UNIVERSIDADE TECNOLGICA FEDERAL DO PARAN
DEPARTAMENTO ACADMICO DE LETRAS
CURSO DE LETRAS PORTUGUS/INGLS
MILENA FERNANDA FRANCIO
A LINGUAGEM DA PERMACULTURA: CONTRIBUIO DE UM ESPAO PEDAGGICO ALTERNATIVO NA DIDTICA
ESCOLAR
PATO BRANCO PR 2016
UNIVERSIDADE TECNOLGICA FEDERAL DO PARAN
DEPARTAMENTO ACADMICO DE LETRAS
CURSO DE LETRAS PORTUGUS/INGLS
MILENA FERNANDA FRANCIO
A LINGUAGEM DA PERMACULTURA: CONTRIBUIO DE UM ESPAO PEDAGGICO ALTERNATIVO NA DIDTICA
ESCOLAR
Trabalho de Concluso de Curso apresentado como requisito parcial para obteno do grau de Licenciado no Curso de Letras Portugus/Ingls da Universidade Tecnolgica Federal do Paran Cmpus Pato Branco. Linha de Pesquisa: Lingustica Aplicada Orientador(a): Prof. Dr. Mrcia Andrea dos Santos.
PATO BRANCO PR 2016
minha irm, que idealizou comigo este projeto e que possibilitou com grande mrito a sua materializao
Perseverana aprender aprender praticar, praticar repetir,
repetir ganhar experincia, experincia crise,
crise prova, prova fortalecimento, fortalecimento liberdade,
liberdade criar do nada, criar do nada transformar,
transformar caminho e fim ao mesmo tempo!
Rudolf Steiner
RESUMO Este trabalho tem como objetivo apresentar os resultados decorrentes execuo de um espao pedaggico alternativo, intitulado Jardim Literrio. Construdo em um colgio da rede estadual de ensino de Pato Branco, esta proposta tem como princpio a aplicao das tcnicas da Permacultura. Este conceito australiano nasceu nos anos 70 com o fim de criar uma nova viso sobre a maneira que o homem vem se relacionando com seu meio de interveno. Construda a partir de uma tica e princpios prprios, tentaremos com a execuo prtica de uma sala de aula alternativa, transpor as tnicas da Permacultura para a didtica escolar. Por fim, fazemos com este projeto uma defesa da escola pblica, na democratizao de seus recursos e na evoluo das suas formas de conceber o ensino. Palavras-chave: Permacultura, Educao, Conscincia, Antroposofia. ABSTRACT This study aims to present the results of an alternative pedagogic place construction, named Literary Garden. Built at a public school of Pato Branco, this proposal has as principle the aplication of Permacultures tecniques. This Australian concept was created in the 70s having as objective to implement a new vision about the way human being have being relating themselves with the envoirnment. Supported by its own ethic and principles, we tried, by this pratical proposal of building an alternative classroom, transpose Permacultures tecniques to the scholar perspective didatics. Ultimately, with this project we want to make a defense of public school, to democratizate its resourses and evolution of the ways teaching is conceived. Key-words: Permaculture, Education, Consciousness, Antroposophy.
SUMRIO 1. INTRODUO.................................................................................................... 06
1.2 A PESQUISA SOCIAL: ABORDAGENS INICIAIS E DESAFIOS............................................10
2. FUNDAMENTAO TERICA E RELATO DA EXPERINCIA......................... 20
2.1 CONTRIBUIO DA ANTROPOSOFIA PARA UMA FORMAO HOLSTICA.....................26
2.2 EDUCAO AMBIENTAL: UMA NOVA FORMA DE VER O MUNDO? ................................29
2.3 PRINCPIOS DA PERMACULTURA APLICADOS DIDTICA ESCOLAR.........................30
3. PERCURSO DO PROJETO.................................................................................. 35 4. CONCLUSO...................................................................................................... 43 5. REFERNCIAS................................................................................................... 47
6
1. INTRODUO
A presente pesquisa tem como objetivo a promoo de atividades baseadas
nos conceitos de Permacultura, criada pelos australianos Bill Mollison e David
Holmgren, nos anos 70. uma reunio dos conhecimentos de sociedades
tradicionais com tcnicas inovadoras, com o objetivo de criar uma "permanente
cultura, atravs da sustentabilidade e da cooperao entre os homens e a natureza.
Entre as aplicaes mais visveis e conhecidas da permacultura atualmente,
est o desenvolvimento de espaos em formato circular- forma essa conhecida
tambm como mandala. Este design se baseia no fato de que na natureza o
formato que ocorre com grande frequncia, e que por isso, proporciona maiores
vantagens no momento da manuteno e fruio do espao construdo. A
permacultura, como conceito estruturado, possui uma tica prpria bem como
princpios que do norte sua atuao. Usaremos deste conceito como um ponto de
referncia, como uma ferramenta que auxiliar no desenvolvimento das atividades
propostas. No ser usada como finalidade ltima, mas como linguagem para se
entender o processo e o resultado almejados.
A caminhada percorrida pelas idealizadoras deste projeto teve seu incio
com um PDC (Permaculture Design Course) nas Ilhas Canrias, em agosto de 2015.
Este curso internacionalmente reconhecido, feito a partir da metodologia criada por
Bill Mollison, e consta com mais de 80 horas de atividades variadas. A partir disso,
entramos em contato com as ideias da Permacultura e decidimos aplic-las em
nossos projetos paralelos em Pato Branco, Paran. Comeamos com uma horta na
ONG (Organizao No-Governamental) Remanso da Pedreira. Em nosso stio
passamos a cultivar uma diversidade de alimentos de maneira orgnica.
Contribumos com nosso conhecimento e fora de trabalho nas hortas comunitrias
da cidade, bem como em stios de amigos que promovem vivncias e cursos de
Permacultura.
O prximo passo que queramos dar era voltar escola que estudamos boa
parte de nossas vidas para levar e aplicar esse conceito de alguma maneira. A ideia
que nos foi proposta foi a construo de um espao circular pedaggico, em que os
alunos pudessem desfrutar de um ambiente natural e harmnico, para um
aprendizado diferenciado.
7
Construir um espao alternativo dentro da escola no se refere apenas ao
plano fsico, visto que o que importa no o fato de que habitamos e povoamos
toda a Terra, todos os seus diferentes espaos naturais (...). O que faz a diferena
que ns, os humanos, aprendemos a habitar os lugares onde vivemos de uma
maneira inteiramente nova, diferenciada e inovadora (BRANDO, 2008 p. 38-39).
Este trabalho busca a reflexo atravs da prtica sobre essa temtica.
Pensar em um ambiente inovador dentro de um local tradicional de ensino encontra
uma srie de barreiras burocrticas que primeiramente apontam para os desafios
deste projeto:
1) Sendo a escola, como nos aponta Althussher (ALTHUSSER;1985), um
aparelho ideolgico do Estado, sua tendncia a de barrar iniciativas de
pessoas desconectadas com seu sistema de regras e que venham a interferir na
sua poltica ou conjunto de ideias e valores;
2) A Permacultura, por ser um termo que ainda est conquistando espao
no cenrio brasileiro, causa curiosidade e, s vezes, estranhamento. Suas
prticas ainda no esto consolidadas, at porque trabalha com uma ideia
dialgica entre homem e natureza, no estabelecendo desta forma padres fixos
para serem reproduzidos;
3) O tempo que uma mudana de conscincia exige incalculvel, varia de
ser humano para ser humano. Entendemos esta interveno como um pequeno
passo, e que seus impactos sero percebidos de maneiras diferentes, em
momentos diferentes, com intensidades que dependem do grau de abertura de
cada pessoa envolvida;
4) A cincia antroposfica traz para a questo educacional a viso holstica
do homem, considerando sua materialidade e tambm sua espiritualidade.
Entretanto, ao trazer essa perspectiva para este trabalho, estamos cientes de
que uma cincia que est no incio de sua caminhada e encontra, portanto,
barreiras no entendimento e na aceitao de seus pressupostos.
Com essas consideraes sobre os desafios, penso que o pesquisador
um ser privilegiado na construo do saber humano. Apesar das dificuldades, este
trabalho o resultado gerado de uma prxis revolucionria, cujo objetivo uma
transformao, no apenas das condies escolares, mas no entendimento que os
alunos tm de si mesmos e do seu real papel na sociedade. Como posso dizer que
sou um sujeito crtico se no tenho condies para expressar minhas opinies e
8
ideias? E, se tenho liberdade sobre o meu corpo e minha conscincia para faz-lo,
em que espao posso ser ouvido e entendido pelos meus semelhantes?
O formato circular desse espao alternativo de convvio est muito longe de
ter sido escolhido apenas pelo seu valor esttico. Assim como nas construes
greco-latinas, em que os parlamentos, goras e centros de convvio seguiam este
padro, aqui queremos retom-lo por entendermos que este espao favorece
debates e incita o exerccio do posicionamento democrtico. No h nele observador
e observado, frente e trs, opressor e oprimido. O que h de fato um centro vazio
que pode ser ocupado por qualquer um.
O objetivo principal desta pesquisa gerar nos jovens participantes deste
projeto a conscincia de que a histria um movimentar contnuo de contradies.
Neste processo, criao e destruio so condies materiais intrnsecas. Criar um
espao dentro de um ambiente familiarizado, mas que nem sempre proporciona
perspectivas scio-histricas, representa um ato de manifestao humana que gera
visivelmente a evoluo do espao ocupado. A escola um cenrio ideal para a
construo desta conscincia, visto que teoricamente um espao que d suporte
ao desenvolvimentos das capacidades cognitivas e criativas. Para alm disso, essa
pesquisa quer desenvolver a sensibilidade e a habilidade de tomar iniciativas atravs
da prpria fora de trabalho.
Com o estudo de seus princpios e tica, bem como sua aplicao em uma
situao real de interveno humana, quer-se analisar de que forma a permacultura
atua na viso que o aluno tem de si mesmo, e na imagem de si que construiu ao
longo do desenvolvimento deste projeto. As atividades propostas tm como base
uma pedagogia participativa, que favorece a autonomia do aluno. Suas expectativas,
sentimentos, impresses e dificuldades so abertamente trabalhadas durante cada
interveno, num cenrio de intimidade e conforto que a prpria natureza propicia.
A partir da construo de um espao diferenciado de leitura e convvio, em
design de permacultura, e consequentemente da aplicao de seus princpios ao
decorrer da atividade, buscar-se- analisar de que forma estes podem contribuir
para a evoluo das prticas de ensino. Assim, o debate se far com o objetivo de
uma discusso que traga contribuies para a comunidade (no sa analisada, mas
como tambm outras que se interessem por essa proposta). Com essa pesquisa
quer-se apronfundar a defesa do professor Jos Carlos Libnio (LIBNEO, 1985 p.
5) por uma educao pblica de qualidade:
9
A educao a vida presente parte da prpria experincia humana. A escola renovada prope um ensino que valoriza a auto-educao (o aluno como sujeito do conhecimento), a experincia direta sobre o meio pela atividade; um ensino centrado no aluno e no grupo. (LIBNEO, 1985 p. 5)
Queremos entender com este trabalho como a vontade se manifestar no ser
humano, o que o faz agir de determinada forma e no de outra. O que nos motiva a
agir? Por quais tipos de atividade tenho preferncia e quais no me chamam tanta
ateno? Trabalhar com o racional em detrimento do sensitivo pode ser o grande
engano que a educao est cometendo consigo mesma.
Dentro das tendncias pedaggicas e da condio de estarmos trabalhando
com uma escola inserida no sistema capitalista burgus, esta iniciativa usa de
muitas ideias da tendncia liberal renovada progressista (LIBNEO, 1985 p. 26).
Segundo o professor Jos Carlos Libneo numa coletnea de artigos, reunidas no
livro Democratizao da escola pblica, nessa concepo de ensino escola cabe
suprir as experincias que permitam ao aluno educar-se, num processo ativo de
construo e reconstruo do objeto, numa interao entre estruturas cognitivas e
estruturas do ambiente. Entendo que a construo e/ou modificao de um
ambiente pode nos dar a real conscincia do termo filosfico-materialista agentes
transformadores da prpria histria- termo este muito usado em parmetros
curriculares e planos pedaggicos governamentais, porm pouco visto na prtica
real e concreta.
Quando entro numa sala de aula, da mesma instituio escolar em que
aplicamos este projeto, o sentimento de que estou numa instituio do sistema
penitencirio. A disposio das carteiras, a elevao do tom de voz do professor, o
semblante de tdio de alguns alunos, o soar da campainha de incio e fim das aulas,
entre outros elementos. Todos, de certa forma, contriburam na vontade de projetar
este ambiente diferenciado. Na perspectiva da tendncia progressista libertria de
educao, quer-se promover uma transformao da identidade do aluno: A ideia
bsica introduzir modificaes institucionais, a partir dos nveis subalternos que,
em seguida, vo contaminando todo o sistema (LIBNEO, 1985 p.37). um
primeiro passo que visa a (re)construo identitria atravs da educao ambiental.
10
1.2 A PESQUISA SOCIAL: ABORDAGENS INICIAIS E DESAFIOS
A abordagem empregada para a construo tambm foi fruto da viso que a
permacultura oferece. A partir de uma observao consciente dos espaos verdes,
percebemos que o ptio da escola estudada se mostrou de grande valia para se
atingir o propsito desta pesquisa. Repleto de rvores e uma rea verde que
ocupava boa parte do quarteiro, o local que antes servia como playgroung, at
ento abandonado, foi selecionado como local ideal para a construo de um Jardim
Literrio. O reconhecimento da rea com a professora de cincias, a coordenadora
pedaggica e a direo fez parte da etapa inicial.
O projeto Jardim Literrio foi executado na escola uma vez por semana,
com alunos dos 7 anos, em perodo contrrio ao da frequncia escolar. Estvamos
lidando com (pr) adolescentes, com idades de 11 e 12 anos, em sua maioria
meninas. Alguns moravam nas proximidades do colgio e outros em bairros mais
afastados. Essa condio no fazia com que os que morassem mais afastados
deixassem de frequentar o projeto, sendo que foram os que mantinham mais
assiduidade na participao.
Primeiramente foi apresentado, em forma de palestra, o conceito de
permacultura aos alunos participantes do projeto. Nesta apresentao foram
abordados os principios ticos, princpios de design, misso e relevncia no
presente momento histrico. Na segunda interveno o perfil do grupo participante j
comeava a se delinear melhor, e ento os levamos para (re) conhecer a rea de
construo. As idias desenvolvidas na palestra puderam ento ser transpostas para
auxiliarem na formulao de perguntas e respostas sobre as necessidades e
demandas exigidas no cumprimento do projeto. Recolhemos aqui um corpus inicial
de anlise, baseado nas expectativas e projees dos alunos a respeito de como
seria a participao no projeto. A proposta foi a formao de grupos para a
formulao de diferentes modelos de design para o local, para que os alunos
pudessem colocar em prtica os princpios da permacultura. Aqui contamos com o
auxlio de um estudante de engenharia civil, na medio do terreno e colocao de
outras propostas.
Na terceira interveno os grupos apresentaram, a partir do desenho tcnico
feito pelo estudante de engenharia, os ltimos ajustes e tomamos em conjunto a
11
deciso final sobre o design do Jardim Literrio. A partir disso decorreram as
atividades prticas de construo e execuo do projeto.
Atravs de atividades variadas, o foco foi o desenvolvimento humano justo e
responsvel, a partir de tcnicas pedaggicas que valorizam a livre iniciativa,
criatividade, linguagem e comunicao. Visando a autonomia dos participantes, bem
como o seu encorajamento na tomada de decises, foram privilegiadas na execuo
do projeto as relaes de grupo, criando um ambiente ldico e cooperativo.
Por estarmos situados no campo da pesquisa social nossos resultados nem
sempre conseguem ser previstos ou analisados com preciso. Falamos de pessoas
e, portanto, de uma infinidade de possibilidades que a viso cientfica no consegue
abranger em sua totalidade:
preciso ressaltar que nas Cincias Sociais existe uma identidade entre sujeito e objeto. A pesquisa nessa rea lida com seres humanos que, por razes culturais de classe, de faixa etria, ou por qualquer outro motivo, tm um substrato comum de identidade com o investigador (...) (MINAYO, 1993 pag. 13)
Conseguimos recolher um corpus de pesquisa muito interessante e que ser
compartilhado em maior detalhe na seo Percurso do Projeto. So fotos de
prticas e de exerccios que nos possibilitaram uma leitura semitica para anlise do
pesquisa. O teor qualitativo deste trabalho gerou uma variedade imensa de cdigos,
discursos, smbolos, expresses, etc. Por vezes sua anlise se dificulta ao precisar
manter a imparcialidade, mas fato que os discursos, por serem subjetivos sempre
se interferem e se modificam em diversos aspectos. Assim, buscamos o registro por
fotos e vdeos para que nossas percepes no sejam impositivas, mas construdas
num processo cientfico mais humanizado. Analisaremos pelo corpus recolhido as
contribuies da construo deste espao pedaggico alternativo na constiruio de
identidade dos alunos no contexto escolar. Ou seja, com esta pesquisa qualitativa
temos uma variedade de elementos semiticos que nos possibilitam inferir alguns
impactos que o trabalho gerou na conscincia dos participantes.
Buscamos inserir nossa interveno na perspectiva da corrente naturalista
da educao ambiental:
Esta corrente centrada na relao com a natureza. O enfoque
educativo pode ser cognitivo (aprender com coisas sobre a
natureza), experiencial (viver na natureza e aprender com ela) ,
afetivo, espiritual ou artstico (associando a criatividade humana da
natureza) (SAUV, 2008, pg. 18-19).
12
A estrutura deste projeto pode ser dividida em duas partes: na seo I temos
a contextualizao do trabalho, os objetivos, e os desafios da pesquisa social.
Seguido a isso, encontra-se a fundamentao terica, atravs da qual buscamos
trazer outras vozes dentro da literatura para embasar nossa pesquisa. Na seo II
buscamos relacionar a permacultura com as prticas didticas e, a partir de sua
linguagem, fazer uma transposio de saberes para possveis aplicaes em sala de
aula. Trouxemos conceitos como a Antroposofia e a Educao Ambiental para
contextualizar o leitor dentro da nossa proposta. Fizemos tambm a descrio do
percurso do projeto, com fotos que ilustram melhor o texto escrito. Analisamos
dentro do possvel os impactos que este projeto gerou na formao identitria dos
alunos participantes, bem como a futura continuidade de sua execuo.
13
2. FUNDAMENTAO TERICA E RELATO DA EXPERINCIA
Damos um ponto de partida em nossa fundamentao terica com uma
definio aproximada do conceito de cultura. Recorremos aos estudos do professor
Dr. Roque de Barros Laraia (1986), mais precisamente no livro Cultura: um conceito
antropolgico para dar forma ao nosso entendimento. Na segunda parte do livro, o
autor afirma que o modo de ver o mundo, as apreciaes de ordem moral e
valorativa, os diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais so
produtos de uma herana cultural, ou seja, resultado da operao de uma
determinada cultura () (LARAIA, 1986 p. 68). Os mais diversos povos possuem
crenas, costumes e tradies singulares j que aprenderam e se perpetuaram a
partir dos diferentes tipos de relao com o meio em que viveram, num processo
concomitante de alterao da natureza e de si mesmo. A cultura desenvolveu-se,
pois, simultaneamente com o prprio equipamento biolgico e , por isso mesmo,
compreendida como uma das caractersticas da espcie () (LARAIA, 1986 p. 58)
A palavra da qual iniciamos essa discusso herana. O homem ao se
relacionar com o meio adquire saberes que so transmitidos. No plano cultural-
simblico temos a educao e no plano material-biolgico temos a prpria
hereditariedade. Tudo que adquire um valor que atende s necessidades do homem
em relao natureza mantido e transmitido, num processo constante de
adaptao. Desta maneira, alguns rgos se desenvolveram (e continuam a se
desenvolver) mais do que outros, em detrimento de sua utilidade de sobrevivncia e
permanncia da espcie.
Ao modificar o meio o homem tambm modifica a si mesmo atravs do seu
trabalho. Se, por exemplo, construo uma casa posso sentir-me mais confiante
perante s dificuldades impostas pela natureza, visto que uma casa possibilita um
refgio, conforto, lugar de repouso, etc. Entretanto o processo de constru-la alterou
minha conscincia sobre minhas prprias capacidades criativas e de superao dos
obstculos. De modo que, pode-se afirmar que ao executar qualquer ao, existe
um nvel de conscincia inicial e outro final. No nvel inicial temos uma tese
relativamente estvel da problemtica que move nossa ao: uma casa na qual eu
coloquei a inteno de ser segura, precisa ter uma base slida. Mas no caminho
encontro uma dificuldade: a terra em que vou construir bastante arenosa. Logo,
dessa relao tese-anttese, nasce a prpria linguagem- mediadora entre as minhas
14
intenes e a situao real. O que posso criar est sempre no intermdio entre o
que quero e o que posso fazer. Temos aqui diferentes tipos de linguagem que
surgem para solucionar o problema, que dependem das condies em que o
indivduo que a constri est inserido e da sua prpria conscincia- produto do meio
em que vive e das heranas gentico-espirituais que carrega.
No presente momento em que este texto escrito e exteriorizado vivemos o
contexto social de um modelo capitalista de produo. A voz da autora que escreve
produto de um pas que permaneceu na condio de colnia por mais de trezentos
anos e, mais precisamente, de uma regio que tem como caracterstica a
subsistncia pelo cultivo agrcola, baseada nas tcnicas trazidas durante a forte
imigrao europeia no incio do sculo XX. Tudo isso gerou no presente momento
uma conscincia de cultivo arraigado nos moldes de produo capitalista colonial.
Ou seja, se no modo capitalista temos como norma a padronizao, nas reas
cultivveis de nossa regio observamos extensas lavouras de monocultura.
Se no modo capitalista existe a reificao do homem atravs do contato
indireto de sua fora criativa e do produto de seu trabalho, nas lavouras observamos
colonos operando mquinas agrcolas- tratores, ceifadeiras, colhedeiras, etc. Se a
cidade hoje movida por uma frequncia muito mais acelerada do que antes da
explorao de novas fontes de energia, o campo no fica pra trs. Tudo nasce mais
rpido pela transgenia das sementes e as pragas so fortemente combatidas com
agrotxicos que prejudicam a sade de quem aplica e de quem consome. Essa
realidade antes me passava despercebida e, por no conhecer outras maneiras do
homem se relacionar com a terra, vivia alienada essa condio. Entretanto, aps
um intercmbio de dois anos em Portugal pude vivenciar outra realidade e ali
conheci o conceito de Permacultura. Como explicado no incio do trabalho a
proposta desta ideia modificar a linguagem que o ser humano vem usando para se
relacionar com a Terra.
Na Europa, por sua condio de centro financeiro e administrativo, se
concentra muito conhecimento e tecnologia, e a Permacultura j uma prtica
bastante difundida e aceita em muitas comunidades. No Brasil, o movimento vem se
destacando pela prtica da Agroecologia e muitas j so as iniciativas baseadas
nessa ideia de sustentabilidade. Vale fazer uma ressalva sobre o termo
sustentabilidade, empregado de maneira muito limitada. Para muitos, ele faz
meno apenas necessidade de se usar recursos sem comprometer as geraes
15
futuras. Leonardo Boff, em seu texto Sustentabilidade, tentativa de definio
esclarece que:
Sustentabilidade toda ao destinada a manter as condies energticas, informacionais, fsico-qumicas que sustentam todos os seres, especialmente a Terra viva, a comunidade de vida e a vida humana, visando sua continuidade e ainda a atender as necessidades da gerao presente e das futuras de tal forma que o capital natural seja mantido e enriquecido em sua capacidade de regenerao, reproduo e coevoluo (BOFF, 1999, p. 01)
Essa viso muito mais abrangente e humanista. Repensar nossa
existncia e as consequncias dela muitas vezes doloroso e exige humildade. Ser
sustentvel na verdade fazer um pacto de responsabilidade consigo mesmo e com
os demais que coabitam conosco esse planeta, mas para isso cada pessoa precisa
descobrir-se como parte do ecossistema local e da comunidade bitica, seja em seu
aspecto natureza, seja em sua dimenso de cultura. (BOFF, 1999, p. 4).
Partindo dessa ideia, buscamos inserir os alunos dentro da comunidade
escolar, mas agora sob uma nova perspectivava, a de conexo direta com o meio,
com a natureza. Tentamos coloc-los em situaes-problelmas como o exemplo da
casa acima mencionado. Ao gui-los em suas tomadas de deciso utilizamos a
linguagem da Permacultura, atravs de seus princpios. Por exemplo, no Jardim
Literrio tnhamos a possibilidade de utilizar a doao de uma empresa de adubos
qumicos, entretanto pela nossa experincia e misso do cultivo orgnico,
mostramos os prs e contras do adubo qumico e orgnico, trazendo caractersticas,
concentrao dos nutrientes e formas de atuao no rizoma das plantas. Em um
debate interessante optamos pelo adubo orgnico (folhas secas, restos da cozinha,
esterco) utilizando o raciocnio de que causam menos impacto, so recursos
naturais aos quais foi dada uma nova funo.
Essa linguagem foi sempre baseada na afetividade com a natureza e com
os outros seres que dividiriam o espao que estvamos construindo. Nem sempre
possvel prevermos todos os futuros impactos e consequncias de uma atitude,
porm tambm um princpio da permacultura o re- significar constante, atravs do
praticar a autorregulao e aceitar feedback (HOLMGREN, 2013, p. 16). Com o
passar do tempo saberemos se as plantas de adaptaram nossa escolha, pois
atravs do observar e interagir(HOLMGREN, 2013, p. 16) teremos novos desafios
num processo contnuo de tese-anttese-sntese. O processo no instantneo
16
como supe o modelo capitalista. preciso usar solues pequenas e lentas
(HOLMGREN, 2013, p. 17) porque esta a frequncia do planeta Terra.
O crebro demorou um tempo inconcebvel na nossa pequena existncia
para se constituir como . Em uma concepo heraclitiana de que tudo est em
constante transformao e de que o rio que passa nunca o mesmo, assim tambm
com todas as espcies. A cada momento que passa (obviamente na sensao
humana do tempo) a evoluo o princpio que rege desde a menor molcula do
vrus ao corao de uma baleia. Todas as partculas esto em eterna mutao.
Dentro das partculas morremos e nascemos ininterruptamente. As clulas esto em
constante mutao, razo pela qual nascemos, crescemos, envelhecemos,
morremos, nascemos, crescemos. em um processo csmico infinito-eterno-
imutvel.
A viso transcendental da vida (devido tambm minha aceitao e
aquisio da cultura oriental) algo que est intrnseco na inteno de realizar este
trabalho e de escrev-lo. Para que se adequasse aos moldes do pensamento
Ocidental buscamos a integrao desses saberes pela viso da Cincia
Antroposfica. Com esse conceito holstico, criado pelo filsofo austraco Rudolf
Steiner no incio do sculo XX, tentaremos compreender o homem na sua totalidade.
A evoluo da humanidade possibilitou a percepo de novas dimenses sensoriais;
partimos do pressuposto da existncia de conscincias com maior grau de evoluo
que a do homem, e por isso, buscamos o entendimento de que no atuamos
(...) simplesmente como pessoas que vivem aqui, no plano fsico; tal maneira de se proporem tarefas tem tido, nos ltimos sculos, uma propagao sempre crescente, tendo ocupado as pessoas de maneira quase exclusiva. O que resultou do ensino e da educao, sob essa concepo das tarefas, justamente o que deve ser melhorado pela misso que nos estamos propondo (STEINER, 1995, p. 06).
Acredito ser importante aqui o resgate da Histria da raa humana, visto que
nossas capacidades nascem da relao sensvel-inteligvel. Steiner (1995), dentro
da Antroposofia, nos informa que nos primrdios imemoriais da constituio do
homem (muito anterior prpria civilizao de Atlntida descrita por Plato) com a
conscincia da diferenciao dos sexos, aconteceu tambm o aparecimento do Ego,
e a conexo com o Eu Superior, dando origem tambm ao nosso entendimento
espiritual da vida- da o nascimento de diferentes organizaes religiosas. Afirma
17
tambm que com essa diviso a laringe comeou a se desenvolver e a partir disso
foi possvel o homem adquirir linguagem. Este rgo est em seu desenvolvimento
mximo, j que o ser humano se constituiu enquanto um ser que interage, comunica
ideias e expressa sentimentos.
Se estamos conscientes dessa situao, como ento potencializar o sua
evoluo dentro da limitao que o homem pode atuar? A evoluo da educao
passa pelo desenvolvimento da prpria laringe enquanto rgo que desempenha
uma funo extremamente relevante para a raa humana. Expressar nossas
vontades sempre um entendimento de busca do Eu superior, da conexo que
mantemos com o sublime atravs do livre-arbtrio. Aceitamos que:
Tudo comea com o sentimento. E o sentimento que nos faz sensiveis ao que est nossa volta, que nos faz desgostar. E o sentimento que nos une s coisas e nos envolve com as pessoas. E o sentimento que produz encantamento face grandeza dos ceus, suscita venerao diante da complexidade da Me-Terra e alimenta enternecimento face fragilidade de um recem- nascido (BOFF, 1999, p. 01).
No queremos desmerecer a razo, e sim aceitar que ela no o ponto de
partida. No a causa maior, mas o efeito de condio sentimental do homem. Uma
educao baseada nessa conscincia a nica que pode levar o homem a superar
suas limitaes biolgicas-culturais intrnsecas (at porque no existe anttese sem
tese). A cada momento que no expressamos nossas vontades e sentimentos, que
ficamos com um n na garganta travamos a evoluo da prpria humanidade. Na
escola baseada no sistema capitalista no h voz nem vez para o aluno falar de
seus sentimentos. Express-los, ento? Passa bem longe disso. Educar pelo logos,
tendo a razo como causa maior, leva qualquer atividade feita na sala de aula a
entrar numa aspiral sem fim, que sai de um ponto-inexistente e que chega a lugar-
algum. Obviamente o sistema baseado no capital coloca entraves para a mudana
dessa situao. Foi por esta razo que esse trabalho tem sua atuao prtica.
Entendemos que no basta falar, preciso agir e o momento ideal o aqui e
agora. Todo desafio na verdade a melhor condio para a expanso da
conscincia. Muitos foram os entraves, principalmente de natureza burocrtica.
Todavia o projeto saiu do papel e encontra-se em andamento rtmico e orgnico.
Acreditamos que o prprio processo de construo dessa sala de aula
alternativa j foi uma aula de prxis revolucionria. A ideia que esse espao
18
continue constituindo um lugar que oferea novos desafios, pois o ambiente em
que o aluno est inserido precisa ser desafiador, promovendo sempre desequilbrios.
A motivao caracterizada por desequilbrio, necessidade, carncia, contradio,
desorganizao, etc (MIZUKAMI, 2014, p. 80). A investigao pessoal deve sempre
nortear o uso desse espao, j que a natureza oferece uma infinidade de situaes-
problema a serem debatidos.
O desafiador representa um constante sentir. Em situaes de dificuldade
nossos sentidos se aguam, nosso organismo se potencializa, nossa conscincia
expande. E como o homem no nasce pronto, como um projeto acabado, sua
essncia um eterno vir-a-ser. Para Mizukami (2014) cada indivduo opera uma
conscincia individual autnoma e interna que lhe permite significar o mundo.
funo da educao criar condies para que o indivduo a expanda.
O Jardim Literrio serve como o palco de grandes descobertas. Tanto
durante a sua construo quanto no momento de ser usufrudo como sala de aula.
Os alunos puderam alcanar nessa oportunidade a to almejada autonomia
(conceito-chave na educao libertadora de Paulo Freire) pela tomada de decises
sobre como os espaos podem ser mais bem aproveitados, suas necessidades,
preferncias, criatividade (usando para isso conceitos da Permacultura).
Entendemos que preciso que a educao esteja em seu contedo, em seus
programas, e em seus mtodos, adaptada ao fim que se persegue: permitir ao
homem chegar a ser sujeito, construir-se como pessoas, transformar o mundo e
estabelecer com os outros homens relaes de reciprocidade, fazer a cultura e a
histria (Freire, 1974a, p. 42, apud MIZUKAMI). Para transformar a realidade
necessrio que o homem tome conscincia dela. Essa condio vem da prtica, da
alterao do meio atravs do trabalho.
O formato circular do Jardim no foi escolhido por mero acaso ou
simplesmente pelo seu valor esttico. Foi escolhido porque na natureza o circular
um padro que se repete constantemente. Esse simples fato, mas que advm da
conscincia do observar com cuidado de extrema importncia para se iniciar uma
interveno consciente no meio. Esta abordagem foi adotada para que se fosse
adquirido um entendimento sobre a interveno humana no meio em que vive. A
linguagem ferramenta essencial nesse processo. Resignificar a prpria linguagem
resignificar a prpria forma de ver a sua cultura. Ao mudarmos nossa maneira de
19
nos relacionarmos com o meio e com os outros nossos pensamentos so fortemente
alterados. Segundo Vigotsky:
(...) o desenvolvimento do pensamento determinado pela linguagem, ou seja, pelos instrumentos lingsticos do pensamento e pela experincia sociocultural da criana. Fundamentalmente, o desenvolvimento da lgica na criana, como o demonstraram os estudos de Piaget, funo direta do seu discurso socializado. O crescimento intelectual da criana depende do seu domnio dos meios sociais de pensamento, ou seja, da linguagem (VIGOTSKY, 1991. p. 47).
Na abordagem das atividades semanais propostas para a execuo do
jardim, trouxemos autores que tratam sobre uma nova educao ambiental,
principalmente as atividades propostas no livro Criando Habitats na Escola
Sustentvel, da pedagoga australiana Lucy Legan (LEGAN, 2007. p. 9).
O desenvolvimento das atividades foi sempre permeado pelo conceito de
educao dentro da Antroposofia do filsofo austraco Rudolf Steiner (STEINER,
1995 p. 23):
(...) o ensino deve ser ministrado de maneira a se levar continuamente em conta que no ser humano existe um elemento morto, algo fenecente que deve ser transformado em algo renovado e vivo. Se abordarmos a Natureza e outros seres viventes apenas de modo contemplativo portanto, com nossa representao mental, que pictrica , estaremos mais dentro de um processo letal; se abordarmos os seres da Natureza e do Universo com nossa vontade, estaremos dentro de um processo de vitalizao (STEINER, 1995. p 23).
Estar consciente de nossa interveno no meio significa estarmos ativos
perante nossas intenes e vontades. No basta estarmos no meio natural,
preciso encorajarmos uns aos outros a nos posicionarmos criticamente dentro das
situaes-problema apresentadas em cada etapa. Alm disso, as barreiras
burocrticas da escola tendem a afastar o aluno do real sentido daquilo que est
fazendo. Desta forma, procuramos que os participantes do projeto estivessem
sempre presentes nos debates e tomadas de decises, para ento ter conscincia
holstica do projeto.
A linguagem emancipa e faz com que o homem transcenda sua condio
original, entretanto, dentro de uma instituio social, transforma-se claramente em
um instrumento de poder:
A educao pode muito bem ser, de direito, o instrumento graas ao qual todo o indivduo, numa sociedade como a nossa, pode ter acesso a qualquer tipo de discurso; sabemos no entanto que, na sua
20
distribuio, naquilo que permite e naquilo que impede, ela segue as linhas que so marcadas pelas distncias, pelas oposies e pelas lutas sociais. Todo o sistema de educao uma maneira poltica de manter ou de modificar a apropriao dos discursos, com os saberes e os poderes que estes trazem consigo (FOUCAULT, 2004, p. 12).
A ideia foi sempre oportunizar a fala dos estudantes a fim de entendermos a
maneira como se posicionam dentro do seu prprio discurso e assim conduzir
melhor o trabalho da construo fsica do espao pedaggico alternativo. O contato
direto com a parte administrativa nem sempre muito frequente ou tem um tom to
intimista quanto o que os alunos puderam presenciar. Este tipo de situao- que
surge como um efeito colateral da realizao de um projeto- de extrema
relevncia, pois so situaes em que o alunos vivenciam tomadas de decises que
afetam toda a escola. A responsabilidade e comprometimento so valores de teor
crucial na formao de seres sociais com voz crtica. So valores que transcendem
a escola e a prpria sociedade, afetando diretamente a noo que se tem do seu Eu,
e consequentemente de um Eu superior que forma a prpria personalidade
individual.
atravs da liberdade e do livre-arbtrio que a educao pode cumprir melhor
seu papel. Educamos para chegar a uma auto-educao, uma autonomia e
independncia. Qualquer iniciativa que v em direo contrria a essa proposta
falha gravemente com a concepo defendida nesse trabalho. Desta forma,
buscamos acompanhar de que maneira as vivncias obtidas na construo do novo
habitat contribua nas iniciativas cotidianas dos alunos. Muitos relatavam estar
ajudando nas hortas de familiares e que as experincias prticas conferiam-lhes
legitimidade em seus discursos.
Muitos ainda vem a criana como um ser menor, cujas opinies emitidas
no possuem valor igualitrio em relao s de algum vivido. Todavia, apesar das
intervenes acontecerem uma vez por semana, sentimos a contribuio e a
confirmao de que o trabalho consciente altera nossa viso de mundo e
posicionamento perante ele.
Atuar enquanto facilitadora dos trabalhos teve exerceu fortes mudanas na
minha conscincia. Muitas vezes, quando estamos em posio mais centrada na
execuo em si do que frente do andamento do projeto, acabamos por nos deixar
levar, ou ficamos mais apticos. Durante a execuo de certas partes do projeto, os
alunos, sem a nossa forte interveno e liderana, acabavam por se dispersar.
21
Entendemos nesse momento que havia a falta do reconhecimento da comunidade
escolar perante o trabalho que vinham executando. Esse tipo de relao deriva
essencialmente do sistema que no valoriza iniciativas que promovam evoluo da
conscincia. Frente a isso, trouxemos sempre a importncia de entender que: a
libertao dos oprimidos dever provir deles mesmos, na medida em que se
conscientizam da injustia de sua situao, se organizam entre si e comeam com
prticas que visam transformar estruturalmente as relaoes sociais iniquas. (BOFF,
1999 p. 7)
A imaginao se mostrou como a grande pea-chave para uma educao
libertadora. Antes da execuo dos projetos paralelos, usamos de brainstorms para
enriquecermos nosso entendimento sobre quais seriam as intenes que
movimentavam a vontade de agir dos alunos, e depois buscamos mexer com um
mundo imaginrio e fantstico, pois
se a fantasia e recebida de forma suficientemente intensa o que na vida comum acontece apenas inconscientemente , assumindo tal vigor que permeie todo o ser humano ate os sentidos, obtemos as imaginaoes comuns, pelas quais representamos os objetos exteriores. Assim como o conceito nasce da memria, da fantasia nasce a imaginao, que fornece as visualizaoes sensrias. Isto emana da vontade (STEINER, 1995 p. 15).
Muitos de ns nunca se perguntou o que a vontade individual, de onde ela
vem e por que to distinta entre um ser humano e outro. Ela muito mais
complexa e uma explicao que no leve em considerao as leis do universo no
d conta de entend-la como um todo. A vontade seria como uma semente que
floresce e se manifesta, mas nunca tem fim. Esta semente carrega nossa
hereditariedade biolgica- anmica. Neste processo atvico existe o mesmo
processo universal de contrao e dilatao, sstole e distole, inspirao e
expirao. Essa dinmica tambm est entre vida e morte. A vontade, porm,
carrega algo de sublime, algo que transcende a simples relao de contradio que
nossa lgica consegue alcanar. Ao passar por diferentes existncias a vontade
carrega tudo o que j foi e o que ainda ser; at porque nada se cria, nada se perde,
tudo se transforma.
Assim como o zigoto se desenvolve em corpo fsico, a conscincia/esprito
que move este corpo trs consigo a vontade e a inteno desse ser ao nascer. Essa
somatria se revela ao longo da vida nas diferentes escolhas de um sujeito, na sua
peculiaridade em ver o mundo, nos diferentes modos de sentir, das diferentes
22
formas de se expressar, das diversas intensidades com que afetado pelas
diferentes situaes, etc. A condio material como viemos defendendo de
extrema relevncia para a construo do Eu, entretanto no viemos como folhas
brancas, mas somos produto das diferentes vontades/intenes que carregamos
com nosso material gentico (fsico-energtico) e de todos os nossos ancestrais,
que se juntam condio material e nos enredam de maneira que, sem resgatarmos
a trajetria de vida de nossos antepassados, muitos mistrios podem passar
despercebidos durante nossa vida, ou nem chegaremos a reconhecer o propsito
pelo qual nascemos. Entendendo as razes de uma planta conseguimos
compreender como ela se alimenta, quais nutrientes lhe so mais essenciais, que
tipo de solo lhe agrada mais, etc. Assim tambm com o ser humano.
Podemos fazer uma analogia com a msica: o instrumento (sua marca, cor,
idade, produo, etc.) condiciona a sonoridade produzida, entretanto o estilo
escolhido pelo msico que o toca, a forma como se toca, o sentimento que o som
desperta, as motivaes ao toc-lo e ao escolh-lo, a maneira como chegou at a
pessoa, etc., obedecem muitas relaes de causa e efeito e so condicionadas tanto
pelo meio material como quanto pelas vontades movidas pela conscincia do
indivduo. O homem, transcendendo sua condio animal e adquirindo conscincia
de sua interveno no meio, alcanou a possibilidade de ter uma viso
transcendentalista do mundo: o entendimento de que a matria energia, e vice-
versa. No esto uma para a outra de maneira excludente, mas faces de uma
mesma moeda. Praticar e expandir essa conscincia algo que trasncorre de
maneira natural na histria da humanidade, porm preciso superar um momento
de crise do pensamento tcnico-cienticifista, oriundo do sistema scio- econmico
de produo que criamos:
Isto caracteriza a grande crise em que vivemos hoje, uma crise de percepo. Esta crise deriva do fato de que ns, e em especial nossos lideres, conduzimos a execuo de nossas aoes e interaoes, orientados pelos conceitos de uma viso de mundo obsoleta, de uma percepo de realidade inadequada para lidarmos com nosso mundo, que e cada vez mais complexo. (TORRES, 2005, p. 01)
No negamos a importncia que essa viso de mundo trouxe para o
avano tecnolgico. Todavia ela no leva em considerao o lado
23
sentimental do homem e isso a limita e gera um entrave da evoluo da
conscincia da humanidade (TORRES, 2005).
O homem possui uma identidade, e esta deriva da viso subjetiva que
temos do nosso eu. A subjetividade envolve nossos sentimentos e
pensamentos mais pessoais (WOODWARD, 2000 p. 56). A identidade
formada pelas escolhas com que me identifico e pelos papis que assumo
consciente ou inconscientemente, e a subjetividade traz tona o lado
sentimental e no-racional envolvido nessa construo de mim mesmo:
O conceito de subjetividade permite uma explorao dos sentimentos que esto envolvidos no processo de produo da identidade e do investimento pessoal que fazemos em posies especficas de identidade. Ele nos permite explicar as razes pelas quais nos apegamos a identidades particulares (IDEM, p. 56)
Com a execuo deste projeto possibilitamos aos alunos uma reflexo sobre
a aquisio de uma identidade individual. Ao escolherem livremente participarem
da construo desse novo habitat eles estavam colocando suas prprias vises de
mundo em jogo. Puderam, atravs desta escolha, se posicionarem como alunos
ambientalmente conscientes e criticamente engajados com os projetos da escola.
At porque, s conseguimos refletir se somos cidados ecologicamente conscientes
pelas nossas atitudes dirias: por exemplo, se opto por segurar o lixo que tenho em
mos por mais alguns metros para deposit-lo em uma lixeira ou simplesmente jog-
lo ao cho.
Existe como acima mencionado muito alm do que um processo consciente
em minhas atitudes que compem minha identidade. Por sermos seres sentimentais,
nossa identidade tambm vem de como somos afetados pelo mundo. Os alunos
participaram de maneira fiel ao projeto, frequentando-o assiduamente e, muitas
vezes, chegando a perguntar se podamos estend-lo por mais algumas horas ou
dias da semana. Isso demostra, como afirma Woodward (2000), apego a essa
identidade particular que estava sendo formada nestes alunos, no contexto escolar
que estavam vivenciando e, principalmente, pela carga emotiva e sentimental que
davam s suas aes.
Por melhor que sejam nossa escolhas semnticas ou lexicais em nosso
discurso, ele s pleno se nos realizamos enquanto sujeito que o profere
24
(WOODWARD, 2000). Para Mizukami, a experincia subjetiva atua como
fundamento sobre o qual todo ser humano se edifica em seu processo de busca da
autenticidade e conhecimento. Formar identidades apoiadas pela subjetividade
uma grande conquista para qualquer educador, mesmo que do ponto de vista da
sociedade do capital esse sujeito no procure estar bem colocado.
O substrato material- relaes de produo ou ao coletiva- no capaz de
explicar sozinho a complexidade da questo identitria; preciso estar atento s
manifestaes simblicas que emergem do inconsciente e carregam muitos desejos
reprimidos. Estes do um direcionamento particular para a auto-educao do aluno
e norteiam as seus interesses e vontades, na tentativa de elucidar os problemas que
permeiam suas vidas e que geram obstculos em sua autorrealizao. Rogers em
uma srie de afirmaes expressou seu ponto de vista: acabei por sentir que a nica
aprendizagem que influi significativamente sobre o comportamento a que for
autodirigida e autoapropriada (MIZUKAMI, 2014, p. 51)
O meio em que vivemos condiciona nossa existncia, mas existem coisas
para alm da matria, que respeitam as leis qunticas do Universo e isso visvel
na natureza e nos homens. Este raciocnio no linear, porm cclico. Observe ao
seu redor: a linearidade no existe, tudo cclico, nada eterno, porm mutvel.
Fim e incio so pontos de vista diferentes de um mesmo fato.
Ao estudar as particulas subatomicas, os fisicos qunticos descobriram que no interior dos tomos existe muito mais espao vazio do que materia. Eles descobriram, tambem, que a materia no existe em pontos fisicos determinados, o que h so possibilidades de existencia. O principio da incerteza, formulado por Werner Heisenberg, veio mostrar que a realidade e incerta, imprecisa, impreditivel. A materia no tem consistencia em si. O que d consistencia materia so as conexoes entre seus componentes, so os relacionamentos. () O Universo no e composto somente de materia e energia, e sim, de materia, energia e, principalmente, de relacionamentos. E um processo. (TORRES, 2005, p. 194)
Uma educao renovadora e revolucionria precisa levar em considerao
todos esses fatores, livrando-se imediatamente da pura viso tecnicista de mundo.
No estamos aqui para formar mquinas, mas sim uma nova gerao para a
humanidade, baseada no sentimento, emoo, liberdade e amor. Co-habitamos
esse planeta e por ele precisamos nutrir intenso sentimento de cuidado. Educar
cuidar, amar incondicionalmente.
25
Com essa pesquisa quer-se apronfundar a defesa do professor Jos Carlos
Libneo (LIBNEO, 1985 p. 5) por uma educao pblica de qualidade.
A educao a vida presente parte da prpria experincia humana. A escola renovada prope um ensino que valoriza a auto-educao (o aluno como sujeito do conhecimento), a experincia direta sobre o meio pela atividade; um ensino centrado no aluno e no grupo. (LIBNEO, 1985 p. 5)
Queremos mostrar que pequenas ideias ou projetos podem ser de grande
valia na vida dos estudantes e que assim podero se tornar cidados crticos, scio-
historicamente situados. Da mesma forma que acreditamos que a vida no segue
um padro ordenado, ou que a personalidade dos alunos seja uniforme. Tudo
regido por um princpio de caos e incerteza, em que o Caos a variedade individual
criativa dentro de um padro de similaridade (STACEY, 1991).
26
2.1 CONTRIBUIO DA ANTROPOSOFIA PARA UMA FORMAO
HOLSTICA
A partir da observao do espao externo de uma escola pblica da rede de
ensino estadual de Pato Branco foi delineado o projeto de construo de um Jardim
Literrio para os alunos. Com o auxlio da linguagem da permacultura, a ideia foi
planejar um espao de convvio e estudo, em que os contedos vistos em sala de
aula pudessem ser trabalhados de maneira transversal, tanto no perodo da sua
construo, como tambm na sequncia, depois de finalizado. Quer-se aqui alterar a
natureza da sala de aula tradicional e transmut-la em um novo espao, com novas
funes e perspectivas. Entretanto, essa iniciativa perder sua fora e propsito
quando esbarrar na limitao da viso que o homem tem de si mesmo: nosso
sistema pedaggico e educacional s ser impregnado de uma mentalidade correta
se nos tornarmos cnscios de que nossa atuao sobre o ser humano nada seno
a continuao daquilo que os seres superiores j fizeram antes do nascimento
(STEINER, 1995 p. 8).
Esta pesquisa se delimita a fazer duas frentes com sua interveno: utiliza
da linguagem da permacultura ao atuar na realidade material de construo de um
espao alternativo e trabalha com a Antroposofia como cincia que estuda as
consequncias anmicas da interveno na formao individual, holstica e
transpessoal dos alunos.
O foco da pesquisa foi o estudo da linguagem da permacultura e sua
insero em mbito escolar. A partir da realizao de atividades pedaggicas e da
recolha de diversas semioses (desenhos, depoimentos gravados em vdeo, relatos
escritos dos prprios alunos e de pessoas mais velhas da famlia) o tema desta
pesquisa se volta para a reflexo da possibilidade de novas tcnicas pedaggicas
que faam a diferena na vida dos alunos. Fizemos a recolha de um corpus de
pesquisa, entretanto este no ser analisado em si, mas como um conjunto de
possibilidades de novas prticas didticas que permitam uma expanso da
conscincia nos alunos participantes destas intervenes.
Atravs do conceito de homem estabelecido pela Antroposofia, nasceram
muitas novas tendncias pedaggicas, em que a educao tida tambm como
uma forma de orientao espiritual (no- religiosa). Segundo Lanz:
27
A Antroposofia oferece a seguinte explicao: os seres orgnicos possuem, alm de seu corpo mineral ou fsico, um conjunto individualizado e delimitado de foras vitais, ou seja, um segundo corpo no-fsico que permeia o corpo fsico. Esse segundo corpo o conjunto das foras que do vida ao ser e impedem a matria de seguir suas leis qumicas e fsicas normais. Rudolf Steiner, fundador da Antroposofia, chamou esse segundo corpo de corpo plasmador ou corpo de foras plasmadoras (LANZ, 2005, pg. 19).
Ou seja, leva-se em considerao que diferimos dos seres inorgnicos, pois
possumos um corpo vital, que permite experincias sensoriais e sublimes. Essa
viso do homem, possibilitou uma maneira totalmente diferente de conceber a
educao: a Pedagogia Waldorf. Criada por Rudolf Steiner em 1919, a pedido do
proprietrio da fbrica de cigarros Waldorf para os filhos dos operrios, um mtodo
inovador, que trabalha todos os aspectos da vida humana, atravs da arte, cincias
e espiritualidade. Quer-se aqui defender o uso de muitas dessas tnicas e inseri-las
no cotidiano da escola pblica. um trabalho, que alm de atuar em mbito da
expanso da conscincia vai tambm permear o campo poltico e ideolgico.
Travamos uma luta para que a materialidade aceite ou permita gradualmente a
universalizao da criticidade, da desalienao, a expanso da criatividade,
espiritualidade e talentos artsticos.
Por ser diferente a concepo dessas tendncias com a realidade vivida na
escola estudada no presente projeto, delimitamos este estudo como uma defesa da
insero da educao ambiental na vida diria dos alunos. Entretanto, esta no se
faz dentro dos padres impostos pela escola ou pela lgica do sistema econmico
em que est estruturada.
Esta interveo, para a construo do espao fsico, se faz em perodo
contrrio da frequncia escolar dos alunos participantes e um projeto voluntariado,
movido nica e exclusivamente pela vontade de suas idealizadores. A Permacultura
usada aqui como a linguagem que d suporte ao entendimento que essa nova
viso da educao exige. O construir e cooperar com os habitats naturais um
ponto central dentro da educao ambiental. A partir desta interveno vrias
questes sero abordadas em relao conscientizao ambiental. Veremos na
concepo antroposfica de educao que as partes se conectam a um todo maior,
a um propsito que no fica restrito ao aqui e agora, mas que visa a prpria
evoluo da humanidade. Como diz Marie Steiner na introduo de A arte de
Educar: o indivduo representa por si, de maneira concentrada, aquilo que toda a
Humanidade representa no decurso de seu devir histrico (STEINER M. 1995, p.4)
28
Assim, com o vis dado pela permacultura e pela antroposofia, ser
possibilitada uma compreenso mais ampla da relao humana com o meio natural
e a caracterizao do homem como agente transformador da prpria histria. Sendo
a escola uma instituio social que possui parte desta misso, com este projeto, o
aluno tem a oportunidade de vivenciar uma situao prtica construtiva de si
mesmo- situao esta que pouco ou raramente ocorre na educao pblica.
Por ser ainda a permacultura um conceito relativamente novo dentro da
linguagem acadmica, este trabalho utiliza da prxis para fundamentar sua
relevncia e possveis contribuies dentro de uma revoluo educacional que urge
no cenrio atual brasileiro.
O grande avano tecnolgico das ltimas dcadas vem afastando o homem
de seu espao de interveno natural: o meio ambiente. Em anlise histrica, o
contato com a terra que possui um jovem na idade escolar da escola pesquisada
que vive na rea urbana, pouco ou nada, lembra o de geraes que o antecedeu, as
quais viviam e subsistiam do cultivo agrcola. Este fato liga-se tambm com a
crescente preferncia dada a uma realidade paralela: o mundo virtual. Vivemos
numa poca em que esse apelo ao egosmo humano deve ser combatido em todas
as esferas (STEINER,1995 p. 6) e a escola uma pea-chave nessa mudana.
Estando afastado de sua condio natural, o presente momento histrico se
carateriza pela busca do homem em reconstruir o sentido de sua existncia. Ao
reconhecer a beleza contida na natureza, esta pode tornar-se um reflexo de si
mesmo, gerando respostas mais abundantes. Atravs do contato com a natureza
podemos ter uma base de como gerar uma linguagem de maior afetividade,
pensamentos mais ordenados e um desenvolvimento mais justo e saudvel.
A interveno consciente no meio ambiente, bem como na sua preservao,
vem se mostrando essencial numa nova maneira de educar e de ver a escola.
Conectar os alunos com ambientes naturais mais harmnicos pode trazer vantagens
no processo de ensino-aprendizagem, j que o bem-estar imprescindvel na
assimilao eficaz de novos conhecimentos. A educao ambiental promovida neste
projeto busca essencialmente essa integrao dos saberes e do homem com sua
condio natural, entendida aqui como essencial numa nova viso pedaggica. A
palavra permacultura vem da juno de dois termos: culturae permanente. Por si
s j diz o que veio propor. No quer o homem permanecer neste planeta? Desta
29
forma, no apenas os recursos, mas toda a cultura que se estabelece na
interveno humana no meio em que vive deve ser repensada
Atividades que visam a cooperao do grupo ao invs da competio, a
integrao dos saberes ao invs da polarizao entre certo e errado tem gerado
uma srie de resultados positivos na formao da identidade dos seres humanos,
no s em vida escolar, como em qualquer situao ou faixa etria. Novas
tendncias pedaggicas vm buscando trazer a valorizao de espaos alternativos
dentro das escolas. So espaos diferenciados de leitura e convvio que do suporte
para educadores explorarem novas didticas e inovarem sua maneira de conceber a
aula.
As capacidades cognitivas ganham impulso em seu desenvolvimento ao
usarmos este tipo de espao como instrumento pedaggico. Em um ambiente
natural- como o proposto no Jardim Literrio- planejado e agradvel, as capacidades
humanas podem ser potencializadas e o professor tambm se torna um sujeito em
busca de conhecimento, j que o contexto busca valorizar o construir-se enquanto
transformadores da prpria histria e no apenas a formao de alunos.
A interdisciplinaridade surge em nosso atual contexto escolar como uma das
grandes metas a serem alcanadas. Aulas em que os saberes das mais variadas
reas dialoguem de maneira concisa impulsionam o amor ao conhecimento e ao seu
processo de aquisio. Nesta proposta de ambient-los em um lugar diferenciado,
todas as disciplinas podem ser trabalhadas de maneira transversal. Isso representa
um grande passo para a educao brasileira, visto que em muitos pases este
enfoque primordial.
2.2 EDUCAO AMBIENTAL: UMA NOVA FORMA DE VER O MUNDO?
Ao inserir o aluno em um meio natural presente na escola e ao dar a ele
uma misso de interveno consciente, quer-se estudar as consequencias que isso
traz na sua maneira de ver o mundo e a si mesmo, visto que somente aquilo que
passou por uma emoo, que evocou um sentimento profundo e provocou cuidado
em ns, deixa marcas indeleveis e permanece definitivamente (BOFF, 1999, p. 01).
Por entendermos que o homem se constroi a partir do seu trabalho, quer-se
aqui trazer esta questo para a realidade escolar. A ideia de um Jardim Literrio
tambm surgiu da necessidade de se ter um espao alternativo de leitura, estudo e
30
convvio, pois entende-se que o meio em que est inserido muda a perspectiva que
o homem tem do mundo e de si mesmo.
A escola vista no projeto Jardim Literrio como uma base para o
desenvolvimento de um sujeito criticamente inserido na sociedade e que tem fora
para manifestar-se e expressar suas vontades. Visamos aqui uma tentativa de
mostrar, em paralelo com a grade curricular, os benefcios de pedagogias
alternativas, que vm surgindo como forte tendncia mundial e que tm inseridas em
suas propostas a educao ambiental.
Numa sala de aula circular a diviso esttica das matrias perde seu
sentido. Mais especificamente, este projeto visa colocar o professor numa situao
em que confronte suas prticas pedaggicas e a prpria imagem que tem de si
mesmo. Numa aula tradicional, prevalece a figura do professor como detentor do
conhecimento. Isso nem sempre uma posio consciente, mas a prpria
configurao do ambiente (disposio das carteiras, foco discursivo, etc) faz com
que essa condio permanea como uma caracterstica presente nas aulas das
escolas pblicas.
Assim, na tendncia de educao ambiental que usamos, h a defesa do
uso de espaos ao ar livre para se educar. As proposies da corrente naturalista
com frequncia reconhecem o valor intrnseco da natureza, acima e alm dos
recursos que ela proposrciona e do saber que dela se possa obter (SAUV, 2008,
pg.19).
2.3 PRINCPIOS DA PERMACULTURA APLICADOS DIDTICA ESCOLAR
A permacultura um conjunto de tcnicas e conceitos que oferece alguma luz
para os questionamentos que a educao atual vem fazendo sua prpria eficcia.
Ao entender a natureza como um organismo vivo, a permacultura analisa e
considera seus elementos constitutivos com a mesma importncia no todo. David
HOLMGREN, em seu livro Permacultura, Princpios e caminhos alm da
sustentabilidade (HOLMGREN, 2013. p. 16-17), aprofundou os doze princpios que
qualquer projeto dentro desse conceito procura levar em considerao.
No primeiro encontramos o observar e interagir(HOLMGREN, 2013. p. 16),
de extrema relevncia em qualquer interveno humana responsvel sob o meio em
que atua. Ao observarmos antes de interagir damos a oportunidade de o local em
31
que vamos atuar nos depistasde como agir. Da mesma forma, ao observar quais
so as necessidades do aluno consegue-se propor conhecimentos que lhe sejam
mais atrativos.
Ao captar e armazenar energia(HOLMGREN, 2013. p. 16) entende-se os
ciclos naturais da vida e o ritmo que, tanto a terra como as pessoas, possui.
necessrio capital energtico para construir qualquer coisa, seja uma horta
sustentvel ou a personalidade de um adolescente. A energia para qualquer
atividade dentro de sala de aula vem da motivao e da perseverana. Sem isso a
aula se torna vazia. Assim como um carro no anda sem combustvel, as aulas no
fazem sentido quando no captam interesse (energia).
No terceiro princpio h a preocupao em se obter
rendimento(HOLMGREN, 2013. p. 16). Qualquer esforo gera um resultado. Ao se
realizar uma atividade, o entendimento de que aquela foi bem-sucedida vem da
anlise do rendimento, criando um ciclo em que os bons resultados geram novos
motivos do agir. O rendimento tambm precisa ser reconsiderado. Dentro do sistema
convencional um bom rendimento pode ser a execuo da atividade proposta pelo
livro didtico. Na permacultura um bom rendimento seria aquele em que o aluno se
realiza enquanto agente transformador do meio em que atua.
Ao praticar a autorregulao e aceitar feedback(HOLMGREN, 2013. p. 16) o
sistema se torna dinmico e flui de maneira mais ajustada com as
necessidades/dificuldades encontradas. Na educao este princpio de extrema
relevncia, principalmente na construo do papel do professor, j que, ao estar
inserido numa relao de poder, no v o seu trabalho como algo em permanente
construo. Na relao professor-aluno ou aluno-aluno, este princpio ressalta a
importncia do respeito ao posicionamento do outro, valorizando o livre-arbtrio.
Usar e valorizar os servios e recursos renovveis(HOLMGREN, 2013. p.
16) retoma a conscincia de que as partes esto no todo e que isso nos torna
responsveis pelo que selecionamos. Transpassando esse princpio para o contexto
da sala de aula pode-se trabalhar aqui questes paradoxais como certo e errado,
melhor e piore entender que estas so inviveis fora do contexto. Assim como
utilizar do petrleo no se configura como errado, mas que, dentro do contexto
ambiental atual, se apresentar como menos indicado por estar sujeito a esgotar-se e
por seu forte impacto no ecossistema.
32
Numa sociedade ps Revoluo Industrial fundamental no produzir
desperdcios(HOLMGREN, 2013. p. 16). Tanto no sentido ambiental quanto social,
desperdiar tempo e energia em algum projeto deve ser evitado. Estudar , para
muitos jovens, um desperdcio de tempo. Uma pedagogia baseada nos princpios da
permacultura deve estar atenta para que cada atividade tenha um propsito
especfico e que ganhe significao especial ao ser executada pelos alunos.
A permacultura favorece o design partindo de padres para chegar aos
detalhes(HOLMGREN, 2013. p. 17), ou seja, ao se estruturar um projeto
necessrio atender s necessidades maiores e s assim partir para os detalhes.
Estes padres mencionados aqui so encontrados na natureza. Assim como o
formato hexagonal ideal na construo de uma colmia, uma sala de aula em que
as carteiras se encontram dispostas em crculo pode ser palco de um agradvel
debate de idias.
Para um bom resultado importante integrar ao invs de
segregar(HOLMGREN, 2013. p. 17), pois na soma das foras que floresce um
bom projeto/aula. Sempre que diferentes pontos de vista so incorporados, a
qualidade das intervenes humanas aumenta. A sociedade se constri na unio
dos homens e, sendo o homem um ser social, o convvio em harmonia com seu
semelhante essencial.
Devemos tambm usar solues pequenas e lentas(HOLMGREN, 2013. p.
17) j que elas apontam para a sustentabilidade e ensinam, em mbito escolar,
questes de perseverana aos alunos. O processo educativo lento e precisa ser
respeitado enquanto tal.
A abundncia de elementos encontrados na natureza aponta para o dcimo
princpio: usar e valorizar a diversidade(HOLMGREN, 2013. p. 17). Ao concretizar
este passo, uma aula ou projeto, se torna mais rico de ideias e elementos. A
dialtica s possvel na diferenciao. Sem divergncia no h conflito, e sem
conflito, no se educa. Usar a diversidade de opinies e pontos de vista cria um
cenrio frtil para a construo identitria dos alunos.
Em nenhuma hiptese pode-se esquecer de usar as bordas e valorizar os
elementos marginais(HOLMGREN, 2013. p. 17). Eles nos apontam para uma
incorporao de pessoas e/ou objetos que geram um fortalecimento do todo.
E por fim, o ltimo princpio de design: usar criativamente e responder s
mudanas(HOLMGREN, 2013. p. 17). Nada permanece igual e, portanto, devemos
33
estar abertos s novas situaes e demandas que aparecem no decorrer da nossa
interveno sobre o meio. Ideias mudam. Propsitos mudam. necessrio
responder essas mudanas.
Os padres da permacultura oferecem uma nova viso sobre a maneira de
educar. Aplicados aos planos de ensino poderiam auxiliar o professor no
entendimento da sua funo. Para os alunos significa uma tomada de conscincia
do seu papel na escola e na sociedade, construindo a si mesmo como sujeito
histrico-dialtico.
A relevncia desta pesquisa se d pelo fato da linguagem ser entendida como
uma ferramenta de emancipao e expresso. Usar de uma linguagem que tem
como proposta principal a harmonia e a integrao, como a da permacultura,
favorece o desenvolvimento humano justo e responsvel. Auxilia no processo de
acolhimento das ideias e sentimentos que as crianas e jovens precisam sentir para
se expressarem livremente.
Educar conscientemente preparar para a vida, em todos os mbitos (social,
psicolgico, fsico e emocional). Atravs dos princpios da permacultura quer-se
desenvolver uma linguagem de interao consciente entre o homem e a terra, o
homem e outros homens: um meio que d norte ao entendimento e leitura do
mundo, atravs de padres que a prpria natureza segue.
O construir-se ser humano no apenas vem do entendimento do meu Eu
isolado, mas tambm de como o meio em que habito condiciona a minha existncia
e de como a minha relao com os demais seres humanos influencia meu pensar,
sentir e agir. Ao interagir com o meio natural, criando um novo habitat na escola,
podemos elevar nossa compreenso sobre as diferentes formas que os animais
usam para construir seus espaos. Os seres humanos de algum modo
desenhamna mente a obraque vo criar, antes de faz-la(BRANDO, 2008 p. 41)
e esta a grande contribuio da Permacultura para esta pesquisa. Essa tcnica
tem como proposta o pensar e o repensar do design das construes humanas,
abrangendo e lidando de maneira criativa com todos os impactos que estas venham
trazer no ambiente, tanto positivos quanto negativos.
Na experincia relatada aqui pudemos enterder com grande nfase a
diferena entre a teoria e a prtica. A teoria apresenta uma srie de pressupostos
que no se encaixavam em nossas condies materiais e recursos. Tambm
sabemos que muitas coisas passam despercebidas, por no serem pssiveis de
34
anlise ou por no estarem entre os tpicos que nos propomos analisar. O essencial
para ns foi sempre refletir em conjunto sobre o fato de que agimos, construmos,
modificamos, muitas vezes, de forma inconsciente, sem analisarmos de fato a
evoluo que qualquer atuao representa. Isso natural: da mema forma que a
abelha, que constri o favo em formato hexagonal sem passar por um processo
racional ou repensando a eficincia deste formato.
Com o homeme tambm assim. Mas ns vamos alm; utilizamos da
linguagem para transmitir ideias, comunicar intenes, expressar nossas vontades.
A educao a forma institucionalizada dessa nossa condio social. Entretanto nos
deparamos com mtodos e concepes desatualizadas. Com as experincias
prticas deste projeto sentimos possvel despertar a conscincia individual do aluno
para um auto-entendimento e a partir disso o deixar livre para escolher, dentro de
uma srie de opes de aes e desies, aquilo que melhor se encaixava com seu
Eu interior.
35
PERCURSO DO PROJETO
Viemos participando e desenvolvendo diversas atividades de permaculutra
na cidade de Pato Branco e regio- como hortas comunitrias e cursos de design
em permacultura. Faltava integrar, em nossa caminhada, essas prticas alguma
instituio de ensino. A ideia inicial era reformular a horta j existente no Colgio
Estadual de Pato Branco. Em conversa com as diretoras, coordenadora pedaggica
e professora de cincias, levantou-se a possibilidade de criar algo diferenciado num
espao que anteriormente era ocupado por um playground e, agora, encontrava-se
desocupado. Foi ento que comeamos a pensar em uma sala de aula alternativa s
tradicionais. Trouxemos para o dilogo nossas experincias e referncias de
atuaes em atividades relacionadas permacultura. Como a escola sempre se
mostrou aberta e atuante em questes ambientais, logo encontramos respaldo e
aceitao de nosso discurso. Passamos ento a elaborar um cronograma de
atividades. A primeira estava centrada em uma representao pictrica da ideia;
utilizamos aqui o conhecimento
baseado no design em Permacultura.
Imagem 01. Primeiro esboo do projeto. Fonte: elaborado pela autora
36
Como a permacultura visa o uso de padres mais frequentes na natureza,
privilegiamos aqui o formato circular. Um fator tambm bastante claro para ns era a
utilizao de recursos sustentveis, bem como a recolha de doaes dos materiais
necessrios para a construo.
Na segunda etapa fizemos uma fala apresentando o conceito de
permacultura para os alunos do 7 ano A e B do turno da manh. Essas turmas
foram escolhidas pela professora de cincias para participarem da execuo do
Jardim Literrio, por uma srie de fatores, principalmente baseados no nvel de
envolvimento e
atuao que as
turmas vinham
apresentando ao
longo do ano.
Convencionou-se que
as intervenes
aconteceriam todas
as quartas-feiras, das
14h s 15h30min.
Na semana
seguinte demos
incio s atividades
com os alunos que se disponibilizaram a participar. Desde o primeiro contato
buscamos estabelecer uma linguagem baseada na afetividade e respeito s ideias
que iriam propor. Buscamos sempre trabalhar em crculos, numa relao dialgica
para que se sentissem valorizados e posicionados no grupo. Fizemos uma dinmica
de apresentao, em que cada participante dizia o seu nome e o associava a um
gesto, que em seguida, os demais precisavam reproduzir.
A primeira atividade foi selecionada do livro Criando Habitats na Escola
Sustentvel da escritora australiana Lcia Legan. Esta proposta teve como objetivo
pensar em conjunto o novo habitat que estvamos criando no colgio, a partir de
Figura 2: Primeirainterveno
Imagem 02: Primeira interveno com o grupo participante. Fonte: banco de imagens da autora
37
suas influncias, habilidades e conhecimentos.
As respostas por eles dadas foram transpostas em uma rvore desenhada
em cartolina. Na sequncia caminhamos sobre o espao que seria ocupado para
analisarmos suas
possibilidades,
limitaes e desafios.
Figura 3: Atividadeextrada do livro
Imagem 03: Atividade proposta na primeira interveno. Fonte: LEGAN, 2007, p. 9.
Imagem 04: Alunos caminham pelo terreno para proporem novas idias ao design. Fonte: Banco de imagens da autora
38
Imagem 05: Resultado da atividade prosposta na primeira interveno. Fonte: Banco de imagens da autora.
Enquanto espervamos a direo da escola fazer a aquisio de alguns
materiais e a recolha das primeiras doaes, comeamos a fazer intervenes na
horta escolar. Nessas vivncias falamos sobre adubao com matria rganica e
39
plantio de hortalias.
Imagem 06: Aluno auxilia na adubao do canteiro da horta escolar. Fonte: Banco de imagens da autora.
Imagem 07: Plantao de mudas de hortalias. Fonte: Banco de imagens da autora
40
Para que o projeto
comeasse a
ganhar visibilidade
dentro da
comunidade
escolar fizemos a
elaborao de
cartazes para
serem fixados no
mural central de
escola. Atravs do
gnero cartaz
explicamos
conceitos de permacultura e sustentabilidade.
Imagem 09: Mural informativo sobre o projeto. Fonte: Banco de imagens da autora
Imagem 08: Elaborao de cartazes sobre Permacultura. Fonte: Banco de imagens da autora
41
O Jardim Literrio
comeou a ganhar projeo
dentro da escola e na Feira de
Cincias ocupou a posio
central dentro das exposies.
Os alunos fizeram uma
maquete do projeto e o
apresentaram aos colegas.
Tambm elaboraram um quiz
com perguntas variadas
relacionadas ao meio
ambientem cujo prmio para
quem acertava era um produto
colhido da prpria horta da
escola ou da horta comunitria
do bairro.
Desde a medio do terreno buscou-se a integrao das diferentes disciplinas. Para
encontrarmos o centro geomtrico do terreno solicitamos o auxlio de uma
professora de
matemtica.
Esta, aproveitou
a oportunidade
para
contextualizar e
demonstrar na
prtica o
conhecimento
visto de maneira
terica em sala
de aula aos
alunos do
Imagem 10: Exposio do Jardim Literrio durante Feira de Cincias. Fonte: Banco de imagens da autora
Imagem 11: Aluna aplica um quiz com perguntas relacionadas ao meio ambiente. Fonte: Banco de imagens da autora
42
8ano. Improvisando um compasso com duas estacas e barbante, envolveu os
alunos numa atividade que oferecia um desafio e um objetivo especfico.
Imagem 12: Professora demonstra medicao do terreno com conceitos matemticos. Fonte: Banco de imagens da autora
Ao ministrar sua aula, a professora se confrontou com o teor prtico da
proposta. No se abateu com as dificuldades (cerca, materiais e ferramentas que
impediam o percurso livre do barbante), sentindo e mostrando a diferena entre
explicar no quadro e aplicar em uma situao real a medio. Aproveitou, em sua
reflexo final, para contar a histria de como foi feito o primeiro compasso na
Antiguidade.
De qualquer modo, esse experimento ainda esbarrou em uma dificuldade j
prevista nesta pesquisa: a formao do professor. Dentro da formao tradicional
dos cursos de licenciatura, ao acadmico no dada a oportunidade de transcender
a tcnica usada por seus mentores. Desta forma, as universidades continuam este
ciclo, formando professores de mentalidades tradicionais, com concepes de
ensino bancrias. Constatamos isso, ao perceber que a professora ficou com a fala
na maior parte do tempo e no abriu espao para que os alunos usassem sua
intuio e/ou at mesmo desenvolvessem suas prprias tcnicas de medio. Claro
que o formato da aula tambm uma dificuldade explcita. Joga-se com o tempo,
43
com a inteno de vencer o contedo, o que no permite uma abordagem mais
livre e dinmica da atividade.
As primeiras mudas utilizadas no Jardim Literrio tambm foram resultado
de uma atividade promovida nas aulas de cincias. Ao estudarem os biomas e
ecossistemas a professora promoveu uma atividade prtica de plantio e cultivo de
espcies escolhidas a critrio dos prprios alunos. Aps a apresentao em sala de
aula, os vasos (em sua maioria aproveitamento de garrafas PET) foram expostos
para a comunidade escolar, primeiramente na entrada da escola e depois na Feira
de Cincias, para ento, na sequncia, serem plantadas nos canteiros.
As atividades foram suspensas durante uma interrupo das aulas
decorrente da greve, mas logo que retornaram o projeto foi retomado. Na sequncia
completamos os canteiros externos com terra e adubo e desenhamos os canteiros
internos, tambm completando-os com terra. O prximo passo ser a colocao de
bancos e do pavimento.
Inicialmente a ideia do projeto era analisar , pela recolha do discurso dos
alunos, a viso que eles tiveram de si mesmos durante a execuo do projeto.
Todavia, o tempo estimado para a construo do Jardim Literrio foi muito maior,
ento resolvemos voltar a pesquisa para um direcionamento cultural e da
importncia do trabalho na construo da histria. Muitos recursos financeiros e
apoios
empresari
ais foram
prometido
s
inicialment
e pela
escola,
mas
durante a
execuo
contvamo
s apenas
com Imagem 13: Alunos auxiliam a prtica para encontrar o centro da sala circular. Fonte: Banco de imagens da autora
44
nossos prprios esforos.
A descrio do percurso do projeto chega ao fim, entretando o trabalho no
cessou. Ainda h muito por fazer. Podemos afirmar que este movimento, por ser
cclico, no possui um fim abrupto, mas recomeos de novas ideias e propostas
dentro deste espao por ns idealizado. Nossa expectativa que cada vez mais
alunos se integrem ideia e deem suas contribuies, deixando suas marcas no
habitat que marcou parte de suas histrias.
Imagem 14: Canteiro adubado, com mudas de flores plantadas. Fonte: Banco de imagens da autora
45
CONCLUSO
Com essa experincia vivemos na prtica o que Leonardo Boff coloca com
maestria em palavras:
O ser humano maior do que o mundo. Nele h uma nsia infinita. Nele arde um princpio-esperana que o impulsiona sempre a criar e a se re-situar continuamente no mundo, sonhando no sono e na viglia com mundos cada vez mais humanos e fraternos at projetar utopias de suma felicidade e realizao. O ser humano, homem e mulher, um projeto infinito. Eis o que significa transcendncia e imanncia do ser humano. Enraizado (imanncia), se abre ao largo espao infinito (transcendncia) (BOFF, 1999, p. 13).
A cada passo dado muitas descobertas foram feitas. O construir-se ser
humano foi entendido de maneira mais consistente com essa atividade prtica de
interveno consciente do homem sobre o meio.
Tivemos muitas dificuldades burocrticas, entretanto elas no nos deixaram
abater, mas representaram desafios que nos motivavam a fazer sempre mais para o
despertar dos alunos. Vivemos hoje um momento histrico muito particular devido s
grandes conquistas tecnolgicas. Com seu acesso tornando-se cada vez mais
popular questionamo-nos das capacidades humanas frente s mquinas. Nosso
raciocnio parece estar cada vez mais frio e pouco afetivo. Esse projeto cumpriu
com seu objetivo de reconectar o homem com o meio natural e de resignificar a
palavra trabalho. Todos somos dotados de inmeras capacidades, todavia, poucas
so as oportunidades que temos para desenvolv-las ou express-las. Nossas
vozes e discursos esto se tornando cada vez mais padronizadas num mundo em
que mquinas, robs e computadores so programados para uma produo em
srie de larga escala de produtos- que antes eram feitos com meios e propsitos
diferentes. Entremeados nessa condio material nossa identidade fica sufocada e
pode-se viver uma vida interia sem chegarmos a encontrar uma essncia prpria, ou
nos conectarmos com um Eu verdadeiro e no com o Ego criado pela sociedade
capitalista.
Este projeto alcanou seu objetivo no sentido de entendermos atravs da
prtica, que no somos o que consumimos, o quanto gastamos ou o valor da nossa
conta bancria. Somos aquilo que fazemos para nos tornarmos melhores, aquilo que
emana das nossas itenes e vontades pessoais. Nossas aes nos libertam
46
atravs de um processo consciente de suas finalidades. Na prtica o que vale so
nossas iniciativas pessoais, nossa criatividade, como gerimos as relaes de grupo
e a forma como desenvolvemos nossa parte do trabalho dentro do todo. Para as
crianas e adolescentes essas prticas so imprescindveis na formao do seu
carter e identidade. Nesta fase eles buscam uma maneira alternativa de ser em
relao ao modo de ver o mundo colcado pela famlia. na escola que podemos
compreender melhor novas vises e concepes da realidade. A diversidade cultural
produto das diferentes maneiras que os grupos encontram para se relacionarem
com o meio em que habitam. Portanto, foi satisfatrio para ns poder apresentar
conceitos como a Permacultura e a sua maneira de tratar o trabalho do homem em
seu meio.
A Austrlia passava nas ltimas dcadas por um processo de desertificao
pelo mau uso dos recursos naturais e a falta da conscincia na explorao dos seus
ecossistemas. Da necessidade surge a mudana e eis que esse movimento de
resgate da relao dos povos ancestrais com a natureza nasceu por l, ganhou
fora e se espalhou para o mundo. Em nossa regio no diferente. Nossos
antepassados possuam uma relao mais ntima com o meio em que habitavam.
Obviamente isso era possvel justamente pelo fato de morar dentro da floresta.
Nosso campo de viso dentro da cidade se alterou, vemos concreto por todo lado.
At mesmo no campo o que mais predomina na nossa realidade so lavouras
extensas de monocultura. Isso altera nossa conscincia e passamos a entender a
realidade pelo modo que ela se configura aos nossos olhos.
Neste projeto porcuramos modificar a conscienncia pela alterao do
ambiente em que o aluno se encontra. Dentro da prpria escola, muitas vezes
encontramos reas verdes, entretanto no so usadas como ambientes
pedaggicos. Esse resgate da relao do homem com sua condio de evoluo
inicial tambm um resgate da nossa prpria identidade. Nossos antepassados
indgenas relacionavam-se com a Terra de maneira holstica. Alm de ser a fonte do
seu alimento, a floresta possua suas entidades espirituais, que guiavam e protegiam
os homens que as reconhecessem e as respeitassem. Por mais que essa relao
no seja mais to comum nos nossos dias, ela ainda paira sobre ns, j que faz
parte da nossa Histria.
47
Assim como a dualidade entre consciente e inconsciente condiciona nossa
forma de agir, expressar e ser, assim tambm com a dicotomia pensamento e
linguagem. Aquilo que expresso, para o outro corresponde a uma imagem
aproximada, mas nunca aquilo que minha vontade significa de fato, pois, como
afirma Vigotsky, pensamento e linguagem possuem diferentes razes genticas: H
uma vasta rea de pensamento que no apresenta nenhuma relao direta com a
linguagem (VIGOTSKY, 1991 p. 37). Aquilo que chega a ser exteriorizado atravs
da linguagem passa a ser considerado como uma manifestao da identidade do
indivduo, pois carrega suas intenes e formas de expressar suas vontades,
percepes, sentimentos, etc. No projeto tentamos ouvir com muita ateno e
pacincia aquilo que os alunos nos comunicavam pela linguagem verbal e no-
verbal, no intuito de chegar ao entedimento sobre o que o discurso que proferiam
refletia da sua forma de ver o mundo, bem como da sua personalidade individual.
Conversas sobre assustos pessoais, dificuldades em
Top Related