UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
RENATA MARGARIDO
CONSTRUÇÕES (COORDENADAS) ADVERSATIVAS
E CONSTRUÇÕES (SUBORDINADAS) ADVERBIAIS CONCESSIVAS
EM PORTUGUÊS: PONTOS DE CONTATO E DE CONTRASTE NA
LÍNGUA EM FUNÇÃO
São Paulo
2010
RENATA MARGARIDO
CONSTRUÇÕES (COORDENADAS) ADVERSATIVAS
E CONSTRUÇÕES (SUBORDINADAS) ADVERBIAIS CONCESSIVAS
EM PORTUGUÊS: PONTOS DE CONTATO E DE CONTRASTE NA
LÍNGUA EM FUNÇÃO
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Letras da
Universidade Presbiteriana Mackenzie como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Letras, Área de Estudos Linguísticos.
ORIENTADORA: Profª. Drª. Maria Helena de Moura Neves
São Paulo
2010
M327c Margarido, Renata.
Construções (coordenadas) adversativas e construções
(subordinadas) adverbiais concessivas em português: pontos de
contato e de contraste na língua em função. / Renata
Margarido. -- 2010.
188 f. ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Estudos Linguísticos) -
Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2010.
Bibliografia: f. 182-188
Orientador: Maria Helena de Moura Neves
1. Construções adversativas. 2. Construções concessivas. 3. Pontos
de contato. 4. Pontos de contraste. 5. Teoria funcionalista da
linguagem. I. Título. CDD 415
RENATA MARGARIDO
CONSTRUÇÕES (COORDENADAS) ADVERSATIVAS
E CONSTRUÇÕES (SUBORDINADAS) ADVERBIAIS CONCESSIVAS
EM PORTUGUÊS: PONTOS DE CONTATO E DE CONTRASTE NA
LÍNGUA EM FUNÇÃO
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Letras da
Universidade Presbiteriana Mackenzie como
requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Letras, Área de Estudos Linguísticos.
Aprovada por
__________________________________________ Profª. Drª. Maria Helena de Moura Neves – orientadora
Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)
_____________________________________________
Prof. Dr. Ronaldo de Oliveira Batista
Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)
_________________________________________ Profª. Drª. Maria Célia Pereira Lima-Hernandes
Universidade de São Paulo (USP)
______________________________________________
Profª. Drª. Neusa Maria Oliveira Barbosa Bastos
Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) – suplente
_______________________________________________
Profª. Drª. Maria Suely Crocci de Souza – suplente
Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP)
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Prof.ª Maria Helena de Moura Neves, pelo apoio, pelo incentivo
e pelos valiosos ensinamentos.
À Prof.ª Diana Luz Pessoa de Barros, pelo apoio.
À FAPESP, pelo financiamento desta pesquisa.
À Prof.ª Maria Célia Pereira Lima-Hernandes e ao Prof. Ronaldo de Oliveira Batista,
pelas preciosas sugestões dadas em Exame de Qualificação.
À minha mãe, pelo apoio.
RESUMO
O objetivo desta dissertação é comparar as construções adversativas e as construções
concessivas presentes em editoriais. Baseia-se, aqui, na teoria funcionalista da linguagem,
segundo a qual, na análise linguística, deve haver a integração dos componentes sintático,
semântico e pragmático. Levando-se isso em consideração, pretende-se investigar, entre
outros aspectos, as possíveis motivações para o uso de uma das construções em estudo em vez
de outra em certos contextos. Os resultados alcançados mostram que, por um lado, há pontos
de contato entre as construções adversativas e as construções concessivas porque elas se
incluem na “lei da preferência” (GARCÍA, 1994). Por outro lado, há pontos de contraste entre
essas construções devido ao fato de que cada uma delas desempenha um papel específico em
certos contextos, o que é decorrente da condição particular de “margem” (LONGACRE,
2007), “satélite” (DIK, 1989; MATTHIESSEN & THOMPSON, 1988), “realce”
(HALLIDAY, 2004), “guia” (CHAFE, 1984, apud DECAT, 1993), “fundo” (GIVÓN, 1990) e
“tema” (GARCÍA, 1994) das adverbiais concessivas. Na análise empreendida, observou-se
que muitas das diferenças entre as construções em estudo estão relacionadas ao fato de que o
segmento concessivo, como margem ou satélite, pode apresentar mecanismo de antecipação,
sendo produzidos efeitos de sentido particulares.
Palavras-chave: construções adversativas, construções concessivas, pontos de contato, pontos
de contraste, teoria funcionalista da linguagem.
ABSTRACT
The aim of this work is to compare adversative constructions and concessive constructions
which occur in editorials. This paper is based on the theory of functional grammar, which
postulates the conjunction of syntactic, semantic and pragmatic factors in the analysis of
linguistic use. Taking these aspects into consideration, it intends to investigate possible
reasons which motivate the use of one construction instead of the other in particular contexts.
The results reached show that, on one hand, there are areas of overlap between adversative
constructions and concessive constructions for the fact that they display “relation of
preference” (GARCÍA, 1994). On the other hand, there are areas of contrast between these
constructions due to the fact that each of them plays a particular role in certain contexts,
which is resulted from the specific functions fulfilled by a concessive element, as “margin”
(LONGACRE, 2007), “satellite” (DIK, 1989; MATTHIESSEN & THOMPSON, 1988),
“enhancement” (HALLIDAY, 2004), “guidepost” (CHAFE, 1984, apud DECAT, 1993),
“background” (GIVÓN, 1990) and “theme” (GARCÍA, 1994). In the analysis, it was observed
that most of the differences between the constructions in discussion are related to the fact that
specifically the concessive element, as margin or satellite, can present mechanism of
anticipation, displaying particular effects.
Keywords: adversative constructions, concessive constructions, areas of overlap, areas of
contrast, theory of functional grammar.
RELAÇÃO DE QUADROS
Quadro 1
Tipo textual nos segmentos da construção adversativa ..................................... 91
Quadro 2
Tipo textual e valores semânticos na construção adversativa ..............................
92
Quadro 3
Tipo textual nos segmentos da construção concessiva ........................................
95
Quadro 4
Tipo textual nos segmentos da construção concessiva (córpus de controle) .......
96
Quadro 5
Tipo textual e valores semânticos na construção concessiva ...............................
96
Quadro 6
Tipo textual e valores semânticos na construção concessiva (córpus de
controle) ...............................................................................................................
97
Quadro 7
Estatuto informacional nos segmentos da construção adversativa ......................
144
Quadro 8
Estatuto informacional nos segmentos da construção concessiva .......................
145
Quadro 9
Estatuto informacional nos segmentos da construção concessiva (córpus de
controle) ............................................................................................................... 146
SUMÁRIO
Introdução ………………………………………………………….
1
9
1. Pressupostos teóricos ……………………………………………
1
13
2. Adversativas e concessivas: fluidez semântica ………………...
1
17
2.1 O compartilhamento de valores semânticos ……………………………
1
17
2.2 Bases semântico-argumentativas do cotejo …………………………….
0
27
2.3 Bases lógico-semânticas do cotejo ……………………………………
0
34
3. Adversativas e concessivas: especificidades e aproximações
sintáticas e discursivas ……………………………………………..
0
43
3.1 Construções adversativas e construções concessivas: visão tradicional e
visão funcionalista ……………………………………………………..
0
43
3.2 A organização das construções adversativas e das construções concessivas
no fluxo de informação …………………………………………………
0
55
3.3 A condução argumentativa nas construções adversativas e nas construções
concessivas ……………………………………………………………
0
63
4. Procedimentos metodológicos ………………………………….. 0
73
4.1 Procedimentos estabelecidos para análise ……………………………... 0
73
4.2 Córpus: o editorial ………………………………………………….. 0
78
4.3 Seleção e delimitação do córpus ……………………………………... 0
82
4.4 Objetivos e critérios de análise ………………………………………. 0
83
5. Análise das construções adversativas e das construções
concessivas em editoriais: motivações de uso …………………….
0
89
5.1 Adversativas e concessivas: inserção textual, uso argumentativo e
interpretação semântica …………………………………………………
0
89
5.1.1 Identidade de tipo textual nos segmentos da construção ………………. 0
91
5.1.2 Não identidade de tipo textual nos segmentos da construção …………... 0
136
Considerações gerais …………………………………………………... 0
140
5.2 Adversativas e concessivas: estatuto informacional …………………….
0
143
5.2.1 Identidade de estatuto informacional nos segmentos da construção …….. 0
147
5.2.2 Não identidade de estatuto informacional nos segmentos da construção ... 0
163
Considerações gerais …………………………………………………... 0
174
Conclusões …………………………………………………………. 0
178
Referências bibliográficas ………………………………………… 0
182
9
INTRODUÇÃO
O objetivo geral desta dissertação é estabelecer pontos de contato e de contraste entre
as construções (“coordenadas”) adversativas com mas e as construções (“subordinadas”)
adverbiais concessivas com embora.
O objetivo específico é examinar a junção operada pela conjunção “coordenativa
adversativa” mas e pela conjunção “subordinativa (adverbial) concessiva” embora. São
objetivos intermediários: i) a investigação do estatuto funcional das classes tradicionalmente
chamadas de “coordenada” e de “subordinada”; ii) a investigação do estatuto funcional das
classes tradicionalmente denominadas de “adversativa” e de “adverbial concessiva”.
Toma-se como base a teoria funcionalista da linguagem e se considera, em
consonância com os objetivos apresentados, que os fatores semântico e sintático devem estar
integrados ao componente pragmático na análise das adversativas e das concessivas. Dessa
forma, observam-se os usos efetivos dessas construções, o que contribui para que se
demonstrem, assim, as possíveis motivações para a utilização de uma construção em vez de
outra.
Para a análise das adversativas e das concessivas, selecionaram-se construções do
português escrito contemporâneo. O córpus se constitui de um conjunto de editoriais dos
jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo. Optou-se por utilizar editoriais como córpus
pelo fato de esse gênero discursivo ser essencialmente argumentativo, o que, em princípio,
contribuiria para a frequência das adversativas e das concessivas.
O interesse pelo tema aqui proposto surgiu quando foi desenvolvido (de 2005 a 2006)
trabalho de Iniciação Científica intitulado “Avaliação do material de apoio usado no
tratamento escolar da gramática (Ensino Fundamental: 5ª a 8ª série) em confronto com a
proposta de uma gramática do português baseada nos usos”. No decorrer da pesquisa,
verificou-se que grande parte das coleções de livros didáticos analisadas tratava as classes
gramaticais desconsiderando, em geral, seus usos efetivos. Duas das classes tratadas nas
lições didáticas como categorias “fechadas” são a “coordenada adversativa” e a “subordinada
adverbial concessiva”. Observou-se, entre outros aspectos, que o tratamento tradicional dado
a essas classes dificulta a contemplação tanto dos pontos de contato quanto dos pontos de
contraste entre elas.
Embora esta dissertação não esteja relacionada especificamente com o ensino de
gramática, entende-se que, a partir da revisão do tratamento tradicional dado às adversativas e
10
às concessivas, podem-se oferecer contribuições para que se pense nos pontos de contato e de
contraste entre essas construções.
A escolha do tema também se justifica pelo fato de que a relação entre as adversativas
e as concessivas ainda não é ponto de consenso entre os estudiosos da língua, o que mostra
que tal questão merece uma investigação acurada.
Para a comparação entre as adversativas e as concessivas, colocam-se em xeque duas
dicotomias usualmente determinadas nas gramáticas tradicionais: uma referente ao fator
sintático (coordenação x subordinação) e outra atinente ao aspecto semântico (oposição x
concessividade).
Tradicionalmente se atribui às adversativas o estatuto sintático de “coordenação” e o
valor semântico de “oposição” e às concessivas o estatuto sintático de “subordinação” e o
sentido de “concessividade”. Essa separação rígida faz pensar que cada construção possui
exclusivamente características que lhe são inerentes, não havendo aproximações entre elas.
Entretanto, quando se faz uma análise das adversativas e das concessivas ligada a seus usos
efetivos, verifica-se que, apesar de serem incluídas pelos gramáticos tradicionais em classes
distintas, elas apresentam pontos de contato.
No que diz respeito ao fator sintático, tradicionalmente se concebe que as coordenadas
adversativas são independentes e que as concessivas são dependentes. No entanto, quando se
considera que essas construções se encontram, como se verá, em um continuum, observa-se
que seria problemático estabelecer uma separação rígida entre elas.
No que se refere ao fator semântico, como se verá, “oposição” e “concessividade” não
se opõem, pois a concessão pode ser incluída no grupo da oposição. Daí a possibilidade de as
adversativas e as concessivas apresentarem valores semânticos semelhantes.
Considerados os pontos de contato entre as adversativas e as concessivas, é possível
identificar certas diferenças de uso. Como se verá neste trabalho, muitas das diferenças de
comportamento entre as adversativas e as concessivas estão relacionadas ao fator pragmático.
Isso mostra a necessidade de se atrelarem, na análise das adversativas e das concessivas, o
componente pragmático aos componentes semântico e sintático.
Levando-se em consideração essa integração de componentes, a hipótese que norteia
esta pesquisa é a de que os pontos de contato entre as adversativas e as concessivas se
relacionam especialmente à “lei da preferência” (GARCÍA, 1994). Por outro lado, os pontos
de diferenciação entre essas construções são decorrentes da condição de “margem”
(LONGACRE, 2007), “satélite” (DIK, 1989; MATTHIESSEN & THOMPSON, 1988),
“realce” (HALLIDAY, 2004), “guia” (CHAFE, 1984, apud DECAT, 1993), “fundo”
11
(GIVÓN, 1990) e “tema” (GARCÍA, 1994) das adverbiais concessivas, em contraste com as
adversativas.
A partir dos resultados de análise deste trabalho, observou-se que a principal
particularidade das concessivas, resultante de sua natureza de margem, de satélite, é que a
maioria dos segmentos adverbiais vem na posição anteposta. Devido a isso, no decorrer da
análise, procurou-se chamar mais atenção para os diferentes efeitos de sentido produzidos nas
concessivas com segmento adverbial anteposto em relação às adversativas.
A seguir, trata-se de aspectos relacionados à estrutura deste trabalho.
No que se refere à organização, há 3 capítulos teóricos, 1 capítulo sobre os
procedimentos metodológicos e 1 capítulo de análise.
No capítulo 1, expõem-se os principais pressupostos gerais da teoria funcionalista da
linguagem e os postulados dessa teoria que dizem respeito especificamente ao fluxo de
informação, um dos aspectos que, neste trabalho, será relacionado às adversativas e às
concessivas.
No capítulo 2, trata-se, sobretudo, da fluidez semântica existente entre as adversativas
e as concessivas. Partindo-se das considerações da gramática tradicional, inicia-se a discussão
no tópico 2.1, que trata do compartilhamento de valores semânticos entre essas construções.
Em seguida, é vista a aproximação entre elas considerando-se, no tópico 2.2, o aspecto
semântico-argumentativo e, no tópico 2.3, o aspecto lógico-semântico envolvido no cotejo,
sendo este último aspecto voltado especialmente para as concessivas.
No capítulo 3, trata-se, sobretudo, das especificidades sintáticas e discursivas das
adversativas e das concessivas. No tópico 3.1, apresenta-se a visão tradicional (coordenação x
subordinação) e a visão funcionalista (parataxe x hipotaxe) das construções em estudo. Na
seção 3.2, discorre-se sobre a organização das adversativas e das concessivas no fluxo de
informação, com o tratamento, por exemplo, da questão da distribuição de informação (par
informação conhecida/ informação não conhecida) e do relevo informativo (par figura/fundo).
No tópico 3.3, trata-se do uso argumentativo das construções em questão, que envolve,
necessariamente, o aspecto discursivo.
No capítulo 4, trata-se da metodologia utilizada, com a indicação dos critérios
estabelecidos para a seleção e delimitação do córpus e dos grupos de critérios utilizados na
análise das construções em estudo. Nesse capítulo, discorre-se, ainda, sobre as características
do editorial, gênero que constitui o córpus deste trabalho.
No capítulo 5, apresenta-se a análise das adversativas e das concessivas em editoriais,
observando-se as possíveis motivações de uso de cada construção. Na seção 5.1, investigam-
12
se os tipos textuais (e as funções) presentes nos segmentos das adversativas e das concessivas.
Nesse exame, inclui-se a interpretação semântica dessas construções: relacionam-se os tipos
textuais presentes nelas com os seus valores semânticos. Além disso, considera-se o uso
argumentativo das adversativas e das concessivas, e se observam, por exemplo, as possíveis
estratégias argumentativas utilizadas pelo locutor. No tópico 5.2, por sua vez, trata-se do
estatuto informacional dos segmentos das construções adversativas e das concessivas.
Em todos os tópicos de análise, procura-se investigar de que forma as particularidades
das adverbiais concessivas influem para determinar diferentes efeitos de sentido. Por fim,
apresentam-se as conclusões desta dissertação.
13
1. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
Algumas posições funcionalistas que sustentam a investigação que aqui se faz
apresentam-se a seguir, com recurso a propostas da teoria funcionalista da linguagem
assentadas em Halliday (1978), Dik (1989) e Givón (1995) e desenvolvidas em Neves (2004)
e em Cunha et al. (2003).
Neves (1997) diz que os desenvolvimentos mais significativos do funcionalismo são
associados, frequentemente, às concepções da Escola Linguística de Praga, para a qual a
linguagem possibilita ao homem referir a realidade extralinguística.
Afirma Halliday (1978) que a língua se desenvolveu para atender a certas funções
chamadas de “funções sociais”. Como o autor aponta, tais funções são os contextos
significativos, na medida em que o homem é capaz de especificar parte do potencial de
significado que está associado a ele.
Como mostra Neves (2004), o funcionalismo se preocupa com as funções dos meios
linguísticos de expressão. Assim, diz a autora, o estudo da língua se dirige para uma
consideração das estruturas linguísticas exatamente pelo que elas representam de organização
dos meios linguísticos de expressão das funções a que serve a linguagem.
Para a verificação do que tais estruturas representam em relação à organização desses
meios linguísticos, consideram-se os contextos de uso da língua, pois, como apontam Cunha
et al. (2003), em um tratamento funcionalista procura-se explicar as regularidades observadas
no uso interativo da língua a partir da observação das condições discursivas em que se dá esse
uso.
O funcionalista Dik (1989), propondo um modelo de interação verbal, mostra o papel
do componente pragmático (referente às condições discursivas) no processo comunicativo.
Nesse modelo, observa-se que, para construir o enunciado linguístico, o falante antecipa uma
possível interpretação do ouvinte, ao passo que, para interpretar esse enunciado, o ouvinte
reconstrói a intenção comunicativa do falante. Assim, para Dik (1989), no processo de
interação verbal, o ouvinte interpreta os enunciados por meio das informações contidas nas
expressões linguísticas e, também, por meio de sua informação pragmática1, enquanto o
falante produz seu enunciado levando em consideração a imagem que faz sobre a informação
de que o ouvinte dispõe no momento do processo de comunicação.
1 Dik (1989) dá a seguinte definição para “informação pragmática”: o repertório de conhecimento, crenças,
inferências, opiniões e sentimentos de um indivíduo em algum ponto da interação verbal.
14
Dik (1989) afirma que, em uma abordagem funcional da linguagem, a pragmática se
integra com os demais componentes presentes nas análises linguísticas, o sintático e o
semântico. Assim, tais fatores são interdependentes, sendo a pragmática o componente que
engloba os demais. Dessa forma, diz o autor, a sintaxe serve para que os usuários da língua
formem expressões (complexas) a fim de expressar sentidos (complexos), e esses sentidos
servem para que as pessoas se comuniquem de formas diferentes.
No modelo proposto por Dik (1989), fica evidenciado, assim, que não se pode
desconsiderar o papel que os usuários da língua cumprem na construção dos enunciados.
Como bem diz Givón (1995), é consenso entre os autores funcionalistas que a língua não é
autônoma, pois ela deve ser vista segundo parâmetros como cognição e comunicação,
processamento mental, interação social e cultura, mudança e variação, aquisição e evolução.
Isso mostra que a língua está sujeita a pressões de uso, estando implicada, portanto, a situação
comunicativa em que se produzem os enunciados linguísticos, incluindo o contexto de uso e
também os usuários da língua.
A partir disso, objetiva-se mostrar, neste trabalho, que os usos efetivos das construções
adversativas e das construções concessivas são contemplados considerando-se a situação
comunicativa na qual elas ocorrem.
Tendo isso em vista, em primeiro lugar observa-se que, embora cada construção seja
incluída tradicionalmente em uma classe particular, por vezes uma construção pode ser
empregada em vez de outra em certos contextos.
Nesse caso, está envolvida a questão da prototipia, tal como é definida por Taylor
(2003). O autor afirma que o protótipo é um tipo específico de entidade visto como exemplar
em um grupo. A associação de membros a esse grupo se dá pela semelhança que eles têm com
o protótipo: quanto mais próxima do protótipo estiver uma entidade, mais central é o seu
status dentro da categoria. Isso mostra que as categorias não são “fechadas”, pois certos
membros do grupo são tidos como mais exemplares que outros.
Dessa forma, Taylor (2003) questiona a teoria clássica da categorização, segundo a
qual as categorias são definidas em termos de condições necessárias e suficientes, que exibem
limites claros, havendo, assim, apenas dois graus de associação ao grupo: membro ou não
membro do grupo. Para o autor, não é possível estabelecer essa dicotomia rígida, visto que os
limites entre as categorias de um grupo são fluidos. Considerando isso, não é de estranhar que
as adversativas e as concessivas apresentem fluidez semântica, podendo ser, portanto,
intercambiáveis.
15
Em segundo lugar, há possíveis motivações que determinam o uso de uma construção
em vez de outra, o que é observado quando se leva em consideração também o fator
pragmático.
Para a verificação das motivações de uso (o aspecto pragmático) das adversativas e
das concessivas, observa-se, entre outros aspectos, a diferença de natureza sintática entre
essas construções.
Como se verá detalhadamente no capítulo 3, que tratará, entre outros aspectos, da
articulação das orações, as adversativas têm natureza paratática – são, de certa forma,
independentes e possuem rigidez posicional – e as concessivas são hipotáticas adverbiais –
são relativamente dependentes e possuem flexibilidade posicional. Além disso, as orações
adversativas realizam expansão paratática de extensão, ao passo que as orações concessivas
manifestam expansão hipotática de realce. Assim, as primeiras expandem uma oração
acrescentando um conteúdo, enquanto as últimas expandem uma oração qualificando-a com
uma circunstância (a de concessão) (HALLIDAY, 2004).
Essas observações serão consideradas na análise das adversativas e das concessivas
quando se tratar, entre outros aspectos, do fluxo de informação, pois os elementos do fluxo de
informação são organizados nos enunciados linguísticos de acordo com as escolhas feitas pelo
falante. É ele que determina a estrutura de seu enunciado segundo seus propósitos
comunicativos em relação ao ouvinte.
No tratamento do fluxo de informação, consideram-se a distribuição de informação, o
relevo de informação e as funções pragmáticas.
Está relacionada à distribuição de informação a questão do estatuto informacional.
Para o estudo dessa questão, utiliza-se, aqui, a tipologia estabelecida por Prince (1981), que
propõe as categorias informação nova, informação evocada e informação inferível. A autora
diz que a informação nova é a que o falante introduz pela primeira vez no discurso. Ela é tida
como “totalmente nova” quando o ouvinte tem de criar uma nova entidade e é considerada
“não usual” quando o falante supõe que o ouvinte tem uma entidade correspondente em seu
próprio modelo e precisa, simplesmente, colocá-la no modelo discursivo. A informação
evocada, por sua vez, pode ser textualmente evocada, quando o ouvinte a tinha evocado
anteriormente nas porções do texto (seguindo as instruções do falante), e situacionalmente
evocada, quando o ouvinte pôde evocar a informação por si próprio devido a razões
16
situacionais. A informação é inferível quando o falante pressupõe que o ouvinte possa inferi-
la a partir de entidades já evocadas ou outras entidades inferíveis presentes no discurso 2.
Alguns autores, como Towsend (1997) e Martelotta (1998), tratam do estatuto
informacional com base na tipologia estabelecida por Chafe (1987), que propõe a categoria de
informação dada, referente aos conceitos que já estão ativos na mente do falante e que se
supõe que também estejam ativos na mente do ouvinte, e a de informação nova, concernente
aos conceitos inativos na mente do ouvinte, mas que estão ativos na mente do falante. Serão
apontadas as observações de Towsend (1997) e de Martelotta (1998) para o tratamento do
estatuto informacional, no entanto, a tipologia aqui adotada para a análise das construções
adversativas e das construções concessivas é a de Prince (1981).
Estão relacionados ao relevo de informação os conceitos de figura/fundo. Segundo
Givón (1990), no processo comunicativo, a figura representa a linha principal do enunciado,
ao passo que o fundo é a porção tida como satélite (adicional). Nesse caso, está envolvido o
papel do falante, que é quem atribui maior relevo (o caráter de figura) ou menor relevo (o
caráter de fundo) a determinadas porções do enunciado, de acordo com os objetivos que visa
atingir na interação verbal.
Ainda no que se refere às funções pragmáticas, podem-se apontar os pares tópico/foco.
Consoante Dik (1989), a topicidade caracteriza as entidades sobre as quais a informação é
requerida no discurso e a focalidade, por sua vez, diz respeito às partes da informação que são
mais importantes ou mais salientes em relação às modificações que o falante deseja fazer na
informação pragmática do ouvinte.
Como se verá, os postulados da teoria funcionalista da linguagem apresentados neste
capítulo trazem contribuições para que se estabeleçam pontos de contato e de contraste entre
as construções adversativas e as construções concessivas. Assim, no decorrer desta
dissertação, serão retomadas as questões tratadas neste capítulo.
2 É importante sublinhar que Prince (1981) propõe uma outra terminologia para se referir ao que costuma ser
chamado de “shared knowledge” (“conhecimento compartilhado”). Para a autora, o que está em jogo quando o
falante considera algo como informação dada ou compartilhada é o que ele pressupõe que o ouvinte pressupõe.
Assim, dizer que o conjunto de crenças dos indivíduos pode constituir conhecimento compartilhado é considerar
que o falante é um observador onisciente. Dessa forma, a autora considera que o termo “assumed familiarity”
(“familiaridade pressuposta”) é mais apropriado do que “shared knowledge”.
17
2. ADVERSATIVAS E CONCESSIVAS: FLUIDEZ SEMÂNTICA
2.1 O compartilhamento de valores semânticos
Nesta seção, mostra-se que as construções adversativas e as construções concessivas,
embora sejam incluídas tradicionalmente em classes diferentes, a da “coordenação” e a da
“subordinação”, respectivamente, compartilham valores semânticos.
Para a investigação das aproximações semânticas das construções em estudo, parte-se
das considerações feitas nas gramáticas tradicionais.
A seguir, expõe-se um quadro que registra os valores semânticos atribuídos às
construções adversativas e às construções concessivas em gramáticas tradicionais da língua
portuguesa:
AUTORES VALORES SEMÂNTICOS ATRIBUÍDOS
Construção adversativa Construção concessiva
Said Ali (1964)
Exprime-se contradição,
restrição.
Exprime-se um fato (real ou
suposto) que, mesmo que possa
contrariar a realização de outro fato
principal, deixa de produzir o efeito
esperado ou possível.
Kury (1973)
Acrescenta-se uma ideia de
contraste, compensação.
Denota-se que se admite ou
concede um fato contrário à
declaração principal, mas que não
impede a sua realização.
Cunha & Cintra
(1985)
Apresenta-se a ideia básica de
oposição, de contraste e pode-
se, também, exprimir restrição,
retificação, atenuação (ou
compensação) e adição.
Na oração subordinada, admite-se
um fato contrário à ação principal,
mas incapaz de impedi-la.
Cegalla (1994) Exprime-se contraste,
oposição, ressalva. ______________
Rocha Lima (1994)
Relacionam-se pensamentos
contrastantes.
Expressa-se um fato (real ou
suposto) que poderia se opor à
realização de outro fato principal,
mas não frustra o cumprimento
deste fato.
Bechara (2003a,
2003b) Marca-se oposição, contraste,
compensação, ressalva.
A oração concessiva exprime que
um obstáculo (real ou suposto) não
impedirá ou modificará a
declaração da oração principal.
18
A observação das informações contidas nas gramáticas citadas permite alguns
comentários.
Em relação às construções adversativas, nota-se que todos os autores citados fazem
referência a um valor semântico comum, o de oposição, que é chamado também de
“contradição”, “contraste”, “contraposição”. Tal fato não surpreende, pois o próprio termo
“adversativo”, empregado para nomear a classe das construções com mas, já sugere a ideia de
oposição.
Nas gramáticas tradicionais citadas, não se especifica se o valor de “oposição” das
adversativas é visto em sentido lato ou estrito. No entanto, pelos exemplos presentes, observa-
se que a oposição é vista ora em sentido estrito, ora em sentido lato.
Nos trechos arrolados a seguir, há oposição em sentido estrito:
1) “Acabou-se o tempo das ressurreições, mas continua o das insurreições” (BECHARA,
2003a, p. 321)
2) Quebrou a corda, porém logo a consertaram. (SAID ALI, 1964, p. 133)
3) O mar é generoso, porém, às vezes torna-se cruel. (CEGALLA, 1994, p. 283)
Nesses casos, há o que Neves (2000) chama de contraste entre elementos de
significação oposta, como se verá adiante. Em 1, há oposição entre acabou-se x continua e
entre ressurreições x insurreições; em 2, há oposição entre quebrou x consertaram e, em 3,
há oposição entre generoso x cruel.
Nas gramáticas de Kury (1973), Cunha & Cintra (1985) e Rocha Lima (1994), porém,
não se identificaram construções adversativas que apresentem oposição em sentido estrito,
como se vê no trecho a seguir, que é utilizado por Cunha & Cintra (1985) para exemplificar o
valor de contraste:
4) Apetece cantar, mas ninguém canta. (M. Torga, CH, 44) (CUNHA & CINTRA, 1985, p.
566)
Isso já mostra que os valores semânticos da construção adversativa envolvem certa
complexidade3, o que ficará mais evidente quando se apresentarem as contribuições trazidas
pelos linguistas em geral a respeito das adversativas.
Além do valor de oposição, os gramáticos em geral registram o valor de restrição (ou
ressalva) (SAID ALI, 1964; CUNHA & CINTRA, 1985; CEGALLA, 1994; BECHARA,
3 Essa consideração pode ser feita a partir da consulta de gramáticas tradicionais que trazem frases de uso real,
como a de Bechara (2003a) e a de Cunha & Cintra (1985).
19
2003a, 2003b) e o de compensação (KURY, 1973; CUNHA & CINTRA, 1985; BECHARA,
2003a, 2003b), ambos exemplificados a seguir, na ordem em que foram referidos:
5) Vai, se queres, disse-me este, mas temporariamente. (CUNHA & CINTRA, 1985, p. 570)
6) Uma luz bruxuleante, mas teimosa continuava a brilhar nos seus olhos. (CUNHA &
CINTRA, 1985, p. 571)
No entanto, das gramáticas tradicionais consultadas, é a de Cunha & Cintra (1985) que
traz um maior leque de valores semânticos do mas. Eles indicam dois valores que não são
apontados nas demais gramáticas, o de retificação e o de adição, que são aqui exemplificados.
Apresentam-se, a seguir, construções adversativas trazidas por Cunha & Cintra (1985,
p. 570) para ilustrar o valor de retificação do mas:
7) Eram mãos nuas, quietas, essas mãos; serenas, modestas e avessas a qualquer
exibicionismo. Mas não acanhadas, isso nunca. (CUNHA & CINTRA, 1985, p. 570)
8) - O major, hoje, parece que tem uma idéia, um pensamento muito forte. - Tenho, filho, não de hoje, mas de há muito tempo. (CUNHA & CINTRA, 1985, p. 570)
Observa-se que, nesses casos, há negação em um dos segmentos da construção. Em 7,
a construção pode ser representada pela fórmula X, mas não Y e, em 8, pelo esquema Não X,
mas Y. Como se verá na próxima seção, há a consideração de um desses tipos de construção
(a que é exemplificada em 8) em Ducrot & Vogt (1980), que apontam duas funções para o
mas: a retificadora e a concessiva.
No excerto seguinte, apresenta-se construção concessiva trazida por Cunha & Cintra
(1985, p. 571) para exemplificar o valor de adição do mas:
9) Era bela, mas principalmente rara. (CUNHA & CINTRA, 1985, p. 571)
Neste trabalho, considera-se, entretanto, que o mas não estabelece relação aditiva,
pois, como se mostrará, ele sempre marca uma desigualdade entre os segmentos que conecta.
A própria estrutura argumentativa da construção com mas evidencia que o segmento
adversativo não traz, simplesmente, um acréscimo de informação ou argumento, pois se
acrescenta algo que se faz prevalecer.
Cunha & Cintra (1985), diferentemente dos outros gramáticos citados, também
parecem incluir os valores da conjunção mas, especificamente, em dois grupos, pois eles
20
afirmam que tal conjunção apresenta, por um lado, a “ideia básica” de oposição, contraste e,
por outro lado, os valores de restrição, retificação, atenuação (ou compensação) e adição.
O tratamento desses autores em relação aos valores semânticos do mas também se
diferencia, de certa forma, do dos outros gramáticos citados pelo fato de que eles indicam a
possibilidade de ocorrência do mas em início de frase e dizem que é importante o emprego da
conjunção mas “para mudar a sequência de um assunto, geralmente com o objetivo de retomar
o fio do enunciado anterior que ficara suspenso” (CUNHA & CINTRA, 1985, p. 571). Este é
o trecho fornecido por eles para exemplificar esse caso:
10) Mas os dias foram passando. (CUNHA & CINTRA, 1985, p. 571)
Entretanto, observa-se que nesse excerto não fica claro o papel desempenhado pelo
mas como item sequenciador, já que o segmento adversativo vem isolado. Essa função
exercida pela conjunção mas pode ser verificada em Neves (2000), que registra, por exemplo,
esta ocorrência:
11) Nada de subjacente, nada que estivesse lá dentro como na polpa de um fruto se esconde o
âmago de um duro e imprevisto caroço a determinar, sem que se saiba, o volume e a forma
exterior da casca... Mas tornemos de novo à sala onde Eulália tocava valsa francesa.
(NEVES, 2000, p. 769).
Como se verá adiante, aqui há o que Neves (2000) chama de contraposição em direção
independente, caso em que o conteúdo do segmento adversativo serve, por exemplo, para
mudar foco, como ocorre em 11, ou introduzir novo tema.
Em construções como esta apresentada por Neves (2000), o mas, segundo Silva
(2005), tendo arrefecido seu valor contrastivo, contribui mais especificamente para a
progressão textual.
Isso mostra que não seria exato dizer que a construção adversativa com mas expressa,
simplesmente, contraste, pois há casos em que esse valor fica menos evidente, como em 11.
Além disso, existe uma grande variedade de valores semânticos que aparecem na adversativa,
o que já é evidenciado na gramática de Cunha & Cintra (1985), que, como se mostrou, indica
um maior leque de valores do mas, embora um desses valores (o aditivo) não seja considerado
neste trabalho.
Nas gramáticas citadas, procurou-se verificar, também, se alguma delas estabelecia
aproximação semântica entre as adversativas e as concessivas. Um dos gramáticos citados,
Rocha Lima (1994), aponta que a concessão pode ser expressa por conjunções adversativas. O
21
autor diz que os elementos adversativos porém, todavia, contudo, entretanto e no entanto não
exprimem contraste como o mas, mas uma espécie de “concessão atenuada”. Este é um dos
exemplos fornecidos pelo autor:
12) Ele falou bem; todavia, não foi como eu esperava. (ROCHA LIMA, 1994, p. 185)
A partir dessa informação, já se poderia pensar em uma aproximação semântica entre
as construções adversativas e as construções concessivas4, pois, como se sabe, é próprio das
concessivas expressar concessão. A construção adversativa apresentada, por exemplo, teria
como correspondente a seguinte construção concessiva:
13) Embora ele tenha falado bem, não foi como eu esperava.
Feitas essas observações a respeito do tratamento dado nas gramáticas à construção
adversativa (com mas), passa-se a discorrer sobre a construção concessiva (com embora).
No que se refere às construções concessivas, como se verá a seguir, uma das noções
comumente atribuída a elas pelos linguistas é a de “contrariedade à expectativa”. Das
definições apresentadas no quadro exposto, percebe-se que apenas na definição trazida por
Said Ali (1964, p. 158) tem-se a noção de “contrariedade à expectativa”, pois se diz que um
fato “deixa de produzir o efeito esperado”. Como exemplo, fornece-se o seguinte trecho:
14) Embora protestasse energicamente, sempre acabou por submeter-se. (SAID ALI, 1964,
p. 139)
Nesse caso, como alguém protestava energicamente, esperava-se que essa pessoa não
se tivesse submetido, mas essa expectativa é contrariada, pois essa pessoa sempre acabou por
se submeter.
Embora, nas demais gramáticas citadas, não se faça referência à noção de
contrariedade à expectativa, os exemplos oferecidos permitem que se atribua essa noção às
concessivas, como se vê a seguir:
15) Embora chova, sairei. (BECHARA, 2003a, p. 497)
16) Embora estudasse, não tirou boa nota. (KURY, 1973, p. 179)
17) Comprarei o livro, embora o ache caríssimo. (ROCHA LIMA, 1994, p. 186)
4 Adiante-se que a construção adversativa com mas também pode expressar concessão, como se apontará.
22
Em 15, o fato de que chove leva a pensar que alguém não sairá, mas essa expectativa é
contrariada quando se diz que a pessoa sairá. Em 16, o fato de que a pessoa estudou leva a
pensar que ela tirou boa nota, mas essa expectativa é contrariada quando se diz que essa
pessoa não tirou boa nota. Em 17, por sua vez, o fato de que alguém acha o livro muito caro
leva a pensar que essa pessoa não o comprará, mas essa expectativa é contrariada, pois se
afirma que o livro será comprado.
Ainda em relação às concessivas, observa-se que, em algumas gramáticas referidas no
quadro, como a de Kury (1973) e a de Cunha & Cintra (1985), diz-se, em geral, que um fato
contrário/oposto não é capaz de impedir a realização de outro fato. Nota-se, assim, que a
noção de oposição também está presente na definição das concessivas, o que parece indicar
uma aproximação entre concessão e oposição e, consequentemente, entre as construções
concessivas e as construções adversativas. Essa relação entre concessão e oposição será
discutida mais adiante.
No que se refere às construções concessivas, observa-se, também, que, em duas das
definições apresentadas, a de Kury (1973) e a de Cunha & Cintra (1985), diz-se que se
concede ou se admite um fato contrário. Como diz Bechara (1954), a tecnologia gramatical
emprega o termo “concessão” para indicar a concessão que o falante faz às possíveis objeções
do ouvinte (negando, contudo, a consequência que daí todos poderiam esperar). Entretanto,
essa ideia não fica claramente explicitada em definições oferecidas nas gramáticas dos autores
referidos, como se vê aqui: as concessivas “denotam que se admite ou concede um fato
contrário à declaração principal, mas que não impede a sua realização” (KURY, 1973, p. 179)
/ as concessivas “iniciam uma oração subordinada em que se admite um fato contrário à ação
principal, mas incapaz de impedi-la” (CUNHA & CINTRA, 1985, p. 572)
Nas demais gramáticas consultadas, a noção de concessão também não fica clara,
como se vê nesta definição: “a oração concessiva expressa um fato – real ou suposto – que
poderia opor-se à realização de outro fato principal, porém não frustrará o cumprimento
deste” (ROCHA LIMA, 1994, p. 276).
Pode-se entender que, como aponta Gouvêa (2005), a semântica, por si só, não é
suficiente para dar conta do fenômeno de concessão, havendo a necessidade de um tratamento
discursivo. No capítulo 3, quando se tratar do uso argumentativo das concessivas, essa
questão ficará mais bem esclarecida.
Pelo que foi exposto, verifica-se que, no que se refere ao aspecto semântico, as
gramáticas tradicionais, em geral, indicam simplesmente que as construções adversativas
expressam basicamente contraste e que as construções concessivas exprimem um fato
23
contrário que não impede a realização de outro. Apesar de se considerar que as concessivas
expressam um fato contrário, apenas as adversativas são incluídas no grupo da oposição.
Como se verá mais adiante, nas concessivas não deixa de estar envolvida certa relação
opositiva.
Feitas essas observações, passa-se a verificar as lições dos linguistas que se debruçam
sobre o compartilhamento semântico dos dois tipos de construção em estudo, em busca de um
equacionamento que contemple as similaridades e as diferenças.
Sabe-se que, na área semântica de oposição, englobam-se tanto as conjunções
adversativas quanto as concessivas (MONNERAT, 2001a). Da mesma forma, como mostra
Gouvêa (2001), os conectivos adversativos, assim como os concessivos, veiculam a ideia de
concessão, apesar de esse valor nem sempre estar presente nas adversativas. Visto isso,
restaria verificar, em primeiro lugar, de que forma as definições oferecidas pelos linguistas
permitem que se perceba essa semelhança entre as adversativas e as concessivas.
Vilela & Koch (2001) incluem no grupo de “oposição” a conjunção embora,
juntamente com os elementos tradicionalmente tidos como opositivos (mas, contudo, todavia,
porém, no entanto, não obstante, antes) e “criam” o grupo da “concessão opositiva”, no qual
englobam os conectivos concessivos, como embora, apesar de que, ainda que. Assim, fica
sugerido aí que a concessão tem algo de oposição.
Azeredo (2008), por sua vez, considera que a conjunção adversativa mas expressa
basicamente uma relação de contraste entre dois fatos ou ideias, podendo o valor contrastivo
consistir:
- em uma simples oposição de dois conteúdos:
18) A secretária dele é antipática, mas competente.
- na quebra de uma expectativa criada pela primeira proposição:
19) O lutador era magrinho, mas derrubava todos os seus adversários. (AZEREDO, 2008,
p. 305)
O autor mostra, também, que a construção adversativa pode expressar um valor
normalmente atribuído à construção concessiva: o de “quebra de expectativa” (contrariedade à
expectativa). Assim, aí também fica sugerido que a concessão tem algo de oposição.
Há autores, ainda, que, além de mostrar que há aproximações semânticas entre as
adversativas e as concessivas, incluem os conectivos adversativos e os concessivos em uma
única classe.
24
Van Dijk (1989) inclui as construções adversativas e as concessivas no grupo das
contrastivas, que indicariam: i) cursos de eventos excepcionais; ii) eventos inesperados ou
indesejados; iii) a não satisfação de condições possíveis, prováveis ou necessárias. O autor
mostra que podem expressar essas relações conectivos como but (mas), though (embora),
although (embora), nevertheless (no entanto), in spite of / notwithstanding (apesar de).
Citam-se trechos em que aparecem as conjunções but (mas) e although (embora):
A) Cursos de eventos excepcionais:
20) João é muito prestativo, mas fez um trabalho ruim na pintura de sua casa.5
21) Embora tenhamos dormido tarde, conseguimos pegar o barco.6 (VAN DIJK, 1989, p. 81)
B) Eventos inesperados ou indesejados:
22) Eu fui pescar, mas não consegui pegar nada.7
23) Embora Peter seja muito esperto, não é muito gentil.8 (VAN DIJK, 1989, p. 81)
C) Não satisfação de condições possíveis, prováveis ou necessárias:
24) Peter quer comprar um carro, mas não tem dinheiro.9 (VAN DIJK, 1989, p. 82)
Apesar de englobar tanto as construções com but quanto as com although em um
mesmo grupo, Van Dijk (1989) mostra que o uso de although seria inaceitável em 22 e em 24.
Assim, o autor salienta que a relação de “condição não satisfeita” parece ser diferente da
relação de “consequência não satisfeita ou inesperada”, relação em que o but é
semanticamente equivalente ao although.
Halliday & Hasan (1997) também incluem as construções adversativas e as
concessivas em um mesmo grupo e atribuem a ele a denominação de “relação adversativa”.
Os autores dizem que o sentido básico desse tipo de relação é “contrariedade à expectativa”
(contrary to expectation), e a expectativa resulta do conteúdo do que está sendo dito ou do
processo de comunicação entre falante e ouvinte. Os autores mostram que essa relação é
expressa em construções que trazem but (mas), though (embora), however (no entanto),
despite this (apesar disso), como se vê a seguir:
5 John is very handy, but he made a miserable job of painting his house.
6 Although we slept late, we were still able to catch the boat.
7 I went fishing, but I didn‟t catch anything.
8 Although Peter is very clever, he is not very kind.
9 Peter wants to buy a car, but he does not have any money.
25
25) Embora tenha dado o melhor de si, ela fracassou.10
(HALLIDAY & HASAN, 1997, p.
252)
26) Todo esse tempo, Tweedledee fez o possível para fechar o guarda-chuva com ele mesmo
dentro ... Mas não teve muito êxito, e acabou virando e se enrolando todo no guarda-chuva,
ficando somente com a cabeça para fora.11
(HALLIDAY & HASAN, 1997, p. 250-251)
Além de atribuir um sentido básico à chamada relação adversativa, Halliday & Hasan
(1997) apontam valores mais específicos: a relação contrastiva (contrastive relation), que é
expressa por termos como but (mas), however (no entanto), on the other hand (por outro
lado), in fact (de fato), actually (realmente); a relação de retificação (corrective relation), que
é expressa por elementos como instead (em vez de), on the contrary (ao contrário), I mean
(quero dizer); e a relação de rejeição (dismissive relation)12
, que é exprimida por elementos
como in any/either case event (em todo caso), in any/either way (de qualquer forma),
whichever happens (o que quer que aconteça). Exemplifica-se, aqui, o primeiro tipo de
relação citada, que é a que pode ser manifestada pela conjunção “coordenativa” but (mas):
27) Ele não é muito bonito. Mas é inteligente. (HALLIDAY & HASAN, 1997, p. 252)
Saliente-se que Halliday & Hasan (1997), apesar de indicarem que as adversativas,
assim como as concessivas, têm o valor básico de “contrariedade à expectativa”, incluem
apenas as conjunções adversativas (como but e however) no grupo da relação contrastiva.
Verifica-se, assim, que Halliday & Hasan (1997), assim como o faz Van Dijk (1989),
incluem as construções adversativas e as concessivas em um mesmo grupo, como já se disse,
mas indicam casos em que apenas um tipo de conjunção (a adversativa) pode ser utilizado.
Isso demonstra a necessidade de se investigarem os possíveis contextos de uso em que se
deveria optar pelo uso de uma conjunção em vez de outra.
Há linguistas, ainda, como Bello (1988) e König (1985), que incluem as adversativas e
as concessivas em grupos diferentes, mas não deixam de mostrar que há uma aproximação
semântica entre elas.
Bello (1988) aponta dois usos da conjunção concessiva aunque (embora) em espanhol:
10 Although she‟d tried her best, she failed.
11 All this time Tweedledee was trying his best to fold up the umbrella, with himself in it ... But he coudn‟t quite
succeed, and it ended in his rolling over, bundled uo in the umbrella, with only his head out. 12
Nesse tipo de relação, indica-se que, independentemente das circunstâncias, algo ocorre.
26
28) Tenho de sair embora chova.13
(BELLO, 1988, p. 749)
29) Escreve bem, embora devagar.14
(BELLO, 1988, p. 750)
O autor mostra que, em 29, diferentemente do que ocorre em 28, existe uma
“transformação” da conjunção aunque (embora) em conjunção adversativa, que une toda
espécie de elementos denotando certa oposição.
König (1985), também tratando da conjunção concessiva, mostra que, em inglês,
although (embora), além de expressar uma relação concessiva, pode apresentar uma relação
adversativa. No exemplo a seguir, trazido pelo autor, a construção concessiva expressa uma
relação adversativa, o que fica claro pela possibilidade de se ter uma construção adversativa
correlata:
30) Embora nós não tenhamos sido derrotados, não vencemos também.
31) Nós não fomos derrotados, mas não vencemos também. (KÖNIG, 1985, p. 7)
Entretanto, o autor estabelece uma diferenciação entre a relação adversativa e a
concessiva. Levando em consideração que nem todas as línguas apresentam conectivos
concessivos, mas todas trazem conectivos adversativos, König (1985) sugere que as relações
adversativas são mais gerais e básicas, e as relações concessivas são uma variedade específica
das primeiras15
.
García (2000) também aponta para o caráter derivado que apresentam as concessivas
frente às adversativas. Para o autor, isso explica por que a propriedade mais característica de
uma relação adversativa – o contraste – passe a fazer parte da definição semântica de qualquer
expressão concessiva. Sendo assim, pode-se dizer que as concessivas expressam uma relação
opositiva em sentido lato, o que levaria a incluí-las no grupo da oposição, juntamente com as
adversativas.
Pelo que foi exposto até aqui, observa-se que as construções adversativas e as
construções concessivas apresentam aproximação semântica. Isso já fica sugerido em certas
gramáticas tradicionais, como na de Rocha Lima (1994), mas é a partir das lições oferecidas
pelos linguistas em geral que o compartilhamento semântico entre as construções referidas
fica mais evidenciado, pois alguns autores, como Halliday & Hasan (1997) e Van Dijk (1989),
chegam até mesmo a incluir as adversativas e as concessivas em um mesmo grupo.
13 Tengo de salir aunque llueva.
14 Escribe bien, aunque despacio.
15 Vale comentar que, em gramáticas mais antigas da língua portuguesa, como na de Ribeiro (1885), não há o
registro da relação de “subordinação” concessiva, mas apenas o da relação de “coordenação adversativa”.
27
Por fim, verifica-se que o próprio fato de a relação concessiva ser uma variedade da
relação adversativa, como consideram König (1985) e García (2000), mostra que existe, de
fato, uma aproximação entre as construções em estudo.
Na sequência, ainda se considerando a aproximação semântica entre as adversativas e
as concessivas, passa-se a vê-las sob uma perspectiva semântico-argumentativa (na seção 2.2)
e sob um ponto de vista lógico-semântico (na seção 2.3).
2.2 Bases semântico-argumentativas do cotejo
Como já se apontou, as adversativas e as concessivas se aproximam semanticamente.
Aqui, mostra-se que, na base dessas construções, está envolvido não somente o aspecto
semântico como também o argumentativo.
A observação da origem da conjunção mas contribui para que se estabeleça um cotejo
entre as adversativas (com mas) e as concessivas (com embora), levando a que seja
contemplado também o aspecto argumentativo.
Com base no fato de que a conjunção mas deriva do item linguístico latino magis (que
era advérbio comparativo de superioridade), Ducrot & Vogt (1980) oferecem explicações para
demonstrar a relação de sentido existente entre a conjunção mas e o advérbio que constitui o
seu étimo. Os autores dizem que as línguas românicas que utilizam o derivado de magis como
conjunção adversativa principal atribuem-lhe duas funções: a de masSN (correspondente ao
espanhol sino) e a de masPA (correspondente ao espanhol pero). O masSN tem a função de
retificar: no segmento inicial introduz-se uma proposição negativa (não-p), e no segmento
iniciado por mas introduz-se uma proposição (p) que substitui a proposição negada. Por outro
lado, no caso do masPA, no segmento inicial se introduz uma proposição (p) que leva a uma
certa conclusão (r), e no segmento iniciado por mas introduz-se uma proposição (q) que
conduz a outra conclusão (não-r), contrária à da primeira proposição. Como salientam os
autores, o masPA é argumentativo em sentido estrito, diferentemente do mas SN. Estes são
alguns exemplos oferecidos:
32) Ele não é inteligente, masSN apenas esperto. (DUCROT & VOGT, 1980, p. 104)
33) Ele é inteligente, masPA estuda pouco. (DUCROT & VOGT, 1980, p. 104)
Em 32, há construção com masSN: um elemento presente no segmento adversativo
(esperto) substitui um elemento expresso no segmento inicial (inteligente). Em 33, há
construção com masPA: o argumento da oração inicial (ele é inteligente) conduz à conclusão
28
de que ele estuda bastante, no entanto o argumento que vem expresso na oração adversativa
(estuda pouco) aponta para a conclusão contrária.
Ducrot & Vogt (1980) mostram que a existência dos dois subtipos de mas representa
um estilhaçamento semântico do advérbio comparativo de superioridade. Esse elemento,
ilustrado pela estrutura “A mais que B”16
, pode expressar desvalorização de B e valorização
de A simultaneamente, enquanto, na construção com masSN (representada pela estrutura
“Não-B, masSN A”), há a desvalorização de B e, na construção com masPA (simbolizada pela
estrutura “B, masPA A”), há a valorização de A.
Para estabelecer o cotejo entre a estrutura comparativa e as estruturas adversativas,
Ducrot & Vogt (1980) utilizam-se das noções de “negação” e de “manutenção”. Em relação à
estrutura comparativa, toma-se como exemplo o seguinte trecho citado pelos autores:
34) [Pedro]A é mais inteligente que [João]B.17
(DUCROT & VOGT, 1980, p. 119)
[A] mais que [B]
Nesse caso, pelo fato de um dos elementos comparados ser desvalorizado (B)18
, ele é
negado sob o ponto de vista argumentativo.19
A negação demonstra a presença do outro no
enunciado, pois, ao negar algo, o locutor se opõe a uma afirmação de um interlocutor, mesmo
que seja imaginário. Essa negação confere um peso menor ao discurso do outro. Da mesma
forma, na estrutura comparativa o elemento B é mantido, e a manutenção consiste no relato do
discurso do interlocutor. Sendo assim, embora seja negado, o discurso do outro é considerado
no enunciado do locutor.
Também na estrutura de masSN e de masPA, a negação e a manutenção dos elementos
estão presentes, o que já demonstra certa relação com a estrutura comparativa. A diferença é
que a negação e a manutenção possuem graus diferentes em cada caso. Retomam-se os
exemplos citados anteriormente:
35) Ele não [é inteligente]B, mas [apenas esperto]A. (DUCROT & VOGT, 1980, p. 104)
Não-[B], masSN [A]
16 A magis quam B em latim.
17 Os colchetes e termos A e B foram acrescentados à frase (e a outras frases que serão citadas mais adiante) para
fins metodológicos. O esquema indicado abaixo da frase também foi acrescentado. 18
Ao se dizer que Pedro é mais inteligente que João, valoriza-se Pedro e, consequentemente, desvaloriza-se
João. 19
Os autores alertam para o fato de que não se trata de negação lógica.
29
36) [Ele é inteligente]B, mas [estuda pouco]A. (DUCROT & VOGT, 1980, p. 154)
[B], masPA [A]
Na construção com masSN (primeiro trecho), toma-se B como tema (objetiva-se
desvalorizar esse elemento que vem expresso no segmento inicial). Dessa forma, existe uma
negação forte de B (pois B é refutado, o que vem marcado pela negação gramatical não) e
uma manutenção fraca de B (o discurso do interlocutor é apenas registrado, havendo pouca
adesão por parte do locutor). Na construção com masPA, por outro lado, toma-se A como tema
(pretende-se valorizar esse elemento). Sendo assim, existe uma manutenção forte de B (faz-se
uma concessão ao discurso do interlocutor – com o intuito de valorizar A) e uma negação
fraca de B (a eficácia argumentativa é retirada de B).
Ao explicar o funcionamento do masPA e do masSN, Ducrot & Vogt (1980) mostram
que as noções de negação e de manutenção têm caráter gradual. A negação constitui uma
atitude argumentativa de oposição que é suscetível de diversos graus, indo da simples recusa
de argumentar ao ato de refutação. Da mesma forma, a manutenção apresenta o grau de
adesão ao discurso do outro, que pode variar do simples registro à concessão.
Assim, pode-se dizer que, quando a construção com mas apresenta a simples recusa de
argumentar (negação fraca) e a concessão ao discurso do interlocutor (manutenção forte), ela
se aproximaria do comportamento de uma construção concessiva. Para exemplificar tal fato,
utiliza-se a conjunção concessiva embora em uma construção citada aqui:
37) [Embora ele seja inteligente]B, [estuda pouco]A.20
Observa-se que, nesse caso, também há uma manutenção forte de B (faz-se uma
concessão como estratégia para valorizar o outro segmento) e uma negação fraca de B (a
eficácia argumentativa é retirada de B).
A partir dessas considerações, observa-se que a construção do tipo masPA, ao
apresentar o mesmo jogo entre negação e manutenção expresso na construção concessiva (ou
seja, manutenção forte e negação fraca de B), aproxima-se do comportamento semântico e
argumentativo desta, pois expressa concessão. O masSN, ao contrário, não expressa concessão,
o que mostra que nem todos os tipos de construções com mas se aproximam das construções
concessivas.
20 Ducrot & Vogt (1980) não comparam a construção adversativa do tipo masPA com a construção concessiva.
30
As observações feitas por Neves (2000) também permitem que se estabeleça uma
comparação entre as adversativas (com mas) e as concessivas (com embora) no que se refere
à questão semântico-argumentativa.
Neves (2000), partindo das considerações de Ducrot e Vogt (1980), propõe o valor
semântico básico de “desigualdade”21
para o mas. A autora diz que essa conjunção expressa
uma relação entre dois segmentos de certa forma desiguais entre si porque cada um deles não
só é externo ao outro (“coordenado”), mas, também, marcadamente diferente do outro.
Levando isso em conta, Neves (2000) estabelece esta tipologia de valores semânticos
para o mas:
1. Contraposição: o elemento do segmento com mas admite aquele que lhe precede (não o
elimina), mas se contrapõe a ele.
1.1 Contraposição em direção oposta: o elemento do segmento adversativo vai em direção
contrária ao do segmento inicial.
1.1.1 Contraste
38) Se é pecador; não sei, mas de uma coisa eu sei: é que eu era cego e agora vejo. (p. 758)
39) Vou bem. Mas você vai mal. (p. 758)
40) Muitos dos nossos homens dispuseram-se com nobreza e veemência a desfazer, aos
poucos, mas constantemente, equívocos passageiros. (p. 759)
Cada trecho exemplifica um tipo de contraste apontado por Neves (2000): entre
elementos polares (não sei x sei), entre expressões de significação oposta (bem x mal) e entre
elementos diferentes (aos poucos x constantemente), respectivamente.
1.1.2 Compensação
41) Tinha de resignar-se a tolerar, durante algumas horas, a presença de Susana, seu olhar
sardônico, as vingativas perguntas que não deixaria de fazer. Mas havia o menino,
conversaria com ele. (p. 759)
Nesse caso, o fato de a presença de Susana ser incômoda é compensado pelo fato de
que haveria o menino.
21 Neves (1984) diz que a desigualdade é registrada em relação a várias escalas (diferença de natureza, de
direção, de grau em uma mesma direção) e pode estar relacionada, ainda, a variáveis, como o tempo.
31
1.1.3 Restrição
42) Queria que o filho fosse ministro, sim, mas ministro protestante. (p. 762)
43) Para onde fugir? Nenhum navio no porto. Restaria entrar num daqueles botes e remar,
içar velas. Mas ir para onde? (p. 768)
Em 42, o conteúdo da oração adversativa restringe o conteúdo da oração inicial: não se
trata de qualquer ministro, mas de ministro protestante. Neves (2000) mostra que, em 43, o
emprego do mas é típico de início de turno, obedecendo a determinações pragmáticas. No
trecho aqui oferecido, a restrição se dá, de acordo com a autora, por pedido de informação:
questiona-se o que foi enunciado.
1.1.4 Negação de inferência
44) Estamos em Brasília agora – de novo em frente ao deserto, contemplando um mundo que
é nosso, mas que precisamos conquistar. (p. 762)
O conteúdo do primeiro membro oracional faz que se infira que o mundo não precisa
ser conquistado, já que é “nosso”. No entanto, o conteúdo do segundo membro oracional nega
essa inferência, pois se mostra que o mundo precisa ser conquistado.
1.1 Contraposição na mesma direção: o segundo argumento é superior ou, pelo menos, não
inferior ao primeiro, e a valorização é comparativa ou superlativa.
45) O sertão, para ele, não é uma coisa, mas principalmente uma idéia e um sentimento. (p.
763)
Nesse caso, o conteúdo da primeira oração não é desconsiderado, mas, na segunda
oração, expressa-se algo que é mais valorizado: o sertão é mais uma ideia e um sentimento do
que uma coisa.
1.2 Contraposição em direção independente: no segundo segmento é enunciado um
argumento ainda não considerado no primeiro.
46) A empresa construtora o deixou a ver navios. Tanto que eles, condôminos, é que lhe
requereram a falência. Mas, como disse você ainda agora, passemos adiante: onde estão os
condôminos? (p. 769)
Nessa ocorrência, a oração iniciada por mas muda o foco da oração anterior. Diz-se
que os condôminos requereram a falência da empresa e, em seguida, pergunta-se onde estão
os condôminos.
32
2. Eliminação: o conteúdo do membro iniciado por mas elimina o conteúdo do membro
anterior.
47) Ela abriu a boca para responder à insolência. Mas conteve-se. (p. 765)
Nesse caso, a ação de responder passa a ser interrompida quando se diz que a pessoa a
que se faz referência se conteve.
A partir da tipologia proposta por Neves (2000), observa-se, entre outros aspectos, que
o mas pode apresentar uma grande variedade de valores semânticos, o que mostra que, como
diz a autora, não é possível determinar classes fechadas na classificação das diversas
manifestações da conjunção mas. Assim, a autora afirma que, na análise das relações
semânticas presentes entre os segmentos da construção com mas, “se passa de uma
desigualdade pouco caracterizada, para o contraste, a contrariedade, e se chega à oposição, à
negação, à anulação” (NEVES, 1984, p. 23).
Dessa forma, Neves (1984, p. 23), aceitando a consideração de Ducrot & Vogt (1980)
de que a estrutura adversativa é regida por um princípio de argumentatividade22
, propõe que,
“em todo enunciado em que ocorre o elemento mas, há algo de oposição (que vai de um
mínimo, a condição de simples desigualdade, a um máximo, a anulação) e algo de admissão
(que vai de um mínimo, o simples reconhecimento ou registro de existência, a um máximo, a
concessão)”. Assim, pode-se pensar que, ao atingir o grau máximo de admissão, a construção
adversativa se aproximaria mais semanticamente de uma construção concessiva.
Da mesma forma, a construção concessiva, denotando relações de desigualdade entre
os segmentos, aproxima-se semanticamente da construção adversativa. É o que se explicita a
seguir.
Neves (1999), levando em consideração a natureza lógico-semântica da construção
concessiva, postula que o seu valor é o de negação de inferência23
. No entanto, a autora
mostra que tal construção expressa, ainda, relações de desigualdade (antonímia, restrição e
diferença de grau), do mesmo tipo que ocorre em contextos de construções com mas.
Exemplificam-se esses valores com trechos oferecidos pela autora:
48) ... normalmente eu não estou assim muito por dentro dos preços dos alimentos ... embora
eu ouça minha tia às vezes falar que está tudo muito caro... (NEVES, 1999, p. 554)
22 Lembre-se que Ducrot & Vogt (1980) tratam de noções ligadas à argumentatividade, a de manutenção e a de
negação, mostrando que elas têm caráter gradual. 23
A autora não designa a relação concessiva de “contrariedade à expectativa”, denominação comumente
atribuída às concessivas. Em vez disso, emprega o termo “negação de inferência”, que deixa mais evidente a
natureza lógico-semântica da construção concessiva, como se verá a seguir.
33
Nesse caso, o conteúdo expresso na oração nuclear nega a inferência que se pode fazer
a partir do conteúdo expresso na oração concessiva: o fato de eu não estar por dentro dos
preços dos alimentos nega a inferência de que eu estou por dentro dos preços dos alimentos.
49) ... a verdade é que tanto no sexo feminino quanto no masculino há sempre uma produção
significante embora pequena mas de hormônio do sexo oposto... (NEVES, 1999, p. 577)
Nesse trecho, há uma relação de antonímia (contraste) entre as expressões significante
e pequena, presentes, respectivamente, na oração nuclear e na oração concessiva.
50) Mesmo que seja só de nome a gente já ouviu falar nessa taxionomia. (NEVES, 1999, p.
577)
Nesse excerto, a expressão só de nome (presente na oração concessiva) restringe a
expressão a gente ouviu falar (presente na oração nuclear).
51) Eles querem sempre... por mais que a gente dê, eles querem sempre mais coisas, né?
(NEVES, 1999, p. 577)
Nesse trecho, há uma relação de diferença de grau, pois, na oração concessiva, mostra-
se que se dão muitas coisas e, na oração nuclear, explicita-se que se quer mais do que se dá.
Como se vê, de acordo com a tipologia de Neves (1999, 2000), apesar de as
adversativas apresentarem “contraposição” e as concessivas expressarem “concessão”, as
construções adversativas, assim como as concessivas, podem indicar negação de inferência, e
as concessivas podem exprimir contraste, restrição e diferença de grau, valores ligados à
relação de desigualdade, que é exibida pelas construções adversativas. Daí se dizer que tais
construções, por vezes, compartilham valores semânticos.
No entanto, Neves (1999) salienta que “concessão” e “contraposição” não se
confundem nem se opõem. A autora faz a seguinte afirmação: “a questão da contraposição se
refere à diversidade que, realmente, o mas evidencia; a questão da concessão, por sua vez, se
refere a uma admissão (real ou retórica) que precede a expressão da diversidade” (NEVES,
1999, p. 576).
Entende-se que as considerações de Neves (1999, 2000) a respeito dos valores do mas
e do embora oferecem uma orientação que permite contemplar tanto as afinidades quanto as
especificidades semânticas das adversativas em relação às concessivas.
A partir do que se expôs, de acordo com as considerações de Ducrot & Vogt (1980),
observa-se que as adversativas se aproximam das concessivas sob um ponto de vista
semântico-argumentativo por apresentarem o mesmo jogo entre manutenção e negação
34
presente nestas, expressando, da mesma forma, concessão, apesar de que, conforme se
mostrou, isso nem sempre ocorre. Como se viu, Neves (1984, 1999, 2000) aceita esses
postulados de Ducrot & Vogt (1980) e acrescenta que as adversativas e as concessivas
compartilham os valores de negação de inferência, contraste e restrição.
2.3 Bases lógico-semânticas do cotejo
Na conexão operada pelas conjunções adversativas e concessivas, além de estarem
envolvidos aspectos semântico-argumentativos, como se apontou na seção anterior, estão
envolvidos aspectos lógico-semânticos.
Para que as adversativas e as concessivas sejam aqui vistas sob a perspectiva lógico-
semântica, explicitam-se, primeiramente, conceitos referentes a três processos lógicos:
pressuposição, implicação e inferência.
No que se refere ao processo de pressuposição, Mateus et al. (1983) dizem que uma
asserção A1 pressupõe outra asserção A2 se a verdade de A2 for condição necessária mas não
suficiente para a verdade de A1, ou seja, a verdade de A2 não garante a verdade de A1:
A1) Todos os cães da quinta são mansos.
A2) A quinta tem cães. (MATEUS et al., 1983, p. 166)
As autoras explicam que o fato de que todos os cães da quinta são mansos pressupõe o
fato de que a quinta tem cães. No entanto, o fato de que a quinta tem cães não garante que
todos os cães são mansos. Em outras palavras: a verdade de A2 não garante a verdade de A1,
pois os cães podem ser selvagens, traiçoeiros, manhosos, entre outros aspectos.
Em relação ao fenômeno de implicação, Mateus et al. (1983) afirmam que A implica
B se a verdade de B depende necessariamente da verdade de A:
A) Ontem à noite a Helena viu aquele deputado na boite.
B) Aquele homem foi visto ontem à noite na boite. (MATEUS et al., 1983, p. 165)
Como explicam as autoras, se alguém é deputado, então é, necessariamente, homem.
Sendo assim, a frase B está implicada na frase A. Dessa forma, se a frase implicante A é
verdadeira, a frase implicada B é, necessariamente, verdadeira, uma vez que constitui um
subconjunto das condições de verdade da frase implicante.
35
Martin (1976, apud CHARAUDEAU & MAINGUENEAU, 2006, p. 404) afirma que
a pressuposição se opõe à implicação. Na relação de pressuposição, a proposição p pressupõe
a proposição q se q, que é necessariamente verdadeira se p é verdadeira, mantém-se
necessariamente verdadeira mesmo quando p é negada (“Pedro impediu Maria de partir”
pressupõe “Maria tentava partir”).24
Na relação de implicação, por outro lado, se q é apenas
implicada por p, essa proposição, que é necessariamente verdadeira se p é verdadeira, pode
ser verdadeira ou falsa se p é negada (“Pedro vendeu seu fusquinha” implica “Pedro vendeu
um carro”).
No que diz respeito ao fenômeno de inferência, Charaudeau & Maingueneau (2006)
afirmam que se trata de uma atividade de raciocínio que diz respeito à passagem de uma
proposição a outra quanto a seu possível valor de verdade, o que distingue a relação de
inferência da relação de implicação. O autor diz que, na relação de inferência, há dois casos
particulares: a dedução e a indução. A dedução é o modo de inferência que liga duas
premissas à conclusão; ela vai do geral ao particular. A indução, por sua vez, é o modo de
inferência que conclui o geral a partir do particular.
Tais conceitos referentes aos processos lógicos são aqui invocados porque as
construções concessivas em especial são associadas aos fenômenos de pressuposição, de
implicação ou de inferência, o que demonstra a sua natureza lógico-semântica. Essas
construções também possuem natureza argumentativo-pragmática, de que se passa a tratar
mais detidamente na seção 3.3.
Thompson et al. (2007) dizem que a construção concessiva apresenta em sua estrutura
dois elementos: asserção e pressuposição. Os autores oferecem o seguinte exemplo:
52) Embora ela odeie Bartók, ela aceitou ir ao concerto.25
(THOMPSON et al., 2007, p. 263)
O seguinte esquema explica o funcionamento lógico-semântico dessa construção:
Asserção: ela aceitou ir ao concerto
Pressuposição: há uma expectativa de que, se ela odeia Bartók, então o fato de que ela
aceitaria ir ao concerto não seria verdadeiro
24 As letras p e q são notações lógicas utilizadas para indicar diferentes proposições.
25 Although she hates Bartók, she agreed to go to the concert.
36
Aqui, verifica-se que a construção concessiva viola o elemento pressuposto, pois se
pressupõe que, se ela odeia Bartók, ela não aceitou o convite, mas, na construção concessiva,
afirma-se que ela o aceitou.
Lakoff (1971) mostra que a conjunção but (mas) também pode estabelecer a relação de
pressuposição. O autor fornece os seguintes exemplos:
53) John é alto, mas Bill é baixo.26
54) John é alto, mas ele não é bom em basquete.27
(LAKOFF, 1971, p. 133)
Em 53, há expressões antônimas (alto opõe-se a baixo). Assim, não há como dizer
que, como a primeira proposição é verdadeira, a segunda deveria ser falsa28
. Em 54, por outro
lado, há asserção e pressuposição implícitas na sentença, como se vê a seguir:
Asserção: John é alto e ele não é bom em basquete.
Pressuposição: Se alguém é alto, então se espera que ele seja bom em basquete.
26 John is tall but Bill is short.
27 John is tall but he‟s no good at basketball.
28Alguns autores, como Rivas (1989), consideram que tanto as adversativas quanto as concessivas exibem
sempre um valor pressuposicional:
a) Erasmo é inteligente, mas Evaristo é tonto.
b) Evaristo é tonto, mas Erasmo é inteligente.
c) Embora Erasmo seja inteligente, Evaristo é tonto. (RIVAS, 1989, p. 245)
Rivas (1989) postula que os conteúdos de a e b não são coincidentes, pois, nesses casos, tal como ocorre
em c, as frases têm valor pressuposicional; é por meio da comparação das pressuposições correspondentes que
podem ser identificadas as diferenças conceptuais. Assim, para a autora, a e b relacionam-se, respectivamente, a
expectativas deste tipo:
c) Erasmo é inteligente – Evaristo é inteligente
d) Erasmo é tonto – Evaristo é tonto
A autora salienta que o valor pressuposicional de uma construção não constitui nem um traço de
concessividade nem um de adversatividade se não está apoiado por uma conjunção específica, como se mostra a
seguir:
e) Erasmo está doente e sai.
Dessa forma, a autora considera que é a presença de uma conjunção do tipo pero (mas) ou aunque
(embora) que remete sempre a um valor pressuposicional, pois os membros conectados não possuem por si
mesmos esse valor.
Neste trabalho, entretanto, considera-se que, tal como mostra Lakoff (1971), as adversativas terão valor
pressuposicional apenas quando exibirem o sentido de “negação de expectativa”, que, para o autor, também pode
ser expressado pelas concessivas.
37
Lakoff (1971) atribui ao mas do primeiro exemplo (em 53) o valor de “oposição
semântica” e, considerando que a pressuposição sempre envolve uma expectativa, atribui ao
mas do segundo exemplo (em 54) o valor de “negação de expectativa”.29
Para Lakoff (1971), as construções com but (mas) que expressam “negação de
expectativa” têm como correspondente uma construção com although (embora). Assim, a
construção concessiva correspondente da construção adversativa citada anteriormente, por
exemplo, seria Embora John seja alto, ele não é bom em basquete. Dessa forma, observa-se
que, do mesmo modo que a construção adversativa, a construção concessiva apresenta
asserção e pressuposição. No caso da construção concessiva aqui considerada, a asserção e a
pressuposição são equivalentes às da construção adversativa John é alto mas, ele não é bom
em basquete.
Longacre (2007), por outro lado, atribui a noção de “implicação frustrada” a
construções que exibem “contrariedade à expectativa” (“expectancy reversal”). O autor diz
que, na frase “Mesmo quando eu tiver dinheiro, não me casarei com ela”, há uma expectativa
implicada (“quando eu tiver dinheiro, me casarei com ela”) que não se cumpre (LONGACRE,
2007, p. 385-86). Da mesma forma, o autor mostra que em frases como “Ela foi envenenada,
mas não morreu”, há uma “causa eficiente frustrada”, pois se espera que o veneno cause a
morte (LONGACRE, 2007, p. 386). Como se vê, o autor mostra que tanto estruturas
concessivas quanto estruturas adversativas frustram uma implicação, desde que tenham o
valor de “contrariedade à expectativa”.
Observa-se que Lakoff (1971) e Longacre (2007) apontam casos tanto de construções
concessivas quanto de adversativas que envolvem relação lógica por expressarem uma
expectativa contrariada.
Neves (1984, 1999), por sua vez, mostra que a construção adversativa, assim como a
concessiva, pode expressar o que chama de “negação de inferência”, como já se mostrou neste
capítulo. Em uma construção concessiva, representada pela fórmula embora p, q, “q nega a
inferência de p” (fórmula da concessiva) ou “p nega a inferência de q” (fórmula da concessiva
invertida). Da mesma forma, em uma construção adversativa, simbolizada pela fórmula p,
29 Lakoff (1971) diz que, em alguns contextos de uso, o but pode ter tanto o sentido de oposição semântica
quanto o de negação de expectativa, tal como ocorre nesta frase: John é rico mas bobo. (LAKOFF, 1971, p. 133)
O autor explica que, se a mãe quer que sua filha se case com John porque ele é rico, a filha, caso não queira se
casar com John, pode argumentar que ele é rico, mas bobo, para expressar oposição semântica: ser rico é um
ponto positivo, mas ser bobo é um ponto negativo. Por outro lado, se a mãe tiver como pressuposto que as
pessoas ricas são espertas, a filha deve utilizar a expressão John é rico mas bobo com o sentido de negação de
inferência, mostrando que John é rico, mas não é esperto.
38
mas q, “q nega a inferência de p” ou “p nega a inferência de q” (fórmula que corresponderia à
“concessiva invertida”). A seguir, exemplificam-se os tipos de construção referidos:
- q nega a inferência de p:
55) Normalmente eu não estou assim muito por dentro dos preços dos alimentos (q), embora
eu ouça minha tia às vezes falar que está tudo muito caro (p). (NEVES, 1999, p. 554) (a
inferência de p, que é negada, é a de que “eu estou por dentro dos preços dos alimentos”)
56) Ora, eu não me chamo José ... Esqueci meu nome, é verdade (p); mas sei que não era
José (q). (NEVES, 1984, p. 29) (a inferência de p, que é negada, é a de que “eu não esqueci
meu nome”).
- p nega a inferência de q:
57) Eu ouço minha tia às vezes falar que está tudo muito caro (q), embora normalmente eu
não esteja assim muito por dentro dos preços dos alimentos (p). (NEVES, 1999, p. 554) (a
inferência de q, que é negada, é a de que “eu estou por dentro dos preços dos alimentos”)
58) (...) E seu coração se apertou, de repente (p). Mas sabia que não devia sentir saudades
(q). (NEVES, 1984, p. 30) (a inferência de q, que é negada, é a de que “seu coração não
deveria se apertar”).
Até aqui, mostrou-se que a construção concessiva e a construção adversativa podem
ser vistas sob um ponto de vista lógico-semântico, pois são relacionadas a essas construções
noções lógicas de “pressuposição” (THOMPSON et al., 2007; LAKOFF, 1971), de
“implicação” (LONGACRE, 2007) ou de “inferência” (NEVES, 1984, 1999, 2000).
Entretanto, costuma-se dispensar um tratamento lógico-semântico à construção
concessiva, pois, como se verá, essa construção possui certa relação com causa e com
condição30
. A relação adversativa, por outro lado, como diz Rodríguez (1990), tem sido
considerada como uma relação de oposição, pois a adversatividade se situa na conexão de
contra-argumentos para uma conclusão. Assim, passa-se a tratar aqui da construção
concessiva, especificamente, sob um ponto de vista lógico-semântico.
O que se pretende mostrar é que a relação estabelecida entre a construção concessiva e
a pressuposição/implicação/inferência demonstra que tal construção apresenta certa conexão
com causa e com condição, pois, como se verá, a partir do que é expresso na construção
30 Como apontam König & Siemund (2000), novas denominações têm sido propostas à relação concessiva, como
as de “não-causal” (“incausal”), de “causa inoperante” (“inoperant cause”), de “anticausa” (“anticause”), de
“causa contrária” (“cause contraire”), de “causalidade oculta” (“hidden causality”), de “condição contrária”
(“condition contrecarré”). Tais designações já deixam mais evidente que a relação concessiva possui certa
conexão com a relação causal e com a condicional.
39
concessiva, é possível verificar uma causa e uma condição pressuposta/implicada/inferida,
causa e condição que são negadas na construção31
, daí a violação da
pressuposição/implicação/inferência envolvida nessa construção.
Primeiramente, pode-se pensar na relação que se estabelece entre as concessivas e as
causais. Hermodsson (1996) mostra, por exemplo, que a conjunção obwohl (apesar de), em
alemão, tem sentido oposto ao de uma expressão causal, pois anula uma causalidade prevista:
59) Eu não posso derrubar essa árvore apesar de que o machado está afiado.
60) Eu posso derrubar a árvore porque o machado está afiado. (HERMODSSON, 1996, p.
11)
O autor diz que se obtém na construção concessiva citada uma informação que é
considerada como imprevista, já que o conteúdo dessa construção nega uma relação causal
pressuposta, a de que eu posso derrubar a árvore porque o machado está afiado. Dessa forma,
o autor sugere a denominação de “não-causal” às construções concessivas.
Verhagen (2000) chega à mesma conclusão: a negação de uma causalidade resulta em
uma interpretação concessiva. O autor diz que a inferência causal, que pode ser simbolizada
pela fórmula “p, então q”, é invalidada em uma construção concessiva, pois a verdade de q
(do conteúdo expresso na nuclear da construção causal) passa a ser negada na construção
concessiva. Assim, essa negação de inferência causal pode ser descrita nesta fórmula: embora
p, ~q32
.
Rodríguez (1990), por sua vez, diz que, em uma construção concessiva A, aunque B
(A, embora B), B é a causa inoperante que implica não A, apesar de que se dá A. Considere-
se esta frase:
61) O Governo estuda a especialidade em Gerontologia, embora ela ainda se encontre em
fase embrionária33
. (RODRÍGUEZ, 1990, p. 50)
Em 61, há a implicação (causal) de que o fato de a especialidade em Gerontologia
estar em fase embrionária leva o Governo a não estudar essa especialidade, mas essa
implicação é violada, e o Governo a estuda.
31Saliente-se que, quando a construção adversativa estiver relacionada à pressuposição/implicação/inferência,
assim como a concessiva, ela, necessariamente, também apresentará certa relação com causa e com condição,
pois haverá uma causa e uma condição pressuposta/implicada/inferida na construção. Entretanto, trata-se, aqui,
especificamente da relação entre causa/condição e concessão, visto que, como já se apontou, existem aspectos
lógico-semânticos envolvidos especialmente na construção concessiva. 32
O símbolo ~ corresponde ao termo não. 33
El Gobierno estudia la especialidad en Gerontología, aunque todavía se halla en fase embrionária.
40
Até aqui, mostrou-se que a construção concessiva envolve uma causa
pressuposta/inferida/implicada. Cita-se, ainda, Di Meola (1998, p. 348, apud KÖNIG &
SIEMUND, 2000), que afirma que a relação concessiva não envolve uma causa apenas, como
se vê a seguir:
62) Embora Carol esteja doente, ela vai ao trabalho hoje.34
63) Como Carol está doente, ela não pode ir ao trabalho.35
64) Como há uma importante reunião de negócios hoje, Carol vai ao trabalho.36
Mostra-se, aí, que a construção concessiva (em 62) é baseada nas duas causas
hipotéticas citadas (em 63 e em 64), prevalecendo uma delas. Em 63, estar doente seria causa
para não ir ao trabalho e, em 64, ter uma importante reunião de negócios seria causa para ir ao
trabalho. Observando-se a construção concessiva exemplificada em 62, nota-se que a segunda
causa (em 64) prevalece, o que leva a autora a denominar a relação concessiva de
“causalidade oculta”37
.
Como se mencionou anteriormente, a relação concessiva também se liga à relação
condicional. König (1985) diz que, na construção concessiva, que pode ser representada pela
fórmula “embora p, q”, há uma implicação de incompatibilidade entre os fatos expressos na
oração concessiva e na nuclear. Essa incompatibilidade viola a condição descrita no seguinte
esquema: “normalmente, se p, então ~q” (KÖNIG, 1985, p. 4).
Rivas (1989), por sua vez, diz que as construções concessivas expressam uma
condição ineficaz para que algo ocorra. Estes são os exemplos fornecidos pela autora:
65) Embora chova, sairei.38
66) Normalmente, se chove, não saio.39
(RIVAS, 1989, p. 241)
A autora assevera que a oração “embora chova” constitui condição ineficaz para o
cumprimento do que vem expresso na oração principal (“sairei”), ao contrário do que ocorre
na construção condicional, na qual “se chover” constitui condição eficaz para o cumprimento
34 Although Carol is ill, she goes to work today.
35 Since Carol is ill, she cannot go to work today.
36 Since there is an important business meeting today, Carol goes to work.
37 Como a autora faz referência à “causa hipotética”, observa-se que também estão envolvidas na construção
citada em 62 duas condições, prevalecendo uma delas. 38
Aunque llueva saldré. 39
Normalmente, si llueve no salgo.
41
do que vem expresso na oração principal (“não saio”). Assim, a autora diz que existe entre os
membros da construção concessiva uma relação de não implicação frente a uma relação de
implicação, que pode ser descrita na construção condicional (citada).
Como se vê, as construções concessivas apresentam conexão causal, de um lado, e
possuem conexão condicional, de outro. Saliente-se que o próprio fato de as concessivas
possuírem certa relação com as causais já deixa implícito que também apresentam alguma
conexão com as condicionais, pois, como mostra Harris (1988), há uma conexão causal (em
sentido amplo) expressa nas concessivas e nas condicionais. Para o autor, há um espectro
semântico que parte das construções causais (nas quais a conexão causal entre a oração causal
e a nuclear é afirmada), via construções condicionais (nas quais a conexão causal é
hipotética), chegando, por fim, às construções concessivas (nas quais o vínculo causal entre a
oração concessiva e a nuclear é negado).
Verifica-se, assim, que as construções causais em sentido lato são vistas em um
continuum. A existência das construções condicionais concessivas, por exemplo, que, nesse
continuum, encontram-se entre as construções condicionais e as construções concessivas,
deixa evidente que, como afirma Harris (1988), não existe um limite claro entre as categorias
desse espectro semântico. Para ilustração, mostra-se, a seguir, por meio de exemplos
oferecidos por Harris (1988), que as construções condicionais concessivas compartilham
traços tanto das condicionais quanto das concessivas:
67) Oração condicional: se ele vier amanhã40
,
68) Oração condicional concessiva: mesmo se ele vier amanhã41
,
69) Oração concessiva: embora ele venha amanhã42
, (HARRIS, 1988, p. 73)
Harris (1988) diz que, em 67, a sentença não envolve nem o antecedente nem o
consequente43
, mas afirma a verdade do consequente caso a hipótese se realize; em 68, a
sentença envolve o consequente independentemente da realização da hipótese de uma
circunstância normalmente vista como incompatível com o consequente; em 69, por sua vez, a
sentença envolve tanto o antecedente quanto o consequente: o antecedente é tido como
incompatível com o consequente, mas este não é mais visto como hipotético. A partir dessas
informações, pode-se asseverar que a oração condicional concessiva apresenta hipótese,
40 If he comes tomorrow.
41 Even if he comes tomorrow.
42 Although he comes tomorrow.
43 Antecedente e consequente correspondem, respectivamente, à oração nuclear e à oração adverbial.
42
característica da condicional, e incompatibilidade, traço da concessiva. Daí não ser possível
incluir essa construção em uma classe discreta, ou seja, em uma categoria que traz
características discretamente definidas de uma única classe.
A partir do exposto nesta seção, nota-se que estão envolvidos, especialmente nas
concessivas, aspectos lógico-semânticos. Nessas construções, está presente uma causa ou uma
condição pressuposta/implicada/inferida, que é negada. Assim, verifica-se que as adversativas
se aproximam das concessivas por apresentarem relação de
pressuposição/implicação/inferência negada.
No capítulo a seguir, trata-se das adversativas e das concessivas em relação aos
aspectos sintático e discursivo, verificando-se tanto os pontos de contato quanto os de
contraste entre elas.
43
3. ADVERSATIVAS E CONCESSIVAS: ESPECIFICIDADES E
APROXIMAÇÕES SINTÁTICAS E DISCURSIVAS
3.1 Construções adversativas e construções concessivas: visão tradicional e
visão funcionalista
Nas gramáticas tradicionais, as orações adversativas e as orações concessivas são
incluídas nos processos sintáticos de coordenação e de subordinação, respectivamente. Ambos
os tipos de orações atuam em um período composto: na coordenação (adversativa), há a
oração coordenada inicial e a oração coordenada adversativa e, na subordinação (concessiva),
há a oração principal e a oração subordinada adverbial concessiva, colocada em qualquer
ordem (anteposta, posposta ou intercalada).
Nas gramáticas tradicionais se mostra que há diferentes formas de manifestação das
coordenadas e das subordinadas. As orações coordenadas (adversativas) são classificadas
como: i) assindéticas (não apresentam conjunção); ii) sindéticas (apresentam conjunção). As
orações subordinadas (adverbiais concessivas), por sua vez, são classificadas como: i)
desenvolvidas (ocorrem na forma verbal); ii) reduzidas (manifestam-se nas formas nominais
de infinitivo, gerúndio ou particípio); iii) justapostas (não apresentam conjunção). Como se
vê, tanto nas coordenadas quanto nas subordinadas, pode haver a presença ou não de
conjunção.
Nessas gramáticas a conjunção é definida, em geral, como o vocábulo gramatical que
serve para “ligar” orações ou termos (CUNHA & CINTRA, 1985; ROCHA LIMA, 1994;
BECHARA, 2003a). No entanto, ao se tratar do processo de coordenação e de subordinação,
enfatiza-se, em geral, a junção entre orações.
Quando se trata de outros tipos de conexões que não a que se dá entre orações, faz-se
referência à possibilidade, em específico, de a conjunção coordenativa “ligar” unidades
menores (chamadas, aqui, de sintagmas). Bechara (2003b), por exemplo, diz que “as
conjunções não só ligam orações, pois as coordenadas ligam ainda expressões do mesmo
valor”, e exemplifica: “o e (ou qualquer conjunção coordenativa) entre duas expressões
(Pedro e Paulo, no dia de ontem e no dia de hoje) é conjunção, e não preposição.”
(BECHARA, 2003b, p. 117)
Além disso, nas gramáticas tradicionais em geral, não se aponta que a conjunção une,
também, unidades maiores que a oração (aqui chamadas de enunciados). Apesar disso, em
algumas gramáticas há exemplos, nos quais está envolvida a conjunção coordenativa, que
ilustram esse caso, como se vê a seguir:
44
70) Eram mãos nuas, quietas, essas mãos; serenas, modestas e avessas a qualquer
exibicionismo. Mas não acanhadas, isso nunca. (CUNHA & CINTRA, 1985, p. 570)
Em 70, a conjunção coordenativa (mas) estabelece junção entre enunciados, que se
caracteriza pela maior pausa entre os segmentos, marcada, em geral, pelo ponto final.
Como se vê, quando se trata da conjunção coordenativa, embora por vezes não se
explique que ela pode estabelecer diferentes tipos de conexão, não é raro identificar exemplos
nas gramáticas que ilustrem os três tipos de conexão: entre sintagmas, entre orações e entre
enunciados. No entanto, quando se trata da conjunção subordinativa, não se encontram
exemplos que ilustrem tipos de conexões que não ocorram entre orações.
Neste trabalho, dado que se analisam os usos efetivos das construções adversativas
(com mas) e das construções concessivas (com embora), não só a conexão entre orações mas
também a conexão entre sintagmas e entre enunciados são consideradas em ambos os tipos de
construção.
Vistos esses aspectos, passa-se a verificar quais são as definições tradicionalmente
oferecidas para os diferentes processos aqui estudados (a “coordenação” e a “subordinação”)
e, a seguir, passa-se às diferenciações.
Nas gramáticas tradicionais, é fortemente estabelecida uma dicotomia entre
coordenação e subordinação. Diz-se que as orações coordenadas possuem função sintática
idêntica (CUNHA & CINTRA, 1985; ROCHA LIMA, 1994; MELO, 1971), já que uma
oração não funciona como termo de outra, e que as orações subordinadas (substantivas,
adverbiais e adjetivas) exibem funções sintáticas dependentes (MELO, 1971), pois a oração
subordinada atua como um constituinte da oração principal.
Desse modo, afirma-se que a oração coordenada, por não funcionar como termo de
outra oração, é independente, e que a oração subordinada, por servir de termo de outra oração,
é dependente (MELO, 1971; CEGALLA, 1994, ROCHA LIMA,1994; BECHARA, 2003b).
Nesse caso, a distinção entre ambos os tipos de processos é feita com base em critérios
sintáticos. Contudo, os gramáticos, em geral, também utilizam, por vezes, critérios semânticos
para definir os processos de coordenação e de subordinação44
. Cegalla (1994), por exemplo,
em relação à coordenação, diz que “no período composto por coordenação as coordenadas são
independentes (isto é, não funcionam como termos de outras)” (CEGALLA, 1994, p. 282) e,
44 Quando o aspecto semântico é considerado, costuma-se dizer que as orações coordenadas (independentes) têm
“sentido completo” (BECHARA, 2003b), “sentido próprio” (BRANDÃO, 1963; CUNHA & CINTRA, 1985),
“sentido pleno” (OLIVEIRA, 1960) ou “autonomia” (MELO, 1971; CUNHA & CINTRA, 1985).
45
no que se refere à subordinação, afirma que “oração subordinada é a que depende da
principal: serve-lhe de termo e completa-lhe o sentido” (CEGALLA, 1994, p. 285). Como se
vê, ao definir o processo de coordenação, o autor utiliza critério sintático e, ao conceituar o
fenômeno de subordinação, faz uso de critério sintático e, também, semântico.
Bechara (2003b), por outro lado, conceitua coordenação com base em critério sintático
e semântico e define subordinação com base em critério sintático apenas. No que concerne ao
processo de coordenação, o autor diz que “independente é a oração que não exerce função
sintática de outra a que se liga” (aspecto sintático) e que “as orações de sentido completo se
chamam independentes” (aspecto semântico) Em relação ao processo de subordinação, o
autor afirma que “dependente é a oração que exerce função sintática de outra a que se liga
(...)” (BECHARA, 2003b, p. 114).
Assim, observa-se que tanto as orações coordenadas quanto as orações subordinadas
são definidas com base ora em critérios sintáticos ora em critérios semânticos (ou em ambos
os critérios). Além disso, como se viu, em uma mesma gramática chega-se até mesmo a
utilizar diferentes critérios para definir coordenação e subordinação.
Poucos são os casos nos quais, em uma mesma gramática, empregam-se os mesmos
critérios para definir os processos de coordenação e de subordinação. Das gramáticas
consultadas, a de Oliveira (1960), por exemplo, diferentemente das gramáticas tradicionais
em geral, conceitua coordenação e subordinação com base nos mesmos critérios. O autor
afirma que, no período composto por coordenação, as orações são independentes porque “uma
oração não depende de outra, quanto ao sentido” (OLIVEIRA, 1960, p. 136) e porque a
oração coordenada “não está exercendo nenhuma função (de S, PD, OD, etc.)” (OLIVEIRA,
1960, p. 142). Em relação à oração subordinada, o autor assevera que ela é dependente, pois,
“isolada, não tem sentido”; a “oração subordinada sempre exerce uma função” (de sujeito,
objeto direto, adjunto adverbial, entre outras) (OLIVEIRA, 1960, p. 142). Assim, os
fenômenos de coordenação e de subordinação são conceituados de acordo com critérios
semânticos e sintáticos.
Esse tratamento tradicional dado à coordenação e à subordinação tem sido questionado
por linguistas, como Carone (1991), Decat (1993) e Sousa e Silva & Koch (1998).
Carone (1991, p. 61) considera que o único sentido válido em que se pode entender a
independência das orações coordenadas diz respeito ao fato de que a conjunção coordenativa,
diferentemente da subordinativa, não insere uma oração em algum ponto de outra para estar a
seu serviço. A autora, assim, reconhece que, sintaticamente, as orações coordenadas são, de
certa forma, independentes, mas questiona a atribuição de independência semântica às orações
46
coordenadas, e diz que uma frase como “Mas você não responde!” é tão dependente como “Se
eu fosse um mágico...”.
Decat (1993) também apresenta uma visão crítica a respeito da dicotomia
tradicionalmente estabelecida entre coordenação e subordinação. A autora defende que o
estabelecimento dessa separação com base na possibilidade de uma oração poder, ou não,
constituir por si só um enunciado é refutável. Assim, Decat (1993, p. 109) mostra que em uma
frase como “Eu o esperei mas ele não veio”, não se pode dizer que a oração adversativa tem
autonomia de sentido. Da mesma forma, em um enunciado como “Se ao menos alguma coisa
acontecesse!”, há uma frase completa, embora seja originalmente uma subordinada.
Vale citar, ainda, Sousa e Silva & Koch (1998), que dizem que, do ponto de vista
semântico e pragmático, as frases de um período composto (tanto por coordenação quanto por
subordinação) são necessariamente interdependentes. Repare-se que as autoras se referem não
só ao aspecto semântico como também ao pragmático. Koch (1997) explica que, em qualquer
período composto por duas ou mais orações, há entre elas uma interdependência, pois a
presença de cada uma delas é necessária para veicular o sentido pretendido. Embora, em
muitos casos, a primeira oração do período possa ser enunciada independentemente, o
acréscimo da segunda traz um novo significado para o conjunto: ora é responsável pela
introdução de relações semânticas como as de causa/consequência, meio/fim,
condição/condicionado, entre outras, ora encadeia-se sobre a primeira contribuindo para a
progressão do discurso e apresentando, consequentemente, valores pragmáticos.
Pelo que foi exposto até aqui, observa-se que tanto as ditas orações subordinadas
quanto as chamadas orações coordenadas são, de certa forma, interdependentes semântica e
pragmaticamente, o que levaria a que se questionasse o estabelecimento da dicotomia
“coordenação” x “subordinação”. Além disso, coloca-se em xeque até mesmo a dicotomia
dependência x independência sintática tradicionalmente determinada, posto que, como se
verá a seguir, no grupo das subordinadas (em específico), há tipos de orações que apresentam
diferente natureza sintática. Antes que se mostre isso, apresentam-se as considerações que
aparecem nas gramáticas tradicionais a respeito dos tipos de subordinação.
São dadas, nas gramáticas tradicionais, classificações particulares aos tipos de
subordinação: classificam-se as subordinadas em substantivas, adjetivas e adverbiais. Diz-se
que as subordinadas substantivas, as subordinadas adjetivas e as subordinadas adverbiais
desempenham funções que “são comparáveis às exercidas por substantivos, adjetivos e
advérbios” (CUNHA & CINTRA, 1985, p. 584), respectivamente. Ou seja, como aponta
Bechara (2003b), a oração substantiva exerce todas as funções sintáticas que, na oração, pode
47
desempenhar um substantivo45
; a oração adjetiva funciona como adjunto adnominal de um
termo antecedente; e a oração adverbial atua como adjunto adverbial da oração principal.
Apesar de serem atribuídas três denominações às orações subordinadas, nas
gramáticas tradicionais em geral essas orações são divididas em dois subgrupos. Como aponta
Brandão (1963, p. 137), subordinação é a proposição: i) “que se prende intimamente a outra,
completando-a como sujeito ou complemento necessário (Convém QUE NÃO FAÇAS ISSO.)”;
ii) “que restringe ou modifica um termo de outra, servindo-lhe de complemento atributivo ou
circunstancial” (É interessante o livro / QUE LI.) / (Sairei QUANDO CHEGARES.).
Como se vê, são incluídas no primeiro grupo as subordinadas substantivas e, no
segundo grupo, as subordinadas adjetivas e as subordinadas adverbiais. Isso ocorre porque,
nas gramáticas tradicionais em geral, o adjunto, função atribuída às orações adjetivas e às
orações adverbiais, é considerado “termo acessório”, ao passo que o sujeito, o predicado, o
objeto (direto e indireto), o complemento nominal e o agente da passiva, funções de que se
incumbem as orações substantivas, não são tidos como “termos acessórios”. Pelo contrário, as
duas primeiras funções referidas (sujeito e predicado) são consideradas “básicas” (ROCHA
LIMA, 1994) ou “essenciais” (CUNHA & CINTRA, 1985) e as demais são tidas como
“termos integrantes” (ROCHA LIMA ,1994; CUNHA & CINTRA, 1985)46
.
A partir dessas observações presentes nas gramáticas tradicionais consultadas, caberia
perguntar se deveriam ser incluídas no mesmo grupo (o da subordinação) orações que
atuariam como “adjunto” e orações que não atuariam como “adjunto”.
Além disso, caberia pensar se seria pertinente incluir em um mesmo grupo (o do
“adjunto”) as adjetivas restritivas e as adjetivas explicativas. Cunha & Cintra (1985, p. 588-
589) dizem que as orações adjetivas restritivas restringem a significação do termo
antecedente, sendo “indispensáveis ao sentido da frase”, e que as orações explicativas “não
são indispensáveis ao sentido essencial da frase”, pois acrescentam ao antecedente uma
qualidade “acessória”. Rocha Lima (1994, p. 271), bem como os gramáticos em geral,
apresenta considerações semelhantes às de Cunha & Cintra (1985) no que se refere às duas
subclasses de oração adjetiva. O autor afirma que a oração restritiva delimita o antecedente,
formando “um todo significativo” e, assim, não pode ser suprimida, sob pena de a oração
45 Na gramática tradicional, confunde-se, nesse caso, classe gramatical com função sintática. Pode-se dizer que
as chamadas orações substantivas exerceriam papel que exerce o sintagma nominal (que é função sintática), e
não o substantivo (que é classe gramatical). 46
Há, ainda, a função de aposto, que também é atribuída às orações substantivas, mas não se diz se o aposto é
termo “essencial” ou “integrante”.
48
principal ficar prejudicada em sua compreensão. A oração explicativa, por outro lado, é termo
“adicional”, que não é indispensável para a compreensão do conjunto.
Essas observações feitas nas gramáticas fazem pensar que são apenas as orações
adjetivas explicativas que têm natureza mais compatível com a de adjunto, tal como este é
concebido tradicionalmente, já que elas são tidas como elementos “acessórios” ou
“adicionais”, ao contrário das adjetivas restritivas, que, como sugerem os gramáticos em
geral, incidem sobre um termo para restringi-lo. Apesar disso, como já se apontou, ambos os
tipos de construção são incluídas em uma mesma classe, o que contradiz, de certa forma, as
próprias afirmações presentes nas gramáticas. Portanto, como se disse, caberia pensar se tal
classificação adotada tradicionalmente se mostra adequada para a contemplação da natureza
real das construções em questão.
Mais adiante, ao se tratar do aspecto sintático das adversativas e das concessivas sob
um ponto de vista funcionalista, procura-se trazer respostas para esses questionamentos.
Na sequência, partindo-se das considerações apresentadas nas gramáticas tradicionais
sobre os processos de coordenação e de subordinação, reflete-se sobre os processos sintáticos
sob um ponto de vista funcionalista.
Os autores funcionalistas, em geral, colocam em xeque a divisão tradicionalmente
estabelecida pela gramática entre “coordenação” e “subordinação”. Autores como Givón
(2001) e Hopper & Traugott (1994) propõem que a dita coordenação e a chamada
subordinação não são categorias estanques. Portanto, de acordo com a visão funcionalista da
linguagem, não se deve fazer uma separação rígida entre coordenação e subordinação.
Givón (2001, p. 328) questiona o estabelecimento de uma separação rígida entre
coordenação e subordinação porque nenhuma oração presente em um discurso coerente é
completamente independente de seu contexto local (linear) ou global (hierárquico)47
. Assim, o
autor considera, por exemplo, que a dimensão funcional da integração dos eventos e a
dimensão sintática da integração das orações formam duas escalas “isomórficas” paralelas, ou
seja, a integração das orações está diretamente relacionada com a dos eventos.
Hopper & Traugott (1994), também questionando a existência de independência total
entre orações, propõem que três grupos de relações se apresentam em um continuum, que
pode ser assim representado:
47 Givón (2001) considera “local” a relação que se estabelece entre orações adjacentes e “global” o contexto
discursivo mais amplo.
49
Parataxe Hipotaxe Subordinação
- dependência + dependência + dependência
- encaixamento - encaixamento + encaixamento
Para os autores, na parataxe, as orações possuem relativa independência48
; na
hipotaxe, as orações são relativamente dependentes, pois há um núcleo e uma ou mais
sentenças que não podem ocorrer isoladamente; na subordinação, por seu turno, há
dependência total entre as orações, pois a margem49
(a oração subordinada) é inteiramente
encaixada num constituinte do núcleo (a oração nuclear).
Hopper & Traugott (1994) estabelecem uma relação entre os processos sintáticos e a
gramaticalização: as três etapas descritas (parataxe, hipotaxe e subordinação)
corresponderiam a três fases do processo de gramaticalização das “orações complexas”50
. De
acordo com tais autores, as orações se apresentam em um continuum, no qual se parte da
parataxe, passa-se pela hipotaxe e se chega à subordinação. Os autores afirmam que, quanto
mais próximas da parataxe, menos integradas são as orações e, quanto mais próximas da
subordinação, mais integradas são as orações.
Na tipologia de Hopper & Traugott (1994), a parataxe inclui grupos de orações que
denotam desde relações mais simples (justaposição) até relações mais complexas
(coordenação); a hipotaxe engloba as orações adjetivas explicativas e as orações adverbiais, e
a subordinação, por sua vez, abrange as orações adjetivas restritivas e as orações substantivas.
Halliday (2004), por sua vez, ao tratar da articulação de orações, faz referência ao
sistema lógico-semântico. No entanto, da mesma forma que Hopper & Traugott (1994), o
autor estabelece três tipos de processos sintáticos, embora não os inclua em um continuum.
Halliday (2004) postula que há dois sistemas que determinam a maneira pela qual as
orações se relacionam: o do grau de interdependência e o da relação lógico-semântica.
No sistema do grau de interdependência, há duas relações: a parataxe e a hipotaxe. No
sistema de relação lógico-semântica, também há duas relações: a expansão (que ocorre por
meio de elaboração, extensão ou realce) e a projeção. A seguir, apresenta-se um esquema
dessas relações, desconsiderando-se, entretanto, a projeção, que não será tratada neste
trabalho.
48 Dizem os autores que, para serem independentes, basta que as orações façam sentido e que obedeçam ao
princípio de relevância. 49
A relação entre “margem” e “núcleo” será tratada de forma mais detalhada a seguir, quando se apresentarem
as considerações de Longacre (2007). 50
Os autores chamam de “orações complexas” as orações que integram o período composto.
50
1) Sistema do grau de interdependência (sistema tático):
a) Parataxe (orações de mesma natureza): um elemento dá início à estrutura oracional e outro
dá continuidade a ela.
b) Hipotaxe (orações de natureza distinta): um elemento é tido como dominante e outro como
dependente na estrutura oracional.
2) Sistema da relação lógico-semântica:
a) Expansão: a segunda oração expande a primeira por meio de elaboração, extensão ou
realce.
- Elaboração: uma oração expande a outra por elaboração especificando ou exemplificando.
- Extensão: uma oração expande a outra por extensão acrescentando informações novas ou
oferecendo alternativas.
- Realce: uma oração expande a outra por realce qualificando esta com circunstâncias de
tempo, lugar, causa, condição.
Halliday (2004) mostra que os sistemas de grau de interdependência e de relação
lógico-semântica estão inter-relacionados, sendo determinadas, assim, diferentes
combinações. Oferecem-se, no quadro a seguir, algumas construções que ilustram os tipos de
combinações possíveis entre os dois sistemas:
Sistema
Lógico-
Semântico
Sistema Tático
Parataxe Hipotaxe
Elaboração John não esperou; foi embora.51
John fugiu, o que surpreendeu todos.52
Extensão John fugiu e Fred ficou para
trás.53
John fugiu, enquanto Fred ficou para
trás.54
Realce John ficou assustado, então fugiu.
55
John fugiu porque estava assustado.
56
Adaptação de quadro apresentado por Halliday (2004, p. 380)
51 John didn‟t wait; he ran away.
52 John ran away, which surprised everyone.
53 John ran away and Fred stayed behind.
54 John ran away, whereas Fred stayed behind.
55 John was scared, so he ran away.
56 John ran away, because he was scared.
51
Na classificação proposta por Halliday (2004), a construção adversativa
corresponderia à relação paratática de extensão e a construção concessiva equivaleria à
relação hipotática de realce. Assim, na construção adversativa, o segmento iniciado pela
conjunção (mas) acrescenta informações novas e, na construção concessiva, o segmento
iniciado pela conjunção (embora) funciona como um realce e apresenta a circunstância de
concessão.
Halliday (2004) distingue, ainda, as relações táticas (parataxe e hipotaxe) das relações
de encaixamento. O autor diz que a parataxe e a hipotaxe são relações entre orações, ao passo
que o encaixamento é um processo no qual uma oração ou um sintagma funciona como um
constituinte dentro da estrutura de um grupo, que, por seu turno, é um constituinte de uma
oração.
Matthiessen & Thompson (1988) aceitam o postulado de Halliday (2004) de que
existem dois tipos de articulação de oração no sistema tático (parataxe e hipotaxe) e
acrescentam algumas considerações ao contemplar as orações em um âmbito discursivo. Para
os autores, a estrutura oracional reflete a organização do discurso. O texto é composto por
componentes (codificados por orações) denominados unidades retóricas do discurso. As
relações estabelecidas por essas unidades no texto são definidas de acordo com a função que
cumprem. Sendo assim, essas unidades podem apresentar dois tipos de relações, de núcleo-
satélite e de listagem, que correspondem, respectivamente, à distinção gramatical entre
hipotaxe e parataxe. Na relação de núcleo-satélite, assim como na de hipotaxe, um membro da
estrutura oracional é ancilar do outro e, na relação de listagem, assim como na de parataxe,
nenhum membro é ancilar do outro.
Matthiessen & Thompson (1988), atendo-se especificamente à relação de núcleo-
satélite, dizem que, nessa relação, certas porções do texto (os núcleos) representam os
objetivos centrais do emissor, ao passo que outras (os satélites) trazem os objetivos
suplementares. Os autores salientam que é o usuário da língua, por meio de suas percepções,
que determina o que é nuclear e o que é suplementar no texto. A relação hipotática apresenta
essa mesma organização: há o núcleo (oração nuclear), que expõe os objetivos principais do
locutor, e o satélite (oração adverbial), que traz informações suplementares. Assim, os autores
veem a relação hipotática como uma gramaticalização da relação núcleo-satélite.
Dik (1989), embora não adote, tal como Matthiessen & Thompson (1988), um
tratamento discursivo, também atribui ao elemento adverbial o caráter de “satélite”. Ele
propõe quatro níveis de organização da estrutura frasal: 1º) predicador (designa relações e
propriedades) e termos (refere-se a entidades que ocupam casas argumentais); 2º) predicação
52
(designa um estado de coisas); 3º) proposição (indica um fato possível); 4º) frase
(corresponde a um ato de fala). Considerando-se esses níveis, o autor faz a distinção entre o
argumento e o satélite. O argumento é o elemento requerido pelo predicado para formar a
predicação nuclear, sendo, portanto, essencial para denotar o estado de coisas designado pela
estrutura do predicado. O satélite, por outro lado, não é requerido pelo predicado, pois fornece
informação opcional relacionada a características (adicionais) do estado de coisas (satélite de
nível 1), à localização do estado de coisas (satélite de nível 2), à atitude/avaliação do falante
em relação ao conteúdo proposicional (satélite de nível 3) ou ao caráter do ato de fala (satélite
de nível 4). Assim, o autor afirma que os argumentos são obrigatórios e os satélites são
opcionais na estrutura frasal.
O autor diz que há critérios gramaticais estabelecidos para a diferenciação entre
argumentos e satélites, como se observa a seguir:
71) *Peter tirou a tampa, e ele fez isso do pote57
.
72) *Peter tirou do pote, e ele fez isso à tampa58
.
73) Peter tirou a tampa do pote, e ele fez isso cautelosamente/com uma chave de fenda/para
Mary/em um minuto/rapidamente.59
(DIK, 1989, p. 195)
Considerando-se que as expressões a tampa e do pote funcionam como argumentos e
que as expressões cautelosamente, com uma chave de fenda, para Mary, em um minuto e
rapidamente atuam como satélites, é possível verificar que os argumentos não podem ser
separados da predicação nuclear, diferentemente dos satélites, que não fazem parte da
predicação nuclear.
Tais observações se mostram pertinentes aqui porque os argumentos e os satélites,
além de poderem ser vistos no nível do sintagma (como se exemplifica em 71, 72 e 73),
podem ser vistos no nível oracional.
Dessa forma, é possível distinguir as “orações subordinadas substantivas” e as
“orações subordinadas adjetivas restritivas” das “orações subordinadas adjetivas explicativas”
e das “orações subordinadas adverbiais”, já que os dois primeiros tipos atuam como
argumentos e os dois últimos funcionam como satélites. Retiraram-se trechos de uma das
gramáticas consultadas para demonstrar essa questão:
57 *Peter removed the lid, and he did it from the jar.
58 *Peter removed from the jar, and he did it the lid.
59 Peter removed the lid from the jar, and he did it cautiously/with a screwdriver/for Mary/in a minute/quickly.
53
74) Não me esqueço de que estavas doente quando ele nasceu. (CUNHA & CINTRA, 1985,
p. 585)
75) És um dos raros homens que têm o mundo nas mãos. (CUNHA & CINTRA, 1985, p.
589)
76) Tio Cosme, que era advogado, confiava-lhe a cópia de papéis de autos. (CUNHA &
CINTRA, 1985, p. 589)
77) Ainda que não dessem dinheiro, poderiam colaborar com um ou outro trabalho.
(CUNHA & CINTRA, 1985, p. 589)
Nas duas primeiras frases, as expressões em negrito são argumentos, pois fazem parte
da predicação nuclear: em 74, é necessário que se acrescente um argumento (a “oração
subordinada substantiva” destacada), pois, quando se esquece, esquece-se de algo; em 75,
deve-se acrescentar um argumento (a “oração subordinada adjetiva restritiva” destacada) para
que se especifique a que tipo de raros homens se faz referência. Nas duas últimas frases (em
76 e em 77), por outro lado, as expressões destacadas, que correspondem, respectivamente, à
“oração subordinada adjetiva explicativa” e à “oração subordinada adverbial concessiva”, são
satélites, pois poderiam ser retiradas da frase sem que a predicação nuclear ficasse
comprometida60
.
Isso mostra que a denominação de “subordinação” a todos os tipos de construções
“subordinadas” não é exata, já que algumas construções apresentam menor grau de
subordinação. As “subordinadas” substantivas, por exemplo, são mais “subordinadas” que as
“subordinadas” adverbiais.
Longacre (2007) atribui um papel semelhante ao de Dik (1989) ao elemento adverbial,
denominando-o de “margem”. O autor afirma que, em uma sentença, há margens e núcleos. O
núcleo da sentença corresponde à sua parte mais característica, que é independente da
margem. A margem, ao contrário, pode combinar-se com uma variedade de núcleos e é a
parte não-característica da sentença, que está subordinada aos elementos sentenciais restantes.
Longacre (2007, p. 373) diz que todos os tipos de orações adverbiais funcionam como
margens. Para demonstrar a relação entre margem e núcleo, o autor oferece os seguintes
exemplos:
60 Faça-se a ressalva de que isso não significa que a retirada do elemento que funciona como satélite não muda o
sentido da frase.
54
Parte A Parte B
Maria ficou alegre, mas João ficou triste e pensativo.61
Quando eles ouviram a notícia Maria ficou alegre e João também.62
Maria ficou tão alegre que dançou um “jig”.63
O autor indica que a parte A corresponde à margem e a parte B ao núcleo. Além de
distinguir margem e núcleo, mostra que o núcleo é formado, em geral, por conjunção e por
bases64
. Nos exemplos citados, os seguintes excertos constituem bases: Maria ficou alegre;
João ficou triste e pensativo; João também; dançou um “jig”.
As considerações expostas neste tópico permitem que se faça uma configuração geral.
De acordo com as tipologias de Hopper & Traugott (1994) e Halliday (2004), não há
dois processos de articulação de orações, como considera a gramática tradicional, mas três: a
parataxe (em que se incluem as “orações coordenadas”), o encaixamento ou subordinação (em
se englobam as “orações subordinadas substantivas” e as “orações subordinadas adjetivas
restritivas”) e a hipotaxe (em que se incluem as “orações subordinadas adjetivas explicativas”
e as “orações subordinadas adverbiais”). Levando-se em consideração essa classificação, as
construções adversativas e as concessivas pertenceriam, respectivamente, ao grupo da
parataxe e da hipotaxe (adverbial). Entretanto, não se trata apenas de uma nova denominação
para os processos sintáticos, mas de outra forma de concebê-los, distinguindo-se os diferentes
graus de integração entre as orações: as orações substantivas, por exemplo, não são incluídas
no mesmo grupo que o das orações adverbiais.
Ao determinarem uma hierarquia entre os processos sintáticos, os autores citados
relativizam a dicotomia tradicionalmente estabelecida entre coordenação e subordinação e
consideram que não existe independência ou dependência sintática total entre orações. A
partir dessas considerações, pode-se afirmar que as adversativas e as concessivas apresentam
graus diferentes de integração sintática, o que não significa que as primeiras sejam
completamente independentes e que as últimas sejam totalmente dependentes.
As observações feitas por Dik (1989) e por Longacre (2007) também oferecem
contribuição para que se estabeleça um cotejo entre as adversativas e as concessivas em
61 When they heard the news, Mary elated but John was sad and thoughtful.
62 Mary was elated and so was John.
63 Mary was so elated that she danced a jig.
64 O termo “base” é usado para descrever a subparte funcional do núcleo.
55
relação ao aspecto sintático. Ao atribuírem ao elemento adverbial o papel de “satélite” (DIK,
1989) e “margem” (LONGACRE, 2007), os autores mostram que a oração hipotática
adverbial possui uma função que lhe é particular: a de atuar como uma porção que se encontra
em um diferente “nível” em relação àquela que lhe serve de núcleo, sendo, de certa forma,
opcional na estrutura frasal.
Por fim, considera-se, também, a proposta de Matthiessen & Thompson (1988), que,
ao tratarem da articulação de orações, aliam o aspecto sintático ao discursivo, mostrando que
existem duas relações: a de listagem (que corresponderia à parataxe) e a de núcleo-satélite
(que corresponderia à hipotaxe). Isso mostra que, no tratamento dos diferentes processos
sintáticos, é pertinente que se observem os aspectos discursivos, questão que não é
considerada nas gramáticas tradicionais.
Assim, observa-se que as propostas de autores funcionalistas expostas revelam
aspectos definitórios do aspecto sintático das construções adversativas e das construções
concessivas.
No tópico seguinte, partindo-se das considerações feitas neste tópico, relacionam-se os
aspectos sintáticos aos aspectos discursivos para o tratamento das construções adversativas e
das construções concessivas.
3.2 A organização das construções adversativas e das construções
concessivas no fluxo de informação
De acordo com Chafe (1987), o fluxo de informação se refere ao modo como o
conteúdo do enunciado é empacotado e apresentado ao interlocutor. O locutor organiza seus
enunciados de acordo com suas intenções comunicativas em relação ao interlocutor.
Um dos aspectos do fluxo de informação que tem sido discutido, especialmente em
relação às construções hipotáticas, diz respeito ao estatuto informacional das orações65
.
Em relação à construção “subordinada”, Towsend (1997) considera que a oração
“subordinada” frequentemente contém informação pressuposta ou dada, ao passo que a oração
“principal” traz em geral informação asseverada ou nova. O autor diz que na frase “Sara sabe
65 Em relação ao estatuto informacional, os autores a serem citados fazem referência ao par “informação dada
(velha)” / “informação nova”, pois tomam como base a tipologia proposta por Chafe (1987, 1994). Lembre-se,
entretanto, que a análise dos dados será feita com base na tipologia estabelecida por Prince (1981), como se
mencionou no capítulo 1.
56
que a aula começa às 9h em ponto”66
a informação dada é “que a aula começa às 9h em
ponto”67
, e a informação nova é “Sara sabe”68
(TOWSEND, 1997, p. 267).
O tratamento dado por Winter (1982, apud MATTHIESSEN & THOMPSON, 1988) à
construção “subordinada” se aproxima do de Towsend (1997). O autor estabelece um
contraste entre oração “independente” (ou seja, coordenada) e oração “subordinada” no que
diz respeito ao seu estatuto informacional, novo e dado, respectivamente.
Matthiessen & Thompson (1988), por outro lado, consideram que essa dicotomia deve
ser revista. Os autores mostram que, em seu córpus, nenhuma das orações adverbiais traz
informação dada (no sentido de que se assume que o ouvinte conheça a informação), como se
vê nos dois trechos destacados pelos autores:
a) Meus dedos polegares começaram a me dar problemas há cerca de 4 meses
b) e eu marquei uma consulta com o melhor cirurgião de mão do Valley
c) para ver se minhas atividades de trabalho eram o problema.
d) Usar os polegares não é o problema
e) mas a herança é
f) e o resultado final não é o uso dos polegares
g) se eu não fizer algo agora.69
(MATTHIESSEN & THOMPSON, 1988, p. 313)
Givón (1979) também questiona a atribuição do estatuto de pressuposição ou
informação velha à oração “subordinada” adverbial, discutindo estes exemplos:
78) Porque João saiu, Maria saiu também.70
79) Se João sair, Maria sairá também.71
(GIVÓN, 1979, p. 176)
O autor diz que o trecho destacado na primeira frase é pressuposto e, assim,
presumivelmente não asseverado. O trecho destacado na segunda frase, por outro lado, não é
pressuposto72
.
66 Sarah knows that class starts at 9:00 a.m. sharp.
67 that class starts at 9:00 a.m. sharp
68 Sarah knows
69 a) Thumbs began to be troublesome about 4 months ago
b) and I made an appointment with the best hand surgeon in the Valley
c) to see if my working activities were the problem.
d) Using thumbs is not the problem
e) but heredity is
f) and the end result is no use of thumbs
g) if I don’t do something now. 70
Because John left, Mary left too. 71
If John leaves, Mary Will leave too. 72
Givón (1979) considera que uma sentença que traz informação/asserção nova é “menos pressuposicional”.
57
Como se vê, Matthiessen & Thompson (1988) e Givón (1979) colocam em xeque o
estabelecimento da dicotomia oração “subordinada” (dado) x oração “principal” (novo).
Pode-se dizer que, no texto, deve haver, de fato, um balanceamento entre informação
dada e nova, pois, como diz Koch (2000, p. 31), “é com base na informação dada, responsável
pela locação do que vai ser dito no espaço cognitivo do interlocutor, que se introduz a
informação nova, que tem por função introduzir nele novas predicações a respeito de
determinados referentes, com o objetivo de ampliar e/ou reformular conhecimentos já
estocados”. No entanto, isso não significa que se pode pré-determinar qual será a informação
dada e a nova na construção “subordinada” (e em qualquer tipo de construção), pois,
dependendo do contexto em que se insere uma determinada construção, o tipo de estatuto
informacional de seus segmentos pode variar. Além disso, ambos os segmentos da construção
podem, por vezes, apresentar o mesmo tipo de estatuto informacional, como se verá na análise
dos dados.
Outra questão a ser discutida diz respeito à associação posição inicial-informação dada
/ posição final-informação nova. É consenso entre os autores funcionalistas, como Givón
(1990) e Chafe (1984, apud DECAT, 1993), que, no fluxo de informação, em geral se parte de
uma informação dada para uma informação nova, ou seja, a informação dada tende a ocorrer
em posição inicial e a informação nova tende a aparecer na posição final73
.
Isso levaria a pensar, por exemplo, que a oração “coordenada” adversativa, por ocorrer
sempre na posição posposta, traz geralmente informação nova, e que a oração “subordinada”
adverbial concessiva, que pode aparecer em diferentes posições sintáticas, apresenta
informação dada quando vem em posição inicial (caso da posição anteposta) e informação
nova quando ocorre em posição final (posposta). Entende-se, aqui, que isso também pode ser
questionado, pois, como já foi discutido, o contexto de uso influi na determinação do estatuto
informacional das orações.
Assim, levando-se em consideração o contexto de uso, pretende-se verificar, neste
trabalho, com base em Prince (1981), por que os segmentos da construção adversativa e da
construção concessiva veiculam um tipo de estatuto informacional e não outro.
Martelotta (1998), por exemplo, registra que o segmento adversativo costuma trazer de
forma mais recorrente informação nova, mas que, quando carrega informação dada, apresenta
retomada de assunto (retomada do que já foi mencionado) ou conclusão (conclusão de um
73 Ressalte-se que essa distribuição pode dar-se tanto entre constituintes de uma oração quanto entre orações.
58
conjunto de argumentos a partir da retomada de argumentos básicos ou a ideia central desses
argumentos)74
.
Thompson et al. (2007), por sua vez, tratando especificamente das adverbiais
concessivas, apontam um caso em que ambos os segmentos da construção fazem referência a
conteúdos anteriores, servindo a construção toda como uma espécie de resumo, como se vê na
seguinte passagem de texto, apresentada pelos autores numa sequência de frases:
a) A Febre Mediterrânea é uma doença „periódica‟.75
b) A partir do momento em que os sintomas, febre e mal-estar, apareceram, eles recorrem
esporadicamente e imprevisivelmente durante toda a vida do indivíduo.76
c) Há, pelo menos, febre, que dura um ou dois dias, dores na junta e dor no peito e no
abdómen.77
d) Em casos mais graves, há comprometimento da articulação, descalcificação dos ossos e
insuficiência renal.78
e) Embora muitos dos indivíduos afetados não fiquem permanentemente e seriamente
incapacitados, cerca de 10% dos casos estudados até hoje apresentaram complicações
renais.79
(THOMPSON et al., 2007, p. 286)
Os autores apontam que, nesse caso, a oração adverbial destacada parece se referir ao
conteúdo de a, b e c, ao passo que a oração nuclear parece fazer referência ao conteúdo de d.
Sendo assim, a construção concessiva toda (o segmento concessivo e o nuclear) apresentaria
uma espécie de resumo que traz as possíveis consequências da doença.
Observações como essas que se acaba de apresentar podem servir como
encaminhamento para a investigação do estatuto informacional nas adversativas e nas
concessivas.
Outra questão referente ao fluxo de informação é o relevo informativo, representado
pelo par figura/fundo. Como se apontou no capítulo 1, consoante Givón (1990) a figura é a
linha principal do enunciado e o fundo é a porção tida como adicional.
Pesquisas desenvolvidas por McClure & Geva (1983) indicam que a conjunção but
(mas), como figura, introduz informação saliente, enquanto although (embora), como fundo,
introduz informação menos saliente. Tal fato, de certa forma, não surpreende, pois a oração
adversativa (com mas) introduz argumento forte e a oração concessiva (com embora) introduz
74 O autor não oferece exemplos.
75 a) Mediterranean Fever is a „periodic‟ disease.
76 b) Once the symptoms, the fever and malaise, have begun, they recur sporadically and unpredictably during
the individual‟s lifetime. 77
c) At least there is fever, lasting a day or two, joint pains, and chest and abdominal pain. 78
d) In advanced cases, there is a joint involvement, decalcification of the bone and kidney insufficiency. 79
e) Though most of the affected individuals are not permanently or seriously disabled, about 10% of cases
studied to date succumbed to renal complications.
59
argumento fraco, como se verá ainda neste capítulo. Além disso, no caso das concessivas
(com embora), especificamente, o segmento adverbial, como se mostrou no tópico 3.1, por ser
satélite, margem, traz informação adicional, o que seria compatível com a natureza de fundo.
A questão do relevo informativo, representada pelo par figura/fundo, é relacionada,
por vezes, à questão representada pelo par dado/novo, na distribuição da informação. Como já
se mostrou, Givón (1979), por exemplo, chama a atenção para o fato de que alguns autores
funcionalistas consideram que a oração “subordinada” adverbial traz informação dada
(pressuposta). Acrescenta-se, aqui, que, como informa o autor, a oração “subordinada”
adverbial vem associada à informação dada porque essa oração atua como fundo. No entanto,
como se verá na análise dos dados, apesar de a oração adverbial (concessiva) atuar mais
caracteristicamente como fundo, na maioria das vezes ela não traz informação dada. Isso
levaria a se questionar a dicotomia oração adversativa (informação nova) x informação
concessiva (informação dada).
Na questão do fluxo de informação, estão envolvidas também as funções discursivas
que são particulares da construção (adverbial) concessiva. A condição de “margem”
(LONGACRE, 2007), “satélite” (DIK, 1989; MATTHIESSEN & THOMPSON) da oração
concessiva faz que ela, por vezes, atue como “guia” (CHAFE, 1984, apud DECAT, 1993) ou
como elemento topicalizador (ZAMPRONEO, 1998).
Chafe (1984, apud DECAT, 1993) mostra que a informação trazida na oração
adverbial anteposta pode orientar a informação que será veiculada na oração “principal”,
servindo de “guia”. Trata-se da estratégia de fornecer uma moldura antes de fornecer o
conteúdo da moldura. Decat (1993, p. 186), com base em Chafe (1984) oferece exemplos de
construções em que a oração adverbial atua como “guia”, dentre os quais se destaca este:
80) então quando eu voltei... eh em oitenta e quatro... tá? o tipo de crime... da cidade havia
mudado um pouco a característica.
A autora afirma que, nesse caso, o trecho destacado serve como uma orientação para o
material seguinte ou como um guia para a atenção do receptor.
Decat (1993, p. 187) mostra, ainda, que, em alguns casos, a oração adverbial anteposta
não só orienta, guia, como também delimita a interpretação da porção de discurso
subsequente, como se vê neste excerto:
81) se a escola... domestica... eh... o corpo como que a Educação Física pode contribuir para
a NÃO domesticação... desse corpo né?
60
Zamproneo (1998, p. 157), por sua vez, mostra que a oração adverbial (concessiva)
intercalada pode funcionar como elemento topicalizador:
82) A ambivalência material/humano no artefato, ainda que pareça abstrata, adquire
importância capital.
Nesse caso, a oração concessiva topicaliza o sujeito da oração nuclear (“a
ambivalência material/humano”). No entanto, a autora mostra que a oração concessiva
intercalada pode operar topicalização de outros elementos da oração nuclear, como o verbo.
Assim, parte-se, aqui, do pressuposto de que a anteposição e a intercalação da oração
adverbial concessiva do córpus em análise podem ser motivadas, entre outros aspectos, pela
necessidade de orientar conteúdo subsequente (função de guia) ou de topicalizar algum
elemento da oração (função de elemento topicalizador), respectivamente. Isso levaria a pensar
que a opção pelo uso de uma construção hipotática adverbial concessiva, em vez de uma
construção paratática adversativa, poderia ocorrer pela possibilidade de as concessivas
exercerem funções discursivas que lhe são particulares, obtendo-se, assim, diferentes efeitos
de sentido.
Por outro lado, Decat (1993, p. 184), com base em Chafe, afirma que a posposição das
hipotáticas adverbiais, como decorrência de necessidade de realçar/emoldurar, faz que certas
ocorrências se assemelhem a adendo (afterthoughts), como se verifica neste trecho
apresentado pela autora:
83) “então eh eh ... aí nós começamos a trabalhar formamos dois subgrupos ... não é?
Fundamentos I e Fundamentos II... embora a minha ambição no projeto inicial... era a de
fazer todo um trabalho ... das das áreas de de to/que integrasse todas as disciplinas de
formação específica... no curso normal...”
O adendo constitui uma pós-reflexão sobre o que já foi enunciado; trata-se de uma
informação acrescentada que não teria sido planejada ao mesmo tempo em que o enunciado.
Devido a isso, é provável que o adendo ocorra com mais frequência na fala do que na escrita.
O trecho citado, por exemplo, foi retirado de córpus que traz um conjunto de textos da língua
falada.
Entretanto, verifica-se que a hipotática adverbial concessiva (posposta), quando ocorre
em textos escritos, também pode atuar como adendo. Martelotta (1998, p. 49), por exemplo,
identifica 4 (de 13 ocorrências) segmentos concessivos pospostos que funciona como adendo,
dentre os quais um deles ocorre em texto de língua escrita:
61
84) Alguma coisa tem que ser feita, e sem dúvida tem que começar por nós, mesmo sabendo
que o resultado não virá tão cedo. Daqui a 20, 50 anos, quem sabe...
Martelotta (1998) mostra, ainda, que o segmento adversativo também funciona como
adendo: de 153 ocorrências, em 13 delas o segmento adversativo tem essa função. No entanto,
o autor não oferece ocorrências para exemplificação.
Sendo assim, verifica-se que o segmento adverbial concessivo, quando vem posposto,
não apresenta uma função que lhe seja particular (diferentemente do que ocorre na posição
anteposta e na intercalada), pois, como se viu, o segmento adversativo também funciona como
adendo. Contudo, procura-se investigar, na análise dos dados, se um dos tipos de construção
(a parataxe ou a hipotaxe adverbial) favoreceria a presença de tal função.
Há outra questão ainda, referente ao fluxo de informação, que pode ser tratada para
comparar as adversativas com as concessivas. García (1994) mostra que cada tipo de
construção atua de forma particular no que se refere à relação tema/rema80
.
O autor afirma que o tema é caracterizado prioritariamente por ser conhecido e
subsidiariamente por ser inicial (ou seja: o tema é a figura do par informativo e o fundo do par
sequencial). O rema, por sua vez, se define prioritariamente por ser não inicial e
subsidiariamente por ser novo (isto é: o rema é a figura do par sequencial e o fundo do par
informativo).
De acordo com o autor, tais considerações estão de acordo com a observação de
alguns fenômenos que têm chamado a atenção dos estudiosos: i) o fundamental na unidade
temática é trazer algo novo, daí existirem orações que não possuem tema, mas não existirem
orações sem rema; ii) enquanto o tema pode pospor-se, o rema não pode antepor-se. É
possível, por exemplo, que uma oração concessiva ocorra tanto anteposta (embora não
estivesse seguro, me decidi) quanto posposta (me decidi, embora não estivesse seguro), mas
só é possível, por exemplo, que uma oração adversativa ocorra em posição posposta (não
estava seguro, mas me decidi), pois, se ocorresse na posição anteposta, a construção
adversativa seria agramatical (*mas me decidi, não estava seguro). (GARCÍA, 1994, p. 105)
Pelos exemplos aqui citados, observa-se a possibilidade de a oração concessiva, dada a
sua condição de membro “interordenado” (hipotático adverbial), ocorrer anteposta ou
posposta, o que faz que ela atue como tema; a oração adversativa, por outro lado, visto a sua
80 Saliente-se que García (1994) não adota uma abordagem funcionalista, no entanto entende-se que as
considerações feitas no que se refere ao par tema/rema podem servir como encaminhamento para uma análise
funcionalista das adversativas e das concessivas, pois já está em García (1994), por exemplo, a consideração de
que existem elementos novos e elementos dados nas construções.
62
condição de segmento “coordenado” (paratático), só pode aparecer na posição posposta, o que
faz que ela funcione como rema.
Assim, García (1994, p. 105) mostra que expressões como tinha medo / me dominei
podem ser organizadas de duas maneiras: com ênfase no tema (embora tivesse medo, me
dominei) ou com ênfase no rema (tinha medo, mas me dominei). Entretanto, o autor faz a
ressalva de que a concessiva não enfatiza simplesmente um tema, mas um tema que se apoia
em um tema anterior, ao qual se junta um rema anterior que contradiz o rema da construção
concessiva. A construção embora tivesse medo, me dominei, por exemplo, tem como
informação contextual (ou textual) prévia (de tipo causal) o medo faz perder o domínio de si
mesmo. Desse modo, o tema embora tivesse medo reitera seu tema implícito (o medo), mas
não compartilha seu rema implícito (faz perder o domínio de si mesmo). Da mesma forma, a
adversativa não enfatiza meramente um rema próprio, mas um rema que se apoia em um rema
anterior, ao qual se junta um tema anterior, que contradiz o tema da adversativa. A construção
tinha medo, mas me dominei supõe uma informação prévia não ter medo faz dominar-se. O
rema dessa frase (faz dominar-se) coincide com o rema da construção adversativa (mas me
dominei), mas o tema (não ter medo) contradiz o tema da construção adversativa (tinha
medo).
Dessa forma, pode-se afirmar que a opção pelo uso de uma das construções tem a ver
com as estratégias utilizadas: reitera-se um tema implícito, deixando o rema no segundo plano
(caso das concessivas), ou se reforça um rema implícito, colocando o tema no segundo plano
(caso das adversativas).
A partir do exposto, verifica-se que, quando está em questão o fluxo de informação, as
adversativas e as concessivas podem ser comparadas levando-se em conta a distribuição de
informação (par dado/novo), o relevo de informação (par figura/fundo) e a articulação
tema/rema81
. Além disso, cabe considerar a questão das funções discursivas: a de adendo, que
pode aparecer no segmento concessivo e no adversativo, e as de guia e elemento
topicalizador, que ocorrem especificamente no segmento concessivo.
Esses aspectos aqui tratados são investigados na análise deste trabalho a fim de cotejar
as concessivas e as adversativas. Nesse exame, tem-se como foco a rigidez posicional das
adversativas e a flexibilidade posicional das adverbiais concessivas.
81 Na análise dos dados, relaciona-se o par dado/novo ao par tema/rema.
63
3.3 A condução argumentativa nas construções adversativas e nas
construções concessivas
Ducrot (1981) afirma que muitos atos de enunciação têm função argumentativa, pois
objetivam levar o destinatário a uma determinada conclusão ou desviá-lo dela. Tal função
possui marcas na estrutura do enunciado: a frase pode apresentar expressões ou termos que,
além de seu conteúdo informativo, servem para dar uma orientação argumentativa ao
enunciado, conduzindo o destinatário a uma determinada direção.
Nessa linha, será mostrado o comportamento argumentativo das construções
adversativas e das construções concessivas, pois tais construções dão orientação
argumentativa ao enunciado.
A partir das observações de Ducrot e Vogt (1980), verifica-se que, na construção
adversativa, o mas conduz a conclusões contrárias: introduz-se uma proposição q que orienta
para uma conclusão não-r oposta a uma conclusão r à qual p poderia conduzir.
Retoma-se um exemplo citado na seção 2.2:
85) Ele é inteligente, mas estuda pouco. (DUCROT & VOGT, 1980, p. 104)
Essa frase pode ser lida da seguinte forma:
Argumento 1 Conclusão 1
Ele é inteligente estuda bastante
Argumento 2 Conclusão 2
Estuda pouco não estuda bastante
Como se viu no capítulo 2, o argumento da proposição p (ele é inteligente) aponta para
uma conclusão r (estuda bastante) e o argumento da proposição q (estuda pouco) aponta para
uma conclusão não-r (não estuda bastante). Nesse caso, é o argumento da oração adversativa
que prevalece (trata-se de argumento forte), o que se apontou na seção 2.2.
Ressalte-se que a construção concessiva também pode ser representada por esse
esquema argumentativo, pois, como diz Camarero (1999, p. 189), toda estrutura contra-
argumentativa, na qual se incluem tanto as construções adversativas quanto as concessivas,
contém um enunciado p, apresentado como um argumento possível para uma conclusão r, e
64
outro enunciado q, orientado para uma conclusão oposta (não-r). O autor traz um exemplo de
construção concessiva, representando-a no esquema argumentativo:
86) Embora um perigo desta nova medicina de bem-estar seja o fato de ela poder forjar em
alguns uma visão simplista e enganosa da natureza humana, penso que seu objetivo principal
é admirável: facilitar-nos a busca da felicidade e as oportunidades para encontrá-la.
Podemos pedir mais? 82
Argumento 1 Conclusão 1
esta nova medicina de bem-estar esta medicina pode ser prejudicial
pode forjar uma visão simplista
e enganosa da natureza humana
Argumento 2 Conclusão 2
o objetivo principal é admirável esta medicina é benéfica
Em 86, o argumento da proposição p (esta nova medicina de bem-estar pode forjar
uma visão simplista e enganosa da natureza humana) orienta para a conclusão r (esta
medicina pode ser prejudicial), mas o argumento da proposição q (o objetivo principal é
admirável) conduz para a conclusão não-r (esta medicina é benéfica). Aqui, o argumento da
oração concessiva não é o que prevalece (trata-se de argumento fraco).
Considerando que a construção adversativa e a construção concessiva se situam na
conexão de contra-argumentos para uma conclusão, levando, assim, a conclusões contrárias,
diz-se, em geral, que tais construções estabelecem oposição (RODRÍGUEZ, 1990) ou
contraste (GARCÍA, 2000) entre fatos.
Entretanto, a diferença fundamental entre a construção adversativa e a construção
concessiva, como apontam Rodríguez (1990), Camarero (1999) e García (2000), está no
argumento que se destaca: como se viu, a oração adversativa constitui um argumento forte e a
oração concessiva se apresenta como um argumento fraco. Assim, a construção adversativa e
a construção concessiva trazem, como diz Guimarães (2007), diferentes orientações
argumentativas83
. Dessa forma, como afirma o autor, em cada caso o texto progride em uma
determinada direção. Nos exemplos citados a seguir, pode-se verificar essa diferença de
comportamento:
82 Aunque un peligro de esta nueva medicina del bienestar es que puede fomentar en algunos una visión
simplista y engañosa de la naturaleza humana, pienso que su objetivo principal es adimirable: facilitarnos la
búsqueda de la felicidad y las oportunidades para encontrarla. Podemos pedir más? 83
Entende-se como orientação argumentativa a apresentação de um argumento como algo que se considera que
deve fazer o interlocutor chegar a uma determinada conclusão.
65
87) / Os incidentes de Leme envergonham o país / , / mas o país não parece estar
envergonhado / . / A nação não está tomada por um sentimento doloroso de esturpor ou de
indignação. /
Outras coisas não aconteceriam em países modernos ou democráticos, a começar por
uma greve de cortadores de cana obrigados a cumprir sua tarefa sem que o patrão lhes
forneça luvas ou facão. Mas nada disso chega a sensibilizar os brasileiros que vivem
conforme os padrões materiais entre aceitáveis e excelentes, e que convivem sem maiores
tormentos com a miséria da maioria dos seus patrícios (esta palavra castiça de raízes latinas
tem algo de irônico: em latim, patrício quer dizer nobre e rico). Assim, em lugar de entender
que os incidentes como os de Leme teriam de caber apenas em filmes de aventuras medievais,
ou do gênero faroeste, os brasileiros bem postos na vida tratam do assunto como se a
violência brotasse de um duelo entre forças iguais. (GUIMARÃES, 2007, p. 112)
88) ... Já pelos temas, fica bem marcado o caráter interdisciplinar da reunião.
/ Embora o tema central enfatizasse a necessidade de uma discussão ampla dos
problemas do Oeste brasileiro como um todo / , / o Pantanal acabou por se tornar a grande
estrela do evento / , / o que, afinal, já era de esperar, visto que o encontro atraiu para Campo
Grande as maiores autoridades brasileiras do assunto. / (GUIMARÃES, 2007, p. 112)
Em 87, o autor diz que, como é a oração adversativa que traz o argumento
predominante (forte), o texto progride levando em conta a direção indicada por esse
argumento. Observe-se que a ideia da acomodação do país diante dos fatos aparece na oração
adversativa (o país não parece estar envergonhado) e prevalece no decorrer do texto, como
exemplificam os seguintes trechos: mas nada disso chega a sensibilizar os brasileiros que
vivem conforme padrões materiais entre aceitáveis e excelentes; os brasileiros bem postos na
vida tratam do assunto como se a violência brotasse de um duelo entre forças iguais.
Em 88, por sua vez, o autor diz que, como é a oração nuclear que apresenta o
argumento predominante (forte), o texto progride levando em consideração a direção indicada
por esse argumento. Note-se que o texto progride levando em conta a ideia de que o congresso
não se ateve ao tema proposto, conclusão tirada a partir do fato expresso na oração nuclear (o
Pantanal acabou por se tornar a grande estrela do evento). A expressão o que já era de
esperar, que ocorre após a construção concessiva, mostra que esse acontecimento não
surpreende, embora fosse imprevisto antes.
Como se vê, cada construção indica uma orientação argumentativa, fazendo que o
texto progrida em determinada direção. Essa distinção se dá, como se disse ainda há pouco,
pelo fato de que o segmento adversativo e o segmento concessivo apresentam diferentes
forças argumentativas.
66
Por outro lado, é possível afirmar que as adversativas e as concessivas se
assemelhariam pelo fato de trazerem concessão84
. Como mostra Koch (1997, p. 65), quando
se indica concessão, “em vez de se apresentar o argumento como resultado de uma
argumentação por autoridade, de maneira “ditatorial”, reconhecem-se estrategicamente as
razões do outro.” (grifo meu) Trata-se daquilo que Garcia (1997, p. 375) chama de
“concordância parcial”: reconhece-se um argumento para, em seguida, refutá-lo.
Grote et al. (1997, p. 93-94) apresentam três motivações para a presença de concessão
em construções adversativas e/ou concessivas, a saber:
A) Concessão I: Convencer o leitor
89) Embora seja verdade que o Windows é barato, eu, no entanto, não compraria, porque ele
tem muitos defeitos85
.
Trata-se, nesse caso, da concessão do tipo argumentativo, já que o objetivo é
convencer o leitor, parafraseando contra-argumentos já explicitados ou antecipando aqueles
que ainda não foram enunciados para concedê-los, ao mesmo tempo em que se insiste na
dominância de outro argumento.
B) Concessão II: Prevenir falsas implicações
90) As salas de aula são pequenas, mas não inadequadas86
.
Na concessão do tipo II, o locutor tem de antecipar inferências que o interlocutor
poderia fazer a partir de um fato presente no discurso. Como apontam Grote et al. (1997), esse
tipo de concessão aparece principalmente na língua falada.
C) Concessão III: Informar sobre eventos inesperados
91) Embora fosse Dezembro, não nevou e a temperatura subiu para 20 graus87
.
Na concessão do tipo III, o principal objetivo é simplesmente informar sobre dois
eventos, enfatizando que a correlação entre eles não é comum ou não é esperada.
Na análise dos dados desta dissertação, consideram-se as concessões do tipo I e III,
pois elas aparecem com mais frequência no córpus.
84 Saliente-se que, como já se disse, a construção adversativa (com mas) nem sempre expressa concessão.
85 Although you are correct that Windows is cheap I nevertheless wouldn‟t buy it, because it has many bugs.
86 The classrooms are small, though not unsuitable.
87 Although it was December, no snow fell and the temperature rose to 20 degrees.
67
Apesar de tanto as adversativas quanto as concessivas apresentarem concessão, por
motivações particulares, como as apontadas por Grote et al. (1997), pode-se considerar que
cada tipo de construção constitui uma estratégia argumentativa particular. Caberia ao locutor
optar por utilizar uma das estratégias de acordo com as necessidades comunicativas.
Neves (2000) afirma que, nas adversativas, o falante admite uma proposição e, nas
concessivas, refuta uma proposição, como se verifica nestes esquemas oferecidos em sua
obra:
92. Eu não assistia a todas as aulas, mas começava a aprender com elas.
93. Embora eu não assistisse a todas as aulas, começava a aprender com elas.
Esquema adversativo
a) eu admito que eu não assistia a todas as aulas;
b) (de qualquer modo / ainda assim) eu começava também a aprender com elas. (NEVES,
2000, p. 876-77)
Esquema concessivo
a) alguém/você pode me objetar que eu não assistia a todas as aulas, e eu não desconheço
isso;
b) (de qualquer modo / ainda assim) eu começava também a aprender com elas.
Observe-se que, em 92, vem expressa uma admissão na oração inicial da construção
adversativa (o falante admite algo ao ouvinte) e, em 93, apresenta-se uma refutação na oração
concessiva (ao prever uma possível objeção do ouvinte, o falante já faz a refutação).
Guimarães (1981), por outro lado, considera que a estratégia do mas é a de frustrar a
expectativa e a do embora é a de manter a expectativa. Na estrutura A, mas B, diz-se algo que
pode ser assumido como argumento válido e, em seguida, nega-se a validade de tal
argumento, pois se apresenta outro argumento que aponta para conclusão oposta. Na estrutura
Embora B, A, ao contrário, apresenta-se um argumento para uma conclusão já se antecipando
que o que prevalecerá é o outro argumento que ainda será apresentado. Obviamente, essa
diferenciação entre as conjunções referidas é válida apenas quando o embora ocorre em
segmento adverbial anteposto. Apesar disso, as observações feitas por Guimarães (1981) se
mostram pertinentes para a análise aqui empreendida, pois, como se verá, no córpus
examinado a conjunção embora aparece, na maioria das vezes, na posição anteposta.
Guimarães (2007), além de apontar essas diferenças entre as adversativas (com mas) e
as concessivas (com embora), mostra, com base na semântica argumentativa, que, por outro
68
lado, tais construções se aproximam por exibirem, igualmente, o fenômeno de polifonia. Com
base em Bakhtin, o autor explica que a polifonia é a convivência de vozes diferentes no
discurso e, consequentemente, de perspectivas distintas.
O autor mostra que, no discurso, poderão ser ocupados diferentes papéis: o de
enunciador, o de locutor e o de alocutário. O enunciador é a posição do sujeito que estabelece
a perspectiva da enunciação. O locutor L é aquele que se representa como fonte do dizer e o
locutor Lp é o locutor que constitui pessoa no mundo. Por outro lado, o alocutário AL é a
representação do ouvinte no discurso e o alocutário ALp é o alocutário que constitui pessoa
no mundo. A partir dessas informações, é possível fazer uma leitura polifônica dos exemplos
87 e 88 citados.
Em 87, o texto se constrói na perspectiva do locutor L, que vai na direção de o povo
não se revolta (conclusão tirada a partir do argumento da oração inicial), e busca uma adesão
do alocutário ALp à revolta do locutor Lp, que apresenta outra perspectiva, a de que o povo
deve se revoltar, conclusão tirada a partir do argumento da oração adversativa. Nesse caso, a
perspectiva do locutor L e a perspectiva do locutor Lp constituem diferentes pontos de vista.
Em 88, por sua vez, também se representam duas perspectivas. A oração concessiva,
que conduz à conclusão o congresso se ateve ao tema central proposto, traz a perspectiva dos
formuladores do tema do encontro (o título não é escolhido da perspectiva do locutor, mas
imposto pela perspectiva do tema do encontro). Por outro lado, a oração nuclear, que leva à
conclusão o congresso não se ateve ao tema central proposto, apresenta a perspectiva do
locutor, que, ao expô-la, faz uma avaliação (o que era de se esperar).
A polifonia presente na construção adversativa e na construção concessiva evidencia
que não é possível compreender o funcionamento real dessas construções sem que se leve em
consideração a relação estabelecida entre locutor e interlocutor.
Essa relação também fica evidente quando as adversativas e as concessivas são vistas
na “lei da preferência” (GARCÍA, 1994), uma categorização bastante reveladora desses dois
tipos de construção.
Para que se entenda o funcionamento da lei da preferência, é necessário saber,
primeiramente, qual é a concepção de signo adotada pelo autor. Com base em Peirce, García
(1994) propõe que o signo é dialógico, pois a língua é um fato social. O autor diz que, no
signo dialógico, há a associação de um significante dito por um falante com o significado que
69
é suscitado em um ouvinte88
. Dessa forma, verifica-se que, por parte do emissor, a forma
pronunciada é dominante (figura) em relação ao sentido recessivo (fundo) e, por parte do
receptor, o sentido que se desenvolve em sua mente é dominante (figura) em relação à forma
recessiva (fundo) que ele chega a captar89
.
García (1994) mostra, assim, que há diversas instâncias semióticas resultantes das
tensões que geram as formas e os sentidos do emissor e do receptor. A partir disso, o autor
propõe leis perceptivas, dentre as quais a lei da preferência.
Na lei da preferência, há o enfrentamento do sentido captado pelo receptor, elemento
forte que funciona como figura, com o sentido do emissor, elemento fraco que atua como
fundo. A preferência pode ser explicada da seguinte maneira: o ouvinte entende um certo
sentido ilocucional emitido pelo falante90
e acrescenta a disposição de responder de uma certa
maneira no turno seguinte segundo seu conhecimento das convenções sociais e das
circunstâncias91
.
García (1994) mostra que tal lei pode ser manifestada por diferentes opções: a
“coordenativa” (aqui chamada de paratática), associada à construção do tipo alter, e a
“interordenativa” (aqui denominada hipotática adverbial), associada à construção do tipo
alius.
Na construção do tipo alter, um dos turnos representa a contribuição de um
participante, e o seguinte, a intervenção de outro participante (embora pudesse haver mais
participantes), e cada turno não responde exclusivamente ao anterior, mas ao tema geral da
conversação de que se trata. Por outro lado, na construção do tipo alius, um dos turnos
representa a contribuição do falante, que propicia a do ouvinte, e o outro, a intervenção do
ouvinte, que é suscitada pela do falante e responde a ela.
O autor diz que, quando a conversação se projeta na estrutura da expressão composta,
a construção do tipo alius se transforma em interordenação e a construção do tipo alter em
coordenação. Na coordenação (tipo alter) cada sequência é atribuída a um participante
indiferenciado, pois a informação relevante deve aparecer no princípio; caso contrário, seria
88 O autor diz que, no signo dialógico, tem-se a impressão de que se pode associar em um diálogo (e em geral na
comunicação, caso em que o falante se converte em emissor e o ouvinte em receptor) a forma do falante com o
sentido que se desenvolve na mente do ouvinte. 89
García (1994) diz que, na “fala real”, a forma da mensagem é menos percebida que o sentido. Basta pensar,
por exemplo, que, como mostra o autor, passado certo tempo desde a emissão de uma mensagem pelo falante, o
ouvinte nem sequer pode recordar a forma utilizada pelo falante para transmitir sua mensagem. Mesmo assim,
reconstrói o sentido do falante e enriquece o sentido do falante com todo tipo de inferências. Daí o sentido do
receptor ser figura e a forma captada por ele ser fundo. 90
Pode ser um convite, uma pergunta, uma ordem, etc. 91
As preferências são sentidos fortes acrescentados pelo receptor.
70
possível interpretar que o participante do qual depende a sequência seguinte introduz
informação nova. Na interordenação (tipo alius), por outro lado, a primeira sequência depende
de um falante que mantém uma interlocução com o ouvinte sobre um tema conhecido de
ambos, sendo indiferente a ordem em que aparece a informação, pois falante e ouvinte se
movem em um universo semântico fechado.
Assim, García (1994) considera que as adversativas e as concessivas constituem duas
formas diferentes de manifestação da lei da preferência, a construção coordenada (do tipo
alter) e a construção interordenada (do tipo alius), respectivamente. Visto isso, restaria
verificar como a adversativa (construção “coordenada”) e a concessiva (construção
“interordenada”) expressam a relação de preferência.
No caso das construções concessivas, na relação Concedente (oração adverbial
concessiva) + Concedido (oração nuclear), o concedente, que revela o conjunto de
convenções sociais e culturais, preferiria o contrário do que é dito no elemento concedido. No
entanto, o sujeito da enunciação, que também participa do sistema de preferências, pode ter
uma preferência individual que é contrária à social. Assim, García (1994) propõe a seguinte
fórmula para as construções concessivas:
[Fundo: concedente] ativador de preferência
[FIGURA: CONCEDIDO] antipreferência manifestada
No trecho
94) Embora neve, sairei.92
(GARCÍA, 1994, p. 169),
a oração concessiva embora neve funciona como ativadora de preferência (ativa-se a
ideia de que nevar é, segundo as convenções sociais e culturais, condição para impedir que o
fato a ser expresso posteriormente ocorra)93
e a oração nuclear sairei expressa uma
antipreferência (não é a preferência social que se mantém, mas a do sujeito enunciador).
Dessa forma, o concedente registra um enunciado do qual segue uma implicação de
preferência que, no entanto, é desautorizada pelo concedido.
Para as construções adversativas, por sua vez, García (1994, p. 346) propõe o seguinte
esquema:
92 Aunque nieva, saldré.
93 Nesse caso, dado o sistema social de preferências, apoia-se no que o ouvinte poderia dizer.
71
{FIGURA: EXPRESSÃO PLENA} {fundo: expressão adversa}
(sentido do emissor) (SENTIDO DO RECEPTOR) preferido
No exemplo
95) Ele ganha pouco, mas trabalha94
. (GARCÍA, 1994, p. 348),
o que se impõe é a preferência representada pela implicação que se extrai do segmento
adversativo (não está parado, tem trabalho).
Saliente-se que, na construção adversativa, no entanto, há, segundo o autor, uma
“contradição”, pois, do ponto de vista informativo, a expressão adversativa apresenta um
simples acréscimo de informação, já que atua como fundo. Entretanto, do ponto de vista
semântico, a expressão adversativa traz um conteúdo “forte” que se comunica ao receptor95
,
ou seja, a força argumentativa da oração adversativa que está a favor de uma conclusão C é
maior que a força argumentativa da oração inicial que está a favor de uma conclusão contrária
a C96
.
Observa-se que, embora tanto as adversativas quanto as concessivas sejam incluídas
na lei da preferência, na construção concessiva se expressa uma relação de antipreferência
(uma “restrição desprezada”) e na construção adversativa está presente uma relação de
preferência (uma “restrição mantida”).
Considerando-se a lei da preferência e, também, o fenômeno de polifonia, observa-se
que, na construção adversativa e na construção concessiva, no segmento que traz argumento
forte manifesta-se o ponto de vista do locutor e naquele que apresenta argumento fraco traz-se
ponto de vista do interlocutor. No entanto, Gouvêa (2002), analisando o mecanismo de
concessão em textos jurídicos, verifica que, em alguns casos de adversativas e de concessivas,
apresenta-se posicionamento do locutor no segmento que traz argumento fraco, fenômeno que
a autora denomina de “mudança de posição do locutor”. Para exemplificar isso, apresentam-se
estas ocorrências trazidas por Gouvêa (2002):
96) O Prof. Emanuel Kadt dizia não conhecer outro país onde a medicina fosse tão
descaradamente comercializada como no Brasil, embora o fato não possa ser desvinculado
do modelo econômico geral. (GOUVÊA, 2002, p. 182)
94 Gana poço, pero trabaja.
95 O autor toma como base os postulados de Ducrot e sua escola.
96 Saliente-se que García (1994) julga que o segmento adversativo é fundo apenas sob o ponto de vista
informativo. Neste trabalho, considera-se que, sob um ponto de vista semântico-pragmático, esse segmento deixa
de constituir um mero acréscimo de informação e passa a atuar como figura.
72
A autora diz que, nessa construção, o locutor argumenta da perspectiva mais fraca (ou
seja, a sua voz se manifesta no segmento concessivo) porque o depoimento do professor era
mais importante do que uma ressalva qualquer que o locutor tivesse de fazer às palavras desse
professor.
97) (...) Portanto, teria pago valor superior ao dos objetos por cuja subtração foi acusado
pelo Ministério Público, que lhe imputa este peculato impróprio, consistente em subtrair para
si objeto de que não tem a posse, mas ao qual tem acesso, em razão da qualidade de
funcionário. (GOUVÊA, 2002, p. 101)
Como mostra a autora, nessa construção o argumento da perspectiva mais fraca (no
segmento inicial) direciona o raciocínio para a tese que o locutor, que é o juiz, vai defender na
sentença: a de que a denúncia oferecida contra o réu é improcedente. Nesse caso, segundo
analisa a autora, o juiz se posicionou na perspectiva mais fraca porque não poderia omitir o
que determinava um dos parágrafos registrados em documentos que representam a lei, que
seria decisivo para a interpretação do delito em questão.
Sendo assim, observa-se que, apesar de, nas adversativas e nas concessivas, o
argumento forte se relacionar com o ponto de vista do locutor, há casos em que, por
motivações particulares, é o argumento fraco que exibe o posicionamento do locutor. No
entanto, acredita-se que a “mudança de posição” ocorra em casos excepcionais, dado que, nas
construções em questão, o segmento que traz argumento forte (o segmento adversativo e o
segmento nuclear nas adversativas e nas concessivas, respectivamente) atua, em geral, como
figura, trazendo, assim, informação mais saliente.
A partir do que se expôs, nota-se que, por um lado, a construção adversativa e a
construção concessiva são igualmente argumentativas e são incluídas na lei da preferência (ou
no fenômeno de polifonia), sendo utilizadas para fazer prevalecer um dos argumentos
apresentados, que, por vezes (quando há “mudança de posição”), pode corresponder ao do
interlocutor. Por outro lado, cada tipo de construção exibe uma orientação argumentativa
específica, dado que o segmento adversativo e o segmento concessivo trazem diferentes
forças argumentativas. Além disso, cada construção constitui uma estratégia argumentativa,
cabendo ao locutor a escolha de uma das estratégias, de acordo com suas intenções
comunicativas.
73
4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
4.1 Procedimentos estabelecidos para a análise
Como vem sendo apontado, estabelece-se, neste trabalho, uma comparação entre as
construções adversativas com mas e as construções concessivas com embora.
O critério utilizado para a consideração das conjunções mas e embora,
especificamente, deu-se pela (maior) frequência de uso. No que se refere às adversativas, em
específico, desconsideram-se, na análise, as construções em que o mas ocorre em correlação
com outro item.
As adversativas (com mas) e as concessivas (com embora) consideradas na análise
deste trabalho são vistas em diversos níveis de conexão, já que, neste trabalho, pretende-se
observar os usos efetivos dessas construções.
Oferecem-se, a seguir, as ocorrências de concessivas que exemplificam os diferentes
níveis de conexão identificados no córpus:
I) Sintagma-Sintagma:
98) Eu acho que é sabedoria do povo brasileiro”, arrematou, em seguida a uma tirada
brilhante, embora um nonsense tomado ao pé da letra: se tivesse sido entrevistado, enfatizou,
“não seriam 63%, seriam 64%” os desfavoráveis à sua permanência no Planalto além do
tempo regulamentar. (OESP, 04/12/07)
II) Oração-Oração:
99) Embora tenha comemorado a redução de 20% no desmatamento de agosto de 2006 a
julho de 2007, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) não se acomodou sobre os louros.
(FSP, 31/12/2007)
III) Oração-Sintagma97
:
100) Os fiscais agiram: embora com uma pequena equipe de 30 agentes, de janeiro de 2005
a outubro deste ano, 5.786 estabelecimentos foram notificados por estarem fora da lei, 1.065
foram multados e 189 fechados. (OESP, 30/11/07)
No caso das adversativas, apesar de elas poderem manifestar essas mesmas conexões,
opta-se por considerar os diferentes tipos de junção que podem ser estabelecidos apenas por
segmentos “coordenados” no nível do enunciado: entre parágrafos, por exemplo. Dessa
forma, é possível mostrar que, já em relação ao nível de conexão, as adversativas e as
97 A ordem considerada é esta: segmento nuclear + segmento concessivo.
74
concessivas apresentam uma diferenciação, comentando-se as possíveis consequências dessa
distinção.
Destacam-se os tipos de conexão da construção adversativa identificados no córpus:
I) Sintagma-Sintagma:
101) Atualmente, os crimes de trânsito – de lesão corporal culposa (sem intenção), de
embriaguez ao volante ou de participação em rachas – podem ser julgados em juizados
especiais, com tramitação mais rápida, mas com penas mais brandas. (OESP, 24/12/2007)
II) Oração-Oração:
102) A produção de álcool a partir do milho se concentra no Meio-Oeste, mas os grandes
mercados estão nas costas Leste e Oeste. (FSP, 25/12/2007)
III) Trecho de oração-Oração:
103) É verdade que as condições atuais - em termos de taxa média de juros e prazos- são
melhores, mas ainda estão longe do ideal. (FSP, 27/12/2007)
IV) Oração-Sintagma:
104) O conservadorismo excessivo do Banco Central tem prejudicado a consecução desse
objetivo, mas apenas em parte. (FSP, 19/11/2007)
V) Enunciado-Enunciado:
105) Parte da lenta gestão orçamentária se deve ao contingenciamento de verbas necessário
para o cumprimento das metas de superávit primário. Mas outra parte se deve ao próprio
Ministério da Agricultura. (OESP, 25/11/07)
VI) Trecho de enunciado-Enunciado:
106) A segunda parte é mais fácil, pois Morales sustenta índices de popularidade de 60%.
Mas enfrenta oposição bem-articulada, que comanda seis dos nove departamentos do país –
sobretudo na faixa leste, a mais rica – e tem votos suficientes na Assembléia para impedir
que o governo obtenha maioria qualificada. (FSP, 27/11/2007)
VII) Enunciados-Enunciado:
107) As pessoas têm uma compreensível empatia com o sofrimento de animais. Sentem
repulsa diante de procedimentos que possam causar estresse, dor ou até a morte de cobaias.
Mas, infelizmente, não existem métodos alternativos ao emprego de animais em vários
estudos imprescindíveis para criar tratamentos destinados a curar seres humanos. (FSP,
12/11/2007)
75
VIII) Parágrafo-Enunciado:
108) Para que os EUA voltem a crescer, a desvalorização pode tornar-se imprescindível. Ao
facilitar as exportações americanas e inibir as importações, o dólar barato tende a ajudar na
diminuição do seu déficit comercial com o resto do mundo.
Mas, para tanto, a administração de um dilema de curto prazo pelos principais bancos
centrais fará toda a diferença. De um lado está o risco de recessão, que recomenda redução
das taxas de juros de curto prazo. Do outro está um fenômeno que sugere a terapia oposta: a
inundação de capitais em busca de aplicações rentáveis infla o preço dos produtos, moedas e
títulos emergentes. (FSP, 27/11/07)
IX) Trecho de parágrafo-Enunciado:
109) O metrô continua sendo o meio de transporte mais bem avaliado pela população, mas
nos últimos oito anos, conforme pesquisa realizada pela Associação Nacional de Transportes
Públicos (ANTP), o número dos passageiros que consideram os serviços satisfatórios tem
apresentado quedas significativas. Entre 2006 e 2007, o “índice de satisfação” caiu de 93%
para 85%. A redução era esperada, afirma o secretário dos Transportes Metropolitanos, José
Luiz Portella. Segundo ele, o acidente ocorrido na Estação Pinheiros, o desalinhamento na
escavação do túnel da Linha 4 e três greves dos metroviários foram fatos que tisnaram a
imagem do sistema de metrô em 2007.
Mas nada disso impediu que a demanda do serviço continuasse crescendo. Ao
contrário, seus trens transportaram diariamente, no primeiro bimestre, 2,629 milhões de
passageiros – 300 mil a mais do que o registrado no mesmo período do ano passado. O
número de pessoas transportadas pelo metrô vem crescendo, em média, 15% ao ano. (OESP,
21/12/07)
X) Parágrafos-Enunciado:
110) Não bastasse a cúpula do setor público – estimada nas reportagens em 74 mil pessoas
– sugar do contribuinte (em salários) 24,5 vezes mais do que ele aufere, em média, ante 4,5
nos EUA e 4,4 na Espanha, as regalias de que desfrutam incluem frotas de Ômegas
australianos e outras marcas luxuosas, usados também pelos familiares, moradias gratuitas
com enxovais periodicamente renovados, serviços de massagem, acupuntura, “ginástica
laboral” nos locais de trabalho, hidromassagem, aulas de “gerenciamento de estresse”, etc.
E roupas, manjares, pedômetros, TVs de plasma, taças “selo ouro” para bebidas alcoólicas,
porta-perfumes “em aço inox com gravação a laser” – um desafio à imaginação. O Planalto
pode não ser o que mais gasta, mas, sob Lula, gasta cada vez mais, com um abandono de dar
gosto – R$ 29 milhões na média mensal deste ano, ante R$ 18,5 milhões em 2003.
Impossível saber a destinação de toda a dinheirama porque R$ 4,8 milhões dos R$ 4,9
milhões gastos em 2006 pela Secretaria de Administração da Presidência com cartões de
crédito estão sob sigilo “para garantia da segurança da sociedade e do Estado”.
Mas o governo recusa-se a reduzir gastos. Lula está com a consciência tranqüila.
Afinal, 11 milhões das famílias mais pobres do Brasil recebem o Bolsa-Família. (OESP,
21/11/07)
76
XI) Parágrafo-Parágrafo:
111) O vultoso aporte para a caixa do Tesouro, em janeiro, é um dinheiro extra, que não
constava dos orçamentos oficiais. Corresponde a um mês e meio da arrecadação que seria
propiciada pela extinta CPMF. Justifica-se plenamente, portanto, o comentário do
superintendente de serviços privados da Anatel, Jarbas Valente, de que os recursos do leilão
ajudarão a cobrir parte das despesas que o governo pretendia fazer se dispusesse da CPMF.
Mas o Tesouro ainda terá a vantagem dos recolhimentos de tributos sobre as novas
atividades e sobre os bens que serão fornecidos para a telefonia 3G. (OESP, 22/12/07)
No exame das adversativas e das concessivas, apesar de serem considerados esses
diferentes tipos de conexão apontados, eles não serão codificados, sistematicamente. No
entanto, no decorrer da análise, quando se julgar pertinente, será feita referência ao tipo de
conexão das construções em estudo, pois, em alguns casos, isso influi na determinação de
efeitos de sentido particulares.
Na análise empreendida, também se consideram, com base em Neves (1999, 2000), os
valores semânticos das adversativas e das concessivas, que se exemplificam aqui.
Quanto às concessivas, os valores semânticos identificados foram estes:
I. Negação de inferência:
112) Embora seja prevista pela Lei de Diretrizes e Bases, editada em 1996, até hoje essa
medida não havia sido implementada. (OESP, 25/12/07)
II. Restrição:
113) Utilizando outra metodologia e outro grupo de empresas, a Sondagem da Indústria de
Transformação de Fundação Getúlio Vargas (FGV) também constatou, embora com números
diferentes, a disposição da maioria das indústrias de investir mais no próximo ano. (OESP,
03/12/07)
III. Contraste:
114) Embora mostrem alguma divergência, estimativas feitas por órgãos do governo e por
institutos privados coincidem num ponto: a agricultura prepara-se para quebrar novos
recordes, agora não só de produção, mas também de renda. (OESP, 12/11/07)
No que tange às adversativas, os valores semânticos encontrados foram os seguintes:
I. Contraposição em direção oposta - contraste:
115) O Índice das Condições Econômicas Atuais, um dos componentes do indicador geral,
diminuiu 3,3% em relação ao de novembro, mas o de Expectativas aumentou 7%. (OESP,
29/12/07)
77
II. Contraposição em direção oposta - restrição:
116) O Brasil deveria seguir esse exemplo, mas sem recair no estatismo populista. (FSP,
29/11/07)
III. Contraposição em direção oposta – negação de inferência:
117) O Ministério da Defesa e a Anac estão tratando sintomas com remédios heróicos, mas
não atacam a raiz do mal. (OESP, 10/12/07)
IV) Contraposição em direção oposta – compensação:
118) As medidas adotadas pelo Conselho Monetário Nacional não foram as esperadas pelos
clientes que consideram escorchantes as tarifas cobradas até agora. Mas pelo menos
permitirão que o cliente atento faça comparações entre os bancos. (OESP, 09/12/07)
V) Contraposição na mesma direção:
119) A economia está crescendo com força, o que facilita a diluição dos custos do ajuste.
Mas é preciso, sobretudo, que governo e oposição voltem logo às negociações com espíritos
desarmados e ambições mais elevadas. (FSP, 14/12/07)
VI) Contraposição em direção independente:
120) Fizeram-no mais para evitar ser responsabilizados por um eventual fracasso, mas o fato
é que pela primeira vez estavam todos lá e viram Olmert discursar. (FSP, 28/11/07)
VII) Eliminação:
121) No começo o Brasil até tentou embargar – mas desistiu – o texto da Organização das
Nações Unidas (ONU) que concita o País a indenizar as vítimas de torturas em suas prisões,
afirma que a impunidade dos autores desses crimes prisionais, no Brasil, é a regra, além de
enfatizar que aqui as cadeias são “imundas, desumanas e asfixiantes”. (OESP, 25/11/07)
VIII) Valor não previsto:
122) Desde 2004, a pesquisa inclui toda a malha federal pavimentada. Mas o total
pesquisado vem crescendo seguidamente, por causa da incorporação de estradas estaduais e
a ampliação da malha federal. (OESP, 13/11/07)
Na análise dos dados, apesar de serem apresentadas porcentagens relativas a todos os
valores semânticos das adversativas e das concessivas, procura-se focar os valores
compartilhados entre essas construções: o de contraste, restrição e negação de inferência.
A seguir, antes que se passe a tratar dos procedimentos adotados para a seleção e a
delimitação do córpus, trazem-se informações sobre a natureza do córpus utilizado neste
trabalho: o editorial.
78
4.2 Córpus: o editorial
Neste tópico, trata-se das características do editorial, que, como se mencionou,
constitui o córpus deste trabalho. Como o editorial é um gênero discursivo, antes que se passe
a apontar tais características, apresenta-se brevemente, com base em Bakhtin (1992), a
definição de gênero.
Bakhtin (1992) afirma que a língua se efetua em forma de enunciados concretos,
provenientes de certas esferas da atividade humana, que determinam as condições específicas
e as finalidades de produção. Cada uma das esferas elabora seus tipos relativamente estáveis
de enunciados, denominados de gêneros do discurso. O autor considera que os enunciados que
compõem os gêneros são relativamente estáveis porque as atividades humanas são
inesgotáveis. Cada esfera de atividade traz um repertório de gêneros que vai diferenciando-se
e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve.
Tendo isso em vista, informe-se, em primeiro lugar, que o editorial é um gênero
discursivo pertencente à esfera jornalística. Como tal, o editorial compartilha certas
características98
com os demais gêneros do jornalismo, como o artigo, a notícia, a reportagem.
Dentre elas, destacam-se, aqui, a função e a linguagem.
Segundo Hudec (1980), é próprio do jornalismo a transmissão de informações
(notícias) atuais e a orientação do público. Essas funções podem ser atribuídas aos gêneros
jornalísticos em geral, embora eles sejam divididos, normalmente, em gêneros informativos
(como a notícia, a reportagem) e opinativos (como o editorial, a carta, a resenha) (MELO,
2003).
No que se refere à linguagem jornalística, Lage (2001) aponta três aspectos: os
compromissos ideológicos, os registros de linguagem e o processo de comunicação. No que
diz respeito ao compromisso ideológico, ele está presente porque não se faz jornalismo fora
da sociedade e do tempo histórico. Em relação aos registros, a linguagem jornalística fica
entre o registro coloquial (típico da modalidade falada) e o formal (próprio da modalidade
escrita), dado que se alia a necessidade de usar a norma culta à de ter eficiência na
comunicação. No que concerne à questão comunicativa, a linguagem jornalística é, por
98 Aqui, não se pretende oferecer uma “lista” de características do editorial, já que se adota a concepção
bakhtiniana de gênero discursivo, segundo a qual, como se viu, os gêneros se compõem de tipos relativamente
estáveis de enunciados. Assim, procura-se apontar apenas alguns aspectos do editorial para que se possa vê-lo
como um gênero específico.
79
definição, referencial, pois trata de algo do mundo, exterior ao emissor, ao receptor e ao
processo comunicativo.
Dentre os aspectos arrolados a respeito da linguagem, cabe tecer comentários a
respeito do processo de comunicação. A linguagem referencial, utilizada nos gêneros
jornalísticos, caracteriza-se essencialmente pela neutralidade da informação (pela
imparcialidade). Contudo, como afirmam Faria & Zanchetta (2002), mesmo utilizando essa
linguagem, os jornalistas acabam por revelar seus posicionamentos. Isso mostra que a
objetividade em textos jornalísticos, como diz Rossi (2000), é um mito. Mesmo assim, o
jornalista tem um compromisso com a objetividade, motivo pelo qual, segundo o autor,
introduziu-se, no jornalismo, a lei de ouvir os dois lados, partindo-se do pressuposto de que
há, pelo menos, dois lados opostos em uma mesma história, cabendo ao leitor formar sua
própria opinião.
Vistos esses aspectos gerais referentes aos gêneros da esfera jornalística, passa-se a
tratar especificamente do gênero estudado neste trabalho: o editorial.
Armañanzas & Noci (2000) apontam como funções do editorial: i) explicar os fatos;
ii) dar antecedentes; iii) prever o futuro; iv) estabelecer juízos.
Os autores mostram que o leitor busca, em um editorial, uma opinião sobre o que está
acontecendo no momento. O editorialista faz uso de dados informativos com o intuito de
centrar o tema em sua totalidade (contextualizar o tema) – para relembrar os leitores dos fatos
ocorridos – ou de fornecer um fio condutor para as opiniões apresentadas. O editorialista
também explica o tema com o intuito de mostrar sua importância; ele chega a interpretar
colocando em relevo a significação “escondida” dos fatos e conjugando informações
procedentes de diferentes fontes, que servem a uma interpretação unitária.
No entanto, como expõem Armañanzas & Noci (2000), o editorialista vai além da
interpretação da notícia, pois deve saber distinguir o que é passageiro do que é acidental,
prevendo, a partir de hoje, os acontecimentos futuros. O editorialista também deve tomar
partido, informando o que está bom ou ruim no mundo com o intuito de convencer o leitor, o
que já demonstra a natureza essencialmente argumentativa do editorial. Esse papel pode ser
desempenhado com tom crítico, criando-se uma imagem de imparcialidade, de independência
ante todo tipo de poder.
Como se mostrou ainda há pouco, Rossi (2000) diz que, no jornalismo, na busca pela
objetividade, introduziu-se a lei de ouvir os dois lados. Isso fica evidenciado na tessitura dos
argumentos apresentados no editorial, pois, como afirma Beltrão (1980), no editorial há que
80
pensar como pensariam sobre o assunto discutido os opositores. Há que se antecipar às
críticas e destruir previamente as objeções que seriam formuladas do ponto de vista oposto.
Como qualquer gênero, o editorial se constrói pela relação que se estabelece entre
locutor e interlocutor. Melo (2003) diz que o editorial é um gênero jornalístico que expressa a
opinião oficial da empresa diante dos fatos de maior repercussão no momento. A opinião
contida no editorial, como informa o autor, pretende orientar a opinião pública. Sendo assim,
o editorial é dirigido à coletividade. No entanto, o autor assinala que isso ocorre nas
sociedades que possuem opinião pública autônoma. Para ele, esse não é o caso da sociedade
brasileira, cuja organização política tem no Estado uma entidade presente em todos os níveis
da vida social. Dessa forma, os editoriais difundidos pelas empresas jornalísticas, embora se
dirijam formalmente à opinião pública, na verdade encerram uma relação de diálogo com o
Estado.
Bond (1962) define o editorial como um ensaio curto embebido do senso de
oportunidade. O autor diz que Arthur Brisbane acreditava que a oportunidade do editorialista
era quádrupla: podia ensinar, atacar, defender e louvar. Destaca, assim, que o editorialista
frequentemente produz uma prosa que é, ao mesmo tempo, elegante, convincente, informativa
e estimulante. No entanto, mantém-se livre para convencer o leitor da maneira que considere
apropriada.
Como mostram Armañanzas & Noci (2000), embora exista liberdade estilística na
redação de textos argumentativos, o editorial é uma espécie de texto que cumpre uma série de
normas tanto em relação à sua estrutura quanto em relação a seu estilo. Para Santamaría
(1990, apud Armanãnzas & Noci, 2000), o bom editorial requer a competência do redator em
relação aos três estilos da retórica literária: descritivo, narrativo (ambos encaminhados à
seleção de dados) e argumentativo (proporciona ao leitor o conhecimento retórico mais que
lógico).
Esses estilos são o que Travaglia (2002) denomina de tipos de texto: há o tipo
narrativo, o descritivo e o dissertativo99
. O uso de cada um desses tipos textuais no editorial,
assim como em qualquer gênero, se dá por certas motivações. Como mostra Travaglia (2002),
em cada tipo textual observa-se, entre outros aspectos, o propósito do enunciador e a forma
como se instaura o interlocutor. No que se refere ao objetivo do enunciador, na descrição,
pretende-se caracterizar, dizer como é; na narração, objetiva-se relatar os fatos; na dissertação,
busca-se refletir, avaliar, expor ideias para dar a conhecer. No que concerne à forma como se
99 O autor também considera o tipo textual injuntivo, que não será tratado neste trabalho, visto que, em princípio,
não é característico do gênero editorial.
81
instaura o interlocutor, observa-se que: na descrição, ele se apresenta como o “voyeur” do
espetáculo; na narração, ele é o espectador que toma conhecimento dos fatos ocorridos; na
dissertação, ele é ser pensante, que raciocina (TRAVAGLIA, 2002).
Já que, no editorial, tem-se, como se mostrou, o objetivo de orientar o leitor,
convencendo-o, em princípio o tipo dissertativo seria o predominante, servindo, em geral, à
função argumentativa. No entanto, como no editorial se utilizam, conforme se disse, dados
informativos para contextualizar o tema ou para sustentar a argumentação, o tipo narrativo e o
tipo descritivo não deixariam de estar presentes nesse gênero de texto.
Além disso, cada tipo textual apresenta, em primeira instância, uma função
predominante, de acordo com o gênero no qual se insere (o editorial aqui em questão).
Segundo Neves (no prelo), nas sequências textuais100
há funções como a constatativa, a
avaliativa/opinativa, a questionadora, a relativizadora e a justificativa. Como no gênero
editorial as sequências dissertativas estariam a serviço da argumentação, em princípio elas
apresentariam funções como a avaliativa/opinativa. Por outro lado, como no gênero editorial
as sequências narrativas e descritivas serviriam, em primeira instância, para informar, elas
trariam, predominantemente, a função constatativa.
Na análise a ser empreendida, que, como se verá, incluirá o tratamento dos tipos
textuais e das funções presentes nas adversativas e nas concessivas, observa-se se essas
considerações se confirmam.
Há autores, ainda, como Beltrão (1980) e Palacio (1984), que apontam as partes que
formam a estrutura do editorial. Beltrão (1980) mostra que o editorial é composto de título,
introdução, discussão e conclusão. O título objetiva atrair a atenção do leitor; a introdução
visa a despertar-lhe o interesse para que prossiga na leitura; a discussão expõe argumentos
para a interpretação dos fatos, e a conclusão pretende levar o leitor a aceitar a ideia exposta e
enquadrar seus procedimentos nas diretrizes traçadas.
Palacio (1984), por outro lado, considera que o editorial é iniciado pelo título, que
sugere o ponto de vista adotado. O editorial propriamente dito se inicia com a notícia, a base
sobre a qual ele se constrói. À base segue o corpo do editorial, que traz interpretação, opinião
ou reação. Põe fim ao editorial uma breve oração ou parágrafo, que destaca o ponto mais
importante ou recapitula os argumentos expostos.
Observa-se que as funções atribuídas pelos autores às partes do editorial nem sempre
são as mesmas, o que mostra que a estrutura do editorial, apesar de passar por tentativas de
100 A expressão sequência textual é utilizada aqui como sinônima de tipo textual.
82
padronizações, tem certa variação. Além disso, como reconhece Beltrão (1980), em alguns
casos as partes do editorial não estão divididas em unidades distintas. Isso demonstra que a
estruturação do editorial depende, entre outros aspectos, do estilo. Em alguns editoriais que
compõem o córpus deste trabalho, por exemplo, que, como se apontou, são coletados nos
jornais Folha de S. Paulo e Estado de S. Paulo, não se identificam partes bem definidas.
Pelo que foi exposto, fica explicitado que o gênero editorial se caracteriza por ser
essencialmente argumentativo. Além disso, tal gênero, assim como qualquer gênero existente,
apresenta certos tipos textuais (e funções) que servem a propósitos particulares. Ademais,
observa-se que, embora haja regras que normatizem a estrutura do gênero editorial, existe
certa liberdade de composição, o que está em conformidade com o que estabeleceu Bakhtin
(1992), segundo o qual os gêneros (em geral) são relativamente estáveis.
As informações apresentadas neste tópico servirão como encaminhamento para a
análise das adversativas e das concessivas em editoriais.
Na próxima seção, apresentam-se informações referentes à seleção e delimitação do
córpus deste trabalho.
4.3 Seleção e delimitação do córpus
Para a comparação entre as construções adversativas e as construções concessivas,
selecionou-se um córpus que traz ocorrências do português escrito contemporâneo. Constitui
o córpus um conjunto de textos jornalísticos do gênero editorial presentes em dois jornais101
: a
Folha de S. Paulo e o Estado de S. Paulo. A opção pelo gênero editorial para a constituição
do córpus se deu pela natureza altamente argumentativa desse gênero, o que, em princípio,
favoreceria a ocorrência de adversativas e concessivas, para a observação mais ampla desse
campo de expressão.
Apesar de se selecionarem como córpus editoriais de dois jornais, eles não serão
considerados como grupo de fatores de variação, ou seja, não será levado em consideração o
estilo de cada jornal como determinante na análise, o que, aliás, poderá ser feito em outro
estudo. O objetivo é observar apenas as questões relacionadas ao gênero (o editorial),
levando-se em conta que, como observa Decat (1993), o estilo influi menos que o gênero para
101 Infelizmente, não se dispõe de um córpus da mesma amplitude que representa a língua falada contemporânea
brasileira que permita o mesmo tipo de tratamento.
83
determinar a forma do discurso102
. Além disso, os jornais Folha de S. Paulo e Estado de S.
Paulo se dirigem a um mesmo público-alvo, o que contribui para que a linguagem de ambos,
de certa forma, seja aproximada.
Selecionaram-se, nos jornais referidos, editoriais do dia 12 de novembro ao dia 31 do
mês de dezembro de 2007. Como nessas publicações há mais de um editorial por dia,
coletaram-se dois editoriais de cada jornal, totalizando, assim, 172 editoriais.
Esse recorte, no entanto, não se mostrou suficiente para a análise empreendida, pois o
número de concessivas obtido (36 ocorrências) foi bem inferior ao de adversativas (315
ocorrências). Dessa forma, optou-se por selecionar um córpus de controle referente às
concessivas, obtendo nele 72 ocorrências. Nesse córpus suplementar, há editoriais do dia 9 de
outubro ao dia 31 de dezembro de 2007. Com ele, o total de editoriais corresponde a 336.
No capítulo de análise deste trabalho, os dados referentes a esse córpus de controle
serão registrados paralelamente aos dados atinentes ao córpus inicial para que se possa chegar
a resultados mais seguros em relação às concessivas.
Ressalte-se que a predominância das adversativas com mas em relação às concessivas
com embora já era esperada. García (2000), por exemplo, diz que, em espanhol, a instrução
cognitiva que o falante dá quando usa a conjunção concessiva aunque (embora) é de maior
complexidade do que a utilizada no caso da conjunção adversativa pero (mas), daí a menor
frequência do conectivo concessivo. Acredita-se que o mesmo ocorre no caso das conjunções
mas e embora do português.
A seguir, apresentam-se os critérios estabelecidos para a análise das adversativas e das
concessivas, retomando-se os objetivos propostos para este trabalho.
4.4 Objetivos e critérios de análise
Como se apontou na introdução deste trabalho, a análise das adversativas e das
concessivas objetiva investigar, com base na teoria funcionalista da linguagem, o estatuto
funcional das classes “coordenada” e “subordinada” e das classes “adversativa” e
“concessiva”. Em consonância com esses objetivos, considera-se que os fatores semântico e
sintático devem estar integrados ao pragmático para que se observem os diferentes efeitos de
sentido produzidos em cada construção, vista em seu uso real.
102 Decat (1993) faz essa observação ao analisar as construções hipotáticas adverbiais. Entretanto, entende-se
aqui que essa consideração se aplica a qualquer tipo de construção presente no texto.
84
Levando-se isso em consideração, empreende-se uma análise qualitativa que será
pautada por uma análise quantitativa, a ser obtida por uma codificação dos dados segundo
grupos de critérios que se mostraram relevantes para a comparação entre as adversativas e as
concessivas, que se destacam a seguir:
1. Valores semânticos da construção adversativa e da construção concessiva
2. Tipo textual presente nos segmentos da construção adversativa e da construção concessiva
3. Função textual presente nos segmentos da construção adversativa e da construção
concessiva
4. Estatuto informacional presente nos segmentos da construção adversativa e da construção
concessiva
5. Função discursiva presente no segmento adversativo e no segmento concessivo
6. Posição sintática do segmento concessivo
No capítulo de análise, são relacionados grupos de critérios a fim de verificar, entre
outros aspectos, de que forma o caráter hipotático (adverbial) das concessivas influi para a
determinação de efeitos de sentido particulares.
Como se mostrou na seção 4.2, o editorial, como qualquer gênero, caracteriza-se por
apresentar diferentes tipos textuais, embora haja a predominância de algum dos tipos
existentes. Apontou-se que, no editorial, o tipo descritivo e o narrativo seriam voltados para a
seleção de dados informativos e o tipo dissertativo para a apresentação de ideias, de
argumentos. Além disso, indicou-se que os tipos textuais trariam determinadas funções.
Assim, analisam-se, no tópico 5.1, as adversativas e as concessivas considerando-se os
tipos textuais e as respectivas funções presentes nos segmentos dessas construções para que se
possam identificar os diferentes contextos de uso de cada uma delas, dentre outros aspectos,
indicados a seguir.
No tópico 5.1, analisa-se o tipo textual (TRAVAGLIA, 2002) e a função textual
presentes em ambos os segmentos das construções em estudo para observar, por exemplo, se
o caráter hipotático das concessivas (a relativa dependência entre os segmentos) influi em
maior frequência de ocorrências com identidade de tipo e função textual entre os segmentos.
Além disso, relacionam-se os tipos textuais às funções textuais presentes nas construções em
estudo para verificar as possíveis motivações de uso de cada construção. Investiga-se, por
exemplo, de que forma a condição de margem ou satélite das concessivas influi na
determinação de efeitos de sentido particulares, nos casos em que as adversativas e as
concessivas apresentam o mesmo tipo textual e/ou a mesma função textual.
Nessa análise, consideram-se as diferentes posições sintáticas ocupadas pelo segmento
concessivo, apresentando-se porcentagens quando se julgar pertinente. Ademais, levam-se em
85
conta os valores semânticos dessas construções, que são associados aos tipos textuais a fim de
verificar de que forma essa relação pode influir na determinação de efeitos de sentido
particulares. Entretanto, saliente-se que não se pretende fazer uma análise exaustiva da
relação entre valores semânticos e tipos textuais, pois isso foge ao objetivo central deste
trabalho.
Leva-se em consideração, ainda, o uso argumentativo das construções estudadas.
Estão relacionadas a esse uso, por exemplo, a “lei da preferência” (GARCÍA, 1994) e a
“mudança de posição do locutor” (GOUVÊA, 2002). Além disso, trata-se das possíveis
estratégias utilizadas pelo locutor para reforçar o argumento defendido.
No tópico 5.2, com ponto de partida na tipologia de Prince (1981), examina-se o
estatuto informacional dos segmentos das construções em estudo. Como se apontou no
capítulo 1, a autora propõe a existência de informação nova, evocada e inferível. No exame
dos dados, não deixam de ser considerados esses três tipos de estatuto, no entanto opta-se por
utilizar a dicotomia informação não conhecida (que se refere à informação nova) e informação
conhecida (que inclui a informação evocada e a inferível), apontando-se porcentagens
relativas a esses dois tipos de informação.
Faça-se uma ressalva no que se refere à questão do estatuto informacional. Considera-
se, aqui, que a informação inferível, por um lado, aproxima-se da informação nova, e, por
outro, alia-se à informação evocada. A informação inferível se aproximaria da informação
nova porque, como mostra Paiva (1994), embora possa ser deduzida, ela não é explicitamente
mencionada no discurso anterior, opondo-se, assim, à informação evocada (“velha”). Com
base em Prince (1981), a autora propõe a divisão “informação não mencionada” (nova,
inferível, disponível103
) x “informação já mencionada” (velha). Da mesma forma, a
informação inferível se avizinha da informação evocada pelo fato de que, tal como esta, tem a
condição de “familiar” para o ouvinte, como aponta Görski (2000). Assim, com base em
Chafe (1984) e em Prince (1988), essa autora estabelece a separação “informação familiar”
(evocada e inferível) x “informação não familiar” (nova). Trata-se de dois pontos de vista
divergentes: para Paiva (1994), o locutor é o foco, pois é este que menciona ou não uma
informação e, para Görski (2000), coloca-se o interlocutor como foco, pois é para este que
uma informação é familiar ou não.
Neste trabalho, adota-se o ponto de vista de Görski (2000), mas, em vez de serem
utilizadas as denominações “informação familiar” / “informação não familiar”, usam-se, para
103 Neste trabalho, esse tipo de informação é traduzido por informação não usual.
86
os mesmos significados, os termos “informação conhecida” / “informação não conhecida”,
considerando-se, ainda subdivisões dessa classe.
Levando-se em consideração essas questões, no tópico 5.2 procura-se observar, por
exemplo, se o caráter hipotático das concessivas influi para uma maior frequência de
ocorrências com identidade de estatuto informacional entre os segmentos. Além disso,
relacionando-se o estatuto informacional à posição sintática do segmento concessivo, verifica-
se, por exemplo, se a condição de tema, ou de fundo, do segmento hipotático concessivo
favorece a ocorrência de um determinado tipo de estatuto informacional nesse segmento (a
informação dada).
A questão da “função discursiva”, termo utilizado para referência aos fenômenos de
adendo, guia e elemento topicalizador, será tratada em todos os tópicos de análise, e serão
apresentadas porcentagens relativas às (duas primeiras) funções quando se julgar pertinente.
Ainda quanto à explicitação de noções e de termos utilizados na análise, cabe
esclarecer (e distinguir) o uso de certos termos e expressões que aparecem no capítulo de
análise, a saber: não se aplica, função discursiva x função textual, sequência textual x tipo
textual, avaliação/opinião, valor não previsto, caixa de texto, construção contrastiva.
No tópico 5.1, o termo não se aplica é utilizado para apontar casos nos quais não se
aplica o critério identidade x não identidade de tipos textuais nos segmentos da adversativa.
Como se verá, isso ocorre, em geral, quando a porção inicial da construção adversativa
constitui um parágrafo ou um conjunto de enunciados.
No tópico 5.1, as expressões sequência textual e tipo textual são utilizadas como
sinônimas: um segmento da construção (adversativa e concessiva) corresponderá a uma
sequência ou a um tipo textual. No entanto, evita-se o uso do termo sequência pelo fato de
que esse termo pode dar a ideia de que está envolvida uma porção maior do texto.
Nesse tópico, ainda, a expressão função textual é usada para referir-se às funções
presentes em certos tipos/sequências textuais. Com o acréscimo do termo textual, pretende-se
diferenciar essas funções das funções discursivas
Ainda no tópico 5.1, utiliza-se a expressão avaliação e/ou opinião. Optou-se por não
tratar das funções de avaliação e de opinião separadamente porque nem sempre a distinção
entre essas funções fica clara. Apresentam-se estas ocorrências retiradas do córpus para
esclarecer a questão:
123) A obra é muito discutível, mas a atitude do bispo é indefensável. (OESP, 21/12/07)
87
124) Embora o caráter protecionista da medida seja óbvio, seria ocioso bradar contra ela.
(FSP, 17/12/07)
Em 123, pode-se dizer que se faz uma avaliação sobre a obra e sobre a atitude do
bispo. No entanto, ao mesmo tempo, apresenta-se uma opinião, pois a obra pode ser discutível
para uma pessoa e não para outra, e a atitude do bispo pode ser indefensável para uma pessoa
e não para outra.
Em 124, pode-se afirmar que se faz uma avaliação do caráter da medida e da
pertinência ou não de bradar contra ela. Contudo, ao mesmo tempo se apresenta opinião, pois
se pode dizer que o que é óbvio para uma pessoa não é para outra, e que, se para alguém seria
ocioso bradar contra a medida, pode ser que para outra pessoa não o seja.
Por outro lado, há casos em que a diferenciação entre avaliação e opinião fica mais
clara, como se vê nas ocorrências a seguir:
125) Para o ministro interino de Minas e Energia, Nelson Hubner, a entrada da OGX e da
Vale na exploração de hidrocarbonetos “não significa que são empresas assustadas com o
risco de faltar gás no País”. Mas é bom recordar o que disse o presidente da vale, Roger
Agnelli, após o apagão do gás natural do início do mês: a produção tem de ser acelerada o
mais rapidamente possível. (OESP, 29/11/07)
126) A perda de água na cidade de São Paulo é menor que a perda média nas demais
capitais estaduais, mas está absurdamente longe do nível internacional. (OESP, 23/11/07)
Em 125, fica evidente que ambos os segmentos da construção trazem opinião. Em 126,
por sua vez, fica claro que, no segmento inicial, traz-se uma avaliação, pois o traço de
subjetividade fica mais “apagado” nesse caso, não se confundindo, assim, avaliação com
opinião.
Essas observações explicam por que se utiliza, neste trabalho, o termo avaliação e/ou
opinião para referência aos casos em que as adversativas e as concessivas apresentam tais
funções textuais.
Na seção 5.1, a expressão valores não previstos é utilizada para fazer referência aos
valores semânticos das adversativas identificados no córpus que não se incluem em nenhuma
das classificações apontadas por Neves (2000). Observou-se que, quando há valor não
previsto, em geral a relação adversativa entre os segmentos da construção não fica tão clara,
dando-se a impressão de que o segmento adversativo traz um simples acréscimo de
informação ou argumento, como se vê nestas ocorrências:
88
127) Desde 2004, a pesquisa inclui toda a malha federal pavimentada. Mas o total
pesquisado vem crescendo seguidamente, por causa da incorporação de estradas estaduais e
a ampliação da malha federal. (OESP, 13/11/07)
128) A legislação não estipula uma carga horária para o estágio, mas a jornada não pode
atrapalhar o horário de aula dos estudantes. (OESP, 12/11/07)
No tópico 5.2, utiliza-se o termo caixa de texto para referência àquilo que se encontra
entre as duas colunas do editorial, na qual há frase que se assemelha a subtítulo. Como se
verá, a caixa de texto está presente apenas nos editorias publicados no jornal Estado de S.
Paulo. Nos editoriais presentes na Folha de S. Paulo, há subtítulo.
Em todos os tópicos de análise, é utilizada a expressão função discursiva para
referência aos fenômenos de adendo, guia e topicalização. Utiliza-se, também, no decorrer da
análise, a expressão construção contrastiva para alusão tanto às adversativas quanto às
concessivas, já que se adota o ponto de vista de que as concessivas estão incluídas em uma
noção geral de oposição.
89
5. ANÁLISE DAS CONSTRUÇÕES ADVERSATIVAS E DAS
CONSTRUÇÕES CONCESSIVAS EM EDITORIAIS: MOTIVAÇÕES DE
USO
5.1 Adversativas e concessivas: inserção textual, uso argumentativo e
interpretação semântica
Volta-se, aqui, aos tipos textuais – o dissertativo, o narrativo e o descritivo
(TRAVAGLIA, 2002)104
– para vê-los no editorial. Por outro lado, também já se indicou que
os tipos textuais cumprem certas funções, como a constatativa, a avaliativa/opinativa, a
questionadora, a justificativa e a relativizadora (NEVES, no prelo).
Levando-se em consideração essas classificações, põe-se, aqui, sob exame a inserção
textual das adversativas e das concessivas a fim de verificar as suas possíveis motivações de
uso. Inclui-se na análise a relação entre tal inserção e os valores semânticos das construções
em estudo. Além disso, considera-se o uso argumentativo dessas construções, verificando-se,
por exemplo, as possíveis estratégias utilizadas para reforçar argumento que se pretende fazer
prevalecer.
Nesta investigação, além de se observarem os efeitos de sentido particulares
produzidos nas adversativas e nas concessivas, procura-se verificar se o caráter de “margem”
(LONGACRE, 2007), “satélite” (DIK, 1989; MATTHIESSEN & THOMPSON, 1988) das
hipotáticas adverbiais (concessivas) influi para determinar, entre outros aspectos, identidade
de tipo e de função textual nos segmentos da construção.
Inicia-se a análise pelos dados referentes à construção adversativa. A primeira
observação a empreender é se os segmentos dessa construção exibem o mesmo tipo de
sequência textual.
Observa-se que em cerca de 94% dos casos (298 ocorrências) há identidade de tipo
textual nos segmentos e em pouco mais de 1% (4 ocorrências) não há identidade. Pode-se
dizer que a maior frequência de construção adversativa que traz identidade de tipo textual nos
segmentos se deve ao fato de que tal construção estabelece um contraste, o que envolve,
necessariamente, uma comparação entre elementos. É de esperar que os elementos
comparados tenham alguma aproximação entre si, embora sejam contrastados. Como diz
Neves (1984, p. 22), a expressão de desigualdade é “um dos traços básicos do espírito
104 Lembre-se que o tipo textual injuntivo, um dos sempre presentes nas diversas tipologias (TRAVAGLIA,
2002), não aparece, em princípio, em textos de caráter opinativo, como o editorial.
90
humano que, sobre o eixo de semelhanças, distingue diferenças”105
. Assim, pode-se afirmar
que um dos critérios dessas aproximações estaria centrado no tipo textual presente nos
segmentos da construção adversativa. Por outro lado, a existência de casos em que não há
identidade de tipo textual nos segmentos da construção adversativa parece dever-se ao caráter
paratático dessa construção: a (relativa) independência entre os segmentos favoreceria a
mudança de tipo textual no segmento adversativo.
Identificaram-se, ainda, ocorrências nas quais o critério identidade x não identidade de
tipo textual não se aplica (ou seja, não é verificável): em pouco mais de 4% das adversativas
(13 ocorrências). Nota-se que, nesses casos, a porção inicial da construção adversativa
apresenta mais de um tipo textual por constituir ou um conjunto de enunciados ou um
parágrafo. Sendo assim, pode-se asseverar que aí a natureza paratática das adversativas
também influi, pois é próprio dos segmentos paratáticos unir porções maiores do texto. As
particularidades de comportamento da conjunção mas dentro do grupo das construções
paratáticas também justifica esse resultado obtido. Como afirma Mesquita (2003), o mas,
diferentemente da aditiva e e da alternativa ou, é uma conjunção que une preferencialmente
partes maiores do texto em que está inserida106
.
Quanto à função textual, no córpus analisado há quase 82% de adversativas (258
ocorrências) que apresentam identidade de função nos segmentos e pouco mais de 13% (42
ocorrências) que não trazem identidade nos segmentos. O predomínio de ocorrências com
identidade de função textual pode ter sido favorecido pelo fato de os segmentos das
construções paratáticas (adversativas) apresentarem a mesma função sintática, não havendo,
assim, hierarquia entre eles. Nos casos restantes, que representam quase 5% das construções
adversativas do córpus (15 ocorrências), o critério identidade x não identidade não é
verificável, o que também se justifica pelo fato de o mas unir porções maiores do texto.
Da mesma forma que ocorre no caso das construções adversativas, nas concessivas se
destaca a identidade de tipo textual entre os segmentos, que está presente em 100% dos casos
registrados no córpus inicial e no de controle. Isso também poderia ser explicado pela
natureza contrastiva da construção concessiva, mas parece que, nesse caso, o caráter
hipotático das concessivas influi de forma mais determinante, pois não há casos em que o
critério identidade x não identidade não se aplique. Isso se justifica pelo fato de que a
105 A autora faz tal afirmação ao tratar dos valores semânticos do mas, entretanto entende-se que tal consideração
também pode ser aplicada ao caso aqui tratado. 106
Ressalte-se que o mas diverge ainda mais da alternativa ou, o que se verifica pelos próprios resultados obtidos
por Mesquita (2003): o ou estabelece conexão entre enunciados em menos de 1% das ocorrências identificadas
em seu córpus, que traz construções do português brasileiro e do europeu.
91
conjunção “subordinativa” embora, diferentemente da conjunção “coordenativa” mas, em
geral une porções menores do texto. Registre-se que não se identificaram, no córpus
analisado, construções com embora operando conexão entre enunciados.
Em relação à função textual, identificaram-se pouco mais de 72% de concessivas (26
ocorrências) que trazem identidade de função nos segmentos e quase 28% (10 ocorrências)
que não apresentam identidade nos segmentos. Apesar de haver predomínio de identidade de
função, tal como acontece nas adversativas, verifica-se que, diferentemente do que se dá
nestas, há uma porcentagem relativamente maior de ocorrências nas quais os segmentos não
têm a mesma função.
No córpus de controle, as porcentagens registradas se aproximam, de certa forma,
daquelas presentes no córpus inicial: há 75% de concessivas (54 ocorrências) com identidade
de função nos segmentos e 25% (18 ocorrências) que não trazem identidade de função. Isso
confirma a diferença observada entre as adversativas e as concessivas, o que pode explicar-se
pela natureza hipotática adverbial destas últimas. Como há uma hierarquia entre os segmentos
da construção, representada pela presença de margem e núcleo, não é de estranhar que, nas
concessivas, haja mais casos de não identidade de função nos segmentos.
Vistos esses resultados, passa-se a tratar, em dois tópicos, os diferentes casos aqui
registrados: i) quando há tipo textual idêntico nos segmentos da construção (adversativa e
concessiva); ii) quando não há tipo textual idêntico nos segmentos da construção (adversativa,
em específico) e quando a identidade de tipo textual nos segmentos não se aplica (na
construção adversativa, em específico). Os dados referentes às funções textuais são
registrados a partir da seção “A”, quando se começam a analisar as ocorrências do córpus.
5.1.1 Identidade de tipo textual nos segmentos da construção
Para o tratamento dos tipos textuais presentes nos segmentos das construções em
estudo, apresentam-se, primeiramente, os dados referentes à construção adversativa:
Tipo textual nos segmentos da construção adversativa
Tipo textual Nº %
Narração 55 18,4%
Descrição 28 9,3%
Dissertação 215 72,1%
TOTAL 298 94,6%
Quadro 1. Tipo textual nos segmentos da construção adversativa
92
No que se refere às adversativas, pode-se dizer que a maior frequência de segmentos
com tipo textual dissertativo se justifica pela natureza essencialmente argumentativa do
gênero editorial: o editorialista procura expor ideias e apresentar fatos com o intuito de levar o
interlocutor à reflexão. O tipo textual dissertativo, portanto, serviria à função argumentativa,
visto que, como já se apontou, por meio da dissertação, busca-se refletir, avaliar, expor ideias.
O segundo tipo textual mais frequente nos segmentos da construção adversativa é,
como se vê, a narração, o que parece dever-se ao fato de que, no editorial, relatam-se os fatos
ocorridos para, em seguida, opinar sobre eles. Entretanto, como se mostrará na análise dos
dados, algumas construções adversativas com tipo textual narrativo trazem, por exemplo,
crítica, servindo, assim, à função argumentativa, o que justificaria a porcentagem
relativamente significativa de construções adversativas com tipo textual narrativo.
A menor ocorrência do tipo textual descritivo nos segmentos da construção
adversativa, por sua vez, já era esperada, dado que o editorial se caracteriza por apresentar
situações de fatos e opinar sobre eles. Mesmo que as sequências descritivas tragam, muitas
vezes, qualificações, elas vêm seguidas, em geral, por sequências dissertativas, pois o objetivo
principal do editorial é discutir os fatos, oferecendo, assim, uma orientação ao leitor.
Visto isso, restaria observar se a relação entre os tipos textuais e os valores semânticos
presentes na construção adversativa se mostra significativa para a análise. Apresenta-se
quadro a seguir para verificar essa questão:
CONSTRUÇÃO ADVERSATIVA
TIPO
TEXTUAL
VALORES SEMÂNTICOS
Contraposição em direção oposta
Contr
aposi
ção
na
mes
ma
dir
eção
Contr
aposi
ção
em d
ireç
ão
indep
enden
te
Eli
min
ação
Val
ore
s não
pre
vis
tos
TOTAL
Contr
aste
Res
triç
ão
Neg
ação
de
infe
rênci
a
Com
pen
sa
ção
Narração 9
21,9%
9
8,4%
21
30,8%
6
19,3%
--- ---
3
33,3%
7
35%
55
18,4%
Descrição 7
17%
8
7,5%
6
8,8%
4
12,9%
1
6,25%
1
14,2%
---
1
5%
28
9,3%
Dissertação 25
60%
89
83,9%
41
60,2%
21
67,7%
15
93,7%
6
85,7%
6
66,6%
12
60%
215
72,1%
TOTAL
41
13,7%
106
35,5%
68
22,8%
31
10,4%
16
5,3%
7
2,3%
9
3%
20
6,7%
298
94,6%
Quadro 2. Tipo textual e valores semânticos na construção adversativa
93
Antes que se trate da relação entre os tipos textuais e os valores semânticos presentes
nas adversativas, comentam-se os resultados obtidos em relação aos valores semânticos em
específico.
No que diz respeito aos valores semânticos, observa-se que os dois mais frequentes
são o de restrição e o de negação de inferência, o que parece dever-se ao fato de que nas
adversativas que trazem esses valores geralmente há concessão, mecanismo largamente
empregado em gêneros altamente argumentativos, como o editorial.
Por outro lado, a baixa ocorrência de construções com contraste não era esperada,
visto que se trata de um dos valores mais comumente atribuídos às adversativas por
gramáticos tradicionais e por linguistas em geral. Entretanto, lembre-se que não foram
analisadas as adversativas em correlação, o que pode ter influído nesse resultado obtido. Além
disso, nas adversativas contrastivas, não fica tão evidente, muitas vezes, a presença de
concessão, que, como se disse, é muito utilizada em gêneros argumentativos.
A baixa ocorrência de adversativas com valor de compensação também não era
esperada, pois, nesse tipo de construção, pesam-se pontos positivos e pontos negativos. A
presença de pontos negativos no segmento adversativo serviria, por exemplo, para criticar,
intenção comunicativa que é bastante comum no gênero editorial. No entanto, o próprio fato
de o segmento adversativo trazer argumento defendido pelo locutor já parece ser suficiente
para demonstrar o que ele considera como ponto negativo ou não, o que justificaria a baixa
frequência do valor de compensação no córpus analisado.
Por outro lado, a baixa frequência de adversativas com eliminação não surpreende,
pois esse valor seria mais próprio de textos narrativos, nos quais a anulação ou interrupção de
ações ou processos contribui para dar maior dinamismo aos fatos narrados.
Verifica-se, também, que são pouco frequentes as adversativas com contraposição na
mesma direção e as adversativas com contraposição em direção independente, o que se
explicaria pelo fato de que, nesses casos, a relação de desigualdade é menos caracterizada.
Por fim, nota-se que há valores não previstos, aqueles que não se incluem na tipologia
aqui adotada (a de Neves (2000)). Tais valores, entretanto, não são tão frequentes, o que se
justifica pelo fato de que, como já se mencionou no capítulo 4, nesses casos, a relação
adversativa entre os segmentos não fica tão clara.
Vistos esses resultados em relação aos valores semânticos, passa-se, agora, a associá-
los aos tipos textuais presentes nas adversativas.
A partir dos dados registrados no quadro 2, verifica-se que a adversativa apresenta de
forma mais frequente o tipo textual dissertativo, independentemente do valor semântico
94
presente na construção. Isso corresponde à expectativa, visto que o córpus deste trabalho é
constituído de apenas um gênero, o editorial, que possui, predominantemente, tipo textual
dissertativo.
Entretanto, alguns dados se revelam significativos para esta análise. Observa-se que
em apenas três casos são numerosas (mais de 80%) as ocorrências com tipo textual
dissertativo: quando estão envolvidos os valores de restrição, de contraposição na mesma
direção e de contraposição em direção independente.
Isso ocorre no caso das adversativas restritivas porque, como se verá, o valor de
restrição favorece o aparecimento de certas funções textuais que, pelo que sugerem os
resultados obtidos, são mais relacionadas ao tipo dissertativo: a relativizadora e a
questionadora. Além disso, como se mostrará, esse valor semântico favorece a presença de
adendo no segmento adversativo, função discursiva que também parece estar mais ligada ao
tipo dissertativo, já que é acionada para reforçar argumento defendido pelo locutor,
contribuindo, assim, para convencer o interlocutor de algo.
Nas adversativas com contraposição na mesma direção, também há mais casos de tipo
textual dissertativo porque, nestas, não se acrescentam, simplesmente, informações, mas
argumentos. Nas adversativas com contraposição em direção independente ocorre algo
semelhante: os segmentos adversativos são mais voltados para acrescentar um argumento
ainda não considerado.
Por outro lado, nota-se que em três tipos de construção há mais de 30% de ocorrências
com tipo textual narrativo: nas adversativas com negação de inferência, com eliminação e
com valores não previstos.
Lembre-se que, em Grote et al. (1997), mostra-se que as construções contrastivas que
expressam concessão podem ser utilizadas para informar sobre eventos inesperados. Verifica-
se que nas adversativas com negação de inferência que expressam concessão fica mais
evidenciado o efeito de surpresa produzido para informar sobre eventos inesperados, o que se
justificaria pelo próprio fato de que, ao negar-se inferência, quebra-se a expectativa. As
adversativas com valor de eliminação, embora não expressem concessão, não deixam de
manifestar de forma bastante evidente o efeito de surpresa, pois a anulação de ações ou de
processos também contribui para quebrar a expectativa. Isso explicaria a frequência
significativa de adversativas com negação de inferência e com eliminação que trazem tipo
textual narrativo.
No caso das adversativas com valores não previstos, verifica-se que, em geral, o fato
de tais construções não exibirem de forma tão clara o caráter opositivo, como já se mostrou,
95
pode ter contribuído para que elas sejam utilizadas mais frequentemente para acrescentar
informações.
Por fim, observa-se que, nos casos em que as adversativas trazem contraste ou
compensação, as porcentagens registradas em relação aos diferentes tipos textuais se
distribuem de forma mais equilibrada do que nos casos restantes de valores semânticos
apresentados no quadro 2 (embora seja mais frequente o tipo textual dissertativo). Isso
aconteceria devido à presença de características peculiares das adversativas que trazem os
valores de contraste e de compensação. Nas adversativas contrastivas opõem-se elementos em
sentido estrito e nas adversativas com valor de compensação pesam-se pontos positivos e
negativos. Parece que tais características não levariam tais tipos de construções a favorecer a
presença de uma tipologia textual em específico107
.
Na análise dos dados, retomam-se algumas dessas observações feitas a respeito da
relação entre os tipos textuais e os valores semânticos presentes nas adversativas. Faça-se a
ressalva, porém, de que se examinam mais detidamente as adversativas que trazem os valores
compartilhados com as concessivas: o de contraste, de restrição e de negação de inferência.
Adiante, registram-se os resultados referentes à relação entre tipos textuais e valores
semânticos das concessivas para compará-las com as adversativas. No entanto, trata-se
primeiramente dos tipos textuais isoladamente, observando-se os dados presentes neste
quadro:
Tipo textual nos segmentos da construção concessiva
Tipo textual Nº %
Narração 6 16,6%
Descrição 3 8,3%
Dissertação 27 75%
TOTAL 36 100%
Quadro 3. Tipo textual nos segmentos da construção concessiva
Verifica-se que, da mesma forma que ocorre na construção adversativa, na concessiva
o tipo textual dissertativo é mais frequente. As justificativas apresentadas quando se tratou das
107 Vale comentar que Duque (2008), analisando o mas na fala e na escrita (e em diversos gêneros discursivos),
registra que o valor de compensação ocorre, principalmente, em segmentos com tipo textual descritivo. No
córpus aqui analisado, o valor de compensação não aparece com frequência em segmentos com tipo descritivo, o
que poderia ser explicado pelo fato de que o córpus deste trabalho é constituído de apenas um gênero, que
privilegia a presença do tipo textual dissertativo, como já se disse.
96
adversativas também se aplicam no caso das concessivas. O tipo textual dissertativo seria o
mais recorrente pela própria natureza do córpus. Nota-se, também, que as porcentagens
referentes a cada tipo textual se aproximam daquelas registradas no quadro 1, que traz os
dados atinentes às adversativas.
Recorreu-se ao córpus de controle para observar se esses dados se confirmam:
Tipo textual nos segmentos da construção concessiva Córpus de controle
Tipo textual Nº %
Narração 10 13,8%
Descrição 6 8,3%
Dissertação 56 77,7%
TOTAL 72 100%
Quadro 4. Tipo textual nos segmentos da construção concessiva (córpus de controle)
Nota-se que, no córpus de controle, a porcentagem referente às concessivas com
sequência dissertativa se aproxima daquela registrada no córpus inicial, o que confirma os
dados obtidos.
Apesar disso, observou-se que, no córpus inicial, as concessivas trazem, em relação às
adversativas, uma porcentagem ligeiramente menor de casos em que há tipo narrativo. Tal
resultado se confirma no córpus de controle, pois, neste, as porcentagens referentes ao tipo
narrativo se aproxima daquelas registradas no quadro 3. Tal diferença entre as adversativas e
as concessivas será justificada na análise a ser empreendida.
Visto isso, passa-se a registrar, agora, os resultados obtidos no exame da relação entre
os tipos textuais e os valores semânticos das concessivas:
CONSTRUÇÃO CONCESSIVA
Tipo textual
VALORES SEMÂNTICOS
Contraste Restrição Negação de
inferência TOTAL
Narração
--- 1
25%
5
17,8%
6
16,6%
Descrição 1
25%
2
50% ---
3
8,3%
97
Dissertação 3
75%
1
25%
23
82,1%
27
75%
TOTAL 4
11,1%
4
11,1%
28
77,7%
36
100% Quadro 5. Tipo textual e valores semânticos na construção concessiva
A primeira observação a fazer é que a maioria das concessivas traz valor de negação
de inferência, o que era de esperar, pois, como se apontou no capítulo 2, trata-se de um valor
mais próprio dessas construções.
No que diz respeito à relação entre tipos textuais e valores semânticos, verifica-se que
o tipo dissertativo predomina quando estão envolvidas apenas as construções com contraste e
com negação de inferência.
Além disso, nota-se que há, em relação às adversativas, um número relativamente
maior de concessivas com negação de inferência que trazem tipo dissertativo e um número
relativamente menor de concessivas com esse valor que apresentam tipo narrativo.
Faz-se necessário, porém, analisar os resultados obtidos no córpus de controle para
verificar se esses dados se confirmam:
CONSTRUÇÃO CONCESSIVA
Córpus de controle
Tipo textual
VALORES SEMÂNTICOS
Contraste Restrição Negação de
inferência TOTAL
Narração
1
16,6%
1
12,5%
8
13,7%
10
13,8%
Descrição 1
16,6%
2
25%
3
5,1%
6
8,3%
Dissertação 4
66,6% 5
62,5%
47
81%
56
77,7%
TOTAL 6
8,3%
8
11,1%
58
80,5%
72
100% Quadro 6. Tipo textual e valores semânticos na construção concessiva (córpus de controle)
A partir dos resultados registrados no quadro 6, nota-se que o valor semântico de
negação de inferência ainda é predominante, o que era de esperar. Observa-se, também, que o
valor de restrição é o segundo mais recorrente, mas não é possível chegar a conclusões
98
definitivas, visto que, mesmo no córpus de controle, o número de ocorrências não se mostra
suficiente.
No que se refere à relação entre tipo textual e valor semântico, verifica-se que o tipo
dissertativo prevalece não apenas nas concessivas com negação de inferência e com contraste,
mas também nas concessivas com restrição, o que corresponde à expectativa, já que o gênero
editorial traz, predominantemente, o tipo textual dissertativo.
Nota-se, também, no quadro 6, que as porcentagens registradas em relação às
concessivas que trazem, ao mesmo tempo, negação de inferência e tipo dissertativo e às
concessivas que apresentam, ao mesmo tempo, negação de inferência e tipo narrativo se
aproximam daquelas obtidas no quadro 5.
No que concerne às concessivas restritivas, também se observa que, apesar de
predominar o tipo textual dissertativo, a porcentagem que representa esse tipo de construção
não chega a atingir 80% (no córpus inicial e no de controle), diferentemente do que se dá nas
adversativas restritivas. Contudo, como foram identificadas apenas 8 concessivas restritivas,
não é possível dizer se essa distinção entre as adversativas e as concessivas se confirma.
Feitas essas considerações, analisam-se, adiante, as adversativas e as concessivas
tendo-se em vista, entre outros aspectos, os tipos textuais, as funções textuais e os valores
semânticos identificados nessas construções. Ressalte-se que serão tratados os valores
semânticos das construções referidas quando se obtiverem resultados que se mostrarem
relevantes para os objetivos propostos neste trabalho.
A seguir, analisa-se, separadamente, cada tipo textual presente nas construções em
estudo. Inicia-se a discussão com o tipo textual mais frequente nas adversativas e nas
concessivas: o dissertativo.
A) Adversativas e concessivas com tipo textual dissertativo
Não é novidade que as adversativas e as concessivas, quando trazem tipo textual
dissertativo, são utilizadas, normalmente, para convencer o interlocutor de algo. Assim, o que
se pretende investigar, levando-se em conta as funções presentes nessas construções, é a
forma pela qual as particularidades de cada construção influem para a determinação de
diferentes efeitos de sentido.
Em relação às adversativas e às concessivas com tipo textual dissertativo, ocorrem nos
segmentos dessas construções, em geral, as funções de avaliação e/ou opinião e de
constatação, mas a função de avaliação e/ou opinião é mais frequente em ambas as
construções.
99
O mais comum é que, nessas construções, a função de avaliação e/ou opinião apareça
em ambos os segmentos, independentemente do valor semântico108
envolvido. Isso ocorre em
pouco mais de 79% das adversativas e em pouco mais de 70% das concessivas (no córpus
inicial e no de controle).
A grande recorrência da função de avaliação e/ou opinião tanto nas adversativas
quanto nas concessivas se justifica pelo fato de que, no editorial, para sustentar um ponto de
vista, com o intuito de convencer o interlocutor, o locutor deve apresentar avaliações e
opiniões sobre os fatos relatados. Visto isso, caberia verificar quais seriam as possíveis
motivações para a utilização de uma construção em vez de outra.
Para iniciar a discussão, apresentam-se, primeiramente, construções adversativas nas
quais há função de avaliação e/ou opinião:
129) A obra é muito discutível, mas a atitude do bispo é indefensável. (OESP, 21/12/07)
130) Mesquita, cujas credenciais técnicas para ocupar o cargo são inquestionáveis, não é o
maior nem o único culpado pelo desastre que se avizinha, mas faria melhor se não tentasse
travestir o fracasso de modernidade. (FSP, 17/11/07)
131) O cenário pode ser preocupante para alguns analistas, mas o Brasil pode estar diante
de uma oportunidade preciosa de bons negócios. (OESP, 16/12/07)
Quando se apresenta avaliação e/ou opinião em ambos os segmentos da construção
adversativa, como ocorre em 129, 130 e 131, a avaliação ou opinião expressa no segmento
inicial serve para fazer prevalecer a avaliação ou opinião que se apresentará no segmento
adversativo, que traz argumento defendido pelo locutor. Assim, reconhece-se uma possível
avaliação ou opinião do interlocutor para, em seguida, fazer-se prevalecer a avaliação ou
opinião do locutor.
Como se vê, é evidente que a predominância de uma avaliação ou opinião se dá pelo
próprio fato de ela ser apresentada no segmento adversativo, no qual se mantém a
“preferência” (GARCÍA, 1994). Em 129, por exemplo, verifica-se que o locutor pretende
chamar atenção para a atitude reprovável do bispo, e não para o fato de que a obra é
discutível. Isso fica mais claro quando se observa que o texto progride levando em conta a
direção indicada por esse argumento: no último período do editorial, diz-se que “A sua
108 A partir daqui, sempre que se fizer referência a valor semântico, trata-se, especificamente, dos valores
compartilhados entre as adversativas e as concessivas: de contraste, negação de inferência e restrição. No
entanto, quando se discorrer sobre a inserção dessas construções em trechos narrativos, faz-se alusão ao valor de
eliminação, que é particular das adversativas.
100
transgressão [a do bispo], insista-se, foi a tentativa de prevalecer sobre o governo de uma
nação em que Estado e Igreja são entes distintos”.
Na concessiva, a predominância de uma avaliação ou opinião também se dá pelo fato
de essa construção ser incluída na “lei da preferência” (GARCÍA, 1994):
132) A escalada autocrática de Chávez é notória, embora ocorra sem ruptura formal da
democracia. (FSP, 25/11/07)
133) Por esse motivo, é bastante provável que também os dados do emprego industrial no
País relativos a novembro, embora possam indicar queda na comparação com outubro,
confirmem a melhora em relação a 2006. (OESP, 15/12/07)
Em 132 e 133, a avaliação e/ou opinião que prevalece é, obviamente, aquela que
aparece no segmento nuclear, no qual está presente a preferência. Em 132, por exemplo, o
locutor pretende destacar um ponto negativo de Chávez: a sua escalada autocrática. No
editorial, o texto progride levando em conta a direção indicada por esse argumento, pois se
objetiva mostrar a inconveniência de o Brasil aceitar a Venezuela como sócia plena no
Mercosul, como se verifica neste trecho, que aparece em uma porção posterior do editorial:
Dar a Chávez o poder de veto no Mercosul seria caminhar no sentido contrário.
Entretanto, há que diferenciar as concessivas das adversativas segundo a posição
sintática em que se manifesta o segmento concessivo na maior parte das ocorrências. Nota-se
que, na maioria das concessivas que trazem avaliação e/ou opinião em ambos os segmentos, o
segmento adverbial vem na posição anteposta (em cerca de 68% e em 71% das ocorrências do
córpus inicial e do de controle, respectivamente), como se exemplifica a seguir:
134) Embora o caráter protecionista da medida seja óbvio, seria ocioso bradar contra ela.
(FSP, 17/12/07)
135) Embora seja difícil convencer o usuário disso, o modelo paulista é defensável. (FSP,
15/11/07)
136) Embora mostrem alguma divergência, estimativas feitas por órgãos do governo e por
institutos privados coincidem num ponto: a agricultura prepara-se para quebrar novos
recordes, agora não só de produção, mas também de renda. (OESP, 12/11/07)
A possibilidade de antepor o segmento concessivo ao segmento nuclear faz que seja
produzido um efeito de sentido particular. Nesses casos, por meio da anteposição do segmento
concessivo, já se antecipa que a avaliação ou opinião apresentada nesse segmento não é a que
prevalecerá, reforçando-se, assim, o argumento que virá no segmento posterior.
101
Desse modo, pode-se afirmar que, embora seja possível apresentar avaliação e/ou
opinião tanto nas adversativas quanto nas concessivas, em geral se opta por utilizar a
construção concessiva, por exemplo, para antecipar que o locutor fará objeções ao argumento
(à avaliação ou opinião) do interlocutor.
Contudo, quando a construção concessiva que traz avaliação e/ou opinião tem valor de
restrição, o segmento adverbial ocorre, no córpus de controle, na posição posposta em 50%
dos casos registrados, como se vê a seguir:
137) Nunca antes neste mundo, parafraseando o presidente Lula, as condições materiais de
existência de tantas centenas de milhões de pessoas mudaram espetacularmente para melhor
em tão pouco tempo – embora os beneficiários desse salto quântico ainda sejam apenas mais
ou menos 1/3 da população de 1,3 bilhão. (OESP, 22/10/07)
Acredita-se que a frequência significativa de segmentos concessivos pospostos nos
casos em que há restrição se deve ao fato de que esse valor seria mais relacionado a uma pós-
reflexão.109
Em 137, por exemplo, para que se especifique, no segmento concessivo, a
quantidade de pessoas beneficiadas, deve-se ter em mente que já foi dito anteriormente que
certas pessoas foram beneficiadas.
Nas demais concessivas restritivas que trazem avaliação em ambos os segmentos, há,
no córpus de controle, segmento adverbial intercalado em 25% dos casos e segmento
adverbial anteposto em 25% das ocorrências.
De qualquer forma, a antecipação é o mecanismo mais utilizado nas concessivas em
geral que trazem avaliação e/ou opinião em ambos os segmentos. Ressalte-se que, nas
ocorrências em que estão envolvidos os valores de negação de inferência (como em 134 e
135), ou de contraste (como em 136), há antecipação, respectivamente, em cerca de 78% dos
casos (e em quase 72% no córpus de controle) e em cerca de 66% dos casos (e em 50% no
córpus de controle).
Entretanto, em relação às adversativas, ressalte-se que, como afirma Gouvêa (2006),
quando no argumento do interlocutor (segmento inicial, no caso aqui em questão) há marcas
do locutor, como as expressões modalizadoras, fortalece-se o ato de conceder razão ao
argumento do interlocutor e antecipa-se que o locutor fará objeções ao argumento do
interlocutor110
. No córpus analisado, há construções adversativas que trazem avaliação e/ou
109 Como se verá mais adiante, o valor de restrição favorece, de certa forma, a presença de adendo no segmento
concessivo (do mesmo modo que no segmento adversativo). 110
Lembre-se a indicação de Ducrot (1987, p. 181) sobre a possibilidade de ocorrência de estruturas como Pode
ser p, mas q: Pode ser que você tenha dormido, mas, de qualquer forma, você, (sic) roncou solenemente.
102
opinião que exemplificam esse caso apontado em Gouvêa (2006). Nesta ocorrência retirada
do córpus, por exemplo, o primeiro segmento é iniciado por expressão modalizadora:
138) Pode ser que as coisas decorram do modo imaginado pelo presidente. Mas é preciso
não esquecer que, com a linha de apoio ao comércio varejista, o BNDES entraria numa área
onde o volume de crédito cresce muito depressa e já preocupa os analistas do sistema
financeiro. (OESP, 08/12/07)
Nessa ocorrência, é a expressão pode ser que opera modalização, indicando uma
possibilidade. Dessa forma, fica evidente, já no segmento inicial da construção, que o locutor
se coloca na posição do interlocutor, reconhecendo que é possível que as coisas decorram do
modo imaginado pelo presidente. Assim, já se antecipa que se farão objeções, posteriormente,
ao argumento do interlocutor. Poder-se-ia argumentar que a expressão pode ser, por si só, não
seria suficiente para fazer essa antecipação. Entretanto, ao considerar que ela se encontra em
editorial, gênero que, por sua natureza altamente argumentativa, traz estratégias para o
convencimento do interlocutor (como a de antecipação), é possível sustentar esse ponto de
vista.
Verifica-se, assim, que, em 138, a estratégia não é a mesma usada na maioria das
construções adversativas, como em 129, 130 e 131. Em 138, por meio da expressão
modalizadora, mantém-se a expectativa de que se farão, posteriormente, objeções ao
argumento do interlocutor. Em 129, 130 e 131, por outro lado, não se cria, no segmento
inicial da construção, essa expectativa, pois não se inicia o segmento com nenhuma expressão
que demonstre a marca do locutor no enunciado, ou seja, o reconhecimento do locutor pelo
argumento do interlocutor. Observa-se em 131, por exemplo, que, embora haja, no segmento
inicial, a expressão pode ser, ela não inicia o segmento e, portanto, não faz antecipação,
diferentemente do que ocorre em 138.
Além das expressões modalizadoras, há outras expressões avaliativas ou opinativas
que, quando iniciam o primeiro segmento da construção adversativa, criam o efeito de
antecipação. Garcia (1997, p. 377) mostra que expressões como é verdade que, é certo que, é
evidente que, quando iniciam a construção adversativa,
“têm a função, primeiro, de indicar em que termos ou extensão
se concorda com o que está declarado antes, e, segundo, de
preparar o espírito do leitor, ou ouvinte, para a restrição
(contestação, discordância, objeção parcial) que se vai enunciar a
seguir (a partir da oração adversativa)”.
103
No córpus analisado, identificaram-se, por exemplo, estas ocorrências que ilustram o
caso indicado pelo autor:
139) É verdade que as condições atuais – em termos de taxa média de juros e prazos – são
melhores, mas ainda estão longe do ideal. (FSP, 27/12/07)
140) É evidente que em alguns corredores das áreas periféricas há trânsito pesado em
horários de pico, mas isso não justifica restringir a circulação durante o dia todo. (OESP,
08/12/07)
141) É claro que já houve recurso à Justiça, por parte da estatal, e foi expedido mandado de
reintegração de posse. Mas, como já é costume neste país – em grande parte decorrente da
força política adquirida por movimentos ilegais, como o MST e assemelhados –, as decisões
judiciais precisam ser negociadas a posterior, para serem (eventualmente) obedecidas.
(OESP, 12/12/07)
142) Não há dúvida de que se trata de plano engenhoso, mas com suas limitações. (FSP,
14/12/07)
143) É compreensível que, aproximando-se as festas de fim de ano e as férias de verão, o
governo queira adotar medidas para amenizar os transtornos que há mais de um ano se
tornaram rotineiros para quem viaja de avião. Mas o pacote anunciado pelo ministro da
Defesa, Nelson Jobim, tem escassas probabilidades de produzir os resultados esperados pelo
governo. (OESP, 22/12/07)
144) De fato, algumas empresas usam estagiários como mão-de-obra barata. Mas a
responsabilidade de fiscalizar os falsos estágios cabe ao Ministério do Trabalho. (OESP,
12/11/07)
Nessas ocorrências, há avaliação e/ou opinião em ambos os segmentos da construção,
e as expressões que iniciam a construção (aqui sublinhadas), por demonstrarem concordância
com o interlocutor, já antecipam que o locutor concede o argumento do interlocutor para, em
seguida, fazer uma objeção.
Verifica-se, assim, que, quando há avaliação e/ou opinião no segmento inicial da
construção adversativa (com tipo textual dissertativo), pode haver antecipação, o que
contribui para reforçar o argumento que se apresentará em seguida. No córpus analisado, essa
antecipação ocorre em pouco mais de 7% das adversativas que trazem avaliação e/ou opinião
no segmento inicial. Isso mostra que a antecipação não é exclusividade das construções
concessivas com segmento adverbial anteposto.
Apesar disso, há de considerar que, quando ocorre antecipação nas adversativas e nas
concessivas, produzem-se diferentes efeitos de sentido em cada uma das construções. Como
se mostrou, Garcia (1997) afirma que expressões como as citadas nas ocorrências de 9 a 15
104
têm a função de mostrar em que termos ou extensão se concorda com o que foi enunciado
anteriormente. Pode-se dizer que as expressões é verdade que e é compreensível que, por
exemplo, indicam diferentes “graus” de adesão do locutor ao argumento do interlocutor.
Parece que a expressão é compreensível que indica menor grau de adesão, pois, na semântica
do termo compreensível – “entender (alguém), aceitando como é” (FERREIRA, 2004) –, traz-
se a ideia de que aquele que compreende é apenas tolerante, mas não adere ao ponto de vista
alheio. Além disso, pode-se considerar que são expressos diferentes valores nas expressões
avalativas/opinativas: a expressão pode ser, por exemplo, tem valor eventual.
No entanto, lembre-se que, nas concessivas, a antecipação é mais frequente. Parece
que isso ocorre porque o segmento concessivo (anteposto) já seria uma forma “padrão”
utilizada para fazer antecipação, dada a flexibilidade de posição sintática das adverbiais
concessivas. Além disso, nas adversativas, ao contrário do que ocorre nas concessivas, há
antecipação apenas quando está presente a função de avaliação e/ou opinião no segmento que
traz argumento fraco, ou seja, no segmento inicial. A partir da comparação das ocorrências
apresentadas a seguir, é possível demonstrar isso:
145) Costumava-se falar das afinidades entre petistas e tucanos. Mas, estruturalmente, o
partido se parece, mais do que com qualquer outro, com o PMDB. (OESP, 19/12/07)
146) O ministro Paulo Bernardo afirma que as alternativas existentes para remediar a perda
de receita causada pela extinção da CPMF devem ser discutidas entre o Executivo e o
Legislativo, em busca de “um ponto de equilíbrio”. Mas primeiro é preciso que os dois
principais ministros da área econômica cheguem, eles próprios, não a um ponto de
equilíbrio, mas a um entendimento básico. (OESP, 20/12/07)
147) Mas, embora os tribunais já tenham firmado entendimento sobre a matéria, o INSS
insiste em negar os benefícios reclamados pelos segurados, obrigando-os a procurar os
Juizados para defender seus direitos. (OESP, 29/10/07)
148) Embora o governo federal tenha erigido o raciocínio em política oficial, as importações
prosseguem, seja por força de medidas liminares, seja por procederem de nações parceiras
do Mercosul (Uruguai e Paraguai). (FSP, 10/12/07)
Em todas as ocorrências citadas, há constatação no primeiro segmento da construção e
avaliação e/ou opinião no segundo segmento da construção. Por exemplo: em 145, mostra-se,
no segmento inicial, que é fato que se costumava falar das afinidades entre petistas e tucanos e
se avalia, no segmento adversativo, que o partido se parece mais com o PMDB; em 147,
mostra-se, no segmento concessivo, que é fato que os tribunais firmaram entendimento sobre
a matéria e, no segmento nuclear, avalia-se que o INSS insiste em negar os benefícios.
105
Quando, nas adversativas e nas concessivas, há constatação em um dos segmentos e
avaliação/opinião em outro, em geral esta última função aparece no segmento que traz
argumento forte – em cerca de 90% das adversativas e em 75% das concessivas (no córpus
inicial e no de controle) –, como se vê nas ocorrências de 145 a 148. Isso se justifica pelo fato
de que a avaliação/opinião estaria mais relacionada a um posicionamento pessoal do locutor,
que é apresentado comumente no segmento que traz argumento forte.
Apesar dessa semelhança entre as construções estudadas, nota-se que há antecipação
(decorrente da anteposição do segmento concessivo) apenas em 147 e 148, pois em 145 e 146
o primeiro segmento da construção não é iniciado por expressão avaliativa e/ou opinativa.
Ressalte-se que, nas concessivas com avaliação/opinião em um segmento e constatação em
outro, o mecanismo de antecipação está presente em 75% dos casos (no córpus inicial e no de
controle).
A partir disso, pode-se afirmar que tanto nas concessivas quanto nas adversativas pode
haver o efeito de antecipação, o que contribui para reforçar o argumento que se quer defender.
Entretanto, isso ocorre nas adversativas apenas quando o segmento inicial traz avaliação e/ou
opinião, ao passo que, nas concessivas, isso pode acontecer independentemente da função
expressa no segmento adverbial anteposto, já que a antecipação, nesse caso, é decorrente,
simplesmente, da anteposição do segmento adverbial. Vale registrar que, do total de
concessivas que apresentam sequência dissertativa, quase 63%, no córpus inicial, e quase
68%, no córpus de controle, trazem segmento adverbial anteposto.
Observa-se, também, que a antecipação ocorre nas adversativas quando estão
envolvidos, em geral, os valores de restrição (como se vê em 138, 139, 140, 142 e 144) e de
negação de inferência (como se vê em 141 e 143). Em 139, por exemplo, o conteúdo do
segmento adversativo restringe o que vem enunciado anteriormente (mas ainda estão longe
do ideal), com o que se obtém relativizar a indicação de que as condições atuais são melhores.
Em 141, por sua vez, o conteúdo do segmento adversativo nega a inferência que se pode fazer
a partir do conteúdo do segmento inicial: a de que não houve recurso à Justiça (por parte da
estatal) e não foi expedido mandado de reintegração de posse.
Não se identificaram casos de adversativas com contraste nas quais haja antecipação, o
que não é de estranhar, dado que essas construções, em geral, não expressam concessão111
.
111 Registre-se que, em casos excepcionais, as adversativas com valor de contraste expressam concessão, como
se vê nesta ocorrência: “Os professores novatos podem se sentir intimidados com a medida, mas os bons terão
oportunidade de se destacar”, afirma a professora Gislaine da Costa Cabral, que foi aprovada para dar aula de
educação artística a partir de 2008. (OESP, 19/11/07)
106
Apesar disso, nas adversativas contrastivas também há a possibilidade de reforçar-se
argumento defendido pelo locutor, o que ocorre, por exemplo, quando se opõem
opiniões/avaliações de diferentes pessoas entrevistadas, como se vê a seguir:
149) Para o ministro interino de Minas e Energia, Nelson Hubner, a entrada da OGX e da
Vale na exploração de hidrocarbonetos “não significa que são empresas assustadas com o
risco de faltar gás no País”. Mas é bom recordar o que disse o presidente da Vale, Roger
Agnelli, após o apagão do gás natural do início do mês: a produção tem de ser acelerada o
mais rapidamente possível. (OESP, 29/11/07)
150) Isso demonstraria, segundo o presidente do IBP, a maturidade do setor de petróleo no
Brasil e a opção pela concorrência no setor. Mas o diretor do Centro Brasileiro de Estudos
em Infra- Estrutura (Cbie), Adriano Pires, ainda tem dúvidas.112
(OESP, 29/11/07)
Em 149 e 150, verifica-se que o locutor faz uso de “vozes autorizadas” (de pessoas
entrevistadas) para apoiar uma delas. Isso fica ainda mais evidente em 149, pois, nesse caso,
há, no segmento adversativo, uma opinião “dentro” de outra opinião: ao dizer que é bom
recordar o que disse o presidente da Vale, o locutor já opina e mostra qual opinião vai apoiar:
a do presidente da Vale, que considera que a produção tem de ser acelerada o mais
rapidamente possível.
Como aponta Sella (2006), o acionamento de vozes autorizadas no texto contribui para
dar maior credibilidade ao que se diz. Dessa forma, pode-se dizer que o argumento expresso
no segmento adversativo vem ainda mais reforçado pelo fato de que é avaliação e/ou opinião
de uma voz autorizada (que se opõe à opinião/avaliação de outra voz autorizada).
Não é raro aparecerem ocorrências desse tipo no córpus analisado, o que se explicaria
pelo fato de que é próprio de textos jornalísticos mostrar, de forma democrática, os “dois
lados” de uma questão.
Nas construções concessivas contrastivas com tipo textual dissertativo não se
identificaram casos em que se apresenta avaliação e/ou opinião de uma voz autorizada em
cada segmento. No córpus analisado, isso acontece, no entanto, em 1 ocorrência de concessiva
contrastiva que traz tipo textual narrativo, como se vê a seguir:
151) Embora Vaccarezza tenha divulgado nota afirmando que o projeto de lei não altera a
legislação trabalhista em seus aspectos substantivos, limitando-se a sistematizar normas já
existentes, juízes trabalhistas afirmam que o projeto interfere nas negociações entre patrões e
empregados, privilegia os direitos coletivos em detrimento dos direitos individuais do
112 Nesses casos, todo o conteúdo de cada segmento da construção adversativa constitui um escopo, pois o
contraste se dá entre pontos de vista, e não entre elementos presentes nos segmentos dessa construção. A
oposição entre pontos de vista, que é operada pela conjunção mas, é apontada por Silva (2005).
107
trabalho, modifica critérios de organização sindical e favorece as empresas, em prejuízo do
tratamento isonômico que deveria ser dispensado a empregados e empregadores. (OESP,
29/10/07)
No segmento concessivo, mostra-se a opinião de Vaccarezza, segundo o qual o projeto
de lei não altera a legislação trabalhista em seus aspectos substantivos, limitando-se a
sistematizar normas já existentes, e, no segmento nuclear, expõe-se a opinião dos juízes
trabalhistas, segundo os quais o projeto interfere nas negociações entre patrões e
empregados, privilegia os direitos coletivos em detrimento dos direitos individuais do
trabalho, modifica critérios de organização sindical e favorece as empresas, em prejuízo do
tratamento isonômico que deveria ser dispensado a empregados e empregadores.
Em 151, o locutor também opõe duas opiniões para apoiar uma delas (a que é
apresentada no segmento que traz argumento forte). No entanto, como, nesse caso, as
sequências são narrativas – o que representa que o objetivo principal é relatar os fatos –, as
opiniões/avaliações apresentadas ficam em segundo plano, diferentemente do que acontece
em 149 e 150113
.
Outra forma de dar maior destaque ao argumento defendido pelo locutor é imprimir
tom de crítica no segmento que traz esse argumento. No córpus analisado, o tom de crítica
vem, em geral, nos segmentos que desempenham a função de avaliação e/ou opinião. Para
tratar essa questão, exemplificam-se, primeiramente, as construções adversativas:
152) Ficasse apenas nisso, Hugo Chávez seria apenas um problema que, mais cedo ou mais
tarde, os venezuelanos teriam de resolver. Mas o coronel golpista, em seus delírios, acha que
é o centro do universo – e se comporta como tal. (OESP, 24/11/07)
153) Fosse ele um leigo anônimo, o seu jejum seria relegado pela mídia ao rodapé das
bizarrices do dia-a-dia. Mas, sendo um prelado católico, com o sacrifício auto-imposto,
abusou da autoridade moral da sua Igreja que o povo brasileiro, em sua maioria católico,
reconhece e acata. (OESP, 21/12/07)
Em ambas as ocorrências, há avaliação e/ou opinião nos dois segmentos da
construção. No entanto, uma das avaliações/opiniões apresentadas é mais destacada porque
está presente em segmento (o adversativo) que vem com crítica: em 152, a crítica fica
evidente, por exemplo, pela presença de expressões como golpista e em seus delírios e, em
153, pelo uso do termo abusou.
113 Como se verá mais adiante, quando se tratar do tipo textual narrativo, a apresentação, em segundo plano, de
avaliação/opinião de voz autorizada é uma estratégia do locutor.
108
Há casos, ainda, em que a avaliação e/ou opinião apresentada no segmento
adversativo, além de vir com crítica, vem com ironia, como se vê nestes trechos:
154) De fato, a própria BBC por vezes é acusada de partidarismo. Mas o ministro parece
acreditar que a independência fica assegurada pelos 15 "representantes da sociedade civil"
no Conselho Curador – todos nomeados por Lula. (FSP, 02/12/07)
155) O Planalto pode não ser o que mais gasta, mas, sob Lula, gasta cada vez mais, com um
abandono de dar gosto – R$ 29 milhões na média mensal deste ano, ante R$ 18,5 milhões em
2003. (OESP, 21/11/07)
Quando há tom ironia no segmento adversativo, a presença da crítica fica ainda mais
evidente, pois, como diz Ducrot (1987), a ironia consiste em fazer ouvir uma voz que não é a
do locutor e que sustenta o insustentável.
Na construção concessiva, a crítica também pode ocorrer no segmento que traz
argumento defendido pelo locutor, como se vê a seguir:
156) Mas, embora os tribunais já tenham firmado entendimento sobre a matéria, o INSS
insiste em negar os benefícios reclamados pelos segurados, obrigando-os a procurar os
Juizados para defender seus direitos. (OESP, 29/10/07)
Em 156, o segmento nuclear traz avaliação e/ou opinião que vem com crítica, o que é
evidenciado pelo uso dos termos insiste e obrigando-os. Nesse caso, a crítica também serve
para dar maior destaque ao argumento apoiado pelo locutor, mas, diferentemente do que se dá
nas ocorrências de 152 a 155, há, ainda, o mecanismo de antecipação que também reforça o
argumento defendido.
A partir do que se mostrou, pode-se dizer que, tanto nas adversativas quanto nas
concessivas, é possível apresentar crítica no segmento que traz argumento defendido para
destacá-lo. Era de esperar que a crítica estivesse presente no segmento que traz argumento
forte, dado que ele funciona, em geral, como figura, plano que fica em maior evidência.
Contudo, observa-se que, especificamente nos casos das adversativas, a crítica pode estar
presente em ambos os segmentos da construção:
157) O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Itamaraty continuam absorvidos em planos
mirabolantes de exportação de etanol, cuja produção mal dá para atender à demanda
nacional, mas não demonstram preocupação quanto à produção e comercialização dos
alimentos, cuja demanda crescente em mercados de todo o mundo temos todas as condições
para atender. (OESP, 16/12/07)
158) Para isso, exerce pressão continuada sobre os meios de comunicação e, depois de
prometer “salvar o mundo”, apresenta-se como “salvador da pátria”... alheia – no caso a
Colômbia. Mas Chávez esquece que, no relacionamento com países soberanos, não pode
109
empregar os mesmos métodos ditatoriais que usa no trato com os venezuelanos. (OESP,
27/11/07)
Em 157 e 158, há, em ambos os segmentos da construção, a função de avaliação e/ou
opinião, mas ela vem com crítica, o que contribui para destacá-la. Em 157, verifica-se que há
crítica no segmento inicial pela presença de expressões como planos mirabolantes e mal dá
para atender e, no segmento adversativo, pela presença de expressões como não demonstram
preocupação. Em 158, por sua vez, observa-se que há crítica no segmento inicial pela
ocorrência de expressões como exerce pressão continuada e, no segmento adversativo, pela
ocorrência de expressões como esquece que114
e métodos ditatoriais.
Pode-se perguntar por que é possível a presença de crítica também no segmento inicial
da construção adversativa, já que é no segmento adversativo que se mantém a “preferência”
(GARCÍA, 1994). Ressalte-se que, em 157, por exemplo, fica claro que é o argumento
presente no segmento adversativo que deve prevalecer pelo fato de que o texto progride
levando em conta esse argumento, como se observa neste excerto, presente em uma porção
anterior do editorial: O País continua, claramente, sem uma política de produção e de
comercialização para o agronegócio. Os agricultores, criadores e industriais ligados ao
setor podem fazer e têm feito muito para modernizar sua atividade, mas o governo não tem
acompanhado esse esforço.
Assim, a presença da crítica não é suficiente para fazer que o argumento do segmento
inicial prevaleça: apresenta-se crítica em ambos os segmentos da construção, mas a que vem
no segmento adversativo é a que prevalece. Em 157, interessa mostrar que o presidente e o
Itamaraty devem envolver-se na questão da produção e comercialização de alimentos e, em
158, interessa mostrar que Chávez não deve empregar métodos ditatoriais com os países
soberanos.
Pode-se entender que a crítica no segmento inicial da adversativa é favorecida pela
ausência de concessão nessa construção, como se vê em 157 e 158. A concessão, como diz
Monnerat (2001b), quando situada no início da argumentação, ou seja, no primeiro segmento
de uma construção, é uma estratégia “preventiva”: o locutor resguarda-se contra fortes
objeções ou poupa a face do outro. Nota-se que isso não ocorre em 157 e 158 (no segmento
inicial), pois a intenção do locutor não parece ser a de prevenir-se, mas a de atacar (por meio
de crítica).
114 Ressalte-se que essa expressão também vem com tom irônico.
110
Como se vê, nas construções adversativas a avaliação e/ou opinião pode vir com
crítica tanto no segmento adversativo quanto no inicial, apesar de ser mais comum no
segmento adversativo.
Observa-se que, nas construções concessivas, por outro lado, a avaliação e/ou opinião
vem com crítica apenas quando aparece no segundo segmento da construção, como se vê em
156. Isso parece ocorrer porque a maioria das concessivas traz segmento adverbial anteposto.
Nesse caso, a concessão vem no início da argumentação, manifestando-se, em geral, o que
Monnerat (2001b) chama de estratégia “preventiva”, que, como se mostrou ainda há pouco,
não favoreceria a ocorrência de crítica no início da argumentação115
. Em 134, por exemplo, ao
reconhecer que o caráter protecionista da medida é óbvio, o locutor poupa a face do outro,
pois se coloca na posição daqueles que bradam contra ela (embora, em seguida, afirme que é
ocioso bradar contra ela). Em 135, por exemplo, ao afirmar que é difícil convencer o usuário,
o locutor já se previne contra fortes objeções, pois, em seguida, defende que o modelo ao qual
se refere é defensável. Nessas ocorrências, parece que não se tem a finalidade de atacar por
meio do conteúdo do segmento concessivo.
Essas observações contribuem para demonstrar que a concessão no primeiro segmento
da construção não favorece a presença de crítica nesse segmento. Restaria pensar por que, no
caso das adversativas, há a possibilidade de trazer crítica em ambos os segmentos ao mesmo
tempo. Isso se explicaria pelo fato de que os segmentos da construção adversativa se
encontram no mesmo plano, não havendo, assim, uma hierarquia entre eles. Dessa forma, se a
construção é iniciada com tom de crítica, espera-se que esse tom permaneça também no
segundo segmento da construção.
Até aqui, mostraram-se os casos em que estão presentes na construção adversativa e na
construção concessiva com tipo textual dissertativo a função de avaliação e/ou opinião (que
podem vir com crítica) e a de constatação, havendo motivações particulares para o uso de
cada construção. No entanto, essas não foram as únicas funções identificadas nesses dois tipos
de construção.
Verifica-se que, tanto nas adversativas quanto nas concessivas, pode estar presente a
função de relativização, mas, quando isso ocorre, não deixa de haver a função de avaliação
115 Como se verá adiante, registrou-se 1 ocorrência de concessiva com sequência descritiva na qual há crítica no
segmento adverbial posposto. Nessa ocorrência, também não se exibe a estratégia preventiva, dado que a
concessão vem no final da construção. Daí ser favorecida, nesse caso, a presença de crítica.
111
e/ou opinião, pois, para relativizar, é necessário avaliar116
. Inicia-se explicação a partir das
ocorrências de adversativas:
159) O Brasil deveria seguir esse exemplo, mas sem recair no estatismo populista. (FSP,
29/11/07)
160) É que não conseguem entender que os cárceres numa democracia sempre precisarão
existir, sim, mas sem horrores e sem privilégios. (OESP, 25/11/07)
161) Não há dúvida de que se trata de plano engenhoso, mas com suas limitações. (FSP,
14/12/07)
Em 159, diz-se que o Brasil deveria seguir o exemplo em uma condição específica e,
em 160, afirma-se que os cárceres precisarão existir em uma determinada condição. Em 161,
por sua vez, relativiza-se no segmento adversativo a eficácia do plano proposto pelo governo,
pois se considera que ele tem limitações. Assim, verifica-se que, nessas ocorrências, há
avaliação e/ou opinião em ambos os segmentos, mas, no segmento adversativo, há, ainda,
relativização.
Nas ocorrências a seguir, da mesma forma que acontece nas adversativas, há avaliação
e/ou opinião em um dos segmentos e relativização em outro:
162) Perpassa o documento certo desconforto (que por vezes resvala no ciúme) diante da
adesão do governo Lula a um conjunto de políticas públicas identificado com os anos FHC.
Essa apropriação de fato ocorreu – embora a paternidade de instituições como a "rede de
proteção social", obra coletiva, não possa ser conferida apenas aos tucanos – e também
contribuiu para esvaziar o discurso do PSDB. (FSP, 21/11/07)
163) Nunca antes neste mundo, parafraseando o presidente Lula, as condições materiais de
existência de tantas centenas de milhões de pessoas mudaram espetacularmente para melhor
em tão pouco tempo – embora os beneficiários desse salto quântico ainda sejam apenas mais
ou menos 1/3 da população de 1,3 bilhão. (OESP, 22/10/07)
Em 162, o segmento concessivo traz relativização para indicar que a apropriação
ocorrida não é decorrente apenas da paternidade que é atribuída aos tucanos. Em 163, por sua
vez, relativiza-se, no segmento concessivo, a melhora das condições materiais da população,
pois se diz que os beneficiários correspondem a apenas cerca de um terço da população.
Observa-se que os segmentos adversativos e os concessivos que cumprem a função
relativizadora têm, necessariamente, valor semântico de restrição, o que não é de estranhar,
116 Não se apresentam, aqui, porcentagens atinentes à função de relativização porque, como se disse, a ocorrência
de tal função já implica a presença de avaliação.
112
pois, para relativizar, o falante volta ao que foi enunciado anteriormente, fazendo alguma
delimitação.
No entanto, verifica-se que, nas adversativas, a relativização vem no segmento que
traz argumento forte, como se vê nas ocorrências de 159 a 161, e, nas concessivas, no
segmento que traz argumento fraco, como ocorre em 162 e 163.
Essa diferenciação, de certa forma, chama a atenção, pois é de esperar que o papel de
relativizar ou de restringir seja incumbido ao locutor, e não ao interlocutor. Seguindo-se essa
linha de raciocínio, pode-se pensar que a função relativizadora não apareceria no segmento
concessivo, já que este traz argumento que não é defendido pelo locutor (ou seja, argumento
fraco).
Entretanto, observa-se que, em 162 e 163, ocorre o que Gouvêa (2002) chama de
“mudança de posição” do locutor, caso em que a voz do locutor aparece no segmento que traz
argumento fraco. Analisando o fenômeno de concessão em textos jurídicos, a autora mostra
que a voz do locutor (o juiz) pode aparecer no segmento que traz argumento fraco para
priorizar, por exemplo, por motivações particulares, o ponto de vista da lei, que é expresso no
segmento que apresenta argumento forte.
Em 162, a mudança de posição do locutor acontece para fazer prevalecer o ponto de
vista de um partido brasileiro (o PSDB), que apresenta documento no qual perpassa certo
desconforto (...) diante da adesão do governo Lula a um conjunto de políticas públicas
identificado com os anos FHC. Em 163, por sua vez, a mudança de posição do locutor ocorre
para priorizar o ponto de vista do governo chinês, já que se trata, no editorial, do
desenvolvimento da China, que é enfatizado por esse governo. Fica claro que é o governo
chinês que enfatiza o desenvolvimento do país neste trecho, que aparece no fechamento do
editorial: Hu enfatizou no discurso de abertura que a maior conquista nos últimos cinco anos,
ou seja, a dele, foi “o desenvolvimento rápido”. Assim, pode-se dizer que o locutor teria
optado por deixar em maior evidência o ponto de vista do governo chinês porque pretendia
dar maior ênfase ao rápido desenvolvimento da China do que às conquistas que ainda
deveriam ocorrer no país.
Pelo que se mostrou, verifica-se que tanto as adversativas quanto as concessivas
podem trazer relativização, mas, como se viu, nas concessivas, diferentemente do que
acontece nas adversativas, a relativização vem apresentada no segmento que traz argumento
fraco. Assim, é possível dizer que a opção pelo uso de uma construção concessiva com função
relativizadora em vez de uma adversativa com essa função poderia ser devida à necessidade
(determinada pelo contexto de uso) de fazer prevalecer o ponto de vista do interlocutor.
113
Dessa forma, a partir do recorte selecionado, pode-se dizer que a mudança de posição
do locutor nas concessivas seria decorrente da presença de restrição, ou relativização, no
segmento adverbial concessivo, que traz argumento fraco, pois, como já se disse, caberia ao
locutor restringir, relativizar.
Por outro lado, observa-se que em algumas ocorrências nas quais se manifesta a
função constatativa também ocorre a mudança de posição do locutor, como exemplificam
estes trechos:
164) Com 25% das intenções de voto, [Marta Suplicy] está em empate técnico com Alckmin,
mas vem dizendo que não disputará o cargo. (FSP, 13/12/07)
165) Embora nada disso esteja sendo feito, o embaixador Hugueney afirmou que “o
Mercosul é prioridade absoluta para o Brasil, por isso a negociação tem de tornar
compatível a liberalização multilateral com a integração regional. (FSP, 12/10/07)
Em 164 o locutor se posiciona no segmento que traz argumento fraco (o inicial), que
aponta para a conclusão de que Marta concorrerá à disputa, pois, em uma porção posterior do
editorial, o locutor reconhece que A verdade é que os três [candidatos] estão quase
condenados a concorrer.
Em 165 o locutor também se posiciona no segmento que traz argumento fraco (o
concessivo), que aponta para a conclusão de que o Mercosul não tem sido tratado como
prioridade. A partir da observação do trecho que acompanha essa construção concessiva, isso
fica ainda mais claro: O discurso não comoveu os representantes de Paraguai e Uruguai, os
outros membros plenos do Mercosul.
Quando há mudança de posição do locutor, o segmento que traz argumento forte pode
constituir um relato, como se vê em 164 e 165. Isso se justifica pelo fato de que, dessa forma,
o locutor coloca em destaque afirmações feitas por pessoas entrevistadas, criando, assim, uma
“imagem” de imparcialidade, preceito forte no âmbito jornalístico, que visa a que o leitor
forme sua própria opinião a respeito dos fatos. Em 164 e em 165, com o intuito de transmitir
essa “imagem” de imparcialidade, o locutor muda de posição para colocar em xeque de
forma mais discreta a veracidade das afirmações feitas pelas pessoas entrevistadas (por
Marta Suplicy e por Hugueney em 164 e 165, respectivamente).
A partir disso, pode-se dizer que uma das motivações para a presença da função
constatativa (ligada, por vezes, a relato) em ambos os segmentos das adversativas (em 4% dos
casos) e das concessivas (em cerca de 14% no córpus inicial e no de controle) seria o
114
propósito de trazer mudança de posição, criando uma imagem de imparcialidade: apresentam-
se duas constatações, mas a que prevalece é a do interlocutor.
Ressalte-se que, quando há mudança de posição, não deixa de estar envolvida, nas
adversativas e nas concessivas, a “lei da preferência” (GARCÍA, 1994). Verifica-se que,
nesses casos, embora a voz do locutor apareça no segmento que traz argumento fraco, a
preferência está presente no segmento que traz argumento forte, como ocorre em 164 e 165,
dando-se credibilidade à voz do interlocutor.
Até aqui, tratou-se das funções textuais presentes tanto nas adversativas quanto nas
concessivas com tipo textual dissertativo, apontando-se as possíveis motivações de uso dessas
construções. Cabe acrescentar que, no córpus analisado, há quatro funções que se manifestam,
especificamente, nas adversativas com tipo dissertativo, a justificativa (em quase 2% das
ocorrências), a questionadora (em pouco mais de 2% das ocorrências), a volitiva (em 0,5%
das ocorrências) e a preditiva (em quase 2% de ocorrências). Embora tais funções apareçam
com pouca frequência, se forem somadas as porcentagens, elas totalizam em cerca de 6%.
Acredita-se que a “ligação” frouxa presente na construção adversativa, ou seja, a
(relativa) independência entre os segmentos, da mesma forma que contribui para a ocorrência
de maior variedade de valores semânticos, também favorece a presença de um maior leque de
funções textuais. No entanto, há de se notar que a limitação do córpus também pode ter
influído na presença de menor variedade de funções textuais nas concessivas. De qualquer
forma, trata-se dos casos em que as adversativas exibem as funções referidas. Comentam-se
esses casos a seguir, iniciando com as ocorrências que trazem função justificativa:
166) Realmente, esse “direito à nossa vez”, que parece “justo”, mais justo seria se houvesse
muitos globos terrestres disponíveis e muito mais tempo para degradá-los. Mas, quando
houve a Revolução Industrial, a humanidade ainda não conhecia os efeitos do aquecimento
global. (OESP, 18/12/07)
167) As pessoas têm uma compreensível empatia com o sofrimento de animais. Sentem
repulsa diante de procedimentos que possam causar estresse, dor ou até a morte de cobaias.
Mas, infelizmente, não existem métodos alternativos ao emprego de animais em vários
estudos imprescindíveis para criar tratamentos destinados a curar seres humanos. (FSP,
12/11/07)
A função justificativa é expressa no segmento adversativo, o que era de esperar, já que
caberia ao locutor, e não ao interlocutor, fazer uma justificativa. Pode-se dizer que tal função
seria mais uma das funções acionadas para convencer o locutor, pois, ao justificar, o locutor
demonstra a pertinência do argumento defendido.
115
Em 166, o locutor explica, no segmento adversativo, por que não há muitos globos
terrestres disponíveis e muito mais tempo para degradá-los. É interessante notar que, nessa
ocorrência, há, ainda, expressão avaliativa/opinativa no segmento inicial (realmente), que já
antecipa que o argumento do locutor prevalecerá. Assim, tanto a função justificativa quanto a
antecipação contribuem para revelar que o argumento trazido no segmento adversativo é o do
locutor. Em 167, por sua vez, o locutor justifica, no segmento adversativo, o uso de métodos
que causam estresse em animais.
No córpus analisado identificaram-se, ainda, adversativas que exibem a função
questionadora, como se exemplifica a seguir:
168) Mais uma vez, o PMDB apresenta a conta ao governo federal: terá o Ministério dos
Transportes. Mas que PMDB? (FSP, 26/12/07)
169) “Se não houver nenhuma negociação, cumpriremos a qualquer momento a decisão da
Justiça”. Mas como assim? (OESP, 12/12/07)
170) Será que, com a iniciativa anunciada na festa de lançamento oficial da TV digital no
País, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende compensar um dos efeitos negativos do
padrão tecnológico pelo qual optou, que é o alto custo do equipamento? Mas o preço alto
demais é apenas um dos problemas da TV digital. (OESP, 08/12/07)
Como se vê, a função questionadora pode estar presente tanto no segmento
adversativo, tal como ocorre em 168 e 169, quanto no segmento inicial, como acontece em
170. No entanto, em 80% dos casos essa função aparece no segmento adversativo, o que
corresponde à expectativa, pois o questionamento seria uma das funções acionadas pelo
locutor para reforçar a argumentação.
Em 168, questiona-se algo que é apresentado no segmento inicial. Nesse caso, o
questionamento serve para requerer outro tipo de informação ainda não explicitada: pergunta-
se a quais políticos do partido (do PMDB) se faz referência. Em 169, questiona-se a atitude
tomada por quem faz a declaração apresentada entre aspas. Em 170, no segmento inicial
questiona-se para levantar uma hipótese. Em alguns casos, o questionamento vem com tom de
crítica, como acontece nas ocorrências 169 e 170, nas quais ele serve para colocar em xeque a
atitude tomada por alguém. Como se percebe, as funções se acionam segundo diversas
motivações.
Observa-se que, quando há questionamento no segmento adversativo, o valor
semântico presente nesse segmento é o de restrição. Isso não surpreende, pois, como se
mostrou no capítulo 2, Neves (2000) aponta casos nos quais o segmento adversativo restritivo
ocorre em início de turno, como questionamento a algo que já foi enunciado.
116
Essa já seria uma diferença em relação às concessivas: nas adversativas, o valor
semântico de restrição favoreceria a presença da função de relativização e de questionamento,
ao passo que, nas concessivas, esse valor favoreceria a presença apenas da relativização.
Por outro lado, pelo que sugerem os dados obtidos na análise, o valor de restrição, seja
no segmento adversativo, seja no segmento concessivo, favorece o aparecimento da função
discursiva de adendo, pois essa função aparece apenas em segmentos (adversativos e
concessivos) restritivos, contribuindo, assim, para reforçar argumento presente nesses
segmentos. Parece que isso ocorre porque, para que se faça uma restrição, é necessária uma
volta ao que foi enunciado; a própria restrição seria algo (uma informação ou um argumento)
a ser acrescentado ao que já se disse, sendo compatível, portanto, com a natureza de adendo,
que constitui uma pós-reflexão ao que foi enunciado.
Nas adversativas, além do valor de restrição, a conexão enunciado-enunciado, que se
manifesta em quase 36% das adversativas restritivas com tipo textual dissertativo – como nas
ocorrências de 168 a 170 –, também contribui para a ocorrência de adendo, pois, nesse tipo de
conexão, há uma maior pausa entre os segmentos. De qualquer forma, a conexão entre
enunciados não é imprescindível para a manifestação de adendo, pois as concessivas com
adendo não trazem tal tipo de conexão.
Apesar disso, verifica-se uma diferença entre as adversativas restritivas e as
concessivas restritivas com adendo. Nas adversativas, o adendo restritivo aparece em
segmento adversativo que apresenta questionamento, como em 168 e 169, avaliação e/ou
opinião, como em 170, ou relativização, tal como se vê nesta ocorrência:
171) Devido ao encarecimento dos alimentos, antecipava-se uma taxa relativamente salgada,
mas nem tanto. (FSP, 26/12/07)
Nesse caso, volta-se ao que foi enunciado anteriormente para relativizar a elevação da
taxa.
Nas concessivas, por outro lado, o adendo restritivo aparece apenas quando o
segmento adverbial apresenta relativização, como se vê em 163, por exemplo. No entanto, não
é possível chegar a conclusões definitivas pelo baixo número de concessivas restritivas no
córpus.
De qualquer forma, a partir do recorte selecionado para análise, pode-se afirmar que
uma das possíveis motivações para o uso das adversativas em vez das concessivas seria, por
exemplo, a necessidade de haver adendo restritivo em segmento que tem a função de
questionamento.
117
Saliente-se que não é possível verificar em qual das construções em questão o adendo
restritivo aparece com mais recorrência, pois, nas concessivas pospostas com sequência
dissertativa, é apenas no córpus de controle que se manifesta o adendo restritivo: em 100%
dos casos. Nas adversativas, por outro lado, o adendo restritivo aparece em 11% dos casos.
Por outro lado, a função discursiva de guia aparece frequentemente no segmento
concessivo anteposto com sequência dissertativa (em 86% e em cerca de 91% dos casos no
córpus inicial e no de controle, respectivamente). São amostras:
172) Embora seja difícil convencer o usuário disso, o modelo paulista é defensável. (FSP,
15/11/07)
173) Embora o argumento possa explicar em parte a atitude, jamais terá o poder de justificá-
la. (FSP, 13/11/07)
Nessas ocorrências, o segmento concessivo orienta para o que virá posteriormente. Por
vezes, além de se orientar, antecipa-se algo sobre a objeção que o locutor fará ao argumento
do interlocutor. No primeiro caso, ao se afirmar que é difícil convencer o usuário de algo, já
se antecipa que se apresentará um argumento para convencer. No segundo caso, ao se dizer
que o argumento pode explicar em parte a atitude, já se antecipa que será considerado que o
argumento não justifica de todo a atitude.
Sendo assim, verifica-se que, nos segmentos concessivos antepostos, além de se
orientar para o conteúdo que virá posteriormente, por vezes já se faz certa delimitação desse
conteúdo, contribuindo, assim, para reforçar o argumento a ser defendido. Essa seria uma
diferença em relação às adversativas, nas quais, pela posição fixa, não se orienta conteúdo e
não se delimita algo sobre a objeção a ser feita.
De qualquer forma, nas adversativas há, como se disse, uma maior variedade de
funções textuais. Outra função textual encontrada especificamente nessas construções é a
volitiva, como se verifica nesta ocorrência:
174) Antes fosse assim. Mas seria preciso um contingente multimilionário de investigadores e
delegados para que os prejuízos acarretados pela fisiologia viessem a eliminar-se
significativamente do cenário. (FSP, 26/12/07)
Nesse trecho, o segmento adversativo tem função avaliativa e/ou opinativa, mas, no
segmento inicial, manifesta-se a função volitiva, pois a expressão antes fosse assim sugere
que o locutor quereria/desejaria que algo ocorresse. Não é de estranhar que a função volitiva
apareça no segmento inicial, pois o locutor diz o que se desejaria que ocorresse para, em
seguida, fazer uma restrição, avaliando em quais condições ocorreria o que se deseja.
118
Por fim, também se identificou na construção adversativa a função preditiva, como se
vê neste excerto:
175) As novas regras entrarão em vigor em abril de 2008, mas até lá nada impedirá novos
reajustes. (OESP, 09/12/07)
Nessa ocorrência, no segmento inicial se prevê quando as novas regras entrarão em
vigor, daí a função preditiva. No segmento adversativo, embora se possa dizer que é previsto
que até lá nada impedirá novos reajustes, fica em primeiro plano uma avaliação e/ou opinião
apresentada pelo locutor, pois outra pessoa poderia considerar que se impediriam novos
reajustes.
Nas concessivas também se identificaram casos em que a previsão vem em segundo
plano, como se observa nesta ocorrência:
176) Embora não preocupe no curto prazo, esse fenômeno será danoso caso se prolongue.
(FSP, 27/10/07)
Em 176, no segmento nuclear prevê-se que o fenômeno será danoso (caso se
prolongue), mas, ao mesmo tempo, avalia-se que ele será danoso.
Embora também se apresente previsão em certas construções concessivas, é apenas
nas adversativas que a função preditiva por vezes aparece sem ser sobreposta à função
avaliativa e/ou opinativa117
.
De qualquer forma, a função preditiva nas adversativas é pouco frequente, como já se
mostrou, o que se justificaria pelo fato de que, no editorial, dada a sua natureza
argumentativa, não basta, simplesmente, prever, mas avaliar a possibilidade de algo ocorrer,
orientando o leitor.
A partir do que foi exposto, observa-se que as adversativas e as concessivas que
apresentam tipo textual dissertativo trazem, muitas vezes, as mesmas funções, como a de
avaliação e/ou opinião e a de constatação. No entanto, as particularidades das adverbiais
concessivas influem para determinar a diferenciação entre essas construções.
Como se viu, mesmo que haja antecipação nas adversativas que trazem a função de
avaliação e/ou opinião, nas concessivas que possuem tal função produzem-se outros efeitos,
pelo fato de a antecipação ser decorrente da flexibilidade da posição sintática. Verificou-se,
também, que pode haver antecipação nas adversativas apenas quando o segmento inicial tem
117 A porcentagem de adversativas com função preditiva (2% de ocorrências), apresentada anteriormente, diz
respeito aos casos em que a ela não se sobrepõe a função avaliativa/opinativa.
119
função de avaliação e/ou opinião, ao passo que, nas concessivas, isso pode ocorrer
independentemente da função presente, o que também se deve à flexibilidade de posição
destas últimas. Assim, é principalmente nas concessivas que se reforça, por meio do
mecanismo de antecipação, argumento defendido pelo locutor.
Nas adversativas, por outro lado, há possibilidade de destacar argumento defendido
quando se opõem opiniões de vozes autorizadas, fazendo prevalecer uma delas, e quando se
apresenta crítica no segmento adversativo.
Nas concessivas, também pode haver crítica, que serviria para atacar, mas, nestas, está
presente, sobretudo, a estratégia preventiva, favorecida pela anteposição do segmento
adverbial.
Observou-se que as adversativas e as concessivas também exibem a função de
relativização. Entretanto, naquelas, tal função aparece no segmento que traz argumento forte,
e nestas, no segmento que apresenta argumento fraco. Neste último caso, ocorre mudança de
posição do locutor para fazer prevalecer, estrategicamente, o ponto de vista do interlocutor.
A mudança de posição também ocorre, tanto nas adversativas quanto nas concessivas,
quando está envolvida a função constatativa. Nesse caso, também se dá voz ao interlocutor
estrategicamente.
Observou-se, também, que há uma maior variedade de funções nas adversativas –
apenas nelas há as funções justificativa, questionadora, volitiva e preditiva –, variedade que se
atribui ao caráter paratático dessas construções.
Na análise empreendida, também se levou em conta de que modo os valores
semânticos das adversativas e das concessivas influem para determinar diferentes efeitos de
sentido.
Observou-se que, nas adversativas, não há antecipação quando está presente o valor de
contraste, pois as adversativas constrastivas em geral não expressam concessão. Ademais,
notou-se que as concessivas muitas vezes não operam antecipação quando está envolvido o
valor de restrição, que favoreceria a posposição.
Além disso, verificou-se que o sentido de restrição favorece o aparecimento da função
de relativização nas adversativas e nas concessivas e de questionamento nas adversativas em
específico. Por outro lado, tanto nas adversativas quanto nas concessivas o valor de restrição
contribui para a presença de adendo, função discursiva acionada para reforçar argumento
defendido pelo locutor. No entanto, nas concessivas, a função discursiva mais recorrente, e
que lhe é particular, é a de guia, que contribui, por exemplo, para delimitar conteúdo a ser
apresentado, antecipando o que será objetado.
120
Assim, embora as adversativas e as concessivas que trazem tipo textual dissertativo
sejam utilizadas, em geral, para convencer, cada uma dessas construções ocorre em contextos
particulares. De qualquer forma, ambas as construções se aproximam por se manifestarem na
“lei da preferência” (GARCÍA, 1994).
B) Adversativas e concessivas com tipo textual narrativo
No córpus analisado, as construções adversativas e as construções concessivas com
tipo textual narrativo trazem a função de constatação ou de avaliação/opinião.
No que diz respeito às adversativas, observa-se que, na maioria das vezes, a função
presente nos segmentos é a de constatação. Em pouco mais de 70% das ocorrências com tipo
textual narrativo, há função de constatação em ambos os segmentos da construção.
Apresentam-se algumas ocorrências para exemplificação:
177) Naquele dia, um ataque em Karachi (sul) matou mais de 130 pessoas que festejavam seu
retorno de oito anos de exílio, mas Benazir escapou. (FSP, 28/12/07)
178) Depois que a UE fracassou em seu intento de aprovar uma resolução mais dura,
chegou-se à solução de consenso de estender por mais um ano o mandato da enviada
especial de direitos humanos da ONU ao Sudão, Sima Samar, mas ela perdeu sua equipe de
apoio de sete investigadores especiais, que não tiveram seus mandatos renovados. (FSP,
15/12/07)
179) Foram reformadas as instalações e adquiridos equipamentos – mas a prioridade do
programa era outra. (OESP, 26/12/07)
180) A presidente da entidade, Maria Alice Soares, não se opõe à exigência de estágio
probatório aos docentes, diretores de escolas e funcionários de nível técnico da Secretaria da
Educação, mas questiona alguns pontos do decreto. (OESP, 19/11/07)
181) No começo, as autoridades brasileiras até resistiram à proposta de criação do Banco do
Sul, mas acabaram concordando – como tem ocorrido em outras negociações com parceiros
da região. (OESP, 11/12/07)
Nessas ocorrências, fica evidente que a função é constatativa porque se apresentam
fatos/eventos ocorridos. Em 177, por exemplo, é fato que um ataque em Karachi matou mais
de 130 pessoas e é fato que Benazir escapou.
Nas construções adversativas com tipo textual narrativo, a maior ocorrência da função
constatativa, ligada a relato, é devida ao fato de que, no editorial, o relato serve para informar
o leitor sobre os fatos ocorridos. Antes de avaliar os fatos e opinar sobre eles, o jornalista deve
oferecer ao leitor um panorama geral sobre esses fatos, que aparece, em geral, na introdução
121
do editorial. Parece ser por isso que as construções adversativas que ocorrem no início do
editorial apresentam, muitas vezes, sequências narrativas, como é o caso das ocorrências 177
e 179.
No que concerne às concessivas, verifica-se que também há casos em que a função de
constatação está presente, como nestas ocorrências:
182) Embora tenha acatado o argumento brasileiro de que a proibição se deve a razões
ambientais e à necessidade de proteção da saúde da população, a OMC considerou que, se
quiser mesmo evitar problemas sanitários e ambientais, o governo brasileiro tem de proibir
todas as importações, e não apenas as procedentes da UE. (OESP, 05/12/07)
183) Embora o estudo pondere que em relação ao PIB per capita o valor não seja baixo,
indica que, em física e química, a remuneração desestimula a opção pelo magistério. (FSP,
31/10/07)
184) Embora Vaccarezza tenha divulgado nota afirmando que o projeto de lei não altera a
legislação trabalhista em seus aspectos substantivos, limitando-se a sistematizar normas já
existentes, juízes trabalhistas afirmam que o projeto interfere nas negociações entre patrões e
empregados, privilegia os direitos coletivos em detrimento dos direitos individuais do
trabalho, modifica critérios de organização sindical e favorece as empresas, em prejuízo do
tratamento isonômico que deveria ser dispensado a empregados e empregadores. (OESP,
29/10/07)
Nesses casos também se verifica que a função de constatação se liga a relato de fatos
ocorridos. Em 182, por exemplo, é fato que a OMC acatou o argumento brasileiro e é fato que
a OMC considerou que o governo brasileiro deve proibir todas as importações.
Nas concessivas, a função de constatação está presente em quase 17% das ocorrências
com tipo textual narrativo. Como se vê, essa porcentagem é bem inferior àquela referente às
adversativas, o que pode se dever ao baixo número de concessivas com tipo textual narrativo
no córpus inicial (6 ocorrências). Observa-se que, no córpus de controle, a porcentagem passa
a corresponder a 40%, mas, ainda assim, não é possível concluir se, nas concessivas, a função
constatativa é frequente, dado que no córpus de controle o número de construções
identificadas também é baixo (10 ocorrências).
A partir do que se mostrou, pode-se dizer que a função constatativa está presente nas
construções adversativas e nas concessivas quando se pretende informar, pois tal função é
relacionada a relato de fatos. No entanto, ficaria o seguinte questionamento: se as adversativas
e as concessivas que apresentam sequências narrativas têm função constatativa, servindo,
assim, para informar, por que fazer uso de uma construção de natureza contrastiva (em vez de
proposições simples) para informar?
122
A questão é que as adversativas e as concessivas com sequências narrativas e função
constatativa não são utilizadas, simplesmente, para informar. Observa-se que as conjunções
mas e embora acionam uma oposição (em sentido lato) entre os fatos, de forma a provocar no
leitor surpresa quando se apresenta o segundo fato ocorrido (aquele que vem no segundo
segmento da construção). Como mostram Grote et al. (1997), as construções que trazem
concessão podem ser utilizadas para informar sobre eventos inesperados. Considera-se, aqui,
que, por vezes, mesmo quando não há concessão, as construções adversativas podem, de
forma evidente, trazer informação sobre eventos ou acontecimentos inesperados, como se verá
adiante.
Assim, pode-se dizer que tanto nas adversativas com constatação quanto nas
concessivas com constatação pode ser criado efeito de surpresa, que contribuiria para que o
leitor não criasse expectativas equivocadas em relação aos fatos ocorridos, já que um dos
atributos do jornalismo é a precisão da informação. Além disso, esse efeito serviria também
para “prender” a atenção do leitor. Como diz Bond (1962), o editorialista procura meios para
captar o interesse do leitor por meio, por exemplo, do método de apresentá-los. Uma das
formas seria, assim, relatar fatos por meio de construções contrastivas (adversativas e
concessivas), produzindo efeito de surpresa.
Observa-se que determinados valores semânticos podem contribuir para que esse
efeito fique ainda mais evidente. Um deles é compartilhado pelas adversativas e pelas
concessivas, o de negação de inferência, que está presente, por exemplo, nas ocorrências 179
e 182.
Em 179, o conteúdo do segmento adversativo nega a inferência que se tira a partir do
conteúdo do segmento inicial: a de que era prioridade reformar as instalações e adquirir
equipamentos. Em 182, da mesma forma, o conteúdo do segmento nuclear nega a inferência
que se faz a partir do conteúdo do segmento concessivo: a de que a OMC não acatou o
argumento brasileiro.
Por outro lado, nos casos em que as adversativas e as concessivas têm valor de
contraste, como em 180, 181 e 184, dificilmente se produz efeito de surpresa. Dessa forma,
essas construções serviriam, simplesmente, para opor fatos ou eventos. Em 180, por exemplo,
contrasta-se o fato de que Maria Alice Soares não se opõe à exigência de estágio ao fato de
que ela questiona alguns pontos do decreto. Em 184, opõem-se dois pontos de vista, o de
Vacarezza, que considera que o projeto não altera a legislação trabalhista de forma
significativa, e o de juízes trabalhistas, que julgam que esse projeto altera a legislação de
forma significativa.
123
Era de esperar que o valor de negação de inferência, em específico, contribuísse para
criar o efeito de surpresa, dado que, ao negar-se inferência, tem-se o contrário do que se
pensa, ficando quebrada a expectativa, como se vê em 179 e em 182, por exemplo.
Parte-se do pressuposto de que o valor semântico de eliminação, próprio das
adversativas, também contribui para deixar mais evidente o efeito de surpresa, pois a
interrupção de ações e processos quebra a expectativa, como se verifica nesta ocorrência:
185) Os estudos e as propostas do empresariado cobravam do governo mais investimentos,
regras mais claras e duradouras para as ações da iniciativa privada, inclusive em parceria
com o setor público, e melhora da qualidade da administração dos portos.
Mas, agora, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) conclui que só com a gestão
privada será possível dar eficiência à administração dos portos e eliminar de vez os riscos da
ingerência política, que afetam a qualidade das operações portuárias e comprometem a
competitividade dos produtos brasileiros. (OESP, 23/12/07)
Em 185, o conteúdo presente na porção adversativa deixa implícito que houve uma
interrupção de ação. Se, agora, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) conclui que só
com a gestão privada será possível resolver os problemas, fica sugerido que se deixa de cobrar
do governo mais investimentos, regras mais claras e duradouras para as ações de iniciativa
privada e melhora na administração dos portos. Pode-se dizer que essa interrupção de ação
não era esperada, daí produzir-se efeito de surpresa, apesar de a construção exemplificada não
apresentar concessão.
No entanto, nem todas as construções adversativas com valor de eliminação produzem
efeito de surpresa, como se vê neste trecho:
186) No começo o Brasil até tentou embargar – mas desistiu – o texto da Organização das
Nações Unidas (ONU) que concita o País a indenizar as vítimas de torturas em suas prisões,
afirma que a impunidade dos autores desses crimes prisionais, no Brasil, é regra, além de
enfatizar que aqui as cadeias são “imundas, desumanas e asfixiantes”. (OESP, 25/11/07)
Em 186, há, no segmento inicial, os termos no começo e até, que contribuiriam para
antecipar ao leitor que a ação de embargar será interrompida.
Isso não significa, porém, que apenas quando está envolvido o valor semântico de
eliminação o efeito de surpresa pode não ficar tão evidente. As adversativas e as concessivas
com negação de inferência, apesar de expressarem, em geral, concessão, também não
manifestam de forma tão clara esse efeito em certos casos, como se vê em 183.
A partir disso, observa-se que, para que haja efeito de surpresa, é importante a
presença de concessão e/ou dos valores semânticos de negação de inferência e de eliminação
(embora, em alguns casos, esse efeito não se manifeste de forma clara). Isso parece justificar a
124
frequência significativa de adversativas com negação de inferência e com eliminação em
sequências narrativas: essas construções seriam utilizadas para informar sobre fatos/eventos
inesperados. As concessivas com negação de inferência, por outro lado, aparecem com menos
frequência em sequências narrativas (em cerca de 18% dos casos), resultado que pode ter sido
influenciado pelo baixo número de ocorrências registradas no córpus (6 concessivas).
Como se viu até aqui, tanto as adversativas quanto as concessivas com função
constatativa são utilizadas, muitas vezes, para informar sobre fatos inesperados, criando-se
efeito de surpresa, que pode ficar ainda mais evidente quando está presente o valor de
negação de inferência e de eliminação (este último, no caso das adversativas, em específico).
Entretanto, verifica-se que, em alguns casos, fica em segundo plano, nas construções
em estudo, o propósito de convencer o leitor, como se exemplifica a seguir:
187) A OMC acatou o argumento do governo brasileiro de que o Brasil rejeita a importação
de pneus usados em razão dos problemas ambientais e de saúde pública que eles provocam,
como a dificuldade para sua destinação final e a proliferação de insetos causadores de
diferentes moléstias nos depósitos desses produtos. Mas decidiu que, se o Brasil fecha seu
mercado para a UE, deve fechá-lo para todos os países. (OESP, 05/12/07)
188) Embora tenha acatado o argumento brasileiro de que a proibição se deve a razões
ambientais e à necessidade de proteção da saúde da população, a OMC considerou que, se
quiser mesmo evitar problemas sanitários e ambientais, o governo brasileiro tem de proibir
todas as importações, e não apenas as procedentes da UE. (OESP, 05/12/07)
Nessas ocorrências, a avaliação feita pela OMC (a de que o governo brasileiro deve
proibir todas as importações) serve para sustentar a argumentação do locutor, já que este adere
ao ponto de vista da OMC. Isso fica claro porque, no editorial, o locutor apresenta, por
exemplo, o seguinte argumento: Se vale para um, a proibição deve valer para todos.
Considera-se, aqui, que a apresentação de avaliação e/ou opinião em segundo plano,
tanto em adversativas quanto em concessivas com função constatativa, seria uma espécie de
estratégia do locutor para fazer que o interlocutor adira ao seu ponto de vista. Observa-se que,
quando há avaliação e/ou opinião em segundo plano, recorre-se a vozes autorizadas: em 187 e
188, por exemplo, mostra-se o ponto de vista da OMC, que serviria para sustentar o ponto de
vista do locutor, como já se apontou.
No entanto, observa-se que, nas concessivas com tipo textual narrativo, sempre fica
em segundo plano o objetivo de convencer o interlocutor, ao passo que, nas adversativas que
trazem esse tipo textual, tal propósito pode não estar presente, como se vê nas ocorrências
177, 178, 179 e 181. Parece que essa diferença se deve ao fato de que a maioria das
concessivas com tipo textual narrativo traz segmento adverbial anteposto, o que, como já se
125
disse, permite a antecipação, mecanismo utilizado para convencer o interlocutor de algo (já
que, por meio dele, é possível reforçar argumento defendido pelo locutor). Assim, as
concessivas com tipo textual narrativo, apesar de serem utilizadas para informar, serviriam à
função argumentativa.
Nas adversativas, isso ocorre, em geral, quando está presente a função de avaliação
e/ou opinião, que aparece, na maioria das vezes, em ambos os segmentos da construção, como
se vê a seguir:
189) Os setores que há tempos vêm liderando as vendas (móveis, eletrodomésticos e
equipamentos de informática e comunicação) desaceleraram um pouco. Mas houve forte
reação das vendas dos supermercados, que nos meses anteriores, prejudicadas pelo
encarecimento dos alimentos, vinham se revelando pouco dinâmicas. (FSP, 18/11/07)
Em 189, pode-se dizer que há avaliação porque no segmento inicial se afirma que os
setores desaceleraram um pouco e no segmento adversativo diz-se que houve forte reação
das vendas dos supermercados. Fica claro que não se pretende, simplesmente, informar, pois a
avaliação trazida no segmento adversativo serve para sustentar a argumentação do locutor.
Entretanto, em menos da metade das adversativas com sequência narrativa (em pouco
mais de 27% das ocorrências) há função de avaliação e/ou opinião em ambos os segmentos.
Essa função é mais comum em sequências dissertativas e em sequências descritivas, o que
pode dever-se ao fato de que estas, diferentemente das sequências narrativas, não colocam
ênfase em ações situadas em um determinado tempo, mas abstraem o tempo para discutir os
fatos (nas sequências dissertativas) e para caracterizar os fatos (nas sequências descritivas).
Nas concessivas, por sua vez, não se encontraram casos em que há avaliação e/ou
opinião em ambos os segmentos da construção. Apesar disso, essas construções também
serviriam para sustentar ponto de vista do locutor, pois, como se mostrou, elas trazem, em
segundo plano, o propósito de convencer o interlocutor.
Quando a função avaliativa e/ou opinativa está presente nas concessivas, ela vem em
apenas um dos segmentos da construção, trazendo-se no outro segmento a função
constatativa, como se vê a seguir:
190) Embora tenha comemorado a redução de 20% no desmatamento de agosto de 2006 a
julho de 2007, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) não se acomodou sobre os louros.
(FSP, 31/12/07)
191) Mas a oposição não se contentou com as inovações, embora as tenha aprovado na
Comissão. (OESP, 06/12/07)
126
Em 190, é fato que o Ministério do Meio Ambiente comemorou, mas não seria
necessariamente um fato que ele se acomodou, pois essa é uma avaliação e/ou opinião do
locutor. Da mesma forma, em 191, é fato que a oposição aprovou as inovações, mas não seria
simplesmente um fato que ela não se contentou, pois essa é uma avaliação e/ou opinião do
locutor.
Observa-se que, nas concessivas analisadas, quando há avaliação, essa função ocorre
em geral no segmento que traz argumento forte (ou seja, no segmento nuclear), como se vê
em 190 e 191. Parece que isso contribui para deixar mais marcado o contraste entre figura e
fundo na construção concessiva, pois a figura, como elemento mais saliente, traz função que
resulta de um posicionamento pessoal do locutor (a avaliativa e/ou opinativa).
Em relação às adversativas, também se identificaram casos em que há constatação em
um dos segmentos e avaliação e/ou opinião em outro:
192) No projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para a elaboração do Orçamento
de 2006, o Executivo propôs a fixação de um teto de 17% do PIB para as despesas correntes,
mas a idéia foi abandonada. (OESP, 18/11/07)
193) A reciclagem do lixo começou a ser discutida na capital na gestão Luiza Erundina
(1989-1992), que chegou a criar um programa de coleta seletiva no fim do governo. Mas,
depois disso, a Prefeitura progrediu muito pouco. (OESP, 16/11/07)
Nas ocorrências 192 e 193, da mesma forma que acontece em 190 e 191, a constatação
vem no segmento que traz argumento fraco, e a avaliação aparece no segmento que traz
argumento forte. A diferença é que, em 192, pela presença do termo abandonada e, em 193,
pela presença da expressão progrediu muito pouco, nota-se que há crítica. Assim, nesses
casos, devido à crítica, fica sugerido, em segundo plano, que a ideia não deveria ter sido
abandonada (em 192) e que a prefeitura deveria ter progredido mais (em 193). Isso parece
mostrar que, nesse caso, o contraste entre figura e fundo fica ainda mais claro.
Nessas ocorrências, torna-se ainda mais evidente que, nas construções adversativas, as
sequências narrativas não são utilizadas simplesmente para informar sobre fatos/eventos
inesperados. Pode-se dizer, assim, que, quando há a função de avaliação e/ou opinião, muitas
vezes essas sequências servem à função argumentativa, pois são utilizadas para convencer o
interlocutor.
Nas adversativas que trazem avaliação e/ou opinião em ambos os segmentos, também
é possível haver crítica no segmento adversativo, como se vê nesta ocorrência:
127
194) O pretexto era inaugurar uma ponte no país vizinho, mas a campanha chavista não
perdeu a oportunidade de faturar em cima da generosidade de Lula.118
(FSP, 18/11/07)
No segmento adversativo em 194, a crítica é percebida pela presença do termo faturar.
Nesse caso, fica implícito que a campanha chavista não deveria ter faturado em cima da
generosidade de Lula.
Pode-se perguntar por que trazer uma crítica em segmentos com relato, já que o relato,
em primeira instância, teria como função principal informar. Lembre-se, aqui, que o relato,
em geral, privilegia ações realizadas. Sabe-se que, no segmento adversativo com relato, se
apresentam essas ações para que, em seguida, elas possam ser criticadas, como ocorre em 192
e 194. Portanto, a crítica presente no segmento adversativo com relato serviria para colocar
em questão, por exemplo, um determinado modo de agir.
No que se refere à concessiva com tipo textual narrativo, não se encontraram casos em
que a avaliação vem com crítica. Ocorre, aqui, algo semelhante ao que acontece no caso das
concessivas que trazem tipo dissertativo. Na maioria dos casos em que há avaliação (em 80%
no córpus inicial e em pouco mais de 60% no de controle), o segmento concessivo vem
anteposto. Dessa forma, a concessão vem no início da construção, manifestando-se, muitas
vezes, a estratégia preventiva, que inibiria a presença de crítica. Em 190, por exemplo, o
locutor reconhece que o ministério comemorou a redução de 20% no desmatamento,
prevenindo-se contra possíveis objeções, mas, em seguida, defende que o ministério não se
acomodou.
A partir do que se mostrou até aqui, pode-se afirmar que tanto as adversativas quanto
as concessivas com tipo textual narrativo, quando têm função constatativa, podem ser
utilizadas para informar sobre fatos/eventos inesperados. No entanto, muitas vezes, essas
construções, além de informar, trazem uma avaliação do locutor, servindo, assim, à função
argumentativa. Nas adversativas, a avaliação/opinião pode vir, ainda, com crítica,
contribuindo para reforçar argumento defendido pelo locutor.
Contudo, mesmo quando está envolvida a função avaliativa e/ou opinativa em um dos
segmentos da construção adversativa e da concessiva, por vezes é produzido o efeito de
surpresa, como se vê nas ocorrências de 190 a 192, que trazem valor de negação de inferência.
Não se deixa de apresentar, nesses casos, informação sobre eventos/fatos inesperados porque
o relato está ligado à função informativa.
118 Considera-se que o conteúdo do segmento inicial não é mera constatação porque se diz que houve um
pretexto, o que mostra que se trata de uma avaliação pessoal do locutor.
128
Visto isso, restaria observar quais seriam as possíveis diferenças entre essas
construções quando elas apresentam tipo textual narrativo.
Observa-se que as construções concessivas com sequência narrativa, tal como no caso
das concessivas que trazem sequências dissertativas, apresentam, na maioria das vezes (em
cerca de 60% dos casos no córpus inicial e no de controle), segmento concessivo anteposto.
Dessa forma, pode-se asseverar que, quando se manifestam em sequências narrativas, tanto as
adversativas quanto as concessivas podem informar sobre fatos/eventos inesperados, servindo,
por vezes, à função argumentativa. Entretanto, somente as construções concessivas podem,
devido à flexibilidade posicional, antecipar que se tratará de fato/evento inesperado, dado que,
nas adversativas com tipo narrativo, diferentemente do que é possível ocorrer nas adversativas
que trazem tipo textual dissertativo, não há expressões (no segmento inicial) que sirvam para
fazer uma antecipação119
.
Outra diferença observada é que os segmentos concessivos, por ocorrerem, sobretudo,
na posição anteposta, atuam, muitas vezes (em 100% e em pouco mais de 83% dos casos no
córpus inicial e no de controle, respectivamente) como guia: um relato orienta o leitor para o
relato que virá posteriormente. Em 190, por exemplo, o fato de que o Ministério do Meio
Ambiente comemorou a redução serviria como pano de fundo para o relato apresentado
posteriormente, o que fica ainda mais evidente quando se considera que, cronologicamente, o
fato apresentado no segmento concessivo é anterior ao que é apresentado no segmento
nuclear: primeiramente, o ministério comemorou e, em seguida, não se acomodou.
Apesar dessas diferenciações entre as construções em estudo, lembre-se que ambas se
incluem na “lei da preferência” (GARCÍA, 1994). Nas ocorrências 187 e 188, por exemplo, a
preferência se mantém em um dos relatos, e a informação que se pretende destacar é a de que
a OMC decidiu que o Brasil deve proibir importações de todos os países, e não somente dos
países da UE. Como já se apontou, fica claro que é essa ideia que prevalece porque o locutor
traz no editorial este argumento: Se vale para um, a proibição deve valer para todos.
Pode-se dizer que, quando as adversativas e as concessivas trazem tipo textual
narrativo, a manifestação da lei da preferência fica mais clara quando se tem (em segundo
plano) o propósito de convencer o interlocutor, como nas ocorrências 187 e 188. Quando se
pretende informar, os fatos apresentados em ambos os segmentos das adversativas e das
119 Vale lembrar que as expressões que fazem antecipação no segmento inicial das adversativas são,
necessariamente, marcas que expressam concordância do locutor em relação ao argumento do interlocutor. Daí
essas expressões ocorrerem exclusivamente em casos de tipo textual dissertativo.
129
concessivas vêm aparentemente “equilibrados”120
. No entanto, em geral há “pistas” no
editorial que apontam para a informação que o locutor objetiva fazer prevalecer.
Na construção adversativa, em 177, faz-se referência a Benazir especificamente no
segmento adversativo (que traz argumento forte) porque, no decorrer do editorial, tem-se
como foco Benazir. É possível verificar isso pela própria frase que acompanha a construção
adversativa citada em 177, na qual se faz alusão à Benazir: “Não teve a mesma sorte ontem”.
Além disso, no subtítulo, diz-se que “Morte de Benazir Bhutto deixa vácuo de poder no
Paquistão (....)”, delimitando-se o que será focado no decorrer do editorial.
Nas concessivas, embora o propósito de convencer o interlocutor sempre esteja em
segundo plano, há casos em que não fica tão clara a manifestação da lei da preferência, mas,
da mesma forma, há “pistas” que indicam a informação que deve prevalecer. Em 183, por
exemplo, verifica-se que vem um ponto positivo no segmento concessivo e um ponto negativo
no segmento nuclear. Percebe-se que é o ponto negativo que deve ser mantido pelo fato de
que, em seguida, o locutor apresenta argumento apontando outro ponto negativo: “Preocupa
também o peso dos inativos na despesa com educação”.
Nas adversativas e nas concessivas que trazem tipo narrativo observa-se que não há
mudança de posição do locutor em nenhum caso. Tal resultado parece explicar-se pelo fato de
que a mudança de posição seria uma estratégia do locutor para dar certa credibilidade à voz
do interlocutor, o que seria mais comum quando se colocam em questão ideias expostas e
pontos de vista defendidos, que vem, explicitados, em geral, em sequências dissertativas.
Verifica-se, ainda, que nas adversativas e nas concessivas com tipo narrativo há
apenas duas funções que também ocorrem nos casos em que há tipo dissertativo: a avaliativa
e/ou opinativa e a constatativa121
. Isso se justifica pelo fato de que certas funções, como a
justificativa e a questionadora, estão mais relacionadas ao tipo dissertativo, já que serviriam
ou para reforçar o argumento do locutor ou para demonstrar a pertinência do argumento
defendido pelo locutor.
É por isso que, nas adversativas e nas concessivas que trazem tipo narrativo, o valor de
restrição aparece com baixa frequência. Como se viu anteriormente, tal valor favorece a
ocorrência das funções textuais relativizadora e questionadora, mais relacionadas ao tipo
120 Considera-se que há, em primeira instância, um aparente equilíbrio entre os fatos contrastados porque a
simples apresentação de um fato no segmento que traz argumento forte não garante que tal fato seja privilegiado
pelo locutor, pois, como já se viu, nas construções contrastivas pode haver mudança de posição do locutor. 121
Ressalte-se que também se identificaram adversativas com sequência narrativa que trazem a função
relativizadora. Ela aparece, por exemplo, no segmento adversativo em 193. No entanto, como as construções
com restrição são menos frequentes em sequências narrativas, consequentemente a função referida aparece com
menos frequência.
130
dissertativo, e da função discursiva de adendo, acionada quando se pretende reforçar
argumento defendido pelo locutor. Assim, as construções contrastivas com tipo narrativo
seriam mais “compatíveis” com o valor de negação de inferência122
, que contribui para que
seja criado efeito de surpresa nos relatos apresentados.
Pelo exposto, observa-se que as adversativas e as concessivas com tipo textual
narrativo e função constatativa podem ser utilizadas para informar sobre fatos/eventos
inesperados, o que fica mais evidente quando está envolvido, por exemplo, o valor de negação
de inferência. No entanto, é apenas nas concessivas que se antecipa que se apresentará
fato/evento inesperado. Além disso, as concessivas estariam mais voltadas para reforçar
argumento defendido, já que em todos os casos em que há função de constatação fica em
segundo plano o propósito de convencer o interlocutor. Em alguns casos, as adversativas e as
concessivas com sequências narrativas servem à função argumentativa. Isso ocorre quando se
apresenta avaliação/opinião de uma instituição, que seria uma voz autorizada. A presença de
crítica, em alguns casos, também deixa evidente que se está a serviço da função
argumentativa. Isso ocorre, especificamente, nas adversativas, pois as concessivas atuam mais
propriamente como estratégia preventiva.
Por outro lado, em ambas as construções estudadas há correlação entre
avaliação/opinião e constatação, ficando a avaliação, na maioria das vezes, no segmento que
atua como figura, o que se explicaria pelo fato de que a avaliação estaria mais relacionada a
um posicionamento pessoal do locutor. Apesar disso, é no caso das adversativas que a
avaliação e/ou opinião pode vir com crítica – a modos de agir, em geral –, deixando mais
marcada a figura e servindo, assim, à função argumentativa. Nas concessivas, por outro lado,
é a própria anteposição do segmento adverbial que contribui para deixar mais destacada a
figura, pois, por meio dela, opera-se a antecipação, que reforça o que vem apresentado no
segmento nuclear. Além disso, é apenas no caso das concessivas que um relato pode servir
como orientação para outro relato, já que o segmento adverbial anteposto atua, muitas vezes,
como guia.
De qualquer forma, tanto as adversativas quanto as concessivas se incluem na “lei da
preferência” (GARCÍA, 1994). Em ambas as construções, não há mudança de posição, o que
se explicaria pelo fato de que, como se mencionou, ela seria favorecida quando essas
construções aparecem em sequências dissertativas, e não narrativas.
122 Lembre-se que se procura focar, aqui, apenas os valores semânticos compartilhados entre as adversativas e as
concessivas.
131
C. Adversativas e concessivas com tipo textual descritivo
Nas adversativas e nas concessivas com tipo textual descritivo, pode haver a função de
avaliação e/ou opinião, ou de constatação, assim como ocorre no caso das construções que
apresentam tipo narrativo.
Nas construções adversativas, há a função de avaliação e/ou opinião em ambos os
segmentos na maioria dos casos (em pouco mais de 55% das ocorrências). São amostras:
195) Na quarta-feira à noite, o presidente Álvaro Uribe dispensou, de forma seca, mas
protocolarmente correta, os serviços de Chávez. (OESP, 24/11/07)
196) Para apurar o número de matrículas “falsificadas”, o Ministério adotou uma
providência simples, mas eficiente. (OESP, 17/11/07)
197) O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e cinco de seus colegas sul-americanos
assinaram domingo, em Buenos Aires, a ata de fundação do Banco do Sul, uma instituição
ainda sem capital definido, sem regras de operação e sem finalidade claramente
estabelecida, mas, segundo o presidente brasileiro, decisiva para a integração da América do
Sul. (OESP, 11/12/07)
198) O justificado, mas vago, movimento de inconformismo significou apenas um desabafo
espasmódico, incapaz de abrir perspectivas reais de transformação política. (FSP, 25/12/07)
É muito comum que as construções adversativas que trazem sequência descritiva e que
têm função avaliativa ocorram no nível do sintagma, como é o caso das ocorrências de 195 a
198. Quando isso acontece, a sequência descritiva, em geral, acompanha uma sequência
narrativa, incidindo sobre algum elemento presente na narrativa para caracterizá-lo, como se
vê nas ocorrências de 195 a 197. Em 195, por exemplo, incide-se sobre o termo dispensou
para descrever modo (o modo como o presidente dispensou Chávez): de forma seca e
protocolarmente correta.
Nesses casos, pretende-se apontar características opostas (em sentido lato) dos
elementos da narrativa, mas, ao mesmo tempo, fazer prevalecer uma dessas características,
mediante sua posposição no segmento adversativo. Sendo assim, a descrição com avaliação
e/ou opinião presente na construção adversativa não serviria simplesmente para caracterizar,
mas para fazer prevalecer uma característica a fim de convencer o interlocutor. Isso
justificaria a maior ocorrência da função de avaliação e/ou opinião nas construções
adversativas que trazem tipo descritivo.
Nos casos restantes (em pouco mais de 44% das ocorrências), ambos os segmentos da
construção adversativa exercem a função de constatação, como se vê a seguir:
132
199) A produção de álcool a partir do milho se concentra no Meio-Oeste, mas os grandes
mercados estão nas costas Leste e Oeste. (FSP, 25/12/07)
200) Outros oito municípios de São Paulo abrigam antros de costura similares, mas a
atividade ominosa se concentra em quatro bairros da capital: Bom Retiro, Pari, Brás e
Itaquera. (FSP, 24/12/07)
201) E aí não poderia estar fora a estapafúrdia idéia de ressuscitar a CPMF por Medida
Provisória – revelada em entrevista exclusiva a este jornal, gravada, mas depois desmentida
pelo entrevistado (para variar) como “interpretações” errôneas da imprensa123
. (OESP,
20/12/07)
Nessas ocorrências, como há função de constatação, a descrição presente na
construção adversativa não estaria, em princípio, a serviço do propósito de convencer o
interlocutor, diferentemente do que acontece nos casos de 195 a 198. Assim, pode-se dizer
que tanto as adversativas com tipo textual narrativo quanto as com tipo textual descritivo
podem ser utilizadas para informar sobre eventos inesperados.
No entanto, observa-se que, no caso das adversativas com descrição, o efeito de
surpresa muitas vezes não fica evidente. Nas ocorrências expostas, por exemplo, ele se
manifesta apenas em 201, o que se explicaria pelo fato de que a construção, diferentemente do
que ocorre em 199 e 200, tem valor de negação de inferência, que, como já se disse,
favoreceria o aparecimento desse efeito124
. Lembre-se que, nas adversativas que trazem
segmento descritivo, tal valor semântico se manifesta com baixa frequência, o que poderia
explicar o fato de o efeito de surpresa não ser tão comum nas construções com descrição.
Parece que esse efeito é mais comum na narrativa por ser utilizado como recurso para
despertar o interesse do leitor para o que ainda vai ser apresentado.
Assim, pode-se dizer que, nas adversativas, traz-se descrição geralmente para
contrapor, em sentido lato, dois cenários (como em 199 e 200) ou para contrastar, em sentido
estrito, características (como em 198), mas não para criar efeito de surpresa. Ressalte-se,
entretanto, que o número de ocorrências que apresentam a função de constatação é baixo, o
que não permite chegar a conclusões definitivas.
Nas construções concessivas, por sua vez, há função de avaliação e/ou opinião em
ambos os segmentos em apenas cerca de 33% dos casos (no córpus inicial e no de controle).
Nos demais casos, ou há constatação em ambos os segmentos (em cerca de 33% das
123 Na ocorrência em questão, fica implícita a expressão que foi antes dos elementos revelada e desmentida, o
que mostra que os segmentos da construção adversativa constituem orações adjetivas. Daí apresentarem
descrição. 124
Em 199 e 200, são expressos os valores de contraste e de restrição, respectivamente.
133
ocorrências no córpus de controle), ou há constatação em um dos segmentos e avaliação em
outro (em pouco mais de 33% dos casos no córpus inicial e no de controle). No entanto, não é
possível chegar a conclusões definitivas, dado o baixo número de ocorrências. Apesar disso, a
partir dos resultados obtidos, é possível estabelecer uma comparação entre as concessivas e as
adversativas.
A primeira observação a fazer em relação às concessivas é que, tal como as
adversativas, elas podem trazer descrição que acompanha trecho narrativo, como se verifica a
seguir:
202) “Eu acho que é sabedoria do povo brasileiro”, arrematou, em seguida a uma tirada
brilhante, embora um nonsense tomado ao pé da letra: se tivesse sido entrevistado, enfatizou,
“não seriam 63%, seriam 64%” os desfavoráveis à sua permanência no Planalto além do
tempo regulamentar. (OESP, 04/12/07)
Como se vê, os termos sublinhados caracterizam um dos elementos do trecho
narrativo. Nesse caso, a avaliação não serve simplesmente para informar, mas revela o ponto
de vista do locutor, prevalecendo uma das características apresentadas. Dessa forma, pode-se
dizer que a descrição exposta nessa ocorrência estaria a serviço da função argumentativa, tal
como ocorre no caso das adversativas com tipo descritivo que trazem avaliação. O próprio
fato de haver crítica – apresenta-se um ponto negativo do presidente – no segmento
concessivo contribui para demonstrar isso.
Há casos, também, em que os segmentos da construção concessiva trazem constatação,
como se observa no seguinte trecho:
203) Pela legislação processual em vigor, embora os prazos de prescrição variem conforme
o tipo de crime, todos começam a contar a partir da data em que o delito foi cometido.
(OESP, 26/10/07)
204) Embora a taxa de fecundidade nas favelas cariocas seja de 2,6 filhos por mulher em
média, ante 1,7 no resto da cidade, o índice do Gabão é de 5,4, e o de Zâmbia, 6,1. (OESP,
26/10/07)
Essas ocorrências são utilizadas para informar, mas é apenas na primeira que o efeito
de surpresa fica mais evidente, o que parece explicar-se pelo fato de que nela fica mais
explícito o valor de negação de inferência.
Quando há constatação nos segmentos da construção concessiva, verifica-se que, em
100% e em 75% dos casos (no córpus inicial e no de controle, respectivamente), o segmento
adverbial vem anteposto, atuando como guia: o quadro (cenário) apresentado no segmento
concessivo orienta o leitor para o que virá posteriormente, como se vê, por exemplo, em 203.
134
Essa seria uma diferença em relação às adversativas, que, devido à posição fixa, não
apresentariam cenário que funciona como guia.
Na construção a seguir, apresenta-se ocorrência que traz as funções de avaliação e de
constatação:
205) Os fiscais agiram: embora com uma pequena equipe de 30 agentes, de janeiro de 2005
a outubro deste ano, 5.786 estabelecimentos foram notificados por estarem fora da lei, 1.065
foram multados e 189 fechados125
. (OESP, 30/11/07)
Em 205, no segmento concessivo, avalia-se o tamanho da equipe e, no segmento
nuclear, traz-se constatação, pois é fato que 5.786 estabelecimentos foram notificados por
estarem fora da lei, 1.065 foram multados e 189 fechados. Nessa ocorrência, é o segmento
que traz avaliação que atua como guia: a avaliação feita no segmento concessivo serve como
pano de fundo para o que será apresentado posteriormente. Essa seria também uma diferença
em relação às adversativas, que podem trazer avaliação e/ou opinião no primeiro segmento
que traz descrição, mas sem a possibilidade de esse segmento atuar como guia.
Observa-se, assim, que a anteposição do segmento concessivo, que se manifesta em
ocorrências com tipo textual descritivo (em cerca de 66% dos casos no córpus de controle)126
,
cumpre um importante papel, da mesma forma que no caso das concessivas com tipo textual
narrativo e com tipo textual dissertativo, como já se viu.
Por outro lado, tanto as adversativas quanto as concessivas com tipo textual descritivo
se regem pela “lei da preferência” (GARCÍA, 1994), tal como ocorre nos casos de tipo textual
dissertativo e de narrativo. Em 195, por exemplo, pretende-se mostrar, no segmento
adversativo, que Álvaro Uribe agiu corretamente, ideia que é mantida no trecho que
acompanha esse segmento, no qual se justifica a atitude tomada por Uribe: “O caudilho
abusara da confiança nele depositada pelo governo colombiano, tomando iniciativas que
solapavam a autoridade do presidente Uribe e comprometiam a sua política de “segurança
democrática” (...). Em 205, a ideia de que os fiscais agiram fica sugerida, sobretudo, no
segmento nuclear, no qual se mostra que os fiscais notificaram e multaram estabelecimentos.
No decorrer do editorial, mantém-se o foco na ação dos fiscais: na caixa de texto do editorial,
por exemplo, há a frase “A Prefeitura vai conseguindo impor o Programa de Silêncio
Urbano”.
125 Trata-se de sequência descritivo-narrativa.
126 No córpus inicial, em cerca de 33% dos casos, o segmento concessivo aparece na posição anteposta e, em
pouco mais de 66% dos casos, na posição posposta. No entanto, o baixo número de ocorrências não permite
confirmar esse resultado obtido.
135
Além disso, tanto nas adversativas quanto nas concessivas com tipo textual descritivo,
ocorre mudança de posição do locutor, da mesma forma que nos casos em que está envolvido
o tipo textual dissertativo. Em 197, fica claro que a característica apontada no segmento
adversativo não é atribuída pelo locutor, pois se diz que, segundo o presidente brasileiro, a
ata de fundação do Banco do Sul é decisiva para a integração da América do Sul. Além disso,
o conteúdo do segmento inicial, em 197, remete ao título e à caixa de texto do editorial, que
trazem ponto de vista adotado pelo locutor: o título é “Banco do Sul, ainda no escuro” e a
frase presente na caixa de texto é “Nem os objetivos e regras de operação foram ainda
claramente fixados”. Em 202, por sua vez, verifica-se que é o locutor que atribui à fala do
presidente o caráter de “nonsense”, dado que, no decorrer do editorial, são apontados pontos
negativos do presidente, como neste trecho: “(...) aproveitou para fustigar o antecessor (...)”.
Nesses casos, embora a “preferência” (GARCÍA, 1994) se mantenha nos segmentos
que trazem argumento forte (segmento adversativo e segmento nuclear, respectivamente, para
adversativas e para concessivas), a voz do locutor se manifesta nos segmentos que apresentam
argumento fraco. Por meio da mudança de posição do locutor, em 197, dá-se certa
credibilidade à voz do presidente (expressa no segmento adversativo) e, em 202, ameniza-se a
crítica que se faz ao presidente (que aparece no segmento concessivo).
Lembre-se que, como já se mencionou, a mudança de posição do locutor seria mais
comum quando estão em questão ideias expostas ou pontos de vista defendidos, presentes, em
geral, em trechos dissertativos. No entanto, observa-se que, na descrição, a própria
caracterização implica a apresentação de um ponto de vista, o que fica ainda mais claro em
197, no qual há a expressão segundo o presidente brasileiro. Isso explicaria a manifestação da
mudança de posição em certas construções adversativas e concessivas que trazem tipo
descritivo (e função avaliativa e/ou opinativa).
A partir do que se mostrou, verifica-se que tanto nas adversativas quanto nas
concessivas com descrição há as funções constatativa e avaliativa e/ou opinativa. Quando está
presente a função constatativa, tais construções podem ser utilizadas para informar sobre
eventos inesperados, embora isso não seja tão comum. Quando está envolvida a função
avaliativa e/ou opinativa, essas construções, por vezes, acompanham trechos narrativos,
fazendo-se prevalecer uma das características apontadas em relação a algum elemento
presente na narrativa. Também é nas construções (adversativas e concessivas) com avaliação
e/ou opinião que pode haver mudança de posição do locutor, pois, como se argumentou, a
caracterização de elementos deixa implícito o ponto de vista defendido pelo locutor.
136
Por outro lado, é apenas nas concessivas que uma descrição apresentada pode servir de
cenário, de pano de fundo para outra, pois é próprio do segmento adverbial anteposto atuar
como guia. Apesar disso, como se mostrou, as construções em estudo se aproximam pelo fato
de se incluírem na “lei da preferência” (GARCÍA, 1994).
5.1.2 Não identidade de tipo textual nos segmentos da construção
Como se verificou anteriormente, há casos em que não há identidade de tipo textual
nos segmentos da construção adversativa. Procura-se verificar, aqui, por que isso ocorre.
Para tanto, apresentam-se estas ocorrências:
206) O presidente da Funai foi desaconselhado a fazê-lo – por questões de segurança – por
representantes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e da Polícia Federal. Mas, na
terça-feira, tomou emprestado um helicóptero do Ibama e foi sozinho à aldeia. Foi a primeira
vez que esse grupo indígena – em contato com os homens brancos há menos de 50 anos –
recebeu visita dessa importância. Assim, Meira foi recebido com festa e saiu com os reféns
libertados. Mas é claro que não se pode contar unicamente com arrojo – ou temeridade –
dessa espécie para resolver situações de intermitente conflito em que se envolvem populações
indígenas. Pouco antes desse seqüestro, a propósito, três policiais de Mato Grosso já haviam
se tornado reféns e 350 indígenas crenaques e pataxós já haviam ocupado a Fundação
Nacional de Saúde (Funasa). (OESP, 15/12/07)
207) Durante dois ou três dias, Chávez dirigiu insultos pesados contra Uribe, que o
dispensara da função de mediador entre o governo colombiano e as narcoguerrilhas das
Farc. O que disse de menos insultuoso foi que Uribe é “um servil instrumento do império
(...), um peão do império”. Depois, convocou o embaixador venezuelano em Bogotá para
consultas. Finalmente, declarou que não teria mais qualquer tipo de relacionamento com a
Colômbia, enquanto Uribe fosse presidente. Mas isso não significa que tenha rompido
relações diplomáticas com o país vizinho. Apenas não quer conversa com Álvaro Uribe.
Apenas não quer conversa com Álvaro Uribe. (OESP, 30/11/07)
No que se refere às adversativas, em todos os casos em que não há identidade de tipo
textual entre os segmentos, há tipo textual narrativo no segmento inicial e tipo textual
dissertativo no segmento adversativo, como acontece em 206 e 207. Nessas ocorrências, nota-
se que o segmento adversativo encerra uma sequência textual narrativa que vinha sendo
apresentada não somente no segmento inicial mas também em uma porção anterior do texto.
Isso mostra que o tipo textual presente no segmento inicial e no segmento adversativo é
diferente.
Como se vê, em 206 e 207 o mas ocorre em início de enunciado, havendo uma pausa
maior entre os segmentos da adversativa. Pode-se dizer, assim, que a mudança de sequência
textual é favorecida pela pausa que ocorre entre os segmentos da construção adversativa.
137
Dessa forma, é possível afirmar que é o caráter paratático da adversativa que influi na
ocorrência de construções com segmentos que trazem diferentes tipos textuais, pois, na
relação paratática, a “ligação” entre os segmentos é mais frouxa.
Por outro lado, as concessivas identificadas no córpus, como já se apontou, trazem
categoricamente identidade de tipo textual nos segmentos. Isso corresponde à expectativa,
pois, na relação hipotática adverbial, o segmento hipotático é governado pelo segmento
nuclear, sendo, dessa forma, (relativamente) dependente deste último.
Nas concessivas, o que pode ocorrer é o “isolamento”, no segmento concessivo, de
trecho descritivo que remete, por exemplo, a algum elemento da narrativa apresentada no
segmento nuclear, como acontece nesta ocorrência:
208) Utilizando outra metodologia e outro grupo de empresas, a Sondagem da Indústria de
Transformação da Fundação Getúlio Vargas (FGV) também constatou, embora com números
diferentes, a disposição da maioria das indústrias de investir mais no próximo ano. (OESP,
03/12/07)
Em 208, o segmento concessivo traz descrição que remete ao termo constatou,
presente no segmento nuclear, que, por sua vez, traz predominantemente tipo textual
narrativo. Pode-se entender que é o tipo de conexão presente nessa construção, conexão
oração-sintagma, que favorece o isolamento de trecho descritivo no segmento concessivo.
Entende-se, aqui, que não se trata de mudança de tipo textual, mas apenas de
“isolamento” de um determinado tipo textual, pois a descrição remete a um elemento presente
no trecho narrativo. Esse isolamento, além de ser favorecido pela conexão oração-sintagma,
que ocorre com relativa frequência nas concessivas (em pouco mais de 16% dos casos no
córpus de controle), é decorrente da intercalação do segmento concessivo, que topicaliza
algum elemento do segmento nuclear, trazendo uma breve descrição sobre ele.
Como se vê, está envolvido aí o caráter hipotático das adverbiais concessivas. Nestas,
como demonstram os resultados obtidos na análise, não há conexão entre enunciados, que
faria que houvesse uma maior independência entre os segmentos da construção, favorecendo a
mudança de tipo textual, como ocorre no caso das adversativas. Além disso, as concessivas
especificamente, dada sua natureza de margem, de satélite, podem vir na posição intercalada,
favorecendo o “isolamento” de um certo tipo textual, como se vê em 208.
No caso das adversativas, diferentemente do que se dá em 208, haveria, realmente,
mudança de tipo textual, o que se verifica pelo fato de que em 207, por exemplo, no segmento
adversativo se inicia novo tipo textual (dissertativo) que se mantém na frase subsequente a
esse segmento. Diferentemente do que se dá no caso das concessivas, o caráter paratático das
138
adversativas favoreceria a conexão entre elementos que se encontram acima do nível da
oração, o que, por sua vez, contribuiria para a ocorrência de mudança de tipo textual.
Registre-se que, no córpus analisado, em 47% das adversativas há tipos de conexão acima do
nível da oração.
Vale reiterar, no entanto, que o caráter opositivo (em sentido lato) de ambas as
construções em questão é determinante para a maior ocorrência de segmentos com identidade
de tipo textual, visto que, como já se disse, a relação contrastiva entre as construções implica,
necessariamente, a existência de alguma semelhança, que pode ser, por exemplo, a que se dá
entre tipos textuais.
A última observação a se fazer é referente à função textual presente nos segmentos das
construções contrastivas. Pode-se dizer que, nas adversativas, em específico, a conexão entre
porções maiores do texto, da mesma forma que determinaria mudança de sequência textual,
favoreceria, por vezes, mudança de função textual. Em 206, por exemplo, há função
constatativa na porção inicial e função avaliativa e/ou opinativa no segmento adversativo. Isso
não quer dizer, porém, que não possa haver a mesma função textual em ambas as porções da
construção adversativa, pois, como se viu, há funções que aparecem independentemente do
tipo textual presente na construção. Lembre-se, também, que, nas adversativas, há, na maioria
das vezes, identidade de função textual nos segmentos, o que seria relacionado ao fato de que,
nas paratáticas, existe identidade de função sintática, ficando os segmentos da construção,
assim, em uma mesma hierarquia.
Por fim, também se registram casos em que o segmento inicial da construção
adversativa traz mais de um tipo textual, não sendo verificável, assim, o critério identidade x
não identidade de tipo textual.
Como se apontou anteriormente, isso ocorre em pouco mais de 4% das adversativas
(13 ocorrências). Acrescenta-se, aqui, que em cerca de 69% desses casos (9 ocorrências) o
segmento adversativo traz tipo dissertativo e em pouco mais de 30% dos casos (4 ocorrências)
o segmento adversativo apresenta tipo narrativo.
Tal como se expôs, isso acontece, em geral, quando o segmento adversativo se liga a
porções acima do nível da oração, como se verifica neste trecho:
209) Percebem-se, de um só golpe, o desequilíbrio psicológico e a vocação ditatorial do
coronel Hugo Chávez pela maneira como conduz os negócios da Venezuela. O rompimento
de relações com o presidente Álvaro Uribe, da Colômbia, contém esses dois elementos de
instabilidade. Durante dois ou três dias, Chávez dirigiu insultos pesados contra Uribe, que o
dispensara da função de mediador entre o governo colombiano e as narcoguerrilhas das
Farc. O que disse de menos insultuoso foi que Uribe é “um servil instrumento do império
139
(...), um peão do império”. Depois, convocou o embaixador venezuelano em Bogotá para
consultas. Finalmente, declarou que não teria mais qualquer tipo de relacionamento com a
Colômbia, enquanto Uribe fosse presidente. Mas isso não significa que tenha rompido
relações diplomáticas com o país vizinho. Apenas não quer conversa com Álvaro Uribe. Esse
comportamento não é novo. Repete o que fez em 2005, quando o então presidente Vicente Fox
não gostou de sua interferência no processo eleitoral mexicano. Confrontado, reage não
como chefe de Estado, mas como menino malcriado e cheio de vontades.
Mas há lógica nessa loucura. (OESP, 30/11/07)
O segmento adversativo destacado em negrito em 209 traz uma sequência dissertativa.
A porção à qual esse segmento está relacionado se inicia com sequência dissertativa, no
entanto há sequências narrativas (aqui sublinhadas) que se intercalam às sequências
dissertativas. Dado que o trecho que antecede o segmento adversativo constitui um parágrafo
do texto, é de esperar que ocorra mais de um tipo de sequência.
210) (...) Outra emenda ao projeto dos salários fixou um limite para o crescimento de gastos
com obras, instalações, construções de novas sedes e reformas de prédios da administração
pública. Esses gastos não poderão superar 25% do total das despesas de pessoal dos órgãos
interessados. Isso evitará obras suntuosas, segundo o autor da emenda, senador Antônio
Carlos Valadares (PSB-SE).
Mas a oposição não se contentou com as inovações, embora as tenha aprovado na
Comissão. (OESP, 06/12/07)
Em 210, por outro lado, o segmento adversativo traz tipo textual narrativo, e a porção
à qual esse segmento está relacionado é iniciada com sequência narrativa e finalizada com
sequência dissertativa (trecho sublinhado).
No entanto, na maioria dos casos identificados no córpus, na porção inicial da
construção adversativa as sequências dissertativas se intercalam a sequências narrativas, tal
como ocorre em 209. Essa intercalação entre sequências é significativa, pois, em muitos
casos, as sequências narrativas servem para sustentar a argumentação. Em 209, por exemplo,
para comprovar o desequilíbrio psicológico e a vocação ditatorial do coronel Hugo Chávez, o
locutor lança mão de sequências narrativas, que demonstram as atitudes tomadas por Chávez,
o que dá maior credibilidade aos argumentos apresentados, os quais têm função de
avaliação/opinião (o desequilíbrio psicológico e a vocação ditatorial do coronel / isso não
significa que tenha rompido relações diplomáticas com o país vizinho).
Essa já seria uma diferença em relação às construções concessivas: como estas não
trazem mais de um tipo de sequência textual em um dos segmentos, não seria possível elas
apresentarem sequências narrativas para dar maior credibilidade aos argumentos apresentados
na construção.
140
Além disso, no córpus analisado, nos casos em que não é verificável o critério
identidade x não identidade de tipo textual, o critério identidade x não identidade de função
textual também não o é. Em 209, por exemplo, o primeiro período da porção inicial da
construção adversativa tem função constatativa e os demais períodos dessa porção trazem
função avaliativa e/ou opinativa.
Por outro lado, reitere-se que, nas adversativas, há, como se viu, um maior número de
ocorrências que trazem identidade de função textual do que nas concessivas, o que poderia ser
motivada pela identidade de função sintática das paratáticas (adversativas).
A partir do que se mostrou, verifica-se que especificamente nas adversativas pode
haver não identidade de tipo textual nos segmentos. Nesses casos, é comum que não haja
também identidade de função textual. Também é no caso das adversativas que o critério
identidade x não identidade de tipo textual não se aplica por vezes. Nesses casos, o critério
identidade x não identidade de função textual também não é verificável. Esses resultados,
como se mostrou, são decorrentes da condição paratática das adversativas, ou seja, da
existência de (relativa) independência nos segmentos paratáticos.
CONSIDERAÇÕES GERAIS
No tópico 5.1, para a comparação das construções estudadas, observou-se de que
forma o caráter de margem, de satélite das adverbiais concessivas influi para determinar
efeitos de sentido particulares.
A primeira observação feita é referente ao critério identidade x não identidade de tipo
textual. Em relação às concessivas, há identidade de tipo textual em todas as ocorrências, o
que era de esperar, dada a (relativa) dependência entre os segmentos. Nas adversativas, por
outro lado, há casos em que não existe identidade de tipo textual nos segmentos e casos em
que não é verificável o critério identidade x não identidade, o que se deve à (relativa)
independência das paratáticas, produzindo-se, assim, efeitos de sentido particulares. De
qualquer forma, informe-se que, como as construções contrastivas (adversativas e
concessivas) estabelecem um cotejo, já era de esperar que houvesse poucas ocorrências com
não identidade de tipo textual em ambos os tipos de construção em estudo.
Para a comparação entre as adversativas e as concessivas, também se levou em conta o
critério identidade x não identidade de função textual. Verificou-se que, apesar de em ambas
as construções ser mais recorrente a identidade de função textual, há um maior número de
ocorrências de concessivas que trazem não identidade, resultado que se atribui, aqui, à relação
141
hierárquica presente nas hipotáticas adverbiais, decorrente da condição de margem do
segmento hipotático adverbial.
Vistos esses aspectos, passou-se a verificar de que forma os tipos textuais e as funções
textuais presentes nas adversativas e nas concessivas determinam diferentes efeitos de
sentido.
Observou-se que, quando há identidade de tipo textual nos segmentos, as adversativas
e as concessivas manifestam os tipos textuais dissertativo, narrativo e descritivo. Como se viu,
quando está envolvido o tipo textual dissertativo, essas construções são utilizadas com o
propósito de convencer. Quando está em questão o tipo textual narrativo, as construções são
utilizadas, em geral, para informar sobre fatos/eventos inesperados, embora, por vezes, esteja
em segundo plano o objetivo de convencer o interlocutor, sobretudo nas concessivas. Quando
há tipo descritivo, por sua vez, as construções são utilizadas para informar ou para
caracterizar. Nesse caso, também pode haver o propósito de convencer, visto que a
caracterização implica um posicionamento pessoal.
Nota-se que, tanto nas adversativas quanto nas concessivas com tipo textual
dissertativo, narrativo e descritivo, as funções textuais mais frequentes são a de avaliação e/ou
opinião e a de constatação. No entanto, em cada tipo de construção são produzidos efeitos de
sentido particulares, decorrentes, muitas vezes, da anteposição do segmento adverbial
concessivo, que se dá na maioria das construções concessivas, considerando-se os três tipos
textuais referidos: há pouco mais de 60% de concessivas com segmento adverbial anteposto
(no córpus inicial e no de controle).
É curioso notar que esse resultado diverge daqueles registrados por Zamproneo (1998)
e por Neves (1999). Zamproneo (1998), ao analisar as construções concessivas127
, identifica,
no total, 53% de ocorrências que trazem segmento adverbial posposto em textos de literatura
técnica, oratória e dramática. No que se refere às orações concessivas, em específico, a autora
encontra, em todos os tipos de literatura, maior porcentagem.
Neves (1999), ao analisar concessivas em textos da língua falada128
, também registra
que a maioria dos segmentos adverbiais vem na posição posposta: em 70,9% dos casos. Até
mesmo quando são considerados apenas os segmentos concessivos com embora, há, na maior
parte das vezes, segmento adverbial posposto: em 73% dos casos.
127 Os conectivos concessivos estudados foram os seguintes: embora, ainda que, mesmo que, por
mais/menos/muito/maior/menor que, quer ... quer, se bem que, mesmo se, nem que, conquanto, como/quem/onde
quer que, ainda quando. 128
Os conectivos concessivos analisados foram estes: mesmo que, ainda que, embora, apesar que, apesar de
que, se bem que e por mais que.
142
Por outro lado, Decat (1993), ao analisar as construções hipotáticas adverbiais do
português, verifica que a maioria dos segmentos concessivos que ocorrem em texto
dissertativo escrito vem em posição anteposta. A autora diz que se trata de uma “localização
estratégica”129
do segmento concessivo, que, na posição anteposta, estaria servindo ao
encaminhamento do discurso. Pode-se dizer que algo semelhante ocorre com os segmentos
concessivos do córpus aqui analisado: quando eles estão presentes em textos dissertativos
escritos (os editoriais), o predomínio da posição anteposta também se configuraria como um
recurso para o encaminhamento do discurso. O próprio fato de muitos dos segmentos
antepostos atuarem como “guia”, tal como se apontou, contribui para demonstrar isso.
No entanto, há que considerar que, como se viu, além do tipo dissertativo, as
concessivas manifestam os tipos textuais narrativo e descritivo, e, em todos os casos, há
predomínio de segmento adverbial anteposto, que pode atuar, muitas vezes, como guia,
servindo, assim, ao encaminhamento do discurso.
Isso levaria a pensar que a anteposição do segmento concessivo é motivada, sobretudo,
pelo gênero discursivo no qual a construção concessiva está presente. Lembre-se que Beltrão
(1980, p. 59) aponta que o editorialista deve “antecipar-se às críticas e destruir previamente
as objeções que seriam formuladas ao ponto de vista expresso”. Sendo assim, parece que a
necessidade de antecipar-se às críticas levaria o editorialista a utilizar com mais frequência as
concessivas com segmento adverbial anteposto, já que, por meio dessa ordem, é possível
acionar a estratégia de antecipação, produzindo-se, assim, diferentes efeitos de sentido em
relação às adversativas.
Lembre-se, por exemplo, que, por meio da antecipação, exibe-se, muitas vezes, a
estratégia de preparação defensiva nas concessivas, que contribui para que o falante poupe a
face do outro ou para que ele se resguarde contra fortes objeções. Nas adversativas, por outro
lado, verifica-se que há, muitas vezes, o propósito de atacar, pois se traz crítica no segmento
adversativo. Identificou-se caso em que a concessiva traz crítica, reforçando, da mesma
forma, argumento defendido pelo locutor, mas, nessa construção, além da crítica, há o
mecanismo de antecipação, que, como se disse, também contribui para destacar argumento
defendido.
Verifica-se que, até mesmo quando não há segmento adverbial anteposto na
construção concessiva, motivações particulares determinam a utilização dessa construção em
vez da construção adversativa. Viu-se, por exemplo, que, nas concessivas, a função de
129 A expressão “localização estratégica” é utilizada por Labov (1972).
143
relativização é apresentada no segmento que traz argumento fraco, diferentemente do que se
dá no caso das adversativas.
Afinal, observou-se que, na análise da inserção textual das adversativas e das
concessivas, pode ser incluído o papel desempenhado pelos valores semânticos dessas
construções.
Nas adversativas e nas concessivas com tipo textual dissertativo, destaca-se,
sobretudo, o papel exercido pelo valor de restrição. Esse valor favorece a presença da função
discursiva de adendo em ambas as construções. Por outro lado, tal valor contribui para a
ocorrência da função de relativização nas adversativas e nas concessivas e da função de
questionamento especificamente nas adversativas.
Nas construções em estudo que trazem o tipo textual narrativo, destaca-se
principalmente o papel desempenhado pelo valor de negação de inferência, que, como se viu,
contribui para que se crie efeito de surpresa.
Nas adversativas e nas concessivas que apresentam tipo descritivo, por outro lado,
parece que não se destaca um valor semântico em específico para o favorecimento de uma
dada função, apesar de haver a predominância de um dos valores semânticos no caso das
sequências descritivas.
Observa-se, ainda, que ambas as construções em estudo se regem pela “lei da
preferência” (GARCÍA, 1994), prevalecendo um dos argumentos apresentados, que, em casos
excepcionais – quando há mudança de posição em construções com sequência dissertativa ou
descritiva – é o do interlocutor.
A seguir, passa-se a tratar do estatuto informacional presente nos segmentos das
construções em estudo, verificando-se, entre outros aspectos, os diferentes efeitos de sentido
produzidos em cada uma delas.
5.2 Adversativas e concessivas: estatuto informacional
Para a comparação entre as adversativas e as concessivas, investiga-se a questão do
estatuto informacional a fim de verificar quais seriam as possíveis motivações de uso de uma
dessas construções em vez de outra.
Registram-se, primeiramente, os dados referentes à construção adversativa. No que diz
respeito a essa construção, a primeira verificação a fazer é se os segmentos presentes nela
exibem o mesmo tipo de estatuto informacional.
144
Nas adversativas, há identidade de estatuto nos segmentos em quase 80% dos casos
(251 ocorrências) e não há em cerca de 20% dos casos (64 ocorrências). Nas concessivas, por
sua vez, verifica-se que há identidade de estatuto nos segmentos em pouco mais de 72% dos
casos (26 ocorrências) e não há identidade em cerca de 28% dos casos (10 ocorrências).
Como se vê, registra-se uma maior porcentagem de ocorrências de concessivas nas quais não
há identidade de estatuto informacional entre os segmentos.
Para que esses dados sejam confirmados, observam-se os resultados de análise obtidos
no córpus de controle. Nesse córpus, há identidade de estatuto nos segmentos em 75% dos
casos (54 ocorrências) e não há identidade em quase 25% dos casos (18 ocorrências). A partir
desses resultados, verifica-se que a porcentagem de casos em que há identidade e em que não
há identidade de estatuto informacional entre os segmentos da construção concessiva se
aproxima daquelas registradas no córpus inicial, confirmando, assim, os dados obtidos, ou
seja, que é maior o uso de construções concessivas que trazem não identidade de estatuto
informacional entre os segmentos. Acredita-se que isso se deve ao fato de que, na construção
concessiva, diferentemente do que ocorre na construção adversativa, os segmentos se
encontram em diferentes hierarquias, já que um deles atua como núcleo e o outro como
margem, ou satélite. Isso, de certa forma, favoreceria a não identidade de estatuto
informacional entre os segmentos da construção concessiva.
Apesar disso, tanto nas adversativas quanto nas concessivas (incluindo o córpus de
controle) há, na grande maioria das vezes, identidade de estatuto informacional entre os
segmentos, resultado que será justificado mais adiante.
Visto isso, passa-se a tratar das diferentes possibilidades de correlação de estatuto
informacional identificadas nas construções adversativas e nas construções concessivas.
Inicia-se a discussão pela observação dos resultados registrados no quadro a seguir,
que traz as correlações entre estatuto informacional nas adversativas:
Estatuto informacional nos segmentos da construção adversativa
Segmento Nº %
1º 2º
Informação
não conhecida
Informação
não conhecida 232 73,6%
Informação
conhecida
Informação
conhecida 20 6,3%
Informação
não conhecida
Informação
conhecida 43 13,6%
145
Informação
conhecida
Informação
não conhecida 20 6,3%
TOTAL 315 100%
Quadro 7. Estatuto informacional nos segmentos da construção adversativa
Como já se mostrou, há, na maioria das vezes, identidade de estatuto informacional
entre os segmentos da construção adversativa. A partir dos dados registrados nesse quadro,
observa-se que apenas um tipo de correlação com identidade predomina: entre informação
não conhecida e informação não conhecida. Na análise dos dados, busca-se investigar o que
determinaria a maior frequência desse tipo de correlação.
Verifica-se também que, nas adversativas, a baixa frequência da correlação entre
informação conhecida e informação não conhecida mostra que não se segue, na maior parte
das vezes, o “princípio de ordenação linear” (GIVÓN, 1990), segundo o qual o que vem na
posição inicial é conhecido e o que vem na posição final é não conhecido. No segundo tipo de
correlação mais freqüente, entre informação não conhecida e informação conhecida, ocorre
justamente o inverso do que propõe esse princípio. Também se procura investigar, aqui, por
que isso ocorre.
No quadro a seguir, registram-se os dados obtidos para as construções concessivas:
Estatuto informacional nos segmentos da construção concessiva Segmento Posição sintática
TOTAL
1º 2º130
A131
I P
Informação
não conhecida
Informação
não conhecida
13
61,9%
2
9,5%
6
28,5%
21
58,3%
Informação
conhecida
Informação
conhecida
3
60%
2
40% ---
5
13,8%
Informação
não conhecida
Informação
conhecida ---
1
50%
1
50%
2
5,5%
Informação
conhecida
Informação
não conhecida
6
75%
1
12,5%
1
12,5%
8
22,2%
TOTAL 22
61,1%
6
16,6%
8
22,2%
36
100%
Quadro 8. Estatuto informacional nos segmentos da construção concessiva
A partir desses resultados, observa-se que, da mesma forma que ocorre no caso das
adversativas, é mais frequente a correlação entre informação não conhecida e informação não
130 Quando há segmento concessivo intercalado na construção, ele é considerado como 1º segmento, pois, para
saber se a informação trazida no segmento nuclear é conhecida ou não, é necessário visualizar todo o conteúdo
desse segmento. 131
As letras A, I e P indicam, respectivamente, as posições anteposta, intercalada e posposta.
146
conhecida. Apesar disso, nas concessivas esse tipo de correlação aparece em cerca de 58%
dos casos, ao passo que nas adversativas ele se encontra em mais de 73% dos casos.
Verifica-se também que, nas concessivas, ao contrário do que ocorre nas adversativas,
o segundo tipo de correlação mais frequente está de acordo com o princípio de ordenação
linear, segundo o qual o que vem em posição inicial é elemento conhecido e o que vem em
posição final é elemento não conhecido.
Em relação à posição sintática das concessivas, chama a atenção o fato de que, em
todos os tipos de correlação, a posição anteposta é a que predomina. Isso não acontece apenas
no caso da correlação entre informação não conhecida e informação conhecida, o que pode ser
decorrente do baixo número de ocorrências identificado com esse tipo de correlação.
Além disso, observa-se que a maior parte dos segmentos concessivos pospostos (75%)
aparece em construções que trazem a correlação entre informação não conhecida e
informação não conhecida.
Analisem-se os resultados registrados no córpus de controle para verificar se os dados
obtidos no quadro 8 se confirmam:
Estatuto informacional nos segmentos da construção concessiva Córpus de controle
Estatuto informacional Posição sintática TOTAL
1º segmento 2º segmento A I P
Informação
não conhecida
Informação
não conhecida
33
70,2%
3
6,3%
11
23,4%
47
65,2%
Informação
conhecida
Informação
conhecida
4
57,1%
3
42,8% ---
7
9,7%
Informação
não conhecida
Informação
conhecida
1
25%
1
25%
2
50%
4
5,5%
Informação
conhecida
Informação
não conhecida
10
71,4%
3
21,4%
1
7,1%
14
19,4%
TOTAL 48
66,6%
10
13,8%
14
19,4%
72
100%
Quadro 9. Estatuto informacional nos segmentos da construção concessiva (córpus de controle)
A partir dos dados apresentados no quadro 9, verifica-se que a porcentagem de
ocorrências que trazem a correlação entre informação não conhecida e informação não
conhecida e a de ocorrências que apresentam a correlação entre informação conhecida e
informação não conhecida é semelhante à porcentagem registrada no quadro 8. Isso mostra
que, no córpus analisado, as diferenças apontadas entre as adversativas e as concessivas são
147
confirmadas. Na análise a ser empreendida, procura-se observar por que se dão essas
diferenças.
No quadro 9, observa-se também que, em todos os casos, as concessivas que trazem
segmento adverbial anteposto prevalecem. Isso não ocorre apenas quando está envolvida a
correlação entre informação não conhecida e informação conhecida, mas, mesmo assim, não é
possível chegar a conclusões definitivas, dado o baixo número de ocorrências registradas que
trazem esse tipo de correlação.
Além disso, verifica-se que a maioria das concessivas que traz segmento adverbial
posposto (pouco mais de 78%) realmente exibe correlação entre informação não conhecida e
informação não conhecida.
Na análise a seguir, investigam-se as possíveis motivações para esses resultados
observados. Para suporte dessa análise, tratam-se, adiante, em tópicos separados, os diferentes
casos registrados nos quadros apresentados: i) casos em que há estatuto informacional
idêntico nos segmentos da construção (adversativa e concessiva); ii) casos em que não há
estatuto informacional idêntico nos segmentos da construção (adversativa e concessiva).
5.2.1 Identidade de estatuto informacional nos segmentos da construção
A) Correlação: informação não conhecida + informação não conhecida
Como já se apontou, tanto nas adversativas quanto nas concessivas, a correlação mais
frequente é entre informação não conhecida e informação não conhecida. Acredita-se que esse
fato possa ser atribuído, em parte, ao gênero em que ocorrem essas construções: o editorial.
Pode-se dizer que é mais frequente a presença de informação não conhecida nas
adversativas e nas concessivas porque, no editorial, prima-se, entre outros aspectos, pela
concisão e pela brevidade, como defende Palacio (1984). Sendo assim, o editorialista
procuraria evitar a reiteração de argumentos (ou informações) para que possa oferecer ao
leitor um panorama geral do assunto em pauta. Afinal, como diz Palacio (1984), o editorial é
uma tomada de posição a respeito de uma questão debatida sobre a qual perfilam atitudes e
opiniões diversas.
Além disso, parece que a própria estrutura argumentativa das adversativas e das
concessivas favoreceria a presença de informação não conhecida nos segmentos, pois, como
já se mostrou, por meio do uso dessas construções prepara-se para uma possível contra-
argumentação do interlocutor, como se exemplifica a seguir:
148
211) Os recursos previstos no Programa de Aceleração do Crescimento para o saneamento,
de R$ 10 bilhões, são um sinal positivo. Mas esse montante não passa de um terço do que a
organização Trata Brasil considera necessário para evitar o agravamento do problema no
curto prazo. (OESP, 03/12/07)
212) Embora o projeto volte agora para a Câmara, parecem escassas as chances de o
imposto sindical ser extinto. (FSP, 03/12/07)
Em 211, antes que o interlocutor argumente que os recursos previstos são um sinal
positivo, o locutor o reconhece, mas, em seguida, defende que o montante indicado não é
suficiente para impedir o agravamento do problema em curto prazo. Em 212, antes que o
interlocutor argumente que o projeto volta para a Câmara, o locutor o reconhece, mas, em
seguida, defende que as chances de o imposto ser extinto são escassas132
.
Assim, pode-se dizer que, quando há informação não conhecida nos segmentos da
adversativa e da concessiva, fica ainda mais evidente que o locutor se prepara para uma
possível contra-argumentação, pois, nesse caso, no editorial não se trouxeram, anteriormente,
argumentos (do interlocutor) que pudessem colocar em xeque o argumento do locutor.
No córpus analisado, as adversativas e as concessivas que trazem informação não
conhecida em ambos os segmentos também servem para introduzir tema, como é o caso das
ocorrências citadas a seguir, que constituem o primeiro período do editorial em que estão
inseridas:
213) Empresas brasileiras, incluindo suas unidades no exterior, já respondem por mais da
metade das exportações mundiais de carne bovina, mas as autoridades não têm dado a
indispensável atenção à saúde do rebanho. (OESP, 18/12/07)
214) Embora a União seja cobrada pelo fato de o Brasil ostentar a carga tributária mais alta
dos países emergentes, a volúpia arrecadatória dos Estados não é menos vigorosa. (FSP,
17/10/07)
Gallardo (1997), ao analisar os conectivos contrastivos (os adversativos, em
específico) em matérias de jornais, mostra que o jornalista, algumas vezes, em vez de
introduzir o tema diretamente por meio de uma proposição apenas, prefere apelar para a
contraposição de fatos. Para a autora, essa escolha parece ter o objetivo de persuadir o leitor
do interesse do tema a ser discutido.
Pode-se entender que as ocorrências 213 e 214 também são utilizadas para persuadir o
leitor acerca do interesse do tema. Isso se torna ainda mais claro quando se considera que,
como diz Beltrão (1980), na introdução de um editorial (parte na qual se encontram essas
132 Como se referiu na seção 3.3, cada tipo de construção em estudo exibe uma estratégia particular. No entanto,
não se objetiva tratar disso aqui.
149
ocorrências), visa-se a despertar o interesse do leitor, para que ele prossiga na leitura, como já
se apontou no capítulo 4.
No córpus analisado, identificaram-se, ainda, ocorrências de adversativas que
introduzem tema no subtítulo do editorial, como se vê nestes trechos:
215) Plano do governo Lula dá alguns passos para articular atividades de pesquisa, mas não
desata o nó gerencial. (FSP, 24/11/07)
216) Operação Condor merece reprovação moral, mas não justifica romper paradigmas
legais nem o pacto político da anistia MORAL, jurisprudência e bom senso político parecem
estar em conflito no complexo caso da Operação Condor. (FSP, 29/12/07)
Em 215 e 216, o uso da construção adversativa também contribui para despertar no
leitor o interesse pelo tema, pois, antes de iniciar o texto, já se apresenta uma problemática
(por meio da contraposição de elementos) em torno da qual o editorial se desenvolverá. O
título do editorial, por ser conciso, na maioria das vezes não é suficiente para transmitir
claramente a ideia principal. Assim, o subtítulo cumpre um papel fundamental: o de antecipar
ao leitor o que será tratado no editorial.
O título do editorial no qual ocorre o subtítulo citado em 215, por exemplo, é Da
ciência à inovação. Pelo título, simplesmente, não se sabe quem estará envolvido na questão
da ciência e da inovação, mas, quando o locutor apresenta o subtítulo, contrapondo dois fatos,
ele já antecipa que é a atitude do governo que será colocada em questão.
A construção adversativa pode aparecer, também, em caixa de texto que se encontra
entre as duas colunas do editorial133
, como se vê nestes trechos:
217) A obra é discutível, mas a atitude do bispo é indefensável. (OESP, 21/12/07)
218) A exportação tem crescido, mas não tanto quanto a de outros países emergentes.
(OESP, 20/11/07)
A informação trazida na caixa de texto cumpre função semelhante à do subtítulo: a de
antecipar o que será tratado no editorial, contribuindo para despertar no leitor interesse pelo
tema. Pelo simples título do editorial referente à ocorrência 217, por exemplo, que é O Jejum
do Bispo da Barra, não é possível saber se o locutor apoiará ou não a atitude do bispo, mas, a
partir da frase que aparece na caixa de texto, já se antecipa que a atitude do bispo será
criticada.
133 No jornal Folha de S. Paulo, alguns editoriais trazem subtítulo, ao passo que, no jornal Estado de S. Paulo,
aparece, em todos os editoriais, uma caixa de texto que traz frase que se assemelha a subtítulo.
150
Entretanto, ressalte-se que apenas 4% das adversativas do córpus examinado
introduzem tema. As concessivas também não desempenham essa função com frequência:
identificou-se construção que introduz tema apenas no córpus de controle (em pouco mais de
1% das ocorrências). Esse resultado se explica pelo fato de que tais construções não seriam
tão voltadas para convencer o leitor do interesse do tema, mas para “conduzir” o leitor a uma
determinada ideia ou avaliação que prevalece, dada a estrutura argumentativa dessas
construções.
Vistas essas similaridades existentes entre as construções estudadas, restaria verificar
por que há uma maior porcentagem de adversativas que trazem a correlação entre informação
não conhecida e informação não conhecida.
Informe-se que é comum que as adversativas ocorram em partes do editorial nas quais
há, por exemplo, contextualização de fatos, como é o caso da construção adversativa presente
neste trecho:
219) No Rio de Janeiro, uma lei municipal (nº 4.685) chegou a ser sancionada – com erros –
pelo prefeito Cesar Maia (DEM). O projeto do vereador Cláudio Cavalcanti (DEM)
prescrevia multa para maus-tratos com animais, mas havia sido emendado em plenário
para isentar a pesquisa. Por erro da Câmara Municipal, foi enviado para sanção na versão
original, equívoco anulado depois por ato administrativo. (FSP, 12/11/07)
Acredita-se que o fato de a construção adversativa aparecer, por vezes, em trechos nos
quais há contextualização favorece o aparecimento de informação não conhecida, já que, ao
contextualizar, trazem-se, em geral, informações que se supõe serem necessárias para que o
leitor se situe.
Por vezes, as concessivas que trazem informação não conhecida em ambos os
segmentos também podem aparecer em porções do texto nas quais há contextualização, como
se vê a seguir:
220) As ações agressivas contra a Vale tendem a se intensificar em razão dos resultados que
o movimento “A Vale é Nossa” obteve no plebiscito que realizou entre os dias 1 e 9 de
setembro, ao qual a principal pergunta era se a Vale do Rio Doce deveria continuar sob
controle capital privado ou ser reestatizada. Embora o plebiscito tenha sido um fracasso –
votaram apenas 3,7 milhões de pessoas quando os organizadores esperavam de 7 a 10
milhões –, como em toda “eleição” em regime totalitário, houve maioria de 94,5% pela
reestatização. (OESP, 10/10/07)
No entanto, as concessivas, por apresentarem, na maioria das vezes, segmento
adverbial anteposto, seriam mais voltadas para reforçar argumento defendido pelo locutor.
Grote et al. (1997) dizem, por exemplo, que uma das formas de convencer o interlocutor de
151
algo é antecipar contra-argumentos, sejam já enunciados ou não, concedendo-os e, ao mesmo
tempo, “insistindo” na dominância do argumento que será apresentado. Nos excertos a seguir,
ocorre antecipação de argumento ainda não enunciado, reforçando, assim, o novo argumento a
ser apresentado em seguida:
221) Embora tenha comemorado a redução de 20% no desmatamento de agosto de 2006 a
julho de 2007, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) não se acomodou sobre os louros.
(FSP, 31/12/07)
222) Embora o projeto volte agora para a Câmara, parecem escassas as chances de o
imposto sindical ser extinto. (FSP, 03/12/07)
Em 221, antecipa-se que o ministério comemorou a redução no desmatamento e, em
seguida, defende-se que ele não se acomodou. Em 222, antecipa-se que o projeto voltará para
a Câmara, mas, em seguida, defende-se que as chances de o imposto ser extinto são pequenas.
Pode-se entender que nas construções adversativas que trazem a correlação entre
informação não conhecida e informação não conhecida também é possível reforçar argumento
defendido pelo locutor, mas esse reforço se dá de outra forma, como se vê a seguir:
223) “Se não houver nenhuma negociação, cumpriremos a qualquer momento a decisão da
Justiça.” Mas como assim? (OESP, 12/12/07)
224) (...) Agora, o presidente fala em fim de novembro e em projeto mais simples, que muda
muito pouco o sistema atual e não trata da guerra fiscal.
Mas, também, mudar para quê? (OESP, 26/11/07)
225) Será que, com a iniciativa anunciada na festa de lançamento oficial da TV digital no
País, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende compensar um dos efeitos negativos do
padrão tecnológico pelo qual optou, que é o alto custo do equipamento? Mas o preço alto
demais é apenas um dos problemas da TV digital. (OESP, 08/12/07)
Nessas ocorrências, apesar de haver informação não conhecida em ambos os
segmentos da construção, observa-se que um dos argumentos (aquele que vem no segmento
adversativo) é reforçado porque traz adendo. Tal função discursiva, como já se apontou,
caracteriza-se por ser uma pós-reflexão sobre o que já foi enunciado e por ocorrer após uma
pausa maior entre os segmentos (que é favorecida, nos casos citados, pela conexão entre
enunciados). Devido a esse reforço, nessas ocorrências, o contraste entre fundo (segmento
inicial) e figura (segmento adversativo) fica ainda mais marcado.
Nos segmentos adversativos com informação não conhecida que trazem adendo, em
geral se questiona algo (em 223 e 224) ou se traz uma avaliação (em 225). Em 223, volta-se
ao que já foi enunciado para colocar em xeque a atitude daquele que faz a declaração que vem
152
entre aspas. Em 224, volta-se ao que já se enunciou para ironizar a atitude do governo. Em
225, por sua vez, volta-se ao que já se enunciou para acrescentar uma avaliação: a de que a
TV digital tem outros problemas. A partir dessas ocorrências, verifica-se que a presença da
função discursiva de adendo contribui para reforçar o argumento que vem apresentado no
segmento adversativo.
No córpus analisado, 80% dos segmentos adversativos que atuam como adendo trazem
informação não conhecida, como acontece nas ocorrências de 223 a 225. Isso se justifica pelo
fato de que, como o adendo é uma pós-reflexão sobre algo, ou seja, uma informação
adicional, é de esperar que se transmita de forma mais frequente uma informação ainda não
conhecida pelo interlocutor. Martelotta (1998), ao analisar segmentos adversativos, registra
que todos os segmentos que funcionam como adendo transmitem informação nova. Paiva
(1991), por sua vez, ao examinar as “cláusulas134
causais”135
, observa que a maioria delas que
atua como adendo traz informação nova.
Pode-se argumentar que o adendo, por constituir uma informação adicional, não seria
compatível com o caráter de figura (informação saliente), próprio dos segmentos adversativos,
mas com a natureza de fundo (informação opcional). No entanto, o fato de o adendo constituir
informação adicional não significa que essa informação não possa ter relevo; pelo contrário,
em geral há relevo sugerido.
Parece que é justamente por isso que a maioria das construções adversativas de adendo
(60% dos casos) apresenta correlação entre informação não conhecida e informação não
conhecida. Quando há identidade de estatuto nos segmentos, como é esse caso, eles ficam, de
certa forma, no mesmo plano, e o contraste entre figura e fundo, consequentemente, não fica
tão marcado. No entanto, ao haver adendo em um dos segmentos, reforça-se o argumento que
aparece nele, ficando mais marcado, em consequência, o contraste entre figura e fundo.
Até mesmo quando está presente em segmentos concessivos, que atuam mais
caracteristicamente como fundo, o adendo não constitui, simplesmente, informação adicional,
como se vê nestes trechos:
226) Nunca antes neste mundo, parafraseando o presidente Lula, as condições materiais de
existência de tantas centenas de milhões de pessoas mudaram espetacularmente para melhor
em tão pouco tempo – embora os beneficiários desse salto quântico ainda sejam apenas mais
ou menos 1/3 da população de 1,3 bilhão. (OESP, 22/10/07)
134 A autora denomina como “cláusula” o que se chama, aqui, de segmento.
135 A autora inclui no grupo das “cláusulas causais” enunciados formados por cláusulas “coordenadas”
explicativas e conclusivas e por “subordinadas” causais.
153
227) Lula, aliás, só toca no assunto quando provocado pela imprensa, embora seja certo que
esse tipo de “provocação” lhe dá a maior alegria. (OESP, 06/11/07)
A presença da função de adendo no segmento concessivo fica ainda mais evidente em
226, ocorrência na qual as orações são separadas por travessão, que marca uma maior pausa,
típica de adendo.
Nessas duas ocorrências, o adendo também contribui para reforçar um argumento
(aquele que vem no segmento concessivo), servindo para rever ou relativizar o que foi
enunciado anteriormente. Em 226, o locutor traz no segmento concessivo uma ressalva, a fim
de alertar para o fato de que as conquistas obtidas pelo governo não são suficientes, pois as
condições materiais melhoraram para a minoria da população. Em 227, o locutor também traz
no segmento concessivo uma ressalva, a fim de mostrar uma avaliação sua a respeito da
atitude de Lula.
Assim, pode-se dizer que, em 226 e 227, o fato de a voz do locutor vir no segmento
concessivo, trazendo ressalva, deixa evidente que o adendo presente nesse segmento contribui
para reforçar argumento defendido pelo locutor. Nesses casos, o adendo viria como reforço de
argumento do locutor para compensar o fato de a voz dele aparecer no segmento que traz
argumento fraco136
.
Nas construções concessivas, a função de adendo se manifesta exclusivamente quando
está envolvida correlação entre informação não conhecida e informação não conhecida, o que
favorece para marcar mais o contraste entre figura e fundo, tal como ocorre nas adversativas
com adendo. Tal resultado também contribui para confirmar que o adendo seria mais
compatível com informação não conhecida, como já havia sido sugerido quando se tratou das
adversativas com adendo.
Ressalte-se que, do total de concessivas pospostas com correlação entre informação
não conhecida e informação não conhecida, quase 17% e cerca de 27% no córpus inicial e no
de controle, respectivamente, trazem adendo. Nas adversativas que apresentam esse tipo de
correlação, por outro lado, há adendo em apenas 2,5% dos casos. Trata-se de uma diferença
significativa entre as construções em estudo, que será justificada mais adiante.
Nos casos em que o segmento concessivo posposto traz adendo, esse segmento não
atua como fundo, o que é típico de segmentos adverbiais (concessivos), mas como figura,
como se vê em 226 e 227. Isso contribui para confirmar que, pelo que sugere o exame do
136 Como se mostrou anteriormente, nas construções concessivas, a voz do locutor pode aparecer no segmento
que traz argumento fraco quando se pretende, por motivações particulares, “dar a voz” para uma avaliação ou
opinião do interlocutor.
154
córpus, o adendo (presente no segmento adversativo e no concessivo) seria mais compatível
com o caráter de figura, e não com o de fundo.
Parece que a necessidade de colocar em relevo um argumento novo (que se “sobrepõe”
a outro argumento novo), por meio da utilização da função de adendo, explicaria a frequência
significativa de concessivas pospostas nos casos em que está envolvida correlação entre
informação não conhecida e informação não conhecida, pois a posição posposta favorece a
ocorrência de adendo.
Reitere-se que, nessas ocorrências, o segmento concessivo de adendo atua como
figura. Isso aproximaria o segmento concessivo do segmento adversativo, já que este atua
caracteristicamente como figura. No entanto, o segmento concessivo atua como figura apenas
em casos excepcionais: em menos de 5% do total de ocorrências do córpus inicial e do de
controle.
Na maioria das vezes, o segmento concessivo funciona como fundo, apresentando a
função de guia, que contribui para orientar o leitor para o conteúdo presente no segmento
subsequente, como ocorre nestas ocorrências:
228) Embora seja difícil convencer o usuário disso, o modelo paulista é defensável. (FSP,
15/11/07)
229) Embora tenha comemorado a redução de 20% no desmatamento de agosto de 2006 a
julho de 2007, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) não se acomodou sobre os louros.
(FSP, 31/12/07)
230) Embora o projeto volte agora para a Câmara, parecem escassas as chances de o
imposto sindical ser extinto. (FSP, 03/12/07)
Observa-se que a função de guia do segmento concessivo anteposto é particularmente
significativa quando o conteúdo a ser apresentado no outro segmento é novo, pois já fica
fornecida uma moldura que, por vezes, traz “pistas” para o leitor a respeito do que será
enunciado no segmento subsequente. Em 228, por exemplo, a partir do conteúdo do segmento
concessivo, o locutor traz, em seguida, um argumento com o intuito de convencer. Isso parece
explicar a alta frequência de segmento concessivo anteposto com função de guia quando se
manifesta a correlação entre informação não conhecida e informação não conhecida: em
quase 85% dos casos registrados no córpus inicial e no de controle.
Saliente-se que a função de guia pode aparecer em segmentos adverbiais (concessivos)
porque se manifesta sempre na posição anteposta. Portanto, a maioria das concessivas do
córpus se distinguiria das adversativas por atuar caracteristicamente como fundo e, também,
como guia.
155
Todavia, mesmo quando o segmento concessivo atua, da mesma forma que o
segmento adversativo, como figura, nota-se que ele já se distingue deste por funcionar como
“realce” (HALLIDAY, 2004). Apresentam-se estas ocorrências para exemplificação:
231) Será que, com a iniciativa anunciada na festa de lançamento oficial da TV digital no
País, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende compensar um dos efeitos negativos do
padrão tecnológico pelo qual optou, que é o alto custo do equipamento? Mas o preço alto
demais é apenas um dos problemas da TV digital. (OESP, 08/12/07)
232) Lula, aliás, só toca no assunto quando provocado pela imprensa, embora seja certo que
esse tipo de “provocação” lhe dá a maior alegria. (OESP, 06/11/07)
Como se mostrou no capítulo 3, enquanto o segmento concessivo realça o segmento
nuclear, qualificando-o com circunstância de concessão, como em 232, o segmento
adversativo traz expansão por extensão (HALLIDAY, 2004), como em 231.
A função de realce das concessivas parece explicar por que, no córpus analisado, o
segmento concessivo posposto atua mais frequentemente como adendo do que o segmento
adversativo137
. Como diz Decat (1993), estabelece-se a função de adendo quando há
necessidade de realçar, de emoldurar. No entanto, ressalte-se que, como o segmento
concessivo ocorre, frequentemente, na posição anteposta, ele serve, na maioria das vezes,
como guia para o conteúdo a ser apresentado no segmento subsequente.
A partir do que foi exposto, pode-se entender que a correlação entre informação não
conhecida e informação não conhecida seja mais frequente tanto nas adversativas quanto nas
concessivas devido ao gênero discursivo no qual ocorrem e à própria estrutura argumentativa
dessas construções. Apesar disso, há mais construções adversativas que apresentam esse tipo
de correlação, o que se justificaria pelo fato de que essas construções ocorrem, por vezes, em
trechos nos quais há contextualização dos fatos, casos que favorecem a presença de
informação não conhecida.
As concessivas, como já se disse, seriam mais voltadas para reforçar argumentação,
pela antecipação de argumento não enunciado, caso em que o segmento adverbial atua como
fundo, ou pela presença da função de adendo em um dos segmentos que traz informação não
conhecida (o concessivo), caso no qual o segmento adverbial funciona como figura. Nas
adversativas, também pode estar presente a função de adendo em um dos segmentos (o
adversativo), reforçando-se, assim, o argumento trazido nesse segmento. No entanto, segundo
137 Lembre-se que, quando está envolvida a correlação entre informação não conhecida e informação não
conhecida, há uma maior porcentagem de concessivas pospostas com adendo do que de adversativas que trazem
adendo.
156
o que sugerem os dados obtidos nesta análise, a função de adendo é mais própria do segmento
concessivo posposto, pois seria favorecida pelo caráter de realce desse segmento. Apesar
disso, a função mais frequentemente desempenhada pelos segmentos concessivos é a de guia,
que orienta o leitor para o conteúdo a ser apresentado.
Assim, pode-se considerar que a alta frequência de concessivas antepostas nas
construções que trazem correlação entre informação não conhecida e informação não
conhecida se daria pela necessidade de antecipar contra-argumento não enunciado,
reforçando-se o argumento defendido pelo locutor, e, também, pela necessidade de orientar
para novo conteúdo a ser apresentado, indicando-se, por vezes, “pistas” a respeito desse
conteúdo.
B) Correlação: informação conhecida + informação conhecida
Como já se mostrou, em ambos os segmentos da construção adversativa e da
construção concessiva pode haver informação conhecida. A seguir se procura investigar o que
motivaria a presença desse tipo de informação nos segmentos dessas construções.
Inicia-se a discussão a partir das seguintes ocorrências de adversativas:
233) Subtítulo: Reunião traça mapa vago para enfrentar mudança climática, e negociação
continua emperrada pela política interna dos EUA APENAS a ambivalência dos diplomatas permite qualificar como grande avanço o
"mapa do caminho" acordado em Bali. A conferência sobre mudança climática na ilha
indonésia, concluída em atmosfera abrasadora, com vaias e assobios contra os EUA, obteve
pouco mais que a permanência dos americanos nas negociações decisivas dos próximos dois
anos.
(...) Como a reunião de Bali chegou perto da ruptura completa, a mínima concessão
de última hora dos americanos pareceu uma guinada, e o acordo obtido, uma vitória.
(...) A ausência de avanço substantivo não deve ser debitada apenas na conta dos
EUA. Nações como China, Índia e Brasil também obstruíram a negociação batendo nas
mesmas teclas de sempre: os países desenvolvidos têm de fazer sua parte primeiro, além de
financiar e transferir tecnologia para corte de emissões, nas economias emergentes, e
adaptação da infra-estrutura.
Obtiveram concessões milimétricas nos últimos quesitos e fizeram outras idem,
como aceitar o compromisso genérico de reduzir emissões de modo "mensurável, reportável e
verificável", por exemplo pelo combate ao desmatamento.
Um avanço, decerto, mas diminuto. (FSP, 18/12/07)
Na passagem citada, o conteúdo do segmento inicial da construção adversativa é
apresentado em trechos anteriores a ela, sublinhados. O conteúdo do segmento adversativo,
por sua vez, é explicitado em porções que lhe são anteriores (em negrito).
157
Nas construções adversativas que trazem informação conhecida em ambos os
segmentos, é comum que se indique conclusão (em 25% dos casos), como ocorre em 233.
Era de esperar que a construção adversativa indicasse conclusão, pois, na conclusão,
podem-se reunir argumentos contra o que o locutor defende (apoiando-os) ou a favor deles.
Percebe-se que isso ocorre especialmente em textos de caráter opinativo, como o editorial,
pois, tal como já se mostrou, Palacio (1984) diz que o editorial é uma tomada de posição a
respeito de uma questão debatida sobre a qual perfilam atitudes e opiniões diversas. Assim,
não seria raro que, na recolha dos argumentos apresentados no fechamento do editorial,
fossem retomados também os argumentos que não são defendidos.
No entanto, obviamente, na construção adversativa não se indica, simplesmente, uma
conclusão, pois, ao concluir, o locutor mostra qual argumento apoia, colocando-o no
segmento adversativo. É por isso que, na maioria das vezes, quando se indica conclusão na
construção adversativa, essa construção traz concessão, como se vê em 233: o locutor,
colocando-se na posição dos diplomatas, apenas reconhece que houve avanço, mas defende
que o avanço foi diminuto.
Dessa forma, a presença de informação não conhecida em ambos os segmentos da
construção adversativa seria motivada, entre outros aspectos, pela necessidade de indicar
conclusão, apresentando-se os “dois lados da questão” (remetendo-se, por vezes, à
problemática do editorial) para apoiar um deles.
No trecho a seguir, a construção adversativa também indica conclusão:
234) Subtítulo: Operação Condor merece reprovação moral, mas não justifica romper
paradigmas legais nem o pacto político da anistia
(...) Condenar moralmente os envolvidos na Operação Condor, e conhecer seus
abjetos pormenores, é iniciativa relevante do ponto de vista da educação democrática do
continente. Mas, também nos interesses do sistema democrático brasileiro, seria erro grave
romper o pacto político fundado na Lei da Anistia e ignorar a legislação sobre extradição e
prescrição de crimes.
Sem complacência, mas com serenidade: é desse modo que cabe encarar o problema.
O domínio da lei é o que diferencia as democracias das ditaduras. (FSP, 29/12/07)
Os segmentos da última construção adversativa citada indicam conclusão tirada a
partir de informações trazidas anteriormente: o argumento do segmento inicial é inferido a
partir do conteúdo de trechos anteriores sublinhados, e o argumento do segmento adversativo
é inferido a partir do conteúdo de porções anteriores em negrito. Nessa ocorrência, fica ainda
mais claro que a construção adversativa retoma a problemática do editorial (que indica os dois
158
lados da questão), pois o conteúdo retomado aparece em duas construções adversativas que
ocorrem em porções anteriores do editorial, como se vê.
Ressalte-se, entretanto, que nem sempre as adversativas indicam conclusão, como se
observa no trecho a seguir:
235) É claro que os partidos ainda têm ampla condição de defesa, em várias instâncias
administrativas e judiciais. Mas os dirigentes partidários que até agora se manifestaram a
respeito do caso têm alegado, como argumento de defesa, apenas o fato de já “terem
sanado” algumas irregularidades que lhe são imputadas. Dessa maneira, confessam a
prática de irregularidades, mas não explicam por que as cometeram. (OESP, 30/12/07)
Em 235, as informações contidas nos segmentos da construção adversativa são
conhecidas porque são inferidas de trechos anteriores. Se os dirigentes partidários alegaram
ter sanado irregularidades, infere-se que eles confessam a prática de irregularidades. Da
mesma forma, se esses dirigentes apenas alegaram, como argumento de defesa, que já
sanaram as irregularidades, infere-se que não fica explicado por que as cometeram.
Pode-se até considerar que, nesse caso, o conteúdo da última construção adversativa
citada indica conclusão, tirada a partir do conteúdo exposto anteriormente, contudo, como
essa construção não está presente na parte final do editorial, não se trata de conclusão dos
argumentos centrais apresentados no fechamento do editorial.
Há casos também nos quais, mesmo que o conteúdo do segmento adversativo, por si
só, não indique conclusão de todo o conjunto de argumentos centrais do editorial, a
informação presente nesse segmento é retomada para dar encaminhamento a uma conclusão,
como se vê neste excerto:
236) Subtítulo: Furto de obras de arte assinala a necessidade de Estado e sociedade
reagirem ao abandono do museu paulistano
(...) No Masp, as cenas do crime são de visualização mais difícil. É que suas câmeras não
contam com dispositivos infravermelhos. Custariam R$ 30 mil, quantia que o Masp – cujo
acervo se calcula valer, no mínimo, US$ 1 bilhão – não tem de onde tirar. Alarmes? Sensores
de aproximação? Perguntar por tais cuidados parece até brincadeira, num museu que já teve
luz e telefones cortados por falta de pagamento.
(...) Atônitos, com mais razão, ficam todos os que se acostumaram a ver no Masp um dos
orgulhos da cidade – e assistem, há anos, ao declínio da instituição. Em crônicas
dificuldades financeiras, o museu – que é uma entidade de direito privado – vive uma crise
que tem evidente dimensão de interesse público.
(...) Algumas mudanças positivas vieram a público recentemente.
(...) Não basta, evidentemente. Em três minutos, ladrões levaram dois quadros da sala de
exibição. Alarmes não soaram nesta quinta-feira. Mas soam com estridência, há vários anos,
os sinais de crise no mais importante museu brasileiro. Sociedade e Estado não mais podem
consentir com seu abandono. (FSP, 22/12/07)
159
A informação presente no segmento inicial da construção adversativa (a de que os
alarmes não soaram) é inferida a partir dos dados apresentados nos trechos sublinhados, e a
informação contida no segmento adversativo (a de que soam com estridência, há vários anos,
os sinais de crise no mais importante museu brasileiro) já havia sido apresentada nos trechos
em negrito. Nesse caso, a construção adversativa vem no fechamento do editorial (no último
parágrafo), juntamente com as frases que indicam conclusão dos argumentos centrais: Não
basta, evidentemente. / Sociedade e Estado não mais podem consentir com seu abandono.
Reitere-se que, quando os segmentos da construção adversativa trazem informação
conhecida, não é raro que se indique conclusão de argumentos centrais do editorial, pois,
dessa forma, remete-se à problemática desenvolvida, fazendo que o leitor relembre os dois
lados da questão discutida no decorrer do editorial.
No córpus analisado, também se encontraram casos em que a construção concessiva
indica conclusão de argumentos centrais do editorial, como se vê a seguir:
237) Subtítulo: Lula estimula debate sobre falsa solução boliviana no gás e se esquiva de
enfrentar a questão do setor elétrico
Os brasileiros têm motivo para redobrar sua preocupação com o abastecimento energético
no futuro próximo.
(...) A administração Lula, desconcertada com o apagão episódico no gás, na semana
passada, apressa-se em ludibriar o público com essa versão de que a Bolívia será a tábua de
salvação para o abastecimento do combustível. Falta dizer que qualquer investimento novo
que a Petrobras realize hoje dificilmente será capaz de trazer mais gás boliviano ao Brasil
em menos de dois anos.
O gasoduto Brasil-Bolívia já opera em sua capacidade máxima. Para cumprir o plano
original de elevar em cerca de 50% o fluxo atual, seriam necessárias melhorias – para
aumentar a compressão do gás transportado, por exemplo – que não estariam prontas antes
de 2010. Mas o plano original foi abandonado pela Petrobras, com razão, após o governo
Morales ter quebrado contratos, nacionalizado ativos da estatal brasileira e lhe imposto um
arrocho tributário.
(...) Enquanto estimula discussões sobre a falsa solução boliviana, o Planalto vai se
esquivando de tomar medidas que atinjam o cerne da crise – o setor elétrico. Por mais que o
preço do gás suba no mercado brasileiro, dificilmente a sua vantagem econômica em relação
ao petróleo, cujo barril já roça os US$ 100, vai desaparecer. Continuará havendo um
estímulo natural para o uso do gás.
Diante disso, medidas para inibir a demanda pelo gás natural, embora necessárias,
terão efeito limitado. (07/11/07)
Na construção concessiva destacada, presente no último parágrafo do trecho em
questão, o conteúdo do segmento nuclear é inferido a partir do conteúdo dos trechos
sublinhados e o conteúdo do segmento adverbial é inferido a partir do conteúdo do excerto em
negrito.
160
Na construção concessiva presente na passagem adiante também se indica conclusão:
238) Título: Algo foi salvo em Bali / Caixa de texto: O controle da emissão de gases estufa
começa a vencer resistências
Tudo levava a crer que a reunião internacional que pretendia chegar a algum consenso
sobre a necessidade de regras mais rígidas de controle de gases do efeito estufa a partir de
2013 – a 13ª Conferência do Clima (COP-13) que se encerrou em Bali nesse fim de semana
– redundasse num retumbante fracasso. No último momento, no entanto, algo pôde ser salvo
na reunião, especialmente porque se encontrou uma maneira de atrair, para algum
compromisso, o país que mais emite CO2 no planeta, os Estados Unidos da América, que
desde os tempos do Protocolo de Kyoto já resistia a qualquer forma de controle de suas
emissões.
(...) De qualquer forma, embora haja um certo ceticismo quanto aos avanços concretos
que a COP-13 possa ter representado, no combate ao aquecimento global, algum passo à
frente foi dado. (OESP) (18/12/07)
Nesse excerto, o segmento concessivo resume o primeiro período (em negrito), e o
segmento nuclear resume o segundo período (sublinhado) do editorial. Observa-se que o
conteúdo de um dos segmentos (o nuclear) também apresenta relação com o conteúdo
presente no título e no subtítulo do editorial.
As concessivas que trazem informação conhecida em ambos os segmentos apresentam
conclusão em 20% dos casos no córpus inicial. Como se vê, a porcentagem registrada no
córpus inicial se aproxima daquela obtida em relação às adversativas que trazem conclusão
(25%). No córpus de controle, há pouco mais de 28% de concessivas que trazem conclusão,
porcentagem que se aproxima, de certa forma, daquela referente ao córpus inicial, o que
parece confirmar a aproximação verificada entre as construções referidas. Tal resultado se
deveria ao fato de que em ambas as construções é possível reunir argumentos centrais do
editorial, já que, em sua estrutura argumentativa, apresentam-se, como se disse, argumentos a
favor do locutor e contra ele, mostrando os dois lados da questão discutida.
Nos casos em que a construção concessiva traz conclusão, também se remete à
problemática do editorial, ou seja, aos dois lados da questão. No entanto, as concessivas que
trazem informação conhecida em ambos os segmentos, tal como as adversativas, nem sempre
indicam conclusão, como se vê neste trecho:
239) Título: O caso dos pneus usados / Caixa de texto: A OMC diz que se o Brasil proíbe os
da Europa, que proíba de todos os países
A OMC acatou o argumento do governo brasileiro de que o Brasil rejeita a importação de
pneus usados em razão dos problemas ambientais e de saúde pública que eles provocam,
como a dificuldade para sua destinação final e a proliferação de insetos causadores de
161
diferentes moléstias nos depósitos desses produtos. Mas decidiu que, se o Brasil fecha seu
mercado para a UE, deve fechá-lo para todos os países. Isso significa que, se não quiser
transformar o Brasil numa espécie de lixeira para os pneus usados de outros países, que não
têm como dar um destino a esses produtos sem causar danos ao meio ambiente, o governo
terá de proibir a entrada de pneus usados e reformados procedentes de países do Mercosul
(especialmente do Uruguai) e de conseguir que a Justiça não conceda liminares que
permitem a importação.
(...) Embora tenha acatado o argumento brasileiro de que a proibição se deve a razões
ambientais e à necessidade de proteção da saúde da população, a OMC considerou que, se
quiser mesmo evitar problemas sanitários e ambientais, o governo brasileiro tem de proibir
todas as importações, e não apenas as procedentes da UE. (OESP, 05/12/07)
Na ocorrência 239, da mesma forma que na ocorrência 238, o segmento concessivo
resume o primeiro trecho (em negrito) e o segmento nuclear resume o segundo trecho
(sublinhado). Também aí se vê que há uma relação entre o conteúdo da caixa de texto do
editorial, e também do título, e o conteúdo apresentado na construção concessiva. Além disso,
no último parágrafo do editorial, diz-se que o governo brasileiro dispõe de 60 dias para
obedecer à decisão da OMC. Nessa frase, bem como na construção concessiva citada, faz-se
referência à decisão da OMC. Isso mostra que o conteúdo presente na construção concessiva
(especialmente o que aparece no segmento que traz argumento forte), embora não constitua
conclusão, serve como encaminhamento para a conclusão a que se quer chegar no editorial.
Na ocorrência a seguir, mais uma vez, a construção concessiva, embora não indique
conclusão, serve como encaminhamento para a conclusão a que se pretende chegar no
editorial:
240) Título: Definições paulistanas
Alckmin ainda encabeça as intenções de voto (26%), mas perdeu quatro pontos em
relação ao levantamento anterior. Já Kassab ganhou três, passando a contar 13% das
preferências.
(...) Alckmin, embora tenha perdido pontos na pesquisa, ainda é o líder. (FSP, 13/12/07)
Em 240, o conteúdo do segmento concessivo remete ao trecho em negrito e o
conteúdo do segmento nuclear ao excerto sublinhado. Verifica-se que o conteúdo do
segmento concessivo serve como encaminhamento para a conclusão, pela ligação que ele
mantém com o título do editorial, que é Definições paulistanas.
Como se vê, tanto nas construções adversativas quanto nas concessivas, quando há
informação conhecida em ambos os segmentos, em geral se remete a argumentos centrais do
editorial, que constituem conclusão ou encaminham para uma determinada conclusão. Já era
de esperar que isso ocorresse em ambos os tipos de construção, dado que, nos dois casos,
162
podem-se reunir contra-argumento e argumento, remetendo-se aos dois lados da questão
discutida. Entretanto, obviamente, os efeitos de sentido produzidos em cada construção são
particulares.
No córpus analisado, verifica-se que, na maioria das vezes em que a construção
concessiva traz informação conhecida em ambos os segmentos (em 80% e em pouco mais de
71% dos casos no córpus inicial e no de controle, respectivamente), o conteúdo dessa
construção já havia sido apresentado em uma construção adversativa138
, como se vê nas
ocorrências 238, 239 e 240. Parece que se traz conteúdo semelhante em duas construções
contrastivas quando se pretende deixar em maior evidência os argumentos centrais do
editorial (contra-argumento e argumento), como é o caso das ocorrências 238 e 239. Além
disso, há que considerar que, como se mostrou, conteúdo semelhante é veiculado em
diferentes tipos de construções: na adversativa e, em seguida, na concessiva. Quando isso
ocorre, na maioria das vezes (em 75% e em 80% dos casos no córpus inicial e no de controle,
respectivamente), o segmento adverbial concessivo vem anteposto, como acontece em 238 e
239.
Isso mostra que, ao se usar a construção concessiva para apresentar conteúdo
semelhante ao que foi explicitado anteriormente em construção adversativa, além de colocar
em maior evidência os argumentos centrais do editorial (contra-argumento e argumento), o
locutor reforça o argumento que defende, antecipando o contra-argumento. Observa-se que
até mesmo em 240, na qual o segmento concessivo vem intercalado, há antecipação, pois esse
segmento topicaliza o primeiro elemento do segmento nuclear (o sujeito).
Isso justificaria a frequência relativamente maior de concessivas, em relação às
adversativas, que trazem informação conhecida em ambos os segmentos. Nota-se que, em
234, por exemplo, a última construção adversativa apresentada traz conteúdo que remete
àquilo que foi explicitado em outras construções contrastivas, mas, nesse caso, diferentemente
do que pode ocorrer nas concessivas, não há reforço, por antecipação, do argumento
defendido pelo locutor, dada a posição fixa das adversativas.
Em resumo, observa-se que, tanto nas adversativas quanto nas concessivas que trazem
informação conhecida em ambos os segmentos, pode-se remeter, por exemplo, a argumentos
centrais do editorial (contra-argumento e argumento), expressando-se conclusão ou
encaminhando-se para conclusão. Entretanto, é apenas no caso das concessivas que há, ainda,
reforço do argumento defendido pelo locutor.
138 Isso não ocorre apenas na construção concessiva identificada no córpus de controle.
163
5.2.2 Não identidade de estatuto informacional nos segmentos da construção
A) Correlação: informação não conhecida + informação conhecida
Como já se apontou, a correlação entre informação não conhecida e informação
conhecida aparece com mais frequência na construção adversativa. No decorrer desta análise,
procura-se verificar o que motivaria isso.
Pode-se dizer que, nas construções adversativas, a reiteração, no segmento
adversativo, de elementos já explicitados se dá pela necessidade de reforçar argumento
defendido, em geral para convencer o interlocutor, como se vê a seguir:
241) Ainda que seja insuficiente para reverter o brutal desrespeito à vida – que no caso se
pratica por motivos fúteis e banais –, o projeto de lei aprovado quarta- feira na Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, que aumenta as penas para
motoristas que participarem de rachas, dirigirem embriagados ou sob efeito de drogas, não
deixa de ser uma importante contribuição para a redução de uma intolerável impunidade. De
fato, as penas hoje aplicadas são brandas demais. Atualmente, os crimes de trânsito – de
lesão corporal culposa (sem intenção), de embriaguez ao volante ou de participação em
rachas – podem ser julgados em juizados especiais, com tramitação mais rápida, mas com
penas mais brandas. (OESP, 24/12/07)
Em 241, o conteúdo do segmento adversativo já havia sido explicitado no trecho
sublinhado, mas é reiterado para reforçar o argumento do locutor. No entanto, observa-se que
fica mais evidente o objetivo de reforçar (por reiteração) o argumento defendido quando o
conteúdo que vem no segmento adversativo remete a argumentos centrais do editorial. É o
que ocorre com mais frequência no córpus em exame.
Nos casos em que há reiteração de argumentos centrais, o conteúdo do segmento
adversativo pode remeter a trechos do corpo do texto, ao título ou ao subtítulo (ou caixa de
texto) do editorial, como se mostra a seguir.
242) Título: E ainda saiu barato / Não foram poucas as concessões que o governo teve de
fazer para conseguir a aprovação, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, do
projeto que prorroga a Contribuição Provisória (CPMF), mas tudo o que foi negociado está
lhe saindo barato. (OESP, 18/11/07)
Em 242, fica claro que o conteúdo presente no segmento adversativo remete ao título
do editorial, que é E ainda saiu barato. Era de esperar que houvesse, no segmento
adversativo, conteúdo que remetesse ao título, visto que, no título do editorial, muitas vezes já
se indica qual é a posição adotada pelo locutor, como é o caso dessa ocorrência apresentada.
164
Na construção adversativa presente na passagem a seguir, também se remete a
argumentos centrais do editorial:
243) Título: O vilão errado / Caixa de texto: Os seqüestradores e traficantes das FARC é
que estão fora da lei
Quando era candidato à presidência da Colômbia, Álvaro Uribe anunciou que não
negociaria com as Farc, um grupo originalmente marxista que se transformou em bando
criminoso e há cerca de 40 anos desestabiliza regiões inteiras no interior do país. Depois de
eleito, Uribe se deixou convencer pela Igreja e por familiares de pessoas seqüestradas pela
narcoguerrilha de que era necessário libertá-las e isso só poderia ser feito por meio de
negociação. Em cinco anos, o governo fez pelo menos dez tentativas – inúteis – de negociar a
libertação dos reféns. A última foi a que teve o caudilho Hugo Chávez como mediador, uma
experiência encerrada por Álvaro Uribe porque o presidente venezuelano exorbitou,
entrando em contato direto com militares colombianos e prometendo fazer aos
narcoguerrilheiros concessões inaceitáveis para a Colômbia. Assim que Chávez foi
dispensado, os meios de comunicação passaram a difundir declarações e “análises” que
apresentavam o presidente Álvaro Uribe como um ogro insensível, cuja intransigência
irracional impedia a libertação de pelo menos 45 pessoas em poder das Farc. “Não entendo
o que ocorre com o presidente”, afirmou, por exemplo, a mãe da ex-candidata a presidente
Ingrid Betancourt, seqüestrada em fevereiro de 2002. “Ele disse que tinha coração, mas
estamos esperando há seis anos.” É compreensível a angústia dos familiares dos reféns. Mas
o fato é que não foi o governo colombiano que os seqüestrou e mantém presos em
condições degradantes. Os responsáveis pelo sofrimento dessas pessoas são, única e
exclusivamente, os narcoguerrilheiros. (OESP, 22/12/07)
Na ocorrência 243, é evidente que se pode inferir o conteúdo presente no segmento
adversativo a partir das informações trazidas no corpo do texto, mas esse conteúdo já pode ser
inferido a partir dos dados apresentados no título e na caixa de texto do editorial. Nesse caso,
no título e na caixa de texto vem explicitado o ponto de vista do locutor, o que justificaria a
reiteração das informações especificamente no segmento adversativo, que apresenta
argumento forte.
Pelo que se mostrou até aqui, vê-se que o locutor traz algo já conhecido no segmento
adversativo para reforçar um argumento, remetendo, muitas vezes, a argumentos centrais do
editorial, que, além de se encontrarem no corpo do editorial, podem estar presentes também
no título e no subtítulo (ou caixa de texto).
Acrescenta-se, aqui, que, por vezes, o segmento adversativo traz conclusão, como se
vê neste trecho:
244) Título: Efeito de euforia
Quem leu nosso editorial de segunda-feira sobre o assunto não se surpreendeu com o
descumprimento da promessa do presidente Lula de enviar até este fim de novembro ao
165
Congresso o projeto da reforma tributária. Nele manifestamos nossas dúvidas de que uma
promessa que ele já fez várias vezes, sem a preocupação de cumpri-la, seria cumprida
agora. Aliás, não é apenas sobre questões tributárias que o presidente costuma dar o dito
pelo não dito, com uma despreocupação que só se explica pelo estado de euforia em que
vive.
(...) Deu tudo errado já no projeto piloto, lançado quase dois anos depois, e se
verificou que o plano não tinha pé nem cabeça num país onde a maioria das escolas não tem
computadores. Nesse meio tempo, sem alarde, o Ministério da Educação – que classificara a
promessa de Lula como um “delírio” –, em parceria com os Estados, conseguiu que 80% dos
estabelecimentos (ante 13% em 2004) repassassem regularmente informações sobre o
comparecimento dos alunos. Mas, inebriado pela sua popularidade, Lula vai continuar
prometendo, despreocupado com as possibilidades de cumprir. (OESP, 28/11/07)
Em 244, o conteúdo do segmento adversativo (em negrito) já havia sido explicitado
em trecho anterior em negrito no corpo do editorial. Além disso, o termo inebriado, presente
no segmento adversativo, remete ao título do editorial.
Como já se mostrou, ambos os segmentos da construção adversativa podem trazer
informação conhecida, apresentando, também, conclusão. No entanto, quando isso ocorre,
como há reiteração de ponto de vista defendido e, ao mesmo tempo, de ponto de vista
contrário ao defendido, a recolha de informações muitas vezes se dá especialmente para
retomar a problemática do editorial (os dois lados da questão), e não, simplesmente, para
reforçar o argumento defendido.
Uma das definições oferecidas em dicionário (BORBA, 2002) ao termo conclusão é
“opinião definitiva”. Dessa forma, é possível afirmar que, quando, nas adversativas, está
presente correlação entre informação não conhecida e informação conhecida, a conclusão que
vem apenas no segmento adversativo (o que ocorre em quase 12% dos casos) deixa ainda em
maior evidência o argumento defendido pelo locutor, marcando-se, assim, um maior contraste
entre figura e fundo.
Nas adversativas, a reiteração de informação especificamente no segmento que traz
argumento forte ocorreria para compensar o fato de que, nessas construções, dada a posição
fixa do segmento adversativo, não se opera antecipação, mecanismo que em si reforça o
argumento defendido pelo locutor139
. Acredita-se que seja devido a isso o fato de que existe
um número relativamente maior de adversativas do que concessivas que trazem a correlação
entre informação não conhecida e informação conhecida.
139 Como se apontou na seção 5.1, nas adversativas pode haver antecipação quando o primeiro segmento da
construção é iniciado por expressão avaliativa e/ou opinativa. No entanto, isso ocorre, como já se mostrou, com
pouca frequência, o que leva a pensar que a reiteração de informação no segmento adversativo, que também
contribui para reforçar argumento defendido, seria uma forma de compensar o fato de não se operar em geral
antecipação na adversativa.
166
No córpus analisado, a maioria das construções concessivas traz segmento adverbial
anteposto – em 60% e em cerca de 67% do total de ocorrências no córpus inicial e no de
controle, respectivamente – o que, como se sabe, possibilita que se antecipem contra-
argumentos, contribuindo para reforçar argumento defendido pelo locutor. Além disso,
quando estão envolvidas construções concessivas que não trazem identidade de estatuto nos
segmentos, em cerca de 60% dos casos (no córpus inicial e no de controle) o segmento
adverbial vem na posição anteposta. Daí se reforçar argumento defendido pela própria
anteposição do segmento concessivo, não havendo a necessidade de reiterar argumento que se
pretende defender.
No córpus analisado, identificaram-se apenas pouco mais de 5% de ocorrências de
concessivas em que há correlação entre informação não conhecida e informação conhecida, e
há apenas 1 caso registrado de segmento concessivo anteposto. Na maioria das vezes, o
segmento concessivo vem na posição posposta, como se vê a seguir:
245) O governo federal poderá gastar e endividar-se folgadamente, nos próximos anos, sem
romper os limites que a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE) acaba de
aprovar. (...) Mas os dois projetos, na forma aprovada pela Comissão, correspondem na
prática a uma generosa autorização para gastar e para endividar o Tesouro. (...) Mas a
oposição não se contentou com as inovações, embora as tenha aprovado na Comissão.
(OESP, 06/12/07)
Em 245, como é o segmento que atua como fundo (o concessivo) que traz informação
conhecida, a reiteração de informação, aqui, diferentemente do que ocorre nos casos de
adversativas já comentados, não estaria a serviço do reforço do argumento defendido pelo
locutor.
Isso é o que ocorre na maioria das concessivas que apresentam não identidade de
estatuto informacional nos segmentos (em pouco mais de 87% e em 80% das ocorrências no
córpus inicial e no de controle, respectivamente): a informação conhecida vem no segmento
que traz argumento não defendido pelo locutor.
Apesar disso, da mesma forma que acontece nas adversativas, o conteúdo expresso no
segmento que traz argumento defendido pelo locutor por vezes remete a título ou a
subtítulo/caixa de texto do editorial, os quais podem indicar o ponto de vista adotado pelo
locutor, como já se referiu. Vale registrar a ocorrência de construção concessiva apresentada a
seguir:
167
246) Caixa de texto: A exportação tem crescido, mas não tanto quanto a de outros
emergentes
(...) Esse crescimento [do Brasil] foi o dobro da expansão do comércio mundial, mas não
bastou para garantir uma classificação melhor entre as nações comerciantes. (...) Na lista
dos 50 países com maior faturamento em dólar, 24 exibiram crescimento maior que o
brasileiro. Destes ainda sobram 15, quando se excluem da lista os exportadores de petróleo,
beneficiados pelos grandes aumentos de preços.
(...) Autoridades brasileiras costumam confrontar o Brasil de hoje com o de ontem para
avaliar o progresso econômico e social. É um exercício útil, e até necessário, mas também é
preciso, para avaliação de resultados e formulação de políticas, comparar o desempenho
brasileiro com o de outros países.
Quando se olha para fora, os progressos obtidos no Brasil, embora importantes em vários
campos, parecem muito menos satisfatórios. (OESP, 20/11/07)
Na construção concessiva destacada, o segmento concessivo traz informação não
conhecida, e o nuclear apresenta informação conhecida, remetendo a porções anteriores do
corpo do editorial (em negrito) e, também, à caixa de texto.
Lembre-se que, quando a construção concessiva traz correlação entre informação
conhecida e informação conhecida, o segmento nuclear, por vezes, também remete a título ou
a subtítulo (ou caixa de texto) de editorial, como em 238 e 239.
Por outro lado, diferentemente do que acontece nas adversativas, não se identificaram
casos em que apenas um dos segmentos da construção concessiva (como o nuclear), por si só,
apresente conclusão (no fechamento do editorial), o que se explicaria pela existência de uma
maior integração entre os segmentos dessa construção. Observa-se que em 244, por exemplo,
introduz-se conclusão no segmento adversativo após certa pausa, favorecida pela conexão
entre enunciados.
No córpus examinado, também não há casos em que o segmento concessivo remete a
título ou subtítulo (e caixa de texto), o que era de esperar, pois, como já se apontou, esses
elementos do editorial trazem, muitas vezes, ponto de vista adotado pelo locutor.
A partir do exposto, verifica-se que a correlação entre informação não conhecida e
informação conhecida é mais recorrente nas construções adversativas. Nestas, reforça-se
argumento defendido pela reiteração de argumentos já explicitados no segmento adversativo.
Em geral, retomam-se argumentos centrais, encontrados em porções anteriores do corpo do
editorial, no título, no subtítulo ou na caixa de texto.
Nas concessivas que trazem correlação entre informação não conhecida e informação
conhecida, por outro lado, o reforço do argumento defendido se daria pela própria anteposição
do segmento adverbial. Apesar disso, existem casos em que há informação conhecida no
segmento nuclear, remetendo-se, por vezes, à caixa de texto do editorial. Por outro lado, no
168
segmento concessivo, não se remete, em geral, a elementos do editorial (título, subtítulo ou
caixa de texto), dado que normalmente não se traz, nesse segmento, argumento defendido
pelo locutor. Além disso, observa-se que não se traz conclusão nas concessivas quando apenas
um dos segmentos dessas construções apresenta informação conhecida, diferentemente do que
se dá nas adversativas.
B) Correlação: informação conhecida + informação não conhecida
Como já se mostrou, nas concessivas a correlação entre informação conhecida e
informação não conhecida é mais frequente, o que se procura explicar a partir da análise a ser
empreendida.
Para justificar esse resultado obtido, leva-se em consideração a posição sintática
ocupada pelo segmento concessivo. Observa-se que, quando há correlação entre informação
conhecida e informação não conhecida na construção concessiva, na maioria das vezes (em
75% e em pouco mais de 71% dos casos no córpus inicial e no de controle, respectivamente),
o segmento adverbial vem na posição anteposta. Como se verá, tal posição das concessivas
favorece a ocorrência do tipo de correlação aqui referido.
Inicia-se a discussão com a observação da construção concessiva presente nesta
passagem:
247) Quanto a ações e iniciativas destinadas a melhorar o ensino, apenas pouco mais de
um quarto (27,5%) das prefeituras inclui a contratação de professores. Por isso, a
renovação do quadro de docentes é muito lenta e cresce a idade média dos profissionais na
sala de aula. As iniciativas mais citadas pelas autoridades municipais são capacitação de
professores, diminuição de evasão escolar e programas de assistência ao estudante (como
saúde, alimentação, material didático e transporte escolar.
Embora não coloquem a contratação de professores entre as ações mais relevantes
na área de educação, as prefeituras continuam a contratar pessoal em geral. (FSP, 03/11/07)
Em 247, o fato de que as prefeituras não colocam a contratação de professores entre as
ações mais relevantes é inferido a partir do conteúdo presente no excerto em negrito. Nesse
trecho se vê que o conteúdo ao qual o segmento concessivo remete vem em uma porção que
se encontra próxima dele.
Dessa forma, observa-se que os segmentos adverbiais concessivos, quando vêm
antepostos, parecem ter um papel mais diretamente relacionado à coesão, já que, em geral,
remetem ao conteúdo de uma porção imediatamente anterior para que o texto prossiga,
orientando para aquilo que virá posteriormente.
169
Assim, pode-se dizer que, nos casos em que há correlação entre informação conhecida
e informação não conhecida nas concessivas, a função orientadora do segmento adverbial
anteposto fica ainda mais evidente, pois, geralmente, retoma-se uma informação presente em
uma porção imediatamente anterior para dar prosseguimento ao texto, como se disse. Isso
parece explicar por que todos os segmentos concessivos antepostos que fazem parte da
correlação aqui em questão exercem a função de guia, tendo-se como exemplo o segmento
concessivo apresentado em 247.
Até mesmo quando o segmento concessivo vem intercalado, remete-se, por vezes, a
uma porção imediatamente anterior do texto, como se vê nesta passagem, na qual o conteúdo
do segmento concessivo retoma o que vem no trecho em negrito:
248) Mas os petistas acusam o governo do PSDB de, por interesse eleitoral, elevar de
maneira excessiva os investimentos – que, dizem os deputados do PT, serão aplicados em
obras “vistosas” que apareçam bem para o eleitorado num ano de eleições municipais e
preparem o terreno para a futura campanha de Serra à Presidência da República em 2010 –
cortando na área social. Dizem, até, que a proposta de Serra, embora tenha elevado os
investimentos substancialmente, reduziu-os para a área de saúde. (OESP, 13/10/07)
Era de esperar que o segmento concessivo intercalado apresentasse, por vezes,
comportamento semelhante ao do segmento anteposto, ou seja, que remetesse a partes
imediatamente anteriores no texto, pois o segmento intercalado antepõe (e antecipa), de certa
forma, argumento ou informação, especialmente quando ele topicaliza o primeiro elemento do
segmento nuclear, que, no caso aqui em questão, atua como sujeito (a proposta de Serra).
Nas adversativas, também se identificaram casos em que o conteúdo do segmento
inicial remete a porções próximas no texto, como se vê neste excerto:
249) A UE ainda não especificou as medidas que adotará para restringir a entrada da
carne brasileira, mas sua Comissão de Saúde Animal já confirmou que restrições serão
impostas. Desde a identificação de focos de febre aftosa, a UE suspendeu a importação de
carne in natura procedente dos Estados atingidos pela doença, medida que foi depois
estendida ao produto originário de São Paulo. Além de manter essas restrições,
provavelmente reduzirá o número de empresas e frigoríficos autorizados a exportar para seu
mercado.
O governo brasileiro ainda não foi informado da decisão da UE, mas o ministro da
Agricultura, Reinhold Stephanes, adiantou que as exigências européias devem ser cumpridas
e tratadas de maneira técnica. (OESP, 18/12/07)
Observa-se que o conteúdo do segmento adversativo (o de que o governo brasileiro
não foi informado da decisão da UE) é inferido a partir do conteúdo presente em uma porção
próxima no texto, que está destacada em negrito.
170
Entretanto, nas adversativas, diferentemente do que ocorre nas concessivas com
segmento adverbial anteposto, o conteúdo retomado no primeiro segmento da construção não
serve para orientar ou guiar a informação nova a ser apresentada no segundo segmento, dado
que essa função é própria de segmentos adverbiais (antepostos). Isso parece explicar por que,
nas adversativas, não seja tão comum ocorrências como a explicitada em 249, na qual, como
se disse, o conteúdo do segmento inicial remete a uma porção próxima no texto. Em geral, nas
adversativas que trazem correlação entre informação conhecida e informação não conhecida,
o conteúdo do segmento inicial remete a trechos apresentados no decorrer do editorial, como
se observa nesta passagem:
250) Seguindo o exemplo do governo estadual, que vem adotando importantes medidas
administrativas e pedagógicas para melhorar a qualidade da rede pública de ensino básico, a
Prefeitura de São Paulo acaba de enviar à Câmara dos Vereadores um projeto de lei que,
entre outras inovações, acrescenta uma hora aula nas escolas municipais de educação
infantil e prevê um provão anual para os docentes.
(...) No plano administrativo, a Prefeitura se inspirou nas medidas que vêm sendo adotadas
com sucesso pela Secretaria Estadual da Educação, contratando mais funcionários e
reduzindo o número de professores encarregados de tarefas exclusivamente burocráticas.
(...) A idéia é implantar na prefeitura o mesmo modelo adotado pela rede estadual, para
facilitar a ascensão funcional dos docentes na carreira.
(...) A rigor, nenhuma das medidas que compõem o pacote que a Prefeitura acaba de
anunciar para o setor da educação é nova. Mas esse é o grande mérito da reforma que
começa a ser implantada – a utilização de experiências bem-sucedidas que vêm sendo
promovidas em âmbito estadual pela secretária Maria Helena Guimarães de Castro. (OESP,
28/11/07)
Assim, como já se mostrou, a retomada de trechos presentes em porções próximas no
texto seria mais comum em segmentos adverbiais antepostos. Quando isso não ocorre, em
geral se indica resumo no segmento adverbial anteposto, como se vê no excerto a seguir:
251) Nem os sinais de desaceleração da economia americana, nem o dólar barato que
desestimula as exportações, nem os juros altos que tornam quase proibitivos os
financiamentos assustam a indústria brasileira. Seus investimentos estão crescendo e
muitas empresas estão dispostas a investir ainda mais no próximo ano. (...) Essa é a
conclusão de duas pesquisas anunciadas há pouco: a indústria brasileira projeta um 2008
melhor que 2007.
(...) Embora não iniba os investimentos, a desvalorização do dólar está forçando as
empresas a mudar suas políticas. (OESP, 03/12/07)
Na ocorrência 251, o segmento concessivo anteposto resume os trechos em negrito.
Ao que parece, a posição anteposta dos segmentos adverbiais favorece o aparecimento de
resumo, o que se confirma em Thompson (1987), que, ao analisar orações adverbiais
171
temporais, identifica ocorrências nas quais essas orações, quando antepostas, trazem material
lexical utilizado para resumir.
Registre-se que, quando está envolvida a correlação entre informação conhecida e
informação não conhecida, do total de segmentos concessivos antepostos, indica-se resumo
em 50% e em quase 30% dos casos registrados no córpus inicial e no de controle,
respectivamente.
A partir do que se mostrou, fica sugerido que a posição anteposta das concessivas
favorece a retomada de informações: retomam-se informações explicitadas para, em seguida,
orientar o conteúdo a ser apresentado. Tal fato justificaria a maior frequência da correlação
entre informação conhecida e informação não conhecida, em vez da correlação entre
informação não conhecida e informação conhecida, nas construções concessivas identificadas
no córpus, que, como se apontou, traz, na maioria das vezes, segmento adverbial anteposto.
Assim, verifica-se uma diferença entre os segmentos concessivos antepostos e os
segmentos adversativos: estes seriam mais voltados para apresentar conclusão, remetendo a
argumentos centrais do editorial, já que trazem argumento defendido pelo locutor140
; e aqueles
apresentariam, por vezes, resumo, orientando para o conteúdo a ser apresentado no segmento
subsequente da construção.
Pode-se argumentar que a posição inicial de qualquer tipo de segmento de uma
determinada construção contribuiria para uma recolha de informações ou resumo, dado que,
de acordo com o princípio de ordenação linear, como já se indicou, parte-se da informação
conhecida para a informação não conhecida. Não se deixa de considerar, aqui, que, na
construção adversativa, o segmento inicial, que, como se sabe, ocorre sempre na posição
inicial, por vezes apresenta resumo, como se vê a seguir:
252) [Hugo Chávez] Interfere abertamente nos assuntos internos da Bolívia, Equador e
Nicarágua – e só não faz o mesmo no Peru e no México porque os presidentes Alan Garcia e
Felipe Calderón rechaçaram energicamente suas intromissões. Usa o dinheiro do petróleo
para ter ascendência sobre países e governos – como na Argentina. Quer entrar no Mercosul
para mudar a sua estrutura, adaptando-a ao seu anticapitalismo. Agora, comunica à
Comunidade Andina de Nações que voltará ao bloco se ele se sujeitar às condições do
“socialismo bolivariano”.
Em resumo, não respeita nada e ninguém – mas há muito método em sua loucura.
(OESP, 24/11/07)
140 Lembre-se que uma nas definições oferecidas para o termo conclusão é “opinião definitiva”.
172
Entretanto, ressalte-se que, quando está envolvida correlação entre informação
conhecida e informação não conhecida, o segmento inicial da construção adversativa traz
resumo em apenas 5% dos casos.
Dessa forma, acredita-se que seja a função de “guia” que tem o segmento concessivo
anteposto a que favorece o aparecimento de resumo nesse segmento: como se disse,
recolhem-se informações para guiar o leitor para o que será apresentado posteriormente.
Por outro lado, não se identificaram casos de segmentos concessivos intercalados que
trazem resumo. Nesses segmentos, há, simplesmente, uma retomada de informação, como se
vê na ocorrência 248. No entanto, não é possível chegar a conclusões definitivas, visto que se
identificaram, no total, apenas 3 ocorrências com segmento concessivo intercalado que trazem
a correlação entre informação conhecida e informação não conhecida.
Outra questão observada é que, quando há correlação entre informação conhecida e
informação não conhecida, tanto o segmento inicial da construção adversativa quanto o
segmento adverbial anteposto da construção concessiva, embora tragam argumento não
defendido pelo locutor, podem remeter, por vezes, a elementos do editorial (título, subtítulo
ou caixa de texto), como se vê nas passagens a seguir:
253) Caixa de texto: Será uma grande surpresa se de fato ela for enviada ao Congresso
Motivos não faltam para o contribuinte receber com desconfiança a mais recente
promessa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de fazer a reforma tributária. O projeto
da nova reforma, disse o presidente a empresários brasileiros e alemães reunidos em
Blumenau, será enviado ao Congresso Nacional até o dia 30 deste mês.
Quem acompanha o debate da reforma tributária nos últimos cinco anos sabe que não é
a primeira vez que o presidente fez essa promessa. Desde o início de seu primeiro mandato,
Lula fala dessa reforma. Chegou a mandar um projeto para o Congresso em abril de 2003,
mas, diante da resistência de governadores e prefeitos a diferentes pontos da proposta,
concordou em aprová-la apenas parcialmente, deixando as questões mais polêmicas para
nova discussão.
Será uma surpresa para os contribuintes a chegada ao Congresso do projeto
anunciado pelo presidente até o fim do mês. Mas, mesmo que isso aconteça, sua alegria vai
durar pouco. (OESP, 26/11/07)
Em 253, o conteúdo do segmento inicial da construção adversativa, além de remeter a
trechos presentes em porções anteriores no corpo do editorial (em negrito), remete ao
conteúdo que vem explicitado na caixa de texto.
Não é de estranhar que o conteúdo presente na caixa de texto, que apresenta ponto de
vista adotado pelo locutor, seja retomado no segmento inicial da construção adversativa – que,
como se sabe, traz, em geral, ponto de vista do interlocutor –, pois o locutor retoma o que foi
173
enunciado para fazer, no segmento adversativo, uma restrição que prevalece. Observa-se que
já no segmento inicial, devido à presença da expressão será uma surpresa, sugere-se que Lula
não cumprirá sua promessa, mas é no segmento adversativo que essa ideia fica mais
claramente explicitada, pois o locutor se posiciona, fazendo a ressalva de que a alegria do
contribuinte vai durar pouco.
Apresenta-se, agora, excerto para discutir o caso da construção concessiva:
254) Título: A tartaruga de Doha / Subtítulo: Estudo da OCDE indica corte ínfimo de
subsídios agrícolas nos países ricos, principal obstáculo para negociações comerciais
O relatório mais recente sobre subsídios agrícolas da Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico, clube de 30 países ricos, pouco tem de animador. Embora
registre progresso infinitesimal na redução de subsídios que sustentam a agricultura dos
países mais desenvolvidos, o documento de encarrega de solapá-lo ao mostrar que pesaram
mais fatores conjunturais do que um recuo palpável nos mecanismos que distorcem o
comércio mundial. (FSP, 25/10/07)
Como se vê, o conteúdo do segmento adverbial anteposto remete diretamente ao
trecho em negrito no subtítulo do editorial e, até mesmo, ao título, no qual já se sugere a ideia
de progresso ínfimo, dada a presença do termo tartaruga. Nesse caso, também não surpreende
que o segmento concessivo remeta a elementos presentes no subtítulo e no título do editorial,
pois se verifica que a intenção do locutor é mostrar o que foi constatado pelo estudo para, em
seguida, defender que não era de esperar que o documento se encarregasse de encobrir o que
foi constatado.
De qualquer forma, no córpus analisado, é mais comum que os segmentos – tanto nas
adversativas quanto nas concessivas – que trazem a voz do locutor (argumento forte), e não a
do interlocutor (argumento fraco), remetam a elementos do editorial (título, subtítulo ou caixa
de texto), dado que, como já se disse, esses elementos, muitas vezes, já manifestam ponto de
vista adotado pelo locutor.
A partir do exposto, observa-se que o segmento adverbial (concessivo) anteposto, que
se manifesta com frequência no córpus, favorece o aparecimento de informação conhecida,
dada a sua função guiadora: retomam-se informações, que podem vir como resumo ao que já
foi explicitado, para orientar novo conteúdo a ser apresentado. Esses aspectos diferenciam as
concessivas das adversativas, dado que, nestas, o conteúdo retomado no primeiro segmento da
construção não serve para orientar o que virá no segmento subsequente. Além disso, não é tão
comum a indicação de resumo na construção adversativa.
174
CONSIDERAÇÕES GERAIS
A partir do que se mostrou nesta análise, fazem-se, a seguir, algumas observações
gerais.
Observou-se, primeiramente, que, na construção concessiva, a não identidade de
estatuto nos segmentos ocorre com mais frequência, resultado que se atribuiu à relação
hierárquica (margem + núcleo) entre os segmentos dessa construção. Visto isso, passou-se a
observar, em seguida, cada tipo de correlação de estatuto presente nas construções estudadas.
A correlação de estatuto mais frequente nas construções em pauta é entre informação
não conhecida e informação não conhecida, o que se deve à natureza do córpus e à própria
natureza dessas construções. Apesar disso, quando está envolvido esse tipo de correlação, a
função discursiva de adendo, que contribui para reforçar argumento defendido, se manifesta
mais recorrentemente no segmento concessivo posposto do que no segmento adversativo, o
que se justifica pelo caráter de “realce” (HALLIDAY, 1994) daquele segmento. No entanto,
nesse tipo de correlação, destaca-se, sobretudo, o papel particular desempenhado pelo
segmento concessivo anteposto, que antecipa contra-argumento não enunciado, reforçando
argumento a ser apresentado, e orienta conteúdo que se explicitará.
Outro tipo de correlação no qual há identidade de estatuto é entre informação
conhecida e informação conhecida. Verificou-se que, nesse caso, tanto as adversativas quanto
as concessivas remetem, em geral, a argumentos centrais do editorial (contra-argumento e
argumento), podendo indicar conclusão, dado que, em ambas as construções, um dos
segmentos traz argumento forte (defendido pelo locutor) e o outro traz argumento fraco (não
defendido pelo locutor).
No que se refere aos casos em que não há identidade de estatuto nos segmentos,
constatou-se que, nas adversativas, é mais frequente a correlação entre informação não
conhecida e informação conhecida, e, nas concessivas, ao contrário, é mais recorrente a
correlação entre informação conhecida e informação não conhecida. Como se mostrou, isso
ocorreria porque, nas adversativas, a reiteração de informação em apenas um dos segmentos
(o adversativo) contribui para reforçar argumento defendido pelo locutor; nas concessivas, por
seu turno, retomam-se, no segmento adverbial anteposto, informações já explicitadas para
orientar novo conteúdo a ser apresentado. Em decorrência dessa diferenciação entre as
construções estudadas, quando está envolvida informação conhecida, o segmento adversativo
seria mais voltado para indicar conclusão, que pode ser entendida como opinião definitiva, e o
175
segmento concessivo anteposto apresentaria resumo, que contribui para orientar conteúdo a
ser apresentado.
A partir dos resultados obtidos na análise, é possível fazer, ainda, outras observações
gerais a respeito do segmento adversativo e do segmento adverbial concessivo.
Os dados de análise contribuem para demonstrar, por exemplo, que, diferentemente do
que postulam Towsend (1997) e Winter (1982, apud MATTHIESSEN & THOMPSON,
1988), o segmento “subordinado” nem sempre traz informação “dada”.
Por outro lado, quando se comparam os segmentos adverbiais concessivos com os
segmentos adversativos, verifica-se que os segmentos adverbiais apresentam informação
conhecida com maior frequência que os adversativos: aqueles têm informação conhecida em
cerca de 36% dos casos (e em 50% dos casos no córpus de controle) e estes em 20% dos
casos. Além disso, na maioria das vezes (em cerca de 69% e em quase 64% no córpus inicial
e no de controle, respectivamente), o segmento adverbial que traz informação conhecida vem
na posição anteposta. Isso levaria a pensar que, de certa forma, as concessivas e as
adversativas podem ser distinguidas em relação à dicotomia tema x rema. As concessivas se
caracterizariam pela sua natureza temática (de elemento que é conhecido e, subsidiariamente,
está em posição inicial) e as adversativas se caracterizariam pela sua natureza remática (de
elemento que está em posição final e, subsidiariamente, é não conhecido) (GARCÍA, 1994).
Retomam-se algumas ocorrências para exemplificação:
254) Estudo da OCDE indica corte ínfimo de subsídios agrícolas nos países ricos, principal
obstáculo para negociações comerciais. (...) Embora registre progresso infinitesimal na
redução de subsídios que sustentam a agricultura dos países mais desenvolvidos, o
documento de encarrega de solapá-lo ao mostrar que pesaram mais fatores conjunturais do
que um recuo palpável nos mecanismos que distorcem o comércio mundial. (FSP, 25/10/07)
255) O governo federal poderá gastar e endividar-se folgadamente, nos próximos anos, sem
romper os limites que a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE) acaba de
aprovar. (...) Mas os dois projetos, na forma aprovada pela Comissão, correspondem na
prática a uma generosa autorização para gastar e para endividar o Tesouro. (...) Mas a
oposição não se contentou com as inovações, embora as tenha aprovado na Comissão.
(OESP, 06/12/07)
Em ambos os trechos, o segmento concessivo traz elemento conhecido, característica
principal do tema. Por outro lado, verifica-se que o tema pode pospor-se, como se observa em
5, daí se dizer que o tema está, subsidiariamente, em posição inicial.
Comenta-se, agora, a construção adversativa a seguir:
176
256) A UE ainda não especificou as medidas que adotará para restringir a entrada da carne
brasileira (...). O governo brasileiro ainda não foi informado da decisão da UE, mas o
ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, adiantou que as exigências européias devem
ser cumpridas e tratadas de maneira técnica. (OESP, 18/12/07)
257) (...) A ausência de avanço substantivo (...). Um avanço, decerto, mas diminuto. (FSP,
18/12/07)
Nesses casos, vê-se a característica principal do rema, que é a localização na posição
final da construção. Isso é decorrente da natureza paratática do segmento adversativo, que,
como se sabe, tem posição fixa. Em 256, observa-se, no segmento adversativo, a característica
secundária do rema: apresentar elemento não conhecido. Por outro lado, justamente por esse
elemento constituir característica secundária, é possível que ele não esteja presente no rema,
como se vê no segmento adversativo em 257, no qual há informação conhecida.
Como se vê, García (1994) estabelece uma hierarquia para definir tema e rema,
apontando características principais e secundárias desses elementos. As ocorrências aqui
apresentadas servem para exemplificar no segmento concessivo e no adversativo,
respectivamente, a presença dos elementos tema e rema, tal como esse autor os define. No
entanto, é importante ressaltar que, quando está em questão a língua em uso, nem sempre é
possível estabelecer hierarquias. Exemplo disso é o fato de que, no córpus examinado, o
segmento concessivo nem sempre exibe informação conhecida, elemento tido como
característica principal do tema.
De qualquer forma, reitere-se que, no córpus analisado, o segmento concessivo traz
informação conhecida com maior recorrência que o segmento adversativo, o que confirma as
observações feitas por García (1994). Ressalte-se que isso não ocorre apenas quando o
segmento concessivo vem na posição posposta. Nesse caso, há informação conhecida no
segmento adverbial em pouco mais de 12% dos casos. Contudo, no córpus de controle, a
porcentagem que representa as ocorrências de segmento concessivo posposto com informação
conhecida (cerca de 21%) não se aproxima tanto daquela obtida no córpus inicial, o que
mostra a necessidade de se investigar essa questão, já que, neste trabalho, até mesmo no
córpus de controle os dados referentes ao segmento concessivo posposto são limitados.
Outra diferença observada entre as adversativas e as concessivas diz respeito ao par
figura / fundo (GIVÓN, 1990). Como a análise mostrou, na maioria das vezes o segmento
concessivo atua como fundo (elemento adicional), diferentemente do segmento adversativo,
que funciona como figura (elemento saliente). Verificou-se que o segmento concessivo
funciona como figura apenas em casos excepcionais (normalmente, quando vem na posição
177
posposta e traz adendo). Devido a isso, o segmento adversativo, como elemento saliente, seria
mais voltado a apresentar conclusão (opinião definitiva), ao passo que o segmento concessivo
(anteposto), como elemento adicional, não seria voltado a trazer conclusão, mas,
simplesmente, resumo.
A partir do exposto aqui, verifica-se que, quando há o tratamento da organização das
adversativas e das concessivas no fluxo de informação, essas construções podem ser
diferenciadas considerando-se certas particularidades das adverbiais concessivas, como sua
condição de “margem” (LONGACRE, 2007), “satélite” (DIK, 1989; MATTHIESSEN &
THOMPSON, 1988), “realce” (HALLIDAY, 2004), “guia” (CHAFE, 1984, apud DECAT,
1993), “fundo” (GIVÓN, 1990) e “tema” (GARCÍA, 1994).
178
CONCLUSÕES
Nesta dissertação, objetivou-se, com base na teoria funcionalista da linguagem,
identificar os pontos de contato e de contraste entre as construções adversativas com mas e as
construções concessivas com embora presentes em editoriais.
No estudo das construções em questão, de acordo com a proposta funcionalista, levou-
se em conta que, na análise linguística, os componentes semântico e sintático devem estar
integrados ao pragmático. Isso permitiu que se observassem as possíveis motivações para o
uso de uma construção em vez de outra.
A hipótese que norteou este trabalho foi a de que os pontos de contato entre as
adversativas e as concessivas se relacionam à “lei da preferência” (GARCÍA, 1994) e a de que
a diferença entre tais construções é resultante da natureza de “margem” (LONGACRE, 2007),
“satélite” (DIK, 1989; MATTHIESSEN & THOMPSON, 1988), “realce” (HALLIDAY,
2004), “guia” (CHAFE, 1984, apud, DECAT, 1993), “fundo” (GIVÓN, 1990) e “tema”
(GARCÍA, 1994) das adverbiais concessivas. Nas análises empreendidas, essa hipótese
levantada se confirmou.
Na seção 5.1 do capítulo de análise, na qual se tratou da inserção textual, do uso
argumentativo e da interpretação semântica das construções em estudo, verificou-se que as
adversativas e as concessivas, com sequência dissertativa, descritiva ou narrativa, incluem-se
na lei da preferência (GARCÍA, 1994), pois, em ambas as construções, um dos argumentos se
mantém: aquele que é defendido pelo locutor. Observou-se, porém, que, em alguns casos (em
construções com tipo dissertativo ou descritivo), o argumento sobre o qual se mantém a
preferência é o do interlocutor. Trata-se do caso em que, por motivações particulares, o
locutor pretende dar certo destaque à voz do interlocutor. Como se viu, a mudança de posição
é favorecida pela presença da função constatativa no caso das adversativas e das concessivas e
pela ocorrência da função relativizadora no caso das concessivas em específico.
Ainda na seção 5.1, verificou-se que, apesar de as adversativas e as concessivas
apresentarem tipos textuais (dissertativo, narrativo, descritivo) e funções textuais (avaliação
e/ou opinião, constatação, relativização) semelhantes, há diferenças entre essas construções,
que são decorrentes, muitas vezes, da condição de margem, de satélite e de guia das
adverbiais concessivas.
Observou-se que a natureza de margem, ou de satélite, das concessivas influi para
diferenciá-las das adversativas quanto ao critério identidade x não identidade de tipo textual e
função textual. Nas concessivas, diferentemente do que acontece nas adversativas, há
179
identidade de tipo textual em todos os casos, dada a (relativa) dependência entre os
segmentos. Por outro lado, há um maior número de concessivas que trazem não identidade de
função textual, o que se deve à relação hierárquica presente nestas.
Outra questão relacionada à condição de margem, ou satélite, das concessivas é a
anteposição do segmento concessivo, que ocorre na maioria dos casos, independentemente do
tipo textual presente na construção. Isso influi para determinar efeitos de sentido particulares,
pois, como se viu, por meio da anteposição das concessivas, apresenta-se a estratégia de
antecipação, o que contribui para reforçar argumento defendido pelo locutor.
Nas adversativas também pode haver antecipação, mas, diferentemente do que se dá
nas concessivas – que, por terem flexibilidade de posição, podem exibir antecipação em
diversos contextos de uso –, esse mecanismo se manifesta, especificamente, nas construções
com tipo dissertativo e com função avaliativa e/ou opinativa, caso em que se podem trazer
marcas de concordância do locutor no primeiro segmento da construção. Assim, nas
adversativas, o reforço do argumento defendido pelo locutor por meio de crítica, por exemplo,
compensa o fato de não se dar, na maioria das vezes, estratégia de antecipação nessas
construções. Nas concessivas, também se pode reforçar argumento defendido pela presença de
crítica, mas a anteposição do segmento concessivo favorece, sobretudo, a estratégia
preventiva.
Mostrou-se que também se liga à condição de margem das concessivas (à maior
dependência entre os segmentos) a presença de uma menor variedade de funções textuais
nessas construções. Como se viu, é especificamente nas adversativas (com tipo textual
dissertativo) que aparecem as funções justificativa, questionadora, preditiva e volitiva.
A condição de guia das concessivas, favorecida pela predominância de segmentos
concessivos antepostos no córpus, independentemente do tipo textual envolvido, também
influi para distingui-las das adversativas, que, por terem posição fixa, não servem para
orientar ou encaminhar conteúdo a ser apresentado no segundo segmento da construção.
Na seção 5.1, verificou-se, por fim, que os valores semânticos compartilhados entre as
adversativas e as concessivas influem para a determinação de funções particulares. Nas
construções contrastivas com tipo textual dissertativo, o valor de restrição favorece a
ocorrência da função discursiva de adendo. Além disso, tal valor favorece o aparecimento da
função relativizadora tanto nas adversativas quanto nas concessivas. No entanto, nessas
construções se produzem diferentes efeitos de sentido, já que, como se viu, a relativização
vem no argumento forte nas adversativas e no argumento fraco nas concessivas. O valor de
180
restrição também contribui para a ocorrência da função questionadora, mas isso ocorre
especificamente nas adversativas.
Nas construções contrastivas com tipo textual narrativo, exerce um importante papel o
valor de negação de inferência, que contribui para que se crie efeito de surpresa. Contudo,
como se viu, são produzidos efeitos particulares em cada construção em estudo: é apenas nas
concessivas, por exemplo, que se antecipa que se apresentará fato/evento inesperado. Nas
construções contrastivas com tipo textual descritivo, por outro lado, não parece haver um
valor semântico específico que favoreça a ocorrência de uma função particular.
Na seção 5.2 de análise, por sua vez, na qual se tratou do estatuto informacional das
construções estudadas, observou-se que a natureza de “margem” (LONGACRE, 2007),
“satélite” (DIK, 1989; MATTHIESSEN & THOMPSON, 1988), “realce” (HALLIDAY,
2004), “guia” (CHAFE, 1984, apud DECAT, 1993), “fundo” (GIVÓN, 1990) e “tema”
(GARCÍA, 1994) das adverbiais influi para diferenciá-las das adversativas.
Observou-se que, apesar de haver correlação entre informação não conhecida e
informação não conhecida na maioria das vezes tanto nas adversativas quanto nas
concessivas, é especificamente no caso destas últimas que, pela sua condição de margem,
antecipa-se argumento não enunciado, reforçando, assim, argumento a ser defendido. Por
outro lado, verificou-se que nas adversativas em que está envolvido o tipo de correlação
referido, reforça-se argumento defendido pela presença da função de adendo. No entanto, viu-
se que essa função aparece, sobretudo, nas concessivas, dado o seu caráter de “realce”.
Verificou-se, também, que, nas concessivas, há mais casos com correlação entre
informação conhecida e informação não conhecida, e, nas adversativas, há mais casos com
correlação entre informação não conhecida e informação conhecida. Assim, nas concessivas,
indica-se, por vezes, resumo, orientando o segmento adverbial anteposto para o conteúdo a ser
apresentado, e nas adversativas se apresenta, por vezes, conclusão, o que, como se mostrou, se
explica pelo fato de o segmento adversativo trazer opinião definitiva. Como se viu, nas
concessivas também se apresenta conclusão, mas isso ocorre quando está em questão
correlação entre informação conhecida e informação conhecida, caso em que se remete a
argumentos centrais apresentados.
Na análise dos dados, notou-se, ainda, que as adversativas e as concessivas, de certa
forma, podem ser diferenciadas quanto aos elementos tema / rema, tais como são concebidos
por García (1994), pois, como se mostrou, os segmentos concessivos, que, na maioria das
vezes, ocorrem na posição anteposta, trazem informação conhecida mais frequentemente que
os segmentos adversativos.
181
Observou-se, também, que as adversativas e as concessivas podem ser distinguidas em
relação ao par figura / fundo. No córpus, o segmento adversativo atua como figura em todas
as ocorrências identificadas. O segmento concessivo, apesar de funcionar, por vezes (em
geral, quando se encontra em posição posposta e tem função de adendo), como figura, atua
mais caracteristicamente como fundo.
A partir do que se expôs, fica explicitado que, apesar de haver uma aproximação entre
as adversativas e as concessivas quanto à manifestação da lei da preferência, por exemplo, as
particularidades das adverbiais concessivas em relação às adversativas influem para que sejam
produzidos efeitos de sentido particulares naquelas.
182
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