlântico Leste, Parnaíba, São Francisco e Amazônia apresentaram diminuição 575
até 2100. Houve pequena alteração nas regiões do Atlântico Sul, Atlântico SE e Uruguai. Uma pequena 576
elevação pode ser identificada nas bacias do Paraná e do Paraguai no final do século XXI (Salati et al., 577
2008). 578
Verifica-se que um fator limitante para uma análise mais conclusiva a respeito da disponibilidade de 579
água resultante dos cenários do IPCC é a falta de concordância dos modelos climáticos para grande 580
parte do território brasileiro. 581
O relatório síntese do AR4 (Pachauri e Reisinger, 2007) indica que menos de 66% de 12 modelos 582
climáticos para o cenário A1B concordaram com o sinal da mudança da precipitação entre os períodos 583
2090-2099 e 1980-1999 para grandes áreas do Nordeste, Centro Oeste, Sudeste e Norte. Apenas o leste 584
da Amazônia e o Sul do País possuem áreas em que mais de 66% dos modelos concordam quanto ao 585
sinal da mudança, sendo o sinal de redução na Amazônia e aumento no Sul do Brasil. 586
21
4.1.4.2.Bacias Hidrográficas e Regiões Brasileiras 587
De forma geral, verifica-se que as simulações realizadas na escala das bacias hidrográficas (Nóbrega et 588
al., 2011; Tomasella et al., 2009; Campos e Néris, 2009; Medeiros, 2003) concordam com os estudos 589
realizados em nível global (Milly et al., 2005; UK Met Office, 2005) e nacional (Salati et al., 2008) no 590
que diz respeito ao sinal da mudança. 591
As precipitações no Norte e Nordeste do Brasil deverão ser reduzidas de -2 a -4mm/dia para o cenário 592
A2 e a temperatura deverá aumentar de +2°C a +6°C para todo o território brasileiro, segundo 593
Ambrizzi et al. (2007), que utilizaram simulações do modelo MCG HadAM3P no período de 2071 a 594
2100. 595
Os rios no leste da Amazônia e Nordeste do Brasil devem ter redução da vazão de até 20% (valores 596
médios de 12 modelos do IPCC - Milly et al., 2005). UK Met Office (2005) utilizando o modelo 597
climático do Hadley Centre HadGEM1 para os cenários A1B e A2 (pessimista com relação à emissão 598
de gases de efeito estufa), verificou concordância com os resultados de Milly et al. (2005) para a 599
Amazônia e discordância quanto à modificação da vazão no Nordeste. Ribeiro Neto et al. (2011) 600
encontrou valores próximos aos de Milly et al. (2005) em simulação do balanço hídrico no Estado de 601
Pernambuco. 602
A bacia do rio Tocantins, para o cenário A1B (período de 2080-2090) apresenta redução da vazão da 603
ordem de 30%, com a possibilidade de alcançar até 60% no período de estiagem; o impacto não é 604
uniforme para o ano inteiro e pode variar a depender das características físicas da sub-bacia analisada 605
(Tomasella et al., 2009). 606
As precipitações anuais podem reduzir e as temperaturas médias aumentar no Estado da Bahia 607
(Tanajura et al., 2009; Tanajura et al., 2010). O rio Paraguaçu, no Estado da Bahia, apresentou 608
ausência de modificação da vazão média anual com os resultados do modelo UKHI (Serviço 609
Meteorológico da Inglaterra) e redução média anual de 40% com o modelo CCCII (Centro de Clima 610
Canadense) e acréscimos na evapotranspiração (Medeiros, 2003). 611
A bacia hidrográfica do rio Paracatu, afluente do rio São Francisco, apresentou tendência de aumento 612
na disponibilidade hídrica em todas as estações fluviométricas, variando de 31 a 131% até 2099 para o 613
cenário B2. Já para o cenário A2, não foi verificada nenhuma tendência significativa (MELLO et al., 614
2008). 615
Na região do semiárido do Nordeste brasileiro (Krol e Bronstert, 2007), identificou-se tendência 616
significativa de redução nas vazões do Rio Jaguaribe após 2025, considerando cenário de redução de 617
50% da precipitação nas próximas cinco décadas. Em um cenário de redução de 21% da precipitação, 618
os autores não encontraram tendência significativa de alteração da vazão. A bacia Várzea do Boi, no 619
Ceará, apresenta diminuição de precipitação de 12%, no escoamento de 32% e na evaporação de -0,1%, 620
havendo uma perda substancial na disponibilidade hídrica (Campos et al., 2003). 621
Adicionalmente, fatores não relacionados à mudança do clima, como o assoreamento, podem afetar os 622
estoques de água. Foi observada uma taxa média de sedimentação, no Ceará, de 1,85% por década 623
(Araujo et al., 2003). 624
O aumento global de temperatura tem efeito significativo no aumento da evaporação (Mitchell et al., 625
2002), o que poderá prejudicar a eficiência de armazenamento nos lagos. Por exemplo, a análise da 626
evaporação para o reservatório Epitácio Pessoa (Boqueirão), que abastece a cidade de Campina 627
Grande, Paraíba, para o cenário B1, no período de 2011 a 2030, mostrou aumento médio na evaporação 628
de 2,16% (FERNANDES et al., 2010). A avaliação das alterações da regularização de vazão em 629
22
reservatórios do Estado do Ceará devido à mudança climática mostra que a vazão regularizada é 630
reduzida de forma significativa (Campos e Néris, 2009). 631
Análises dos efeitos da mudança do clima sobre a Região Metropolitana de Belo Horizonte utilizando 632
os modelos climáticos regionais Precis e ETA constataram significativa discrepância no resultado dos 633
mesmos tendo o modelo ETA apresentado forte tendência negativa (Alexandre et al., 2009). 634
A bacia hidrográfica do Paraná-Prata deverá ter aumento da vazão (entre 10% e 40%) no cenário A1B 635
até meados do século XXI segundo 12 modelos climáticos analisados por Milly et al. (2005). UK Met 636
Office (2005) utilizando o modelo climático do Hadley Centre HadGEM1 para os cenários A1B e A2 637
(pessimista com relação à emissão de gases de efeito estufa), verifica concordância com estes 638
resultados. 639
O Rio Grande, afluente do rio Paraná, apresenta significativa discordância entre as alterações de vazões 640
estimadas pelos diferentes modelos climáticos para o cenário A1B, (Nóbrega et al., 2011). A vazão 641
aumenta com o ECHAM5 (+13%) e HadCM3 (+9%), reduz com CCCMA (-14%), IPSL (-28%) e 642
HadGEM1 (-10%) e apresenta pequena alteração para o CSIRO (-2%). Em virtude dos resultados 643
obtidos, os autores sugerem que a escolha do modelo climático é a maior fonte de incerteza para a 644
projeção de impactos nas vazões dos rios (Nóbrega et al., 2011). 645
4.1.4.3.Águas Subterrâneas 646
A mudança climática deverá afetar as taxas de recarga de águas subterrâneas, ou seja, o recurso águas 647
subterrâneas renováveis e os níveis de águas subterrâneas. No entanto, mesmo o conhecimento de 648
recarga corrente e níveis nos países desenvolvidos e em desenvolvimento são pobres. Tem havido 649
pouca pesquisa sobre o impacto das mudanças climáticas sobre as águas subterrâneas, incluindo a 650
questão de como as mudanças climáticas afetarão a relação entre as águas superficiais e aquíferos, que 651
são hidraulicamente conectados (Kundzewicz et al., 2007). Estima-se que as águas subterrâneas no 652
Nordeste do Brasil devem ter uma redução na recarga em 70% até 2050 (Doll eFlorke, 2005). 653
4.1.4.4.Qualidade da Água 654
Apesar de poucos estudos sobre qualidade da água e clima terem sido realizados, espera-se que esta 655
seja impactada por alterações do clima (Hostetler, 2009; Wilby et al., 2006; Ludovisi e Gaino, 2010). 656
As mudanças climáticas devem impactar a oferta de água, assim como a demanda em seus diversos 657
setores. 658
4.1.4.5.Usos da água 659
O aumento das temperaturas em decorrência do aquecimento global pode provocar perdas nas safras de 660
grãos de R$ 7,4 bilhões já em 2020 - número que pode subir para R$ 14 bilhões em 2070 - e alterar 661
profundamente a geografia da produção agrícola no Brasil (Assad e Pinto, 2008). O uso da água na 662
agricultura deverá ser alterado com a nova geografia da produção agrícola no Brasil associada ao 663
aquecimento global (Pinto et al., 2008; Macedo Junior et al., 2009), assim como impactos na pecuária 664
(SILVA et al., 2009). 665
A mudança do clima pode, de fato, funcionar como fonte adicional de pressão na demanda de água 666
para irrigação. Estudos na Bacia do Jaguaribe no estado do Ceará apontam que a elevação nos níveis de 667
evapotranspiração de referência, como consequência da elevação de temperatura, agravada pela 668
23
redução na precipitação, deve aumentar a necessidade de irrigação complementar (GONDIM et al., 669
2011). 670
4.1.5.Estratégia de Adaptação 671
Os impactos da mudança climática sobre as vazões de escoamento afetam a função e operação de 672
infraestrutura de água existente, incluindo hidrelétricas, defesas estruturais contra inundações, 673
drenagem e sistemas de irrigação, bem como práticas de gestão da água. Práticas de gestão corrente de 674
água podem não ser suficientemente robustas para lidar com os impactos da mudança do clima sobre a 675
confiabilidade de abastecimento de água, riscos de inundação, saúde, agricultura, energia e dos 676
ecossistemas aquáticos (Bates et al., 2008). Adaptação e medidas de enfrentamento são dependentes de 677
escala e podem variar de famílias individuais para as comunidades locais, bem como do nível nacional 678
para escalas internacionais (Kabat et al., 2002). 679
As opções de adaptação destinadas a assegurar o abastecimento de água em condições médias e de 680
secas requerem ações do lado da demanda, bem como do lado da oferta (Bates et al., 2008). Do lado 681
da demanda, deve-se melhorar a eficiência do uso da água, por exemplo, pelo seu reuso. O uso de 682
instrumentos de incentivo econômico, de cobrança e de regulação do uso da água tem a capacidade de, 683
ao indicar o valor do recurso, diminuir o desperdício e aumentar a eficiência do aproveitamento. 684
Do lado da oferta, as estratégias de adaptação geralmente envolvem aumento da capacidade de 685
armazenamento, captações de cursos de água e as transferências de água, além de ações de recuperação 686
das bacias hidrográficas para produção de água. A gestão integrada dos recursos hídricos constitui um 687
quadro importante para alcançar as medidas de adaptação em sistemas socioeconômicos, ambientais e 688
administrativos. Para ser eficaz, deve-se promover abordagens integradas à escala apropriada ou 689
escalas necessárias para facilitar ações efetivas para resultados específicos (Bates et al., 2008). 690
A suscetibilidade dos sistemas hídricos à mudança do clima depende da gestão da água. O paradigma 691
do Gerenciamento Integrado dos Recursos Hídricos pode colocar a água no centro da elaboração de 692
políticas públicas que podem reduzir a vulnerabilidade dos sistemas hídricos aos efeitos da mudança 693
climática. Nesse sentido, é fundamental que os agentes públicos responsáveis pela execução da Política 694
Nacional de Recursos Hídricos coloquem em prática os instrumentos previstos por essa política (IPCC, 695
2007a). 696
Para alguns especialistas, a crise da água no século XXI é muito mais de gerenciamento do que uma 697
crise real de escassez e estresse (Tundisi, 2008). Entretanto, para outros especialistas, ela é resultado 698
de um conjunto de problemas ambientais agravados com outros problemas relacionados à economia e 699
ao desenvolvimento social (Gleick, 2002). ,A gestão dos recursos hídricos é vista como uma decisão 700
política, motivada pela escassez relativa (Barth e Pompoeu, 1987). Nesse contexto o arcabouço 701
jurídico, político e institucional do sistema de recursos hídricos torna-se essencial para o processo de 702
gestão e adaptação dos recursos hídricos à mudança climática. 703
A Lei n°9.433, de 1997, conhecida como Lei das Águas, revolucionou a gestão dos recursos hídricos 704
no Brasil, sendo citado como modelo de gestão integrada das águas (UNDP, 2006). A Lei das Águas 705
trouxe, como um de seus objetivos, o desenvolvimento sustentável e definiu instrumentos para 706
gerenciar conflitos. Esta e a criação da Agência Nacional de Águas (Lei 9984) constituíram-se nos 707
marcos legais da atual gestão de águas do Brasil. Reformas modernizantes têm ocorrido não só na 708
União como nos Estados; a UNDP (2006) cita o processo ocorrido no Ceará como um exemplo de 709
reforma bem sucedida. 710
24
Os riscos relacionados à mudança do clima não são suficientemente considerados no desenvolvimento 711
do setor de água e em seus planos de gestão (Biemans et al., 2006). Para atender às metas do milênio e 712
demais metas do setor de recursos hídricos, investimentos substanciais em ações estruturais 713
(armazenamento, controle de transporte) e não-estruturais (gestão da procura, gestão de várzea, a 714
prestação de serviços, etc.) e abordagens para a gestão da água são obrigatórios (Biemans et al., 2006). 715
Tais investimentos são de longo prazo e, portanto, devem ser concebidos de modo a refletir os riscos 716
associados com a variabilidade e mudanças climáticas. 717
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) considera risco como sendo a 718
probabilidade de ocorrência de prejuízos ou perdas resultantes da interação entre perigos naturais e os 719
sistemas humanos. Normalmente, adota-se o risco como função do perigo, da exposição e da 720
vulnerabilidade. 721
A Política Nacional sobre Mudança do Clima define vulnerabilidade como o “grau de suscetibilidade e 722
incapacidade de um sistema, em função de sua sensibilidade, capacidade de adaptação, e do caráter, 723
magnitude e taxa de mudança e variação do clima a que está exposto, de lidar com os efeitos adversos 724
da mudança do clima, entre os quais a variabilidade climática e os eventos extremos”. 725
Os efeitos da mudança do clima atingem a sociedade de forma desigual. A população mais pobre 726
geralmente é mais vulnerável aos impactos da variabilidade e mudanças climáticas sobre a água e 727
normalmente tem menor capacidade de lidar com tais impactos (Kabat et al., 2002). Apresenta-se, 728
dessa forma, uma questão de Justiça Ambiental associada às mudanças do clima, na qual se deve 729
reconhecer que o acesso à água doce potável é agora considerado como um direito humano universal 730
(Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 2003; Kundzewicz et 731
al., 2007). 732
Diante da expectativa de mudança global, a capacidade de responder adequadamente às novas 733
necessidades da sociedade e de fazer previsões em escalas relevantes para a sociedade vai exigir o 734
desenvolvimento de uma visão holística e entendimento quantitativo da mudança de comportamento de 735
sistemas hidrológicos e seus subsistemas (Wagener et al., 2010). 736
A gestão de risco em múltiplas escalas temporais se faz necessária como estratégia de adaptação. A 737
resposta às mudanças climáticas envolve um processo iterativo de gestão de risco que inclui ações de 738
mitigação e adaptação, tendo em conta os danos reais ocorridos devido à mudança e os evitados, co-739
benefícios, sustentabilidade, equidade e as atitudes ao risco. Técnicas de gestão de risco podem 740
explicitamente acomodar a diversidade setorial, regional e temporal, mas a sua aplicação requer 741
informações sobre os impactos não só resultantes de cenários climáticos mais prováveis, mas também 742
os impactos decorrentes de menor probabilidade, assim como as consequências de eventos, das 743
políticas e das medidas propostas (IPCC, 2007b). 744
Atualmente, não há opções de gestão que sejam especialmente apropriadas para adaptação às alterações 745
climáticas que seriam mensuráveis, diferentemente daquelas já empregadas para lidar com a 746
variabilidade do clima contemporâneo (Van Beek et al., 2002). A única diferença substantiva é saber se 747
se deve adotar uma estratégia mais convencional e incremental numa abordagem "sem 748
arrependimentos" (BANCO MUNDIAL, 2010; Kabat et al., 2002) ou uma abordagem mais preventiva 749
e de precaução (Van Beek et al., 2002). Medidas "sem arrependimentos" são aquelas cujos benefícios 750
são iguais a ou excedem o seu custo para a sociedade. Elas são, por vezes, tidas como 'medidas que 751
valem à pena fazer de qualquer maneira’, (Van Beek et al., 2002). A definição de estratégias robustas é 752
desejável (IPCC, 2007b). Entende-se esta estratégia como a que mantém sob uma variedade de 753
abordagens, métodos, modelos e hipóteses, e espera-se ser relativamente pouco afetado pelas incertezas 754
da realidade (Godet, 2000). 755
25
A elaboração do Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), lançado em 2006, empregou uma 756
metodologia prospectiva de cenários para antecipar as imprevisibilidades acerca dos recursos hídricos. 757
Como ponto de partida para a construção desses cenários, foi estabelecido que eles deveriam descrever 758
futuros alternativos como ferramenta do planejamento de uma realidade carregada de riscos (PNRH, 759
2006b). 760
O PNRH aborda o tema mudança climática somente em seu Subprograma IV.1 - Desenvolvimento, 761
Consolidação de Conhecimento, Inclusive os Conhecimentos Tradicionais, e de Avanços Tecnológicos 762
em Gestão de Recursos Hídricos, inserindo a necessidade de estudos e pesquisa com vistas ao 763
entendimento das relações entre a dinâmica das disponibilidades hídricas e o comportamento climático 764
(PNRH, 2006b). No seu processo de revisão, foi realizado o Seminário “Diálogo Água e Clima: 765
adaptação aos riscos relacionados aos impactos das mudanças climáticas”, quando foram debatidas 766
possíveis contribuições da gestão de recursos hídricos na adaptação aos riscos e minimização de 767
impactos advindos de alterações climáticas. 768
Por sua vez, o Plano Nacional sobre Mudança do Clima, lançado em dezembro de 2008, com foco em 769
medidas de redução de emissões de gases de efeito estufa, pouco abordou a temática dos recursos 770
hídricos. O Plano apontou a necessidade de estudos e pesquisa para levantamento de impactos da 771
mudança climática sobre a disponibilidade hídrica e de atuação em monitoramento e previsão de 772
eventos hidrológicos extremos. 773
Uma grande variedade de medidas específicas de gestão, estruturais e não estruturais, utilizadas 774
rotineiramente para acomodar a atual variabilidade servirá para a adaptação com vistas à redução dos 775
impactos da variabilidade climática e mudanças climáticas (Kabat et al., 2002). O mesmo autor observa 776
que não existe uma abordagem de adaptação única e universal (Kabat et al., 2002). 777
Avaliações do risco utilizando dados históricos e estatística por si só não são o bastante quando se 778
avalia um futuro em mudança climática (Biemans et al., 2006). Padrões de projeto e estratégias de 779
gestão deverão levar em conta os prováveis efeitos das mudanças futuras nos ciclos hidrológicos e 780
clima. 781
Investimento em clima para a redução de risco de desastres é tendência essencial. O aumento dos 782
custos tem que ser invertidoinvertido. Isso pode ser feito através do conceito de "SafetyChain" 783
(prevenção, preparação, a intervenção de risco, recondicionar, reconstrução - Biemans et al., 2006). 784
Instrumentos econômicos como seguros (Righetto et al., 2007) e contratos com base na informação 785
climática (Sankarasubramanian et al., 2009) podem ter papel importante na construção de uma 786
estratégia de gestão do risco. 787
As atividades humanas exercem impactos no meio ambiente em escala global, com implicações 788
significativas para a água doce e perigos para os seres humanos e a natureza (Wagener et al., 2010). A 789
abordagem atual da ciência da hidrologia precisa mudar significativamente para que possamos 790
compreender e prever essas implicações (Wagener et al., 2010). Esse ajustamento é um pré-requisito 791
necessário para o desenvolvimento sustentável dos recursos hídricos e para a construção de uma 792
estratégia de gestão de água que possibilite, no longo prazo, a segurança da água para as pessoas e o 793
meio ambiente (Wagener et al., 2010), sendo este o desafio da produção de conhecimento para a 794
sustentabilidade hídrica. 795
A hidrologia requer uma mudança de paradigma em que as previsões do comportamento do sistema 796
que estão além da faixa de variabilidade observada anteriormente ou que resultem de alterações 797
significativas de características físicas (estruturais) do sistema se tornem a nova norma (Wagener et al., 798
26
2010). Para este fim, a formação de uma base de dados que unifique as informações meteorológicas, 799
da água da superfície e da água subterrânea (Clarke e Dias, 2003) torna-se fundamental. 800
Habilidades na previsão de inundações e secas precisam ser melhoradas em toda a gama de horizontes 801
temporais de interesse. Este é o lugar onde a pesquisa aplicada e a tecnologia tem um papel importante 802
a desempenhar (Kabat et al., 2002). As previsões de médio prazo do clima, neste momento, ainda 803
podem ser utilizadas na gestão da água em muitas partes do mundo, em parte por falta de capacidade, 804
mas também porque o potencial ainda não foi realizado por gestores de recursos hídricos (Kabat et al., 805
2002). 806
O Brasil possui hoje diversos trabalhos que possibilitam a utilização de modelos climáticos na tomada 807
de decisão em recursos hídricos, notadamente a tomada de decisão na escala de tempo sazonal a 808
interanual. Esses modelos são baseados no acoplamento entre modelos climáticos e hidrológicos 809
(Collischonn e Tucci, 2005; Collischonn et al., 2005; Souza Filho e Porto, 2003; Block et al., 2009), na 810
utilização de modelos climáticos para o cálculo de vazões de forma direta (Souza et al., 2009) ou 811
utilizando modelos estatísticos para a previsão de vazões (Souza Filho et al., 2003; Kim e Dias, 2003; 812
Souza Filho e Lall, 2004; Pinto et al., 2006a; Pinto et al., 2006b; Sabóia et al., 2009). Esse conjunto de 813
modelos possibilita a operação de sistemas de reservatórios (Cardoso et al., 2007; Cardoso et al., 2009) 814
e são ferramentas de gestão de recursos hídricos na alocação de água e em seguros foram propostas 815
(Souza Filho e Brown, 2008; Broad et al., 2007; Sankarasubramanian et al., 2009). 816
4.1.6.Desastres Naturais 817
O risco de desastres naturais deve ser analisado em conjunto com os conceitos de exposição e 818
vulnerabilidade das populações. Enquanto a exposição se refere à presença da população em locais que 819
podem ser afetada por eventos climáticos, a vulnerabilidade diz respeito à propensão e predisposição da 820
mesma população ser afetada (IPCC, 2012). Dessa forma, impactos extremos podem resultar de 821
eventos não extremos, onde a exposição e vulnerabilidade são elevadas. As comunidades mais expostas 822
e vulneráveis são as sujeitas a processos de desenvolvimento equivocados, em que há associação com 823
degradação ambiental, urbanização de áreas de risco, falhas de governança e escassez de opções de 824
sustento para a população pobre. 825
Os principais desastres naturais relacionados com o clima são as secas, inundações, deslizamentos, 826
furações, incêndios florestais e elevação do nível do mar. O principal efeito esperado de mudança do 827
clima sobre os desastres naturais no Brasil está relacionado com a mudança dos regimes de chuva nas 828
diversas regiões. Simulações de 14 MCG’s do CMIP3 indicam que, no século XXI, haverá redução do 829
tempo de retorno da precipitação de 1 dia de duração e tempo de retorno de 20 anos (referente aos 830
valores de precipitação do final do século XX) (IPCC, 2012). Nas regiões correspondentes ao Nordeste 831
do Brasil, Amazônia e Sul-Sudeste da América do Sul, os resultados dos modelos indicam que, para o 832
cenário A1B e período 2081-2100, a precipitação que no final do século XX levava 20 anos para ser 833
repetida em média, passará ocorrer, aproximadamente, com uma recorrência de 10 anos em média. Isso 834
pode significar o aumento da freqüência dos eventos extremos. Com o aumento da freqüência das 835
chuvas intensas, espera-se que ocorra aumento, também, da freqüência de inundações. Essa categoria 836
de desastre natural é a que provoca o maior número de perdas humanas no Brasil (Kobiyama et al., 837
2006). 838
A gestão do risco de desastres naturais deve: i) entender os mecanismos dos fenômenos naturais; e ii) 839
aumentar a resistência da sociedade contra esses fenômenos (Kobiyama et al., 2006). O entendimento 840
dos mecanismos é um processo contínuo, que necessita de investimentos em pesquisas que estudem os 841
fenômenos que ocorrem já no clima atual a exemplo dos eventos de seca na Amazônia (Tomasella et 842
27
al., 2005), inundações no Nordeste (Ribeiro Neto et al., 2011; Fragoso Júnior et al., 2010) e inundações 843
no Rio de Janeiro (Canedo et al., 2011). 844
O segundo elemento, aumento da resistência contra os fenômenos naturais, consiste no 845
desenvolvimento de um sistema que envolva governo, setor privado, instituições de pesquisa e 846
sociedade civil, de maneira que cada componente possa contribuir de forma complementar para o 847
gerenciamento do risco de acordo com suas funções e capacidades. Nessa linha, a criação em 2011 do 848
Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN), vinculado ao 849
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, foi um importante passo dado no sentido de aumentar a 850
capacidade da sociedade em reduzir os efeitos das catástrofes naturais no Brasil. O Ministério da 851
Integração Nacional é responsável pela Defesa Civil Nacional que se articula com a defesa civil dos 852
estados e municipal. A defesa civil nacional desenvolveu manual de planejamento em defesa civil 853
como instrumento orientativo de sua ação (Castro, 2007). 854
O desenvolvimento e implementação de plano integrado de gestão de desastres deve incluir (i) sistema 855
de alerta precoce com capacidade de disseminação rápida da informação; (ii) coordenação dos planos 856
de ações local, estadual e nacional com vistas a procura, resgate e evacuação da população afetada; (iii) 857
clara definição de responsabilidade entre os diversos agentes; (iv) sistema de previsão de longo prazo 858
de cheias e secas no estado da arte; (v) efetiva parceria público-privada para gestão de desastres, 859
mitigação e alívio das populações; (vi) avaliação rápida dos danos de secas e cheias (Gopalakrishman e 860
Okada, 2007). 861
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1356
40
4.2. Ecossistemas de Água Doce e Terrestres 1357
4.2.1. Introdução 1358
O Brasil é um dos 17 países megadiversos do planeta, ou seja, pertence ao conjunto de países que 1359
detêm 70% da biodiversidade do mundo (Mittermeier et al. 1997). Além disso, dispõe de c. 20% dos 1360
recursos hídricos globais (Freitas 2003), um dos maiores estoques naturais de carbono (Gibbs et al. 1361
2007) e é auto-suficiente na produção de alimentos (Burlandy 2009), petróleo (Goldemberg e Lucon 1362
2007) e possui matriz energética predominantemente hidrelétrica (Lucena et al. 2009). Entretanto, o 1363
acelerado crescimento econômico do país nas últimas décadas muitas vezes se deu a expensas do uso 1364
não sustentável de recursos naturais. Por exemplo, biomas como a Mata Atlântica e o Cerrado são hoje 1365
classificados como hotspots de biodiversidade, pelo contraste entre sua riqueza natural e o alto grau de 1366
degradação sofrido historicamente (Myers et al. 2000). Vários rios e cursos d´água encontram-se 1367
poluídos ou degradados (Agostinho et al. 2005). O histórico de mau uso é exemplificado pelo fato de, 1368
apesar de ser o sexto PIB do planeta, o índice de desenvolvimento humano do país (IDH) é apenas 84º 1369
no mundo e a distribuição de renda está entre as três mais desequilibradas do continente latino-1370
americano (Scarano et al. 2012). Esse panorama sugere que a crescente demanda por geração de 1371
energia, infra-estrutura, produção mineral e agrícola, bem como o crescimento urbano absolutamente 1372
desordenado e sem planejamento, podem aumentar a vulnerabilidade dos sistemas naturais às 1373
mudanças no uso da terra (Geist e Lambin 2002, Kim et al. 2009, Dobrovolski et al. 2011). A 1374
combinação desses fatores de perturbação deve acelerar ainda mais os efeitos das mudanças climáticas 1375
previstas pelos cenários do IPCC (Foley et al. 2005). 1376
Esse capítulo está organizado em duas seções. Uma discute vulnerabilidade e impacto - primeiramente 1377
tratando da água doce e em seguida dos ambientes terrestres - e a outra trata de adaptação às mudanças 1378
climáticas e de uso da terra, agregando ambientes terrestres e aquáticos em uma mesma abordagem, 1379
justamente para integrar os compartimentos que no tópico anterior foram vistos de forma separada. A 1380
estrutura, portanto, visa apenas facilitar a clareza do texto, já que esses compartimentos são conectados 1381
e interdependentes e, portanto, devem ser tratados como tal, por exemplo, quando de ações práticas 1382
voltadas para conservação (Amis et al. 2009). 1383
4.2.2. Vulnerabilidade e Impacto 1384
Conversão de ecossistemas naturais é a segunda maior fonte de mudança climática induzida pelo 1385
homem, somando de 17 a 20% das emissões de gases antropogênicas (Gullison et al. 2007; Strassburg 1386
et al. 2010) e é a mais importante causa da extinção de espécies (Baillie et al. 2004). O Brasil foi o 1387
líder mundial de desmatamento de florestas tropicais, suprimindo c. 19.500 km2 por ano entre 1996 e 1388
2005, o que representou historicamente de 2 a 5% da emissão global de CO2 (Nepstad et al. 2009). Esse 1389
cenário se torna particularmente grave ao considerarmos que recentes evidências apontam para o fato 1390
que, em termos de conservação da biodiversidade em florestas tropicais, nada substitui a relevância das 1391
florestas primárias, cada vez mais raras nos trópicos (Gibson et al. 2011). Entre julho de 2005 e julho 1392
de 2009, o desmatamento na Amazônia brasileira caiu 36% em relação ao valor histórico, o que esteve 1393
em parte relacionado à expansão da rede de áreas protegidas que hoje cobrem c. 51% do remanescente 1394
florestal do bioma (Nepstad et al. 2009). Nesse capítulo, a cobertura por áreas protegidas é vista como 1395
uma medida da variação da vulnerabilidade entre os biomas, ainda que a incorporação de critérios de 1396
vulnerabilidade ao planejamento da conservação seja, todavia, problemático (Wilson et al. 2005). Além 1397
disso, se reconhece também a existência de grandes proporções de espécies ocorrentes fora de áreas 1398
41
protegidas (Chazdon et al. 2009) e as limitações das áreas protegidas em conservar espécies e serviços 1399
ambientais frente às mudanças climáticas (Heller e Zavaleta 2009). 1400
O Brasil possui seis grandes biomas sujeitos a diferentes tipos de impactos e cujos recursos naturais 1401
variam em relação ao grau e tipo de vulnerabilidade, além do ambiente marinho, não tratado nesse 1402
capítulo. A tabela 4.2.1 indica que enquanto mais de 50% do bioma amazônico estão protegidos na 1403
forma de unidades de conservação ou terras indígenas, todos os demais biomas têm 10% ou menos de 1404
seus territórios protegidos. A situação é distinta no pantanal e nos pampas, onde a proteção formal é 1405
inferior a 5% de suas áreas originais. 1406
A variação em vulnerabilidade e a origem do impacto sobre os biomas também muda de acordo com o 1407
histórico de ocupação humana e com as características naturais e posição das regiões. Por exemplo, a 1408
Mata Atlântica abriga c. 60% da população brasileira e a maioria das grandes cidades do país (Galindo-1409
Leal e Câmara 2003) e contém apenas 12% de sua cobertura vegetal original e mesmo assim distribuída 1410
em pequenos fragmentos florestais (Ribeiro et al. 2009). Já o Cerrado, conta hoje com taxas de 1411
desmatamento de 2 a 3 vezes superiores às do bioma amazônico, principalmente em função da 1412
expansão agropecuária (Sawyer 2008). O Pantanal (Harris et al. 2005) e os Pampas (Overbeck et al. 1413
2007) são biomas que requerem controle de espécies invasoras e algum grau de manejo, seja com fogo 1414
ou pastejo, para manter sua estrutura e funcionamento, o que sugere que unidades de conservação de 1415
proteção integral nem sempre sejam a modalidade ideal a ser empregada. A Caatinga já tem 15% de 1416
sua cobertura ameaçada de desertificação em decorrência do uso inadequado do solo (Leal et al. 2005). 1417
Por fim, a Amazonia, apesar da grande proporção de áreas protegidas, a expansão de projetos infra-1418
estruturais e da atividade agropecuária representam riscos à integridade desse sistema que responde por 1419
15% da fotossíntese terrestre global e que é um dos principais propulsores da circulação atmosférica 1420
global (Malhi et al. 2008). 1421
1422
Tabela 4.2.1. Extensão das unidades de conservação (UC)* e terras indígenas (TI)** por bioma brasileiro. Áreas 1423 marinhas não foram incluídas por não serem tratadas nesse capítulo. 1424
1425
Bioma Área (km2) UC total (km
2)
até 2009
% total
até 2009
TI (km2) % total
Amazônia 4.196.943 1.152.900 27,5 1.087.200 25,9
Caatinga 844.453 86.091 10,0
18.058
0,4
Cerrado 2.036.448 185.737 9,1
Pantanal 150.355 7.531 5,0
Mata Atlântica 1.110.182 118.478 10,7
Pampas 176.496 5.932 3,4
Brasil 8.514.877 1.556.669 18,2 1.105.258 13,0
1426
(adaptado de * Fonseca et al. 2010 e ** http://pib.socioambiental.org/pt/c/terras-1427
indigenas/demarcacoes/localizacao-e-extensao-das-tis) 1428
1429
42
4.2.3. Ecossistemas de Água Doce 1430
Ecossistemas de água doce são os ambientes mais ameaçados do planeta (Abell et al. 2008) e a 1431
agricultura é a maior usuária dos recursos hídricos mundiais, somando 70% do suprimento total 1432
(Beddington 2010). O Brasil é um dos 8 países do mundo que contribuem para 50% da pegada hídrica 1433
do mundo, qualificando-o como um dos maiores consumidores. Isso se deve ao fato que 90% da água 1434
consumida no país é destinada à agricultura (Hoekstra e Chapagain 2007). Para países onde a economia 1435
é ainda muito centrada na agricultura, como no caso do Brasil, a tendência é que haja um aumento da 1436
competição por recursos hídricos com outros setores (Beddington, 2010) durante o desenvolvimento do 1437
país, como, por exemplo, o setor energético. Em 2006, 83% da energia no país foi gerada por 1438
hidrelétricas e Lucena et al. (2009) demonstraram que a energia hidrelétrica, a energia eólica e a 1439
produção de biodiesel deverão ser particularmente vulneráveis às mudanças climáticas. 1440
De acordo com o Plano Nacional de Recursos Hídricos (MMA, 2006a) c. 83% dos recursos hídricos 1441
brasileiros estão concentrados em bacias hidrográficas de menor densidade demográfica, em particular 1442
no bioma Amazônico (que detém 74% dos recursos hídricos superficiais e é habitado por menos de 5% 1443
da população brasileira; Marengo 2008). A resultante é que áreas mais densamente urbanizadas contêm 1444
54% da população brasileira e apenas 12% dos recursos hídricos. Além disso, problemas têm sido 1445
detectados na estratégia de conservação de rios pertencentes a bacias que atendem grandes cidades 1446
(e.g., Moulton et al. 2007). 1447
Existem evidências do declínio da biodiversidade nos ecossistemas aquáticos continentais brasileiros, 1448
problema atribuído amiúde à poluição e eutrofização, assoreamento, construção de represas e controle 1449
do regime de cheias, pesca e introduções de espécies, especialmente nas regiões mais populosas do país 1450
(Agostinho et al. 2005). Dentre os componentes da biodiversidade aquática, os peixes são os 1451
organismos mais bem conhecidos (Abell et al. 2008) e o Brasil possui a mais rica ictiofauna do planeta 1452
(Nogueira et al. 2010). Por exemplo, as 540 pequenas microbacias brasileiras abrigam 819 espécies de 1453
peixes de distribuição restrita. Entretanto, 29% dessas microbacias perderam mais que 70% da sua 1454
cobertura vegetal original e apenas 26% possuem sobreposição significativa com áreas protegidas ou 1455
terras indígenas. Além disso, 40% das microbacias possuem sobreposição com hidrelétricas ou 1456
apresentam poucas áreas protegidas e grande taxa de perda de habitat (Nogueira et al. 2010). 1457
4.2.4. Ecossistemas Terrestres 1458
Perda de hábitats e fragmentação são duas das principais ameaças às espécies e aos ecossistemas 1459
terrestres brasileiros (UNFCCC 2007). Espécies tropicais são mais numerosas, tendem a ter maiores 1460
taxas de endemismo e são mais restritas em distribuição que espécies de regiões temperadas e, 1461
portanto, estão mais sujeitas à extinção que outras espécies. Há aproximadamente uma ordem de 1462
magnitude a mais de espécies ameaçadas de anfíbios e sete a mais de aves e mamíferos nos hotspots 1463
tropicais que nos não tropicais (Brook et al. 2008). Por exemplo, o Brasil possui c. 15% de todas as 1464
espécies de plantas terrestres do planeta e c. 6% (ou 2291) das espécies da flora terrestre brasileira são 1465
raras (área de ocorrência com até 10000 km2) e, portanto, virtualmente sob o risco de extinção 1466
(Giulietti et al. 2009). Além disso, mudanças no uso da terra terão reduzido a disponibilidade de 1467
habitats para espécies amazônicas de plantas em 12 a 24%, resultando em 5 a 9% das espécies se 1468
tornando ameaçadas de extinção (Feeley e Silman 2009). 1469
Previsões do efeito de mudanças climáticas sobre a extinção de espécies projetam valores globais de 15 1470
a 37% de perdas até 2050, incluindo os biomas Amazônia e Cerrado em diferentes cenários (Thomas et 1471
al. 2004). A perda de espécies e declínio de populações previstas estão relacionadas às projeções de 1472
43
mudanças em temperatura e pluviosidade. Por exemplo, Marengo et al. (2011) preveem até 2100 1473
aquecimento de 4 a 6% na América do Sul continental e redução nas chuvas com decorrente seca nas 1474
bacias da Amazonia oriental e do São Francisco. Exemplos do efeito dessas mudanças climáticas sobre 1475
grupos taxonômicos específicos dão conta que no Cerrado, para 26 espécies de aves endêmicas, 1476
projeta-se uma retração em até 80% na distribuição geográfica e um deslocamento médio de 200 km no 1477
sentido sudeste (Marini et al. 2009), enquanto na Mata Atlântica prevê-se a extinção local de até 20% 1478
das 49 espécies de Piprídeos analisados (Anciães e Peterson 2006). Resultados semelhantes também 1479
foram obtidos com a modelagem da distribuição potencial de 162 espécies de plantas vasculares do 1480
Cerrado, indicando extinções e deslocamento para sudeste e sul das regiões estudadas (Siqueira e 1481
Peterson 2003). Os biomas Mata Atlântica e Cerrado são marcadamente sensíveis, a se julgar pelo fato 1482
que das 627 espécies que constam da lista oficial das espécies da fauna brasileira ameaçada de extinção 1483
(MMA 2003) estima-se que mais de 72% delas estão concentradas em apenas dois hotspots: Mata 1484
Atlântica e Cerrado (Paglia et al. 2008). Esse padrão irá ter impactos negativos sobre populações 1485
humanas pobres nesses biomas. Por exemplo, Nabout et al. (2011) geraram modelos de cenários 1486
climáticos para 2080 que indicaram grandes perdas de ambientes apropriados para o pequi (Caryocar 1487
brasiliense Camb. Caryocaraceae), planta nativa importante à economia de municípios pobres na 1488
região. 1489
As novas regiões indicadas pelos modelos de distribuição potencial dos diversos grupos analisados sob 1490
o cenário de alteração climática futura são aquelas que, na atualidade, apresentam as piores situações 1491
de fragmentação e cobertura vegetal remanescente. Regiões como o centro e norte de São Paulo, sul e 1492
oeste de Minas Gerais e oeste do Paraná são os locais onde a ocupação humana é antiga. A cobertura 1493
nativa remanescente chega a menos de 10% da área original de Cerrado em São Paulo (MMA 2009). A 1494
Mata Atlântica encontra-se reduzida a menos de 12% da cobertura original em estados como São 1495
Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro ou Paraná (SOS Mata Atlântica e INPE 2010). Além disso, 1496
conforme já mencionado, somente 2,2% do Cerrado estejam protegidos por unidades de conservação 1497
de proteção integral (Klink e Machado 2005), sendo que as áreas mais expressivas estão localizadas na 1498
porção norte do domínio. Na Mata Atlântica, por sua vez, as áreas protegidas existentes representam 1499
menos de 2% da área original desse domínio (Tabarelli et al. 2005). Áreas protegidas em altitudes 1500
elevadas, insulares e costeiras e aquelas com limites abruptos com terras com uso antrópico também 1501
são particularmente vulneráveis (Muehe 2010; Laurence et al. 2011). 1502
Se por um lado o estado de conservação de alguns grupos pode se agravar no futuro, por outro é 1503
igualmente preocupante as perspectivas de mudanças na ocorrência geográfica de espécies 1504
transmissoras de doenças em decorrência das alterações climáticas. Peterson e Shaw (2003) sugerem 1505
que os vetores da leishmaniose podem ampliar suas distribuições para regiões onde normalmente não 1506
existiam e novos casos de leishmaniose podem ocorrer. 1507
Atividades ligadas ao desenvolvimento e produção de matéria prima e bens de consumo (agricultura, 1508
energia, infra-estrutura, óleo, gás e minério) são frequentemente associadas à perda de recursos naturais 1509
no país (Neistein et al. 2004.). Contudo, em extensa revisão sobre os fatores causais de processos de 1510
extinção de espécies, Brook et al. (2008) demonstram que distintos fatores atuam em sinergia sobre as 1511
espécies e que, portanto, tratamento individual de fatores não é recomendável e conclui que ações 1512
como preservação de hábitats, restauração de áreas degradadas, manutenção ou criação de 1513
conectividade, evitar sobreexplotação, reduzir risco de queimas e conter emissão de carbono, dentre 1514
outros, devem ser planejados de maneira integrada. 1515
1516
4.2.5. Adaptação 1517
44
Adaptação é definida como ajustes em sistemas humanos ou naturais, incluindo estruturas, processos e 1518
práticas (IPCC 2007). Há um reconhecimento na literatura que desenvolvimento em adaptação nas duas 1519
últimas décadas progrediu pouco em comparação com mitigação de emissões (Heller e Zavaleta 2009). 1520
Nesse tópico revisaremos algumas iniciativas em curso no Brasil. 1521
4.2.6. Adaptação baseada nos ecossistemas 1522
O papel dos serviços ambientais na adaptação às mudanças climáticas ainda é um tema relativamente 1523
novo na arena científica e política, e que demanda diálogo e acordo entre distintos atores da academia, 1524
da sociedade civil e dos setores privado e público. Esquemas como o pagamento de serviços 1525
ambientais, REDD+ e manejo comunitário são exemplos da chamada adaptação baseada nos 1526
ecossistemas, que começa a se difundir na América Latina (Vignola et al. 2009). Por trás desses 1527
esquemas está o princípio da valoração de ecossistemas e seus serviços, cuja lógica é a de maximizar os 1528
benefícios que sociedades derivam da interação com ecossistemas alocando eficientemente recursos 1529
naturais escassos para usos potencialmente benéficos, porém competidores. Contudo, as premissas 1530
inerentes às valorações econômicas podem não ser apropriadas quando aplicadas a serviços ambientais. 1531
Por exemplo, Abson e Termansen (2010) argumentam que valoração de ecossistemas deva refletir não 1532
só os benefícios econômicos e culturais decorrentes da interação homem-ecossistema, mas também a 1533
capacidade dos ecossistemas assegurarem o fluxo desses benefícios no futuro. 1534
Os esquemas de pagamento por serviços ambientais já apresentam exemplos bem sucedidos no 1535
continente, normalmente envolvendo remuneração a serviços ligados à regulação de fluxo hídrico, 1536
estocagem de carbono, provisão de habitat para a biodiversidade e beleza cênica. (DeKoning et al. 1537
2011, Montagnini e Finney 2011). O Programa Bolsa Floresta, em funcionamento no Estado do 1538
Amazonas desde 2007, é um exemplo brasileiro onde populações indígenas e tradicionais recebem 1539
compensação financeira e assistência de saúde, em troca de assumirem compromisso de desmatamento 1540
zero em áreas de florestas primárias. Um ano depois de ser lançado, cerca de 2700 famílias já eram 1541
beneficiadas (Viana 2008). 1542
O manejo comunitário de áreas naturais também é uma eficiente ferramenta para a adaptação às 1543
mudanças climáticas e conservação da biodiversidade. Porter-Bolland et al. (2012), ao comparar áreas 1544
protegidas com áreas de manejo comunitário em diversas partes do mundo tropical, inclusive no Brasil, 1545
constataram que áreas protegidas possuem maior taxa de desmatamento que áreas de manejo 1546
comunitário. Na mesma linha, Nelson e Chomitz (2011) encontraram para a América Latina, incluindo 1547
dados brasileiros, que (i) áreas protegidas de uso restrito reduziram substancialmente o fogo, mas que 1548
áreas protegidas multi-uso foram ainda mais efetivas e (ii) em áreas indígenas a incidência de fogo 1549
florestal foi reduzida em 16 pontos percentuais em comparação com áreas não protegidas. Além disso, 1550
já surgem no continente protocolos de pesquisa e monitoramento que remuneram comunidades locais 1551
que atuam diretamente na coleta de informações científicas no campo (Luzar et al. 2011). 1552
Ainda nesse contexto, está em curso o debate se conservação da biodiversidade e serviços ambientais 1553
em paisagens agrícolas serão mais efetivamente alcançados através de práticas de alta produtividade 1554
agrícola permitindo dedicação de áreas mais extensas à conservação, ou por meio de práticas mais 1555
amigáveis à vida selvagem onde propriedades teriam maior valor de habitat mas uma menor 1556
produtividade (Green et al. 2005). Schrott et al. (2011) estudaram o caso das cabrucas (plantio de cacau 1557
à sombra) baianas e propõem que uma combinação dessas estratégias é o mais desejável, a partir de 1558
casos de sucesso na (i) expansão do sistema de áreas protegidas; (ii) promoção de práticas agrícolas 1559
produtivas para o cacau, mas ao mesmo tempo favoráveis à biodiversidade e (iii) assistência a 1560
45
proprietários para implementar a legislação ambiental (código florestal) e reservas privadas voluntárias 1561
(RPPNs). 1562
Todavia, a conservação da biodiversidade ainda está em grande parte confinada às áreas protegidas, 1563
mas com a magnitude das mudanças climáticas projetadas para o século se espera que muitas espécies e 1564
tipos vegetacionais percam sua representatividade dentro de áreas protegidas (Heller e Zavaleta 2009). 1565
O Brasil realizou um estudo onde foram indicadas as áreas prioritárias para a conservação da 1566
biodiversidade (MMA 2002, 2006b), sendo que os principais remanescentes de vegetação nativa 1567
existentes em várias regiões naturais do país foram apontados como importantes para a manutenção de 1568
espécies da fauna e da flora. Contudo, o exercício não considerou os cenários climáticos futuros e é 1569
bem provável que áreas que não foram identificadas na atualidade como importantes poderiam ser 1570
destacadas nos cenários de mudanças climáticas. Hannah et al.(2002) apontam algumas ações básicas 1571
que compõem a integração das mudanças climáticas com estratégias de conservação (Climate Change-1572
integrated Conservation Strategies ou CCS) que podem ser adotadas por diferentes governos. Tais 1573
ações englobam desenvolvimento de modelagens regionais, expansão das redes de áreas protegidas, 1574
manejo da matriz da paisagem, coordenação regional de esforços e transferência de recursos. 1575
Obviamente a expansão da rede de áreas protegidas, sejam elas públicas ou privadas, e o manejo da 1576
matriz de paisagem representam as ações mais imediatas para atenuar os potenciais efeitos das 1577
mudanças climáticas, em especial nas situações onde se espera uma alteração da distribuição geográfica 1578
de espécies e ecossistemas. Dados analisados pela Empresa Brasileira de Agropecuária – EMBRAPA 1579
(Assad et al. 2008) indicam que para diversos cultivos (soja, arroz, milho e café), as áreas mais 1580
setentrionais no Brasil apresentarão maiores riscos climáticos e as áreas mais meridionais poderão 1581
apresentar condições climáticas mais estáveis. Em outras palavras, as mesmas áreas que serão criticas 1582
para a manutenção de espécies e ecossistemas no cenário de mudanças climáticas serão as mesmas 1583
regiões onde os atuais cultivares poderão ser plantados sem grandes riscos. 1584
4.2.7. Restauração ecológica 1585
Ações de restauração ecológica aumentam a provisão de biodiversidade e serviços ambientais em 44% 1586
e 25%, respectivamente, conforme estimado por Benayas et al. (2009) a partir de uma meta-análise de 1587
89 estudos de restauração no globo, incluindo a América do Sul. Além disso, tais ações aumentam o 1588
potencial de sequestro de carbono e promovem organização comunitária, atividades econômicas e 1589
melhoria de vida em áreas rurais (Chazdon 2008), como é exemplificado em casos na Mata Atlântica 1590
(Rodrigues et al. 2011, Calmon et al. 2011). A Mata Atlântica hoje concentra os principais esforços em 1591
restauração florestal no país, mas ainda encontra dificuldades em fazê-lo a baixo custo, planejar em 1592
escala de paisagem e se adequar a circunstâncias sócio-políticas em escala local (Rodrigues et al. 1593
2009). Uma dessas dificuldades diz respeito a até que ponto a ciência pode embasar legislação sobre 1594
restauração florestal. Aronson et al. (2011) discutem o exemplo da legislação no estado de São Paulo 1595
(SMA 08-2008) que estabelece números mínimos de espécies arbóreas nativas e a proporção de tipos 1596
funcionais e espécies ameaçadas a serem alcançados dentro de um determinado período de tempo em 1597
projetos de restauração. Enquanto para alguns cientistas essa legislação é apropriada, para outros não 1598
há um caminho único para a efetividade de um projeto de restauração e a ciência disponível ainda é 1599
insuficiente para estabelecer normas técnicas ou metodológicas. 1600
Apesar da importância da restauração ecológica como estratégia de adaptação, Jackson et al. (2005) 1601
alertam para o risco de plantações florestais terem efeito negativo sobre o balanço hídrico de solos, 1602
inclusive nos pampas da América do Sul. Resta ver até que ponto tal risco seria detectável também para 1603
esforços de restauração com espécies nativas no Brasil. Além disso, autores chamam a atenção para o 1604
46
fato que práticas de restauração aplicáveis a algumas áreas, podem não ser adequadas para outras. Por 1605
exemplo, enquanto a fertilização pode facilitar o estabelecimento de mudas em ambientes pobres em 1606
nutrientes (Zamith e Scarano 2006), essa prática pode aumentar o risco de eutrofização de lagos e rios 1607
se aplicada em ambientes sujeitos à inundação (Dias et al. 2011). 1608
4.2.8. Biocombustíveis 1609
Biocombustíveis são promissoras fontes renováveis de energia e o Brasil tem grande destaque 1610
internacional na produção de bioenergia. Em 2006, a matriz energética brasileira já consistia 29,7% em 1611
energia gerada a partir de biomassa contra 38,4% de combustíveis fósseis (Nass et al. 2007). Todavia, 1612
os biocombustíveis apresentam problemas potenciais ligados à emissão líquida positiva de gases estufa, 1613
ameaças à biodiversidade, aumento nos preços dos alimentos e competição por recursos hídricos, os 1614
quais podem ser revertidos ou atenuados (Koh e Ghazoul 2008). Lapola et al. (2010) demonstraram que 1615
mudanças diretas no uso da terra para plantio de biocombustível (e.g., plantação de biocombustível 1616
substituindo pecuária) teriam pequeno impacto na emissão de carbono, enquanto mudanças indiretas 1617
(e.g., plantação de biocombustível substituindo pecuária que é empurrada em direção à floresta) 1618
poderiam emitir o carbono compensado pelo biocombustível. Esse mesmo estudo aponta que etanol da 1619
cana-de-açúcar e biodiesel derivado da soja contribuem cada para c. metade do desmatamento indireto 1620
projetado para 2020 (121.970 km2), criando um débito de carbono que levaria c. 250 anos para ser pago 1621
de volta pelos biocombustíveis em substituição aos combustíveis fósseis. Por exemplo, uma eventual 1622
expansão da área plantada de cana-de-açúcar será impacto ainda mais severo nos estados de Alagoas, 1623
Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. Essa região é hoje a segunda maior produtora de açúcar e 1624
etanol do país, e uma das porções mais ameaçadas de florestas tropicais do planeta (apenas 12% 1625
restante, ~ 1% legalmente protegido), com a maior parte dos fragmentos florestais menores que 100 ha 1626
e várias espécies endêmicas na iminência da extinção (Bernard et al. 2011). 1627
Iniciativas como a moratória da soja na Amazônia exercem um efeito inibitório sobre taxas de 1628
desmatamento. Rudorff et al. (2011) demonstraram que de 2008 a 2010 soja foi plantada apenas em 1629
0,25% da area desmatada o que representa 0,027% da area de soja no Brasil. A maior proporção de soja 1630
plantada em área de desmatamento após o lançamento da moratória da soja foi no estado do Pará 1631
(2,52%) e a menor em Rondônia (0,03%). Lapola et al. (2010) demonstraram também que o óleo de 1632
palma (dendê) causaria menos mudanças no uso da terra e débito de carbono associado que outras 1633
culturas de biocombustível. 1634
4.2.9. Lacunas de dados e de pesquisas 1635
Embora o Brasil conte com sólidas bases de dados acerca de clima (http:\\www.inpe.br) e de socio-1636
economia (http:\\www.ibge.gov.br), ao país ainda faltam bases de dados abrangentes e acessíveis sobre 1637
biodiversidade e serviços ambientais, apesar de alguma boas iniciativas recente 1638
(http:\\sinbiota.biota.org.br ; http:\\floradobrasil.jbrj.gov.br). Essa lacuna de dados sistematizados em 1639
parte explica a dificuldade em integrar clima-natureza-homem em análises e construções de modelos. 1640
As relações entre biodiversidade, serviços ambientais e bem-estar humano são aparentes nesse relato, 1641
mas evidências empíricas ainda são pouco disponíveis para o Brasil. Esse tipo de pesquisa tem caráter 1642
claramente interdisciplinar e vem sendo chamada de ciência da sustentabilidade (Bettencour e Kaur 1643
2011). 1644
Outra lacuna óbvia diz respeito à valoração de serviços ambientais, etapa essencial para muitas das 1645
ações de adaptação baseadas em ecossistemas. O Brasil possui expertise no tema (e.g. Motta 2006), 1646
47
mas essa linha tem demanda grande a ser atendida. Existem diversas ferramentas disponíveis (e.g. 1647
TEEB 2010) aguardando por uma aplicação mais sistemática no país. 1648
Uma terceira importante lacuna de pesquisa diz respeito à adaptação de espécies e assembléias às 1649
mudanças climáticas. Avanço aqui depende de integração entre genética da adaptação ao clima e 1650
dinâmica de populações. Lavergne et al. (2010) admitem essa como sendo uma lacuna global e 1651
fortemente relacionada à separação histórica entre ecologia e evolução, que hoje impede o avanço na 1652
compreensão das conseqüências das mudanças climáticas para espécies e assembléias. 1653
4.2.10. Conclusões e perspectivas 1654
Os principais impactos aos quais os sistemas naturais terrestres e aquáticos continentais brasileiros são 1655
sujeitos incluem a) desmatamento, fragmentação e impacto sobre recursos hídricos a partir de 1656
mudanças no uso da terra; e b) impacto sobre a qualidade de recursos hídricos e sobre o solo por 1657
poluição derivada de ação antrópica. Esses dois tipos de impacto, por sua vez, têm efeito direto sobre o 1658
clima. Impactos projetados até 2100, decorrentes de mudanças climáticas, incluem redução de chuvas e 1659
aumento de temperatura em boa parte do território brasileiro, implicando em extinção ou mudanças da 1660
distribuição geográfica de espécies. 1661
Todos os biomas brasileiros apresentam pontos de vulnerabilidade: a) a Mata Atlântica, por sua 1662
pequena e fragmentada cobertura florestal remanescente; b) o Cerrado, por sua pequena cobertura de 1663
áreas protegidas frente à expansão agrícola; c) a Caatinga, pela degradação ambiental acelerada que em 1664
alguns pontos já leva à desertificação; d) o Pantanal, vulnerável a mudanças no seu regime de 1665
inundações, principalmente diante dos cenários de seca projetados; e) os Pampas, pelas profundas 1666
mudanças de uso da terra combinadas com susceptibilidade à invasoras; e, finalmente, f) a Amazônia, 1667
pela demanda de expansão infra-estrutural que não pode correr o risco de ser desordenada. Em todos 1668
esses biomas, as mudanças tornam também a sociedade vulnerável, em componentes como economia e 1669
saúde. 1670
Por tudo isso, o país precisa avançar na construção e implementação de estratégias de adaptação às 1671
mudanças em curso. Esse relato aponta para a já existência de algumas iniciativas de sucesso, que, 1672
entretanto, precisam ganhar escala. Isso necessitará ter como base uma ciência mais interdisciplinar e 1673
com maior sucesso ao se comunicar com a tomada de decisão nos setores público e privado (Scarano e 1674
Martinelli 2010). 1675
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4.3. Sistema costeiro e áreas costeiras baixas 1930
4.3.1.Introdução 1931
A resposta das sociedades frente mudanças nos padrões climáticos constitui-se em um dos principais 1932
desafios enfrentados pela humanidade no Século XXI. Seu potencial para causar impactos econômicos 1933
e sociais é considerável, com efeito direto na qualidade de vida das populações costeiras. Este desafio 1934
somente poderá ser enfrentado a partir de ações integradas entre os diversos setores da sociedade e 1935
fundamentado no conhecimento profundo dos cenários atuais e previstos. 1936
As zonas costeiras na sua aparente simplicidade paisagística e na sua dinâmica habitual exigem 1937
considerações similares ou até mais complexas do que os espaços interiores, já que envolvem questões 1938
relacionadas com as variações do nível do mar, paleoclimas e história vegetacional (Ab’ Saber, 2000). 1939
O litoral brasileiro, com 8.698 km de extensão e área aproximada de 514 mil km2, constitui-se em um 1940
perene desafio à gestão em face da diversidade de situações existentes neste território. São 1941
aproximadamente 300 municípios defrontantes com o mar, os quais têm, na faixa de praia, um espaço 1942
privilegiado para o desenvolvimento de atividades turísticas, lazer, pesca, entre outras. É nesse cenário 1943
dinâmico e de alta mobilidade, tanto física quanto socioeconômica, que residem aproximadamente 20% 1944
da população do país, sendo que 16 das 28 regiões metropolitanas encontram-se no litoral. Essas áreas 1945
de adensamento populacional convivem com amplas extensões de povoamento disperso e rarefeito. São 1946
os habitats das comunidades de pescadores artesanais, dos remanescentes de quilombos, de tribos 1947
indígenas e de outros agrupamentos imersos em gêneros de vida tradicionais. 1948
Além dos já conhecidos e discutidos problemas ambientais incidentes nessa porção do território, 1949
desenha-se, atualmente, uma nova perspectiva frente às questões relativas às mudanças climáticas, 1950
principalmente no que tange às suas causa e efeitos. A necessidade de adaptação a essa nova realidade 1951
e de mitigação dos problemas por ela causada devem constituir-se em pauta constante dos órgãos 1952
públicos tomadores de decisão. 1953
Nesse contexto, torna-se fundamental a compreensão das interações entre oceanos e zonas costeiras 1954
com as variáveis relacionadas às mudanças climáticas. Além disso, é vital a construção de uma visão 1955
estratégica desta porção do território com vistas às medidas de adaptação a novos cenários de 1956
aquecimento global, elevação do nível do mar, erosão costeira, entre outros. 1957
É sob esta ótica que o presente capítulo visa avaliar a atual situação da zona costeira brasileira, dando 1958
especial enfoque aos recursos naturais e manejados, ecossistemas e seus usos. Para tanto o conteúdo 1959
apresentado será abordado de maneira ecossistêmica, com análises específicas para ambientes de 1960
plataformas rasas e praias, manguezais e marismas, estuários e lagoas e lagunas costeiras. Será 1961
abordado ainda um estudo sobre vulnerabilidade da zona costeira que engloba aspectos não apenas de 1962
cunho ambiental, mas também social e tecnológico. 1963
4.3.2. Manguezal E Marismas 1964
4.3.2.1 Principais Forçantes Sobre o Ecossistema Manguezal 1965
Manguezais são ecossistemas florestais costeiros de influência marinha, localizados na zona entre-1966
marés de regiões tropicais e subtropicais, sendo, portanto, considerados ecossistemas costeiros 1967
marinhos, visto a forte dependência da energia das marés e da intrusão salina. A ocorrência dos 1968
manguezais é determinada, em uma escala global, por algumas condições básicas (Walsh,1974): (i) 1969
55
temperatura média do mês mais frio superior a 20 oC e amplitude térmica anual inferior a 5 oC; (ii) 1970
presença de ambientes costeiros abrigados e; (iii) presença de água salgada. 1971
No Brasil os manguezais ocorrem desde o extremo norte (Rio Oiapoque – 04º 20’ N) até Laguna, em 1972
Santa Catarina (28º 30’ S). Dada essa ampla distribuição latitudinal, esse ecossistema está submetido a 1973
diferentes combinações de intensidades das forçantes que controlam sua estrutura, funcionamento e 1974
dinâmica. 1975
Na tabela 4.3.1 apresenta-se uma breve comparação entre as divisões da costa brasileira propostas por 1976
diversos autores. Nessa tabela são apresentadas ainda, para cada um dos segmentos da costa brasileira, 1977
as principais forçantes que controlam tanto a ocorrência de florestas de mangue, como o 1978
desenvolvimento estrutural dessas florestas. Já a tabela dois diferencia algumas das principais 1979
características entre marismas e manguezais. 1980
Tabela 4.3.1 – Divisão da costa brasileira e forçantes associadas à ocorrência e desenvolvimento de florestas de 1981 mangue, segundo classificações propostas por Schaeffer-Novelli et al. (1990) e Muehe (2010). 1982
Divisão da Costa Brasileira Forçantes Associadas à
Ocorrência e Desenvolvimento
das Florestas de Mangue Schaeffer-Novelli et al. (1990) Muehe (2010)
Costa do Amapá
Costa Norte Dominada por
Marés e Manguezais
Regime de macromarés, clima
úmido com excedente hídrico
anual, forte aporte sedimentar e de
água doce de origem continental,
com destaque para o rio Amazonas
Golfo do Amazonas
Reentrâncias Maranhenses
Costa Leste do Maranhão ao
Cabo Calcanhar (RN)
Costa Nordeste com Déficit
Sedimentar
Domínio de falésias com planícies
costeiras pouco desenvolvidas e
áreas abrigadas restritas a
desembocadura de rios e estuários,
clima com deficit hídrico anual mais
acentuado na porção norte
Costa Nordeste do Cabo
Calcanhar ao Recôncavo
Baiano
Recôncavo Baiano a Cabo Frio
Costa Dominada por
Falésias e Deltas
Dominados por Ondas
Regime de micromarés,
precipitação e evapotranspiração
similares numa base anual, com
déficit hídrico em alguns trechos,
presença mais acentuada de
falésias na porção norte,
alternância no domínio de
processos climático-oceanográficos
tropical e subtropical
Cabo Frio a Torres Costa com Lagunas Regime de micromarés, clima
56
Associadas a Cordões
Arenosos Duplos
úmido com excedente hídrico
anual, domínio da Serra do Mar,
com limitação de áreas abrigadas
em alguns trechos, as quais
ocorrem associadas a sistemas
lagunares/planicies costeiras em
trechos onde a Serra do Mar se
afãs ta linha de costa e a
desembocaduras de rios
Costa Sudeste Dominada
por Costões Rochosos
Costa do Rio Grande do Sul
Costa Arenosa do Rio
Grande do Sul com
Domínio de Cordões
Arenosos Múltiplos
Não ocorrência de manguezais por
limitação climática
1983
Tabela 4.3.2 - Algumas características dos manguezais e das marismas. 1984
Marismas Manguezais
Ocorrência Predominam na zona entre-
marés das regiões
temperadas, geralmente em
áreas abrigadas ou semi-
abrigadas e em ambientes de
deposição de sedimentos;
nos locais em que coexistem
com os manguezais ocupam
as porções mais baixas e
podem colonizar clareiras
resultantes de perturbações
naturais e antropogênicas
Predominam na zona entre-
marés das regiões tropicais e
subtropicais, geralmente em
áreas abrigadas ou semi-
abrigadas e em ambientes de
deposição de sedimentos
Distribuição Todo o litoral brasileiro, mas
restritas a faixas estreitas e
com baixa diversidade nos
locais em que coexistem com
os manguezais
Limite sul de ocorrência em
Laguna, Santa Catarina.
Produtividade primária Alta Alta
Diversidade florística Baixa Baixa
Importância para a fauna
estuarina
Importantes como local de
refugio e alimentação para
juvenis de vertebrados e
invertebrados marinhos e
importantes como local de
refugio e alimentação para
juvenis de vertebrados e
invertebrados marinhos e
57
estuarinos estuarinos
Tipos de plantas que
dominam
Plantas vasculares herbáceas
halófitas
Plantas vasculares lenhosas
halófitas
Biomassa vegetal* Maior na porção subterrânea
(raízes e rizomas)
Maior na porção aérea
(troncos, galhos, folhas)
Taxa de cobertura do solo
pelas plantas e de insolação
Maior cobertura do solo e
maior insolação
Menor cobertura do solo e
menor insolação
Produção de detritos** Maior no inverno Maior no verão
Fauna bêntica Maior densidade e riqueza de
espécies
Menor densidade e riqueza
de espécies
Estratégias reprodutivas Principalmente reprodução
vegetativa
Arvores são vivíparas e a
dispersão dos propágulos é
feita pela água
* A informação apresentada para os manguezais baseia-se em poucos estudos disponíveis sobre a biomassa 1985 subterrânea e não pode ser considerada um padrão geral do ecossistema. 1986
** Evidências de estudos na Baia de Paranaguá, litoral do Paraná, revisados por Lana (2003). 1987
4.3.2.2 Ocorrência, composição e funcionamento das marismas ao 1988
longo do litoral brasileiro 1989
As marismas estão entre os ecossistemas mais produtivos do mundo e fornecem uma série de serviços 1990
ambientais para as sociedades humanas. No entanto, os usos diversos e a alta concentração de 1991
população e atividades humanas na costa têm resultado em constantes manipulações desse ecossistema, 1992
com consequentes alterações na estrutura, funções e distribuição das marismas (Gedan et al., 2009). 1993
Apesar do registro de diversas espécies nas marismas do Brasil, na maior parte do litoral o padrão de 1994
ocorrência desse ecossistema é na forma de bancos monoespecíficos de gramíneas do gênero Spartina 1995
ocupando as partes mais baixas da região entremarés, em frente aos manguezais. Nessas áreas, as 1996
marismas podem ser vistas como formações pioneiras que tendem a ser substituídas pelos manguezais, 1997
sendo sua expansão aparentemente limitada pela atenuação da luz pela copa das árvores de mangue 1998
(Lana et al., 1991; Costa &Davy, 1992; Lana, 2003; Braga et al., 2011). Pode-se considerar que, alem 1999
dessa competição com as árvores de mangue, as forçantes que controlam a ocorrência e 2000
desenvolvimento das marismas na maior parte do litoral brasileiro são as mesmas descritas para os 2001
manguezais (tabela 4.3.1). 2002
Nessas regiões de coexistência entre marismas e manguezais, não há estimativas sobre a área total 2003
ocupada pelas marismas, principalmente pela dificuldade de mapeá-las usando técnicas tradicionais de 2004
sensoriamento remoto, já que por formarem faixas estreitas e bastante próximas aos manguezais, é 2005
difícil separá-las visualmente ou analiticamente destes, ou mesmo dos baixios não vegetados adjacentes 2006
(Lana, 2003). 2007
As marismas convivem com os manguezais, e são competitivamente limitadas por eles, até a região de 2008
Laguna, em Santa Catarina, limite austral de distribuição das espécies de mangue no Brasil (Schaeffer-2009
Novelli et al., 1990). Nas lagoas costeiras da região de Laguna as marismas ainda ocorrem 2010
58
predominantemente como bancos monoespecíficos de Spartina alterniflora, havendo indícios de que 2011
sofram competição com os taboais na sua distribuição ao longo do estuário e das lagoas (Valgas, 2009). 2012
É no estuário da Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, que as marismas passam a ser mais 2013
desenvolvidas, mais extensas e mais diversas, ocupando uma área total de aproximadamente 70 km2 e 2014
podendo ser divididas em 25 unidades espacialmente distintas, separadas por características de sua 2015
cobertura vegetal ou por descontinuidades físicas na sua ocorrência (Costa et al., 1997). 2016
Nessa região, predominam estudos voltados para a composição de espécies, produtividade primária e 2017
distribuição espacial de diferentes associações de plantas (Costa, 1998a; Isacch et al., 2006; Seeliger et 2018
al., 1998; Cunha et al., 2005;Peixoto & Costa, 2004), além de estudos sobre usos dos recursos e 2019
impactos das atividades humanas sobre as marismas (Seeliger& Costa, 1998; Costa & Marangoni, 2020
2000; Marangoni & Costa, 2009b; Marangoni & Costa, 2010), os quais estão marcadamente ausentes 2021
das demais regiões, com raras exceções, como a descrição feita por Miranda (2004) da exploração de 2022
sururu nas marismas do Complexo Estuarino de Paranaguá, ou a avaliação dos efeitos de um 2023
derramamento experimental sobre a vegetação das marismas, também realizado no litoral do Paraná 2024
(Wolinski et al., 2011). 2025
Além da diversidade de espécies, da extensão e da complexidade estrutural, outro fator importante 2026
separa as marismas da Lagoa dos Patos (e as de Laguna, apesar destas não terem a diversidade de 2027
espécies ou a complexidade estrutural daquelas) das demais marismas do litoral brasileiro: elas são 2028
classificadas como irregularmente alagadas, pois ocorrem no estuário de uma lagoa estrangulada e 2029
estão sujeitas a um regime de micromarés, com grande variabilidade sazonal e anual nos índices 2030
pluviométricos, situação em que a salinidade e o tempo de inundação são bastante variáveis e 2031
dependem principalmente do aporte de água doce e da direção dos ventos (Costa, 1998b; Costa et al., 2032
2003). As demais marismas brasileiras estão, em geral, sujeitas a inundações periódicas e regulares, sob 2033
influencia preponderante de regimes de meso e macromarés, ainda que variações no aporte de água 2034
doce também tenham influencia sobre a salinidade e o tempo de inundação (Lana 2003). 2035
4.3.2.3 Potenciais Impactos das Mudanças Climáticas Sobre o 2036
Ecossistema Manguezal 2037
Considerando-se as forçantes determinantes para a ocorrência dos manguezais, bem como o modelo de 2038
assinatura energética, que controla o desenvolvimento estrutural das florestas de mangue, podemos 2039
identificar alguns aspectos das mudanças climáticas que podem afetar direta ou indiretamente o 2040
ecossistema manguezal. Alongi (2008) e Gilman et al. (2008) destacam como principais alterações com 2041
potencial impacto sobre o ecossistema manguezal as alterações na temperatura, no regime de chuvas, 2042
na concentração de CO2 atmosférico, na incidência de eventos extremos (marés extremas e 2043
tempestades) e nos padrões de circulação oceânica. 2044
Dentre esses efeitos a elevação do nível médio do mar é considerada a alteração com maior impacto 2045
potencial sobre os manguezais (Gilman et al., 2008), pois implica em alterações na zona entre-marés, 2046
na frequência de inundação e na dinâmica sedimentar. 2047
Em estudo recente, Soares (2009) analisou as respostas dos manguezais a variações ocorridas no 2048
passado, sobretudo no Quaternário, descritas em estudos realizados em diversos manguezais do mundo. 2049
Nessa análise, esse autor considerou aspectos relacionados à morfodinâmica dos sistemas onde os 2050
manguezais ocorrem e às exigências fisiológicas das espécies de mangue, além de características chave 2051
das regiões de ocorrência das florestas de mangue (e.g. regime de marés, dinâmica costeira, dinâmica 2052
sedimentar, geomorfologia costeira). Com base nesses dados Soares (2009) propôs um modelo 2053
59
conceitual para analisar a resposta dos manguezais à elevação do nível médio do mar. Segundo esse 2054
modelo (figura) o comportamento dos manguezais dependerá de fatores primários locais, tais como: (i) 2055
topografia; (ii) fonte de sedimento; (iii) taxa de aporte de sedimento; (iv) hidrologia e área da bacia de 2056
drenagem; (v) amplitude de marés; (vi) dinâmica costeira; (vii) taxa de elevação do terreno; (viii) taxa 2057
de elevação do nível médio do mar. Esses fatores determinarão, basicamente, o balanço entre elevação 2058
do nível do mar e sua compensação através de processos de deposição de sedimentos, bem como a 2059
existência de áreas planas para uma possível acomodação/retração dos manguezais, caso haja uma 2060
elevação do nível médio relativo do mar. Esse processo de acomodação/retração dependerá ainda da 2061
competição com comunidades não halófitas existentes na planície costeira e da compatibilidade da taxa 2062
de elevação do nível médio relativo do mar com o ciclo de vida das espécies de mangue. Como 2063
resultado, podemos identificar três possíveis comportamentos das florestas de mangue: (a) erosão; (b) 2064
retração; (c) resistência, os quais determinarão três modos de ocorrência dos manguezais: (a) 2065
manutenção; (b) exclusão; (c) ocorrência em refúgios. 2066
2067
Figura 4.3.1 – Modelo conceitual de resposta dos manguezais à elevação do nível médio do mar. Fonte: 2068
Soares (2009) 2069
No que se refere ao Brasil, apenas duas regiões possuem informações reais que relacionem alterações 2070
no ecossistema manguezal com uma possível elevação do nível médio do mar. Esses estudos referem-2071
se a manguezais nos estados do Rio de Janeiro e no Pará. Todavia, encontramos ainda alguns estudos 2072
relativos a manguezais do nordeste do Brasil, que apontam a possibilidade de alterações em áreas de 2073
manguezal associadas à elevação do nível médio do mar. 2074
No Rio de Janeiro, os manguezais localizados na Reserva Biológica Estadual de Guaratiba (baía de 2075
Sepetiba) são alvo de um programa de monitoramento permanente mantido pelo NEMA/UERJ desde 2076
60
1996, permitindo a construção de uma série de dados singular. Os resultados desse monitoramento 2077
possibilitaram a identificação do processo de colonização da planície hipersalina, adjacente à floresta 2078
de mangue, por espécies de mangue (Soares et al., 2005). Com base na observação desse processo, 2079
esses autores reavaliaram os padrões de distribuição das espécies de mangue, que haviam sido 2080
definidos como reflexo de um padrão estático de zonação das mesmas, segundo o gradiente de 2081
frequência de inundação pelas marés. Nessa nova abordagem foi possível identificar um processo 2082
dinâmico de sucessão ecológica, no qual o manguezal estaria migrando em direção ao continente e 2083
ocupando (colonizando) áreas anteriormente ocupadas pelas planícies hipersalinas. Após diversas 2084
análises pode-se constatar que esse processo estaria sendo induzido pela elevação do nível médio do 2085
mar (Soares et al., 2005). Para tanto, vários possíveis agentes de indução de alterações foram 2086
descartados. Um dos pontos para esse entendimento foi a compreensão de que apesar da planície 2087
hipersalina estar localizada na região entre marés, a mesma possui características físico-quimicas 2088
impróprias ao desenvolvimento de espécies de mangue. Portanto, a colonização dessa região por 2089
vegetais de mangue é um forte indicio de alteração dessas condições. O principal agente para a 2090
alteração das características físico-quimicas dos substratos dessa região seria uma alteração na 2091
frequência de inundação pelas marés. 2092
Apesar da região de Guaratiba (Rio de Janeiro) ser a única área de manguezais do litoral brasileiro com 2093
um monitoramento permanente de longo prazo visando à análise da resposta desse ecossistema a 2094
processos relacionados às mudanças climáticas, outros estudos pontuais possuem relevância e apontam 2095
análises em outras regiões. Para a região norte do Brasil, Lara et al. (2002) e Cohen & Lara (2003) 2096
identificaram, através da análise de série de 25 anos de imagens de radar e de satélites, processos de 2097
retração e expansão de manguezais no Pará. Cohen & Lara (2003) atribuíram esse comportamento 2098
principalmente à resposta a processos geomorfológicos. Todavia, em algumas regiões os manguezais se 2099
expandiram em direção ao continente, sobre planícies colonizadas por vegetação herbácea (planície 2100
hipersalina) de forma contínua, a qual pode ser uma resposta não a processos geomorfológicos cíclicos, 2101
mas a uma tendência de longo prazo, como por exemplo elevação do nível médio do mar, conforme 2102
hipótese levantada pelos autores e sustentada pelo modelo apresentado por Soares (2009). Segundo 2103
Lara et al. (2002) no período analisado (1972 a 1997) houve uma redução na área ocupada por 2104
manguezais na região estudada (península de Bragança, Pará), todavia, na parte central da península, 2105
foi observada uma expansão da floresta de mangue sobre áreas topograficamente mais elevadas 2106
anteriormente ocupadas por vegetação herbácea, a qual foi progressivamente invadida por Avicennia 2107
germinans. Esses autores ainda relatam que o limite atual (na época em que a análise foi realizada) 2108
entre a vegetação herbácea e a floresta de mangue possui uma frequência de inundação de cerca de 40 2109
dias/ano, apresentando indivíduos de Avicennia germinans com altura entre 1 e 5 metros. Já a região 2110
correspondente ao limite anterior (de 1972) entre a vegetação herbácea e a floresta de mangue possui 2111
atualmente uma frequência de inundação de cerca de 60 dias/ano, com indivíduos de Avicennia 2112
germinans com altura entre 8 e 10 metros. 2113
Lacerda et al (2007) estimaram as alterações na descarga do rio Pacoti (Ceará) e destacam a expansão 2114
de área de manguezal devido a essas alterações e processos, sobretudo ao abandono de antigas salinas e 2115
construção de barragens para abastecimento humano e irrigação. Todavia, a análise dos dados 2116
apresentados por Lacerda et al (2007) permite algumas reflexões adicionais. Além da identificação da 2117
expansão de áreas de manguezal sobre antigas salinas e sobre bancos lamosos às margens do rio e em 2118
novas ilhas (bancos lamosos) formadas, que indicam alterações associadas aos processos anteriormente 2119
descritos, observa-se um processo significativo de expansão das florestas de mangue sobre áreas mais 2120
elevadas (ocupadas originalmente por vegetação herbácea de marismas). Essa observação pode sugerir 2121
um aumento da influência salina em direção a essas áreas elevadas, como sugerido no modelo de 2122
61
Soares (2009), em resposta a uma suposta elevação do nível médio do mar. Essa observação pode 2123
indicar que o processo descrito para o sudeste do Brasil, nos estudos de Soares et al. (2005) no Rio de 2124
Janeiro e no norte nos estudos de Lara et al. (2002) e Cohen & Lara (2003) para o Pará, também 2125
estejam ocorrendo na região nordeste. Todavia, estudos e análises mais detalhados são necessários para 2126
que possamos discriminar os efeitos de alterações locais (sobretudo do efeito da redução da vazão de 2127
rios sobre o aumento da influência marinha em áreas mais elevadas), de ciclos climáticos e de fatores 2128
relacionados às mudanças climáticas sobre a dinâmica dessas florestas de mangue, posto que apenas no 2129
Rio de Janeiro dispõe-se de informações oriundas de um monitoramento sistemático dos manguezais, 2130
visando especificamente à análise de processos relacionados às mudanças climáticas. 2131
O comportamento dos manguezais de Guaratiba (Rio de Janeiro), anteriormente descrito como sendo 2132
regido pela oscilação do nível médio relativo do mar, através de uma análise mais cuidadosa indica 2133
cenários mais complexos e a possibilidade de um controle climático (Soares et al., 2005). Ao 2134
analisarem os padrões de desenvolvimento estrutural da floresta madura dessa região, esses autores 2135
identificaram patamares na vegetação do manguezal estudado. Essas “feições” demonstram que o 2136
processo de avanço do manguezal sobre a planície hipersalina não ocorre de forma contínua, mas sobre 2137
a forma de pulsos. Assim sendo, provavelmente ocorre um controle da sucessão por características que 2138
regulam o crescimento da vegetação de mangue. 2139
A hipótese proposta por Soares et al. (2005) para a formação dos pulsos no manguezal em questão está 2140
relacionada à variabilidade nos parâmetros meteorológicos. Sob esse prisma, haveria uma sobreposição 2141
de agentes no controle do processo sucessional. A elevação do nível médio relativo do mar atuaria 2142
aumentando a frequência de inundação pelas marés e por conseguinte tornando as condições físico-2143
químicas favoráveis ao crescimento e manutenção das espécies de mangue. Paralelamente, a 2144
disponibilidade de água (representada pela precipitação) exerceria papel fundamental nas fases iniciais 2145
desse processo, que seriam representadas pela produção de propágulos, recrutamento de propágulos e 2146
crescimento e sobrevivência inicial de plântulas e jovens. 2147
Os estudos desenvolvidos em Guaratiba (Rio de Janeiro) por Almeida (2007, 2010) e Almeida et al. 2148
(2007) ainda apontam para o papel de sistemas continentais de água doce, os quais funcionam como 2149
atenuadores das condições mais rigorosas durante os períodos secos (figura 4.3.2). Em outras palavras, 2150
em regiões com fonte de água doce de origem continental, tais como rios e brejos, os manguezais se 2151
expandem principalmente durante os períodos úmidos e durante os períodos secos se mantém com 2152
pouca expansão. Já em regiões sem aporte de água doce continental, em anos secos pode-se observar 2153
uma retração das florestas de mangue devido ao alto estresse hídrico. Essas observações comprovam a 2154
importância da análise de toda a paisagem costeira em conjunto, no que se refere aos efeitos da 2155
disponibilidade hídrica e da precipitação sobre as florestas de mangue. 2156
62
2157
Figura 4.3.2 – Esquema conceitual de comportamento das florestas de mangue em resposta à variabilidade 2158 climática, segundo Almeida (2010). 2159
A análise anteriormente apresentada, no que se refere ao comportamento dos manguezais de Guaratiba 2160
(Rio de Janeiro), apesar de tratar de ciclos/variabilidade climáticos apresenta extrema relevância para o 2161
entendimento da resposta dos manguezais sob condições climáticas distintas, tais como aquelas 2162
oriundas das mudanças climáticas globais. 2163
4.3.2.4 Potenciais Impactos das Mudanças Climáticas Sobre as 2164
Marismas 2165
Os principais impactos previstos das mudanças climáticas sobre as marismas são os mesmos previstos 2166
para os manguezais e outras formações estuarinas que ocupam a faixa entremarés. Esses impactos 2167
devem ser considerados em associação com outras atividades humanas que já vêm modificando esses 2168
ecossistemas, uma vez que as atividades humanas também devem se modificar em resposta às 2169
mudanças climáticas, gerando efeitos variados sobre os ecossistemas costeiros, em processos de 2170
continua retroalimentação, ocorrendo ao longo de diversos níveis das escalas espacial e temporal 2171
(Scavia et al., 2002; Day et al., 2008). 2172
No caso das marismas, quando estas coexistem com os manguezais, geralmente ocupam as áreas de 2173
menor elevação da zona entre-marés e estão sujeitas a taxas de inundação mais elevadas (Lana, 2003), 2174
ficando mais propensas a desaparecer, caso sua taxa de acreção vertical relativa seja menor do que a 2175
dos ecossistemas que ocupam as áreas mais elevadas. 2176
Portanto, para a maioria das marismas do litoral brasileiro, a opção de migrar em direção ao continente 2177
fica dependente do comportamento dos manguezais. E mesmo nas áreas ao sul de Laguna (SC), fora do 2178
limite de ocorrência dos manguezais, as marismas podem não conseguir acompanhar a subida do nível 2179
do mar se tiverem taxas de acreção menores do que as dos pântanos salobros e de água doce que 2180
ocorrem em áreas mais altas ou mais internas do estuário, o que já foi demonstrado para outras regiões 2181
63
(Craft, 2007). Esse problema pode se somar a mudanças na descarga de água doce associada a uma 2182
crescente demanda pela população que vive ao longo das bacias de drenagem e por variações 2183
decorrentes das mudanças climáticas, como mudanças nos regimes de chuvas. 2184
Assim, as ameaças às marismas, a exemplo dos manguezais, têm origem em duas frentes: por um lado, 2185
a ocupação humana da zona costeira extrai recursos de maneira insustentável e limita o espaço 2186
disponível para migração desses ecossistemas, além de afetar fatores como o aporte de sedimentos, o 2187
volume de água subterrânea e a descarga de nutrientes e poluentes; por outro, as mudanças climáticas 2188
globais, principalmente a subida do nível do mar, pressionam as margens desses ecossistemas voltadas 2189
para o oceano, provocando erosão, mortalidade e perda de área (Taylor &Sanderson, 2002). 2190
Além do nível do mar e dos impactos das atividades humanas, as marismas, a exemplo dos 2191
manguezais, sofrerão os efeitos de alterações em outros fatores relacionados às mudanças climáticas, 2192
sendo os principais: mudanças nos padrões de circulação das águas costeiras; aumento da temperatura 2193
do ar e da água do mar; aumento do CO2 atmosférico; aumento na frequência e intensidade de 2194
tempestades; aumento na intensidade de ondas e ventos; e, alterações no aporte de água doce, 2195
sedimento e nutrientes, decorrentes de mudanças nos regimes de chuvas e dos padrões de uso e 2196
ocupação das bacias hidrográficas(Scavia et al., 2002; Gilman et al., 2008; Lovelock& Ellison, 2007; 2197
McLeod&Salm, 2006; Day et al., 2008). 2198
A maioria dos estudos realizados sobre marismas da costa brasileira não trata diretamente das 2199
mudanças climáticas e de seus possíveis impactos sobre esse ecossistema. Apenas Davy& Costa (1992) 2200
mencionam a perspectiva de aceleração da elevação do nível do mar e suas implicações para os estudos 2201
sobre marismas, destacando a importância de se compreender os mecanismos que controlam a 2202
distribuição das espécies ao longo do gradiente de inundação, e Seeliger & Costa (1998) mencionam o 2203
aquecimento global e a subida do nível do mar como impactos sobre os ecossistemas costeiros e 2204
marinhos do extremo sul do Brasil. 2205
No entanto, várias das linhas de pesquisa que já vêm sendo desenvolvidas no litoral brasileiro 2206
apresentam relações com o tema no sentido de que fornecem subsídios que permitem avaliar a 2207
exposição, sensibilidade e capacidade de resposta das marismas aos efeitos previstos das mudanças 2208
climáticas. A seguir, considerando-se os potenciais impactos descritos, apresentamos algumas das 2209
possíveis relações entre os estudos já realizados no Brasil e os efeitos esperados das mudanças 2210
climáticas sobre as marismas. 2211
Estudos como o de Marangoni & Costa (2010), sobre os usos tradicionais das marismas por pecuaristas 2212
e agricultores na Lagoa dos Patos, são importantes para análises de vulnerabilidade às mudanças 2213
climáticas e de possíveis estratégias de adaptação, pois demonstram a importância que o ecossistema 2214
tem para essas populações, que mudanças vêm ocorrendo e como essas atividades vêm sendo 2215
impactadas pelas mudanças. Por exemplo, os pecuaristas usuários das marismas entrevistados pelos 2216
autores relataram um aumento da invasão das áreas de campo e de macega (Spartinadensiflora) pelo 2217
junco, o que acaba por diminuir as áreas disponíveis para pastagem. Essa expansão estaria relacionada 2218
a uma diminuição da salinidade na Lagoa dos Patos devido a um maior aporte de água doce no 2219
estuário. A tendência observada na região é de um aumento das chuvas nos últimos 50 anos (Marengo, 2220
2006). Se essa tendência continuar, ou mesmo se intensificar, em decorrência das mudanças climáticas, 2221
isso poderia levar a uma intensificação desse processo de invasão pelo junco. De forma semelhante, 2222
estudos que incluam o impacto que as atividades humanas vêm tendo sobre as marismas (Seeliger& 2223
Costa, 1998; Costa & Marangoni, 2000; Marangoni & Costa, 2009b; Wolinski et al., 2011) tornam-se 2224
bastante relevantes uma vez que essas atividades podem afetar não apenas a composição de espécies, a 2225
64
estrutura e o funcionamento das marismas, mas também sua própria capacidade de se adaptar aos 2226
efeitos das mudanças climáticas. 2227
Exemplo desse tipo de análise é o estudo de Marangoni & Costa (2009a), que observaram mudanças no 2228
tamanho das áreas de marismas na Lagoa dos Patos na segunda metade do século XX. As perdas de 2229
área observadas se devem principalmente a processos erosivos e expansão urbana. Os processos 2230
erosivos são causados por ondas geradas por ventos associados a passagens de frentes frias no inverno 2231
e outono e ao anticiclone do Atlântico Sul na primavera e no verão. Esse tipo de erosão parece ser 2232
intensificado durante os meses mais chuvosos, no inverno, quando o aumento do aporte de água doce 2233
eleva o nível da água do estuário, caracterizando assim mais uma ameaça às marismas relacionada à 2234
descarga de água doce na Lagoa dos Patos e ao nível do mar, ambos processos dependentes do clima, e 2235
das atividades humanas ao longo da bacia hidrográfica, e com alterações previstas em decorrência das 2236
mudanças climáticas. 2237
São relevantes também estudos que analisem a competição entre as plantas de marisma e a influencia 2238
das taxas de inundação e da salinidade sobre essas interações bióticas (Costa et al., 2003), ou que 2239
analisem como a distribuição dos ecossistemas entre-marés, e dos ecossistemas adjacentes, é afetada 2240
por alterações nos padrões de inundação, na salinidade, na pluviosidade, no aporte de sedimentos e na 2241
presença de perturbações antropogênicas. Um exemplo é o estudo de Valgas (2009) nas lagoas 2242
costeiras de Laguna, Santa Catarina. O autor compara as marismas com os taboais e sugere que a taboa 2243
Typhadominguensis pode estar substituindo competitivamente S. alterniflora nas áreas mais internas e, 2244
possivelmente, nas intermediarias do estuário. A taboa teria uma capacidade maior de se estabelecer 2245
quando a salinidade esta baixa e, após esse estabelecimento, impediria a chegada de S. alterniflora, que 2246
estaria restrita às áreas com maior salinidade. Essa dinâmica pode ser alterada caso ocorra uma 2247
elevação do nível do mar ou uma mudança no regime de chuvas e ventos na região, em consequência 2248
das mudanças climáticas. 2249
Ao contrário do paradigma predominante, de que as marismas são controladas primariamente por 2250
fatores abióticos, há indícios de que fatores bióticos, tais como a herbivoria, podem ter um papel 2251
importante e que precisam ser estudados e considerados nas ações de gestão (Gedan et al., 2011). No 2252
caso do Brasil, há evidências de que a ação de herbívoros pode afetar significativamente a 2253
produtividade e a capacidade competitiva das espécies de marisma (Costa et al,. 2003), mas não há 2254
estudos mais detalhados sobre essa relação específica entre a fauna e a flora. Estudos nessa linha são 2255
importantes, especialmente considerando as possíveis correlações entre herbivoria e outros impactos. 2256
Por exemplo, maior temperatura do ar e maior eutrofização das marismas tendem a resultar em 2257
aumento da produtividade primária, mas potencialmente diminuem a diversidade e aumentam a 2258
atratividade das plantas para os herbívoros, enquanto atividades humanas, como a pesca, podem 2259
eliminar predadores e favorecer a proliferação dos herbívoros (Gedan et al., 2011). 2260
4.3.2.5 Vulnerabilidade do Ecossistema Manguezal às Mudanças 2261
Climáticas 2262
A vulnerabilidade da zona costeira brasileira às mudanças climáticas foi objeto de algumas análises 2263
recentes (Muehe, 2010; Nicolodi &Petermann, 2010), as quais focaram basicamente na vulnerabilidade 2264
à erosão e riscos de inundações, relacionados à elevação do nível médio do mar e a eventos extremos, 2265
tendo como objeto principal uma análise da vulnerabilidade de populações e infraestrutura costeiras a 2266
essas alterações. Todavia, no que se refere à vulnerabilidade dos manguezais brasileiros às mudanças 2267
climáticas, poucos foram os estudos que focaram especificamente esse tema. Dentre esses, destacam-se 2268
os estudos realizados para o município do Rio de Janeiro (Soares, 2008), para a Região Metropolitana 2269
65
do Rio de Janeiro (Soares et al., 2011) e para a baía de Paranaguá (Faraco et al., 2010), os quais 2270
basicamente focaram na vulnerabilidade dos manguezais à elevação do nível médio do mar. 2271
Considerando que existem, vivendo próximas a esses ecossistemas, populações que dependem 2272
diretamente de seus recursos e serviços ambientais para sua subsistência, e ao mesmo tempo funcionam 2273
como fontes de impactos e de diminuição de sua resiliência, torna-se essencial analisar conjuntamente 2274
esses sistemas, considerando-os como acoplados, ou seja, como sistemas socioecológicos (Adger, 2275
2006, Berkes et al., 2003, Gallopín, 2006); necessidade que também é bastante enfatizada nos estudos 2276
de vulnerabilidade (Wisner et al., 2004). 2277
Retornando à análise da vulnerabilidade dos manguezais em escala nacional é importante 2278
considerarmos a possibilidade dessa análise em diferentes escalas espaciais, dependendo do 2279
refinamento desejado, da disponibilidade de informações detalhadas e dos objetivos da referida análise. 2280
Nesse sentido, os critérios que definem a resiliência ou capacidade de adaptação dos manguezais a 2281
dados cenários de alterações também podem ser abordados em diferentes escalas de refinamento. Dessa 2282
forma, sob um prisma global Alongi (2008) elenca as áreas de manguezais do mundo consideradas 2283
“muito vulneráveis” ou “pouco vulneráveis” à elevação do nível médio do mar, considerando-se 2284
basicamente sua capacidade de compensar, através de processo de sedimentação, a taxa de elevação do 2285
nível médio do mar. Assim, partindo da premissa de que áreas submetidas a regime de macromarés, em 2286
costas tropicais úmidas e/ou em áreas sob influência de aporte fluvial significativo e áreas consideradas 2287
remotas (onde a ocupação humana não impediria a migração das florestas em direção ao continente) 2288
são as menos vulneráveis às alterações do nível médio do mar, esse autor cita dentre essas áreas a 2289
região norte do Brasil, sob influência de macromarés e do aporte do Amazonas. Por outro lado, as áreas 2290
consideradas “muito vulneráveis” seriam aquelas localizadas em ilhas baixas e/ou em ambientas 2291
carbonáticos, onde as taxas de aporte de sedimento e a disponibilidade de terras para migração das 2292
florestas são reduzidas ou ainda em áreas com baixa contribuição fluvial ou onde ocorre um processo 2293
de subsidência da massa continental. 2294
Sob o ponto de vista da análise global realizada por Alongi (2008), todas as regiões de manguezais do 2295
Brasil fora da influência de macromarés e do aporte do Amazonas não são incorporadas nas classes 2296
apresentadas, o que pode nos levar a uma análise equivocada de que tais áreas encontram-se sob um 2297
grau intermediário de vulnerabilidade. Na análise de vulnerabilidade as características geomorfológicas 2298
tomam outra dimensão, ao se tornarem fator determinante da resiliência do sistema, expressa na 2299
disponibilidade de áreas para migração/acomodação do sistema, conforme descrito no modelo de 2300
Soares (2009). Gilman et al. (2008) também citam que a resistência e resiliência dos manguezais à 2301
elevação do nível médio do mar dependem de alguns fatores, dentre os quais a taxa de elevação do 2302
nível relativo do mar e a existência de áreas livres para migração dos manguezais em direção ao 2303
continente. Sob essa análise, poderíamos inferir com base nas características geomorfológicas da costa 2304
brasileira, descritas de forma geral por Silveira (1964) e aprofundadas por Schaeffer-Novelli et al. 2305
(1990) e Muehe (2010) – tabela I – e com base no modelo de Soares (2009), que numa escala de 2306
grandes feições geomorfológicas teríamos uma região menos vulnerável à elevação do nível médio do 2307
mar, com capacidade de adaptação ao norte do Brasil, como consequência da presença de extensas 2308
planícies costeiras, intenso aporte sedimentar e baixa densidade populacional, corroborando o proposto 2309
em escala global por Alongi (2008). A costa do Brasil que se estende desde o nordeste até o sul pode 2310
ser incorporada numa categoria de maior vulnerabilidade, pelo domínio de feições geomorfológicas 2311
que limitam a possibilidade de migração/acomodação dos manguezais em direção ao continente, 2312
representadas ora pela formação Barreiras, ora pela Serra do Mar. O grau de vulnerabilidade nesse 2313
segmento da costa pode ainda ser reduzido, naquelas porções onde essas feições se afastam da linha de 2314
costa, permitindo a formação de planícies costeiras mais extensas e que possuam baixa taxa de 2315
66
ocupação humana. Por outro lado, nesse segmento a maior vulnerabilidade ocorrerá nas porções onde 2316
essas feições se aproximam da linha de costa e reduzem a área disponível para retração/acomodação 2317
das florestas de mangue e/ou onde as planícies costeiras possuem alta ocupação humana, reduzindo da 2318
mesma forma as áreas para acomodação do sistema frente às novas condições. 2319
Apesar das considerações anteriormente apresentadas para a costa brasileira, uma análise mais 2320
detalhada ainda está por ser feita, para que possamos categorizar, com maior segurança e precisão, os 2321
diferentes trechos ocupados por manguezais, no que se refere à vulnerabilidade à elevação do nível 2322
médio do mar. 2323
Esse tipo de análise é apresentada na avaliação da vulnerabilidade de florestas de mangue do município 2324
do Rio de Janeiro, realizada por Soares (2008) e posteriormente ampliada para a Região Metropolitana 2325
do Rio de Janeiro (Soares et al., 2011). Essas podem ser consideradas as únicas análises, com 2326
refinamento em escala local, sobre a vulnerabilidade de manguezais brasileiros à elevação do nível 2327
médio do mar. 2328
A principal resposta esperada para os manguezais da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, segundo 2329
Soares et al. (2011) é a acomodação, através de retração em direção à planície costeira, como já 2330
detectada em alguns manguezais estudados nessa região (Soares et al., 2005; Soares, 2009). Todavia, a 2331
manutenção dessas florestas no novo cenário, ainda dependerá da ocupação urbana nas áreas vizinhas. 2332
Assim, com base nos cenários de elevação do nível médio do mar, na resposta dos manguezais a essas 2333
mudanças e na dinâmica de ocupação da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, os diversos 2334
manguezais foram classificados como possuindo baixa, média e alta vulnerabilidade à elevação do 2335
nível médio do mar. 2336
Foram consideradas com baixa vulnerabilidade as florestas de mangue associadas a uma planície 2337
costeira não urbanizada ou com muito baixa urbanização, caracterizando, portanto, uma possível área 2338
para acomodação/retração frente à elevação do nível médio do mar. As florestas classificadas como de 2339
alta vulnerabilidade foram aquelas localizadas em regiões sem área disponível para sua 2340
acomodação/retração, tais como aquelas próximas a montanhas ou associadas a planícies altamente 2341
urbanizadas ou ainda com algum tipo de obstáculo a sua retração em direção ao continente (e.g. 2342
estradas e vias urbanas). Por fim, foram consideradas com média vulnerabilidade aquelas florestas em 2343
áreas associadas a planícies costeiras com tendência de ocupação, onde ainda existe área para sua 2344
acomodação/retração no limite com a planície, mas na qual já se observa uma urbanização das partes 2345
mais internas da planície. 2346
O método de análise realizado por Soares et al. (2011) para a Região Metropolitana do Rio de Janeiro 2347
pode facilmente ser aplicado para outras áreas urbanas do Brasil, nas quais importantes áreas de 2348
manguezais são encontradas. Exemplo é análise realizada por Costa et al. (2010), para a Região 2349
Metropolitana do Recife, a qual pode ser utilizada para uma análise da vulnerabilidade dos manguezais 2350
dessa região frente à elevação do nível médio do mar. Esses autores descrevem a cidade de Recife 2351
como uma das cidades mais vulneráveis ao aumento do nível do mar do litoral brasileiro, devido às 2352
suas características físicas e aos diversos problemas referentes a inundações e erosão costeira. 2353
Segundo Muehe (2010) a costa brasileira de uma maneira geral está sob forte processo erosivo, porém 2354
o mesmo se distribui de forma irregular ao longo da costa. Considerando-se a possibilidade de elevação 2355
do nível médio do mar, esse processo erosivo pode se agravar e o cenário de vulnerabilidade das 2356
florestas de mangue anteriormente apresentado pode ser modificado, sobretudo com o aumento da 2357
vulnerabilidade de algumas áreas de manguezal. Essa possibilidade de aumento da vulnerabilidade de 2358
algumas áreas de manguezal baseia-se na possibilidade de aumento do grau de exposição de áreas 2359
atualmente abrigadas e, portanto propicias à ocorrência de manguezais. Esse cenário também é previsto 2360
67
no modelo conceitual de Soares (2009) – figura4.3.1, através do rompimento de cordões arenosos (ilhas 2361
barreiras) e alteração da exposição e dinâmica dos sistemas estuarinos/lagunares por eles formados e 2362
consequente erosão de áreas anteriormente ocupadas por manguezais. 2363
4.3.2.6 Estratégias de Adaptação 2364
Como contribuição ao manejo destes ecossistemas, faz-se as seguintes sugestões: 2365
a) Medidas efetivas para eliminação de diferentes fontes de estresse que incidem sobre os manguezais 2366
e as marismas devem ser adotadas, de forma a reduzir a vulnerabilidade e aumentar a resiliência 2367
desses sistemas às mudanças climáticas. Nesse processo, é importante distinguir entre as diferentes 2368
fontes de estresse e seus potenciais impactos sobre os manguezais e marismas. Atenção especial 2369
deve ser dada às atividades potencialmente mais prejudiciais, tais como aquelas que venham a 2370
promover a ocupação de áreas adjacentes aos manguezais, impedindo sua migração em direção ao 2371
continente, que alterem a circulação de marés e o aporte de água doce, nutrientes e sedimentos, que 2372
causem a supressão da vegetação, com consequências como a erosão ou a substituição completa do 2373
ecossistema por outro tipo de uso do solo ou que contribuam como fonte de resíduos e poluentes. 2374
Nesse contexto deve-se reconhecer a importância da exploração de recursos associados a esses 2375
ecossistemas, por parte de populações tradicionais que deles dependem; 2376
b) Necessidade de se incorporar nos processos de gestão e planejamento urbano e de licenciamento 2377
ambiental, as variáveis relacionadas às mudanças climáticas, incluindo aspectos associados às 2378
adaptações a tais mudanças, de forma a garantir a conservação dos ecossistemas em geral e 2379
especificamente dos remanescentes de manguezais e de marismas; 2380
c) Incorporar e implementar instrumentos que efetivamente garantam a conservação dos 2381
remanescentes de manguezais frente às mudanças climáticas, através de sua acomodação ao novo 2382
cenário, garantindo a resiliência de tais ecossistemas; 2383
d) Articulação intersetorial e integrada das diferentes políticas setoriais, incorporando a questão de 2384
conservação dos ecossistemas costeiros de forma efetiva, considerando-se os cenários de mudanças 2385
climáticas; 2386
e) Incorporar nos Planos Estaduais e Nacional de Gerenciamento Costeiroas variáveis relacionadas às 2387
mudanças climáticas, incluindo ações relacionadas à conservação e adaptação dos sistemas 2388
naturais, considerando-se ainda as atividades em toda a bacia hidrográfica costeira, que possam 2389
afetar a vulnerabilidade e a resiliência desses ecossistemas frente às mudanças climáticas; 2390
f) Evitar que medidas de adaptação às mudanças climáticas, a serem adotadas por outros setores, 2391
comprometam a capacidade de resistência e a resiliência das florestas de mangue e das marismas 2392
frente a essas mudanças; 2393
g) Incorporar no planejamento da zona costeira, medidas para garantir a disponibilidade de áreas 2394
necessárias à migração de longo prazo de manguezais e marismas, como parte do processo de 2395
acomodação frente à elevação do nível médio do mar; 2396
h) Garantir, através de mecanismos legais, incluindo na revisão do Código Florestal, que tramita no 2397
Congresso Nacional, a conservação de planícies hipersalinas, planícies costeiras e brejos costeiros, 2398
associados a florestas de mangue, como áreas non aedificandi (em itálico), para facilitar o processo 2399
de acomodação das florestas de mangue num cenário de elevação do nível médio do mar e, por 2400
conseguinte, garantir a perpetuação desse ecossistema; 2401
i) Evitar a ocupação de planícies hipersalinas e campos salgados por empreendimentos de 2402
carcinicultura (criação de camarão marinho), tendo em vista serem essas áreas fundamentais para a 2403
acomodação dos manguezais a um cenário de elevação do nível do mar, garantindo dessa forma a 2404
resiliência do sistema; 2405
68
j) Adotar medidas que garantam a resiliência de florestas de mangue e marismas, identificadas como 2406
de baixa vulnerabilidade e que restituam a resiliência das florestas com média e alta 2407
vulnerabilidade; 2408
k) Necessidade de adequação e planejamento de unidades de conservação, considerando-se a 2409
ampliação das áreas protegidas em direção ao continente, para que as mesmas garantam a 2410
acomodação/migração dos manguezais e marismas. Incorporar ainda a visão de gestão integrada, 2411
agregando numa mesma unidade de conservação ou em mosaicos de unidades de conservação, os 2412
sistemas naturais que possuem conexão, garantindo assim a funcionalidade dos mesmos no 2413
contexto da paisagem, e considerando os eventuais usos dos recursos de manguezais e marismas 2414
por populações humanas como fator importante a ser inserido no processo de gestão dessas 2415
unidades de conservação; 2416
l) Controlar a ocupação das áreas de entorno dos manguezais e marismas, sobretudo em áreas onde a 2417
pressão humana ainda é passível de um planejamento adequado; 2418
m) Considerando-se ainda as incertezas de cenários associados às mudanças climáticas, bem como dos 2419
efeitos dessas sobre manguezais e marismas, é fundamental o estabelecimento de programas de 2420
monitoramento de larga escala e de longo prazo e estudos sistemáticos das diferentes questões 2421
envolvidas com as mudanças climáticas e seus efeitos sobre os sistemas costeiros, para que a 2422
gestão desses sistemas, incluindo análise de estratégias de adaptação às mudanças, possam ser 2423
constantemente revistas, aprimoradas e implementadas; 2424
n) Manguezais e marismas estão sujeitos basicamente as mesmas forçantes e coexistem em grande 2425
parte do litoral brasileiro, portanto a vulnerabilidade e capacidade de adaptação desses 2426
ecossistemas está intimamente ligada. Assim, os estudos de monitoramento da resposta desses 2427
sistemas à elevação do nível do mar devem incluir também a avaliação dos processos de interação 2428
entre manguezais e marismas, especialmente no sentido de entender as dinâmicas diferenciadas de 2429
acreção de solo e colonização de novas áreas e o processo de competição entre as plantas, os quais 2430
podem resultar em respostas adaptativas diferentes entre os dois ecossistemas, com possibilidade 2431
de redução da área de marismas em resposta à elevação do nível do mar, nas regiões onde os 2432
ecossistemas coexistem. 2433
4.3.3. Lagunas, Lagoas e Lagos Costeiros 2434
4.3.3.1. Introdução 2435
Ao longo da zona costeira do Brasil, mais precisamente entre os estados do Rio Grande do Sul e do Rio 2436
Grande do Norte, são encontrados diversos sistemas lacustres que apresentam diferentes características 2437
quanto à área, formato, orientação em relação à linha de costa, propriedades hidroquímicas e 2438
produtividade biológica. Embora com a predominância de sistemas rasos, com poucos metros de 2439
profundidade, as áreas das lagoas variam em diversas ordens de magnitudes, compreendendo desde 2440
pequenas lagoas alimentadas pelo lençol freático entre dunas arenosas, com área inferior a 1 hectare, a 2441
alguns milhares de quilômetros quadrados, com destaque para o complexo lacustre do Rio Grande do 2442
Sul (lagoas dos Patos, Mirim e Mangueira com 9.280, 3.520 e 802 km2, respectivamente) (Von 2443
Sperling, 1999). 2444
Ao longo da costa com clima úmido os fluxos hidrológicos aportam consideráveis quantidades de 2445
sedimentos como silte e argila, que em suspensão causam a turbidez da água. Já em climas semiáridos 2446
as águas tendem a apresentar considerável transparência, inclusive alcançando o sedimento. A água 2447
também pode ser turva devido à presença de matéria orgânica dissolvida na forma de ácidos orgânicos 2448
(i.e., húmicos e fúlvicos) (Wetzel, 2001). Em ambos os casos a produtividade biológica tende a ser 2449
69
elevada, seja por meio de macrófitas aquáticas emergentes em lagos túrbidos ou por microalgas 2450
fitoplanctônicas em águas de menor turbidez. 2451
Apesar da grande diversidade fisiográfica, em essência, as lagoas costeiras são bacias lacustres situadas 2452
em planícies costeiras do Período Quaternário recente cujo processo de gênese esteve associado ao 2453
isolamento do mar por uma ilha barreira. Os fatores que controlam e mantém a gênese destes sistemas 2454
são associados à história de elevação e rebaixamento do nível do mar, com a consequente inundação e 2455
dessecamento das planícies, à deriva litorânea e o respectivo transporte de sedimentos de origem 2456
marinha e a variação de maré que regula o transporte de sedimentos em curta escala temporal (Martin e 2457
Dominguez, 1994). As lagoas costeiras associadas às formações deltaicas Quaternárias, como no caso 2458
do Baixo Rio Doce (ES), tiveram ainda sua gênese complementada pelo aporte de sedimento de origem 2459
continental transportado por fluxos fluviais e deposição em um sistema paleolagunar (Martin e 2460
Dominguez, 1994; Martin et al., 1996a, 1996b, 1997). 2461
Apesar de constituírem sistemas lacustres geologicamente recentes, aproximadamente 5.000 anos A.P., 2462
as lagoas costeiras são consideravelmente dinâmicas em relação aos fatores geológicos, hidrológicos, 2463
climáticos e ecológicos (BIRD, 1994). Algumas lagoas sofreram intenso assoreamento, reduzindo 2464
drasticamente sua profundidade enquanto outras tiveram sua superfície e volume reduzido devido a 2465
alterações nos fluxos hidrológicos. O processo de segmentação lacustre é resultante da segmentação de 2466
uma lagoa de formato alongado e paralelo à linha de costa por meio de esporões e cúspides internos 2467
formados peladeposição de sedimentos conforme a hidrodinâmica lacustre é controlada por ventos 2468
predominantes. 2469
A dinâmica lacustre costeira é mais evidente nos sistemas lagunares. As lagunas apresentam conexão 2470
permanente, ou mesmo intermitente, com o oceano e como consequência apresentam gradientes halinos 2471
com a mistura de água doce de origem fluvial ou lençol freático com a água do mar. Sob condições 2472
climáticas onde a evapotranspiração é superior a precipitação e sob reduzido aporte de água doce as 2473
lagunas podem apresentar salinidades superiores as do mar (salinidade > 35 ‰) (BIRD, 1994). Na 2474
laguna hiperalina de Araruama (RJ), por exemplo, a salinidade pode ser de até 56 ‰ (Souza et al., 2475
2003). 2476
Quanto ao padrão de metabolismo lacustre Bozelli et al., (1992) propuseram os padrões dinâmicos ou 2477
intermitentes para as lagoas do Baixo Rio Doce (ES). O padrão dinâmico, representativo das lagoas da 2478
planície aberta, com reduzida profundidade e com exposição ao vento, apresenta estratificação diurna e 2479
circulação noturna (i.e., polimixia), elevada turbidez e ciclagem dinâmica de nutrientes. O padrão 2480
intermitente, representativo das lagoas encaixadas nos vales da Formação Barreiras (Período Terciário) 2481
com profundidades eventualmente superiores a 25m, apresenta estratificação sazonal (i.e., monomíticos 2482
quentes), reduzida turbidez e ciclagem de nutrientes sujeita a pulsos nos períodos de misturas da coluna 2483
d’água. Em termos de vulnerabilidades à eutrofização os sistemas dinâmicos podem ser considerados 2484
mais suscetíveis do que os sistemas intermitentes. 2485
A importância dos ecossistemas lacustres na costa do Brasil remonta a cerca de 5.700 anos A.P. a partir 2486
de atividades de coletor-caçador-pescador do homem primitivo no entorno e nas lagoas (Ybert et al., 2487
2003). Atualmente esta dependência, embora pareça pouco evidente, pode ser considerada como 2488
significativa em se tratando de diversos bens e serviços ambientais que os lagos podem proporcionar à 2489
sociedade, como benefícios não extrativos e suprimento de água e outros bens como peixes 2490
(O'Sullivan, 2005). O complexo lagunar Mundaú-Manguaba (AL), por exemplo, contribui 2491
significativamente para a dimensão socioeconômica e cultural local, particularmente devido à 2492
dependência da comunidade ribeirinha com extrativismo de moluscos e crustáceos (Teixeira e Sá, 2493
1998; ANA, 2006). 2494
70
A complexidade estrutural e funcional das lagoas costeiras tem sido objeto de estudo de diversos 2495
programas e projetos de pesquisa científica. A necessidade de melhorar a compreensão sobre a 2496
dinâmica dos processos geomorfológicos, físicos, químicos, biológicos e ecológicos é essencial para 2497
subsidiar estratégias de gestão destes ecossistemas aquáticos, principalmente em decorrências de 2498
pressões ambientais impostas pelas atividades humanas. O padrão global de intensa ocupação costeira, 2499
com densidades até três vezes superiores a média global (Small e Nicholls, 2003), impõe uma série de 2500
perturbações como aportes de esgotos domésticos, drenagem pluvial, incremento de fluxos de 2501
nutrientes, sedimentos e contaminantes, introdução de espécies exóticas, sobrepesca, redução de 2502
volume de água lacustre por drenagem, entre outros. As pressões ambientais não se restringem ao 2503
entorno mais próximo das lagoas, mas também de modo indireto por atividades desenvolvidas em áreas 2504
mais distantes das bacias hidrográficas lacustres e mesmo em bacias vizinhas que compartilham a 2505
mesma bacia atmosférica. 2506
Nesse contexto os sistemas lagunares e lacustres, em geral, são considerados como integradores dos 2507
processos geológicos, climáticos e ecológicos que ocorrem em determinado local. A interconexão se dá 2508
por meio de fluxos hidrológicos superficiais e subterrâneos (Winter, 2001). A paleolimnologia dedica-2509
se a entender o passado geológico recente (i.e., alguns poucos milhares de anos A.P.) da trajetória de 2510
um lago a partir da investigação da estratigrafia, datação e taxonomia de microfósseis do sedimento 2511
embasando inferências sobre os processos geológicos, climáticos e ecológicos que influenciaram o 2512
sistema lacustre, sua bacia hidrográfica e paisagem (Binford, Deevey & Crisman, 1983). Em face de 2513
inexistência de amplas séries de dados históricos que possibilitem avaliar a dinâmica intra e interanual 2514
dos ecossistemas lacustres a paleolimnologia constitui uma efetiva ferramenta para subsidiar o manejo 2515
destes sistemas (Smol, 1992). 2516
Em face ao cenário de mudanças climáticas globais (MCG) os lagos constituem excelentes indicadores 2517
no âmbito da paisagem. A Conferência sobre Lagos e Reservatórios como Sentinelas, Integradores e 2518
Reguladores da Mudança Climática realizada em setembro de 2008 em Nevada (Ohio, EUA), 2519
promovida por ‘American Geophysical Union - AGU‘, indicou os lagos como ecossistemas ‘sentinelas’ 2520
dos efeitos das mudanças climáticas nas bacias hidrográficas e atmosféricas e paisagem terrestre como 2521
um todo. A característica de funcionar como ecossistema integrador de processos climáticos, 2522
geológicos, ecológicos, possibilitando inclusive o registro das atividades humanas, fazem dos sistemas 2523
lacustres efetivos indicadores para o monitoramentos dos efeitos das MCGs. Além disso, os lagos 2524
possibilitam uma rede de ecossistemas localizados em diferentes regiões geográficas e climáticas, 2525
localizados na porção inferior de bacias hidrográficas o que possibilita o registro nos sedimentos 2526
lacustres de processos relacionados às MCGs e atividades humanas (Adrian et al., 2009; Schindler, 2527
2009; Williamson et al., 2009). 2528
A condição de sistema sentinela para os efeitos das MCGs é bastante representativa para os sistemas 2529
lacustres costeiros considerando os possíveis efeitos de elevação do nível do mar e intrusão halina. 2530
Avaliar alterações na estrutura das comunidades biológicas lacustres nos processos biogeoquímicos 2531
com reflexos sobre a produtividade e conectividade com os ecossistemas aquáticos associados (i.e., 2532
estuários e ambiente marinho) torna-se imprescindível (Brito et al., 2012). No entanto, programas de 2533
pesquisas científicas voltados para avaliação dos efeitos de MCGs são ainda incipientes no âmbito 2534
internacional e, principalmente, nacional. Sem uma base de dados extensiva ao longo dos anos e 2535
baseada em indicadores representativos e modelos ecológicos consistentes, o gerenciamento 2536
sustentável baseado em estratégias adaptativas a serem efetivamente integradas nos sistemas sócio-2537
ambientais das lagoas costeiras torna-se intangível (Terwilliger e Wolflin, 2005). 2538
Nesse contexto, o embasamento do presente texto baseia-as em revisão da literatura relacionada às 2539
lagoas costeiras e lagos naturais como um todo, representando estudos de caso desenvolvidos em todo 2540
71
o mundo, com ênfase na vulnerabilidade e efeitos das MCGs em sistemas launares e lacustres costeiros 2541
tropicais e subtropicais. 2542
4.3.3.2 Potenciais Impactos das MCGs em Lagoas Costeiras 2543
Os efeitos das MCGs vão muito além do aumento médio da temperatura global e os consequentes 2544
aquecimentos das massa d’água e elevação do nível do mar em decorrência do derretimento de geleiras 2545
alpinas e calotas polares e expansão da água do mar. Alterações na composição de gases na atmosfera e 2546
na incidência de radiação ultravioleta, bem como modificações nos regimes de pluviosidade e de 2547
tempestades podem causar efeitos significativos nos ecossistemas lacustres costeiros. 2548
A. Fatores Atmosféricos 2549
O aumento da temperatura média da atmosfera, na faixa de 2 a 3ºC (IPCC, 2007) deve alterar os 2550
padrões de circulação e consequentemente alterar os regimes de ventos locais, tendo como 2551
consequência o aquecimento da água dos sistemas lacustres o que implica em alterações no padrão de 2552
estratificação térmica e mistura da coluna d’água. O aquecimento da coluna d’água poderá resultar no 2553
incremento da temperatura do hipolímnio e consequente redução da concentração de oxigênio 2554
dissolvido, inclusive com possibilidade de ocorrências de condições hipóxicas (< 2,0 mg/L) ou 2555
anóxicas. Períodos de estabilidade térmica mais prolongados agravam a tendência de eventos de 2556
hipoxia/anoxia. Lagos profundos de regiões temperadas têm apresentado tendências de aquecimento do 2557
hipolímnio durante o verão como consequência associada as MCGs (Ambrosetti e Barbantti, 2003). 2558
Embora as lagoas costeiras brasileiras sejam rasas (profundidade média < 5,0 m) e localizadas em 2559
clima tropical e subtropical o aumento da temperatura poderá alterar o regime de ventos quanto a 2560
predominância de direção, intensidade, frequência e sazonalidade. Este fato poderá ter implicações 2561
sobre o padrão de estabilidade térmica das lagoas devido à mudança no aporte de energia para mistura 2562
da coluna d’água. (Nickus et al., 2010). Esteves et al (1988) verificaram que duas lagoas costeiras do 2563
litoral norte do Estado do Rio de Janeiro, mesmo que adjacentes, apresentaram padrões térmicos 2564
diferenciados, uma com tendência a estratificação e outra à mistura, em função da orientação do eixo 2565
da lagoa quanto à exposição ao vento predominante. 2566
Na laguna Thau (França), 70 km2 e profundidade média de 4,0 m, um importante sítio de produção de 2567
ostras (15.000 t/ano), eventos de anoxia ocorrem durante o verão quando as temperaturas da coluna 2568
d’água são mais elevadas e os ventos são de baixa intensidade. O fenômeno denominado regionalmente 2569
como ‘malaïgues’ parece ser comum nas lagunas do Mediterrâneo, sobretudo na Itália e Tunísia. A 2570
depleção do oxigênio na laguna Thau está relacionada a decomposição da matéria orgânica, em 2571
particular detrito de macroalgas, nas áreas de ostreicultura. A partir da análise de uma série histórica 2572
de 33 anos de dados de ocorrência de eventos de anoxia foi identificada uma correlação com oscilações 2573
climáticas, particularmente com a oscilação climática do Atlântico Norte no mês de julho e com a fase 2574
quente da Oscilação Sul-El Niño – OSEN no mês de maio (Harzallah e Chapelle, 2002). 2575
Além das variações de temperatura fatores como umidade relativa, cobertura de nuvens, ventos e 2576
radiação também podem afetar os componentes estruturais e processos funcionais lacustres. A 2577
qualidade e intensidade da radiação solar incidente nos ecossistemas aquáticos é de grande relevância 2578
para sua integridade e dinâmica. A radiação ultravioleta - UV (290 a 400 nm) tem efeitos negativos 2579
sobre as comunidades biológicas aquáticas como cianboactérias, fitoplâncton, macroalgas e macrófitas 2580
aquáticas. Em geral a radiação UV causa danos às células dos organismos e fotoinibição nas taxas 2581
fotossintéticas (Häder et al, 2011). O zooplâncton também tende a ser afetado negativamente, inclusive 2582
com a perda de espécies mais sensíveis e a dominância de poucas espécies mais tolerantes a exposição 2583
72
ao UV. Os efeitos da radiação UV-B (290 a 320 nm) também ocorrem de modo indireto na biota 2584
aquática. Em condições de incidência de radiação UV-B contaminantes como cádmio (Cd) e cobre 2585
(Cu) apresentam efeitos deletérios sinérgicos com microalgas e cianobactérias. 2586
Segundo (Häder et al, 2011) o incremento da incidência de UV nos ecossistemas aquáticos pode estar 2587
relacionado à redução da efetividade da camada de ozônio em reter esta faixa de radiação do espectro 2588
eletromagnético, bem como devido ao aumento da transparência da água, inclusive em decorrência 2589
indireta de MCGs, como alteração nos padrões de ventos, chuva e aportes de matéria orgânica 2590
dissolvida (MOD). A MOD é bastante eficaz em atenuar a radiação UV devido ao processo de 2591
fotodegradação do carbono orgânico dissolvido, produzindo moléculas menores que favorecem o 2592
desenvolvimento do bacterioplâncton. Conforme a MOD vai sendo degradada aumenta a penetração do 2593
UV. 2594
As lagoas costeiras distróficas, ou seja, os ecossistemas lacustres ricos em MOD na forma de ácidos 2595
orgânicos que conferem cor de chá a água, parecem contar com maior proteção contra a radiação UV 2596
devido a sua atenuação na coluna d’água. Por outro lado, a intrusão de água do mar em lagunas 2597
costeiras tende a aumentar a transparência e, portanto, indiretamente favorecer a penetração da radiação 2598
UV podendo reduzir a produção primária em até 25% devido ao efeito de fotoinibição (Conde et al., 2599
2002). 2600
B. Fatores Hidrológicos 2601
Além do aumento do nível do mar, as projeções das MCGs para os próximos 30 anos mostram 2602
anomalias na distribuição de precipitação na zona costeira brasileira, indicando que pode haver tanto 2603
variações desde níveis muito baixos para um aumento expressivo na precipitação, quanto até mesmo 2604
um déficit dos níveis de precipitação (Nobre et al., 2007). O cenário de intensificação de precipitações 2605
acarreta em incrementos dos aportes superficiais e subterrâneos de nutrientes para os sistemas lacustres, 2606
influenciando assim a produtividade destes ecossistemas (Paerl e Huisman, 2008; Schindler, 2009). 2607
Moreira-Turq (2000) avaliou o efeito da redução da salinidade da lagoa de Araruama (RJ), uma laguna 2608
com 210 km2 e profundidade média de 3,0 m, devido à variação na pluviosidade. No ano hidrológico 2609
de 1989-1990 a salinidade média da lagoa diminui de 52 para 41‰ promovendo uma mudança do 2610
metabolismo trófico oligotrófico e bentônico para eutrófico e pelágico. Com a redução da salinidade a 2611
comunidade fitoplanctônica foi favorecida em função do incremento da concentração de nutrientes 2612
oriundos da remineralização de material orgânico do sedimento. 2613
As mudanças também afetam as taxas de evaporação, porém de modo diferenciado. Os lagos são duas a 2614
quatro vezes mais sensíveis às mudanças na precipitação do que alterações na evaporação (Bruce, 2615
1997). Estes efeitos têm implicações no volume de água na bacia lacustre, restringindo assim a 2616
capacidade de captação para usos humanos. Em regiões de clima úmido a redução de 25% na 2617
precipitação demanda um incremento de 400% no armazenamento de água para uma captação 2618
sustentável (Bruce, 1997). 2619
Embora, de um modo geral, as variações na precipitação não sejam significativas, se realizadas afetarão 2620
negativamente as regiões que já experimentam déficit hídrico como o Nordeste semiárido (Muehe, 2621
2010). Os impactos que estas mudanças podem causar nos ecossistemas costeiros brasileiros já são 2622
observados. Recentemente, eventos climáticos extremos têm afetado os ecossistemas e cidades 2623
costeiras do Brasil expressando-se através do avanço acelerado do mar para o continente (Muehe, 2624
2006) e por inundações de grandes proporções. Em junho de 2010 chuvas intensas e o rompimento de 2625
barragens fluviais na bacia da Lagoa Mundaú (AL) causaram perdas de vidas humanas, milhares de 2626
desabrigados, e destruição de propriedades particulares e infraestrutura pública. 2627
73
Os efeitos das MCGs nos ecossistemas lacustres constituem apenas um dos fatores sobre a dinâmica 2628
destes ecossistemas. É necessário ressaltar que estes efeitos têm sinergismo com efeitos das mudanças 2629
impostas por atividades humanas. Desmatamento, represamento de rios, obras hidráulicas, construção 2630
de estradas, pavimentação da superfície, mineração, agricultura e pecuária são atividades que 2631
influenciam os fluxos hidrológicos de água, sedimentos, nutrientes e contaminantes para os lagos. Em 2632
um cenário de redução da frequência e intensificação de eventos de pluviosidade é previsível o 2633
incremento das cargas de sedimentos para os sistemas lacustres. Cabe ressaltar, porém, que os fatores 2634
controladores da erosão e assoreamento dos ecossistemas aquáticos são a vegetação e as boas práticas 2635
agrícolas do uso do solo na bacia de drenagem e de construção civil e infraestrutura. Assim, é 2636
imperativo que os potenciais efeitos das MCGs devem ser levados em consideração no contexto de 2637
outras mudanças impostas por atividades humanas em nível das bacias hidrográficas e paisagens nas 2638
quais as lagoas costeiras estão inseridas (Bruce, 1997). 2639
C. Componentes estruturais e processos funcionais de lagoas costeiras 2640
Sem considerar os efeitos da elevação do nível do mar, os efeitos do aumento global da temperatura e 2641
das alterações no ciclo hidrológico local, já se refletem em impactos que afetam negativamente as 2642
lagoas costeiras quanto à perda da biodiversidade (dominância de espécies tolerantes às condições 2643
presentes) afetando toda a rede trófica e refletindo: (i) na qualidade da água (em uso para 2644
abastecimento); (ii) na qualidade e quantidade do pescado como fonte de alimento; (iii) na perda das 2645
qualidades cênicas e (iv) nas suas funções ecológicas.. Numa perspectiva da ecologia de sistemas os 2646
efeitos das MCGs nas lagoas costeiras podem ser considerados nos componentes estruturais e 2647
processos funcionais. Componentes estruturais são aqueles relacionados aos aspectos físicos (e.g., 2648
hidrosfera, temperatura e luz), químicos (e.g., matéria orgânica e nutrientes inorgânicos dissolvidos) e 2649
biológicos (e.g., comunidade biótica), enquanto que os aspectos funcionais se referem aos processos 2650
ecológicos (e.g., produtividade primária e secundária, decomposição da matéria orgânica, ciclagem de 2651
nutrientes, relações tróficas e sucessão ecológica). 2652
O efeito do aquecimento da água sobre o ecossistema da lagoa da Mangueira (RS), sistema lacustre 2653
subtropical costeiro e raso (área de 820 km2 e profundidade média de 2,6 m) com estado trófico entre 2654
oligotrófico e mesotrófico, considerado a partir da modelagem integrada de fatores hidrodinâmicos, 2655
qualidade da água e processos biológicos, resulta no aumento da transparência da água. O incremento 2656
da transparências e dá pelo controle dos nutrientes devido à extensão do período de crescimento de 2657
macrófitas aquáticas submersas (Fragoso Jr. et al., 2011). Como recomendação, os autores indicam a 2658
manutenção do nível da lagoa durante o período de estiagem e restrições a captação de água para 2659
irrigação. 2660
Variações hidrológicas como vazão dos córregos tributários e nível lacustre, em função de alterações 2661
no regime de pluviosidade, também têm reflexos sobre a concentração de nutrientes e sais dissolvidos, 2662
transparência da coluna d’água e comunidade biótica. Variações no nível d’água dos lagos estão 2663
relacionadas aos controles hidrológicos, condições do substrato, topografia das margens e 2664
estabelecimento da vegetação. O desenvolvimento da vegetação litorânea lacustre é de grande 2665
importância para estes sistemas, sobretudo para os sistemas com baixa profundidade média, devido às 2666
interações das regiões litorâneas e pelágicas. Redução da riqueza de espécies, incremento e dominância 2667
de espécies invasoras, substituição de comunidades de macrófitas por fitoplâncton, e perda geral da 2668
biodiversidade são alguns dos efeitos biológicos associados (Abrahams, 2008). Os efeitos ecológicos 2669
biológicos se referem a potencial perda das regiões litorâneas, geralmente associadas a áreas 2670
alagáveis/inundáveis que exercem o potencial de retentor de nutrientes e sedimentos e, 2671
consequentemente, com elevada produtividade biológica (Jørgensen e Löffler, 1995). 2672
74
Geralmente lagos com altas concentrações de fósforo e baixas concentrações de carbono orgânico 2673
dissolvido (COD) tendem a ser autotróficos, isto é tendem a absorver dióxido de carbono (CO2) da 2674
atmosfera, enquanto que lagos com baixas concentrações de fósforo (P) e altas concentrações de COD 2675
tendem a ser heterotróficos, isto é, tendem a emitir CO2 para a atmosfera (Cole e Pace, 2000). Um dos 2676
efeitos do aumento da salinidade em ecossistemas aquáticos está relacionado com a troca gasosa com a 2677
atmosfera (Hoover e Berkshire 1969; Wanninkhof e Knox 1996), uma vez que lagos salinos possuem 2678
valores de pH mais alto e, portanto, a maior parte do carbono inorgânico dissolvido (CID) está na 2679
forma de bicarbonato (HCO3-) e carbonato (CO3
2-), reduzindo, assim,a emissão de CO2. 2680
Na Lagoa Carapebus (RJ) nas áreas influenciadas por efluentes domésticos e, portanto com altas 2681
concentrações de fósforo total (PT) e nitrogênio total (NT), as emissões de CO2 são menores do que na 2682
área com menor influência dos efluentes. O enriquecimento com nutrientes, em geral, estimula a 2683
produtividade primária no lago como incremento de biomassa dofitoplâncton, sobretudo cianobactérias, 2684
favorecendo um estado menos heterotrófico seguido de menor emissão de CO2. Em contrapartida foi 2685
constatado que a pressão parcial e a emissão de CO2 aumentam consideravelmente conforme a 2686
intensidade da precipitação pluvial (Marotta et al, 2010). 2687
Por outro lado em condições hipereutróficas pode ocorrer anoxia no fundo da coluna d’água, ou mesmo 2688
em todo volume d’água, causando extensivas mortandades de peixes devido ao predomínio de 2689
condições heterotróficas. A laguna Rodrigo de Freitas (RJ) apresenta alternância de metabolismo 2690
autotrófico/heterotrófico com condições de supersaturação de oxigênio dissolvido (> 100% de 2691
saturação) na superfície e hipoxia/anoxia no fundo (Souza et al, 2011). Eventualmente, em função da 2692
incidência de fortes ventos e orestrito aporte de água do mar pelo assoreamento do canal de conexão 2693
com o oceano, há forte depleção de oxigênio causando extensiva mortandade de peixes estuarinos. A 2694
ocorrência de condições heterotróficas pode ser constatada pelas elevadas concentrações de bactéria 2695
heterotróficas associadas ao alto conteúdo de matéria orgânica na água e sedimentos resultantes de 2696
aportes de esgotos domésticos (Gonzales, Paranhos e Lutterbach, 2006). O metabolismo anóxico 2697
promove fluxos de carbono reduzido como o gás metano (CH4), importante gás relacionado ao 2698
processo de aquecimento global, a partir da decomposição anaeróbia por bactérias heterotróficas 2699
(Conrad et al., 2011). A importância dos ecossistemas aquáticos continentais no ciclo do carbono e a 2700
relação com o clima têm sido reconhecidas recentemente, inclusive pela emissão de CH4lacustre ser 2701
superior àoceânica (Tranvik et al., 2009). 2702
Jeppesen et al (2010b) ressaltaram que o incremento do processo de respiração da matéria orgânica e os 2703
consequentes fluxo de CO2, óxido nítrico (NO2) e CH4 estão associados ao processo de eutrofização 2704
dos ecossistemas aquáticos continentais. Considerando o cenário de necessidade de incrementar a 2705
produção de alimento e biocombustíveis e o consequente incremento de fluxos de nutrientes para os 2706
ecossistemas aquáticos, têm-se como efeito o agravamento dos processos de eutrofização dos 2707
ecossistemas aquáticos receptores. 2708
Os efeitos das MCGs não se restringem aos aspectos estruturais geoquímicos dos lagos, mas também 2709
quanto a alterações na estrutura das comunidades aquáticas, em particular quanto ao fitoplâncton. O 2710
aquecimento da água, incremento dos períodos de estratificação e estabilidade térmica e aumento da 2711
carga interna de nutrientes podem favorecer florações de cianobactérias (Paerl, 2008; Paerl e Huisman, 2712
2008; Wagner e Adrian, 2008). Estes fatores favorecem as taxas de crescimento, dominância, 2713
persistência e distribuição geográfica das cianobactérias, consideradas nocivas pelos efeitos negativos 2714
das florações (e.g., depleção de oxigênio com o decaimento da floração) e produção de cianotoxinas 2715
com potenciais efeitos hepáticos e neurotóxicos (CODD, 2000). 2716
75
As florações de cianobactérias nocivas (CyanoHABs) se desenvolvem com a estabilidade térmica da 2717
coluna d’água o que favorece a flutuabilidade de florações de superfície formando ‘natas’ ou espumas, 2718
sombreando a coluna d’água. O aumento da temperatura reduz a viscosidade da água favorecendo a 2719
migração vertical de espécies de cianobactérias. Segundo Paerl (2008) A migração em direção a 2720
superfície otimiza a produção fotossintética enquanto a migração para o fundo otimiza a absorção de 2721
nutrientes. Kosten et al., (2011) demostraram em um estudo comparando 147 lagos da Europa e 2722
América do Sul, incluindo lagoas costeiras, que o aquecimento dos lagos indiretamente induz o efeito 2723
de sombreamento devido ao elevado biovolume nas florações de cianobactérias. 2724
No Brasil, extensivas florações crônicas de cianobactérias têm sido registradas em lagoas costeiras, 2725
principalmente durante o verão. Na lagoa de Jacarepaguá (RJ), uma laguna hipereutrófica com 3,7 km2 2726
e 3,3 m de profundidade média, florações apresentam concentrações extremamente elevadas de 2727
clorofila a (máximo de 9.770 µg/L) e tendo como consequência reduzida transparência da água (entre 2728
10 e 50cm). Gomes et al., (2009) também constataram níveis elevados de microcistina, uma 2729
cianotoxina, de forte efeito hepático nos tecidos peixes da lagoa, o que resultou na restrição de pesca e 2730
comercialização de pescado do complexo lagunar de Jacarepaguá pela Secretaria Estadual de Meio 2731
Ambiente no ano de 2007. 2732
A Lagoa do Patos, sistema lagunar com 10.227 km2 e profundidade média de 5m (Zanotta, Gonçalves e 2733
Ducati, 2009), tem um histórico de florações de cianobactérias, principalmente Microcystis, 2734
cianobactéria de células cocóides e formadoras de colônias com grande capacidade de flutuabilidade, 2735
produtoras de microcistinas e associadas à temperaturas acima de 20 ºC, baixas relações entre 2736
nitrogênio e fósforo (TN:TP < 16:1) e período de cheia na lagoa. As florações sofrem estresse halino 2737
em águas salobras na porção estuarina da laguna liberando toxinas para o meio extracelular gerando, 2738
assim potenciais riscos relacionados ao consumo de pescado na laguna e balneabilidade na Praia do 2739
Cassino em Rio Grande (RS) (Yunes, 2000 e 2009). 2740
O problema da tolerância de Microcystis a flutuações temporais de salinidade (15 a 20 ‰) viabilizando 2741
a sobrevivência desta cianobactéria em águas salobras pode expandir as florações em ambientes 2742
estuarinos. Paerl (2009) ressalta que cianobactérias tolerantes à salinidade têm sido responsáveis por 2743
florações em águas salobras em diversas regiões do mundo como Mar Báltico (Europa), Mar Cáspio 2744
(Ásia), estuário do rio Swan (Austrália), Baía de San Franciso (Califórnia, EUA) e lago Ponchartrain 2745
(Lousiana, EUA). Em face do potencial de intrusão halina pela elevação do nível do mar o problema 2746
das cianobactéria constitui um significativo risco para estrutura o funcionamento e os usos dos 2747
ecossistemas lacustres costeiros. 2748
O aumento da abundância de microalgas, incluindo as florações de cianobactérias, aumenta a turbidez 2749
na coluna d’água de lagoas costeiras rasas e suprime o crescimento de macrófitas aquáticas, afetando 2750
negativamente o habitat subaquático de muitos invertebrados e peixes planctívoros (Kosten et al., 2009; 2751
2010). Além disso, densas florações de cianobactérias provocam a depleção noturna de oxigênio, o que 2752
pode resultar em mortandades de peixes e aumentar a concentração de nutrientes oriundos do 2753
sedimento. Florações de cianobactérias também podem causar distintos problemas de odor pela 2754
produção de geosmina e outros produtos químicos (Izaguirre e Taylor, 2004; Uwins et al., 2007). 2755
O controle das florações tem sido associado à redução das cargas de nutrientes, principalmente de 2756
fósforo, para os ecossistemas lacustres. A partir da análise de modelagens, séries históricas e estudos 2757
experimentais, conclui-se que os fluxos de nutrientes constituem indutores primários no 2758
desenvolvimento das florações de cianobactérias, enquanto o incremento da temperatura e a 2759
estabilidade térmica parecem ser fatores secundários (Brookes e Carey, 2011; Kosten et al., 2011). A 2760
redução de fluxos de nutrientes, inclusive de nitrogênio, a partir do controle do uso do solo nas bacias 2761
76
hidrográficas é não somente imprescindível (Paerls, 2004, 2008 e 2009; Kosten et al., 2009, 2011; 2762
Brookes e Carey, 2011), mas também muito mais exequível na escala regional e ao longo das décadas, 2763
do que o aquecimento global que irá se estender até o ano 2100, mesmo que mantidos os níveis de 2764
gases do efeito estufa do ano 2000 (Brookes e Carey, 2011). 2765
O potencial invasivo das cianobactérias é outra dimensão do problema, como, por exemplo, 2766
Cylindrospermopsisraciborskii, espécie com potencial de fixação de nitrogênio molecular (N2) e 2767
produção de cianotoxina (Paerl, 2009), cilindrospermopsina, anatoxina-a e saxitoxina. C. raciborskii é 2768
considerada uma cianobactéria com alto potencial invasivo e formador de florações em condições 2769
eutrófica e com grande capacidade dispersiva em amplas regiões geográficas e sob condições 2770
climáticas e físico-químicas distintas (Amand, 2002). 2771
De acordo com Bierwagen, Tgomas e Kane (2008) a proliferação de espécies invasoras ou espécies não 2772
nativas podem ser favorecida pelas MCGs seja pela mudança nos padrões de introdução, influência nos 2773
mecanismos de colonização, dispersão/distribuição, ou seja, na alteração na resiliência dos habitats 2774
para as espécies invasoras. Segundo estes autores, o controle e a prevenção de espécies invasoras 2775
requer o planejamento adaptativo envolvendo programas de monitoramento, regulamentação de uso de 2776
ecossistemas aquáticos e abordagens multidisciplinares. 2777
Alterações significativas na estrutura e no funcionamento das lagoas costeiras impõem limitações na 2778
capacidade de resiliência destes ecossistemas. A resiliência é a capacidade de retorno à dinâmica 2779
ecológica anterior à perturbação, sejam estas de origem natural ou antrópica, e levando-se em 2780
consideração as características da perturbação quanto à frequência, temporalidade, duração, intensidade 2781
e reversibilidade (Leslie e Kinzing, 2009). Perturbações estocásticas ou mesmo crônicas podem levar a 2782
uma mudança de fase no ecossistema, geralmente associadas à menor biodiversidade, estabilidade e a 2783
perdas de bens e serviços ambientais. Os efeitos das MCGs através do aquecimento da água, incidência 2784
de radiação ultravioleta, mudanças nos fluxos hidrológicos de água, sedimentos, matéria orgânica e 2785
nutrientes, nível e volume lacustre e conectividade com o ambiente marinho podem levar os sistemas 2786
lacustres costeiros a significativas mudanças de fase. O problema da abertura artificial de barras de 2787
lagoas costeiras serve para ilustrar as mudanças de fase e a limitação para resiliência associada ao 2788
incremento da salinidade pela intrusão de água do mar. 2789
A comunidade zooplanctônica na lagoa Imboacica (RJ), área de 3,26 km2 e profundidade máxima de 2790
2,0m, apresenta resiliência diferenciada dependendo das condições prévias da abertura artificial da 2791
barra da lagoa. Abertura das barras lacustres (i.e., cordão arenoso) implica em aumento da salinidade, 2792
mudanças na comunidade biótica aquática, redução do estado trófico lacustre e exportação de matéria 2793
orgânica e nutrientes para o oceano. Kozlowsky-Suzuk e Bozelli (2004) verificaram que a 2794
recomposição da comunidade zooplanctônica lacustre da fase salobra/salina, com baixa biodiversidade 2795
e biomassa dominada por copépodes e larvas meroplanctônicas pode apresentar alta resiliência levando 2796
dois meses. Em comparação a comunidade mais biodiversa, com maior biomassa, dominada por 2797
copépodes em águas oligohalinas (< 2,0 ‰) e eutróficas apresenta baixa resiliência, podendo levar até 2798
dois anos para recuperação após um evento de abertura artificial (Santangelo et al., 2007). 2799
Santos e Esteves (2004) constataram o decaimento de bancos da macrófita aquática 2800
Eleocharisinterstincta em função da redução do nível da Lagoa Cabiúnas (RJ), laguna com área de 2801
0,35 km2 e profundidade máxima de 3,5m, durante o período de estiagem no final do inverno. O 2802
decaimento dos bancos também é associado à abertura artificial da barra da lagoa após período de 2803
chuvas intensas. Nessas ocasiões um intenso fluxo de fitodetritos das macrófitas é exportado para o 2804
ambiente marinho adjacente, implicando na exportação de nutrientes. Em ambos os casos as 2805
77
populações de E. interstincta parecem ser bastante resilientes a abertura da barra lacustre, respondendo 2806
em curto prazo (cerca de 30 dias) para recuperação da biomassa. 2807
A resiliência para controle das florações de cianobactérias está relacionada ao controle dos aportes de 2808
nutrientes para os sistemas lacustres (Brookes e Carey, 2011), porém os efeitos parecem se manifestar 2809
em médio prazo em decorrência da carga interna de nutrientes. 2810
4.3.3.3. Ações estratégicas de Adaptação às mudanças climáticas 2811
Nas agendas internacional e nacional relacionadas à sustentabilidade dos recursos hídricos podem ser 2812
destacados os seguintes aspectos: melhoria do entendimento científico sobre ecossistemas aquáticos; 2813
desenvolvimento de estratégias para proteção dos ecossistemas; aprimoramento dos sistemas de 2814
gerenciamento de recursos hídricos; e por fim, a promoção desenvolvimento integrado dos recursos 2815
hídricos. O foco nos ecossistemas aquáticos é nos rios, lagos, represas e lagoas de água doce. As lagoas 2816
com águas salobras, assim como os estuários têm sido consideradas em segundo plano devido ao não 2817
reconhecimento das águas salobras como recursos hídricos. Apesar disso, as lagoas costeiras 2818
funcionam como ecossistemas chave na paisagem costeira devido às importantes funções ecológicas no 2819
gradiente terra-rio-planície costeira-plataforma continental. Além dos aspectos relacionados à 2820
biogeoquímica e à biodiversidade as lagoas costeiras contribuem efetivamente com uma série de bens e 2821
serviços ambientais de modo direto e indireto para economia local/regional e bem estar das populações 2822
do entorno (Kenissh e Parel, 2010). Assim, mesmo não sendo objeto de gestão de recursos hídricos 2823
pela eventual salinidade da água, os sistemas lacustres costeiros precisam ser conservados, sendo que 2824
para isso os efeitos socioambientais negativos advindos das atividades humanas e naturais, como as 2825
MCGs precisam ser avaliados. 2826
A necessidade de levar em consideração os serviços dos ecossistemas lacustres costeiros e implementar 2827
a abordagem ecossistêmica pode implicar em considerável complexidade e incertezas no processo de 2828
planejamento e tomada de decisão. As incertezas são inerentes ao desenvolvimento do conhecimento e, 2829
como consequência o resultado de uma dada política ou ação de gestão (i.e., gerenciamento de recursos 2830
hídricos na zona costeira em face às MCGs) não pode ser previsto com confiança (Linstead et al., 2831
2010). Em via de regra, quanto mais pobre for o conhecimento maior será a incerteza nas predições. A 2832
incerteza está relacionada ao conhecimento inadequado ou como reflexo da inerente variabilidade dos 2833
sistemas socioambientais. Tendo em vista que a compreensão científica sobre a estrutura e 2834
funcionamento dos ecossistemas aquáticos, sob as atuais condições climáticas, é bastante avançada o 2835
entendimento sobre os principais indutores de efeitos diretos das MCGs nos ecossistemas (e.g., 2836
temperatura, hidrologia, nutrientes e substâncias tóxicas) é relativamente incerto. Por outro lado, os 2837
efeitos de indutores indiretos (e.g., práticas agrícolas, uso do solo, águas subterrâneas e outras 2838
dimensões socioeconômicas) são bem menos compreendidos (Linstead et al., 2010). 2839
Nesse contexto, o desenvolvimento de programas de monitoramento conciso e integrado da bacia 2840
hidrográfica e lagos que proporcionem sinais prévios de importantes efeitos de MCGs nos lagos e suas 2841
bacias (Schindler, 2009). Essa proposta se justifica devido à capacidade dos sistemas lacustres em 2842
refletir de modo integrador os processos climáticos, hidrológicos e antrópicos que afetam os sistemas 2843
lacustres e suas bacias hidrográficas ao longo de diversas configurações climáticas e geográficas, 2844
podem ser considerados como potenciais indicadores ou sentinelas das MCGs (Adrian et al., 2009; 2845
Schindler, 2009; Tranvik et al., 2009; Williamson, 2009). Um exemplo nesse sentido é o Programa de 2846
Rede Global de Observatório Ecológico de Lagos (Global Lake EcologicalObservatory Network – 2847
GLEON, www.gleon.org) que visa avaliar os efeitos das MCGs a partir de indicadores relacionados ao 2848
metabolismo lacustre, sendo este a principal variável de estado alterada como resposta às MCGs. O 2849
78
Programa GLEON tem como ênfase os lagos temperados, ficando restrita a capacidade de avaliação 2850
dos efeitos das MCGs sobre os sistemas tropicais, sobretudo na zona costeira. 2851
Conforme foi ressaltado na introdução, programas de pesquisas científica voltados para avaliação dos 2852
efeitos de MCG são ainda incipientes no âmbito internacional e, principalmente, nacional. Sem uma 2853
base de dados extensiva ao longo dos anos e baseada em indicadores representativos e modelos 2854
ecológicos consistentes, o gerenciamento sustentável baseado em estratégias adaptativas a serem 2855
efetivamente integradas nos sistemas sócio-ambientais das lagoas costeiras torna-se intangível 2856
(Terwilliger e Wolflin, 2005). Entretanto, Williamson et al (2009) ressaltam que não é imprescindível 2857
desenvolver uma série histórica consistente para então, ser possível avaliar os sinais das MCGs. 2858
Eventos climáticos extremos e episódicos como Oscilações Sul-El Niño e La Ninã – OSEN poderiam 2859
ser usados como estratégia para avaliar mudanças acentuadas sobre a estrutura e o funcionamento dos 2860
ecossistemas aquáticos e inferir sobre sua capacidade de resiliência. Williamson ET AL., (2009) 2861
destacam ainda a dificuldade em distinguir os efeitos de mudanças impostas por atividades humanas 2862
como eutrofização e acidificação que podem superestimar os efeitos das MCGs. 2863
No Brasil, O Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração - PELD do Conselho Nacional de 2864
Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, conta com uma rede de onze ecossistemas, sendo 2865
três lacustres costeiros (Lagoas costeiras do Norte Fluminenses - RJ, Lagoa do Patos e Banhado do 2866
Taím – RS) poderia dar ênfase na linha de pesquisa “padrões de frequência de perturbações naturais e 2867
impactos antrópicos” com destaque para efeitos das MCGs. Os sítios costeiros do PELD poderiam 2868
formar a base de uma rede de avaliação de lagos costeiros brasileiros quanto aos efeitos das MCGs. 2869
Esta rede seria complementada ainda pela inclusão de lagoas nos estados de Santa Catarina, Espírito 2870
Santo, Bahia, Alagoas. Rio Grande do Norte e Ceará, abrangendo assim diferentes latitudes e condições 2871
fisiográficas e climáticas. 2872
4.3.4. Plataforma Continental e Praias 2873
4.3.4.1 Introdução 2874
Consideradas como um dos principais atrativos turísticos no Brasil, as praias correspondem a uma área 2875
de aproximadamente 82.800 hectares, sendo que apenas 2,7% estão inseridas em territórios protegidos 2876
por Unidades de Conservação de proteção integral. No caso de Unidades de Conservação de uso 2877
sustentável, este percentual sobre para 21,5%, totalizando algo em torno de 24% (MMA, 2010). 2878
Segundo a Lei n.° 7.661/88, entende-se por praia a área coberta e descoberta periodicamente pelas 2879
águas, acrescida da faixa subsequente de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e 2880
pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece outro 2881
ecossistema. 2882
Por comporem a unidade fisiográfica limite entre o continente e o oceano, as praias constituem-se em 2883
porções do território com grande aptidão a sentirem os efeitos de mudanças climáticas. Agrega-se a isto 2884
o fato de que a faixa litorânea, quando não rochosa, é sujeita a variações espaciais em curto espaço de 2885
tempo, uma vez tratarem-se de ambientes dinâmicos influenciados diretamente por ondas e correntes 2886
marinhas. Essa dinâmica está associada, também, a processos antrópicos que potencializam os efeitos 2887
da erosão, conferindo à orla peculiaridades que requerem esforços permanentes para manutenção de 2888
seu equilíbrio dinâmico. 2889
Nesta ótica, torna-se fundamental o dimensionar o que representam as variações espaciais no âmbito do 2890
planejamento ambiental e territorial, bem como determinar os efeitos das alterações climáticas globais 2891
79
na orla. Muitos países têm adotado faixas de proteção ou restrição de usos desses ambientes visando à 2892
manutenção das características paisagísticas e a redução de perdas materiais em decorrência da erosão 2893
costeira. 2894
Soma-se a isso, as questões referentes a segurança para moradia e para as demais as estruturas 2895
existentes na orla, com consequencias graves para os setores imobiliário, turismo e de infra – estrutura, 2896
além da perda de biodiversidade ligada a alteração dos ecossistemas costeiros. 2897
4.3.4.2 A orla marítima 2898
A delimitação da zona costeira no Brasil baseia-se em critérios políticos e administrativos. A porção 2899
terrestre é delimitada pelos limites políticos dos municípios litorâneos e contíguos conforme os Planos 2900
Estaduais de Gerenciamento Costeiro, enquanto a porção marinha é delimitada pela extensão do Mar 2901
Territorial (12mn ou 22,2km da linha de base). 2902
Em termos legais, a partir de 2004 institui-se um novo espaço de gestão territorial: a Orla Marítima, 2903
que foi definida no Artigo 22 do Decreto 5.300 como a faixa contida na zona costeira, de largura 2904
variável, compreendendo uma porção marítima e outra terrestre, caracterizada pela interface entre a 2905
terra e o mar. 2906
Já o Artigo 23 do mesmo Decreto define os critérios para delimitação da orla marítima, sendo eles: I –2907
limite marítimo: isóbata de dez metros, profundidade na qual a ação das ondas passa a sofrer influência 2908
da variabilidade topográfica do fundo marinho, promovendo o transporte de sedimentos; II –limite 2909
terrestre: cinquenta metros em áreas urbanizadas ou duzentos metros em áreas não urbanizadas, 2910
demarcados na direção do continente a partir da linha de preamar ou do limite final de ecossistemas, 2911
tais como as caracterizadas por feições de praias, dunas, áreas de escarpas, falésias, costões rochosos, 2912
restingas, manguezais, marismas, lagunas, estuários, canais ou braços de mar, quando existentes, onde 2913
estão situados os terrenos de marinha e seus acrescidos. 2914
Tal definição cria um espaço de gestão territorial dotado de especificidades e características que lhe 2915
inferem uma especial relação com os efeitos das mudanças climáticas, uma vez que agrega três fatores 2916
determinantes: zona de contato entre os oceanos e os continentes, alta mobilidade geomorfológica e 2917
suscetibilidade ambiental e grande pressão antrópica, uma vez tratar-se de uma região muito 2918
valorizada. 2919
Dentre as ações governamentais incidentes nesse espaço do território nacional, destaca-se o Projeto 2920
ORLA; ação sistemática de planejamento da ação local coordenada pelo Ministério do Meio Ambiente 2921
(MMA) e Secretaria de Patrimônio da União (SPU), visando a gestão compartilhada, incorporando 2922
normas ambientais e urbana na política de regulamentação dos usos dos terrenos e acrescidos de 2923
marinha, como um processo mais inclusivo de alocação de recursos e tomada de decisões. Suas linhas 2924
de ação estão embasadas em métodos que exploram fundamentos de avaliação paisagística, a dinâmica 2925
geomorfológica e de uso e ocupação do litoral, para pensar cenários com rebatimentos na aplicação dos 2926
instrumentos de ordenamento do uso do solo para gestão da orla. 2927
Tais características conferem ao Projeto ORLA o espaço político e institucional para o trato das 2928
questões envolvendo uma das principais linhas de ação em mudanças climáticas: adaptação. Dentre as 2929
principais ações de adaptação, destacam-se aquelas relacionadas com elevação do nível do mar e, 2930
principalmente, erosão costeira, fenômeno este que tem obrigado governos a tomarem medidas como a 2931
remoção de comunidades inteiras. Um exemplo é o caso da Vila do Cabeço (Sergipe), que em função 2932
de altas taxas de retração da linha de costa junto à desembocadura do Rio São Francisco foi realocada 2933
alguns quilômetros para o interior do continente. 2934
80
O fenômeno da erosão costeira é o assunto do próximo tópico, onde serão abordadas as evidências, 2935
causas e relações com as mudanças climáticas ao longo da orla brasileira. 2936
4.3.4.3 Erosão Costeira 2937
4.3.4.3.1 Evidências, causas e monitoramento. 2938
O litoral brasileiro caracteriza-se por possuir grande diversidade de ambientes costeiros que se 2939
desenvolveram ao longo do Quaternário, sendo caracterizados por depósitos de areias marinhas, na 2940
forma de cordões litorâneos, pontais e planícies de cristas de praia. Também ocorrem segmentos 2941
representados por terraços lamosos ocupados por manguezais e falésias em sedimentos consolidados, 2942
precedidas por praias muito estreitas ou muitas vezes ausentes (Muehe, 2006). As principais forçantes 2943
que condicionam a zona costeira são as interações entre ondas e marés e o aporte sedimentar. 2944
As modificações na posição da linha de costa decorrem em grande parte da falta de sedimentos, 2945
provocado pelo esgotamento da fonte, principalmente a plataforma continental. O processo se dá pela 2946
transferência de sedimentos para campos de dunas ou por efeitos decorrentes de intervenção do 2947
homem, principalmente a construção de barragens ou obras que provocam a retenção do fluxo de 2948
sedimentos ao longo da costa. 2949
A estabilidade da linha de costa também é influenciada diretamente por alterações nos padrões do 2950
clima de ondas ou da altura do nível relativo do mar. Nos últimos 11.000 anos esta variação do nível do 2951
mar foi de aproximadamente 100 m, resultando numa migração da linha de costa, a uma taxa de 7 a 14 2952
m/ano, correspondente a largura da atual plataforma continental (Muehe, 2006). 2953
Pode-se afirmar que, de uma forma geral, trechos do litoral em erosão predominam em relação aos 2954
trechos em processo de progradação, com maior erosão nas praias, seguido pelas falésias e pelos 2955
estuários (El Robrini et AL, 2006, Souza-Filho e Paradella, 2003, Krause e Soares, 2004, Vital et al., 2956
2006, Bittencourt et al., 2006, Neves et al., 2006, Neves &Muehe, 1995; Manso et al., 2006, 2957
Dominguez et al., 2006, Muehe& Neves, 2008, Klein et al., 2006, Horn, 2006, Angulo et al., 2006, 2958
Toldo et al., 2006, Calliari et al, 1998, Speranski& Calliari, 2006.). 2959
Dentre as causas da erosão aponta-se o fator antrópico como relevante variável, principalmente no que 2960
diz respeito à intervenção do homem nos processos costeiros e na urbanização dos espaços litorâneos. 2961
O balanço sedimentar negativo seja por esgotamento da fonte natural (plataforma continental interna), 2962
ou seja, por retenção de sedimentos nos rios e dunas, também constituem-se em causas do fenômeno. 2963
Variações climáticas podem alterar a intensidade e frequência de tempestades que atingem a costa, 2964
alterando as características das ondas incidentes, principalmente quanto a sua altura, período e direção. 2965
Tais variações podem provocar alterações da concentração da energia das ondas por efeito da refração 2966
controlada pela topografia do fundo marinho, acelerando o processo erosivo em alguns setores do 2967
litoral e até mesmo criando novas áreas de erosão. Cabe ressaltar que estudos preliminares realizados 2968
por Machado et al. (2010) investigaram os padrões de ciclones que atingem a costa sul do Brasil 2969
durante os últimos 30 anos e não identificaram diferenças significativas entre a quantidade e 2970
características de eventos extremos sobre essa região. 2971
Como forma de sistematizar as informações acerca da temática em tela, a tabela 4.3.3 relaciona a 2972
compartimentação da costa brasileira e da Plataforma Continental (bem como suas principais 2973
características) com a situação do litoral brasileiro em termos de erosão costeira. 2974
81
Tabela 4.3.3 – Divisão da Costa Brasileira 2975
DIVISÃO DA COSTA BRASILEIRA PLATAFORMA
CONTINENTAL CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS MODIFICAÇÕES NA
LINHA DE COSTA UF Silveira
(1964) Schaeffer-
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forte aporte sedimentar e
de água doce de origem continental, com
destaque para o rio
Amazonas. Predominio
siliciclastico . Planicies
de lama com manguezais
na costa amapaense, enquanto a costa Para-
Maranhão é
extremamente irregular, dominada pela presença
de manguezais, grande
número de pequenos estuários
macromacromaré
bordejados por falésias baixas, ilhas, praias
arenosas, pontais, dunas
frontais e alguns campos de dunas transgressivas
ativas, destacando-se o
maior campo de dunas do Brasil e um dos
maiores do mundo, o
parque nacional dos lençóis Maranhenses
(Souza Filho et al., 2009;
Heso et al., 2009).
forte aporte sedimentar e de
água doce de origem continental, com destaque para
o rio Amazonas. Predominio
siliciclastico . Largura média
300 km; quebra da plataforma a
profundidade média de 100 m;
Cobertura sedimentar siliciclastica moderna, com
predominio na plataforma
interna e média de areias transgressivas recobertas, a
norte do rio Amazonas, por
cunha de lama com mais de 20 m de espessura (Figueiredo &
Nittrouer 1995; Nittrouer et al.
1996; Souza Filho et al., 2009 ; plataforma externa carbonática
relicta. Destaca-se a presença
do leque submarino do Amazonas (sopé e talude
continental) e canyion do
Amazonas com 400 m profundidade e 9 km de
largura.
A planicie lamosa da costa
amapaense registrou colonização por manguezais e rápida acresção
pelo menos até 1000 anos BP,
entretanto idade C14 indicam que
atualmente encontram-se em
erosão (Allison et al., 1995)
Erosão observada por na praia estuarina de Mosqueiro e ao
longo da costa Atlântica na região
de Salinópolis e Ajuruteua (El Robrini et AL, 2006). Variações
da linha de costa na região de
Bragança (PA) entre 1972 e 1998, indicam 60,6% de áreas erosivas
e 39,4% de áreas acrescidas
(Souza-Filho e Paradella, 2003). As maiores mudanças observadas
estão relacionadas a áreas de
manguezais sendo ocupadas por baixios arenosos, tornando essas
áreas mais suscetíveis à erosão.
Com base em levantamentos da morfologia praial, destacam as
variações em menor escala
espacial da península de Bragança, incluindo as praias de
Buçucanga, Ajuruteua e Vila dos
Pescadores (Krause e Soares, 2004). Os autores relacionam a
erosão na área com intervenções
antrópicas, com a ocupação, desmatamento de manguezais e
estreitamento de canais de maré
sendo relacionados com a tendência erosiva da região.
Campos de dunas ativas migram
através de campos de dunas vegetadas, manguezais e sistemas
de canais estuarinoss
PA
Golfo do Amazonas
MA
Reentrâncias
Maranhenses
Costa Leste
do Maranhão
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Clima de ondas fortemente sazonal e
diretamente associado
com o comportamento dos ventos dominantes,
Dezembro a abril com
ventos aliseos de NE gerando ondas swell e
durante resto do ano
ventos aliseos de SE geram ondas sea (Hesp
et al., 2009). Intenso
transporte sedimentar por deriva litorânea.
Domínio de falésias com
planícies costeiras arenosas pouco
desenvolvidas e áreas
abrigadas restritas a desembocadura de rios e
estuários, caracterizada
pela presença marcante de rochas praiais
(beachrocks) e campos
de dunas ativas).
Largura média 40 km; quebra
da plataforma a profundidade
média de 60 m; Apresenta
formas de relevo com forte influência tectônica e vulcânica
Predominio de carbonatos na
plataforma externa e areias siliciclásticas na plataforma
interna.
Episódios de estabilização de
nível do mar estão
representados por terraços de
abrasão na borda da
plataforma ou por feições
submersas (10, 25, 40 e 60 m de
profundidade) correlatas a
rochas praiais (e.g. Amaral et
al., 2001; Michelli et al., 2001;
Vital et al., 2007, 2008). Análise
petrografica destes corpos
areniticos submersos
mostraram serem os mesmos
equivalentes aos encontrados
na zona costeira atual,
representando portanto antigas
linhas de costa (Santos et al
2007, Cabral Neto et al 2011).
A plataforma continental
também apresenta vestígios de
drenagem escavada em épocas de nível do mar mais baixo que
o atual. Vales incisos, ainda
não completamente preenchidos, e canyons
encontram-se associados com
os principais rios ao longo da plataforma NE, e apresentam
uma clara expressão na
batimetria da plataforma continental. A presença de
lamas nesta plataforma
encontra-se restrita ao interior destes vales inciso e aos
canions que cortam o talude
continental NE (e.g. Dominguez 2009; Vital et al
2005, 2008, 2010).
No setor semi-árido, os
segmentos mais impactados pela
erosão costeira estão no Ceará, na
região ao norte do Porto de Pecém e em Fortaleza. Em Macau
e Guamaré (RN) a recessão da
linha de costa está colocando em risco estações de bombeamento
de petróleo (Vital et al., 2006).
De acordo com os autores, a erosão é acelerada pela
construção de estruturas
perpendiculares nas praias de Macau, Caiçara do Norte e
Touros.
Na costa de falésias sedimentares, a erosão é ampla e ocorre em
quase toda a linha de costa do sul
do Rio Grande do Norte ao longo da Paraíba, Pernambuco e
Alagoas. O contrário ocorre na
costa de Sergipe, onde a abundante quantidade de
sedimentos trazida pelos rios
mantém aproximadamente 57% da costa em equilíbrio, enquanto
21% estão em erosão (Bittencourt et al., 2006). Na Paraíba,
segmentos da costa em erosão
representam em torno de 42% dos 140 km de linha de costa (Neves
et al., 2006). Em Pernambuco,
aproximadamente 30% das praias apresentam processos erosivos. A
maioria destas apresenta erosão
em função de fatores naturais, como a circulação costeira e
déficit sedimentar, enquanto
intervenções antrópicas muitas vezes intensificam esse processo
(Neves & Muehe, 1995; Manso et
al., 2006). Em Alagoas a vulnerabilidade costeira é causada
pelo reduzido aporte fluvial de
sedimentos. A erosão é concentrada principalmente na
porção norte do estado, que
apresenta maior atividade relacionada ao turismo (Araújo et
al., 2006). Em Sergipe, de acordo
com Bittencourt et al. (2006), os
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segmentos em erosão estão
localizados em Atalaia Nova
(norte de Aracajú) e ao sul da
desembocadura do rio São Francisco, onde a Vila do Cabeço
foi completamente erodida. Áreas
com grande variabilidade da linha de costa estão localizadas nas
adjacências das desembocaduras
dos rios Real, Vaza Barris e Sergipe, onde episódios erosivos
causaram danos materiais
significativos. De forma geral, a costa da Bahia entre Mangue
Seco, na desembocadura do rio
São Francisco, e Salvador está em equilíbrio (Dominguez et al.,
2006).
Planícies de cordões litorâneos se desenvolveram em frente aos rios
Jequitinhonha e Caravelas, na
Bahia, rio Doce no Espírito Santo, e rio Paraíba do Sul no Rio
de Janeiro. Nessa região da
Bahia, aproximadamente 60% da costa está em equilíbrio, e 26% da
costa está em erosão, com intensos processos erosivos
ocorrendo nas adjacências de
desembocaduras fluviais. Grandes extensões de falésias no sul da
Bahia, de Cumuruxatiba a divisa
com o Espírito Santo, estão sofrendo um balanço sedimentar
negativo de longo-termo
(Dominguez et al. 2006). No Espírito Santo, a linha de costa se
alterna entre grandes extensões
em erosão ou em equilíbrio, e alguns segmentos em acresção.
Na região norte do Rio de
Janeiro, próximo a divisa com o Espírito Santo até Cabo Frio,
erosão acentuada ocorre na região
ao sul do rio Paraíba do Sul em Atafona, onde areia está sendo
retida na plataforma continental
interna pela cobertura de lama aportada pelo rio e pela deriva
litorânea dominante em direção
ao sul, para fora da área afetada
84
(Muehe et al., 2006). Outras áreas
em erosão incluem as costas
altamente urbanizadas de Macaé
e Rio das Ostras (Muehe et al., 2006). Retração da costa na
ordem de 10 a 15m foi observada
em diversos lugares, sendo consequência principalmente de
um grande evento de tempestade
em maio de 2001. Não obstante a linha de costa, considerando
como tal a interseção da face
praial com o nível médio do mar, entre Niterói e Arraial do Cabo,
tem-se mantido estável (Muehe,
2011). Na região metropolitana do Rio de Janeiro, que inclui a
costa de Niterói, a grande
densidade populacional torna a costa oceânica e estuarina mais
vulnerável a erosão, alagamentos
e deslizamentos. A expansão de áreas urbanizadas sobre regiões
baixas de antigas lagunas (e.g.
Barra da Tijuca) com capacidade de drenagem limitada,
representam riscos que vão aumentar sob cenários de
aumento do nível do mar e de
aumento nas intensidades de
tempestades (Muehe & Neves,
2008).
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Não ocorrência de
manguezais por limitação climática.
Do Cabo de Santa Marta
ao Chuí, a linha de costa é formada por uma
extensa e larga faixa de
praia com sedimentos predominantemente
finos em frente a um
múltiplo sistema de ilhas-barreira. Deriva
litorânea dominante na
região é para norte, com algumas inversões
relacionadas à
sazonalidade do clima de ondas e orientação da
linha de costa (Siegle &
formas são resultantes de
processos sedimentares presença de siliciclasticos e
carbonatos.
porção interna, muito influenciada pelo modelado
costeiro. O relevo continental
montanhoso se reflete principalmente na sinuosidade
das isolinhas o que é mais
notável nas isóbatas 10 e 15m (ABREU, 1998),
Aporte sedimentar.
Predominância de sedimentos finos na plataforma média e
externa. Regime sedimentar
dominantemente terrígenos com a predominância de
sedimentos relíquias e
Modificações na linha de costa
em função de erosão, em São Paulo, geralmente são isoladas e
associadas com obstáculos
naturais ou artificiais que interrompem o fluxo de
sedimentos ao longo da costa
(Tessler et al., 2006). No Paraná, as modificações mais
significativas da linha de costa
ocorrem nas adjacências de desembocaduras estuarinas. Essas
modificações incluem erosão e
acresção em diferentes trechos da costa e ocorreram com taxas de
até 100m em menos de uma
década (Angulo et al., 2006). A linha de costa oceânica é mais
estável, sendo as áreas mais SC
85
Asp, 2007). palimpséticos enquanto as
fontes de suprimentos
modernos estão confinadas e
relacionadas com a afluência do rio da Prata e da
desembocadura da laguna dos
Patos (Corrêa, 1987). Morfologia bastante regular e
homogênea, com sua largura
variando de 100 km a 190 km e com a presença da zona de
quebra na profundidade de 160
m (Martins et al., 2005). presença de inúmeros bancos,
canais, paleocanais e
paleolinhas de costa afogadas (Correa 1990). presença do
paleocanal do rio da Plata sobre
a parte sul
impactadas pela erosão as praias
de Flamengo e Riviera e a porção
central da praia de Matinhos,
restaurada com realimentação praial (Angulo et al., 2006). Em
Santa Catarina, na porção
continental, os riscos associados à erosão costeira são o resultado de
ocupação desordenada e a
ocorrência de tempestades. Pontos mais críticos estão
localizados em Barra Velha,
Piçarras e Penha, com erosão de média intensidade, enquanto
Bombinhas está sofrendo erosão
de menor intensidade (Klein et al., 2006). Na ilha de Santa
Catarina, processos erosivos estão
ocorrendo ao longo da costa oceânica da ilha. O maior risco
ocorre nas áreas urbanas do norte
da ilha e na costa noroeste na Barra da Lagoa. Áreas
urbanizadas na costa leste e sul
com risco erosivo de médio a alto incluem Campeche, Armação e
Pântano do Sul (Horn, 2006).
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As praias mostram grande variabilidade morfodinâmica com
alternância entre longos trechos
de avanço e retração da linha de costa (Toldo et al., 2006) com
reversões nesses padrões ao longo
do tempo (Esteves et al., 2006). Segmentos localizados de erosão
costeira foram descritos por
Calliari et al (1998) e Speranski & Calliari (2006) e são
relacionados a convergência de
ondas no Litoral Médio e na praia do Hermenegildo (extremo sul),
onde a linha de costa vem
recuando a uma taxa média de 3,6 m/ano (LOG, 2011).
2976
86
4.3.4.3.2. Plataforma Continental 2977
Inserida em uma margem passiva ou tipo Atlântico, a margem continental Brasileira envolve em sua 2978
maior parte uma região tropical (até ~22-25º S), e subordinadamente subtropical, na porção mais a sul. 2979
A margem continental brasileira tem as características de margem passiva clássica, com os elementos 2980
fisiográficos, tectono-magmáticos e sedimentares bem definidos em toda a sua extensão. Poucas 2981
margens continentais apresentam maior diversidade de morfologia, ambiente e tipos de sedimentos que 2982
a margem continental brasileira, tornando-a extremamente atrativa, tanto do ponto de vista científico 2983
quanto econômico. 2984
A plataforma brasileira varia consideravelmente em forma e largura. Apresenta-se mais larga na foz do 2985
Amazonas (cerca de 300 km) e mais estreita ao largo de Salvador (~5-8 km). No geral é muito estreita 2986
(média de 50 km). Entretanto, torna-se mais larga ao norte e ao sul, resultado de maior aporte 2987
sedimentar, bem como na região de Abrolhos (maior recife de coral do Brasil e de todo o Atlântico 2988
Sul), devido atividade vulcânica (Zembruscki et al. 1971, Dominguez 2009, Vital et al 2010) . A 2989
quebra da plataforma é observada em geral em torno de 80m. A cobertura sedimentar apresenta 2990
composição predominantemente siliciclástica ao norte, carbonática no nordeste e mista no sul do 2991
Brasil. Em contraste com outras plataformas tropicais, os corais estão virtualmente ausentes, assim 2992
como os óoides e outras formas de carbonatos precipitados. Os sedimentos carbonáticos são dominados 2993
por algas coralinas recentes. A fauna dos recifes de coral brasileiros apresentam baixa diversidade e um 2994
endemismo significante. 2995
A plataforma continental é a extensão natural do território continental de um país costeiro, que é 2996
detentor dos direitos de soberania para “exploração e aproveitamento dos recursos do solo e subsolo 2997
marinhos” de acordo com a Convenção das Nações Unidas, sobre o Direito do Mar, que entrou em 2998
vigor no Brasil a partir do decreto no. 1.530, de 22 de junho de 1995. Esta convenção instituiu o 2999
conceito de Zona Econômica Exclusiva (ZEE), onde todo país costeiro “tem direitos de soberania para 3000
fins de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos e não- vivos das 3001
águas do mar, do leito do mar e do seu subsolo e no que se refere a outras atividades com fins 3002
econômicos”. A água do mar contém vários recursos minerais, como o próprio sal marinho, que 3003
também é fonte de elementos economicamente importantes. 3004
A crescente escassez dos recursos minerais sobre os continentes para atender à demanda cada vez 3005
maior, faz com que os oceanos representem importante área para mineração na Terra. Os recursos 3006
minerais marinhos devem ser entendidos, hoje em dia, como recursos essencialmente estratégicos. No 3007
Brasil, sob o ponto de vista político e estratégico, é necessário conhecer a geologia e os recursos 3008
minerais de nossa terra. 3009
A morfologia de fundo da plataforma interfere diretamente nos processos erosivos e deposicionais 3010
através dos seus efeitos sobre a refração das ondas (e.g. Tabosa et al. 2001, Vital et al., 2005ab, 2006). 3011
O padrão de refração de ondas gerado pela morfologia da plataforma adjacente, localmente 3012
influenciado pela tectônica local e associado ao padrão de correntes, resulta em erosão e/ou deposição 3013
praial, afetando todo o litoral brasileiro. 3014
3015
87
4.3.4.3.3 Potenciais Impactos das Mudanças Climáticas Sobre a Orla 3016
Marítima e Plataforma Continental 3017
Os oceanos possuem grande variedade de recursos vivos e minerais de interesse para o homem. Além 3018
disso, o papel dos oceanos como fonte de oxigênio à atmosfera, no controle climático global e no ciclo 3019
do carbono é vital para o homem e todos os outros seres vivos. Embora os oceanos ocupem a maior 3020
parte (70%) da superfície terrestre, a maior produtividade é concentrada nas águas costeiras e da 3021
plataforma continental. As águas mais produtivas estão associadas à proximidade do continente, 3022
recebendo grande influência dos processos que ali ocorrem. Consequentemente, essas também são as 3023
áreas marinhas mais impactadas pelas atividades humanas, como a mineração de areia, as dragagens, a 3024
explotação de recursos minerais, a construção de barragens e os desmatamentos ao longo de rios. A 3025
maior parte da exploração de petróleo, no Brasil, ocorre em ambiente marinho profundo, porém os 3026
impactos dessa atividade também atingem as áreas costeiras e a plataforma. Por ali passam os dutos e 3027
os navios que transportam os hidrocarbonetos extraídos para as plantas de processamento em terra. 3028
Além dos vazamentos de petróleo, que afetam a biota e a qualidade da água, a presença de oleodutos e 3029
gasodutos interfere localmente nos padrões de sedimentação e o tráfego de navios obriga as dragagens 3030
dos canais de navegação, que podem alterar a distribuição de sedimentospara as áreas adjacentes mais 3031
profundas. 3032
As dragagens podem resultar em alteração no padrão de sedimentação local, alterando o tipo de 3033
sedimento depositado, com consequente morte de organismos sésseis e fuga das espécies com 3034
capacidade de locomoção. Por outro lado, o despejo de rejeitos de canais de navegação ou outros tipos 3035
de resíduos sólidos causa o soterramento dos organismos na área de despejo, com possível alteração da 3036
composição sedimentar do local e introdução de contaminantes. A construção de inúmeras barragens 3037
para geração de energia elétrica vem bloqueando cargas sedimentares, uma vez que muitos sedimentos 3038
ficam retidos nos lagos artificiais. Assim como a retenção dos sedimentos, o controle dos fluxos 3039
impede a ocorrência de picos de vazões, importantíssimos para o aporte sedimentar para a costa. Por 3040
outro lado, as atividades agrícolas e o desrespeito à manutenção das matas ciliares em margens de rios 3041
aumentam o suprimento sedimentar. 3042
O aumento das atividades mineradoras nas regiões de plataforma continental, principalmente na região 3043
nordeste, exige uma ação firme das agências controladoras na exigência de estudos ambientais prévios 3044
para um melhor conhecimento e monitoramento do ecossistema e, em conseqüência, para escolha da 3045
metodologia mais adequada de exploração e explotação destes recursos minerais. Principalmente ao 3046
considerarmos que a maior parte da plataforma ainda não é conhecida e estudos atuais têm 3047
demonstrado, por exemplo, a presença de corais em profundidades maiores que 20 m, anteriormente 3048
não mapeados. 3049
È importante ressaltar que o interesse no aumento de riscos de inundações costeiras em um clima mais 3050
quente no futuro geralmente se concentra nos efeitos das mudanças no nível médio da mar. Entretanto, 3051
este é apenas um, dos principais fatores, que incluem também as marés e o clima, que afetam o nível do 3052
mar. A maior parte da variabilidade diária no nível dos mares costeiros é normalmente devido às marés. 3053
As marés costeiras são resultado da propagação da energia de maré a partir dos oceanos profundos, 3054
onde as marés são geradas por forças de maré gravitacional. Apesar de mudanças nas forçantes de 3055
marés astronômicas serem neglegíveis, localmente pode ocorrer mudanças significantes na amplitude 3056
das marés. Particularmente em estuários a prática de dragagem para navegação e canalização de rios 3057
são fatores que influenciam a variação das marés. Da mesma forma, mudanças futuras na frequência e 3058
intensidade de tempestades irá afetar a probabilidade de inundação costeira. 3059
88
4.3.5. Vulnerabilidade da zona costeira: aspectos naturais, sociais e 3060
tecnológicos 3061
4.3.5.1. Introdução 3062
A análise de risco ambiental deve ser vista como um indicador dinâmico das relações entre os sistemas 3063
naturais, a estrutura produtiva e as condições sociais de reprodução humana em um determinado lugar e 3064
momento. Neste sentido, é importante que se considere o conceito de risco ambiental como a resultante 3065
de três categorias básicas: a) risco natural: relacionado a processos e eventos de origem natural ou 3066
induzida por atividades humanas; b) risco tecnológico: circunscreve-se no âmbito dos processos 3067
produtivos e da atividade industrial (Castro et al. 2005); c) risco social: categoria que pode ser 3068
analisada e desenvolvida por óticas distintas. Para este trabalho, adota-se o viés proposto por Egler 3069
(1996), onde o risco social é visto como resultante das carências sociais ao pleno desenvolvimento 3070
humano que contribuem para a degradação das condições de vida. Considerando estas três dimensões 3071
básicas para a construção de uma concepção abrangente de risco ambiental, a elaboração de uma 3072
metodologia para sua avaliação deve fundamentar-se em três critérios básicos (Egler, op. cit.): a) a 3073
vulnerabilidade dos sistemas naturais, compreendida como o patamar entre a estabilidade dos processos 3074
biofísicos e situações instáveis onde existem perdas substantivas de produtividade primária; b) a 3075
densidade e o potencial de expansão da estrutura produtiva, que procura expressar os fixos e os fluxos 3076
econômicos em uma determinada porção do território em uma concepção dinâmica; c) o grau de 3077
criticidade das condições de habitabilidade, vista como a defasagem entre as atuais condições de vida e 3078
àquelas consideradas mínimas para o pleno desenvolvimento humano. 3079
No caso deste trabalho as análises serão desenvolvidas em nível municipal, compatibilizando as 3080
informações existentes na base do Ministério do Meio Ambiente (MMA) publicadas no 3081
Macrodiagnóstico da Zona Costeira e Marinha do Brasil (2008), com as quais foram realizadas as 3082
análises de vulnerabilidade dessa porção do território. A saída gráfica se dará em macro escala, 3083
definindo a vulnerabilidade para a costa brasileira por regiões, fornecendo assim subsídios para o 3084
planejamento de ações de mitigação e adaptação das mesmas (figura 4.3.3) 3085
3086
89
Figura 4.3.3. Exemplo da região de Itajaí, SC, com a integração de dados espacializados dos três tipos de risco: 3087 (a) Risco Natural; (b) Risco Social e (c) Risco Tecnológico, no litoral centro norte o Estado de Santa Catarina. O 3088 resultado é apresentado pela (d) Vulnerabilidade da costa (adaptado de Nicolodi & Petermann, 2010). 3089
3090
90
Denominada por Ab' Saber (2000) como 'Litoral Equatorial Amazônico', apresenta, em linhas gerais, 3091
grau de vulnerabilidade baixo, com exceções das adjacências das três grandes cidades ali existentes: 3092
Macapá (AP), Belém (PA) e São Luiz (MA). Nestes casos a vulnerabilidade foi classificada como alta 3093
ou muito alta (Figura 4.3.4). 3094
3095
Figura 4.3.4. Vulnerabilidade da Costa Norte Brasileira. Grau de vulnerabilidade baixo, com exceções às 3096 adjacências das três grandes cidades ali existentes: Macapá, Belém e São Luiz (adaptado de Nicolodi & 3097 Petermann, 2010). 3098
Tal classificação explica-se por uma conjunção de fatores de caráter eminentemente físico (dinâmica 3099
costeira e geomorfologia), socioeconômico (renda média da população, carências de serviços básicos) e 3100
tecnológico (tipo de indústria, tipologia de poluição e representatividade das mesmas quanto ao número 3101
de empregados). 3102
As características geomorfológicas da costa do Pará constituem-se em entraves físicos a um processo 3103
de povoamento intenso do litoral. Porém, alguns trechos desse segmento vêm registrando crescimento 3104
populacional desordenado. Tal situação, agregada às informações sobre saneamento básico, leva a um 3105
coeficiente de proporção entre população total e população exposta ao risco social de 33,7% para a 3106
região norte, o que, em números absolutos, pode ser traduzido por 2.206.138 de habitantes, em sua 3107
maioria residentes nas capitais e periferias (Astolpho& Gusmão, 2008). 3108
Colaboram ainda para a definição de altos graus de vulnerabilidade das regiões metropolitanas do norte 3109
do país a associação entre os complexos metal-mecânico e de papel e celulose no litoral dos estados do 3110
Pará e Maranhão, com grandes investimentos na produção de minerais metálicos, como o ferro e o 3111
alumínio, associados às grandes extensões plantadas para a produção de celulose. Tal fator é 3112
determinante na elevação do risco tecnológico e da vulnerabilidade da zona costeira em pontos críticos, 3113
como é o caso de Barcarena, no estado do Pará, ou São Luís, no Maranhão (Egler, 2008). 3114
3115
91
4.3.5.2 Região Nordeste 3116
Ao contrário da região norte, onde apenas as regiões metropolitanas apresentam vulnerabilidade alta, a 3117
região nordeste demonstra uma alternância entre os cinco níveis de vulnerabilidade os quais não têm, 3118
necessariamente, relação direta com a dinâmica da população (figuras 4.3.5, 4.3.6, 4.3.7, 4.3.8). 3119
3120
Figura 4.3.5 - Mapa de Vulnerabilidade da Região Nordeste, mostrando os Estados de Piauí, Ceará e Rio Grande 3121 do Norte (adaptado de Nicolodi & Petermann, 2010) 3122
92
3123
Figura 4.3.6 - Vulnerabilidade da costa os estados de Paraíba, Pernambuco, alagoas e Sergipe (adaptado de 3124 Nicolodi & Petermann, 2010) 3125
93
3126
Figura 4.3.7 - Núcleos urbanos no estado da Bahia onde o grau de vulnerabilidade é elevado devido a alta 3127 densidade populacional e as condições de saneamento básico deficitárias (adaptado de Nicolodi & Petermann, 3128 2010) 3129
94
3130
Figura 4.3.8 - Região metropolitana de Salvador. Altos índices de vulnerabilidade associados a um cenário de 3131 alto risco tecnológico (adaptado de Nicolodi & Petermann, 2010) 3132
Para a região nordeste do Brasil o coeficiente de proporção entre população total e população exposta 3133
ao risco social é de 25,71%, o que, em números absolutos, pode ser traduzido em 12.286.455 de 3134
habitantes, os quais são os mais potencialmente vulneráveis aos efeitos de mudanças climáticas 3135
(Nicolodi &Pettermann, 2010). 3136
Outro fator que contribui para a elevação da vulnerabilidade nesta região é o deslocamento do 3137
complexo químico para o litoral nordestino no eixo Salvador-Aracaju-Maceió, associado à expansão da 3138
fronteira energética no litoral. Tal fenômeno faz com que a concentração de dutos, terminais e fábricas 3139
seja expressiva. O entorno do Recôncavo Baiano e de cidades como Aracaju (SE), Maceió (AL), 3140
Recife-Cabo (PE) e Macau-Guamaré (RN) são expressões marcantes deste processo, onde o 3141
equipamento energético associado ao equipamento produtivo potencializa as condições de risco 3142
ambiental (Egler, 2008). 3143
A Baía de Todos os Santos, onde se localiza a região metropolitana de Salvador apresenta população 3144
próxima dos 3.500.000 habitantes, o que representa 23% da população total da Bahia, percentual muito 3145
próximo à média nacional. Neste setor, os altos índices de vulnerabilidade encontrados estão 3146
associados às questões sociais e tecnológicas (Nicolodi &Petermann, 2010). 3147
95
Apresenta-se também um cenário de alto risco tecnológico determinado prioritariamente pela presença 3148
do pólo industrial de Camaçari, com destaque para a indústria petrolífera e suas sub unidades; a 3149
Refinaria Landulpho Alves, a Unidade de Produção de Gás Natural Candeias e as Usinas 3150
Termoelétricas da Termobahia, Rômulo Almeida e Camaçari. 3151
4.3.5.3 Região Sudeste 3152
O litoral capixaba e o norte fluminense é constituído por segmentos costeiros identificados como de 3153
vulnerabilidade média a baixa. Apenas três localidades recebem classificação de maior vulnerabilidade: 3154
Rio Doce, a região da Grande Vitória e as áreas interiores da drenagem do Rio Paraíba do Sul (figura 3155
4.3.9). 3156
3157
Figura 4.3.9 - Localidades com classificação de vulnerabilidade média a muito alta: Rio Doce, região da grande 3158 Vitória e as áreas interiores da drenagem do Rio Paraíba do Sul (adaptado de Nicolodi & Petermann, 2010) 3159
Os graus mais elevados de vulnerabilidade identificados no litoral oriental fluminense estão associados 3160
às regiões de Cabo Frio e Macaé, que nas últimas duas décadas vem experimentando um acentuado 3161
desenvolvimento urbano vinculado às atividades de exploração petrolífera na plataforma continental 3162
contígua (figura 4.3.10). A região da Baia da Guanabara congrega uma das maiores densidades 3163
96
populacionais do país, por vezes dispostas ao longo dos baixos cursos dos rios que deságuam no 3164
sistema. Em situações de maré excepcionais (associadas a passagens de sistemas frontais que afogam 3165
as drenagens em seus baixos cursos), acompanhadas de precipitações intensas no complexo serrano à 3166
retaguarda (que aumentam o volume das descargas fluviais), a área do contorno interno da baía, mais 3167
rebaixada, fica exposta a fenômenos de inundação. 3168
3169
Figura 4.3.10 - Graus mais elevados de vulnerabilidade identificados no litoral oriental fluminense associados às 3170 regiões de São João da Barra e Macaé (adaptado de Nicolodi & Petermann, 2010) 3171
Aliado a todo este contexto, o Rio de Janeiro apresenta a mais alta relação ente população exposta e 3172
população total observadas no Brasil, com uma taxa de 78%, o que equivale a um contingente de 3173
11.194.150 habitantes, sendo aproximadamente 5 milhões na capital. Agrega-se a estes fatores 3174
condicionantes de alto grau de vulnerabilidade o fato da região metropolitana do Rio de Janeiro abrigar 3175
um dos mais importantes pólos petroquímicos do país, com a existência de uma intrincada rede de 3176
refinarias, unidades de produção de gás natural, dutovias, campos de exploração offshore e portos 3177
(figura 4.3.11). 3178
97
3179
Figura 4.3.11 - Alto grau de vulnerabilidade da região metropolitana do Rio de Janeiro. Já a região costeira ao 3180 sul da Baía da Guanabara apresenta baixa vulnerabilidade (adaptado de Nicolodi & Petermann, 2010) 3181
A região da Baixada Santista que congrega a baía e estuário de Santos, bem como as áreas urbanizadas 3182
de seu entorno, abrigam o maior porto marítimo do país e complexos industriais assentados nas 3183
pequenas planícies flúvio-marinhas que se desenvolvem no interior das enseadas, próximas à base dos 3184
altos contrafortes da Serra do Mar (figura 4.3.12). Outro fator que agrega vulnerabilidade a toda região 3185
é a evidente concentração produtiva no trecho entre Santos (SP) e Macaé (RJ), onde estão presentes 3186
campos de extração, terminais e dutos de petróleo e gás, usinas termoelétricas e nucleares e expressiva 3187
concentração dos complexos químicos e metalomecânico. 3188
98
3189
Figura 4.3.12 - Região da Baixada Santista e estuário de Santos. Características socioeconômicas e a 3190 configuração geomorfológica determinam o alto grau de vulnerabilidade (adaptado de Nicolodi & Petermann, 3191 2010) 3192
4.3.5.4 Região Sul 3193
Neste segmento estão presentes três importantes portos marítimos (Paranaguá, São Francisco do Sul e 3194
Itajaí). Tais municípios e/ou as regiões circunvizinhas possuem densidades populacionais 3195
significativamente maiores que a média de habitantes por km2 do litoral sudeste brasileiro. Esta 3196
conjunção de fatores topográficos, populacionais e a importância socioeconômica desses núcleos 3197
urbanos, combinada a fatores de instabilidade na linha de costa, determinam graus de vulnerabilidade 3198
média a alta (figura 4.3.13). 3199
99
3200
Figura 4.3.13 - Vulnerabilidade da porção norte da Região Sul. A topografia, a densidade populacional e fatores 3201 socioeconômica dos núcleos urbanos determinam graus de vulnerabilidade médio a alto (adaptado de Nicolodi & 3202 Petermann, 2010) 3203
Na costa catarinense, a região de Joinville, o Vale do Itajaí e a Grande Florianópolis apresentam grau 3204
muito alto de vulnerabilidade por representarem grandes adensamentos urbanos localizados em cotas 3205
altimétricas inferiores a 10 metros. Enchentes como as ocorridas em 1983 e 1984 e o evento de 3206
novembro de 2008, onde 135 pessoas morreram e mais de 1,5 milhões de pessoas foram afetadas, 3207
demonstraram, na prática, tal vulnerabilidade. Tais adensamentos urbanos, embora apresentem índices 3208
de IDH relativamente altos, possuem um número elevado de pessoas expostas ao risco social (figura 3209
4.3.14). 3210
100
3211
Figura 4.3.14 - A região de vulnerabilidade alta e muito alta corresponde a porção distal da bacia hidrográfica do 3212 rio Itajaí-Açu, a qual vem sofrendo com inundações sistemáticas nos últimos anos, com destaque para os eventos 3213 ocorridos em 1983, 1984 e 2008 (adaptado de Nicolodi & Petermann, 2010). 3214
O litoral do Rio Grande do Sul é caracterizado por uma linha quase retilínea de 620 km que abriga um 3215
intrincado sistema de lagoas costeiras, com destaque para a Lagoa dos Patos, componente 3216
especialmente grandioso na zona costeira brasileira. É na desembocadura desta laguna que se verifica o 3217
único local definido como de alta vulnerabilidade no Rio Grande do Sul: a região do Município de Rio 3218
Grande (Nicolodi &Petermann, 2010) 3219
Contribuem para esse cenário o fato de que no interior do estuário está o principal núcleo urbano, com 3220
população estimada de 196.337 habitantes e altas taxas de risco social. A estimativa da população 3221
exposta ao risco social, ou seja, com déficit de serviços básicos (coleta de lixo e esgotamento sanitário) 3222
e baixa renda por domicílio chega a quase 100% da população (186.544 habitantes) (figura 4.3.15). 3223
101
3224
Figura 4.3.15 - Do sul do estado de Santa Catarina ao limite com o Uruguai o grau de vulnerabilidade é 3225 relativamente baixo, com exceção do núcleo urbano de Rio Grande. Esta região está sujeita a eventos 3226 meteorológicos de grande magnitude, como o Furacão Catarina em 2004 (adaptado de Nicolodi & Petermann, 3227 2010) 3228
O papel do porto de Rio Grande nesta porção do território, onde os níveis de vulnerabilidade são 3229
relevantes, deve ser considerado em conjunto com a Área Metropolitana de Porto Alegre, no que diz 3230
respeito ao sistema lagunar em que estão situados. As possibilidades de incremento da movimentação 3231
da matriz energética e mercadorias e a implantação de novas indústrias na área em função de sua 3232
posição quanto ao MERCOSUL, são elementos particulares que provavelmente intensificarão o grau de 3233
risco tecnológico do litoral sul nas próximas décadas (Egler, 2008). 3234
102
4.3.6 Subsídios para a ação do Poder Público 3235
A conclusão mais relevante da análise aqui apresentada diz respeito a carência de informações 3236
relacionadas aos efeitos das mudanças climáticas sobre os ecossistemas costeiros no Brasil, bem como 3237
da vulnerabilidade desses ecossistemas a tais alterações. As poucas informações disponíveis referem-se 3238
a alguns estudos locais e tratam basicamente dos efeitos de uma possível elevação do nível médio do 3239
mar sobre tais sistemas. Análises sobre vulnerabilidade existem em escala nacional, conforme aqui 3240
apresentado ou em escala local, o que deixa uma lacuna em termos de planejamento. 3241
Alia-se a estes fatores o grau de incerteza na própria definição quantitativa das mudanças climáticas em 3242
todo o globo, criando assim um cenário de indefinições quanto à tomada de decisão pelo poder público. 3243
Conhecer as regiões mais ou menos vulneráveis aos impactos causados por efeitos diretos de 3244
alterações climáticas é fundamental para a tomada de decisões do poder público. Essas ações devem 3245
pautar-se nos principais tipos de riscos relacionados às mudanças climáticas em zonas costeiras a partir 3246
da aplicação de metodologias que integrem as variáveis inseridas no processo. 3247
Agrega-se a este arcabouço outros fatores que influenciarão indiretamente na dinâmica dessa porção do 3248
território, como por exemplo, a possibilidade de alterações significativas nas vazões dos principais rios 3249
brasileiros com aumento de volume nas bacias do Prata e Paraná e redução nas bacias Amazônicas e do 3250
Pantanal. A variação destes volumes implicará em uma nova dinâmica de transporte sedimentar e seus 3251
consequentes efeitos na linha de praia. 3252
Estes efeitos já foram preliminarmente identificados em um esforço governamental levado a cabo pelo 3253
Centro de Gestão e Estudos Estratégicos - CGEE (Neves &Muehe, 2008), sendo que os mesmos devem 3254
ser ressaltados quando da elaboração de estratégias de ação do poder público: a) erosão e progradação 3255
costeira; b) danos a obras de proteção costeira; c) prejuízos estruturais ou operacionais a portos e 3256
terminais; d) danos a obras de urbanização de cidades litorâneas; e) danos estruturais ou prejuízos 3257
operacionais a obras de saneamento; f) exposição de dutos enterrados ou danos estruturais a dutos 3258
expostos; g) intrusão salina em estuários; h) intrusão salina em aquíferos; i) evolução dos manguezais; 3259
j) danos a recifes de coral. 3260
O cenário está posto e não há dúvidas que o desafio de adaptação e mitigação das consequências destes 3261
fenômenos é enorme e não pode ser levado a cabo sem um detalhado referencial técnico composto de 3262
análises de vulnerabilidade em micro e macro escala. 3263
Outro aspecto que deve ser amplamente debatido pela sociedade é o papel das instituições no processo. 3264
Nesse aspecto, é inegável que, em termos de gestão, o Ministério do Meio Ambiente deve ter 3265
prerrogativa de liderança, uma vez que a legislação o define como coordenador do processo de 3266
Gerenciamento Costeiro no Brasil. 3267
É justamente nesse escopo de planejamento estratégico integrado que as variáveis relacionadas à 3268
vulnerabilidade devem ser inseridas, principalmente quando da análise geográfica de prioridades de 3269
atuação. 3270
Dentre as ações que devem compor o referido planejamento estratégico integrado destacam-se a 3271
efetivação de monitoramento ambiental sistemático e de longo prazo, o ordenamento territorial efetivo, 3272
principalmente em nível municipal, a efetivação das políticas estaduais de gerenciamento costeiro, o 3273
planejamento prévio e a priorização de estudos para as formas clássicas de respostas aos efeitos 3274
esperados de mudanças climáticas como recuo, acomodação e proteção. Além disso, torna-se 3275
fundamental a adoção de medidas que visem à adaptação dos ecossistemas às novas condições, o que 3276
só pode ser alcançado por meio da gestão do território costeiro de forma integrada e multisetorial. 3277
103
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4.4. Ecossistemas Oceânicos 3699
4.4.1. Introdução 3700
As mudanças climáticas são consideradas atualmente como o maior desafio ecológico, social e 3701
econômico da humanidade, com evidências científicas de que as atividades antrópicas têm contribuído 3702
sobremaneira para esta situação (Cleugh et al, 2011). O Painel Intergovernamental sobre Mudanças 3703
Climáticas (IPCC), criado pelas Nações Unidas e pela Organização Meteorológica Mundial em 1988, 3704
afirma que uma parte significativa do aquecimento global observado nos últimos 50 anos está associada 3705
ao aumento da concentração de gases do efeito estufa na atmosfera, provocado, em grande medida, 3706
pelo homem (IPCC, 2007). 3707
Evidentemente, os oceanos, em decorrência das suas relações com a atmosfera e por cobrirem 70% da 3708
superfície do planeta, vêm sendo diretamente afetados pelas mudanças climáticas. Esses efeitos 3709
decorrem principalmente do armazenamento de uma quantidade considerável de calor nos oceanos 3710
proveniente da atmosfera2, o qual provoca, além do aumento da temperatura da água das camadas 3711
superficiais, o aumento do nível do mar em decorrência da expansão térmica da água. Uma outra 3712
consequência não menos grave é a acidificação dos oceanos decorrente da formação e subsequente 3713
dissociação do ácido carbônico (CO2 + H2O H2CO3) em razão da dissolução do dióxido de 3714
carbono na água, aspecto agravado pela elevada solubilidade desse gás3. Desta forma, as alterações 3715
observadas nos oceanos decorrentes das mudanças climáticas têm efeitos diversos sobre a vida 3716
marinha. 3717
Os recursos vivos marinhos apresentam, de uma maneira geral, uma elevada sensibilidade às variações 3718
dos parâmetros físico-químicos do ambiente no qual estão imersos, quando comparados aos animais 3719
terrestres (Jurado-Molina e Livingston, 2002). Por essa razão, mudanças das condições normais dos 3720
oceanos podem provocar efeitos importantes sobre o comportamento destes organismos, interferindo 3721
em diversos processos biológicos, como na reprodução e nas interações entre presas e predadores, 3722
retardando ou acelerando significativamente a recuperação de um determinado estoque pesqueiro. 3723
Embora o ecossistema pelágico oceânico, que sustenta importantes atividades econômicas de 3724
explotação direta, como a pesca, tenha atraído um interesse crescente da comunidade científica no 3725
sentido de melhor entender sua dinâmica ambiental, pouco ainda se sabe sobre os efeitos das mudanças 3726
climáticas sobre este ecossistema e os organismos marinhos que nele habitam, muitos dos quais são 3727
recursos pesqueiros de elevado valor comercial ou de grande relevância para a segurança alimentar de 3728
inúmeras comunidades costeiras. Por esta razão, as consequências da pesca e dos efeitos das mudanças 3729
ambientais sobre estes recursos, têm sido motivo de grande preocupação de gestores e pesquisadores no 3730
mundo inteiro, estimulando o desenvolvimento de pesquisas e atividades de monitoramento que 3731
permitam melhor avaliar a saúde do ambiente marinho (Francis, 1990). 3732
Do ponto de vista pesqueiro, além da dificuldade de se conseguir informações confiáveis sobre a 3733
cadeia produtiva da pesca, a relação entre as condicionantes bióticas e abióticas do ecossistema 3734
marinho é extremamente complexa, particularmente em um cenário de variações climáticas cada vez 3735
2 O calor específico elevado da água faz com que a mesma seja um bom armazenador de calor, enquanto o seu coeficiente
de condutividade térmica relativamente baixo faz com que ela não ceda o calor absorvido com facilidade.
3 A solubilidade do CO2 na água, igual a 1,7 g·l
-1 a 20°C e 1013 hPa, é cerca de 200 vezes maior do que a do O2, igual a
0,009 g·l-1
;
115
mais intensas. Considerando-se, portanto, o atual nível de explotação a que os estoques estão 3736
submetidos, associado à crescente instabilidade do clima, torna-se urgente o desenvolvimento de 3737
modelos de previsão que permitam projetar no futuro o conhecimento do que poderá ocorrer se uma 3738
determinada situação acontecer, no intuito de prevenir e antecipar possíveis impactos das mudanças do 3739
clima sobre o ambiente, sobre a biodiversidade e sobre a pesca, permitindo, consequentemente, uma 3740
melhor administração e uso sustentável dos mesmos. 3741
4.4.2. Impactos e vulnerabilidades 3742
4.4.2.1. Aspectos ambientais (físico-químicos) das mudanças 3743
climáticas 3744
Em decorrência das conexões entre a atmosfera e o oceano, as mudanças climáticas globais, 3745
provocadas por fatores naturais e antrópicos, têm provocado importantes alterações nos oceanos do 3746
planeta, principalmente no que se refere às concentrações de CO2 e calor. 3747
Neste último caso, pesquisas tem demonstrado um aumento considerável na quantidade de calor 3748
estocado nos oceanos desde 1970, sendo esta uma evidência clara do aquecimento do planeta (Bindoff 3749
et al 2007). As camadas superficiais dos oceanos, portanto, tem, cada vez mais, armazenado uma maior 3750
quantidade de calor proveniente da atmosfera, com consequências diretas na elevação do nível do mar, 3751
decorrente da expansão térmica da água. De acordo com Levitus et al (2005), um aumento da ordem de 3752
15.1022
joules no calor armazenado nos oceanos foi observado entre 1955 e 1998, com uma média de 3753
0,2 watts.m-2
. No último século, o nível do mar subiu 1,7 mm.ano-1
, mas dados obtidos por 3754
sensoriamento remoto, indicam que desde 1993 o nível do mar vem subindo a taxas bem mais elevadas, 3755
que variam de 2,5 mm.ano-1
(Cabanes et al, 2001) a 3,0 mm.ano-1
(UNESCO, 2010). Estudos tem 3756
demonstrado que até 2100 o nível do mar aumentará de 0,5 m a 0,8 m, podendo subir até 1,0 m 3757
(Rahmstorf, 2007). Considerando-se também o derretimento de geleiras e reservas glaciais do planeta, 3758
o nível do mar poderá subir mais 0,2 m a 0,7 m (Raper e Braithwaite, 2006). Do ponto de vista 3759
ambiental, os efeitos da elevação do nível do mar serão mais acentuados na zona costeira, onde 3760
ecossistemas de elevada importância ecológica para diversos organismos marinhos serão diretamente 3761
afetados, como as lagoas, estuários e manguezais. 3762
Entretanto, os efeitos do aquecimento global não se restringem apenas ao aumento do nível dos 3763
oceanos. Além deste, o aquecimento anômalo da temperatura da superfície do mar (TSM), alterações 3764
na estrutura da termoclina, associadas à propagação do calor para zonas mais profundas do oceano, e o 3765
aumento na intensidade dos ventos e velocidade das correntes, são efeitos potencialmente importantes 3766
das mudanças climáticas sobre os oceanos. 3767
A temperatura da superfície do mar (TSM), avaliada sob o prisma das suas anomalias, positivas ou 3768
negativas, tem sido utilizada como um dos principais parâmetros indicadores das mudanças climáticas 3769
sobre os oceanos. Aumentos da TSM tem sido observados em diversas regiões do planeta, com um 3770
aumento global da ordem de 0,6oC no último século (Herr e Galland, 2009). Nas águas que banham a 3771
costa da Austrália, tem se observado, desde 1900, um aumento da ordem de 0,9oC da sua temperatura, 3772
dos quais 0,4oC ocorreram nos últimos 50 anos (Cleugh et al, 2011). Entretanto, o ritmo das mudanças 3773
climáticas não é o mesmo em todas as zonas dos oceanos e nem as respostas das espécies às variações 3774
de um determinado parâmetro ambiental, como a temperatura da água, são iguais, dificultando a 3775
avaliação dessas mudanças sobre os recursos vivos marinhos de forma abrangente e generalizada 3776
(Hobday et al, 2012). Com base na análise de diversas variáveis ambientais e usando tendências 3777
históricas e projeções de aquecimento global, estes autores sugerem que as regiões de hotspots 3778
116
geralmente ocorrem na periferia das bacias oceânicas, em áreas com elevada dependência humana dos 3779
recursos marinhos, como o sudeste da Ásia e da África ocidental, as quais deveriam ser consideradas 3780
para melhor avaliar os impactos das mudanças climáticas sobre os oceanos e seus recursos vivos, 3781
propondo alternativas de adaptação face a estas mudanças. 3782
No que se refere à termoclina, camada que em razão do seu forte gradiente térmico apresenta também 3783
uma marcada descontinuidade faunística, tem se observado uma diminuição da sua profundidade média 3784
no Pacífico Centro-oeste (Yeh et al, 2009). Embora estes efeitos sejam mais evidentes durante a 3785
ocorrência de fenômenos climáticos periódicos, como o El Niño, o aquecimento global a longo prazo, 3786
provocado por causas naturais ou pela ação do homem, poderá provocar alterações ainda mais 3787
importantes e duradouras na estrutura térmica dos oceanos e, por consequência, no clima do nosso 3788
planeta. 3789
Em relação à produtividade primária, alguns trabalhos já mostram indícios de sua diminuição 3790
(“desertificação dos oceanos”), com um aumento da ordem de 7 x 106 km
2 das áreas oligotróficas nos 3791
últimos 10 anos, principalmente nas bacias do Atlântico e Pacífico (Valentin 2008). Segundo o mesmo 3792
autor, esse processo seria decorrente da elevação da temperatura superficial, a qual, consequentemente, 3793
acentuaria o gradiente térmico da termoclina, reduzindo a taxa de fertilização por processos de mistura 3794
vertical com águas mais profundas e ricas em nutrientes (Behrenfeld, et al. 2006; Behrenfeld, 2011; 3795
Siegel e Franz, 2010; Boyce at al., 2010; Huisman et al, 2004). A redução da biomassa fitoplânctonica, 3796
por sua vez, reduzirá a capacidade dos oceanos de absorverem CO2, potencializando o efeito do 3797
aquecimento global através de um processo de feedback positivo (Behrenfeld, 2011). 3798
Ao longo da história geológica do planeta, os oceanos sempre atuaram como um imenso sumidouro do 3799
dióxido de carbono atmosférico, seja na forma dissolvida, em razão da elevada solubilidade desse gás 3800
na água, seja em razão na sua fixação e posterior sedimentação de organismos planctônicos que fixam 3801
o carbono em seus constituintes orgânicos. Cabe ressaltar que a hipótese mais aceita para a formação 3802
do petróleo, a hipótese biogênica, assim como dos clatratos de metano, é de que o mesmo se originaria 3803
da biomassa planctônica sedimentada, sob certas condições de temperatura e pressão. As reservas 3804
planetárias de combustíveis fósseis, portanto, seriam, assim, o testemunho mais evidente da 3805
importância dos oceanos para o sequestro de carbono atmosférico ao longo das eras geológicas. 3806
Trabalhos recentes, contudo, têm indicado que os oceanos do mundo podem estar perdendo parte da 3807
sua capacidade de absorver CO2, devido, entre outros fatores, à intensificação dos ventos (Le Quéré, 3808
2007). 3809
Fortes variações da circulação atmosférica têm sido igualmente observadas em decorrência das 3810
variabilidades climáticas, entre as quais aquelas causadas pelo El Niño, processo que provoca um 3811
aquecimento anômalo da temperatura da superfície do mar no Oceano Pacífico, ocasionando mudanças 3812
na atmosfera próxima à superfície, com consequências em escala global. O aquecimento do oceano, 3813
porém, provoca mudanças na circulação da atmosfera, desde os níveis mais baixos até os mais altos, 3814
determinando mudanças nos padrões de transporte de umidade e, portanto, variações na distribuição 3815
das chuvas em regiões tropicais e de latitudes médias e altas. 3816
Um dos mecanismos capazes de desencadear ou amplificar mudanças climáticas num período 3817
relativamente curto é a circulação termohalina (Bradley, 1999). Um aumento da precipitação em 3818
latitudes elevadas, associada à intensificação do processo de derretimento da calota polar, geleiras e 3819
cobertura glacial da Groelândia, por exemplo, poderá causar potencialmente uma redução significativa 3820
da salinidade das águas superficiais do Atlântico Norte e, consequentemente, da sua densidade, 3821
enfraquecendo ou mesmo interrompendo o afundamento das mesmas em razão do seu resfriamento, 3822
nos mares da Islândia e Noruega. Tal fenômeno teria como consequência a suspensão da circulação 3823
117
termohalina e a paralisação da chamada esteira transportadora de calor do Atlântico Norte (North 3824
Atlantic Conveyor Belt) e um consequente recuo da Corrente de Golfo gerando, paradoxalmente, um 3825
progressivo arrefecimento da atmosfera e da superfície das águas oceânicas dessa região do Atlântico, 3826
com um possível resfriamento significativo do continente europeu4 (Weaver e Hillaire-Marcel, 2004) e 3827
um aumento das temperaturas em regiões extratropicais do hemisfério sul (Machado e Justino, 2011). 3828
Outro fenômeno que, potencialmente, poderia agravar o aquecimento global pelo efeito estufa seria a 3829
eventual, e possivelmente progressiva, liberação do metano contido nas camadas congeladas de 3830
clatratos ou hidratos presentes no subsolo marinho ou continental (permafrost). Embora as avaliações 3831
da quantidade de carbono contida nesses compostos sejam ainda bastante variáveis, as mesmas 3832
apontam para volumes que vão desde a metade a mais de duas vezes e meia o montante existente no 3833
planeta sob todas as outras formas de combustíveis fósseis, com o agravante do metano possuir um 3834
potencial de aquecimento global cerca de 20 vezes maior que o dióxido de carbono. O risco nesse caso 3835
seria o possível surgimento de um processo de feedback positivo mediante o qual a intensificação da 3836
liberação do metano contido nessas reservas agravaria o efeito estufa, elevando a temperatura do 3837
planeta e causando, assim, a liberação de mais metano. 3838
Outro aspecto importante ligado indiretamente à mudança climática, mas com consequências diretas 3839
sobre o ecossistema marinho, é a acidificação dos oceanos. Esse processo, como mencionado acima, 3840
decorre da dissolução do CO2 atmosférico na água do mar, transformando-se em ácido carbônico (CO2 3841
+ H2O H2CO3) e causando uma consequente diminuição do pH (Valentin, 2008). Estimativas 3842
apontam que o pH da superfície oceânica tenha diminuído em cerca de 0,1, numa escala logarítmica, 3843
com uma diminuição da ordem de 0,3 a 0,5 até 2010 (Caldeira e Wickett, 2003). Uma aceleração dessa 3844
mudança no próximo século, em princípio, poderá ter tanto consequências positivas como negativas 3845
sobre o crescimento do plâncton. Durante a fotossíntese o fitoplâncton absorve o CO2 e libera oxigênio, 3846
sequestrando, assim, o CO2 atmosférico, processo chamado de “bomba biológica” e que é favorecido 3847
por uma maior disponibilidade de dióxido de carbono dissolvido na água (Behrenfeld, 2011). Por outro 3848
lado, entretanto, certas espécies necessitam fixar carbonato de cálcio nas suas carapaças, processo 3849
dificultado pela acidificação do meio ambiente marinho, da mesma forma que a sua dissolução é 3850
facilitada em níveis de pH mais baixos. 3851
O mesmo impacto atinge também diretamente outros grupos taxonômicos importantes, como os corais, 3852
moluscos e crustáceos que utilizam o carbonato de cálcio em suas carapaças ou outros constituintes 3853
orgânicos (Valentin, 2008). 3854
4.4.2.2. Aspectos biológicos 3855
4.4.2.2.1 Alterações na biota marinha 3856
Embora algumas alterações nas características ambientais dos oceanos, principalmente em regiões 3857
costeiras, estejam associadas às variabilidades climáticas naturais e mesmo às ações antrópicas locais, 3858
as mudanças climáticas que vem ocorrendo no planeta tem sido responsáveis por transformações 3859
importantes nos oceanos. Mudanças na temperatura da água, nas correntes e nas ressurgências costeiras 3860
são exemplos das alterações das condições ambientais dos oceanos como resultado das mudanças 3861
climáticas (Bakun, 1990; IPCC, 2007; Diaz e Rosenberg, 2008), as quais podem afetar direta e 3862
indiretamente importantes processos biológicos (alimentação, reprodução, distribuição, migração, entre 3863
4 Essa possibilidade hipotética foi explorada cinematograficamente no filme “O dia depois de amanhã”.
118
outros) de diversos representantes de vida marinha. Entretanto, entre os fatores ambientais, a 3864
temperatura da água certamente é o que mais influencia os organismos em diferentes ecossistemas 3865
marinhos (Laevaustu, 1993). 3866
Uma elevação da temperatura da água do mar promoverá certamente alterações importantes na 3867
composição específica, e consequente dinâmica, dos ecossistemas marinhos, com consequências 3868
extremamente difíceis de prever. O equilíbrio existente entre as diversas espécies integrantes de um 3869
determinado ecossistema será alterado em função de suas respectivas tolerâncias a diferentes 3870
temperaturas, conduzindo o mesmo a uma nova condição de equilíbrio baseada em diferentes relações 3871
entre competidores e entre presas e predadores. As interações interespecíficas na teia alimentar 3872
marinha, porém, são bastante complexas, tornando praticamente impossível prever variações de 3873
abundância entre as diversas espécies (Benincá, 2008). O mapa de distribuição geográfica de uma parte 3874
significativa da biota aquática será, portanto, redesenhado, com consequências extremamente 3875
relevantes para a biodiversidade e para a atividade pesqueira. Algumas espécies se tornarão mais 3876
abundantes em áreas onde eram antes escassas, enquanto outras diminuirão ou desaparecerão. A 3877
tendência predominante, no entanto, devido ao estresse associado a essas mudanças deverá ser uma 3878
perda ou alteração, possivelmente acentuada, de biodiversidade. De qualquer forma, as respostas das 3879
diferentes espécies frente às mudanças do ambiente estarão diretamente associadas as suas capacidades 3880
de tolerância (espécies eurióicas e estenóicas) e adaptabilidade às novas condições ambientais e 3881
também, claro, à velocidade em que elas ocorrem. 3882
As composições fito- e zooplanctônicas poderão sofrer alterações significativas, com um possível 3883
aumento na intensidade e floração de algas nocivas (Van de Waal, 2011), por exemplo, em particular 3884
nas regiões costeiras sujeitas a um maior grau de eutrofização. Em consequência das possíveis 3885
alterações no plâncton, os processos de desenvolvimento larval de diversas espécies poderão ser 3886
diretamente afetado, seja em razão do aumento na incidência de doenças e parasitas, seja pela redução 3887
na disponibilidade de organismos forrageiros, em decorrência das variações na abundância e 3888
composição planctônica. Além disso, temperaturas mais elevadas poderão causar o desacoplamento 3889
espaço-temporal dos processos reprodutivos, antecipando, por exemplo, o período de desova e fazendo 3890
com que o mesmo ocorra fora de fase com o pico de disponibilidade de organismos forrageiros e em 3891
áreas diversas daquelas tradicionalmente utilizadas (e.g. mais distantes da costa), onde a sobrevivência 3892
larval poderá ficar comprometida. 3893
As comunidades coralíneas, por sua vez, sofrerão não apenas com a alteração na temperatura, mas 3894
com o processo de acidificação associado ao aumento na concentração de CO2, favorecendo o 3895
desenvolvimento de corais em regiões antes não ocupadas pelos mesmos e restringindo a sua presença 3896
nos ecossistemas onde se encontram atualmente presentes. Considerando-se, contudo, o tempo de 3897
desenvolvimento bastante lento dessas comunidades, é provável que o impacto no curto prazo seja 3898
muito mais negativo do que positivo. Além disso, as novas áreas onde as condições de temperatura 3899
poderão eventualmente ser favoráveis ao desenvolvimento de corais, poderão não apresentar outras 3900
variáveis adequadas ao crescimento desses organismos, como a transparência da água, por exemplo. 3901
Temperaturas da água do mar mais elevadas também reduzem a solubilidade e consequente 3902
disponibilidade do oxigênio, contribuindo para o branqueamento dos corais. Os organismos coralíneos 3903
possuem uma alga simbiótica, as zooxantelas, da qual dependem diretamente os seus processos 3904
nutritivos. Por razões ainda não muito bem compreendidas, mas aparentemente associadas à elevação 3905
da temperatura, os corais eventualmente expelem as suas zooxantelas, embranquecem e morrem. Para 3906
dar uma ideia do possível impacto desse fenômeno, em 2002, mais da metade dos 40 mil km2 da grande 3907
barreira de corais australiana sofreu algum grau de branqueamento (Stone, 2007). 3908
119
A consequência desses processos, associados a outros fatores contributivos para a perda de qualidade 3909
do ecossistema marinho, como a poluição oriunda dos continentes e o aumento da quantidade de 3910
material em suspensão, tem sido uma progressiva redução das áreas cobertas por corais em todo 3911
mundo, tendência esta que deverá se acentuar substancialmente com o agravamento do aquecimento 3912
global. O impacto negativo do aquecimento do planeta sobre essas comunidades seriam ademais 3913
potencializados ao longo dos diversos níveis tróficos, em razão do grande número de espécies que 3914
dependem desses ecossistemas, para abrigo, reprodução e alimentação. As consequências sobre os 3915
processos de recrutamento das espécies capturadas comercialmente poderão ser catastróficas, com 3916
graves prejuízos não somente para a biodiversidade, mas para a segurança alimentar de inúmeras 3917
comunidades costeiras em todo mundo, principalmente nos pequenos países insulares em 3918
desenvolvimento, muitos dos quais dependem diretamente desses ecossistemas para a sua subsistência, 3919
tanto de forma direta, pela atividade pesqueira, como indireta, como resultado do turismo. 3920
Além dos efeitos do aquecimento oceânico diretamente sobre os processos reprodutivos e de 3921
recrutamento, nas relações presa-predador e na consequente distribuição geográfica das diversas 3922
espécies integrantes da biota aquática, acima discutidos, o aumento da temperatura poderá ter outros 3923
impactos menos evidentes, como alterações, por exemplo, nas proporções sexuais em diversas espécies, 3924
a exemplo das tartarugas marinhas já que temperaturas mais elevadas durante o processo de 3925
desenvolvimento embrionário tende a aumentar a proporção de fêmeas. Nesse caso específico, porém, a 3926
estratégia reprodutiva dos machos parece ser capaz de compensar proporções sexuais diferenciais ao 3927
nascimento mesmo em situações com uma forte predominância de fêmeas (Wright et al., 2012). 3928
As possíveis alterações na biota marinha decorrentes do aquecimento global terão, inexoravelmente, 3929
impactos importantes e diretos na atividade pesqueira, tanto costeira, como oceânica. Alguns efeitos 3930
diretos de alterações ambientais importantes, mesmo que temporárias e associadas, de uma maneira 3931
geral, à variabilidade climática global provocada pelo fenômeno de El Niño, na pesca oceânica de 3932
grandes peixes pelágicos, serão discutidos a seguir. 3933
4.4.2.2.2. Eventuais impactos sobre recursos pesqueiros 3934
No ecossistema pelágico oceânico, a pesca é provavelmente a única atividade humana que poderá 3935
sofrer diretamente os impactos das alterações nas características deste ambiente provocadas pelas 3936
mudanças climáticas do planeta. Entre as pescarias desenvolvidas em mar aberto, a pesca de atuns e 3937
espécies afins certamente será a mais atingida, em decorrência da sua vasta abrangência espacial, uma 3938
vez que é praticada nos oceanos Atlântico, Pacífico e índico, e também pelos elevados valores que as 3939
espécies-alvo atingem no mercado mundial de pescados. Esta pescaria apresenta como característica 3940
principal uma variação bem definida no tempo e no espaço, a qual está diretamente associada à forte 3941
variabilidade das condições do ambiente pelágico oceânico (Fonteneau, 1998a, 1998b). É a 3942
heterogeneidade espaço-temporal das características deste ecossistema que condiciona a concentração 3943
das diferentes espécies em um determinado setor e época do ano, onde e quando as condições 3944
oceanográficas são favoráveis ao crescimento, reprodução e alimentação desses importantes recursos 3945
pesqueiros (Fonteneau, 1998b; Travassos, 1999a). 3946
Estudos realizados sobre as principais espécies de atuns capturadas por diversas artes de pesca no 3947
Oceano Atlântico comprovaram que as mudanças climáticas têm afetado não apenas o recrutamento 3948
dessas espécies, mas igualmente sua distribuição e abundância e, em consequência, suas capturas 3949
(Cayré e Brown, 1986; Fonteneau e Roy, 1987; Lehodey et al. 1997; Marsac, 1992; Travassos, 1999a). 3950
120
Embora os atuns e outras espécies de grandes peixes pelágicos, como alguns tubarões, sejam espécies 3951
euritérmicas5 (Block e Stevens, 2001), a temperatura da água exerce grande influência nas suas 3952
distribuição e abundância. Entretanto, se as variações espaço-temporais das principais espécies de atuns 3953
são relativamente bem conhecidas e estão associadas, em grande parte, ao ciclo anual da TSM, outros 3954
fatores oceanográficos apresentam também um efeito importante sobre as capturas dessas espécies. 3955
Entre esses parâmetros, a estrutura da termoclina (profundidades do topo e da base, espessura e 3956
gradiente térmico) é provavelmente o mais importante para a pesca, principalmente para aquela 3957
praticada com espinhel. Alterações importantes na TSM e na estrutura da termoclina podem influenciar 3958
diretamente o comportamento dessas espécies, promovendo mudanças nos seus padrões de distribuição 3959
e abundância, com efeitos diretos na atividade pesqueira. As mudanças de TSM também irão afetar a 3960
estrutura e posição geográfica das frentes termohalinas. As frentes tem um marcado papel na 3961
distribuição dos atuns e na sua pesca (Sund, 1981; Olson et al., 1994) . A afinidade de várias espécies 3962
de atuns com as frentes são muito claras aqui no sul de Brasil, particularmente pela influencia exercida 3963
pela Convergência Sub-tropical (Schroeder e Castello, 2007). 3964
Um exemplo desta relação foi observado no Atlântico tropical, no Golfo da Guiné, em decorrência de 3965
importante anomalia climática que ocorreu em 1984 (Piton, 1985; Hisard et al, 1986; Philander, 1986). 3966
De acordo com Fonteneau e Roy (1987), a área adjacente ao cabo Lopez (Gabão), no sudeste do Golfo 3967
da Guiné, é tradicionalmente conhecida como uma importante zona de pesca de atuns com rede de 3968
cerco, cujas capturas anuais variam de 10.000 t a 20.000 t de bonito listrado (Katswuonus pelamis) e 3969
juvenis de albacora laje (Thunnus albacares) e albacora bandolim (Thunnus obesus). Ainda segundo 3970
estes autores, essas capturas elevadas decorrem das condições oceanográficas favoráveis, vigentes de 3971
maio a setembro, principalmente no que se refere à presença de uma frente termohalina (frente do Cabo 3972
Lopez), que separa as águas quentes da Baia de Biafra (mais ao norte) das águas frias das ressurgências 3973
costeiras do Gabão, favorecendo a formação e concentração de cardumes de atuns e as suas capturas 3974
nesta época do ano. Com as fortes alterações ambientais registradas em 1984, foram observadas 3975
anomalias da TSM de até 4oC acima da média climatológica para a região, assim como a ausência total 3976
da ressurgência, responsável pelo enriquecimento biológico desta zona e pela formação da frente 3977
termohalina. Desta forma, nenhuma das condições que se acreditava serem as responsáveis por 3978
promover elevadas concentrações de atuns e bons resultados nas pescarias estava presente naquele 3979
período do ano no Cabo Lopez. Entretanto, as capturas excepcionalmente elevadas de bonito listrado, 3980
com uma média de 9,7 t/dia de pesca (maio a julho), fizeram com que esta espécie contribuísse com 3981
70% da captura total, índice bastante elevado e jamais registrado nesta pescaria, demonstrando que, 3982
pelo menos para esta espécie, outros fatores ambientais e também biológicos interferiram para 3983
promover uma forte abundância da mesma naquele setor (Fonteneau e Roy, 1987). As capturas das 3984
albacoras laje e bandolim juntas, por sua vez, foram bem mais baixas, da ordem de 2,8 t/dia de pesca. 3985
Não se sabe ao certo o que promoveu esta elevada captura do bonito listrado, em detrimento das duas 3986
outras espécies, mas fatores como o aporte de nutrientes dos rios, decorrentes das fortes chuvas que 3987
ocorreram no período, promovendo o enriquecimento biológico do ambiente, uma maior quantidade de 3988
objetos flutuantes trazidos pelos rios (ex. troncos), que agregam e facilitam a captura de atuns, e 3989
também a memória genética da população, podem ter determinado a migração da espécie para o cabo 3990
Lopez, de forma independente das condições ambientais vigentes (Fonteneau e Roy, 1987). 3991
5 Espécies que possuem a capacidade de regular sua temperatura corpórea através de processos fisiológicos e
comportamentais, possuindo certo grau de independência da temperatura da água do mar, ampliando a abrangência espacial
do seu habitat nos oceanos.
121
Entretanto, nem sempre os efeitos das mudanças no ambiente pelágico oceânico são favoráveis à 3992
atividade pesqueira. Analisando as anomalias da TSM no Atlântico Sul e a distribuição espaço-3993
temporal da albacora branca (Thunnus alalunga), espécie de atum de águas temperadas, Travassos 3994
(1999b) observou que, embora as fortes anomalias da TSM observadas na área de desova, ao largo da 3995
costa brasileira, não tenham interferido na migração reprodutiva da espécie, provocaram quedas 3996
importantes nos rendimentos da pesca. Tanto a migração de reprodução da albacora branca no 3997
Atlântico Sul6, como a sua migração trófica de retorno às áreas de alimentação em latitudes elevadas, 3998
após a desova, são efetuadas de forma sincronizada com as estações do ano (Travassos, 1999b). Ao 3999
contrário das espécies tropicais de atuns, como o bonito listrado e as albacoras laje e bandolim, que se 4000
reproduzem com maior frequência, dependendo das condições do ambiente (comportamento 4001
oportunista), a albacora branca só realiza a sua reprodução uma vez por ano, em áreas e épocas bem 4002
definidas, onde e quando as condições ambientais são favoráveis à desova (Cury, 1994, 1995). Isto 4003
implica em uma periodicidade regular desses deslocamentos de larga escala, cujo início provavelmente 4004
está associado a um estímulo externo que, em princípio, deve apresentar também essa mesma 4005
periodicidade (Cayré, 1990). Considerando-se que este estímulo seja a temperatura da água do mar, 4006
cujas variações sazonais podem ser acompanhadas pelos deslocamentos das isotermas, a ocorrência de 4007
anomalias positivas ou negativas da TSM poderia provocar um avanço ou um atraso no início das 4008
migrações transoceânicas da albacora branca (Travassos, 1999b; Figura 1). No caso da migração 4009
reprodutiva, seu início ocorre normalmente a partir de agosto/setembro no sul da África (costas da 4010
Namíbia e África do Sul), principal zona de alimentação da albacora branca e concentrações 4011
importantes da espécie podem ser observadas na área de desova, ao largo da costa brasileira, já a partir 4012
de outubro e até fevereiro, quando a temperatura da água na região é adequada à desova. Analisando 4013
mudanças ambientais e a distribuição espaço-temporal da espécie (capturas e índices de abundância) no 4014
Atlântico sul, entretanto, Travassos (1999b) constatou que mesmo as anomalias de TSM mais fortes 4015
registradas no sul da África (1973, 1984 e 1987) não provocaram alterações na migração reprodutiva da 4016
espécie em direção à costa do Brasil, com a mesma se iniciando sempre em agosto/setembro. As 4017
concentrações na zona tradicional de desova de outubro a fevereiro também foram observadas, apesar 4018
das fortes anomalias positivas de TSM registradas. Era de se esperar que estas anomalias provocassem 4019
mudanças no processo migratório da espécie, com a mesma buscando outras áreas onde as condições 4020
ambientais fossem mais favoráveis a sua desova. Entretanto nenhuma captura anormal da espécie, que 4021
pudesse confirmar tais mudanças, foi observada em outras zonas de pesca do Atlântico sul. Estes 4022
resultados mostraram que a albacora branca apresenta um comportamento obstinado, que consiste em 4023
retornar ao local de nascimento para se reproduzir (“homing”; Cury, 1994), independentemente das 4024
condições ambientais vigentes no seu habitat (Travassos, 1999; Figura 1). Entretanto, se a espécie está 4025
sempre presente na área e época da desova ao largo da costa brasileira, como explicar as quedas nas 4026
capturas da albacora branca quando da ocorrência de fortes anomalias positivas da TSM no momento 4027
da reprodução? 4028
O Atlântico sudoeste tropical ao largo da costa brasileira é uma conhecida zona de pesca da espécie, 4029
em decorrência da elevada concentração reprodutiva que ocorre de outubro a fevereiro entre o Recife e 4030
o Rio de Janeiro, a qual está diretamente associada às temperaturas adequadas à desova e ao 4031
desenvolvimento das larvas (Bard, 1988). Nesta área de desova, as condições térmicas de superfície e 4032
subsuperfície são, de uma maneira geral, relativamente estáveis ao longo do ano. Entretanto, 4033
6 A ICCAT (International Commission for the Conservation of Atlantic Tuna), Organização Regional de Ordenamento
Pesqueiro responsável pela gestão das pescarias e conservação das espécies de atuns do Atlântico, considera a existência de
três estoques: o do Mar Mediterrâneo, o do Atlântico Norte e o do Atlântico Sul. Estes últimos estão separados pela latitude
de 5oN.
122
aquecimentos anômalos importantes, acima de 2oC, foram registrados durante o período de desova da 4034
espécie, na primavera e verão de 1972/1973, 1973/1974 e 1987/1988 (Travassos, 1999a, 1998b), 4035
associados ao fenômeno El Niño 1972/1973 e 1986/1987 (Rebert e Donguy, 1988; Nicholson, 1997)7. 4036
Estudando os efeitos das alterações ambientais sobre a pesca da albacora branca no Atlântico sul, 4037
Travassos (1999b) observou que a ocorrência destas fortes anomalias positivas da TSM foram as 4038
responsáveis pelas quedas nos rendimentos da pesca durante estes períodos. 4039
É preciso, contudo, conhecer um pouco da ecologia da espécie para melhor entender como estas 4040
alterações ambientais provocaram um efeito negativo sobre as capturas da espécie ao largo do Brasil, 4041
sem interferir na sua migração. Sendo uma espécie temperada, a preferência térmica (faixa de 4042
temperatura ótima) da albacora branca é por águas com temperaturas entre 15oC e 20
oC, embora sua 4043
tolerância seja bem mais ampla, suportando águas que variam de 7oC a 25
oC (Boyce et al., 2008). 4044
Portanto, quando a espécie se encontra nadando em águas quentes da camada de mistura (>25oC) da 4045
zona tropical para se reproduzir, sua temperatura corpórea tende a aumentar significativamente acima 4046
de níveis tolerados pela espécie, causando um desconforto térmico (Figura 2). Se em águas frias a 4047
albacora branca recorre à termorregulação fisiológica, regulando a eficiência de seu sistema trocador de 4048
calor8 para aumentar e manter sua temperatura corpórea em níveis fisiológicos aceitáveis, em águas 4049
quentes superficiais a espécie utiliza a termorregulação comportamental, mergulhando para águas frias 4050
a fim de dissipar o excesso de calor absorvido (Graham e Dickson, 1981; Figura 2). Neste contexto, a 4051
migração da albacora branca para zonas tropicais visa exclusivamente a atender às necessidades 4052
térmicas de ovos e larvas, cujas sobrevivência e desenvolvimento dependem diretamente da 4053
temperatura da água do mar, a qual deve se situar acima de 24oC para garantir o sucesso da desova 4054
(Schaefer, 2001). 4055
Em decorrência destas necessidades, a desova da espécie ocorre na camada de mistura, acima da 4056
termoclina, onde a temperatura da água é elevada. Temperaturas acima de 25oC da camada de mistura, 4057
associadas à própria atividade metabólica da reprodução, vão produzir um excesso de calor corporal 4058
que é necessário eliminar (Travassos, 1999b). Conforme mencionado acima, a albacora branca recorre 4059
aos deslocamentos verticais (Laurs et al, 1980) entre as camadas acima (águas quentes >25oC) e abaixo 4060
da termoclina (águas frias <15oC) para dissipar o excesso de calor adquirido. Em condições normais, 4061
sem aquecimentos atípicos da camada superficial do oceano, a espécie consegue permanecer mais 4062
tempo nos primeiros 100 m de profundidade para efetuar a sua desova. Como os anzóis do espinhel 4063
pelágico empregado nas capturas da espécie se distribuem também nesta faixa de profundidade 4064
(Travassos, 1999b), os rendimentos da pesca são elevados. Entretanto, durante a ocorrência de fortes 4065
anomalias positivas da TSM, a espécie é forçada a realizar com maior frequência estes deslocamentos 4066
verticais, permanecendo mais tempo nas camadas mais profundas, de águas frias, abaixo da termoclina 4067
e fora do alcance dos anzóis do espinhel, dissipando o excesso de calor corpóreo, o que explica as 4068
quedas nas suas capturas (Figura 3). É importante salientar, entretanto, que se as anomalias positivas 4069
afetam negativamente a atividade reprodutiva dos adultos da espécie, é provável que, em decorrência 4070
das necessidades térmicas de ovos e larvas, um aumento na temperatura da água favoreça a 4071
7 Embora o El Niño 1982/1983 tenha sido considerado mais forte que estes (força 5, segundo Rebert e Donguy, 1988),
anomalias positivas da TSM associadas a ele só foram observadas na área de desova da albacora branca a partir de fevereiro
de 1984, já no fim do período de reprodução da espécie, não apresentando, portanto, influencia nos resultados da pesca da
espécie. Os efeitos decorrentes deste El Niño no Atlântico tropical foram muito intensos no lado leste da bacia, no interior
do Golfo de Guiné, promovendo alterações ambientais muito mais severas no primeiro semestre de 1984, conforme
mencionado acima (Fonteneau e Roy, 1987).
8 Sistema de vasos sanguíneos (artérias e veias) dispostos em contracorrente, permitindo a troca de calor entre eles (Graham
e Dickson, 2001).
123
sobrevivência e o desenvolvimento larvar, garantindo o sucesso da desova. Estes aspectos precisam ser 4072
melhor estudados, incluindo os possíveis efeitos negativos provocados por quedas na temperatura da 4073
água. 4074
Outra questão ambiental não menos importante são as prováveis modificações que possam vir a 4075
ocorrer no regime de correntes marinhas, em decorrência das mudanças climáticas globais (Herr e 4076
Galland, 2009). Caso estas modificações envolvam a Corrente Sul Equatorial (CSE) no Atlântico, 4077
certamente alterações importantes também ocorrerão na delimitação setentrional da área de desova da 4078
albacora branca do Atlântico sul. Ao se aproximar da costa brasileira entre 5oS e 10
oS, a CSE se 4079
bifurca, formando a Corrente Norte do Brasil (CNB), que se desloca ao longo da costa nordeste e norte 4080
do País em direção ao mar do Caribe, e a Corrente do Brasil (CB), que segue para o sul, se encontrando 4081
com águas da Corrente das Malvinas em torno da latitude de 36oS (Francisco e Silveira, 2004). Esta 4082
bifurcação da CSE desempenha um papel ecológico de grande relevância para a albacora branca, 4083
definindo o limite norte da sua zona de reprodução (Travassos, 1999b). Caso a desova ocorra acima 4084
deste limite, as larvas serão transportadas pela CNB em direção ao hemisfério norte, alimentando, 4085
assim, o estoque da albacora branca do norte. Para que atividade reprodutiva da espécie alcance seu 4086
objetivo de manter a biomassa do estoque do sul, a desova deve ocorrer ao sul desta bifurcação, cujas 4087
águas serão transportadas para o sul, através da CB, que também desempenha um papel ecológico 4088
importante para a albacora branca, transportando suas larvas de uma zona extremamente oligotrófica, 4089
onde ocorre a desova, para zonas ricas em alimento, em latitudes mais elevadas (Travassos, 1999b). 4090
Alterações neste regime de correntes associadas às mudanças climáticas, certamente teriam um efeito 4091
negativo sobre atividade reprodutiva da albacora branca, principalmente no que se refere à delimitação 4092
da sua área de desova e ao transporte de larvas para zonas ricas em alimento do Atlântico sul. 4093
Outro exemplo da influência das variações climáticas na pesca de grandes peixes pelágicos pode ser 4094
observado para o espadarte (Xiphias gladius). Estudando a ecologia desta espécie no Atlântico Sul, 4095
Hazin (2006) observou um decréscimo importante nos valores de CPUE (captura por unidade de 4096
esforço de pesca) em áreas com anomalias positivas da TSM acima de 1°C. Segundo o autor, esta 4097
queda na CPUE estaria relacionada diretamente com os deslocamentos horizontais e verticais que a 4098
espécie realiza em busca de condições termicamente favoráveis, alterando suas distribuição e 4099
abundância e assim, os rendimentos da pesca. Hazin e Erzini (2008) observaram que as anomalias de 4100
TSM parecem influenciar apenas os jovens, em função de serem estes mais termodependentes do 4101
ambiente e, portanto, mais vulneráveis às alterações da TSM. Estes mesmos autores identificaram que 4102
jovens da espécie (<125 cm de comprimento MIF9) apresentam uma distribuição vertical e horizontal 4103
bastante restrita, com temperatura da água acima de 25oC, localizando-se em áreas tropicais próximas 4104
da costa e de bancos e ilhas oceânicas, consideradas como áreas de alimentação e desenvolvimento. 4105
Esses autores observaram também que indivíduos entre 130 e 170 cm de comprimento utilizam a zona 4106
oceânica equatorial do Atlântico para amadurecimento gonadal, antes de migrarem para fins 4107
reprodutivos e tróficos na direção de latitudes elevadas (Amorim e Arfelli, 1979; Arfelli, et al. 1997; 4108
Hazin e Erzini, 2008). 4109
Entretanto, os efeitos da elevação da temperatura dos oceanos sobre os diferentes representantes de 4110
vida marinha não se restringem apenas as suas distribuição e abundancia. Diversos aspectos da biologia 4111
das diferentes espécies são afetados, em maior ou menor grau. Mudanças importantes nas taxas de 4112
crescimento de mortalidade natural, no tamanho de primeira maturação sexual e fecundidade, no 4113
recrutamento, nos deslocamentos para fins reprodutivos, assim como na esperança de vida e na 4114
9 MIF - Medida entre a extremidade da mandíbula inferior até a furca da nadadeira caudal.
124
produção de biomassa dos seus estoques, entre outros fatores, tem sido reportados para diferentes 4115
espécies de regiões polares, temperadas e tropicais (Roessig et al., 2004). Embora realizado em zona 4116
estuarina, o trabalho de Schroeder e Castello (2010), abordando os efeitos das mudanças climáticas 4117
sobre os recursos pesqueiros da Lagoa dos Patos (RS), evidencia também as consequências, positivas e 4118
negativas dessas mudanças, como o aumento da temperatura da água sobre diversos aspectos da 4119
biologia das principais espécies capturadas na região. 4120
No caso da maricultura, algumas atividades poderão ser beneficiadas, enquanto outras prejudicadas 4121
com o aquecimento marinho. Espécies como o mexilhão, Perna perna, nativo de águas brasileiras e 4122
cultivado na costa sudeste do País, poderão ter a sua taxa de crescimento elevada e área favorável ao 4123
cultivo expandida, enquanto outras, como a ostra japonesa, Crassostrea gigas, adaptada a águas mais 4124
frias, poderão ter o seu cultivo em águas brasileiras comprometido (CGEE, 2007). No caso da 4125
carcinicultura do Litopenaeus vannamei, praticada principalmente na costa nordestina, um aquecimento 4126
da temperatura poderá tanto beneficiar a atividade, a partir da aceleração do crescimento e 4127
abreviamento do ciclo de cultivo, como acarretar prejuízos decorrentes de uma maior incidência de 4128
doenças, decorrente da proliferação facilitada de micro-organismos patológicos em águas mais quentes, 4129
associada a um maior nível de estresse a que os camarões estarão submetidos em razão do aumento da 4130
taxa metabólica e da redução da solubilidade do oxigênio dissolvido. 4131
Neste contexto, a produtividade da atividade pesqueira, tanto da pesca como da aquicultura, tem sido e 4132
serão cada vez mais afetadas, em diversas partes do mundo, pelas alterações no ambiente oceânico 4133
decorrentes das mudanças climáticas, as quais, na maioria das vezes, mas nem sempre, como veremos 4134
no item a seguir, acarretam efeitos negativos para a atividade. O monitoramento ambiental dos 4135
oceanos, portanto, associado a um melhor conhecimento das respostas dos organismos marinhos aos 4136
efeitos das mudanças climáticas poderão, certamente, ajudar na tomada de decisões e na adoção de 4137
medidas que contribuam para minimizar estes efeitos. 4138
4.4.3. Estratégia de adaptação 4139
As alterações ambientais nos oceanos decorrentes das mudanças climáticas tem, em maior ou menor 4140
grau, afetado os organismos marinhos e, em consequência, a atividade pesqueira. Estudos realizados 4141
sobre os efeitos das mudanças climáticas na distribuição de organismos marinhos têm demonstrado que 4142
peixes e invertebrados tendem a se deslocar para latitudes elevadas e camadas mais profundas do 4143
oceano, como resposta às mudanças do ambiente em que vivem, principalmente no se refere ao 4144
aumento da temperatura da água (Perry et al, 2005; Dulvy et al, 2008). Estudo realizado por Cheung et 4145
al (2009) demonstrou que as mudanças climáticas podem promover uma redistribuição em larga escala 4146
do potencial de captura de várias espécies, com um aumento de 30% a 70% em regiões de altas 4147
latitudes e quedas acima de 40% nos trópicos (Figura 4). Os autores basearam-se em dois cenários 4148
climáticos distintos para as projeções de seus modelos: um com elevada emissão de gases do efeito 4149
estufa, com concentração de CO2 de 720 ppm em 2100 (cenário 1), e outro, de baixa emissão de gases, 4150
da ordem de 365 ppm, nível da concentração de CO2 no ano 2000 (cenário 2). Os resultados deste 4151
trabalho mostraram que embora o potencial máximo de captura (PMC) global não tenha praticamente 4152
alterado entre 2005 e 2055 (1%), escala temporal definida para as projeções, as mudanças climáticas 4153
poderão promover alterações importantes na distribuição espacial do PMC, principalmente entre as 4154
regiões tropicais e temperadas. De uma maneira geral, boa parte das zonas costeiras terá seu PMC 4155
reduzido de 15% a 50%, com uma queda ainda maior no entorno da Antártica (acima de 50%), quando 4156
considerou o cenário 1. Por outro lado, um aumento de mais de 50% no PMC poderá ser observado nas 4157
latitudes elevadas, com maior evidência nas zonas oceânicas ao norte do Pacífico e Atlântico e também 4158
no oceano austral, no entorno da latitude de 50oS (Figura 4). Os resultados por faixas de latitude no 4159
125
oceano Atlântico mostraram que as perdas e ganhos no PMC nas latitudes tropicais serão da ordem de 4160
10% (Figura 5), mas podem chegar a valores entre 15% e 50% do lado oeste tropical, ao largo da costa 4161
brasileira. Nos três oceanos, as zonas costeiras, sobre a plataforma continental, sofrerão os maiores 4162
impactos, com reduções do PMC nas regiões situadas entre 50oN e 50
oS, chegando a até 25% no 4163
equador (Figura 6). A análise do PMC por Zona Econômica Exclusiva (ZEE) mostrou novamente que 4164
alguns países situados em altas latitudes terão aumento do seu potencial de captura, enquanto a maioria 4165
dos países tropicais e subtropicais sofrerá um decréscimo. Entre os 20 países com capturas mais 4166
elevadas na ZEE no ano 2000, a Rússia e os Estados Unidos (Alaska) apresentaram um aumento do 4167
PMC de cerca de 20% no Pacífico, enquanto países como Islândia e Noruega, no Atlântico, 4168
apresentaram um aumento de 18% e 45%, respectivamente, entre 2005 e 2055, sob o cenário de 4169
elevada emissão de gases do efeito estufa (Figura 7). Países tropicais e subtropicais apresentaram as 4170
maiores quedas (Indonésia) para este mesmo cenário, com o Brasil diminuindo em 6% seu PMC em 4171
2055. Estes resultados mostram que as mudanças climáticas podem ter um impacto considerável sobre 4172
a redistribuição espacial do PMC, a qual está associada, em grande medida, aos deslocamentos das 4173
diferentes espécies provocados pelo aquecimento das águas dos oceanos. Um possível exemplo desse 4174
fenômeno pode ser encontrado no crescente nível de abundância relativa do atum azul no Golfo de 4175
Saint Lawrence, no Canadá, nos últimos anos (Vanderlaan, 2011), apesar da condição sobre-explotada 4176
do estoque e tendências estáveis ou declinantes de captura ao longo da última década, a exemplo do 4177
Golfo do México. 4178
Neste contexto, considerando-se o cenário atual das mudanças climáticas e as diferentes projeções 4179
realizadas até o final do século XXI, faz-se necessária a implantação de um sistema de informações 4180
climáticas e oceânicas no Brasil, com o objetivo de acompanhar de forma contínua a evolução espaço-4181
temporal de diferentes parâmetros ambientais e processos resultantes das interações entre a atmosfera e 4182
o oceano. Este sistema permitiria avaliar com mais eficiência e rapidez as reações dos organismos 4183
marinhos a estas mudanças climáticas, principalmente no que se refere aos seus padrões de distribuição 4184
e abundancia, com ênfase nos recursos pesqueiros explorados ao largo da costa brasileira, na sua ZEE 4185
ou em águas internacionais adjacentes. Um programa de monitoramento pesqueiro e biológico das 4186
principais espécies conhecidas e exploradas pela pesca ao longo da costa brasileira seria parte 4187
complementar deste sistema. 4188
No caso do ecossistema oceânico, devido ao elevado custo operacional para obtenção de variáveis 4189
ambientais in situ, por prospecção oceanográfica, o uso de sensores remotos orbitais para se estimar 4190
parâmetros oceanográficos tem despontado como uma alternativa extremamente útil, não apenas em 4191
razão de sua grande abrangência espaço-temporal, apresentando dados de forma sinótica e diária de 4192
vastas zonas oceânicas, mas também pelo custo relativamente baixo de acesso aos dados, muitos dos 4193
quais se encontram disponíveis ao público, sem qualquer ônus. Esse recobrimento espacial e temporal é 4194
de extrema importância para o acompanhamento da evolução espaço-temporal de parâmetros 4195
oceanográficos que possam vir a influenciar a biologia populacional e a distribuição e abundancia de 4196
diversas espécies, incluindo aquelas de interesse para a pesca (Zagaglia, 2003), particularmente em um 4197
cenário de mudança climática. 4198
4.4.4. Conclusão 4199
Muito ainda precisa ser compreendido sobre as mudanças climáticas e seus efeitos sobre os oceanos e 4200
os seres que neles habitam, principalmente no que se refere aos recursos pesqueiros, em decorrência de 4201
sua importância socioeconômica a nível mundial. É certo que, na maioria dos casos, tem se dado ênfase 4202
aos efeitos negativos das alterações ambientais provadas pelas mudanças climáticas. Considera-se, por 4203
exemplo, que o aumento da temperatura e da acidificação da água do mar impactará negativamente os 4204
126
ecossistemas marinhos e também a pesca, com a biota marinha sofrendo perdas significativas de 4205
diversidade, com comprometimentos tão sérios quanto difíceis de prever. Menciona-se ainda que a 4206
redução potencial da produtividade biológica marinha implicará no empobrecimento quantitativo e 4207
qualitativo dos oceanos, com impactos significativos na atividade pesqueira e, consequentemente, na 4208
segurança alimentar. Falhas de recrutamento e reduções de abundância dos estoques pesqueiros 4209
explotados tenderão a agravar ainda mais a já delicada situação dos mesmos, com o acirramento da 4210
sobrepesca, colocando a atividade frente ao enorme desafio de atender à crescente demanda de 4211
alimentos de origem marinha, com um potencial produtivo cada vez mais reduzido. 4212
É importante salientar, entretanto, que embora, na maioria dos casos, os efeitos das mudanças 4213
climáticas apontem para um cenário negativo, há muitas incertezas sobre a questão que precisam ser 4214
melhor avaliadas. Aspectos positivos decorrentes de mudanças no ambiente poderão também ocorrer, 4215
conforme relatado acima, com estudos que apontam para um aumento da produção pesqueira em 4216
algumas regiões, em decorrência de alterações nos padrões de distribuição e abundância de algumas 4217
espécies, entre outros aspectos da sua biologia. 4218
Neste contexto, as respostas a essas questões certamente não poderão ser encontradas nem construídas 4219
sem a realização de pesquisas que permitam aprofundar os conhecimentos sobre as conexões entre a 4220
atmosfera e o oceano, principalmente no que se refere aos efeitos das mudanças climáticas sobre este 4221
ecossistema e seus habitantes. 4222
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4386
131
4.5. “Sistema alimentar e segurança” 4387
4.5.1.Introdução 4388
O Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) é o sistema público criado pela Lei nº 4389
11.346/2006 - Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN) para articular e gerir as 4390
políticas públicas de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN). A exemplo de outros sistemas 4391
públicos, o SISAN tem a responsabilidade de articular e promover as relações gerenciais entre todos os 4392
entes federados, sendo que todos devem ter como meta comum a realização plena do Direito Humano à 4393
Alimentação Adequada (DHAA). 4394
A segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e 4395
permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras 4396
necessidades essenciais, tendo, como base, práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a 4397
diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis (LOSAN, art. 3º). 4398
A maioria dos indicadores analisados no Relatório do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e 4399
Nutricional (CONSEA) divulgados em 2010 apresentam avanços importantes na realização do DHAA 4400
no país entre a promulgação da Constituição Federal de 1988 e os dias atuais. Destaque foi dado no 4401
Relatório ao período que se inicia em 2003 até meados de 2010, no qual o Governo Lula colocou a 4402
superação da fome e a promoção da segurança alimentar e nutricional em posição central na agenda 4403
governamental. Com isso, o Brasil é hoje um dos países em que o número de pessoas em insegurança 4404
alimentar vem diminuindo progressivamente. No entanto, o Relatório destaca que persistem desafios 4405
históricos para a plena realização do DHAA no país, como a concentração de terra, as desigualdades 4406
(de renda, étnica, racial e de gênero), a insegurança alimentar e nutricional dos povos indígenas e 4407
comunidades tradicionais, entre outros. Além disso, novos desafios emergiram na sociedade brasileira: 4408
o Brasil é o maior comprador de agrotóxicos do mundo; existe um risco ainda não mensurável com a 4409
liberação das sementes transgênicas; instalou-se uma epidemia da obesidade; e houve o aumento do 4410
consumo de alimentos com alto teor de sal, gordura e açúcar (CONSEA, 2010). Também existem os 4411
riscos enfrentados pelo setor agropecuário devido às mudanças climáticas iminentes. 4412
No Brasil, estudos foram feitos sobre os impactos das mudanças climáticas na agricultura. 4413
Recentemente, Assad et al. (2007), Hamada et al. (2008), Nobre et al. (2005), Pinto et al. (2007, 2008) 4414
and Zullo Jr et al. (2006, 2011) elaboraram estudos detalhados sobre o futuro da agricultura brasileira 4415
em função dos cenários previstos para o clima regional. Pinto et al. (2008) concluíram que o 4416
aquecimento global poderá colocar em risco a produção de alimentos no Brasil, caso nenhuma medida 4417
mitigadora e de adaptação seja realizada. 4418
A Tabela 4.5.1 foi adaptada de Pinto et al. (2008) e mostra as possíveis alterações na produção agrícola 4419
brasileira em função do aquecimento global. Os resultados foram obtidos por estudos desenvolvidos 4420
pela EMBRAPA e UNICAMP utilizando o cenário A2 do IPCC. 4421
Tabela 4.5.1 – Alterações futuras nas áreas cultivadas com produtos agrícolas em função do cenário A2 do IPCC 4422 (adaptada de Pinto et al., 2008). 4423
Cultura Área Potencial Atual Área Potencial em 2020 Variação
(Km2) (%)
Algodão 4.029.507 3.583.461 -11,07
Arroz 4.168.806 3.764.488 -09,70
132
Café 395.976 358.446 -09,48
Cana-de-açúcar 619.422 1.609.010 159,76
Feijão 4.137.837 3.957.481 -04,36
Girassol 4.440.650 3.811.838 -14,16
Mandioca 5.169.795 5.006.777 -03,16
Milho 4.381.791 3.856.839 -11,98
Soja 2.790.265 2.132.001 -23,59
4424
A utilização de novas práticas de manejo agrícola tem contribuído para a superação de problemas 4425
ocasionados por extremos climáticos, como por exemplo, na defesa contra geadas que incidam sobre o 4426
cafeeiro ou a adoção de cultivares mais tolerantes à seca em culturas não irrigadas. O desenvolvimento 4427
de novas tecnologias agrícolas, além de promover a redução na emissão dos Gases de Efeito Estufa 4428
(GEEs), deve promover o aumento da produtividade das culturas. A associação de transformações 4429
tecnológicas em sistemas de produção com ações de monitoramento e controle de externalidades, como 4430
o desmatamento e uso pouco eficiente das terras, representa uma possibilidade para mudar uma 4431
tendência global da atividade produtiva. Pode-se admitir que a agricultura brasileira deixará de ser 4432
acusada como uma das principais responsáveis pelo aquecimento global e passará ser considerada 4433
como uma mitigadora eficaz do problema, num futuro muito próximo. 4434
Numa conjuntura brasileira marcada pelo aumento da renda familiar, a tendência é de elevação da 4435
demanda por alimentos no país. Contudo, o ritmo de crescimento da produção agrícola, em grande 4436
medida destinada à exportação, é muito superior ao da produção de alimentos destinados ao consumo 4437
interno. No período 1990-2008, a produção de cana-de-açúcar cresceu 146% e a de soja, 200%, 4438
enquanto o crescimento da produção de feijão foi de 55%; de arroz, 63%; e de trigo, 95% (CONSEA, 4439
2010). 4440
A área plantada com grandes monoculturas avançou consideravelmente em relação à área ocupada 4441
pelos cultivos da agricultura familiar, mais diversificados e com produtos direcionados ao 4442
abastecimento interno. Apenas quatro culturas de larga escala (milho, soja, cana e algodão) ocupavam, 4443
em 1990, quase o dobro da área total ocupada por outros 21 cultivos. A monocultura cresceu não só 4444
pela expansão da fronteira agrícola, mas também pela incorporação de áreas destinadas a outros 4445
cultivos. A agricultura familiar destina quase a totalidade de sua produção ao mercado interno, 4446
contribuindo fortemente para garantir a segurança alimentar e nutricional dos brasileiros. Em 2006, os 4447
agricultores familiares forneciam 87% da produção nacional de mandioca, 70% da produção de feijão, 4448
46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 21% do trigo, 58% dos leites de vaca e cabra, e 59% do 4449
plantel de suínos, 50% das aves e 30% dos bovinos. Além disso, absorve 75% de toda a população 4450
ocupada em estabelecimentos agropecuários no país: 16,5 milhões de pessoas. O potencial de geração 4451
de renda da agricultura familiar se revela no fato de responder por 33% do total das receitas e 38% do 4452
valor da produção, mesmo dispondo de apenas cerca de 25% da área total e ter acesso a 20% do crédito 4453
oferecido ao setor. O fortalecimento da agricultura familiar e do agroextrativismo é estratégico para a 4454
soberania e segurança alimentar e nutricional da população (CONSEA, 2010). 4455
Os dados históricos da produção brasileira revelam uma elevada especialização e concentração da 4456
produção em poucos Estados, o que, somadas às dificuldades de infraestrutura e de logística, com 4457
133
grandes perdas no transporte e na pós-colheita, eleva os gastos públicos com despesas de carregamento 4458
de grãos e transporte para os centros consumidores. 4459
Diante desse quadro, procura-se analisar aqui os possíveis impactos das mudanças climáticas, e as 4460
perspectivas de adaptação a eles, sobre duas vertentes principais da segurança alimentar: o sistema de 4461
produção de alimentos e os sistemas de armazenamento, distribuição e acesso aos alimentos. Ainda, 4462
sempre que possível, procura-se analisar os temas de forma integrada e suas correlações com outros 4463
setores como disponibilidade de terra e água, produção de bioenergia, infraestrutura de distribuição e 4464
armazenamento. 4465
4.5.2.Produção de alimentos e sua interação com as mudanças 4466
climáticas 4467
4.5.2.1.Cenários de demanda e oferta de terras 4468
Santana et al. (2011), no documento intitulado “Foresight Project on Global Food and Farming Futures 4469
- Regional case study: Productive capacity of Brazilian agriculture: a long-term perspective”, 4470
apresentam uma caracterização interessante do sistema brasileiro de produção de alimentos, realizando 4471
projeções de demandas e analisando a capacidade do país de atendê-las, considerando inclusive as 4472
projeções de alterações na área potencial futura de diversas culturas realizadas por Pinto et al. (2008). 4473
Partes de suas conclusões são traduzidas a seguir. 4474
Segundo os autores, “a perspectiva de longo prazo da capacidade produtiva agrícola do Brasil é 4475
bastante positiva. A produção das culturas selecionadas e gado de corte deve aumentar 4476
substancialmente nos maiores estados produtores durante os próximos 20 anos, sem provocar uma 4477
pressão muito forte sobre a expansão de terras, ameaçar a sustentabilidade ambiental e aumentar a 4478
perda de recursos de biodiversidade. 4479
O panorama da produção doméstica destes produtos aponta na direção de aumentos maiores neste 4480
período, atingido níveis de produção de grãos, cana-de-açúcar, café e gado de corte substancialmente 4481
mais altos em 2030 que na média de 2007-2009 (ou seja, entre 47% e 68%, dependendo do produto). 4482
Ademais, sinaliza que, com exceção do trigo, o crescimento do consumo doméstico destes produtos 4483
deverá ser mais do que atendido pelos níveis esperados de produção. O excesso de produção deverá 4484
permitir ao país continuar a desempenhar um papel importante nos mercados internacionais de soja, 4485
açúcar, café, algodão e carne. 4486
Um aspecto digno de nota por trás deste desempenho é que, sob um cenário de manutenção das 4487
tendências de produção do passado, a ‘área líquida’ total necessária para produzir o volume estimado 4488
de produção das culturas selecionadas em 2010-2030 deveria crescer a uma taxa média anual muito 4489
menor que aquela observada em 2000-2009, isto é, 1,1% em comparação com 3,3%, respectivamente. 4490
A perspectiva para o crescimento dos níveis de produção com menor pressão sobre a expansão de 4491
terras, maior sustentabilidade ambiental e perda limitada de biodiversidade é ainda reforçada por 4492
diversos aspectos, incluindo a possibilidade de materialização de um cenário de maior produtividade 4493
das culturas. O total de ‘área líquida’ necessária para produzir o volume estimado para as culturas 4494
selecionadas no conjunto de 18 estados em 2030 deverá ser de 50 milhões de hectares e 37,5 milhões 4495
134
de hectares, respectivamente, nos cenários um e dois10
. A diferença entre estas estimativas destaca o 4496
efeito ‘poupador de terras’ (spare-land effect) resultante de produtividades mais elevadas. 4497
A análise aqui realizada acende uma ‘luz amarela’ que demanda atenção a respeito dos impactos 4498
negativos que um eventual aumento nas temperaturas mundiais poderá ter em três culturas importantes 4499
para o consumo interno do Brasil e de comércio exterior: trigo, café e soja.” 4500
Assim como no trabalho de Santana et al. (2011), um consenso parece existir entre aqueles que 4501
produzem cenários e projeções de demanda para os itens da agricultura nacional: a de que ela deverá 4502
crescer nas próximas décadas, puxada pelas taxas de crescimento dos países emergentes (FAO, 2011; 4503
USDA, 2011; MAPA, 2011). Diversos fatores condicionam este cenário de demanda crescente. 4504
Segundo a FAO (2011), os preços internacionais estão num patamar nunca visto e isto se deve a uma 4505
complexa rede de fatores, a saber: intempéries climáticas, redução dos estoques mundiais de milho, 4506
arroz, trigo e soja, pressão dos biocombustíveis, aumento da renda mundial e aumento da população. 4507
Dados do CEPEA/USP (2011) indicam que o preço médio nominal do açúcar no biênio 2010-2011 foi 4508
108% superior ao preço histórico; o preço da arroba do boi foi de 63% e, da saca de soja, 29%. A 4509
mesma tendência de alta da demanda mundial, acompanhada pela manutenção dos preços em 4510
patamares elevados, foi projetada pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, 4511
2011). 4512
Ainda segundo CEPEA/USP (2011), o mercado interno é expressivo para os produtos agropecuários, e 4513
o mercado internacional, em particular nos países emergentes, tem apresentado acentuado crescimento 4514
do consumo. Países superpopulosos terão dificuldades de atender às demandas devido ao esgotamento 4515
de suas áreas agricultáveis. As dificuldades de reposição de estoques mundiais, o acentuado aumento 4516
do consumo especialmente de grãos como milho, soja e trigo e o processo de urbanização em curso no 4517
mundo criam condições favoráveis aos países como o Brasil, que têm imenso potencial de produção e 4518
tecnologia disponível. 4519
No caso da agricultura, estas projeções são mais bem formuladas para a agricultura voltada para o 4520
mercado externo do que para a agricultura de abastecimento interno ou a familiar. Isto devido às 4521
incertezas do processo de inclusão social dos dias atuais e das demandas oriundas deste processo. 4522
Os próximos anos serão ainda caracterizados por um cenário de retração da economia mundial e, como 4523
consequência, de redução da demanda por produtos manufaturados. Mesmo assim, o agronegócio 4524
brasileiro tem grande potencial de crescimento puxado principalmente pelos países emergentes e pelo 4525
crescimento da demanda interna. 4526
Apesar de o Brasil apresentar, nos próximos anos, forte aumento das exportações, o mercado interno 4527
continuará sendo um fator importante de crescimento. Em 2020, 65% da produção de soja deverão ser 4528
destinados ao mercado interno, e, no milho, 85% da produção deverão ser consumidos internamente. 4529
Haverá, assim, uma dupla pressão sobre o aumento da produção nacional, devida ao crescimento do 4530
mercado interno e das exportações do país. 4531
Nas carnes, também haverá forte pressão do mercado interno. Em 2020, serão necessários, para 4532
abastecer o mercado interno, 67% do aumento previsto na produção de carne de frango, 83% da carne 4533
10 No texto original de Santana et al. (2011), traduzido aqui a partir do documento intitulado “Foresight Project on Global
Food and Farming Futures - Regional case study: Productive capacity of Brazilian agriculture: a long-term perspective”, o
“cenário um” considera a continuidade das tendências passadas e o ”cenário dois” reflete a possibilidade de observação de
maiores produções.
135
bovina e 81% da carne suína. Deste modo, embora o Brasil seja, em geral, um grande exportador de 4534
vários desses produtos, o consumo interno é predominante o destino da produção (MAPA, 2011). 4535
A tendência histórica de inclusão tecnológica na agricultura brasileira já pode ser percebida nos dados 4536
censitários das últimas décadas (IBGE, 2007). Tanto na agricultura como na pecuária, as séries 4537
históricas indicam baixa correlação linear direta entre o aumento da produção e da área plantada. Ou 4538
seja, enquanto se segue acumulando incrementos de produção, não se observa uma incorporação 4539
equivalente de novas áreas agrícolas (Figura 1). Isto é visto por alguns especialistas como uma 4540
mudança para um patamar mais virtuoso na agricultura nacional. 4541
4542
Figura 4.5.1. Série histórica da produção de grãos e pecuária e área equivalente. Fonte IBGE, 2007. 4543
É necessário ter sempre em conta que os métodos de projeção de demanda não conduzem a resultados 4544
perfeitos e a chance de erros aumenta à medida que se avança na projeção de futuros mais distantes. 4545
Devem-se considerar também a dinâmica e as mudanças dos mercados, que continuamente oferecem 4546
uma gama enorme de fatores aleatórios, que as projeções não conseguem captar. 4547
As projeções de demanda apresentadas a seguir se apoiam também em métodos qualitativos, baseados 4548
no julgamento de entidades de classe, que tenham condições de opinar sobre as demandas futuras. 4549
Estas não se apoiam em nenhum modelo matemático, embora possam ser conduzidas de maneira 4550
sistemática. Considerou-se ainda as projeções de demanda oriundas de métodos quantitativos, baseadas 4551
em modelos econométricos, apoiados nas demandas históricas para se chegar a uma previsão futura. 4552
Todas as demandas foram expressas em unidade de área (hectares) e embutem as expectativas do 4553
mercado interno e externo, além de previsões de ganhos de produtividade motivadas pelas inovações 4554
tecnológicas. 4555
As estimativas realizadas pelo MAPA (2011) até 2020 são de que a área total plantada com lavouras 4556
deverá passar de 62 milhões de hectares em 2011 para 68 milhões em 2020. Um acréscimo de 8 4557
milhões de hectares. Essa expansão de área estará concentrada na soja, mais 5,3 milhões de hectares, e 4558
na cana-de-açúcar, mais 2,0 milhões. As previsões feitas pela Abiove (2010) são mais conservadoras e 4559
prevêem um crescimento da ordem de 4 milhões de hectares no mesmo período, enquanto que a Unica 4560
(2010) prevê um incremento de área plantada de 5 a 6 milhões de hectares, atendendo principalmente 4561
um crescimento do setor alcooleiro. A expansão das áreas de soja e cana-de-açúcar deverá ocorrer pela 4562
incorporação de áreas novas e também pela substituição de outras atividades agropecuárias que deverão 4563
ceder área. Com relação à expansão da produção voltada para biocombustíveis, é importante mencionar 4564
136
a elaboração do Zoneamento da Cana de Açúcar11
, lançado pelo Ministério da Agricultura e 4565
Abastecimento, por meio do qual a Embrapa e parceiros levantaram as áreas aptas para o plantio da 4566
cultura, protegendo áreas de matas nativas e de bacias, visando, também, a preservação da produção 4567
alimentar. 4568
O milho deverá ter uma expansão de área por volta de 500 mil hectares e as demais lavouras analisadas 4569
mantêm-se praticamente sem alterações ou perderão área, como o café, arroz e laranja, entre outros. 4570
Para diversas culturas, o aumento de produção projetado decorre principalmente de ganhos de 4571
produtividade e incorporação tecnológica. 4572
Segundo dados da ABRAF (2010), o país possui aproximadamente 6,8 milhões de florestas plantadas. 4573
Estas florestas atendem, em boa parte, as demandas da matriz de papel e celulose, para os mercados 4574
interno e externo. O Plano Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC) apresenta o incentivo às 4575
atividades de reflorestamento como uma das metas para eliminar a perda líquida da área de cobertura 4576
florestal no Brasil até 2015, focando reduzir de forma significativa o desmatamento. Conforme é 4577
apresentado neste documento, o “intuito é expandir a área de florestas plantadas no Brasil dos atuais 4578
6,5 milhões de hectares para 12 milhões de hectares em 2020, sendo 2 milhões de hectares com 4579
espécies nativas, promovendo o plantio prioritariamente em áreas de pastos degradados, visando à 4580
recuperação econômica e ambiental destas”. Entidades representantes do setor (ABRAF e 4581
BRACELPA) preveem um crescimento da ordem de 7,5 milhões de hectares nos próximos 10 anos. 4582
A despeito dos significativos avanços tecnológicos, imensas porções do território foram incorporadas 4583
às diversas atividades produtivas, cumprindo assim sua vocação para a produção de biomassa para 4584
múltiplos fins. Mais de um terço do território nacional foi incorporado às atividades agropecuárias, 4585
perfazendo algo em torno de 320 milhões de hectares (IBGE, 2006). A pecuária se destaca como 4586
grande mobilizadora de terras (~170 milhões ha), vinculada a uma prática extensiva e com baixos 4587
níveis de produtividade, em desacordo com o potencial das terras (Barioni12
, 2011). Segundo dados do 4588
último censo agropecuário (IBGE, 2006), as áreas de pecuária cujo índice de lotação (cabeças/ha) não 4589
ultrapassa o valor de uma unidade perfazem um total aproximado de 90 milhões de hectares, dispersos 4590
pelo Brasil. 4591
Dados históricos indicam que esta tendência de intensificação da atividade pecuária já ocorre no Brasil, 4592
podendo ganhar mais velocidade se políticas públicas revigorantes forem implementadas. Esta 4593
transformação da atividade pecuária, além de atenuar a dinâmica da fronteira agrícola nacional, poderá 4594
oferecer parte do seu “estoque de terras” para novos arranjos produtivos, seja para uma pecuária mais 4595
intensiva e eficiente, seja a integração e uso parcial das terras para outras atividades agrícolas e/ou 4596
florestais. Sparovek et al. (2010) estimam que, ao menos, 57 milhões de hectares da pecuária possuem 4597
alto potencial produtivo para a agricultura. 4598
Cenários futuros colhidos junto a especialistas do setor (GTPS13
, 2010) indicam que nas próximas 4599
décadas, como resultado da intensificação da atividade pecuária, esta deverá disponibilizar um grande 4600
conjunto de terras para outros usos agrícolas, dispersas pelo território e que poderão atender demandas 4601
11
Decreto 6961/2009, aprovou o zoneamento da cana-de-açúcar e determinou ao Conselho Monetário Nacional o
estabelecimento de normas para as operações de financiamento ao setor sucroalcooleiro. 12
Luiz Gustavo Barioni, pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária, comunicação pessoal.
13 GTPS - Grupo de Trabalho (GT) da Pecuária Sustentável foi criado no final de 2007 e formalmente constituído em junho
de 2009. É formado por representantes de diferentes segmentos que integram a cadeia de valor da pecuária bovina no
Brasil.; comunicação pessoal de seus representantes.
137
diferentes e novas. Os cenários formulados pelos representantes da pecuária (CNPC14
, ABIEC15
, 2010) 4602
prevêem que, graças à intensificação e introdução de tecnologias, o setor deverá disponibilizar uma 4603
área equivalente a 70-85 milhões de hectares, dispersos pelo território nacional. Estes podem, dentro de 4604
uma estratégia nacional de planejamento territorial, atender à totalidade das demandas projetadas pelos 4605
diferentes setores (grãos, cana-de-açúcar e florestas plantadas). Paira uma incerteza sobre o ritmo deste 4606
processo, mas, no território, ele define seus contornos e se concentra no entorno do setor industrial, 4607
tendo os frigoríficos como seus indutores. 4608
Estimativas preliminares apontam que, do total de terras a serem disponibilizadas pela pecuária, apenas 4609
15-20 milhões seriam suficientes para atender a necessidade de expansão de outras culturas (MAPA, 4610
2011). Restariam 70% de terras (~50 milhões de hectares) com necessidades de novas oportunidades de 4611
negócios, tendo, a matriz florestal, a capacidade de absorver estas terras se as políticas públicas forem 4612
capazes de atrair e estimular novos negócios florestais, envolvendo inclusive uma política industrial de 4613
base florestal. 4614
4.5.2.2.Uso da água para produção de alimentos 4615
Focando na demanda de água para a produção de alimentos, Santana et al. (2011) apresentam a 4616
seguinte análise: “Em 1999, o Ministério Brasileiro do Meio Ambiente – MMA – estimou o potencial 4617
para o desenvolvimento da agricultura sustentável em 29 milhões de hectares. Em 2002, estas 4618
estimativas foram revisadas e confirmadas como ainda válidas, apesar do lapso de tempo (Christofidis, 4619
2002). Esta revisão considerou o total de terras adequadas para irrigação, a disponibilidade de recursos 4620
hídricos sem o risco de conflitos com outros usos prioritários e a necessidade de atender os requisitos 4621
da legislação ambiental. De acordo com os resultados desta projeção, os estados com maior potencial 4622
para o desenvolvimento sustentável da irrigação são: Tocantins, Amazonas, Pará, Mato Grosso, Minas 4623
Gerais, Rio Grande do Sul, Roraima, São Paulo, Paraná e Goiás. 4624
Entre esses estados, estima-se que o crescimento da agricultura irrigada deverá ser mais significativo 4625
nas áreas de Cerrado da região Centro-Oeste (Telles e Domingues, 2006). Mais especificamente, a 4626
fronteira agrícola do Mato Grosso e os estados de Minas Gerais, Bahia, Tocantins, Roraima e Sul do 4627
Maranhão e Piauí, dependendo da melhoria das rodovias e do armazenamento de energia nestas 4628
regiões. 4629
O Ministério do Meio Ambiente (MMA) estimou também o total da área irrigada no país em 2020. De 4630
acordo com a instituição, a área irrigada no Brasil deverá chegar a cerca de 5,6 milhões de hectares em 4631
2020. 4632
Portanto, segundo essas pesquisas, a área irrigada no país deverá estar situada entre 4,4 milhões e 5,6 4633
milhões de hectares em 2020. Contudo, se a taxa de crescimento registrada entre 1996 e 2006 no Censo 4634
Agropecuário (ou seja, 1,8 milhões de hectares/ano) for observada nos próximos anos, a área irrigada 4635
no Brasil poderá exceder 6 milhões de hectares em 2020. 4636
Segundo Machado (2006), no Brasil, uma unidade de área irrigada é equivalente a três unidades de área 4637
de planalto em termos de volume de produção. Ademais, corresponde também a 8,4 unidades de área 4638
de planalto em valor econômico. Consequentemente, a expansão da irrigação nos próximos anos, além 4639
14
CNPC - Conselho Nacional da Pecuária de Corte, comunicação pessoal de seus representantes.
15 ABIEC – Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne, comunicação pessoal de seus representantes.
138
de permitir o crescimento na produção de cana-de-açúcar e arroz, deverá resultar em uma substancial 4640
elevação na produtividade e nos indicadores econômicos da agricultura brasileira.” 4641
Previsões indicam que a demanda anual de água doce e as reservas renováveis deverão apresentar uma 4642
diferença crescente até 2030, denotando uma preocupante escassez de água doce no mundo. A reserva 4643
hídrica do Brasil é considerada a maior do planeta, mas, em algumas regiões importantes do país, já 4644
existe escassez de água, podendo se agravar com o crescimento da economia brasileira, aumentando 4645
significativamente o uso da água nas diversas atividades produtivas. 4646
O setor agrícola consome a maior quantidade de água do planeta, podendo ocorrer diferenças com 4647
relação ao consumo para diferentes culturas e regiões. No Brasil, as estimativas são que 69% do total 4648
de água no país são para uso em irrigação (ANA, 2011), com elevado desperdício desse recurso, devido 4649
à utilização de técnicas inapropriadas e ao plantio de algumas culturas em locais inadequados ao seu 4650
desenvolvimento. Apesar deste uso intenso da água, a irrigação no Brasil é responsável por apenas 4% 4651
da sua produção agrícola. Em termos globais, de 1,5 bilhão de hectares cultivados no mundo, cerca de 4652
270 milhões de hectares são irrigados, ou seja, 18% do total, que respondem por metade da produção 4653
de alimentos. De acordo com pesquisa da Companhia Energética de Minas Gerais (SMA/SP, 2010), a 4654
utilização de métodos e sistemas de racionalização de uso de água na irrigação tem o potencial de 4655
economia de 20% de água e 30% de energia. 4656
Segundo dados da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo (SMA/SP, 2010), no Estado, 4657
são utilizados 37,3% da água para irrigação. Embora essa porcentagem seja menor que a apresentada 4658
em nível nacional, ainda representa o maior percentual de consumo, comparativamente aos setores 4659
doméstico (32,4%) e industrial (30,4%). 4660
4.5.2.3.Análise da vulnerabilidade dos sistemas agrícolas para 4661
produção de alimentos frente às mudanças climáticas 4662
Estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 1993) na década de 90 indicou que 4663
95% das perdas na agricultura brasileira eram devidas a eventos de seca ou chuva forte. Com base 4664
nesses dados, foi instituído, em 1996, o programa de zoneamento de riscos climáticos no Brasil - 4665
política pública adotada atualmente pelos Ministérios da Agricultura (MAPA) e do Desenvolvimento 4666
Agrário (MDA) - para orientar o crédito e o seguro agrícola do país. O zoneamento estabeleceu, 4667
estatisticamente, níveis de riscos das regiões estudadas para vários tipos de cultura, admitindo perdas 4668
de safras de no máximo 20%. O zoneamento de riscos climáticos é uma ferramenta que indica o que 4669
plantar, onde plantar e quando plantar, de acordo com as características climáticas regionais, sendo 4670
possível adequar a “geografia agrícola” nacional, ou seja, a distribuição de cada cultura em função da 4671
condição climática de cada região. 4672
Programas governamentais de créditos agrícolas e seguros rurais, que hoje são estabelecidos em função 4673
do zoneamento de riscos climáticos – levando em conta os níveis probabilísticos de perdas de safras – 4674
também serão afetados com as mudanças climáticas. A projeção de um futuro com temperaturas entre 4675
1,4°C e 5,8°C mais altas e com variações na precipitação tornou necessário que se refizesse a 4676
simulação do zoneamento para o futuro e se verificassem as alterações regionais quanto ao risco 4677
climático e as datas de plantio para as principais culturas econômicas do país. Paralelamente, deverão 4678
ser estabelecidas novas estratégias regionais de manejo de água para atender as novas necessidades 4679
hídricas das culturas agrícolas diante das possíveis alterações climáticas. 4680
No Brasil, a agricultura é responsável por grande parte das emissões de gases de efeito estufa (GEE) e, 4681
ao mesmo tempo, é o setor mais vulnerável às mudanças climáticas, principalmente nas regiões Norte e 4682
139
Nordeste (CEDEPLAR/UFMG e FIOCRUZ, 2008). As mudanças climáticas devido ao aumento da 4683
emissão de GEEs pelo homem causam modificações no regime hídrico e na temperatura global, 4684
influenciando diretamente a produtividade das culturas. Segundo os dois últimos relatórios do IPCC 4685
(IPCC, 2001, 2007), nas regiões de clima tropical, as simulações sugerem que haverá reduções mais 4686
acentuadas na produção agrícola prejudicando seriamente a segurança alimentar, principalmente no 4687
Brasil. O aumento da temperatura ameaçará o cultivo de muitas plantas agrícolas, intensificando o 4688
problema da fome em grande parte do mundo. 4689
Em plantas submetidas a experimentos de laboratório, o aumento da concentração de CO2 atmosférico 4690
causa aumento da taxa de crescimento, pois o CO2 é o substrato primário para fotossíntese (Taiz e 4691
Zeiger, 1991). Segundo vários autores, as plantas com metabolismo C3 são mais beneficiadas pelo 4692
aumento de CO2 atmosférico do que plantas com metabolismo C4 (Tubiello et al., 2000; Siqueira et al., 4693
2001; Streck, 2005). Porém, simulações com a cana-de-açúcar em câmaras de topo aberto, com elevada 4694
concentração de CO2, Buckeridge et al. (2010) tiveram aumentos expressivos da produção de 4695
biomassa, mesmo sendo esta cultura uma C4. 4696
Apesar da provável “fertilização” pelo aumento da concentração de CO2, se este for acompanhado de 4697
aumento da temperatura do ar, poderá não haver aumento no crescimento e no rendimento das culturas, 4698
principalmente em razão do encurtamento do seu ciclo de desenvolvimento (Butterfield e Morison, 4699
1992; Siqueira et al., 2001) e aumento da respiração do tecido vegetal (Taiz e Zeiger, 1991; Streck, 4700
2005). Mesmo existindo alguns benefícios referentes à maior concentração de CO2 na atmosfera, o 4701
aumento da temperatura resultante da maior concentração desses GEEs poderá resultar em inúmeras 4702
injúrias às plantas, impedindo um ganho efetivo de produtividade (Siqueira et al. 2001; Streck, 2005; 4703
Streck e Alberto, 2006; Carvalho et al., 2010). 4704
Outro efeito sobre a produção agrícola causado pelo aumento da temperatura e concentração de CO2 4705
está relacionado com a incidência de pragas e doenças nas plantas cultivadas. Uma vez que o ambiente, 4706
os patógenos e os insetos estão interligados, as mudanças climáticas provavelmente influenciarão a 4707
geografia e a distribuição temporal das pragas e doenças, podendo causar impactos (positivos, 4708
negativos ou neutros). Ghini, et al. (2008) verificaram um aumento na infestação, tanto do nematóide 4709
quanto do bicho mineiro em cafeeiros, como reflexo de um número maior de gerações por mês. 4710
No Brasil, vários estudos foram feitos sobre os impactos das mudanças climáticas na agricultura. 4711
Recentemente, Hamada et al. (2008), Pinto et al. (2007, 2008), Assad et al. (2007), Zullo Jr et al. 4712
(2006) e Nobre et al. (2005) elaboraram estudos detalhados sobre o futuro da agricultura brasileira em 4713
função dos cenários previstos para o clima regional. Pinto et al. (2008) concluíram que o aquecimento 4714
global poderá colocar em risco a produção de diversas culturas agrícolas no Brasil, caso nenhuma 4715
medida mitigadora seja realizada, como já apresentado na Tabela 1. O estudo demonstra que as 4716
produções potenciais das culturas analisadas poderão sofrer com o aumento da deficiência hídrica e/ou 4717
das temperaturas. Em resumo, para o Brasil, projeta-se que a soja deverá ser a cultura mais atingida, 4718
com perdas de até 40% de áreas de baixo risco até 2070 no pior cenário do IPCC. O café arábica deverá 4719
perder até 33% da sua área de plantio em baixo risco climático só nos estados de SP e MG, podendo ter 4720
um aumento de área plantada no sul do país, caso a falta de estação seca e o fotoperíodo não sejam 4721
limitantes. No nordeste brasileiro, as culturas do milho, arroz, feijão, algodão e girassol sofrerão perda 4722
significativa da produtividade devido à forte redução da área de baixo risco, uma vez que o aumento da 4723
temperatura irá promover um aumento da evapotranspiração e, consequentemente, da deficiência 4724
hídrica. A mandioca terá um ganho geral da área de baixo risco, mas deverá ter grandes perdas no 4725
nordeste, onde ela representa a base da cultura alimentar. A cana-de-açúcar será a única cultura que 4726
poderá dobrar a produção nos próximos anos, uma vez que a área de baixo risco poderá aumentar em 4727
160% (Pinto et al., 2008). 4728
140
Compreender e prever o impacto das mudanças climáticas em culturas agrícolas requer abordagens que 4729
envolvam manipulação experimental da precipitação, temperatura, CO2 e O3. Alguns estudos 4730
relacionados aos impactos das mudanças climáticas sobre as pragas, doenças e plantas daninhas nas 4731
principais culturas em ambiente controlado já estão sendo desenvolvidos. No Brasil, o sistema FACE 4732
(Free Air Concentration Enrichment) implantado em Jaguariúna (Embrapa Meio Ambiente) com a 4733
cultura do cafeeiro, possibilitará estudar os efeitos do aumento da concentração de CO2 sobre as pragas 4734
e doenças, plantas daninhas, bem como a fisiologia do cafeeiro 4735
(Projeto Climapest: http://www.macroprograma1.cnptia.embrapa.br/climapest) 4736
Os eventos atmosféricos extremos - chuvas intensas, tempestades, ondas de calor ou de frio, estiagens, 4737
geadas, El Niños e La Niñas intensos, entre outros.-, tanto quanto aumentos nas médias da 4738
concentração de CO2 e temperatura, representam uma ameaça à segurança alimentar, por afetarem a 4739
disponibilidade e acesso aos alimentos, podendo provocar quebras nas safras, comprometimentos na 4740
disponibilidade e qualidade da água, degradação do solo, danos à infraestrutura de transporte e 4741
distribuição de alimentos (Rosenzweig et al., 2001; Gregory et al., 2005; FAO, 2008). 4742
O entendimento dos eventos atmosféricos extremos é tarefa complexa nas condições climatológicas 4743
atuais, tornando-se ainda mais desafiadora face às mudanças climáticas. Porém, é uma demanda 4744
premente, pois poderá contribuir para direcionar estudos na questão dos impactos destes fenômenos 4745
para vários setores, em especial para a vulnerabilidade da segurança alimentar no Brasil em cenários 4746
futuros. Exemplificado essa complexidade, principalmente diante de um panorama de mudanças 4747
climáticas, é importante notar que a relação entre o aumento da média e a frequência da mudança de 4748
extremos não é linear. Desta forma, mesmo uma pequena mudança da média poderá resultar em uma 4749
mudança grande na frequência de extremos (Mearns et al., 1984). Em escala global, é muito provável 4750
que extremos positivos de temperatura, ondas de calor e precipitações intensas se tornem mais 4751
frequentes já no século XXI, deflagrando impactos aos sistemas de produção e distribuição de 4752
alimentos. 4753
No Brasil, tendências positivas de extremos de chuva vêm sendo observadas, principalmente para as 4754
regiões Sul e Sudeste (Groisman et al., 2005; Haylock et al., 2005). As projeções para possíveis 4755
cenários de eventos extremos para o Brasil foi feita a partir de modelos globais (nove modelos 4756
utilizados no AR4 do IPCC) e um regional (HdRM3P) por Marengo et al. (2007). Os cenários 4757
simulados mostram o aumento na frequência de dias secos consecutivos nas regiões Nordeste e leste da 4758
Amazônia, acompanhados de diminuição da redução nas chuvas intensas, o que implica na maior 4759
ocorrência de veranicos. De forma geral, essas áreas poderão ter condições acentuadas de estresse 4760
hídrico, prejudicando o cultivo de diversas culturas e pastagens (Pinto et al., 2008). 4761
A região semi-árida do Nordeste do Brasil é atualmente bastante vulnerável quanto à segurança 4762
alimentar e, de acordo com a FAO (2008), as áreas já vulneráveis serão as primeiras afetadas em 4763
condições de mudanças climáticas. As secas severas poderão aumentar em frequência e intensidade, 4764
elevando o número de áreas com alto risco para a cultura da mandioca, fundamental para a segurança 4765
alimentar da região (Pinto et al., 2008). Simulações para cenários considerando aumento e diminuição 4766
de chuvas e evapotranspiração potencial mostraram que o rendimento da cultura de feijão pode ser 60% 4767
menor em anos de secas severas (Magalhães et al., 1988). A menor disponibilidade de água e as 4768
maiores taxas de evapotranspiração implicariam na necessidade de irrigação, podendo acarretar na 4769
salinização, degradação de solos agricultáveis e desertificação, em algumas regiões. A qualidade da 4770
água potável se deteriorará, tornando este recurso mais escasso e, consequentemente, prejudicando as 4771
culturas irrigadas. Os prejuízos econômicos e sociais associados a estas mudanças poderão levar à 4772
migração do Nordeste para outras partes do país, a exemplo do ocorrido na seca de 1982/83. 4773
141
Outros panoramas simulados (Marengo et al., 2007) mostram a tendência de aumento na frequência de 4774
eventos extremos de precipitação no oeste da Amazônia, Sudeste e Centro-Oeste, fato que poderá 4775
contribuir para ampliar a ocorrência de inundações nestas regiões. 4776
O aumento de noites quentes e a redução de dias frios foi um padrão fundamental projetado pelos 4777
modelos para o Centro-Oeste, Sudeste e Sul (Marengo et al., 2007). Esta tendência poderá beneficiar a 4778
produção agrícola na região Sul, que teria diminuído o risco para culturas como a cana-de-açúcar, 4779
mandioca e café, mas perderia áreas de cultivo de soja (Pinto et al., 2008). 4780
Embora análises do fenômeno El Niño tenham mostrado que têm ocorrido eventos mais fortes e mais 4781
frequentes desde os anos 1980 (IPCC, 2001; Timmermann et al., 1999), não houve resultados 4782
conclusivos da tendência do fenômeno com base nos modelos utilizados no AR4 (Marengo et al., 4783
2007). O El Niño e a La Niña têm grande influência na produção agrícola, em especial nas regiões 4784
Nordeste e Sul. Na região Sul, o El Niño está associado à ocorrência de chuvas intensas e, portanto, à 4785
maior disponibilidade hídrica no solo (Alberto et al., 2006). Em estudo realizado por Berlato et al. 4786
(2005), foi observado que em anos com registro de anomalias positivas de chuva (relacionados com 4787
anos de El Niño), há aumento da produtividade do milho, enquanto que em anos de La Niña há redução 4788
na produtividade, sendo o mesmo observado para a soja (Berlato e Fontana, 1999). Os anos de La Niña 4789
estão associados à estiagem no Sul, porém, são favoráveis ao rendimento de grãos na cultura do trigo 4790
(Alberto et al., 2006). 4791
No Nordeste, o El Niño acarreta em períodos de estiagem, e a La Niña aumento na precipitação. Rao et 4792
al. (1997) relacionaram La Niña e aumento de produtividade no milho. 4793
4.5.3.Armazenamento, Distribuição e Acesso aos Alimentos e sua 4794
interação com as Mudanças Climáticas 4795
Os últimos 20 anos foram marcados por transformações profundas na estrutura do abastecimento 4796
alimentar, com domínio crescente da lógica privada, por meio da rápida expansão do setor varejista, 4797
por um lado, e, por outro, pela perda de capacidade de atuação direta ou de regulação pública pelos 4798
órgãos do Estado. O país passou a ser líder na produção e exportação de alimentos agropecuários, mas, 4799
ainda, convive com a insegurança alimentar de sua população (30,2%)16
devido à falta de acesso aos 4800
alimentos. A produção sustentável convive com um padrão não sustentável de produção agrícola 4801
associado à apropriação e especulação de terras, ao desmatamento e a práticas que agridem e poluem o 4802
solo e o meio-ambiente. 4803
No período mais recente, houve grandes avanços em relação à diminuição da insegurança alimentar, da 4804
desnutrição infantil e da pobreza no Brasil, ligados a políticas governamentais de transferência de renda 4805
e assistência social. Ao mesmo tempo, observaram-se mudanças negativas nos padrões de consumo e o 4806
perfil nutricional da população brasileira. Dados atuais mostram que, na população adulta brasileira, 4807
50,1% dos homens e 48% das mulheres estão com excesso de peso. Entre as crianças de 5 a 9 anos, 4808
16,6% dos meninos e 11,8% das meninas sofrem de obesidade17
. Este padrão de consumo está 4809
associado à evolução em direção a uma dieta pouco diversificada, baseada em um número reduzido de 4810
produtos alimentares e em um baixo consumo de alimentos frescos, como frutas e hortaliças. 4811
Se por um lado o avanço da tecnologia contribui para maior oferta e/ou variedade de alimentos no 4812
mercado, por outro, a atual complexidade do processo produtivo de alimentos poderá colocar a 4813
16
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD/IBGE 2009. 17
Pesquisa de Orçamentos Familiares (PO 2008/2009), publicada pelo IBGE em 2011.
142
sociedade brasileira diante de novos riscos à saúde. O uso intensivo de agrotóxicos nas culturas 4814
alimentares, a maior resistência bacteriana associada ao uso indiscriminado de medicamentos 4815
veterinários, o aumento do consumo de refeições fora do lar, somados ao alto grau de processamento 4816
dos alimentos industrializados - cuja composição é afetada pelo uso excessivo de açúcar, sódio e 4817
gorduras gerando alimentos de elevada densidade energética - passam a exigir adequações no marco 4818
regulatório de alimentos. 4819
Assim, o foco nas grandes commodities de exportação e nos paradigmas da revolução verde poderá ter 4820
forte impacto nas questões de segurança alimentar, no que se refere à renda e às quantidades de 4821
alimentos, principalmente no fornecimento de proteína e energia para a população urbana. Entretanto, 4822
com respeito à qualidade dos alimentos produzidos, novos paradigmas de produção local, agricultura 4823
periurbana e outros atributos de qualidade dos alimentos exigirão adequações dos aspectos nutricionais 4824
e nas questões de armazenamento, distribuição e acesso aos alimentos. A agricultura familiar, pelos 4825
seus métodos de produção e por sua permeabilidade e foco no consumo local, poderá contribuir com 4826
parte da solução desses aspectos, principalmente para os problemas de distribuição e acesso aos 4827
alimentos. No Brasil, a importância do setor da agricultura familiar pode ser dimensionada pelo seu 4828
peso na economia do país: representa em torno de 10% do PIB brasileiro e pouco mais de um terço do 4829
total do valor da produção agrícola nacional (Gotilho et al., 2007)18
. O Censo Agropecuário de 2006 4830
apresentou informações que demonstram o papel relevante deste setor na dinâmica da produção de 4831
alimentos no Brasil. Ao todo, são 4,36 milhões de estabelecimentos de agricultores familiares, o que 4832
corresponde a 84,4% do total de estabelecimentos rurais do país. O setor da agricultura familiar 4833
emprega cerca de 74,4% da mão de obra no campo e é responsável por colocar na mesa a parte mais 4834
expressiva (cerca de 70%) dos alimentos que são consumidos diariamente pelos brasileiros (mandioca, 4835
feijão, carne suína, leite, milho, aves e ovos bem como frutas e hortaliças). 4836
A Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional em vigor no Brasil (Decreto 7.272/2011) 4837
está alicerçada em oito diretrizes construídas para dar conta do complexo circuito de promoção da 4838
segurança alimentar e nutricional (SAN), e que abrange processos relacionados à produção, 4839
armazenamento, conservação, processamento, comercialização e consumo dos alimentos. As diretrizes 4840
são: 4841
- promoção do acesso universal à alimentação adequada e saudável; 4842
- promoção do abastecimento e estruturação de sistemas sustentáveis e descentralizados de base 4843
agroecológica, de produção, extração, processamento e distribuição de alimentos; 4844
- instituição de processos permanentes de educação alimentar e nutricional; 4845
- promoção, universalização e coordenação das ações de segurança alimentar e nutricional voltadas 4846
para quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais, povos indígenas e assentados da reforma 4847
agrária; 4848
- fortalecimento das ações de alimentação e nutrição em todos os níveis da atenção à saúde, de modo 4849
articulado às demais ações de segurança alimentar e nutricional; 4850
- promoção do acesso universal à água de qualidade e em quantidade suficiente e para a produção de 4851
alimentos da agricultura familiar; 4852
18 Joaquim J. M Gotilho et al. PIB da Agricultura Familiar: Brasil-Estados. Brasília, NEAD/MDA,
2007.
143
- apoio a iniciativas de promoção da soberania alimentar e do direito humano à alimentação adequada 4853
em âmbito internacional; 4854
- monitoramento da realização do direito humano à alimentação adequada. 4855
Além dessas diretrizes, outro fator bastante relevante na questão da relação entre segurança alimentar e 4856
nutricional e efeitos das mudanças climáticas é a recente tendência de volatilidade dos preços dos 4857
alimentos em nível mundial, iniciada em 2007, e que teve dois momentos de alta dos preços: no início 4858
de 2009 e no início de 2011. Entre os fatores que explicam este fenômeno estão as mudanças 4859
climáticas, o aumento da demanda por alimentos, o uso de grãos para fabricar biocombustíveis e o 4860
encarecimento do petróleo. A relação entre a alta dos preços e o seu impacto sobre a segurança 4861
alimentar e nutricional (SAN) da população tem preocupado sobremaneira os países, que têm buscado 4862
fortalecer e aplicar medidas de garantia da SAN nas suas políticas internas e externas. Entre estas, 4863
pode-se citar as políticas de armazenamento e estoques de alimentos. 4864
Diante desta necessidade de uma política nacional de abastecimento alimentar que estivesse mais 4865
próxima das preocupações atuais relacionadas aos impactos das mudanças climáticas, à volatilidade 4866
dos preços dos alimentos e à necessidade do aumento e regularização do acesso aos alimentos, a 4867
Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN)19
vem elaborando uma 4868
política de abastecimento que possa assegurar e estruturar uma rede pública de unidades 4869
armazenadoras, localizadas estrategicamente, considerando as necessidades específicas dos diversos 4870
tipos de alimentos, como suporte às operações governamentais de abastecimento, incluindo o 4871
atendimento às demandas sociais e emergenciais. O acompanhamento sistemático dos preços dos 4872
alimentos, da produção ao consumo, nos níveis nacionais e internacionais, tem sido apresentado como 4873
uma medida necessária para enfrentar a volatilidade em âmbito nacional. 4874
No Brasil, os dados de armazenamento de alimentos mostram que a capacidade estática dos armazéns 4875
está hoje em 139.537.752 toneladas, sendo que, deste total, 113.949.428 são de armazéns que estocam 4876
produtos a granel e 25.588.324 são de armazéns convencionais20
. A produção nacional de grãos 4877
estimada para a safra 2010/2011 foi de 161,54 milhões de toneladas21
. 4878
Estudo da CONAB realizado em 200522
, ao analisar a capacidade de armazenagem nos principais 4879
estados produtores, demonstra a existência de regiões mais carentes de espaço armazenador. A 4880
demanda de armazenagem, representada pela produção e importação de grãos, incluindo café e cana-4881
de-açúcar, para o ano de 2005, superava a oferta de 104 milhões de toneladas de capacidade estática. O 4882
estudo aponta que houve uma estagnação do crescimento da capacidade de armazenagem no período 4883
entre as safras 1993/1994 e 2000/2001 e que foi retomado pelo entusiasmo proporcionado com a 4884
produção de soja, quando o setor privado demonstrou interesse em investir em armazéns. Mesmo 4885
assim, segundo o estudo, os investimentos na infraestrutura de armazenagem não acompanharam este 4886
ritmo de crescimento, constatando-se um déficit de armazenagem real próximo de 7%. 4887
19
A Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN) é um dos componentes do Sistema Nacional
de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN (regulamentada pelo Decreto 6273/2007) e tem a participação de 19
ministérios/órgãos federais. Dentre as suas atribuições está a de coordenar a implementação do Plano e da Política Nacional
de Segurança Alimentar e Nutricional. 20
Mapa da Capacidade Estática dos Armazéns.In: http://www.conab.gov.br/detalhe.php?a=1077&t=2. Dados de
31/08/2011. 21
CONAB. Acompanhamento da Safra Brasileira 2010/11- Grãos. Relatório de agosto de 2011. 22
CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento). Armazenagem Agrícola no Brasil. Dezembro, 2005.(Disponível em
www.conab.gov.br, em publicações)
144
Por fim, destaca-se que o comportamento dos estoques públicos é crucial para uma política de 4888
abastecimento. O poder público atua como agente regulador nos momentos em que os mercados 4889
apontam para a necessidade de intervenção. Um dos efeitos mais desejáveis da implementação da 4890
política de estoques é a redução na volatilidade dos preços agrícolas, especialmente nos períodos de 4891
safra, quando tendem a ser mais baixos e, eventualmente, inferiores ao preço mínimo estabelecido. Para 4892
que a ação do governo, de fato, sustente o preço é necessário que os instrumentos de apoio tenham um 4893
alcance representativo e que as intervenções ocorram de maneira contínua e planejada. Essa 4894
possibilidade de gestão tem especial importância para o cenário de maior instabilidade na produção 4895
agrícola e uma das estratégias de adaptação mais defendidas por especialistas é o aumento da 4896
capacidade de lidar com um ambiente mais instável por meio de instrumentos de gestão da produção e 4897
do armazenamento. 4898
4.5.4.Análise integrada de alternativas de adaptação para aumento da 4899
segurança alimentar 4900
4.5.4.1.Ações de adaptação no contexto da segurança alimentar 4901
Diante dos cenários expostos nos itens anteriores, nas duas principais vertentes apresentadas, ou seja, 4902
nos impactos das mudanças climáticas sobre a produção de alimentos e sobre seu armazenamento, 4903
distribuição e acesso, este item procura fazer uma análise integrada das alternativas, ou ações de 4904
adaptação, focando a segurança alimentar e uma síntese das principais políticas no setor que possam 4905
colaborar para sua implementação em três aspectos: estruturação do setor agropecuário brasileiro; 4906
produção e disponibilidade de alimentos e acesso à alimentação adequada. 4907
Existem várias medidas de mitigação que os países estão tomando a fim de reduzir o aquecimento 4908
global nos próximos anos. Além disso, os pesquisadores brasileiros têm desenvolvido tecnologias que 4909
permitem a adaptação das culturas a temperaturas mais elevadas. Essas iniciativas, juntamente com a 4910
capacidade comprovada do homem para superar grandes desafios, oferecem uma visão otimista do 4911
futuro, sem reduzir a necessidade de continuar a fortalecer os esforços em curso. 4912
Ações de pesquisa e extensão em desenvolvimento visam fornecer alternativas aos produtores 4913
agrícolas que lhes permitam se adaptar às mudanças climáticas e reduzir os seus impactos. Essas 4914
iniciativas envolvem: o desenvolvimento de cultivares mais resistentes à seca; o uso da água residual e 4915
de biossólidos; os sistemas de consorciação; a quantificação da biomassa, celulose e energia e outros 4916
possíveis subprodutos; o efeito da temperatura sobre pragas, controladores biológicos e doenças; além 4917
do desenvolvimento de sistemas orgânicos de produção. Também existem diversas demandas, não 4918
atendidas, por sistemas de produção agrícola que, a partir da introdução de tecnologias alternativas, 4919
atendam a múltiplos propósitos como o de adaptar-se às mudanças climáticas, continuar produzindo 4920
alimentos de forma sustentável e simultaneamente contribuir para a redução e sequestro de emissões de 4921
GEEs. A quantificação da fixação ou redução de emissões e análise das possibilidades de participação 4922
no mercado internacional de carbono tornam necessário que, aliada ao atendimento daquelas demandas, 4923
se realize a avaliação dos aspectos sociais, econômicos e ambientais, decorrentes. 4924
Desenvolvimento de novos cultivares é uma das medidas eficazes para a adaptação ao aumento das 4925
temperaturas e secas, podendo-se citar como exemplos: i) a variedade de soja desenvolvida pela 4926
Embrapa Cerrados para condições de altas temperaturas e menor disponibilidade de água cultivada no 4927
Centro-Oeste; e ii) a espécie de cana-de-açúcar desenvolvida pela Embrapa Agroenergia que demanda 4928
menor quantidade de água e está em fase de testes. 4929
145
O sistema de arborização promove a interceptação da radiação incidente, que contribui para atenuar os 4930
extremos térmicos e diminuir a evapotranspiração, aumentando a umidade relativa no ambiente 4931
próximo à cultura. Esta técnica mostrou resultados eficientes na proteção contra a geada na cafeicultura 4932
(Morais et al., 2007), sendo que a temperatura da folha do cafeeiro em locais plantados com 4933
sombreamento de árvores pode chegar a ser entre 2o a 4
oC mais elevada que aquelas plantadas sem 4934
arborização (Caramori et al., 1996). 4935
Os eventos extremos podem ter efeitos positivos em alguns casos ou em algumas áreas. Pode-se citar, 4936
como exemplo, as condições derivadas do El Niño de 1998 que se refletiram em níveis abundantes de 4937
umidade no solo, o que ocasionou uma safra recorde de soja no Brasil (Rosenzweig et al., 2001). Desta 4938
forma, o sistema de monitoramento de eventos climáticos pode contribuir para o planejamento da 4939
seleção e plantio das espécies, visando aproveitar as características de determinados fenômenos. 4940
Dado que o principal impacto das mudanças climáticas sobre o sistema de produção de alimentos é o 4941
aumento do déficit hídrico, para se alcançar, efetivamente, mais sustentabilidade no agronegócio 4942
brasileiro, é preciso reduzir os riscos de escassez de água, promovendo o uso eficiente desse recurso 4943
natural e, até mesmo, reduzir o risco de imagem negativa, que pode estar associada à má utilização 4944
desse recurso. 4945
Além dos incentivos fiscais, o Brasil pode estimular programas de pesquisa que privilegiem o 4946
desenvolvimento e o uso racional da água na agricultura, por meio de seus institutos de pesquisa e 4947
programas de financiamento em pesquisa. Pode criar, ainda, incubadoras de tecnologia, utilizando-se o 4948
know-how acumulado em suas universidades e institutos, criando parcerias com empresas para o 4949
desenvolvimento tecnológico e a incorporação de tecnologias ambientalmente limpas do processo 4950
produtivo (SMA/SP, 2010). 4951
No Estado de São Paulo, existem políticas públicas importantes com relação ao uso racional da água e 4952
à conservação dos recursos hídricos. Atualmente, encontra-se em elaboração o Programa de Pagamento 4953
por Serviços Ambientais, que visa prover aos produtores rurais um incentivo para que tomem medidas 4954
de conservação, como a recuperação de nascentes e matas ciliares. Existe, também, a cobrança pelo uso 4955
da água, já institucionalizada em alguns Comitês de Bacia Hidrográfica, com exemplos semelhantes 4956
também nos estados do Paraná e de Santa Catarina (SMA/SP, 2010). 4957
Outras ações importantes no contexto da SAN, que se relacionam mais de perto com o enfrentamento 4958
das mudanças climáticas, referem-se ao fortalecimento de práticas agroecológicas, como, por exemplo, 4959
sistemas agroflorestais, recuperação de sementes crioulas, reflorestamentos de espécies nativas, 4960
recuperação de nascentes e bioenergia, bem como investimentos em pesquisa e tecnologias alternativas. 4961
Diversas iniciativas, ainda que de pequena escala, estão sendo implementadas nos Ministérios do 4962
Desenvolvimento Agrário (MDA), do Meio Ambiente (MMA) e da Agricultura (MAPA). A 4963
agroecologia tem suas raízes na revalorização dos métodos tradicionais de manejo e na gestão 4964
ambiental que evoluíram a partir dos conhecimentos acumulados por populações locais em sua 4965
convivência íntima com os bens da natureza disponíveis e sua otimização nos vários biomas e 4966
ecossistemas, visando o atendimento de suas necessidades de reprodução biológica e social. A ideia da 4967
diversidade é a dimensão central na agroecologia. Ela tem grande significado para uma alimentação 4968
adequada e saudável, diretamente relacionada com a conservação, manejo e uso da agrobiodiversidade 4969
(diversidade de espécies, variedades genética e diversidade de sistemas agrícolas ou cultivados) e, junto 4970
com a diversidade alimentar e cultural, constituem-se em grandes desafios para a garantia da segurança 4971
alimentar e nutricional. Esta abordagem reafirma o respeito às especificidades ambientais, econômicas, 4972
socioculturais e climáticas. 4973
146
Outra forma de valorizar a biodiversidade nas políticas públicas é o Plano Nacional da 4974
Sociobiodiversidade do governo federal, por meio do qual são direcionados recursos de crédito, da 4975
Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM) e da alimentação escolar para o fortalecimento de 4976
cadeias da sociobiodiversidade, como babaçu, açaí e castanha, associados ao extrativismo sustentável, 4977
em especial na Amazônia. 4978
Várias ações na área da SAN, principalmente aquelas relacionadas ao fortalecimento da agricultura 4979
familiar, acesso à água, agricultura urbana e implementação de uma política de abastecimento 4980
alimentar, que aproxime a produção do consumo, podem ser consideradas medidas de enfrentamento 4981
dos efeitos das mudanças climáticas, assim como formas de adaptação a estas mudanças. 4982
No contexto atual da construção da Política Nacional de SAN, torna-se urgente a necessidade de 4983
implementação de uma política nacional de abastecimento alimentar. A questão do acesso aos 4984
alimentos ainda permanece como um desafio para a realização da SAN da população, em especial para 4985
os mais vulneráveis ou para populações específicas. O incremento na renda e a melhoria da qualidade 4986
de vida de boa parte da população foi um ganho incomparável para a segurança alimentar, uma vez que 4987
a questão da renda (ou da não-renda) é a principal condição para o acesso aos alimentos. A 4988
aproximação entre produção e consumo é considerada uma das principais formas de garantia da SAN, e 4989
que seria alcançada por uma atuação integrada do abastecimento no nível local, por meio da formação 4990
de redes de equipamentos públicos que atuem de forma integrada. 4991
Nesse sentido, a promoção de ações de fortalecimento da agricultura familiar favoreceu bastante o 4992
cenário da participação da agricultura familiar na produção nacional. Destacam-se tanto a política de 4993
crédito direcionado - o Pronaf, quanto as políticas de aquisição de alimentos. O Programa de Aquisição 4994
de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), através do qual o poder público adquire alimentos de 4995
agricultores familiares com dispensa de licitação, com limites estabelecidos de acordo com a 4996
modalidade a ser acessada, e os destina às pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional 4997
atendidas pela rede socioassistencial, ajuda a sustentar a renda e a promover a segurança alimentar e 4998
nutricional da população, ao canalizar o poder de compra público para a agricultura familiar. 4999
Em 2009, com a aprovação da lei que regulamenta o Programa Nacional de Alimentação Escolar 5000
(PNAE - Lei 11.497/2009), uma medida de grande impacto para a SAN, tanto em relação à dimensão 5001
da agricultura familiar quanto em relação ao acesso aos alimentos, foi a determinação de que 30% dos 5002
recursos pelo PNAE repassados pelo governo federal para estados e municípios sejam direcionados 5003
para a compra de alimentos da agricultura familiar. 5004
Como sintetiza Santana et al. (2011), “Em resumo, o Brasil enfrenta uma perspectiva positiva quanto à 5005
capacidade produtiva de seu setor agrícola. A transformação desta perspectiva em realidade, todavia, 5006
depende de vários fatores, alguns dos quais podem ser influenciados por políticas públicas, outros não. 5007
Assim, é essencial que o governo assegure uma estabilização contínua da economia, adote políticas 5008
macroeconômicas e agrícolas sólidas e seja bem sucedido nos esforços para reduzir as taxas de juros 5009
internas pagas pelos produtores e consumidores. Ademais, é indispensável aumentar os investimentos 5010
na pesquisa agrícola e no desenvolvimento em infraestrutura, simplificar procedimentos de exportação, 5011
encontrar uma solução para o problema de endividamento de crédito rural enfrentado por um grande 5012
número de fazendeiros no Brasil e expandir a produção de fosfato e potássio para produção de 5013
fertilizantes. Acima de todos esses elementos, é fundamental que o governo mantenha uma forte 5014
vontade política para tomar as medidas oportunas requeridas para um crescimento sustentado da 5015
agricultura e da economia”. 5016
Essa síntese embute um grande desafio no campo da segurança alimentar e nutricional e sua adaptação 5017
às mudanças climáticas que é fazer com que as políticas públicas atuem de forma integrada, 5018
147
intersetorial, levando em conta todos estes processos, fazendo com que eles não atuem de forma 5019
isolada. É a partir desta integração que será possível enfrentar a questão de um desenvolvimento 5020
sustentável que seja feito de forma a preservar o meio ambiente, enfrentar as mudanças climáticas e 5021
assegurar uma justa redistribuição de recursos. 5022
Com essa visão, apresentam-se abaixo as principais políticas públicas relacionadas ao setor 5023
agropecuário brasileiro e à segurança alimentar e sua interação com as mudanças climáticas. 5024
4.5.4.2.Políticas Públicas no setor agropecuário brasileiro 5025
Em 2009 foi aprovada a Lei Federal no 12.187 que instituiu a Política Nacional de Mudanças 5026
Climáticas com o objetivo de reduzir voluntariamente as emissões do Brasil projetadas até 2020 entre 5027
36,1% e 38,9%. Essa redução se dará principalmente pela redução do desmatamento na Amazônia e 5028
Cerrado, adoção de boas práticas agropecuárias, eficiência energética, energia renovável e 5029
biocombustíveis. 5030
O Plano Nacional sobre Mudança do Clima tem como base duas metas principais, sendo elas: a) 5031
mitigação das emissões de GEEs nos setores energia, agropecuária e florestas, indústria, resíduos, 5032
transporte e saúde, principalmente no que diz respeito à redução das emissões provenientes da mudança 5033
do uso do solo e da floresta; b) adaptação às mudanças climáticas, principalmente as populações 5034
consideradas mais vulneráveis. 5035
Portanto, pelo menos duas grandes referências institucionais precisam ser analisadas para a construção 5036
de um caminho efetivo rumo à sustentabilidade da agropecuária no Brasil: (i) O Plano Agrícola e 5037
Pecuário (PAP), como documento principal de propostas no setor agropecuário; (ii) As políticas de 5038
incorporação de sustentabilidade na agropecuária, contempladas no PNMC (Monzoni e Biderman, 5039
2010). 5040
5041
Plano Agrícola Pecuário 5042 A política agrícola adotada pelo Governo Federal visa assegurar o apoio necessário ao produtor rural. 5043
Isso é fundamental para garantir a superação dos desafios da agricultura e pecuária, adequando o setor 5044
às novas dinâmicas dos mercados interno e externo. Para a safra 2011/2012 foram destinados R$ 107,2 5045
bilhões, 7,2% maior em relação à safra anterior, para o financiamento de operações de custeio, 5046
investimento, comercialização e subvenção ao prêmio do seguro rural. Pela primeira vez, houve 5047
recursos públicos em condições mais favoráveis para a retenção e compra de matrizes e reprodutores, 5048
bem como para a recuperação de pastagens degradadas. No caso da cana-de-açúcar e dos 5049
biocombustíveis, foram asseguradas linhas de financiamento para a expansão e renovação de canaviais. 5050
Por fim, o Governo destinou verbas para garantir preços mínimos de referência aos produtores cítricos 5051
e manteve as linhas de financiamento para os cafeicultores via FUNCAFÉ (PAP/MAPA, 2011). 5052
Além dessas ações previstas no Plano Agrícola e Pecuário 2011/2012, o Governo Federal optou pelo 5053
aperfeiçoamento das ações referentes ao uso de tecnologias direcionadas à sustentabilidade da 5054
produção agropecuária, consolidando o Programa ABC, lançado no ano anterior. O Programa 5055
Agricultura de Baixa emissão de Carbono, que incorpora o Produsa e o Propflora, dará incentivos ao 5056
produtor que adotar boas práticas agronômicas para minimizar o impacto da emissão de gases de efeito 5057
estufa. O Programa ABC destinou R$ 3,15 bilhões aos produtores em 2011/2012. A idéia é ampliar a 5058
competitividade do setor, aprofundando os avanços tecnológicos nas áreas de sistemas produtivos 5059
sustentáveis, microbiologia do sistema solo-planta e recuperação de áreas degradadas. A agricultura 5060
pode contribuir para a preservação do meio ambiente, seja por meio do sequestro de carbono, pelo 5061
148
desenvolvimento vegetal ou pela redução do desmatamento. Isso se dará mediante a ampliação das 5062
atividades agropecuária e florestal em áreas degradadas ou em recuperação. Um grande esforço de 5063
transferência de tecnologia será exigido para o real sucesso do plano ABC. (PAP/MAPA, 2011). Essas 5064
ações ampliam a eficiência e a sustentabilidade do setor agropecuário, bem como consolidam o país nas 5065
primeiras posições no mercado mundial de alimentos. 5066
5067
Plano Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) 5068 O PNMC (2008) define ações e medidas que visem à mitigação, bem como à adaptação à mudança do 5069
clima, sendo os seguintes os seus objetivos específicos: 5070
- Fomentar aumentos de eficiência no desempenho dos setores produtivos na busca constante do 5071
alcance das melhores práticas. Para que o desenvolvimento do País ocorra em bases sustentáveis, as 5072
ações governamentais dirigidas ao setor produtivo deverão buscar, cada vez mais, a promoção do uso 5073
mais eficiente dos recursos naturais, científicos, tecnológicos e humanos; 5074
- Buscar manter elevada a participação de energia renovável na matriz elétrica, preservando a posição 5075
de destaque que o Brasil sempre ocupou no cenário internacional; 5076
- Fomentar o aumento sustentável da participação de biocombustíveis na matriz de transportes nacional 5077
e, ainda, atuar com vistas à estruturação de um mercado internacional de biocombustíveis sustentáveis; 5078
- Buscar a redução sustentada das taxas de desmatamento, em sua média quadrienal, em todos os 5079
biomas brasileiros, até que se atinja o desmatamento ilegal zero; 5080
- Eliminar a perda líquida da área de cobertura florestal no Brasil, até 2015; 5081
- Procurar identificar os impactos ambientais decorrentes da mudança do clima e fomentar o 5082
desenvolvimento de pesquisas científicas para que se possa traçar uma estratégia que minimize os 5083
custos sócio-econômicos de adaptação do País. 5084
Para alcançar os objetivos do Plano, serão criados mecanismos econômicos, técnicos, políticos e 5085
institucionais que: 5086
- Promovam um desenvolvimento científico e tecnológico do setor produtivo que inclua as 5087
considerações ambientais a favor da coletividade; 5088
- Aumentem a consciência coletiva sobre os problemas ambientais da atualidade e propiciem o 5089
desenvolvimento de uma sociedade mais justa, fraterna e solidária; 5090
-Valorizem a floresta em pé e façam com que a conservação florestal seja uma atividade atraente, que 5091
gere riqueza e bem-estar àqueles que vivem dela; 5092
-Incentivem e estimulem medidas regionais que sejam adequadas às condições diferenciadas, onde 5093
cada região, e mesmo cada estado da nação, possa identificar suas melhores oportunidades de redução 5094
de emissões e remoção de carbono. 5095
Em escala estadual, diversas ações vêm sendo implementadas desde o ano 2000, sendo que foram 5096
criados 13 fóruns estaduais até o momento, abrangendo os estados do Amazonas, Acre, Piauí, Bahia, 5097
Rio Grande do Norte, Pernambuco, Minas Gerais, São Paulo, Mato, Rio de Janeiro, Espírito Santo, 5098
Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Mantidas suas características e políticas 5099
regionais, os fóruns estaduais têm como foco e abrangência: Mudanças climáticas e biodiversidade 5100
(São Paulo e Bahia); Mudanças climáticas e o uso racional da água (Espírito Santo); Mudanças 5101
climáticas e conservação ambiental e desenvolvimento sustentável (Amazonas e Acre); Mudanças 5102
climáticas e combate à pobreza (Piauí); Mudanças climáticas globais (Paraná, Rio Grande do Sul, Santa 5103
149
Catarina, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Pernambuco, Mato Grosso). Em todos os estados, há um 5104
interesse muito forte em estabelecer o próprio inventário de gases de efeito estufa, inventário este bem 5105
adiantado nos Estados de Minas Gerais e São Paulo. 5106
4.5.4.3.Políticas Públicas de Produção e Disponibilidade de Alimentos 5107
a. Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf) - Ao se analisarem os últimos 11 anos 5108
agrícolas de implementação do Pronaf Crédito, verifica-se que foram efetivamente aplicados R$ 71,7 5109
bilhões em contratos de financiamentos para a agricultura familiar, partindo de um montante anual de 5110
R$ 1,1 bilhão na safra 1998/1999, aumentando gradualmente até atingir R$ 10,8 bilhões em 2008/2009. 5111
Um dos principais desafios desse Programa é como adequar uma política de crédito agrícola aos 5112
agricultores familiares mais empobrecidos. 5113
5114
b. Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) - Apresenta maior cobertura nas regiões Nordeste, 5115
Sudeste (semiárido mineiro) e Sul. O MDS é o responsável pelo maior aporte de recursos do Programa. 5116
Dois terços dos recursos do PAA são voltados para a produção de leite e de seus derivados, bem como 5117
de grãos e cereais. O terço restante é aplicado numa diversidade significativa de alimentos. No que se 5118
refere aos produtores, a participação de agricultores familiares mais pobres é maior principalmente na 5119
Região Nordeste (sobretudo no CE, BA, PE e PB). Considerado em sua globalidade, o PAA avançou 5120
substancialmente em um curto espaço de tempo. Esse progresso sinaliza para a necessidade de 5121
fortalecer políticas de produção voltadas à agricultura familiar alternativas à tradicional política de 5122
crédito desempenhada pelo PRONAF. Ademais, a demanda crescente pelo programa demonstra que a 5123
garantia de renda sem o risco de endividamento oferecida pelo mesmo contribui para elevar a 5124
capacidade produtiva e o padrão de vida dos participantes. 5125
5126
c. Política de Garantia de Preços Mínimos/Formação de Estoques Públicos (PGPM) - 5127
Recentemente, dentre as medidas importantes para reerguer a PGPM como instrumento público para 5128
intervenção no mercado agrícola, além de assegurar os recursos orçamentários e financeiros 5129
necessários para as intervenções, foi a promoção de uma significativa recomposição dos preços 5130
mínimos. Na safra 2008/09, diante da crise mundial de alimentos, o Estado utilizou os preços mínimos 5131
como estímulo para a produção de alimentos. Tais medidas causaram impactos diretos na regulação dos 5132
preços e valorizaram produtos como arroz, milho e trigo. 5133
5134
d. Reforma Agrária – Os assentamentos rurais compõem parcela importante da agricultura familiar. 5135
Ao final de 2009, estavam em execução quase 8,6 mil projetos de assentamento, que abrigavam quase 5136
1 milhão de famílias assentadas em diferentes tipos de projetos em todo País, todos direcionados para o 5137
fortalecimento da agricultura familiar e na promoção da agrobiodiversidade. Pouco mais de 3/4 das 5138
famílias assentadas estão nas regiões Norte (43%) e Nordeste (33%). Mas, apesar dos avanços, a 5139
concentração fundiária e a morosidade na implantação da reforma agrária persistem como obstáculos 5140
ao desenvolvimento e à consolidação dos sistemas familiares de produção rural no Brasil. Uma política 5141
articulada do Estado, que vise promover a segurança e a soberania alimentar e nutricional, deve ter 5142
como componentes estratégicos as políticas de fortalecimento da agricultura familiar e de efetivação da 5143
reforma agrária, igualmente importantes para o enfrentamento da pobreza e das desigualdades raciais e 5144
de gênero no meio rural. 5145
5146
150
4.5.4.4.Políticas Públicas de Acesso à Alimentação Adequada 5147
a. Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE – Foi recentemente reformulado, por meio 5148
da Lei nº 11.947/2009, que o estendeu para toda a rede pública de educação básica (incluindo o ensino 5149
médio) e de jovens e adultos alcançando 47 milhões de escolares (em 2010). Esta Lei instituiu o 5150
investimento de pelo menos 30% dos recursos destinados ao PNAE na compra de produtos da 5151
agricultura familiar, sem necessidade de licitação, priorizando os alimentos orgânicos e/ou 5152
agroecológicos, de forma a facilitar a oferta de uma alimentação mais saudável e mais próxima dos 5153
hábitos alimentares locais. Também possui repasses financeiros ampliados para os alunos indígenas e 5154
quilombolas. Como desafio, é importante que o PNAE consolide e dissemine o seu sistema de 5155
monitoramento e de avaliação, assim como a sistemática ampliação e qualificação de ações de 5156
educação alimentar e nutricional, para fazer do Programa um espaço efetivo para a promoção da 5157
alimentação saudável e para a formação de sujeitos de direitos. 5158
5159
b. Rede de Equipamentos Públicos de SAN – criada a partir de 2003, tem mais de 500 unidades em 5160
funcionamento atualmente. São equipamentos públicos voltados para municípios grandes e médios e 5161
estão mais presentes nas regiões Sul e Sudeste. O desafio principal é a ampliação da capilaridade desta 5162
rede para todo o território nacional. Além disso, há necessidade de institucionalização, definição dos 5163
compromissos e responsabilidades dos entes federados, padronização dos serviços, sustentabilidade dos 5164
equipamentos pela ação direta do Estado e integração destes com o PAA, a fim de fortalecer a 5165
estruturação de redes descentralizadas de SAN. 5166
5167
c. Distribuição de Alimentos a Grupos Específicos – Tendo como foco a distribuição de alimentos a 5168
populações extremamente vulnerabilizadas, foram entregues mais de 220 mil toneladas de alimentos 5169
entre 2003 e 2008, por meio de cestas de alimentos, para as famílias acampadas que aguardavam o 5170
Programa de Reforma Agrária, às comunidades de terreiros (pela capilaridade que possuem junto à 5171
população negra e de menor poder aquisitivo), aos indígenas, aos quilombolas, aos atingidos por 5172
barragens e às populações residentes em municípios vítimas de calamidade pública. 5173
5174
d. Carteira Indígena - Os projetos da Carteira Indígena apóiam a produção de alimentos para a auto-5175
sustentação, tais como a criação de hortas comunitárias, criação de animais, agroflorestas, artesanato, 5176
agroextrativismo, recuperação de áreas degradadas, acesso à água e construção de equipamentos de 5177
alimentação, entre outros. Há quase 300 projetos apoiados, atendendo 22 mil famílias indígenas. A 5178
instabilidade institucional é o seu principal desafio, por fazer parte de um projeto que encerra em 2011. 5179
5180
e. Acesso à Água para Consumo e Produção – Foram analisados dois programas voltados para a 5181
região semiárida nordestina: o Programa de Cisternas (Primeira Água), que construiu 273 mil cisternas 5182
entre 2003 e 2009, e que atende 1,4 milhão de pessoas; e o Programa Segunda Água (água para 5183
produção), que fez 2.892 implantações entre 2007 e 2009. Um desafio destas ações é o monitoramento 5184
da qualidade da água disponível às famílias. 5185
5186
f. Programa de Alimentação do Trabalhador - PAT –Atendia 131 mil empresas em agosto de 2010, 5187
contemplando 13 milhões de trabalhadores. É um Programa concentrado no Sudeste e tem mais de 70% 5188
dos trabalhadores com menos de cinco salários mínimos. Na agenda do PAT, tornam-se necessárias 5189
revisões importantes em seu marco legal, que permitam ampliar o acesso dos trabalhadores aos 5190
benefícios, acompanhando as mudanças que vêm ocorrendo no mercado de trabalho e que possam 5191
151
também levá-los para regiões onde o desenvolvimento industrial ainda está sendo construído. Como em 5192
outros programas, o componente de educação alimentar e nutricional necessita ser fortalecido no PAT. 5193
4.5.4.5.Direcionamento de novas medidas adaptativas que busquem o 5194
aumento da segurança alimentar 5195
Conclusivamente, depreende-se dos subitens acima que diversas ações e políticas colaboram 5196
efetivamente para adaptação do sistema de segurança alimentar, em diversos níveis de atuação. De 5197
qualquer forma, um direcionamento mais integrado de novas medidas adaptativas poderia promover 5198
avanços na incorporação de novos modelos e paradigmas de produção agropecuária. 5199
De um lado, poder-se-ia focar na descentralização da produção, na busca de soluções mais adaptadas às 5200
condições locais, na diversificação da oferta interna de alimentos e na qualidade nutricional, e de outro, 5201
na capacidade de lidar com instrumentos de gestão da produção e do armazenamento – principalmente 5202
diante de novas instabilidades trazidas pela mudança climática – e na adoção de medidas que permitam 5203
reestruturar os sistemas de produção agrícola. Essas medidas devem atender a múltiplos propósitos e, 5204
mesmo ao adaptar-se às mudanças climáticas, continuar produzindo alimentos de forma sustentável e 5205
contribuindo para a redução e sequestro de emissões de GEEs e, simultaneamente, respeitar e trazer 5206
melhorias dos aspectos sociais, econômicos e ambientais, delas decorrentes. 5207
O meio para se alcançar tais avanços deve incluir, em conjunto com programas de garantia e 5208
transferência de renda, de crédito e de pesquisas para adaptação, um esforço de inovação no campo, 5209
baseada na criação de um ambiente institucional adequado. Do ponto de vista do desenvolvimento 5210
sustentável, especial atenção deve ser dada a: a rearticulação e capacitação continuada da rede de 5211
extensão rural, pública e privada; a transferência de conhecimentos e tecnologias adaptadas às 5212
condições locais; a promoção do desenvolvimento regional; as ações de formação de capital humano 5213
para as cadeias produtivas ligadas à agricultura; e a organização de produtores e agrupamentos 5214
regionais de produção. 5215
Objetivamente, mesmo diante dos novos desafios trazidos pelas mudanças climáticas, esse 5216
direcionamento deve levar à sustentabilidade, na sua concepção mais plural ou multisetorial, e a 5217
agricultura familiar parece dar alguns indícios de que há caminhos possíveis para atingi-la, desde que 5218
se esteja apto a adotar alterações significativas dos modelos e paradigmas atuais de produção, 5219
distribuição e acesso aos alimentos. 5220
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