PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
MESTRADO EM PSICOLOGIA
CRISTIANE DOS SANTOS SCHLEINIGER
VIOLÊNCIA & GÊNERO
NAS RELAÇÕES AFETIVO-SEXUAIS ENTRE ADOLESCENTES
Porto Alegre
2013
CRISTIANE DOS SANTOS SCHLEINIGER
VIOLÊNCIA & GÊNERO
NAS RELAÇÕES AFETIVO-SEXUAIS ENTRE ADOLESCENTES
Dissertação de Mestrado realizada no
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul como parte dos requisitos para
a obtenção do título de Mestre em Psicologia.
Área de Concentração Psicologia Social.
Orientadora: Professora Dra. Marlene Neves Strey
Porto Alegre
2013
CRISTIANE DOS SANTOS SCHLEINIGER
VIOLÊNCIA & GÊNERO
NAS RELAÇÕES AFETIVO-SEXUAIS ENTRE ADOLESCENTES
BANCA EXAMINADORA:
Professora Dra. Marlene Neves Strey
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande Do Sul - PUCRS
Professora Dra. Adriane Roso
Universidade Federal de Santa Maria – UFSM
Professora Dra. Marta Julia Marques Lopes
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS
Porto Alegre
2013
DEDICATÓRIA
Aos/Às jovens do Projeto Pescar, a
quem tenho dedicado meu amor, fé e
esperança há mais de seis anos.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus e à vida por esta oportunidade, por mais esta conquista e este sonho
realizado.
Ao meu pai, Paulo Cesar, e à minha mãe, Helena, por sonharem comigo e me darem
todo o apoio necessário para fazer esta caminhada.
Ao meu marido, Ézio, por todo o carinho, paciência, admiração e apoio que me
energizavam para vencer cada etapa.
Ao meu filho, Thomaz, querido, que preencheu a minha vida e me deu mais razões
para continuar na minha caminhada profissional.
À professora Marlene Neves Strey, que ampliou meu olhar sobre a vida e me deu
autonomia para pensar e crescer, com tranquilidade, carinho e incentivo.
Ao professor Adolfo Pizzinato e às professoras Mariana Barcinski e Maria Isabel
Barros Bellini (Belinha), pois esta dissertação também é fruto de meus aprendizados
adquiridos com cada um/a de vocês.
Às/Aos colegas da minha turma: Esequiel, Julia, Karen, Liciane, Luciana, Luciara e
Rodrigo, que tornaram tão especial estes dois anos de mestrado – adorei estar com vocês!
Às colegas de meu Grupo de Pesquisa Relações de Gênero, sempre acolhedoras e
disponíveis, facilitando a minha caminhada ao longo do mestrado.
Às graduandas de Iniciação Científica Patrícia, Mariane, Marcela e Keila, que
contribuíram ativamente na realização desta pesquisa – muito obrigada a cada uma de vocês.
À professora Dra. Marta Julia Marques Lopes e à professora Dra. Adriane Roso, por
aceitarem fazer parte da minha banca e contribuir com os seus conhecimentos nesta
caminhada de aprendizagem.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que, por
intermédio da bolsa de estudos Pró-Ensino na Saúde, possibilitou a realização do meu
mestrado.
À Fundação Projeto Pescar e aos seus profissionais, que possibilitaram a realização
desta pesquisa.
A todas as pessoas que, de uma forma ou de outra, contribuíram para que esta etapa
se tornasse possível. Muito obrigada!
RESUMO
Esta dissertação analisa e discute a violência e as relações de gênero nos relacionamentos
afetivos e sexuais entre adolescentes. O estudo tem um delineamento exploratório-descritivo
de caráter qualitativo. A geração de dados deu-se por meio de grupos focais, e a análise foi
realizada a partir da Análise Crítica do Discurso. Os/As participantes deste estudo foram 18
jovens integrantes de uma Unidade do Projeto Pescar situada na cidade de Porto Alegre. A
estrutura desta dissertação conta com três artigos empíricos que apresentam os resultados da
pesquisa realizada. O primeiro artigo analisa as concepções que os/as adolescentes têm dos
papéis de gênero nas relações afetivo-sexuais, evidenciando e problematizando tanto os
discursos hegemônicos de gênero que sustentam ou invisibilizam a violência simbólica,
quanto os discursos que resistem e se contrapõem a essa hegemonia, capazes de contribuir
para a transformação das relações de gênero. O segundo artigo analisa e discute fenômenos
sociais e culturais imbricados com a violência nos relacionamentos afetivo-sexuais entre
adolescentes, estabelecendo uma ponte entre as práticas discursivas dos/das adolescentes
participantes da pesquisa e as construções sociais, históricas e culturais implicadas nesse
fenômeno. O terceiro artigo tem por finalidade apontar algumas das potencialidades
metodológicas do grupo focal, visando a oferecer subsídios para a criação de estratégias que
trabalhem com atividades em grupos com os/as adolescentes, seja para a formulação de
políticas públicas, seja para a criação de programas intersetoriais de prevenção, intervenção e
recuperação, considerando os modelos culturais de gênero existentes em nossa sociedade. Os
resultados indicam que os discursos hegemônicos de gênero estão presentes nos
conhecimentos, opiniões, crenças e atitudes dos/das adolescentes, assim como nas
expectativas familiares, sendo que os papéis tradicionais de gênero criam situações favoráveis
para a produção e/ou a invisibilidade da violência. O desafio é criar programas e políticas
intersetoriais no âmbito da prevenção, da intervenção e da recuperação de perpetradores e
vítimas desse tipo de violência, a fim de enfrentar a violência nas relações afetivo-sexuais
entre adolescentes com efetividade e eficácia. Entende-se que a educação, a saúde, a
assistência e a justiça estão implicadas no entendimento e na intervenção nesse fenômeno,
pois os/as jovens necessitam ser acolhidos/as em sua integralidade, considerando as
peculiaridades de suas condições de vida.
Palavras-chave: adolescência; relações afetivo-sexuais; violência; relações de gênero;
intersetorialidade.
Área conforme classificação CNPq: 7.07.00.00-1 – Psicologia
Sub-área conforme classificação CNPq: 7.07.05.00-3 – Psicologia Social
ABSTRACT
This dissertation analyzes and discusses violence and gender relations in affective-sexual
relationships among adolescents. The study has an exploratory-descriptive design, with a
qualitative approach. Data were collected with the use of focus groups, and the analysis was
carried out according to Critical Discourse Analysis. Eighteen adolescents from a Pescar
Project Unit located in Porto Alegre participated in this study. This dissertation is composed
of three empirical papers presenting the research results. The first paper analyzes the
adolescents’ conceptions of gender roles in affective-sexual relationships, by evidencing and
problematizing both hegemonic discourses that have either supported symbolic violence or
rendered it invisible, and discourses that have resisted and countered such hegemony, being
able to contribute to changes in gender relations. The second paper analyzes and discusses
social and cultural phenomena that have been intertwined with violence in affective-sexual
relationships among adolescents, establishing a bridge between the discursive practices of the
adolescents participating in this research and social, historical and cultural constructions
implied in this phenomenon. The third paper aims at pointing out some methodological
potentialities of focus group, aiming at providing bases for the design of strategies that
include group activities with adolescents, as well as public policies and inter-sector
prevention, intervention and rehabilitation programs, considering the cultural gender models
existing in our society. The results have evidenced that hegemonic gender discourses are
present in adolescents’ knowledge, opinions, beliefs and attitudes, as well as in their families’
expectations, and the traditional gender roles provide favorable situations for either
production or invisibility of violence. The challenge is to design inter-sector programs and
policies for prevention, intervention and rehabilitation of violence perpetrators and victims, in
order to face violence in affective-sexual relationships among adolescents both effectively and
efficaciously. Education, health, assistance and justice have been involved in both the
understanding and the intervention in this phenomenon, since youths need to be integrally
attended, considering the peculiarities of their life conditions.
Keywords: adolescence; affective-sexual relationships; violence; gender relations; inter-
sectoriality.
Area according to CNPq classification: 7.07.00.00-1 - Psychology
Sub-area according to CNPq classification: 7.07.05.00-3 - Social Psychology
LISTA DE SIGLAS
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CEP – Comitê de Ética em Pesquisa
FAPERGS – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul
GEPESI – Grupo de Estudo e Pesquisa em Ensino na Saúde e Intersetorialidade
PUCRS – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
SUS – Sistema Único de Saúde
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ................................................................................................ 10
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 17
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 21
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 23
ANEXO: PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP .................................................. 25
10
APRESENTAÇÃO
O tema central desta dissertação é violência e gênero nas relações afetivo-sexuais entre
adolescentes. A escolha do tema é um continuum da minha escolha profissional, pois desde o
ingresso na faculdade, em 1996, eu já tinha o objetivo de trabalhar com crianças e
adolescentes. Desde então, esse tem sido o foco de meus estudos e trabalho. O tema da
violência surgiu no ano de 2001, quando realizei o último estágio curricular em uma Escola
de Educação Infantil comunitária e em um Serviço de Apoio Sócio-educativo em Meio
Aberto, com crianças de três a 11 anos e adolescentes de 12 a 14 anos. O fenômeno da
violência estava presente naquela realidade social, pois crianças, adolescentes e famílias
estavam expostos à exclusão social e a toda ordem de violação de seus direitos. Em 2003,
concluí a especialização em violência doméstica contra crianças e adolescentes, especialidade
que me possibilitou a realização de inúmeros trabalhos que articulavam os temas infância,
adolescência, violência doméstica e garantia de direitos.
Em 2009, quando visitei a pós-graduação da PUCRS para conhecer os grupos de
pesquisa, tinha a expectativa de poder escolher o tema de minha pesquisa unicamente com
base em meus interesses. No entanto, ao conhecer a professora Marlene Neves Strey, ela me
esclareceu que, ao ingressar num grupo de pesquisa, eu teria que seguir a respectiva linha de
pesquisa, sendo que o grupo que coordenava pesquisava as relações de gênero. O termo
gênero era novo para mim; então, a professora indicou-me uma série de leituras para que eu
me apropriasse desse tema. Após este estudo inicial, percebi que tinha alguma familiaridade
com o conteúdo, pois, na especialização em violência doméstica contra crianças e
adolescentes, as questões de gênero foram estudadas. Outra percepção foi a dos inúmeros
estudos realizados sobre relações de gênero e violência conjugal, quando então começou a
brotar a proposta do meu tema de pesquisa. Numa segunda visita ao Grupo de Pesquisa
Relações de Gênero, propus à professora Marlene pesquisar sobre a violência nas relações de
namoro entre os/as adolescentes, podendo agregar meus conhecimentos e experiências
adquiridos com esse novo tema que chegava até mim: as relações de gênero. A professora
Marlene acolheu minha ideia, e desde então esse foi o foco de meus estudos ao longo do
mestrado.
Após ingressar no mestrado, fui contemplada com a bolsa de estudos Pró-Ensino na
Saúde – 2012 - 2014, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
11
(CAPES), pertencente ao Projeto Integração entre Universidade e Política de Saúde:
intersetorialidade e ensino na saúde, que tem como objetivo promover a construção de ações
voltadas ao ensino, pesquisa, formação e qualificação profissional em saúde a partir da
integração entre os programas de pós-graduação em Serviço Social e em Psicologia da
Pontifícia Universidade Católica Do Rio Grande do Sul (PUCRS). O Projeto visa a uma
formação profissional compatível com os desafios da contemporaneidade e com as diretrizes e
princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e ao fortalecimento da intersetorialidade. Uma
das ações do Projeto Integração entre Universidade e Política de Saúde foi a constituição do
Grupo de Estudo e Pesquisa em Ensino na Saúde e Intersetorialidade (GEPESI). O Grupo de
Pesquisa Relações de Gênero, do Programa de Pós-Graduação em Psicologia / concentração
em Psicologia Social, é integrante do Projeto Integração entre Universidade e Política de
Saúde. Essa integração entre os programas de pós-graduação possibilitou-me atuar em ambos
os grupos de pesquisa: GEPESI e Relações de Gênero. No contexto de integração e
articulações desses dois grupos de pesquisa, os temas saúde e, principalmente,
intersetorialidade também integram minhas discussões sobre a violência e as relações de
gênero nas relações afetivo-sexuais entre adolescentes.
A violência nas relações afetivo-sexuais entre adolescentes vem sendo vista como um
crescente problema social e de saúde pública em vários países (GOMES, 2011). Nos Estados
Unidos, no Canadá e em Portugal, há algumas décadas, há o debate social e científico e
diversas iniciativas de prevenção da violência no namoro (COELHO; MACHADO, 2010;
NJAINE et al., 2011). Porém, no Brasil, existem poucas experiências consolidadas de
prevenção, e o tema ainda é pouco destacado nos estudos sobre a adolescência de modo geral
(NJAINE et al., 2011).
Nas situações em que ocorre a violência nas relações afetivo-sexuais entre
adolescentes, intervêm vários fenômenos, nem sempre da mesma natureza, nem com a mesma
capacidade de determinação. Há influência de variáveis circunscritas às relações
interpessoais, à socialização e às diferenças individuais, como também dos marcadores
gênero, raça/etnia, classe social, faixa etária/geração, considerando-se que nenhuma relação se
passa fora da estrutura social (OLIVEIRA et al., 2011; SAFFIOTI, 2001). Os resultados da
pesquisa Violência & Gênero nas Relações Afetivo-sexuais entre Adolescentes propõem um
aprofundamento dos conhecimentos sobre esse fenômeno a partir do enfoque das relações de
gênero. Esse modelo explicativo dá conta de uma visão macrossocial, cultural e crítica,
partindo do pressuposto de que as relações afetivo-sexuais entre adolescentes se inserem em
12
contextos que, influenciados por certos modelos hegemônicos de gênero, podem produzir
violência e/ou contribuir para a invisibilidade da violência (GOMES, 2011). Portanto, o
posicionamento epistemológico deste estudo situa-se nos Estudos de Gênero, que se
consolidaram no Brasil no final dos anos 1970, concomitantemente com o fortalecimento do
movimento feminista no país (FARAH, 2004).
Ao trabalhar com o conceito de gênero, refiro-me à construção social, histórica e
linguística do que é ser mulher e ser homem na sociedade, a partir de um conjunto de normas
modeladoras dos seres humanos, expressas nas relações de duas categorias: feminino e
masculino (LOURO, 1996; SAFFIOTI, 1999). Assim, há um montante de violência implícita
na palavra gênero, pois implica a tentativa cultural de impor como homens e mulheres devem
ser, comportar-se, pensar, amar, desejar, trabalhar, desempenhar papéis, etc. (STREY, 2004,
2007).
Nesse sentido, entendo a violência de gênero como qualquer forma de intimidação e
controle sobre comportamentos, posturas, verdades e saberes que definem o papel do homem
e da mulher para atuar em sociedade, de modo que qualquer desvio desse caminho é
discriminado e inviabilizado nas práticas sociais cotidianas. A violência de gênero pode
acontecer no espaço doméstico, na esfera pública, no mundo do trabalho, nas relações sociais,
afetivas e sexuais, etc., ou seja, em qualquer relação de poder e de dominação-opressão em
que um/a cidadão/ã recebe autorização (ou tolerância) da sociedade para punir os/as que se
apresentam como desvio das expectativas binárias de gênero. Tanto homens quanto mulheres,
crianças e adolescentes de ambos os sexos podem ser vítimas e perpetuadores/as da violência
de gênero (MACHADO; ARAÚJO, 2004; SAFFIOTI, 2001; SOUZA, 2004).
A violência de gênero pode ser do tipo psicológico, físico, sexual, econômico ou
patrimonial (STREY, 2004). Para além dos aspectos emocionais, físicos e materiais da
violência, é fundamental incluir a violência simbólica presente na violência de gênero
(GOMES, 2008). Entendida por Pierre Bourdieu (1999, p.7-8) como “violência suave,
insensível, invisível às suas próprias vítimas, que se exerce essencialmente pelas vias
puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento, ou, mais precisamente, do
desconhecimento, do reconhecimento ou, em última instância, do sentimento”, a violência
simbólica refere-se a mecanismos sutis de dominação e exclusão social utilizados por
indivíduos, grupos e/ou instituições. Quando modelos hegemônicos de gênero são
padronizados e mecanicamente associados para pensarmos “ser homem” e “ser mulher”,
13
excluindo-se a possibilidade de as características se intercambiarem, a violência simbólica
pode ser instaurada (GOMES, 2008, 2011).
Ricardo Castro (2009) salienta que a violência de gênero não se encerra no indivíduo
que cometeu ou sofreu uma agressão, mas surge como uma prática complexa que envolve a
socialização de homens e mulheres. Inseridos nesses padrões culturais, os relacionamentos
afetivos e sexuais entre adolescentes colocam-se como um espaço privilegiado para a
problematização das convenções dos papéis de gênero. Entendo que moças e rapazes,1 ao
lançarem mão de modelos hegemônicos de masculinidade e/ou feminilidade para explicar,
justificar e/ou orientar suas práticas nas relações afetivo-sexuais, são suscetíveis à
(re)produção e/ou invisibilização das violências de gênero.
Embora o conceito gênero perpasse todas as áreas de estudo da Psicologia e de outras
áreas do conhecimento, ele tem uma íntima relação com a Psicologia Social, porque esta lança
seu olhar para a história, para a sociedade e para a cultura, não conseguindo entender o
humano separado dessas instâncias (STREY, 2000). Portanto, com base nessa perspectiva
teórica é que me propus a investigar a violência no âmbito das relações afetivo-sexuais entre
adolescentes.
A pesquisa Violência & Gênero nas Relações Afetivo-sexuais entre Adolescentes foi
aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da PUCRS em 06 de maio de 2013, sob o Parecer
Consubstanciado do CEP nº 263.471. Teve por objetivo analisar os discursos dos e das
adolescentes que sustentam a violência de gênero nas relações afetivo-sexuais e os discursos
que resistem e se contrapõem a essa violência. A partir de um delineamento exploratório-
descritivo de caráter qualitativo, trabalhou-se com a compreensão, a interpretação e a busca
do entendimento das contradições presentes na ação e na linguagem. Apesar de toda
compreensão ser parcial e inacabada, interpretar fidedignamente é garantir a diversidade de
sentidos expressos pelos interlocutores, o que não equivale à ideia de verdade única. Por isso,
a conclusão de uma análise qualitativa não se propõe a alcançar uma obra acabada, mas a
abrir novas indagações (MINAYO, 2012).
Escolhi o Projeto Pescar como local para a realização da pesquisa porque há mais de
seis anos desenvolvo trabalhos de consultoria na Fundação Projeto Pescar. A instituição
demonstrou interesse nos resultados desta pesquisa e indicou-me uma das Unidades Projeto
1 A Organização Mundial da Saúde (OMS) identifica como adolescentes jovens as pessoas na faixa etária de 15
a 19 anos (BRASIL, 2007). Portanto, devido à definição dessa categorização etária, utilizo as nomenclaturas
“adolescentes”, “jovens”, “moças” e “rapazes” para nomear os/as participantes deste estudo.
14
Pescar, situadas na cidade de Porto Alegre / Rio Grande do Sul. O Projeto Pescar é um
programa social desenvolvido e coordenado pela Fundação Projeto Pescar, que, por meio da
parceria com empresas públicas, empresas privadas e organizações sociais, implanta uma
Unidade Projeto Pescar nas dependências de suas instituições e oferece cursos em iniciação
profissional para jovens entre 15 e 19 anos e em situação de vulnerabilidade social. O
currículo do Projeto Pescar prevê 60% de atividades que visam ao desenvolvimento pessoal e
da cidadania do jovem, enquanto 40% das atividades são voltadas à profissionalização. Em
2012, o Projeto Pescar contava com 142 Unidades no Brasil.
O convite aos/às jovens foi realizado 15 dias antes do início da pesquisa, durante um
encontro de 45 minutos com a turma, agendado previamente, no turno em que os/as jovens se
encontravam no Projeto Pescar. Após me apresentar, utilizando o recurso do Power Point,
apresentei a universidade, o curso de Psicologia, o curso de mestrado e doutorado, o grupo de
pesquisa, o conceito de relações de gênero e como construí o tema de pesquisa. Depois dessa
contextualização inicial, apresentei o tema de pesquisa, o porquê e para quê pesquisar esse
tema, os participantes e a forma como seria realizada a pesquisa, quando e onde. Sempre que
o grupo trazia questionamentos ou comentários, eu os acolhia e dava os esclarecimentos
solicitados, pois o objetivo desse encontro era os/as jovens compreenderem a proposta da
pesquisa para poderem decidir se queriam ou não participar. Por fim, foram tratadas as
questões éticas; nesse momento, os/as jovens foram oficialmente convidados/as a participar
da pesquisa, pois aqueles/as que tinham interesse deveriam trazer os Termos de
Consentimento e Assentimento assinados, conforme sua faixa etária. Os/As jovens maiores de
18 anos e os/as responsáveis pelos/as jovens menores de 18 anos assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido. Os/As jovens menores de 18 anos assinaram o Termo de
Assentimento Livre e Esclarecido. Nas semanas seguintes, a educadora social da Unidade
recolheu os termos, sendo que todos/as os/as 18 adolescentes da turma integraram a pesquisa.
Os/As adolescentes participantes da pesquisa são estudantes de escolas públicas, com
escolaridade entre a 6ª série do ensino fundamental e o ensino médio completo, com faixa
etária entre 16 e 19 anos e em condições socioeconômicas desfavoráveis. Quanto às unidades
familiares dos/das entrevistados/as, nove são compostas por pai, mãe e irmãos/ãs; sete são
monomaternais, sendo que em somente uma delas não residem irmãos/ãs, e em outra residem
a avó, uma irmã e um sobrinho; uma unidade é composta pelo adolescente, a mãe e o
padrasto; e um adolescente transita entre as casas do pai, da mãe, de uma tia e da namorada.
15
O procedimento utilizado para a produção de dados foi o grupo focal, que tem como
objetivo gerar dados por meio da interação grupal, permitindo explorar a fundo os
significados que as pessoas constroem sobre o tema de pesquisa e os modos pelos quais as
perspectivas são socialmente construídas (BARBOUR, 2009). No grupo focal, os/as
participantes são convidados/as e encorajados/as a discutir um tema específico nas suas mais
diversificadas dimensões possíveis, e os sentidos ou as representações que emergem são mais
influenciados pela natureza social do grupo do que fundamentados na perspectiva individual
(GASKELL, 2010).
Os/As 18 adolescentes foram divididos/as em dois grupos de nove pessoas cada. O
Grupo A contou com cinco rapazes e quatro moças, enquanto o Grupo B contou com seis
rapazes e três moças. Foram realizados três encontros de grupo focal com cada grupo, com
duração de uma hora e trinta minutos a duas horas cada. No primeiro encontro, os temas
investigados foram: as formas de relacionamentos afetivo-sexuais entre adolescentes e os
papéis de gênero esperados de moças e rapazes, considerando a orientação sexual. No
segundo encontro, foram discutidas as formas de violência nos relacionamentos afetivo-
sexuais entre adolescentes e as motivações e/ou possíveis causas das violências nos
relacionamentos afetivo-sexuais entre adolescentes. No terceiro encontro, os temas
problematizados foram as relações de gênero e a violência de gênero. A partir de palavras ou
frases geradoras, o grupo foi convidado e incentivado a discutir o tema de pesquisa dentro de
um processo de interação e participação dos/as envolvidos/as (GASKELL, 2010).
Os encontros foram gravados em meio digital (um gravador de áudio e uma câmera de
vídeo), com autorização prévia dos/as participantes e dos/as seus/suas responsáveis, no caso
dos/as menores de 18 anos. O uso da câmera de vídeo teve o objetivo de facilitar o
entendimento da interação grupal, uma vez que o contexto interacional dos/as participantes
também é foco de análise (BARBOUR, 2009).
Na análise dos dados, utilizei a Análise Crítica do Discurso, enfocando as práticas
discursivas geradas no grupo focal que produzem, confirmam, legitimam, reproduzem ou
desafiam as relações de poder e de dominação (DIJK, 2012), fundamentada no pressuposto de
que a violência nas relações afetivo-sexuais entre adolescentes também é influenciada por
relações de gênero. A dominação ocorre quando o discurso ou suas possíveis consequências
sistematicamente violam os direitos humanos ou civis das pessoas e/ou promovem formas de
desigualdade social. O poder dos grupos dominados nem sempre é exercido por meio de atos
obviamente abusivos, mas pode estar incorporado em ações normais da vida diária, integrado
16
a leis, regras, normas, hábitos e mesmo a um consenso geral. Esse poder simbólico, capaz de
seduzir, persuadir, doutrinar ou manipular as pessoas, assume a forma de “hegemonia”, sendo
muito eficaz quando se torna naturalizado e atinge o status de “senso comum”. A dominação
do sexismo nas práticas linguísticas é um exemplo característico dessa hegemonia (DIJK,
2012; FAIRCLOUGH, 2008).
A Análise Crítica do Discurso oferece uma valiosa contribuição para o debate de
questões ligadas às relações de gênero enquanto relações de poder e de dominação-opressão.
Ela produz percepções úteis do papel que o discurso desempenha na reprodução de modelos
hegemônicos de masculinidade e/ou feminilidade, capazes de violar os direitos sociais e civis
das pessoas. Enfatiza, ainda, os processos de mudança que estão em andamento fora da matriz
dominante, visibilizando discursos que desafiam ou resistem às desigualdades de expectativas
gênero, a fim de construir novos valores culturais com base na democratização das relações de
gênero (DIJK, 2012; FAIRCLOUGH, 2008; MAGALHÃES, 2005).
O primeiro passo para a análise dos dados consistiu na transcrição detalhada das
interações ocorridas nos encontros, transformando as falas em texto escrito, com todas as
características possíveis das falas dos/as adolescentes e da mediadora do grupo focal,
destacando pausas, alterações na entonação vocal, suspiros, risos, justaposição de falas e
outras manifestações (AZAMBUJA; NOGUEIRA, 2009). Portanto, o corpus da pesquisa é
composto pela transcrição dos seis encontros, incluindo as comunicações verbais, o contexto
interacional e as comunicações não-verbais.
Após a transcrição, a análise seguiu com a leitura repetida da transcrição, buscando-se
uma leitura cética, num exercício de suspeição de crenças no que é tido como algo dado, e
questionando-se os próprios pressupostos e a maneira como habitualmente damos sentido às
coisas. Esse exercício culminou no enfoque das práticas discursivas voltadas para as questões
de gênero, denominadas de codificação e seleção de sequências no corpus. Assim, um
pequeno número de sequências de discurso, denominadas de “discurso de gênero”2, foram
selecionadas e agrupadas em tópicos para uma análise crítica detalhada (AZAMBUJA;
NOGUEIRA, 2009; FAIRCLOUGH, 2008; GILL, 2010).
A estrutura desta dissertação conta com três artigos empíricos, os quais apresentam os
resultados da pesquisa realizada. Os artigos serão submetidos para publicação após revisões a
2 “Discurso de gênero” refere-se a coleções de fala ou escrita no contexto social e político acerca do papel do
homem e da mulher que, em termos de propriedades da interação social e, especialmente da estrutura social,
geram desigualdade social e dominação (Dijk, 2012).
17
partir das sugestões da banca examinadora e estão escritos na primeira pessoa do plural, pois
terão como autoras a mestranda e a respectiva orientadora.
O Artigo I, sob o título “A instauração da violência simbólica por meio dos discursos
hegemônicos de gênero nas relações afetivo-sexuais entre adolescentes”, analisa as
concepções que os/as adolescentes têm dos papéis de gênero nas relações afetivo-sexuais,
evidenciando e problematizando tanto os discursos hegemônicos de gênero que sustentam ou
invisibilizam a violência simbólica, quanto os discursos que resistem e se contrapõem a essa
hegemonia, capazes de contribuir para a transformação das relações de gênero. O Artigo II,
sob o título “Fenômenos sociais e culturais imbricados com a violência nos relacionamentos
afetivo-sexuais entre adolescentes”, tem como objetivo analisar, compreender e discutir a
violência nas relações afetivo-sexuais entre adolescentes a partir das práticas discursivas
dos/das adolescentes participantes da pesquisa, estabelecendo uma ponte com as construções
sociais, históricas e culturais implicadas nesse fenômeno. O Artigo III, intitulado “Grupos
focais com adolescentes: método de pesquisa e dispositivo para problematizar discursos
hegemônicos de gênero”, objetiva oferecer subsídios para a criação de estratégias que
trabalhem com atividades em grupo com adolescentes, visando tanto à formulação de políticas
públicas, quanto à criação de programas intersetoriais de prevenção, intervenção e
recuperação, considerando-se os modelos culturais de gênero existentes em nossa sociedade.
O estudo realizado e apresentado nesta dissertação de mestrado visa a contribuir para a
prevenção e o combate da violência nas relações afetivo-sexuais entre adolescentes,
oferecendo subsídios que considerem os modelos culturais de gênero existentes em nossa
sociedade para a formulação de políticas públicas e programas intersetoriais, seja no âmbito
da prevenção e da intervenção, seja na recuperação de perpetradores e vítimas desse tipo de
violência. Pretende também contribuir para a democratização das relações de gênero e a
prevenção da violência conjugal.
REFERÊNCIAS
AZAMBUJA, Mariana P. R. de; NOGUEIRA, Conceição. Potencialidades
investigativas para a violência de gênero: utilização da análise de discurso. Ciência & Saúde
Coletiva, Rio de Janeiro, v.14, n.5, p.1721-1730, 2009.
BARBOUR, Rosaline. Grupos focais. Tradução Marcelo Figueiredo Duarte. Porto
Alegre: Artmed, 2009, 216p. Título original: Doing Focus Group.
18
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Tradução Maria Helena Kühner. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999, 160 p. Título original: La domination masculine.
BRASIL, Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Área de Saúde do
Adolescente e do Jovem. Marco legal: saúde, um direito de adolescentes. Série A. Normas
e Manuais Técnicos. Brasília : Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Área de
Saúde do Adolescente e do Jovem, 2007, 60 p.
CASTRO, Ricardo José de Souza. Violência no namoro entre adolescentes da
cidade do Recife: em busca de sentidos. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública), Centro
de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz, Recife, 2009.
COELHO, Cláudia; MACHADO, Carla. Violência entre jovens: prevenção através da
educação por pares. In: VII SIMPÓSIO NACIONAL DE INVESTIGAÇÃO EM
PSICOLOGIA, 2001, Universidade do Minho, Portugal. Anais do VII Simpósio Nacional de
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21
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da pesquisa Violência & Gênero nas Relações Afetivo-sexuais entre
Adolescentes, observamos que discursos hegemônicos de gênero estão presentes nos
conhecimentos, opiniões, crenças e atitudes dos/das adolescentes, assim como nas
expectativas familiares, sendo que os papéis tradicionais de gênero criam situações favoráveis
para a produção e/ou a invisibilidade da violência. Destacamos a violência simbólica de
gênero presente nas prescrições culturais de condutas adequadas para moças e rapazes no
ficar-pegar, no namoro escondido e na relação sexual. Tais convenções sobre os papéis de
gênero estão naturalizadas entre adolescentes e famílias, oprimindo e controlando as ações de
moças e rapazes ou produzindo práticas que visam a burlar a dominação presente nas
condutas e nos discursos hegemônicos de gênero. Na análise das práticas discursivas dos/as
adolescentes produzidas nos grupos focais, este estudo também identificou que a banalização
da violência, os ideários românticos, as expectativas sociais quanto aos papéis de gênero e o
crescente consumo de álcool na adolescência são fenômenos relacionados com a violência
presente nos relacionamentos entre jovens.
Os resultados deste estudo vão ao encontro das indicações dos demais estudos já
realizados no Brasil, apontando a necessidade e a urgência de formulação de políticas
públicas e programas intersetoriais que visem ao enfrentamento da violência nas relações
afetivo-sexuais entre adolescentes (NJAINE et al., 2011). Entende-se a intersetorialidade
como articulação no planejamento, na execução e na avaliação conjunta de programas,
projetos e/ou ações (PANSINI, 2011). Portanto, a intersetorialidade é colocada como
condição para a gestão eficiente desse fenômeno, já que a violência é uma demanda da saúde,
mas também da vida em sociedade, envolvendo a educação, a assistência e a justiça. Nesse
sentido, a violência nas relações afetivo-sexuais entre adolescentes não pode ser considerada
apenas como uma doença do/a agressor/a ou da vítima e centrada nos danos do corpo
biológico, mas deve ser concebida como decorrente de diferentes contextos de desigualdades
sociais e pensada nas diversas áreas de conhecimento, viabilizando o atendimento de forma
integral e na rede intersetorial (CONTE et al., 2012).
No entanto, a intersetorialidade assume um novo paradigma, contrário ao modo como
a sociedade se organiza, permeada por setores e disciplinas particularizados, com espaços
definidos e relações verticais e autônomas. O aparato governamental é todo fatiado por
conhecimentos, por saberes, por corporações, que implementam políticas endógenas, em que
22
cada setor se desenvolve em razão de suas demandas e de suas próprias soluções, operando a
própria reafirmação. Os/As cidadãos/ãs são responsabilizados/as pela estrutura setorizada,
circulando nos serviços à espera de uma resolutividade compensatória e não da promoção de
direitos. Na ausência da intersetorialidade, ou seja, de uma efetiva articulação entre políticas
públicas e seus serviços, são os/as cidadãos/as que constroem a intersetorialidade (MIOTO;
SCHÜTZ, 2011).
A intersetorialidade permite o estabelecimento de espaços compartilhados de decisões
entre instituições e diferentes setores do governo que atuam na formulação, implementação e
acompanhamento de políticas públicas que possam ter impacto positivo sobre a população.
Permite considerar o/a cidadão/ã na sua totalidade, nas suas necessidades individuais e
coletivas, demonstrando que ações resolutivas requerem parcerias. Desse modo, a
intersetorialidade remete ao conceito de rede, cuja prática requer articulações, vinculações,
ações complementares, relações horizontais entre parceiros e interdependência de serviços
para garantir a integralidade das ações (BRASIL, 2009).
Portanto, o enfretamento da violência nas relações afetivo-sexuais entre adolescentes
exige a constituição de equipes interdisciplinares, e os/as profissionais precisam ser
formados/as e estar atentos/as para as coocorrências dos diversos tipos de violência, partindo
de uma escuta profissional afetiva e comprometida (TAQUETTE et al., 2003). Os programas
de formação precisam levar em consideração as diferenças de gênero, de classe, de etnia, de
geração, de lugar de moradia, de pluralidade de gênero e orientação sexual dos/as jovens.
Kathie Njaine e outras (2011) ainda alertam para que tais programas não foquem apenas nos
comportamentos violentos dos/as jovens, mas promovam a saúde física, psicológica e social, a
educação, os direitos e os deveres sociais.
A intersetorialidade também estimula e requer mecanismos de envolvimento da
sociedade. Por isso, no enfrentamento da violência nas relações afetivo-sexuais entre
adolescentes, é de suma importância incluí-los/as no planejamento e na execução das
intervenções. Também é fundamental incluir amigos/as e familiares no planejamento, na
execução e na avaliação conjunta de programas, projetos e/ou ações, pois, na pesquisa
realizada em 10 capitais nacionais (NJAINE et al., 2011), quando os/as adolescentes buscam
ajuda em decorrência da violência no namoro, os/as amigas apareceram em primeiro lugar
(45,9%) e os/as familiares em segundo (24,2%). Além disso, na adolescência, as amizades e a
família são centrais na transmissão de normas, valores e expectativas.
23
Diante da necessidade de promover ações de enfretamento da violência nas relações
afetivo-sexuais entre adolescentes e do interesse demonstrado pela Fundação Projeto Pescar
nos resultados da pesquisa, a professora Marlene e eu inscrevemos no edital FAPERGS
001/2013 um projeto para captar recursos para a elaboração e a impressão de cartilhas de
caráter informativo e educativo destinadas aos/às jovens do Projeto Pescar, assim como para
promover capacitações aos/às educadores/as sociais desse programa. O projeto foi aprovado
com 100% do recurso solicitado, e espera-se que os/as educadores/as capacitados/as sejam
multiplicadores/as na democratização das relações de gênero, promovendo a formação dos/as
adolescentes.
No ano de 2012, participaram do Projeto Pescar 3.174 jovens, e 142 educadores/as
sociais foram responsáveis pela formação e acompanhamento dos/as adolescentes.
Anualmente, a Fundação Projeto Pescar promove o Seminário Nacional de Orientadores da
Rede Projeto Pescar, reunindo todos/as os/as educadores/as sociais para a formação
continuada. Nesse evento, será possível realizar oficinas de capacitação sobre o tema desta
pesquisa e distribuir as cartilhas, conforme o número de jovens nas suas respectivas Unidades
Projeto Pescar.
Com isso, tenho plena certeza de que meu propósito com a prevenção e o
enfretamento da violência nas relações afetivo-sexuais entre adolescentes não se encerra aqui.
Além disso, meu engajamento político com a desnaturalização da concepção de que o sexo
biológico constitui o gênero, com a desconstrução da ideia binária de dois sexos e dois
gêneros e com a construção de subjetividades múltiplas e não-unificadas seguirá como um
eixo imprescindível em minhas atuações de trabalho e pessoais.
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Pública, Rio de Janeiro, v. 15, n. 5, p. 1437-1444, 2003.
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ANEXO
Parecer Consubstanciado do CEP
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