UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
JOÃO PAULO HENRIQUE PINTO
NASCIMENTO, VIDA E MORTE DE UM HOMEM NOVO:
caminhos para a construção da identidade nacional angolana (1962 a 1992)
Niterói
2013
2
3
João Paulo Henrique Pinto
NASCIMENTO, VIDA E MORTE DE UM HOMEM NOVO:
caminhos para a construção da identidade nacional angolana (1962 a 1992)
Monografia apresentada à Universidade
Federal Fluminense como requisito parcial
para a obtenção do título de bacharel em
História
Orientador: Professor Doutor Marcelo Bittencourt
Niterói
2013
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João Paulo Henrique Pinto
NASCIMENTO, VIDA E MORTE DE UM HOMEM NOVO:
caminhos para a construção da identidade nacional angolana (1962 a 1992)
Monografia apresentada à Universidade
Federal Fluminense como requisito parcial
para a obtenção do título de bacharel em
História.
Aprovado em _____ de __________________________ de ________.
BANCA EXAMINADORA
Marcelo Bittencourt
(orientador)
Alexsander de Almeida Lemos Gebara
(leitor crítico)
5
RESUMO
Este trabalho tem como tema central a análise da construção de uma identidade nacional para
Angola segundo o MPLA. Para isso, a pesquisa procura compreender os múltiplos discursos
presentes no interior do MPLA sobre a questão da identidade nacional angolana desde a
fundação do movimento até o ano de 1992, momento em que Angola tem sua primeira eleição
multipartidária. Para isso, são abordados as três principais fases: (i) a formação do MPLA e a
definição das suas bases ideológicas durante a guerra de libertação nacional (1962 a 1975);
(ii) a ascensão do MPLA ao poder após a independência de Angola e a tentativa de construção
do socialismo, quando foi colocado em prática o projeto de criação do Homem Novo (1975-
1986); (iii) a desistência da implementação do socialismo em Angola, a abertura à democracia
e as eleições de 1992 (1986 a 1992).Não tenho como objetivo fazer uma história detalhada de
Angola ou do MPLA, mas sim compreender os momentos mais importantes da história
angolana que influenciaram a definição da identidade nacional angolana.
PALAVRAS-CHAVE: Angola, MPLA, Homem Novo, identidade nacional angolana,
nacionalismo.
6
ABSTRACT
The main subject of this work is the analysis of the construction of a national identity for
Angola according to the MPLA. Therefore, the investigation intends to comprise the multiple
present speeches in the interior of the MPLA on the question of the Angolan national identity
from the moment of the foundation of the movement until the year of 1992, when Angola has
his first multiparty election. For this, are tackled the three main phases: (i) the training of the
MPLA and the definition of its ideological bases during the war of national release (1962 to
1975); (ii) the ingress of the MPLA to the government after the independence after the
independence of Angola and the attempt of construction of the socialism, when the project of
creation of the New Man first started (1975-1986); (iii) the waiver of the implementation of
the socialism in Angola, the opening to the democracy and the elections of 1992 (1986 to
1992).I do not have the purpose to detail the history of Angola or of the MPLA, but to
enlighten the most important moments of the Angolan history that influenced the definition of
the national angolan identity.
KEYWORDS: Angola, MPLA, New Man, Angolan national identity, nationalism.
7
SUMÁRIO
Introdução ……………….………………………………………………………………........8
1 O nascimento do Homem Novo – definições e usos da ideia de nacionalidade
angolana(1962 a 1975) ............................................................................................................ 11
1.1 A formação dos movimentos nacionalistas angolanos ....................................................... 14
1.2 O debate sobre a questão racial no MPLA .......................................................................... 24
1.3 As contradições inerentes ao uso político de uma identidade ........................................... 33
2 A vida do Homem Novo angolano – aplicação e repercussão de um projeto nacional
(1975-1986) .............................................................................................................................. 43
2.1 Ascensão ao poder, crise e definição ideológica: a formação das bases para a criação do
Homem Novo .................................................................................................................................... 45
2.2 O surgimento do Homem Novo angolano ........................................................................... 51
2.3 Desgaste econômico e guerra civil: empecilhos para a construção do Homem Novo ...... 61
3 A morte do Homem Novo angolano – da unicidade à multiplicidade identitária
(1986-1992) .............................................................................................................................. 68
3.1 A mudança ideológica do MPLA e suas consequências econômicas e políticas ................ 70
3.2 As campanhas eleitorais e a redefinição do projeto nacional do MPLA ............................ 75
Conclusões............................................................................................................................... 84
Referências Bibliográficas....................................................................................................... 91
8
Introdução
O colonialismo português em Angola se estendeu durante um grande período.
Somente nas décadas de 1940 e 1950 os angolanos passaram a se manifestar mais claramente
em oposição ao colonialismo. Desde aquele momento, uma questão central passou a ter
espaço na sociedade: quais seriam os traços definidores da identidade nacionalangolana?
Diversas formas de entendimento da identidade nacional angolana foram esboçadas,
envolvendo questões relativas à cultura, às raças, às etnias e ao sentimento de pertencimento à
nação, temas que se tornaram o foco de calorosos debates para a definição da identidade
nacional angolana.
Este trabalho tem como temática central o entendimento da construção da identidade
nacional segundo a visão do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). É
importante ressaltar de início que houve muitos momentos em que esta identidade nacional foi
discutida no interior do movimento e pouquíssimas vezes houve consenso sobre os aspectos
que a definiam. Muitas vezes os debates sobre a questão se mostraram elementos que
contribuíram para rupturas no interior do MPLA.
As grandes dificuldades encontradas pelo MPLA para a definição da nacionalidade
angolanacorriam em paralelo às dificuldades inerentes à divisão do nacionalismo em Angola.
A concorrência entre os movimentos de libertação também se manifestava pelas divergências
sobre a definição da identidade nacional, sendo que houve múltiplas formas de entendimento
da nacionalidade angolana.
O recorte dado neste trabalho engloba apenas as definições dadas pelo MPLA a
respeito da identidade nacional angolana. Apesar de visitar diversos momentos da história de
Angola e do MPLA, este trabalho não tem como objetivo fazer uma história pormenorizada e
minuciosa daquele país e daquele movimento. Pretendo simplesmente analisar e entender os
caminhos para a construção da ideia de identidade nacional de Angola.
No primeiro capítulo deste trabalho, será analisado o momento de formação do
MPLA e a luta anticolonial, momento marcado pela concorrência entre MPLA e os demais
movimentos de libertação angolanos. A Primeira Conferência Nacional do MPLA ocorrida
em 1962 será de grande importância para a definição da identidade nacional angolana, uma
vez que intensos debates sobre a questão racial, étnica e identitáriaseriam travados neste rico
9
espaço de discussão política. A partir destes debates, será possível a compreensão das bases
que definiram a concepção de identidade nacional do MPLA.
Ainda no primeiro capítulo, analisarei alguns eventos em que a discussão sobre a
identidade nacional angolana serviu como um instrumento político para a repressão de alguns
movimentos de contestação à direção do MPLA. Para isso, será necessário analisar a Revolta
do Leste, evento que ocorreu em finais da década de 1960 e início da década de 1970. A
análise deste evento, demonstrará como o núcleo dirigente do MPLA agia em relação às
contestações internas e como a definição de identidade nacional era acionada como um
instrumento político de grande poder.
O segundo capítulo tem como recorte cronológico o período em que o MPLA-PT, já
dominando o poder do Estado angolano, se propôs a implementar o socialismo em Angola.
Neste período, as lideranças do partido/Estado apresentaram a ideia de criar um Homem Novo
e uma nova cultura angolanos, que se baseariam muito em aspectos definidos e discutidos
durante a história do movimento, principalmente na Primeira Conferência Nacional trabalhada
no primeiro capítulo.
O projeto de construção do Homem Novo será analisado dando ênfase à necessidade
do Estado angolano lidar com a pluralidade cultural existente em Angola e a forma que esta
diversidade integrou o projeto de construção de uma identidade nacional. Buscarei apresentar
as formas como o MPLA-PT tentou construir o Homem Novo angolano, através da educação,
do domínio de organizações sociais e dos discursos dos líderes do partido que faziam
referência à necessidade de criação do Homem Novo.
Como referencial teórico para a análise deste projeto de construção nacional,
utilizarei a obra “Nações e nacionalismos desde 1780”, de Eric Hobsbawm, onde o autor
defende a ideia de que as nações são fenômenos duais construídos geralmente pelo alto (elites
que dominam o Estado), mas que não podem de maneira alguma ser compreendidas sem que
se analise a repercussão das propostas deste projeto de construção de nação1.
Desta maneira, tenho como objetivo do segundo capítulo entender qual foi a
repercussão do projeto de construção do Homem Novo e da nova identidade nacional
1 HOBSBAWM, Eric. “Nações e Nacionalismos desde 1780 – programa, mito e realidade”. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.p. 21
10
angolana que o MPLA-PT tentou construir. Sem entender a repercussão e a adesão ao projeto,
não há como avaliar profundamente a relevância e os resultados alcançados por ele.
No terceiro capítulo, trabalharei com o período em que o MPLA abandona
oficialmente a tentativa de construção do socialismo em Angola e passa por uma abertura
econômica e política (transição ao multipartidarismo). Já que o projeto de construção do
Homem Novo angolano se baseava muito em critérios político-ideológicos, isto é, na adesão
dos cidadãos ao marxismo-leninismo, a questão da identidade nacional angolana passou por
uma nova etapa. Sendo assim, o terceiro capítulo deste trabalho pretende entender esta
mudança ocorrida na ideia de identidade nacional após a liberalização do regime,
evidenciando quais eram os valores definidores da nacionalidade angolana naquele momento.
11
1 O nascimento do Homem Novo – definições e usos da ideia de nacionalidade
angolana(1962 a 1975)
Neste primeiro capítulo, tenho como principal objetivo apresentar o surgimento da
ideia de identidade nacional criada pelo MPLA nos primeiros anos após sua formação e os
principais debates em torno desta questão. Para isso, será necessário tocar em algumas
questões que seriam relevantes para a formação desta ideia de nacionalidade composta pelo
movimento. Neste sentido, será apresentado o contexto em que o MPLA e os demais
movimentos de libertação angolanos se formaram, pois foi neste momento inicial da luta de
libertação que estes movimentos assumiram uma concepção de identidade nacional que seria
uma importante base dos projetos de nação destes grupos. Será dada ênfase no processo de
formação do MPLA em comparação aos demais movimentos de libertação, já que este
trabalho versa sobre a ideia de nacionalidade deste movimento. De forma complementar, será
apresentada a formação da União das Populações Angolanas/Frente Nacional de Libertação
de Angola (UPA/FNLA), principal movimento de libertação concorrente do MPLA no
momento inicial da luta de libertação, e da União Nacional pela Independência Total de
Angola (UNITA).
Após a apresentação do contexto em que os principais movimentos de libertação
nacional angolanos surgiram, será feita uma incursão por alguns dos mais importantes
momentos vividos pelo MPLA nas décadas de 1960 e 1970. Refiro-me à Primeira
Conferência Nacional do movimento ocorrida em 1962 e à Revolta do Leste, iniciada em
1968 com a Revolta Jiboia e, já na década de 1970, a Revolta Chipenda, iniciada em 1972.
Na Primeira Conferência Nacional do MPLA, houve um intenso debate acerca da
questão racial no interior do movimento. Nesta discussão, Viriato da Cruz e Agostinho Neto
polarizam o referido debate, tornando a análise deste evento bastante significativa para a
compreensão da concepção de identidade nacional formulada pelo MPLA, já que este foi um
embate entre dois dos principais líderes do movimento. Desta Primeira Conferência Nacional,
saíram vitoriosas as ideias defendidas por Agostinho Neto, fato determinante para a aplicação
da concepção de identidade nacional que seria posta em prática a partir de 1975.
Uma vez apresentados os principais debates que definiram a concepção de identidade
nacional oficial do MPLA, passarei a trabalhar com alguns momentos em que o Comitê
Diretor do movimento fez uso dos argumentos definidos na Primeira Conferência Nacional
12
sobre a questão da nacionalidade. Neste sentido, serão trabalhados dois momentos em que a
direção do MPLA foi contestada pelas bases do movimento e a forma como a direção agiu
para reprimir estas contestações. Para que seja possível a compreensão das causas da Revolta
do Leste, será necessária a apresentação das condições que marcavam a guerrilha na região
durante a década de 1960.
Como foi dito acima, a primeira fase das contestações à direção do MPLA promovidas
pela Revolta do Leste ocorreu na Revolta Jiboia iniciada em 1964. Neste primeiro evento de
contestação à direção do MPLA, surgiu a primeira manifestação político-identitária dos
guerrilheiros do Leste, sendo que a direção do movimento julgou necessário agir no sentido
de reprimir os questionamentos.
Com a intenção de resolver os problemas levantados pelos manifestantes da Revolta
Jiboia, a direção do MPLA designou Daniel Chipenda, um dos membros do Comitê Diretor,
para servir como intermediário entre as duas partes envolvidas na questão. Ao tomar
conhecimento dos questionamentos feitos pelos guerrilheiros da Revolta Jiboia, Chipenda
amplificou a voz dos descontentes, levando suas propostas ao Movimento de Reajustamento
promovido pelo MPLA. Neste momento, a questão racial voltou a ser debatida pelos
militantes do movimento. A partir de então, iniciou-se a segunda fase das Revoltas do Leste
com a Revolta Chipenda, até 1974, um movimento de grande vulto que geraria uma ruptura
no interior do MPLA.
Interessará, sobretudo, apresentar a forma como a direção do MPLA agiu em relação à
Revolta do Leste. Será evidenciado que o argumento da identidade nacional definido na
Primeira Conferência Nacional do MPLA em 1962 daria base à repressão ao movimento
contestatário, o que permite que se faça uma análise sobre a apropriação da definição de
identidade nacional de acordo com as necessidades políticas do movimento. Ficará
evidenciado que, em algumas ocasiões, o pragmatismo político guiou as ações do MPLA.
Este capítulo se encerrará quando uma nova situação política leva o MPLA ao poder
de Estado angolano. No poder, o projeto de identidade nacional proposto pelo MPLA ganhará
força para ser aplicado à realidade de Angola, junto à ideia de construção de um Homem
Novo e a homogeneização cultural dos povos angolanos. A aplicação deste projeto de
nacionalidade angolana será o tema do segundo capítulo. É necessário ressaltar que as bases
13
para este projeto se encontram neste primeiro capítulo, principalmente nas definições da
Primeira Conferência Nacional do MPLA.
Por fim, resta mencionar as fontes que serão utilizadas para o desenvolvimento desta
primeira etapa da pesquisa.Como a ênfase principal do capítulo será a formação do MPLA e
os principais debates ocorridos no interior do movimento, serão utilizados como fontes alguns
documentos produzidos nos momentos de crise que serão analisados neste primeiro capítulo.
Serão utilizadas também como fontes algumas entrevistas feitas com os principais dirigentes
dos movimentos de libertação angolanos que iniciaram a luta anticolonial.
14
1.1 A formação dos movimentos nacionalistas angolanos
O desenvolvimento das manifestações anticolonialistas na África Portuguesa
ocorreusobretudoa partir da década de 1950. O surgimento destes movimentos contestatários
não pode ser entendido sem que se considere a questão elevando-a a um nível global, pois a
conjuntura mundial da época indicava grandes dificuldades e transformações no colonialismo
europeu na Ásia e na África.
Após a Segunda Guerra Mundial e a criação da Organização das Nações Unidas, o
colonialismo entrou em declínio, pois esta instituição se posicionava contrariamente ao
domínio europeu sobre osterritórios afro-asiáticos. Além do crescente anticolonialismo das
Nações Unidas, a Guerra Fria também se mostrava influente em relação à causa anticolonial,
pois EUA e URSS disputavam áreas de influência na Ásia e na África, de maneira que o
colonialismo nos arcaicos moldes empregados por Portugal também era condenado pelas duas
superpotências de então.
Enquanto nos Impérios Britânico e Francês eram demonstradas evoluções no sentido
de modificar as estruturas coloniais, o Império Português dava sinais de reforçaro domínio
sobre suas colônias africanas. Devido a esta situação de contestação do colonialismo em
escala global, Portugal empreendeu uma reforma em seu Império Colonial, convertendo-o em
um conjunto de províncias ultramarinas. Obviamente a reforma proposta pelos portugueses
não alterou a situação vivida em África, pois não passava de uma forma de maquilar uma
situação colonial que passava a ser contestada. 2
Além desta falsa reforma no sistema colonial português, percebe-se que na década de
1950 houve um intenso crescimento da emigração de portugueses à África, processo que
ocorreu concomitantemente ao aumento da repressão sobre contestações da ordem colonial.
Para que se possa mensurar o recrudescimento da repressão portuguesa, em 1957, a Polícia
Internacional de Defesa do Estado (PIDE) abriu delegações em todos os territórios africanos e
começou a organizar uma grande rede de informantes para a repressão de possíveis
contestações da ordem colonial.
2HOBSBAWN, Eric. A Era dos Extremos - O Breve Século XX – 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras,
1995.
15
Em Angola, uma agitação anticolonial já começava a dar seus primeiros passos desde
a década de 1940. Nesta fase inicial da contestação do colonialismo português em Angola,
pequeniníssimos grupos anticoloniais se diziam representantes de um movimento nacional,
mas não conseguiam superar as suas bases locais. Naquele momento, a fragmentação do
movimento anticolonialista angolano era uma das suas principais características. A
concentração destes grupúsculos anticoloniais se dava inicialmente nas regiões de Luanda e
Benguela. Aos poucos, esta luta incipiente chegou ao norte angolano motivada pela situação
do Congo Belga, que também dava início ao processo de descolonização.
Além destes pequenos grupos anticoloniais surgidos em Angola, a articulação contra o
colonialismo se deu também entre os estudantes angolanos que iam para a metrópole
completar seus estudos. A Casa dos Estudantes do Império se tornou um centro da articulação
contra o colonialismo português em África, chegando a ser considerada por Mário Soares
como o “berço das chefias africanas”3. Foi na metrópole que os principais líderes e teóricos
dos movimentos de libertação africanos passaram a se articular, contando muito com o apoio
do Partido Comunista Português, que também empreendia uma luta contra a ditadura de
Salazar, aliança esta que se revelaria bastante duradoura com o passar do tempo. A união
entre a esquerda portuguesa e os movimentos de libertação foi exaltada no Manifesto do
MPLA de 1956:
“Os povos coloniais oprimidos e as massas trabalhadoras exploradas das metrópoles
são aliados naturais na luta como contra os exploradores de ambos. Levante-se a
bandeira da solidariedade internacional dos trabalhadores de todos os países! Seja
vivificada e fortalecida a nossa justa e indestrutível frente mundial contra os
exploradores das metrópoles e das colónias, nossos inimigos comuns. Lutemos pela
coexistência e pela colaboração pacífica entre os povos!”4
A respeito da composição e da dinâmica de relacionamento entre os grupos
anticolonialistas desta primeira fase da luta angolana, Marcelo Bittencourt afirma que os
vínculos de solidariedade eram bastante determinantes para a formação destes pequenos
3MCQUEEN, Norrie. “A descolonização da África Portuguesa – a revolução metropolitana e a dissolução do império”. Mem Martins (Portugal): Inquérito, 1998 p.38 4MPLA apud TALI, Jean-Michel Mabeko. “Dissidências e Poder de Estado. O MPLA perante si próprio”. Luanda: Nzila, 2001. p.311.
16
grupos e, posteriormente, à formação do MPLA. Entende-se por vínculos de solidariedade
algumas afinidades encontradas entre os militantes da causa anticolonial, como a origem, os
círculos de amizade, a trajetória política, a família e a religião5.
A fundação do MPLA agregou os militantes dos pequenos grupos anticoloniais citados
acima e o grupo dos estudantes residentes na metrópole, divisão que seria bastante importante
no decorrer da história do movimento. É importante ressaltar a composição dos grupos que
formaram o MPLA, pois é possível verificar uma grande variedade entre seus membros. Em
relação aos militantes que formariam o movimento, seus membros eram residentes de áreas
urbanas (principalmente de Luanda), contavam com a participação de negros, mestiços e
brancos, eram em sua maioria católicos ou protestantes e, em geral, eram membros de um
extrato social de uma elite crioula6.
De acordo com o MPLA, a formação do movimento se deu em 1956, mas esta data é
contestada por trabalhos posteriores que defendem a data de 1959 para o surgimento do
movimento, apesar de reconhecerem a participação de pequenos grupos que formariam o
MPLA em ações anticolonialistas anteriores a esta data7. De qualquer maneira, o que interessa
nesta etapa do trabalho é entender as dificuldades iniciais encontradas durante o processo de
formação do MPLA e suas principais propostas.
Como foi visto anteriormente, em 1957, a PIDE se instalou em Angola e iniciou uma
dura repressão sobre os movimentos de contestação à ordem colonial. Em 1959, a PIDE fez
uma série de prisões em Angola e, no ano seguinte, prendeu duas das principais lideranças
nacionalistas angolanas: Agostinho Neto e Joaquim Pinto de Andrade.
5 BITTENCOURT, Marcelo. “Estamos Juntos! O MPLA e a luta anticolonial”. Luanda: Kilombelombe, 2008. P.51 6 O termo “crioulo” faz referência a um grupo social que tem como principal característica a mestiçagem cultural, associando cultura africana à cultura europeia. Desta forma, os crioulos angolanos podem ser considerados como um grupo que mediava as relações entre os povos africanos e europeus, sendo capazes de se aproximarem de ambas as culturas que lhe caracterizavam. Durante o século XX, os crioulos angolanos acabaram perdendo o seu status diferenciado após o recrudescimento da colonização no país, através do fechamento dos seus principais meios de expressão cultural e de ascensão social. Após este declínio, os crioulos passaram a contestar o colonialismo português em Angola. Ver BITTENCOURT, Marcelo. A resposta dos crioulos luandenses ao intensificar do processo colonial em finais do século XIX. In: A África e a instalação do sistema colonial (c.1880 – c. 1930). Atas da III Reunião Internacional de História da África (1999). Lisboa: IICT. Centro de Estudos de História e Cartografia Antiga, 2000 (b), p 655-671. Ver também: BITTENCOURT, Marcelo. “Estamos Juntos! O MPLA e a luta anticolonial”. Luanda: Kilombelombe, 2008. 7BITTENCOURT, Marcelo. “Estamos Juntos! O MPLA e a luta anticolonial”. Luanda: Kilombelombe, 2008. P.51
17
O MPLA sofreu um grande golpe com a repressão feita pela PIDE em finais da década
de 1950, pois a articulação do movimento no interior de Angola foi duramente atingida.Os
vínculos de solidariedade entre os alvos das prisões da PIDE se reforçaram, causando um
significativo aumento na adesão ao MPLA, pois naquele momento a união de forças se
mostrava muito importante para prosseguir com a luta anticolonial angolana. Chamar a
atenção da opinião internacional à situação vivida em Angola se tornou extremamente
necessário, sendo que o grupo de militantes residentes no exterior ganhou mais importância
naquele momento por ter a possibilidade de fazê-lo em melhores condições.
A articulação da luta em Luanda passou a ser feita pelos militantes do exterior.
Acreditava-se que a opinião pública internacional daria importância à questão angolana ao
perceber que havia um movimento articulado e de vulto no país. Assim o MPLA tentou
englobar o maior número possível daqueles pequenos grupos nacionalistas citados
anteriormente. Unir todos os anticolonialistas em um único movimento era interessante para
mostrar ao mundo que a luta angolana era forte o suficiente para enfrentar o colonialismo
português e para fazer frente à União das Populações Angolanas, o maior movimento
anticolonial até aquele momento.
Em seu Manifesto, o MPLA defendia uma luta articulada entre todos os povos
oprimidos pelo imperialismo:
“Diante dos países imperialistas – países estes que visam, por meio de acordos,
tratados, pactos de defesa mútua e manobras conjuntas de toda a espécie, perpetuar a
opressão das colónias e dos países dependentes – diante desta frente imperialista
MUNDIAL, as colónias e os países dependente viram-se obrigados a criar a frente
MUNDIAL contra o imperialismo. Isto quer dizer que só com a luta solidária e unida
de todas as colónias e países dependentes se pode derrubar o imperialismo em cada
país oprimido e em todo o mundo. A luta solidária dos povos asiáticos, dos povos
africanos do norte do nosso continente, e a histórica e frutuosa conferência afro-
asiática de Bandoeng – eis algumas das realidades da frente mundial contra o
imperialismo.”8
8 MPLA Apud TALI, Jean-Michel Mabeko. “Dissidências e Poder de Estado. O MPLA perante si próprio”. Luanda: Nzila, 2001.Trecho do Manifesto do MPLA. p.299
18
Desta forma, o MPLA objetivava dar uma repercussão mundial para a luta de libertação
angolana, ao mesmo tempo em que buscava apoios diversos para suas ações.
Uma possível união com a UPA era algo complicado de se fazer devido às grandes
diferenças existentes entre os dois movimentos. Apesar disso, algumas atitudes foram
tomadas repetidamente neste sentido, mas a união nunca se concretizou. As diferenças e
confrontos entre MPLA e UPA serão tratadas mais à frente.
Apesar de a união com a UPA nunca ter se concretizado, o MPLA defendia que todas
as organizações que lutassem pela libertação de Angola do domínio colonial deveriam se unir
na luta revolucionária contra o inimigo comum através de uma frente que aglutinasse todos os
grupos interessados na libertação de Angola.
“(...) o colonialismo português não cairá sem luta. Deste modo, só há um caminho
para o povo angolano se libertar: a luta revolucionária. Esta luta, no entanto, só
alcançará a vitória através de uma frente única de todas as forças anti-imperialistas
de Angola, sem ligar às cores políticas, à situação social dos indivíduos, às crenças
religiosas e às tendências filosóficas dos indivíduos, através portanto do mais amplo
MOVIMENTO POPULAR DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA. (...) O movimento será a
soma das atividades de milhares e milhares de organizações que se criarem em
Angola.”9
Em relação a possíveis divergências entre os grupos que formariam este amplo MPLA,
o Manifesto defende que as diferenças não deveriam ser suficientes para desunir o movimento
revolucionário anticolonialista, pois a união deveria se dar através dos interesses que os
aproximavam, isto é, naquilo em que estivessem de acordo. “O que nos une e o que nos falta
deve estar sempre acima daquilo que nos separa.” 10. Neste sentido, a união solidária entre os
movimentos de libertação das outras colônias portuguesas em África também era defendido
pelo MPLA.
9 MPLA Apud TALI, Jean-Michel Mabeko. “Dissidências e Poder de Estado. O MPL perante si próprio”. Luanda: Nzila, 2001. P. 305 10 Idem, p.306
19
Sobre a questão da identidade daqueles que fariam parte do MPLA, o Manifesto é
bastante claro ao considerar positiva a participação de todos os povos angolanos, desde que
estes estivessem unidos em torno da ideia de superação do colonialismo português. Não são
apresentados quaisquer motivos de discriminação em relação às diferenças étnicas, culturais,
religiosas, regionais ou políticas. No programa do MPLA, pode-se perceber uma preocupação
com a conservação do patrimônio histórico e cultural das etnias angolanas no período pós-
independência. Um pouco mais adiante, esta ideia de participação dos mais variados grupos
na libertação de Angola seria bastante relevante para a formação da concepção oficial da
identidade nacional angolana assumida após a independência.
No Programa do MPLA, já se apresentava um projeto bem estruturado de nação para o
período pós-independência. O documento defende a ideia de que, após a independência
angolana, dever-se-ia implementar um regime republicano, democrático, baseado no sufrágio
universal, sendo o Estado um agente forte capaz de guiar a reconstrução econômica, política e
social de Angola. A realização de uma reforma agrária imediatamente após a independência
também foi uma das preocupações centrais do programa do MPLA. 11
É interessante notar que, no Programa do MPLA, não há qualquer referência à posição
ideológica assumida por seus membros. E mais interessante ainda: o texto parece fugir desta
questão. Provavelmente este receio em tocar na questão ideológica se devia a uma questão
estratégica para não se posicionar próximo a uma das duas grandes potências da Guerra Fria
e, consequentemente, inviabilizar um possível apoio do outro bloco de poder.
Apesar de não tocar na questão ideológica, aos poucos o MPLA passou a se aproximar
do bloco socialista, pois, nos anos iniciais em que o MPLA se lançou à luta de libertação, uma
série de contatos internacionais foram feitos pelo Comitê Diretor, maior instância executiva
daquele movimento. Nestes contatos internacionais, o MPLA se aproximou de China,
Checoslováquia e República Democrática da Alemanha. Estes contatos iniciais foram
responsáveis por formar uma imagem de um MPLAcomunista, apesar de as declarações
oficiais e ações do movimento não darem qualquer indício sobre sua filiação ideológica.
Até o ano de 1960, o MPLA empreendeu poucas ações práticas no sentido de iniciar
uma luta de libertação angolana. Neste primeiro momento, o MPLA era ainda um movimento
distante das massas e liderado por uma elite crioula. A partir daquele ano, porém, o MPLA 11
Programa do MPLA apud TALI, Jean-Michel Mabeko. “Dissidências e Poder de Estado. O MPLA perante si próprio”. Luanda: Nzila, 2001.
20
radicalizaria a luta de libertação e passaria a se aproximar das massas angolanas, entrando em
séria disputa com a UPA por militantes e influência política.
Antes de entrarmos na radicalização da luta pelo MPLA e nas disputas entre este
movimento e a UPA, faz-se necessário entender um pouco da história deste movimento de
libertação, pois assim ficarão expostas as principais divergências entre os movimentos. Em
seguida, a formação da UNITA também será apresentada, já que este movimento fez parte da
guerra civil que ocorreu após a independência angolana.
A União das Populações do Norte de Angola foi criada em 1957. Logo o movimento
transformariaseu nome para União das Populações de Angola, pois limitar o nome de um
movimento de libertação que se pretendia nacional a apenas uma região do país (norte)
significava também limitar a possibilidade de recrutamento de militantes de outras regiões, o
que comprometeria a luta de libertação e a identificação dos angolanos com o movimento.
Mais tarde, em 1962, a UPA sofreria uma nova transformação em seu nome ao englobar o
pequeno Partido Democrático de Angola (PDA) às suas fileiras. Desde então, o movimento
passou a se chamar Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA).
A principal base de apoio da UPA era a etnia bakongo, que ocupava o norte de Angola
e parte do território do Congo-Leopoldville. Esta etnia foi dividida pela fronteira imposta
pelocolonialismo. A origem deste movimento tem uma forte ligação com a questão da
sucessão do Reino do Congo e com a questão étnica. Apesar de o Reino do Congo ter decaído
politicamente naquela época, muitos grupos ainda reivindicavam o seu domínio, entre eles os
bakongo. A luta deste grupo étnico não foi suficiente para que o Reino do Congo fosse por
eles governado, mas a luta dos bakongo seria redirecionada para a luta pela independência de
Angola.
A questão acerca do caráter regionalista da FNLA sempre perseguiu o movimento,
que, por sua vez, afirmava o caráter nacional de suas pretensões políticas. Por exemplo, em
entrevista publicada em 2000,Holden Roberto ainda tinha que responder sobre um possível
caráter étnico da organização que era líder. Em todos os momentos, Holden Roberto reafirma
um caráter nacional do movimento, considerando o argumento sobre a etnização da FNLA
uma artimanha do MPLA para desqualificar a luta de seu movimento de libertação.12
12
JAIME, Drummond e BARBER, Helder.Angola: depoimentos para uma história recente, 1o. volume, Luanda: edição dos autores, 2000. P.16
21
Em relação à composição social da FNLA, pode-se dizer que seus membros eram, em
sua maioria, camponeses e protestantes. Entretanto, apesar do que Holden Roberto defendia
internacionalmente para ganhar apoio material e político, a direção do movimento era
majoritariamente de membros de influentes famílias tradicionais do norte de Angola que já
haviam passado por um processo de urbanização há algum tempo. Portanto, a liderança de
Holden Roberto baseava-se muito nas questões étnicas e familiares, o que explica as críticas
feitas por membros de outras etnias que pertenciam à FNLA.
Curiosamente, a FNLA não apresentava um projeto político definido durante a luta de
libertação angolana. Segundo seu líder, este programa político deveria ser elaborado pelo
povo angolano após a conquista da independência. HoldenRoberto destacava ainda que o
objetivo da FNLA era a independência angolana e isto guiaria as ações do movimento em um
momento posterior.
É necessário destacar ainda que a FNLA, em sua corrida internacional para buscar
apoios, se aproximou muito dos EUA. Esta relação com os norte-americanos foi algo bastante
questionado pelo MPLA, que, devido a este apoio internacional, via na FNLA um movimento
que objetivava uma saída neocolonialista para Angola após a independência.
Nesta breve exposição sobre o surgimento da FNLA, ficou demonstrado o caráter
étnico e regional assumido por este movimento de libertação angolano. É interessante notar
que esta foi uma das principais diferenças entre o MPLA e a FNLA. Enquanto o MPLA
recrutava membros em todos os grupos étnicos e composições sociais angolanos e defendia
abertamente esta postura, a FNLA tinha uma base muito mais próxima ao grupo étnico
bakongo. Em relação ao projeto político dos movimentos, o MPLA definia claramente seus
objetivos para o período pós-independência, ao passo que a FNLA não elaborara um projeto
concreto, considerando que este projeto deveria ser feito somente após a conquista da
independência.
Como questionamento principal a esta indefinição ideológica, um pequeno grupo de
militantes rompeu com a FNLA e formou um novo movimento de libertação nacional em
1966, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA). Este grupo era
liderado por Jonas Savimbi, aquele que se tornaria uma das principais figuras da história de
Angola após a independência do país. Em suas palavras:
22
“Fiquei ativo na UPA até 1963, saí em 1964. Eu, como estudante, educado pelo meu
paipara a luta, e que me tornara também militante da Federação dos Estudantes da
África Negra, com sede na França, não estava conformado com o tipo de orientação
da UPA. Em 15 de março de 1961, quando eles começaram a guerra na Fazenda
Primavera, no Norte, estive com eles e apoiei, mas depois viu-se que a UPA não tinha
uma filosofia política. Não havia discussão política para eu poder dizer naquela
altura, como jovem, qual era o próximo passo da luta. Limitávamo-nos a fazer uma
gestão do dia-a-dia. Arranjávamos logística, organizávamos os soldados, criámos
uma base militar. Mas, do ponto de vista da discussão filosófica e política global, não
havia nada.”13
Como se vê nas palavras de Jonas Savimbi, o rompimento com a FNLA se deu pela já
referida falta de definições políticas e ideológicas daquele movimento. Após a ruptura,
Savimbi acabou se aproximando do MPLA, mas a união dos grupos não ocorreu. Sendo
assim, formaria a UNITA e passaria a frequentar os mais altos escalões da política mundial,
tendo encontros com as grandes lideranças das grandes potências. O posicionamento político
ideológico dos países com quem Savimbi se relacionava não parecia ter grande importância, o
que demonstrava a feição do pragmatismo político adotada pela UNITA.
Inicialmente, a UNITA se aproximou da China e se definia ideologicamente como um
movimento maoísta. A formação de guerrilheiros sob supervisão chinesa seria um importante
benefício conseguido do governo chinês por Jonas Savimbi. Apesar de inicialmente se
apresentar como um movimento maoísta de bases revolucionárias e camponesas,
posteriormente a UNITA se aliaria à África do Sul e aos EUA, dando uma clara demonstração
da fluidez ideológica daquele movimento.
A principal base de apoio da UNITA sempre foi o grupo etnolinguísticoovimbundo,
localizado no centro-sul de Angola. Apesar de se dizer e se comportar como um movimento
de proporções nacionais, a UNITA jamais se livraria desta vinculação étnica e sempre faria
questão de ressaltar a questão racial como um elemento da legitimidade de suas forças. Os
ataques ao MPLA também seguiriam a mesma linha dos ataques feitos pela FNLA. Este
ponto será abordado mais detidamente no terceiro capítulo desta pesquisa.
13
ANTUNES, José Freire. A Guerra em África (1961-1974), Lisboa: Círculo de leitores, volume I e II. 1995.P. 93
23
Vistos o contexto de formação dos três principais movimentos de libertação angolanos
existente em inícios da década de 1960 e as principais diferenças entre eles, é possível passar
a um novo momento deste trabalho. A partir de agora, analisarei os principais debates que
ocorreramna Primeira Conferência Nacional do MPLA ocorrida em 1962, pois, naquele
momento, questões importantes para a definição das características do movimento foram
debatidas pelo Comitê Diretor, entre elas a da composição racial do MPLA. Vejamos, pois, o
debate.
24
1.2 O debate sobre a questão racial no MPLA
Neste segundo momento do trabalho, tenho como principal proposta apresentar os
principais debates ocorridos na Primeira Conferência Nacional do MPLA de 1962. Apesar de
diversas temáticas terem sido abordadas nesta Conferência, analisarei principalmente o debate
sobre a questão racial no interior do MPLA. Este será o eixo central desta parte do trabalho,
pois este debate foi bastante significativo para a construção da ideia de identidade nacional
defendida oficialmente pelo MPLA, que viria a se tornar um projeto de construção identitária
no período pós-independência.
Para iniciar a análise da Primeira Conferência Nacional, antes é necessário apresentar
a conjuntura vivida pela luta anticolonial em Angola naquele momento. Os debates ocorridos
entre MPLA e UPA serão de suma importância para o entendimento da questão racial
angolana, pois o posicionamento destes movimentos de libertação em torno da questão racial
foi bastante divergente, o que possibilitou uma série de acusações entre as partes. Iniciemos,
pois, com a conjuntura da guerra colonial e da disputa por militantes e influência política
entre MPLA e UPA.
Durante os anos iniciais da mobilização pela libertação de Angola, os dois principais
movimentos que se propunham a levar adiante a luta contra o Império Português se
encontravam fora do território angolano. A UPA se instalara no Congo-Léopoldville, onde
tinha certas facilidades devido à presença do grupo étnico bakongo naquele território e a uma
certa afinidade com o governo congolês. Outro setor social que foi importante para a
instalação da UPA em Léopoldville foi o dos imigrantes angolanos naquele país, muitos deles
participantes da independência do Congo Belga. Sendo assim, a UPA dispunha de certa
facilidade no recrutamento para a luta anticolonial.
Já o MPLA estava, naquele tempo, instalado em Conakry (Guiné) e longe de possíveis
bases de apoio em território angolano. Quando os primeiros levantes anticoloniais se
iniciaram em Angola, o MPLA parecia estar de mãos atadas, apesar de posteriormente ter
reclamado a paternidade do levante de 4 de Fevereiro de 1961. O debate sobre a questão da
25
paternidade político-militar do 4 de Fevereiro revela muito sobre o nacionalismo angolano de
então e sobre a tentativa de construção de uma memória oficial pelo MPLA.14
O assalto às prisões de São Paulo e a outras prisões de Luanda na madrugada de 4 de
Fevereiro de 1961 por algumas dezenas de angolanos armados com catanas é até hoje
celebrado pelo MPLA como o início da luta de libertação em Angola. Apesar da paternidade
do evento ser reclamada pelo MPLA, Jean-Michel MabekoTali aponta para a grande
variedade de atores que participaram do levante, sendo impossível considerar o MPLA como
o regente de tal evento. Para Tali, o 4 de Fevereiro foi resultado de um conjunto de fatores
imediatos, incluindo a espontaneidade, o efeito causado pela independência do Congo e a
efervescência criada em Angola em torno da chegada de um navio português desviado de sua
rota por um opositor do regime salazarista. Os autores do 4 de Fevereiro pretendiam
aproveitar a presença da imprensa estrangeira devido à cobertura da chegada do navio de
Henrique Galvão para chamar a atenção para a luta em Angola. 15
Marcelo Bittencourt concorda com Tali e defende que o 4 de Fevereiro contou com a
participação de diversos atores sociais sobrepostos, sendo que a paternidade do evento não
pode ser atribuída a um dos movimentos de libertação. Portanto, a coordenação do movimento
fora feita por vários líderes que não eram filiados a nenhum dos movimentos de libertação
naquele momento.16
Pouco mais de um mês após os ataques que deram início à luta de libertação nacional
angolana, a UPA desencadeou em 15 de Março de 1961 uma insurreição de maior vulto em
Angola. A revolta iniciou no norte do país e foi feita majoritariamente pela etnia bakongo,
principal base de apoio da UPA. Aos poucos a revolta foi se espalhando para áreas
quimbundo, que correspondiam a uma importante base de apoio do MPLA. A revolta de 15
de Março foi bastante violenta, sendo os principais alvos as fazendas produtoras de café
dominadas por portugueses, indivíduos assimilados, mestiços e muitos ovimbundo vindos do
sul para trabalhar na região. Este ataque a indivíduos de outros grupos etnolinguísticos iria
14BITTENCOURT, Marcelo. Memórias da guerrilha: a disputa de um valioso capital. Disponível em: http://www.historia.uff.br/nec/projetos-de-pesquisa/independ%C3%AAncia-de-angola/textos. Acessado em 16 de janeiro de 2013. 15 TALI, Jean Michel Mabeko. “Dissidëncias e Poder de Estado – o MPLA perante si próprio (1962-1977)”. Luanda: Nzila, 2001”. p. 68 16 BITTENCOURT, Marcelo. “Estamos Juntos! O MPLA e a luta anticolonial”. Luanda: Kilombelombe, 2008. p. 70
26
reforçar muito a imagem da UPA como um movimento de raízes étnicas bakongo que não
respeitava os demais povos angolanos.
A violência utilizada na repressão ao levante de 15 de Março também foi grande. Não
existem dados confiáveis sobre os números de mortos nos conflitos entre os revoltosos e as
tropas portuguesas.
A abertura da luta anticolonial angolana mostrou aos integrantes do MPLA que algo
deveria ser feito para que o movimento integrasse as revoltas e passasse a empreender ações
práticas no sentido de iniciar a guerra de libertação. Com a intenção de se aproximar do
território angolano, a direção do MPLA se transferiu para Léopoldville em setembro de 1961.
Apesar de significar um grande avanço ao movimento no sentido de aproximação do território
angolano, o MPLA passou por grandes dificuldades advindas da influência que a UPA tinha
na região. Além de suas raízes sociais serem na região em disputa, a UPA ainda era aliada do
governo congolês e muito mais próxima dos angolanos refugiados.
Nesta situação, UPA e MPLA passaram a disputar a influência na região do Congo
Léopoldville e no norte angolano, buscando principalmente os angolanos refugiados naquele
país. Além de confrontos diretos ocorridos entre as partes, houve uma intensa troca de
acusações. Estes discursos de acusação dos movimentos são de grande importância para que
se compreenda a crise de 1962 vivida pelo MPLA.
As acusações feitas pela UPA contra o MPLA se baseavam no argumento de que
aquele era um movimento de “filhos de portugueses”, de mestiços, de privilegiados. Com a
intenção de não permitir uma identificação dos angolanos com o MPLA, a principal estratégia
da UPA era desqualificar o movimento através da ideia de que este não representava o povo
angolano. Vê-se que o argumento racial sempre foi uma arma utilizada contra o MPLA, o que
geraria muitas discussões entre os membros do Comitê Diretor na Primeira Conferência
Nacional do movimento em 1962.
Em resposta, o MPLA também tentava caracterizar a UPA como um movimento de
base étnica bakongoque jamais seria capaz de representar toda a pluralidade do povo
angolano. O discurso do MPLA passava, então, pela ideia de combate ao “tribalismo”, termo
que seria muito discutido no período pós-independência quando o movimento assumiu o
Estado angolano. Além disso, o MPLA criticava a falta de um programa da UPA bem
27
estruturado, acusando o movimento de não ter nenhum projeto de nação para Angola após a
libertação colonial.
Além dos argumentos étnico e racial que tentavam desqualificar o movimento
oponente, UPA e MPLA também se valeram de outras formas de questionamento, como a
representação religiosa, os vínculos estudantis, familiares e regionais. Apesar desta
argumentação mais ampla, os argumentos étnico e racial foram os que tiveram mais
repercussão e são mais relevantes para esta pesquisa.
Em março de 1962, a UPA se transformou em Frente Nacional de Libertação de
Angola (FNLA), unindo-se a alguns outros pequenos movimentos de libertação do norte
angolano, obviamente sem que os membros de destaque da UPA perdessem o domínio
político da nova organização que era criada. Concomitantemente, foi criado pela FNLA o
Governo Revolucionário de Angola no Exílio (GRAE). Esta nova conjuntura política foi um
problema grave para o MPLA, pois o movimento concorrente ganhava cada vez mais força
política.
Foi neste contexto de dificuldades e de um consequente enfraquecimento político que
o MPLA se reuniu em sua Primeira Conferência Nacional. A questão que mais interessa a esta
pesquisa é o debate em torno da composição racial do Comitê Diretor. No entanto, não foi
somente a questão racial o tema a ser colocado em pauta na Conferência, pois outros
questionamentos também foram feitos, como os de ordem ideológica, política, institucional e
social. Apesar da variedade de temas debatidos naquele evento, esta pesquisa dará ênfase
àquestãoda composição racial do Comitê Diretor do MPLA, pois o fruto deste debate resultou
em uma ideia importante para a concepção da nacionalidade angolana defendida pelo MPLA.
Isto não significa que a questão racial tenha sido o principal tema debatido na ocasião da
Primeira Conferência Nacional do MPLA.
O ataque da UPA/FNLA que mais atingiu o MPLA durante a disputa entre os dois
movimentos foi o de ordem racial. As acusações acabaram levando o MPLA a fazer um
questionamento político sobre a sua composição racial enquanto movimento. Viriato da
Cruz17, o secretário-geral do MPLA de então, propôs uma retirada estratégica dos mestiços
dos órgãos de direção política. Em uma reunião inicial ocorrida em maio de 1962, o debate
sobre a questão da composição do Comitê Diretor foi bastante tenso. A reunião foi iniciada 17
Mestiço e importante dirigente do MPLA. Após a crise descrita neste capítulo, se afastaria do movimento e tentaria se integrar à FNLA sem sucesso.
28
pela colocação de Eduardo dos Santos18 sobre a sua retirada do Comitê Diretor por considerar
que sua presença dificultava as ações do MPLA.
Em seguida, Viriato da Cruz reforça o argumento de Eduardo Santos, assumindo a
dianteira da discussão e propõe uma remodelação de todo o Comitê Diretor, tendo em vista a
saída de mestiços e o ingresso de negros naquele órgão. Para Viriato da Cruz, “um Comitê
Diretor formado por mulatos não poderá[poderia] dar palavra de ordem que seja
[fosse]aceite”19.Ressalta ainda que este é um debate que já fora discutido em outros
momentos, mas que ninguém havia dado importância à questão por ele levantada até os
ataques da UPA-FNLA se tornarem mais intensos. Por fim, Viriato da Cruz ainda acrescenta
outros debates importantes à discussão, apresentando outros elementos problemáticos no
interior do MPLA, como a questão que opunha os membros do MPLA que se formaram na
metrópole aos que sempre residiram na colônia e construíram outros vínculos de
solidariedade.
A argumentação contrária a Viriato da Cruz vinha de Mário de Andrade, Hugo
Menezes e João Vieira Lopes, que defendiam que retirar os mestiços do Comitê Diretor
geraria mais problemas do que soluções, pois colocaria em causa um possível racismo do
MPLA, já que os negros deveriam ser os principais membros do órgão executivo do
movimento. O questionamento da composição racial do movimento logo seria levado às
bases, o que levaria a problemas sérios, já que o MPLA era um movimento que pretendia
englobar todos os povos angolanos. Segundo Mário de Andrade em relação ao MPLA, “a
unidade existe em nós sendo mulatos, pretos ou fulos”20.Ceder às pressões da UPA-FNLA seria ir
contra os princípios defendidos pelo MPLA de que todos os povos angolanos, inclusive os
mestiços e os brancos, deveriam integrar a nova nação a ser construída após a independência.
Eduardo dos Santos e Viriato da Cruz rebatem este argumento afirmando que esta
seria uma retirada estratégica dos mestiços do Comitê Diretor, o que não implicava de
maneira nenhuma a saída dos mestiços e brancos do MPLA. A luta deveria continuar, mas em
um segundo plano onde não houvesse tanta repercussão acerca das ações dos mestiços e
brancos. A questão seria muito mais de tática do que desistência em relação a militar pelo
18
Mestiço importante dirigente do MPLA. Após a morte de Agostinho Neto em 1979, assumiria a presidência da República Popular de Angola. Até hoje ocupa este cargo. 19 MPLA apud TALI, Jean Michel Mabeko. “Dissidências e Poder de Estado – o MPLA perante si próprio (1962-1977)”. Luanda: Nzila, 2001”. 20MPLA apud TALI, Jean Michel Mabeko. “Dissidências e Poder de Estado – o MPLA perante si próprio (1962-1977)”. Luanda: Nzila, 2001”. Ata de reunião de 1962
29
movimento. Sendo assim, o MPLA continuaria a englobar todos os povos angolanos, mas o
Comitê Diretor deveria ser composto somente por negros.
A referida reunião de maio de 1962 decidiu pela saída dos mestiços do Comitê Diretor
do movimento, sendo que estes deveriam agir às sombras da direção.A remodelação do
Comitê Diretor, portanto, obedeceu aos critérios defendidos por Viriato da Cruz. O
secretariado de Cruz acabou sendo substituído por três nomes. Eduardo dos Santos e Lúcio
Lara saíram do Comitê Diretor. As ações para a modificação deste órgão também
consideraram importante cuidar para que o movimento não continuasse a ser visto como um
movimento dominado por comunistas radicais. Os novos membros do Comitê Diretor tinham
trajetórias políticas menos radicais, inclusive com vivências em igrejas.
Durante os debates acerca da questão racial no interior do MPLA, Viriato da Cruz
também deixou transparecer uma preocupação em relação às trajetórias sociais dos seus
membros. Cruz jamais vira com bons olhos aqueles militantes que estudaram na Europa,
nutrindo sempre uma desconfiança em relação às suas posturas. A divisão entre universitários
e não-universitários foi também um ponto de questionamento naquele momento, o que
exemplifica que a questão racial não era o único fator responsável por divisões no interior do
MPLA.
Entretanto, tratando-se de um movimentoque defendia a unidade entre todos os seus
membros sem que fossem consideradas as origens sociais, raciais, étnico-regionais ou
religiosas, o afastamento de mestiços do Comitê Diretor significava uma contradição em
relação aos princípios defendidos pelo MPLA. Este argumento da traição dos princípios do
movimento seria retomado na Primeira Conferência Nacional do MPLA ocorrida pouco
depois da remodelação do Comitê Diretor. Só que neste momento, o movimento contaria com
a presença de Agostinho Neto, o grande líder do MPLA na época, que tinha uma posição
bastante firme em relação a esta questão e acabaria tomando a dianteira das discussões sobre a
retirada ou não dos mestiços do Comitê Diretor.
A figura de Agostinho Neto21 tinha um grande respeito entre os angolanos. Sua
trajetória política e social dava-lhe uma grande influência sobre a população angolana e o
MPLA não deixou de usar este capital a seu favor. Agostinho Neto era considerado pelo
21
Antonio Agostinho Neto foi médico, poeta e presidente de Angola. Durante a luta de libertação nacional, desempenhou um importante papel na direção do MPLA, tomando para si o poder e levando adiante as principais ações do movimento. Em 1975, tornou-se presidente de Angola. Morreu em 1979.
30
movimento como a personalidade negra que seria capaz de enfrentar todos os
questionamentos apresentados porHolden Roberto sobre o MPLA, tanto é que lhe foi
concedido o cargo de Presidente de Honra do movimento. Sendo uma figura tão importante, a
chegada de Agostinho Neto acabou por transformar as relações de força existentes no interior
do MPLA. Um exemplo claro desta transformação foi a retomada da discussão sobre a
questão racial durante a Primeira Conferência Nacional do movimento. Desta vez, as duas
principais personalidades do MPLA se opuseram frontalmente, sendo que Viriato da Cruz
acabaria por tomar um caminho de afastamento do movimento ao final da querela, sem jamais
voltar a fazer parte do MPLA.
Na Primeira Conferência Nacional do MPLA, a primeira questão problemática que foi
levantada foi acerca da remodelação do Comitê Diretor feita pela reunião de maio de 1962.
Agostinho Neto e Viriato da Cruz polarizaram os dois principais grupos existentes no interior
do movimento. Agostinho Neto foi contra as ideias defendidas por Viriato da Cruz e defendeu
que os mestiços fossem reintegrados ao Comitê Diretor, negando a validade estratégica das
decisões tomadas na reunião de maio de 1962. Neto defendeu constantemente e sem fazer
concessões o princípio de participação política no MPLA sem que se fossem feitas distinções
em relação à raça de seus membros. A atitude de Viriato da Cruz nesta questão era
considerada por Neto como uma traição aos princípios do MPLA, que defendia a integração
de todos os angolanos em um único movimento.
Com a vitória dos argumentos de Agostinho Neto sobre os de Viriato da Cruz, o
Comitê Diretor foi novamente reformulado, desta vez com a entrada de elementos mestiços,
como a volta de Lúcio Lara e os ingressos de Iko Carreira e Aníbal de Melo. Todos eles
assumiram posições importantes no MPLA.
Também na Primeira Conferência Nacional do MPLA voltou a ser discutida a ideia de
que uma aproximação com a FNLA seria benéfica para a luta de libertação angolana.
Agostinho Neto era um dos que pensava assim e tentou se aproximar de Holden Roberto,
apesar dos ataques desferidos contra o MPLA. No entanto, como já foi dito anteriormente,
esta aproximação nunca se concretizou devido à desconfiança mútua e às divergências
políticas e ideológicas entre as partes envolvidas.
A questão da trajetória social dos membros do MPLA também foi questionada por
Viriato da Cruz, principalmente no que diz respeito ao percurso acadêmico dos indivíduos. A
31
formação de um complexo de inferioridade ou superioridade também foi apontada por Cruz.
O debate sobre a questão racial apareceu em alguns momentos colado ao questionamento dos
privilégios desfrutados por aqueles que tiveram a oportunidade de estudar na metrópole. A
participação direta dos “universitários” em ações anticoloniais práticas como o 4 de Fevereiro
e o 15 de Março foi questionada, revelando um relativo afastamento dos “universitários” da
luta anticolonial em campo.
Este debate sobre a trajetória dos dirigentes do MPLA também foi capaz de levantar
outra questão importante para ser discutida: a situação de imobilismo da luta armada
promovida pelo MPLA em território angolano. Surgiu, então, um grupo liderado por Gentil
Viana que defendia a necessidade de o MPLA se fazer mais presente nas lutas anticoloniais
em Angola, requisitando assim uma maior participação dos líderes na luta armada. O
questionamento dos intelectuais do MPLA seria um longo problema com o qual a direção do
movimento teria que lidar durante boa parte de sua história.
Devido aos problemas com o grupo liderado por Agostinho Neto, Viriato da Cruz
formou um Comitê Diretor paralelo à direção do MPLA que afirmava ser sua principal função
a preparação da unidade com a FNLA e a resolução de problemas internos do MPLA. Como
resposta, a direção do MPLA expulsou os membros deste comitê paralelo formado por Viriato
da Cruz. A partir de então, este dirigente tentaria se aproximar da FNLA e depois se exilaria
na China, local em que acabaria se exilando até o fim de sua vida.
Ao concluir a Primeira Conferência Nacional, o MPLA decidira-se nitidamente por
reconhecer Agostinho Neto como seu maior líder. Estabeleceu-se que era necessário munir o
MPLA de uma doutrina política bem definida, que apontasse os objetivos concretos do
movimento e promovesse as basesnecessárias para aplicação de um grande programa. A linha
política remodelada nesta Primeira Conferência Nacional afirmava que nenhuma
discriminação seria tolerada no MPLA, fosse ela em relação à raça, etnia, religião, classe ou
região de origem. Esta definição era uma clara resposta às propostas da linha que Viriato da
Cruz defendeu na conferência. Apontou-se o campesinato angolano como a parte da
sociedade mais explorada, sendo necessária a representação desta classe nos órgãos dirigentes
e de condução da luta armada. Afirmou-se também a necessidade de preservar o conteúdo
essencialmente popular da revolução pela libertação de Angola. Em relação à política externa,
o MPLA optou por um neutralismo em relação à bipolaridade das relações internacionais. No
32
entanto, gradativamente o movimento foi se aproximando de Cuba e da URSS, o que lhe
conferiu a imagem de um movimento comunista.22
Portanto, desta Primeira Conferência Nacional do MPLA resultou um programa
melhor definido em relação à questão racial no movimento. O posicionamento do MPLA em
relação à participação de todos os angolanos no movimento sem haver preocupação com a
questão racial ou étnica logo seria expandido à forma de se entender a nacionalidade
angolana. No período pós-independência, a tentativa de construção de uma identidade
nacional angolana beberia muito nesta fonte definida na Primeira Conferência Nacional do
MPLA.
Entretanto, apesar de esta questão ter sido bem debatida em 1962 e de ter havido uma
definição bastante clara sobre o posicionamento do MPLA, logo este movimento utilizaria
desta concepção para reprimir alguns eventos de contestação à direção do movimento. Este
será o tema do próximo tópico deste capítulo.
22
Programa do MPLA.
33
1.3 As contradições inerentes ao uso político de uma identidade
Uma vez vista a formação dos principais movimentos de libertação angolanos até o
início da década de 1960 e os principais debates surgidos no interior do MPLA sobre a
questão racial do movimento, é possível passar adiante e analisar alguns usos políticos feitos
da ideia da identidade angolana defendida pelo MPLA. Para isto, farei uma exposição de
alguns fatos que também fazem referência à questão racial, tema sempre recorrente no MPLA.
Em um primeiro momento, apresentarei um pouco da conjuntura vivida pelo MPLA
após a Primeira Conferência Nacional do movimento e analisarei a formação da Frente
Democrática para a Libertação de Angola, liderada pelo MPLA.
Em seguida, apresentarei dois momentos de crise vividos pelo MPLA na região Leste
de Angola, onde surgiram movimentos que passaram a questionar alguns privilégios
existentes na guerrilha da região, gerando um debate de vulto no interior do movimento.
Interessará, sobretudo, a forma como a direção do MPLA agiu em relação aos
questionamentos lançados pela base do movimento na região Leste.
1.3.1. A formação da Frente Democrática pela Libertação de Angola
Como foi apresentado anteriormente, o MPLA saiu da Primeira Conferência Nacional
fracionado e enfraquecido. Além dos incessantes ataques da FNLA, o movimento passou a ser
questionado internamente por um de seus mais importantes líderes até aquele momento, o que
gerou uma importante dissidência. Sendo este um momento de crise, o MPLA precisava agir
rápido para superá-lo.
Para se defender dos ataques vindos de Viriato da Cruz e da FNLA, o MPLA se
decidiu apressadamente pela constituição de uma frente que agregava diversos movimentos de
libertação angolanos. Esta frente uniu o MPLA, o Movimento de Defesa dos Interesses de
Angola, o Movimento Nacional Angolano, o Ngwizako e a União Nacional dos
Trabalhadores Angolanos. Com exceção deste último movimento, todos os demais foram
criticados anteriormente pelo MPLA por serem movimentos de caráter regional,
34
conservadoras, ligadas aos interesses dos portugueses e, o que surpreende, movimentos
tribalistas. Em entrevista concedida a Marcelo Bittencourt em 1995, Lúcio Lara23 afirmou:
“A gente se serviu de alguns partidecos, tribalistas, a bem da verdade, sim, do norte.
Alguns deles tinham estado a serviço dos portugueses, mas apareceram a nós como
dissidências dos partidos. Coligamos com essa malta toda e fizemos a FDLA em
oposição à FNLA.”24
A Frente Democrática de Libertação de Angola foi oficializada em 8 de julho de 1963,
momento de grande importância para a luta de libertação nacional, pois uma comitiva da
Organização da Unidade Angolana faria uma visita de conciliação a Léopoldville para tentar
organizar a luta pela independência de Angola. Não mostrar um movimento forte significava
ao MPLA um duro golpe, pois a FNLA seria entendida como a maior e mais preparada
organização que levava adiante a luta pela libertação angolana.
Apesar da atitude tomada às pressas pelo MPLA para ganhar prestígio e voz perante a
comissão de conciliação da OUA, o resultado desta ação não obteve êxito. Agostinho Neto
não conseguiu ser ouvido como líder da FDLA, pois a comissão só aceitou ouvir líderes de
organização criadas no momento da criação da comissão de conciliação. Pior ainda para o
MPLA, Viriato da Cruz ainda foi recebido pela comissão e expôs todos os problemas internos
vividos pelo movimento. O MPLA não conseguiu provar o número de guerrilheiros por ele
comandados.
O resultado do relatório da comissão de conciliação foi catastrófico ao MPLA, pois
reconhecia somente a FNLA como frente de combate ao colonialismo em Angola. Todo o
auxílio vindo da OUA viria, portanto, para a FNLA.
Para piorar a situação do MPLA, ao final do mês de julho de 1963, Mário de Andrade
anunciou a sua saída do movimento, argumentando que a criação da FDLA não teria sido de
conhecimento de todos os membros da direção. Alegou ainda que a questão dos princípios do
MPLA não poderia ser sacrificada devido à difícil situação vivida pelo movimento.
23
Lúcio Lara foi um dos mais destacados membros do MPLA e representou uma força política bastante importante após a independência de Angola. 24 Entrevista concedida a Marcelo Bittencourt em 1995.
35
A criação da FDLA realmente foi contra os princípios defendidos pelo MPLA. A
ascensão de Agostinho Neto significou, durante a Primeira Conferência Nacional, a vitória de
um argumento de não-aceitação de ações de caráter tribalistas no seio do movimento. Ao
fazer uma coligação com outros movimentos angolanos sem considerar seus posicionamentos
em relação à amplitude que a luta de libertação deveria ter, o MPLA caiu em contradição com
os princípios defendidos pelo movimento na Primeira Conferência Nacional de 1962.
Além de não levar em consideração as ideias de não-aceitação do tribalismo, de
acordo com as críticas feitas por Mário de Andrade, a criação da FDLA também violou o
princípio defendido em relação à democracia no interior do MPLA. A criação da FDLA,
portanto, pode ser entendida como um momento de ruptura com alguns dos princípios
defendidos pelo MPLA. Isto não quer dizer que estes princípios deixariam de ser defendidos
posteriormente, mas que o movimento considerava possível, quando pertinente, tornar estes
princípios menos rígidos e mais fluidos, de maneira que um objetivo maior pudesse ser
alcançado por esta postura contraditória.
1.3.2. Abertura da guerrilha no Leste angolano e a Revoltado Leste
A criação da FDLA representou ao MPLA uma grande ruptura em suas frentes. O
encaminhamento da questão da união com os movimentos que a compunham foi muito
criticado no interior do MPLA, causando o afastamento de alguns importantes membros e de
muitos quadros do movimento. Para piorar ainda mais a situação, a FNLA reforçou os ataques
feitos ao MPLA com a ajuda do governo congolês. Sendo assim, a direção do movimento
decidiu se transferir para Brazzaville em novembro de 1963.
A partir da transferência, o MPLA reorganizou o movimento e abriu uma segunda
frente político-militar em Cabinda (a região dos Dembos era considerado a primeira frente
político-militar), mesmo sem haver condições para desencadear uma guerrilha de
envergadura. Uma segunda comissão da OUA foi enviada para Brazzaville e ficou decidido
que a organização passaria a dar ajudas materiais também ao MPLA. Portanto, o movimento
deu alguns passos à frente a partir da instalação em Brazzaville. Com o passar do tempo, a
FDLA foi perdendo força e importância política, devido às diferenças entre os movimentos
que a compunham, à forma apressada como a frente foi constituída e, principalmente, devido
36
ao reconhecimento do MPLA pela OUA como um movimento de libertação capaz de levar
adiante a luta de libertação angolana.
Em 1964, a FNLA começou a perder força devido a acusações de corrupção a Holden
Roberto. As revoltas contra a direção do movimento ocorreram principalmente em campos de
treinamento e em debates entre os dirigentes da FNLA. Importantes quadros da FNLA
deixaram o movimento. Neste cenário de crise, destacou-se a influência de Jonas Savimbi,
que viria a formar a UNITA.
Em Brazzaville, o MPLA decidiu avançar militarmente sobre o território angolano.
Isso não seria possível sem uma diplomacia bastante atuante que se aproximou de Cuba e da
URSS, o que chamou a atenção da opinião pública internacional para a luta angolana.Em
maio de 1966, sob as palavras de ordem “generalização da luta armada” e “todos para o
interior”, o MPLA penetrou em território angolano na região leste através de uma luta de
guerrilha. Comparadacom a região de Cabinda, a Frente Leste da guerrilha avançava com
muita velocidade. A transferência de guerrilheiros de Cabinda para a Frente Leste constituiria
um importante problema para o MPLA.25
Nesta fase inicial da guerrilha no leste, o objetivo principal do MPLA era atacar postos
de comando portugueses para adquirir armamentos e para divulgar as ações militares do
movimento. O número de mortos nestes ataques era baixo.
A região leste angolana englobava os distritos das Lundas, Moxico e Cuando
Cubango. A densidade populacional desta região, principalmente dos últimos dois distritos,
era baixíssima. Sendo assim, o isolamento das populações destes distritos era flagrante, o que
reforçava os laços étnicos e regionais. O contato de pessoas da região leste com o restante do
território angolano era bastante difícil, então a divulgação da luta de libertação angolana
também era um problema ao MPLA. Apesar disso, o movimento conseguiu penetrar na região
contando com o apoio de alguns grupos etnoliguísticos locais, como tchokwe e ganguela.
Durante o período colonial, a região leste angolana foi tratada com descaso pelas
autoridades portuguesas. A educação na região era muito limitada, sendo que esta atividade,
quando possível, era feita pelas missões religiosas. A escassez de indivíduos com uma
mínima educação e a falta de uma conscientização política do fenômeno do colonialismo fez 25
Em 31 de dezembro de 1963, a Rodésia do Norte se tornou independente do governo britânico. Após eleições, Kennet Kuanda foi eleito presidente e primeiro-ministro, e a Zâmbia, nome assumido pela antiga Rodésia do Norte, passou a tentar implementar o socialismo em seu país.
37
com que o MPLA trouxesse muitos quadros da região nortepara levarem adiante a guerrilha
na região.
Obviamente, estes quadros vindos do norte já contavam com uma experiência no
movimento e na guerrilha bastante grande se comparada ao pouco preparo daqueles militantes
da região leste. A necessidade de organização da guerrilha na região fez com que os
guerrilheiros vindos do norte assumissem os principais postos de comando da Frente Leste.
A convivência entre as populações locais e os indivíduos vindos do norte angolano se
dava na luta de guerrilha e, principalmente, nas bases do MPLA instaladas nas zonas
fronteiriças de Angola. Nestes locais, formou-se um convívio marcado por uma grande
hierarquização social e por uma situação de privilégios dos chefes político-militares. Jean-
Michel MabekoTali cita como formas de distinção social as casas destinadas para os chefes,
que eram construídas de maneira diferente e eram mais abastecidas de gêneros alimentícios e
“de luxo” do que as demais casas das bases. Além disso, era possível aos chefes fazer viagens
ao exterior. Sendo assim, acumulavam-se nessa comunidade oposições baseadas em diversos
fatores, como os de ordem regional, racial e de hierarquia26. Marcelo Bittencourt ressalta que,
nestas conjunturas, os vínculos de solidariedade entre as pessoas significava uma forma de
fortalecimento de alguns grupos no interior do MPLA27.
A utilização das bases do MPLA na região leste acabou configurando relações de
sujeição não institucionalizada e de discriminação social. Além de práticas abusivas, como a
prática de transportar a mochila do chefe, o excesso de autoridade dos chefes político-
militares era prática comum na região. Execuções sumárias foram feitas devido a pequenos
deslizes ou atos de indisciplina.
Tali aponta como uma das causas para este excesso de autoridade no leste a ausência
de contatos entre os chefes das diversas frentes militares e a direção política do MPLA. A
consequência disso eram as práticas cada vez mais autônomas dos chefes político-militares e
os abusos de poder. O autor ainda defende que, na Frente Leste, o MPLA teve a primeira
possibilidade de esboçar uma estrutura de Estado, mas,ao contrário do que o programa do
movimento pregava, não houve qualquer tipo de democracia naquele momento. Isto traduzia
26TALI, Jean Michel Mabeko. “Dissidências e Poder de Estado – o MPLA perante si próprio (1962-1977)”. Luanda: Nzila, 2001”. P.129 27BITTENCOURT, Marcelo. “Estamos Juntos! O MPLA e a luta anticolonial”. Luanda: Kilombelombe, 2008. P.449
38
uma prática social discriminatória em que os líderes detinham privilégios e os usavam para
reforçar o seu domínio. O poder foi exercido, portanto, de maneira vertical e não horizontal28.
Sob estas condições, a guerrilha na Frente Leste conseguiu um rápido avanço de 1966
a 1969. A partir deste ano, a guerrilha passou a perder fôlego devido à fragilidade das áreas
conquistadas e ao avanço da repressão portuguesa feita com tecnologia mais avançada e com
estratégia baseada em experiências da guerra do Vietnã. Naquele momento, tentou-se isolar as
populações nas chamadas “senzalas de paz” e, em seguida, foram usados produtos químicos
desfolhantes na região, o que privava os guerrilheiros de pequenas bases agrícolas que
mantinham as bases do movimento. Como consequência, a fome se instalou nas fileiras do
MPLA na região Leste e houve um movimento de crescente debandada das forças
independentistas.
Apesar desta debandada das forças do MPLA no Leste, o caso do comandante Jiboia e
seu grupo foi bastante diferente. Vendo que a situação da guerrilha na região se tornava
insustentável devido aos ataques das forças portuguesas e também à rígida hierarquização das
forças do MPLA no interior, Jiboia passou à contestação daquilo que via de problemático no
interior do MPLA. A debandada seria também uma consequência dos abusos de poder dos
chefes político-militares na região Leste. Em dezembro de 1969, instalou-se a primeira
manifestação de vulto no interior do MPLA.
Os partidários da Revolta Jiboia fundamentavam suas contestações através da
exposição dos problemas enfrentados pelos guerrilheiros no Leste, como o abuso de poder dos
chefes político-militares e a falta de equipamentos necessários para levar adiante a luta de
libertação na região. É importante ressaltar também que o discurso dos revoltosos enxergava
na situação da guerrilha no Leste um claro benefício daqueles militantes do norte em
detrimento dos guerrilheiros nativos da região. Segundo Jiboia, até a distribuição de
armamentos era feita de maneira diferente quando se tratava da defesa dos indivíduos do
Leste, acusando os chefes do norte de reservarem para eles e seus conterrâneos as melhores
armas.
Na voz de Jiboia, um líder natural da região Leste, com alguma formação político-
militar, os principais questionamentos dos guerrilheiros do leste ganharam amplitude. A
autoridade de Jiboia, mesmo que ocupando um posto secundário na política e na hierarquia 28TALI, Jean Michel Mabeko. “Dissidências e Poder de Estado – o MPLA perante si próprio (1962-1977)”. Luanda: Nzila, 2001”. P. 132
39
militar, foi uma alavanca para mostrar à direção do MPLA os problemas vividos na região
leste.
Para aumentar o coro contra os problemas descritos acima, Jiboia e os dirigentes do
leste que o apoiavam mobilizaram as populações de suas bases e iniciaram uma marcha na
direção da fronteira da Zâmbia com a intenção de chegar a Lusaka e expor seus
questionamentos a Agostinho Neto.No entanto, quanto mais próximos da fronteira zambiana,
menos fôlego o movimento tinha.
A contestação da Revolta Jiboia não conseguiu qualquer ganho em relação às suas
principais reclamações, sendo, portanto, derrotada. A mobilização acabou por se desfazer e o
líder Jiboia foi punido com o afastamento de sua região e das populações sobre as quais tinha
maior autoridade. Foi rebaixado de cargo e mantido na fronteira zambiana.
A Revolta Jiboia foi o primeiro momento de ruptura entre as populações do Leste e a
direção do MPLA. Esta ruptura iria voltar à tona novamente na revolta promovida
posteriormente por Daniel Chipenda, que pode ser considerada a segunda fase da Revolta da
Frente Leste.
As contestações ao MPLA vindas da Frente Leste não findaram com a desestruturação
da Revolta Jiboia, mas se amplificaram com a chamada Revolta Chipenda. Pode-se entender
estes dois eventos como uma única frente de contestação às práticas do chefes político-
militares do MPLA. No entanto, nesta segunda fase de contestações do Leste, o principal
porta-voz do movimento não seria um chefe político-militar secundário como Jiboia, mas um
responsável pela direção política do MPLA, o que conferiria às contestações uma repercussão
muito maior.
Daniel Chipenda entrou em contato com as manifestações da Revolta Jiboia e acabou
se oferecendo para servir de intermediário entre uma comissão dos revoltosos e a comissão
designada pela direção do MPLA. Ao contrário da maioria dos dirigentes do movimento,
Daniel Chipenda acabou aderindo às contestações de Jiboia e se associou às suas críticas,
levando-as ao Movimento de Reajustamento do MPLA.
Ao contrário do relativo pacifismo da Revolta Jiboia, a Revolta Chipenda acabou
ganhando feições militares e políticas mais densas, superando as críticas somente de caráter
conjuntural ao movimento. Os revoltosos, além de reafirmarem os questionamentos da
40
Revolta Jiboia em relação aos privilégios dos nortistas, estenderam suas críticas para questões
de caráter racial: os dirigentes mestiços e brancos eram acusados de gozar de privilégios e de
ter melhores postos nas estruturas do MPLA. O discurso de que os intelectuais não estavam
próximos das massas angolanas que faziam a guerra de libertação também esteve em pauta
naquele momento.
Devido aos contatos que Chipenda tinha com o governo da Zâmbia, este país se
colocou contra a direção do MPLA e pressionou por uma solução amigável entre as partes, do
que resultou uma reunião entre dirigentes do MPLA e os contestadores da ordem vivida no
interior do movimento.
O Movimento de Reajustamento do Leste é, até hoje, considerado um dos raríssimos
momentos em que as bases conseguiram se expressar no interior do MPLA. Foi neste
movimento que as críticas levantadas pelas Revoltas do Leste seriam discutidas. O
comportamento dos chefes militares foi duramente criticado, bem como os privilégios dos
nortistas e a forte hierarquização existente no MPLA. Portanto, a direção do movimento
acabou se abrindo a receber duras críticas das bases.
No entanto, ao ver que suas críticas não repercutiram da maneira que desejava, Daniel
Chipenda se retirou do Movimento de Reajustamento do Leste, consumando uma ruptura que
já vinha se desenhando há alguns anos.
A conclusão chegada pela direção do MPLA em relação às Revoltas do Leste foi
expressa em um balanço informativo publicado pelo movimento. Diz o documento:
“Na Frente Leste, o plano imperialista concretiza-se por uma atividade fraccionista
de grande envergadura, fortemente apoiada pelas autoridades locais e centrais
zambianas. Depois das muitas vicissitudes do ‘complot’ de Novembro e Dezembro de
1972 e Janeiro de 1973, a subversão concretizou-se no assalto e ocupação de
Malondo CPR (Sikongo) e alastrou rapidamente a todos os acampamentos de SRS
(Sub-Região Sul), em território zambiano, e a certas unidades do interior da dita sub-
região. É provavelmente a generalização da subversão em toda a SRS. Os principais
agitadores são Kilimandjaro, KatuwaMitué (Jiboia), Chikolomwenho e Kimalata,
ajudados por Santana I, Santana II, Bala Direita, Quatro de Fevereiro, Danger, etc.
Todos estes rebeldes actuam à volta de Daniel Chipenda, a quem chamam ‘chefe’. A
41
essência (...) da subversão é o tribalismo Umbundu e Mbundo. As exigências que
eles apresentam são a não punição dos agitadores, a realização de uma ‘Assembleia
Regional’ e a ‘subsequente reorganização do movimento’. A razão profunda é
esvaziar o MPLA do seu conteúdo popular africano, a substituição da luta do
movimento, a neutralização dos elementos progressistas, a destruição dos laços
fraternos que existem entre o MPLA e os países africanos solidários com a nossa luta
e com os países do campo socialista, e a limitação da guerra. Tudo isto como meio de
mais facilmente conseguir o estrangulamento do movimento numa frente comum com
a FNLA e a UNITA a fim de concretizar o plano imperialista de conceder ao país uma
independência formal.”29 (grifo meu)
Destas conclusões do MPLA sobre as Revoltas do Leste, fica claro que a direção do
movimento, mesmo com a exposição dos problemas feitos pelos revoltosos, não fez uma
análise substancial daquilo que era contestado, apontando imediatamente como causas das
Revoltas do Leste uma possível manipulação imperialista que tentaria fazer malograr o
progresso da luta de libertação.
Mais interessante do que isso é o argumento de caráter étnico-regional levantado pela
direção do movimento como uma causa das Revoltas do Leste. Neste momento, o MPLA
retomou o argumento definido em 1962 de que não toleraria qualquer manifestação de
tribalismo ou de divisionismo no seio do movimento. Ao considerar as Revoltas do Leste
manifestações étnico-regionais, o MPLA mostrou que a ideia identidade do movimento
definida em 1962 poderia também ser utilizada para a repressão de movimentos contestatários
da direção.
Sendo a Revolta do Leste causadas por influências imperialistas e por manifestações
tribalistas, não cabia à direção do movimento nenhuma atitude a não ser a repressão aos
manifestantes. Uma análise das críticas levantadas também não seria uma necessidade devido
às causas da revolta apontadas pela direção do movimento.
Segundo Tali, 30 uma das principais características do Movimento de Reajustamento
foi a possibilidade de as bases do movimento fazerem críticas diretas aos dirigentes. No
29
MPLA apudTALI, Jean Michel Mabeko. “Dissidências e Poder de Estado – o MPLA perante si próprio (1962-1977)”. Luanda: Nzila, 2001”.150 30
Idem.
42
entanto, estas críticas foram sempre filtradas por uma elite política, o que por consequência
levou a poucas ações práticas no sentido de corrigir os problemas apontados pela base do
MPLA. Portanto, as análises da situação do movimento feitas pelos dirigentes não foram
profundas e resultaram apenas em ações para encobrir os problemas apresentados pelas bases
do movimento no Movimento de Reajustamento.
Claramente as Revoltas do Leste não foram motivadas por laços étnicos-regionais. Só
é possível compreender as razões das contestações ao se embrenhar pela análise das
práticassociaise dificuldades materiais vividas na região. Somente em um segundo momento
da manifestação que uma consciência de que algum grupo era privilegiado pelo MPLA
(nortistas) ganhou repercussão nas revoltas do Leste. Foi necessário, portanto, que algum
motivo de revolta surgisse para que uma consciência étnico-regional aparecesse. Além disso,
a aliança Jiboia-Chipenda tornava a contestação mais abrangente do que uma contestação
étnica, visto que estes líderes eram de grupos etnolinguísticos diferentes, constituindo,
portanto, uma aliança pluriétnica (Nganguela e Ovimbundo). Estes grupos
etnolinugísticosestavam geograficamente afastados, o que possibilitava aos revoltosos apenas
se identificarem com uma região bastante vaga, “o Sul”, tão vaga quanto o “Norte” dos chefes
político-militares. Portanto, classificar as Revoltas do Leste como simples manifestações
tribalistas ou étnico-regionais é fruto de uma análise bastante reducionista do evento e,
possivelmente, uma estratégia da direção do MPLA para não ter de lidar com problemas
graves que ocorriam no interior do movimento.
43
2 A vida do Homem Novo angolano – aplicação e repercussão de um projeto nacional
(1975-1986)
No capítulo anterior, ficou demonstrada a escolha de uma concepção de identidade
nacional através dos debates ocorridos no início da década de 1960, quando se definiu que
as questões raciais e étnicas não deveriam ser condicionantes para a participação no
movimento e, futuramente, na cidadania da Angola independente. Esta ideia foi expandida
para o projeto de nação do MPLA juntamente com a ideia de combate ao chamado
tribalismo, valorizando-se uma ideia de unidade cultural angolana.
O tema central deste segundo capítulo será a forma como o MPLA tentou construir a
idéia de nação angolana após a independência ocorrida em 1975. Surgiria, então, a frequente
proposta do Estado angolano de construir um Homem Novo angolano, sempre baseada na
ideologia marxista-leninista e na tentativa de construção do socialismo em Angola.
Para que seja possível a compreensão deste projeto nacional do MPLA, será
necessário apresentar as conjunturas em que este projeto foi colocado em prática. Portanto,
inicialmente, tratarei da independência angolana e dos principais problemas encontrados
pelo movimento logo após a libertação do domínio português.
Em seguida, serão abordadas as principais formas de ação do Estado angolano para a
formação do Homem Novo. Darei atenção especial à preocupação do MPLA em construir
seus projetos através da educação e do domínio de organizações de massa. Ficará
demonstrada a estratégia de fazer da educação também uma forma de disseminar os
principais ideais políticos adotados pelo MPLA.
Por fim, será apresentada a forma como a população angolana parece ter reagido ao
projeto de construção do Homem Novo angolano.Ficará evidenciada a forma como o
Homem Novo se relacionava com as demais identidades das populações angolanas.
Este segundo capítulo se encerrará no momento em que o MPLA-PT decidiu se
desligar do projeto de construção do socialismo já na década de 1980. A partir de então, o
projeto de nação angolano defendido pelo partido mudaria radicalmente de posição. Esta
mudança será o tema do terceiro capítulo deste trabalho.
44
Serão utilizados como fontes documentos oficiais do MPLA e do Estado Angolano e
entrevistas realizadas com membros de destaque do partido.
45
2.1 Ascensão ao poder, crise e definição ideológica: a formação das bases para a
criação do Homem Novo
Em 25 de abril de 1974, o regime salazarista português31 sofreu sua definitiva derrota:
destacamentos militares comandados por capitães do exército tomaram os principais centros
de decisão política portugueses, sem que fosse possível uma reação organizada das forças
salazaristas. Com a queda da ditadura em Portugal, abria-se uma nova perspectiva de luta nas
colônias africanas. Os capitães do Movimento das Forças Armadas portugueses já haviam se
pronunciado pela autodeterminação dos povos africanos, definindo as principais lideranças
nacionalistas das colônias (FRELIMO, em Moçambique; MPLA, em Angola; PAIGC, na
Guiné-Bissau). Os líderes do MFA sabiam que uma saída militar para a crise enfrentada na
África era inviável, dispendiosa e problemática frente à opinião nacional e internacional, o
que logo possibilitou um processo de descolonização negociada, obviamente estimulado pela
situação difícil vivida nas colônias. Uma vez iniciadas as guerras de libertação, tornava-se
impossível frear o ímpeto independentista. As independências das colônias se tornaram
questão de tempo.
O progresso no sentido de construir a independência de Angola ganhou corpo em 15
de janeiro de 1975, em Alvor (Portugal). Em uma reunião entre os três principais movimentos
nacionalistas angolanos e o governo português, decidiu-se sobre os princípios gerais da
descolonização de Angola. Naquela reunião, ficou definido o princípio da “legitimidade
revolucionária”, que restringia apenas aos movimentos de libertação presentes na reunião de
Alvor a participação no espaço político angolano. Além disso, decidiu-se pela formação de
uma Assembleia Constituinte através de eleição, sem que se fosse mencionado o modelo
político que seria seguido em Angola após a independência. Formou-se, por fim, um governo
de transição composto por MPLA, FNLA, UNITA e por representantes do governo português,
que tinha como principal objetivo a preparação para o processo eleitoral para a Assembleia
Constituinte.
O princípio da representação dos três movimentos de libertação nacional em igualdade
de condições políticas no governo de transição revelou-se falho. Os embates militares do
período da luta anticolonial entre os movimentos foram levados para o campo da
31
Apesar de Salazar ter se afastado do poder em 1968, o termo salazarismo continuou a ser utilizado devido à manutenção das linhas políticas e ideológicas pelo governo sucessor Marcello Caetano.
46
política,tornando os conflitos algo constante no novo governo. Consequentemente, o governo
de transição se revelou muito pouco funcional, pois a ausência de confiança entre os
movimentos minou qualquer possibilidade de progresso político do governo de transição.
De fato,mantiveram-se os conflitos armados entre os movimentos. A dificuldade de
uma saída política pacífica durante o governo de transição ficaria evidenciada pela estratégia
de cada movimento em dominar certas partes do território angolano. A ocupação do terreno
era uma questão central para a expressão da força de cada movimento de libertação, o que
aparentemente seria determinante para o processo eleitoral e consequentemente para a
formação da Assembleia Constituinte.
O domínio de Luanda era o principal objetivo dos movimentos de libertação. A luta
pela capital acabou opondo mais diretamente MPLA e FNLA, pois a UNITA se retirou da
cidade ainda defendendo a partilha do espaço político, pois acreditava que na eleição o peso
étnico dos ovimbundo lhe garantiria a vitória eleitoral. A partir de junho de 1975, a guerra
civil angolana se consolidou. O MPLA sairia vencedorda batalha pelo domínio de Luanda.
A partir de julho, houve uma progressiva internacionalização da guerra em Angola. A
FNLA recebeu reforços do exército zairense; o MPLA passou a receber apoio dos cubanos e
soldados enviados pela FRELIMO, pelo PAIGC e pela Guiné-Conakry; a UNITA, retirada do
conflito ao norte e instalada no centro-sul, recebeu auxílio sul-africano. O Governo de
Transição deixou de funcionar definitivamente em agosto de 1975, sendo que só o MPLA
nele se manteve. Portanto, a transição pacífica à independência de Angola foi deixada de lado,
de maneira que a solução militar determinou os vencedores da luta anticolonial. O cenário
para a guerra civil que se instalaria em Angola estava desenhado.
De acordo com o Acordo de Alvor, a independência de Angola estava marcada para
11 de novembro de 1975. Neste dia, o MPLA declarou unilateralmente a independência do
país, descumprindo as determinações do referido acordo que pregava a partilha do poder entre
os três movimentos de libertação até a realização de eleições. Ao mesmo tempo, uma
coligação formada por FNLA e UNITA também proclamou a independência angolana.
Naquele momento, o MPLA dominava 12 das 16 províncias de Angola. A partir de então, o
47
poder do Estado foi assumido pelo MPLA, que passou a ser considerado internacionalmente
como o representante do governo angolano32.
Apesar da vitória que o MPLA conquistara em novembro de 1975, o movimento ainda
teria de lidar com um país politicamente dividido e, mais grave, com outros dois movimentos
beligerantes que não reconheciam seu poder. Com a internacionalização da guerra, Angola
passou a ser ainda mais do que antes um dos principais palcos dos conflitos da Guerra Fria, de
maneira que a bipolarização ideológica se transferiu de forma cada vez mais explícita para o
interior do país recém-independente.
Internamente, o MPLA também passava por momentos importantes de decisão
política. A escolha do modelo político e ideológico que seria assumido pelo movimento seria
de grande relevância para o desenrolar dos acontecimentos. Gradativamente, o MPLA foi
estreitando os laços com países do bloco socialista, principalmente Cuba, e mostrando a sua
filiação ideológica como um movimento de base marxista-leninista. Oficialmente esta posição
só seria assumida no Congresso de 1977.
Antes desta definição oficial como um partido marxista-leninista (o movimento
passaria a ser denominado MPLA - Partido do Trabalho em 1977), o MPLA passou por mais
uma gravíssima contestação em seu interior. A crise ocasionada pela revolta de um grupo
liderado por Nito Alves foi de grande importância para a história do movimento/partido.
Em 27 de maio de 1977, um grupo liderado por Nito Alves, José van Dunem e Sita
Vales, membros de destaque do MPLA, empreendeu uma tentativa de golpe contra o Estado,
intentando uma revolução de caráter marxista-leninista e pró-soviético. Além disso, o discurso
nitista era muito baseado na ideia pan-negra e contrária aos brancos e mestiços. A repressão
sobre os contestadores foi bastante rápida e descontrolada, sendo os líderes presos em poucos
dias e um número ainda incerto de pessoas executadas.
Para que se possa compreender a crise nitista, deve-se ter em conta que o MPLA
tornara-se um grande partido que abrigava diferentes concepções políticas. Tali33cita quatro
tendências principais no interior do MPLA: 1. a pragmática, que se reunia em torno de
32
O primeiro país a reconhecer a independência de Angola foi o Brasil. É importante destacar que a política externa brasileira tinha como um de seus princípios a aproximação do Terceiro Mundo. Em contraste, os EUA não reconheceram a independência de Angola, mostrando a polarização da Guerra Fria. 33 TALI, Jean Michel Mabeko. “Dissidências e Poder de Estado – o MPLA perante si próprio (1962-1977)”. Luanda: Nzila, 2001”. P. 197 a 202
48
Agostinho Neto e tinha no marxismo um substrato fundamental para sua atuação política,
havendo, contudo, uma seletividade dos conteúdos que poderiam ser utilizados na luta
nacionalista angolana e na aplicação do socialismo à África; 2. a nitista, que tinha um puritano
marxismo-leninismo como a base de suas ações e se mostrava bastante ligado àsexperiências
da URSS; 3. a extrema esquerda abafada, que compreendia os intelectuais da guerrilha
ideologicamente situados mais à esquerda que os demais grupos; e 4. a corrente dos
tradicionalistas, que englobava os nacionalistas dos primeiros movimentos de contestação
anticolonial da década de 1960.
O puritanismo ideológico de Nito Alves acabou conquistando adeptos, muito
influenciados pela capacidade oratória de seu líder, o que contrastava com as características
dos outros principais líderes do MPLA. O acesso de Nito Alves às populações dava-se de
maneira mais direta, sendo que a questão do Poder Popular era central para a suas propostas
para a Angola independente34. Ao contrário do que defendiam os partidários de Agostinho
Neto, Nito Alves queria ver em Angola um sistema de participação popular bastante
semelhante àquele implantado na URSS após a revolução bolchevique. Após a viagem de
Nito Alves à URSS para representar o MPLA no XXV Congresso do Partido Comunista da
União Soviética, todas as suas análises ideológicas pareceram se transformar, sempre tendo
como base a URSS e a revolução bolchevique e considerando o radicalismo como forma de se
alcançar a sonhada revolução socialista.
A questão da autonomia dos órgãos de Poder Popular angolanos após a independência
foi bastante séria e determinante no desenrolar da crise nitista. Como Nito Alves tinha grande
influência sobre estes órgãos, o Comitê Central do MPLA decidiu-se por realizar uma série de
“medidas preventivas” contra a possibilidade de fracionamento no interior do movimento.
Entre estas medidas preventivas, houve a dissolução dos órgãos de imprensa considerados
pró-nitistas e a retirada de qualquer legitimidade aos órgãos de poder popular que haviam sido
eleitos em maio de 1976. O Comitê Central optou, portanto, por fazer uma limpeza nas
estruturas de base do MPLA, dando mais uma demonstração de que a ala que dominava o
m41ovimento não toleraria quaisquer contestações em seu seio.
34O Poder Popular era composto por órgãos onde a população podia se expressar livremente. O modelo seguido era, basicamente, o dos sovietes da URSS. A questão sobre o Poder Popular foi extremamente debatida durante a luta de libertação nacional pelos três principais movimentos de libertação. A FNLA inicialmente se mostrou radicalmente contrária ao Poder Popular, mas suavizou os discursos com o passar do tempo. A UNITA, mostrando o seu rigoroso anticomunismo, sempre se posicionou contrariamente em relação ao Poder Popular. Já o MPLA era a favor desta forma de governo.
49
A partir destas atitudes do Comitê Central do MPLA, o conflito ganhou novas formas
e se tornou inevitável. A ruptura e as ações práticas tiveram lugar em 27 de maio de 1977,
quando os conflitos referidos acima eclodiram. A repressão foi sangrenta e se estendeu por
toda a população angolana, de maneira que qualquer indivíduo que pudesse estar ligado ao
nitismo ou que alguém imaginasse que estava ligado ao evento passasse a estar sujeito à
prisão ou à execução. Ainda não há consenso sobre o número de morto na repressão, mas
sabe-se que esta foi duríssima35.
Tali afirma que a repressão sobre a tentativa de golpe de 1977 foi uma ocasião em que
a direção do MPLA ajustou contas com principais desafetos no interior do movimento36. A
partir de então, o MPLA tomou um caráter marcadamente autoritário que perduraria durante
um bom tempo. A existência de órgãos de repressão se tornou mais marcante também nas
estruturas do Estado.
O próprio MPLA sofreria com as consequências da repressão descabida à tentativa de
golpe, pois boa parte de sua base social e política havia sido punida e acabou se desiludindo
com a política após a independência. O impacto desta repressão se daria principalmente entre
a juventude, havendo um esvaziamento da participação política, seja nas organizações de
massas, seja no sindicato único (UNTA).
Apenas seis meses após a tentativa de golpe e a duríssima repressão empreendida pelo
movimento/Estado, teve lugar o Congresso de 1977. Neste momento, ocorreua definição
oficial do modelo político e ideológico que seria seguido pelo MPLA a partir de então. O
marxismo-leninismo foi aceito como a base ideológica do movimento e criou-se o MPLA-
Partido do Trabalho, um partido destinado a ser a vanguarda da classe operária. Durante esta
escolha, não houve uma participação efetiva das bases do movimento, pois o impacto da
repressão contra a tentativa de golpe de maio e a formação das estruturas de um Estado
autoritário ainda era bastante presente.
A partir de então, o MPLA-PT passaria a se dedicar à construção da nação angolana
após a independência. O marxismo-leninismo foi um referencial seguido – ao menos
inicialmente- pelo partido para a construção da nação. Neste projeto, surgiu a ideia da
35TALI, Jean Michel Mabeko. “Dissidências e Poder de Estado – o MPLA perante si próprio (1962-1977)”. Luanda: Nzila, 2001”. P. 220. 36 TALI, Jean Michel Mabeko. “Dissidências e Poder de Estado – o MPLA perante si próprio (1962-1977)”. Luanda: Nzila, 2001”. P. 221.
50
construção do Homem Novo angolano. Todo este projeto de construção nacional teve que
disputar espaço com a penosa guerra civil que Angola viveu a partir da independência.
51
2.2 O surgimento do Homem Novo angolano
O debate sobre o conceito de nação é muito intenso na historiografia. Diversos
historiadores já se debruçaram sobre o tema, mas a definição de nação não é simples. Para
este trabalho, mais importante que a definição historiográfica acerca do conceito de nação é o
entendimento do Estado angolano sobre esta questão, pois foi esta concepção quedeu base ao
projeto de construção do Homem Novo.Sendo um Estado que se propunha à implantação do
socialismo, a definição de nação utilizada pelo MPLA para o empreendimento do projeto
nacional foi a de Joseph Stálin: “nação é uma comunidade estável historicamente constituída, com
linguagem, território, vida econômica e caracterização psicológica manifestos em uma comunidade
cultural”37(grifo meu). Note-se que esta definição se baseia nos critérios objetivos que são
constitutivos de uma nacionalidade, de maneira que a subjetividade inerente ao pertencimento
a uma nação não é levada em conta.
Em Angola, a línguautilizada oficialmente continuou a ser a língua do colonizador, ou
seja, o português. Continuou-se a admitir outras seis línguas locais como línguas nacionais do
Estado angolano, mas o português manteve-se como língua oficial e assim se mantém até
hoje. É importante ressaltar que o uso da língua portuguesa significava uma das formas de se
alcançar a unidade nacional. O Estado angolano valeu-se da imprensa e da educação para
espalhar o português pelo território nacional38.
Assim como na linguagem, o território angolano continuou sofrendo influência do
colonialismo português, sendo demarcado segundo os limites definidos historicamente pelo
colonialismo. O enclave de Cabinda continuou fazendo parte do território angolano, apesar de
haver um movimento que lutava pela autonomia de Cabinda.
Apesar de estas questões objetivas serem bem definidas em Angola após a
independência, a questão da comunidade cultural destacada acima na citação de Stálin
revelou-se bastante problemática ao MPLA-PT. Daí surgiu a necessidade de criação de um
Homem Novo, que teria valores, características e cultura definidas pelo Estado angolano.
Como já foi abordado neste trabalho, Angola tem em sua diversidade cultural uma das
principais características de sua sociedade. Uma característica marcante da população
37 STALIN apud HOBSBAWM, Eric. “Nações e Nacionalismos desde 1780 – programa, mito e realidade”. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011. P. 15. 38 HODGES, Tony. “Angola - do afro-estalinismo ao capitalismo selvagem” . Cascais: Princípia, 2002. P.47.
52
angolana é a convivência de grupos étnicos no interior do território. Em Angola, há três
grupos etnolinguísticos predominantes: o ovimbundo, que corresponde a 35% da população; o
kimbundo, que corresponde a 25% dos angolanos; e o bakongo, que por sua vez corresponde a
15% da população. Além desses três maiores grupos etnolinguísticos, existem outros
menores, que juntos correspondem aos 25% restantes da população. Esta diversidade de
grupos étnicos e, conseqüentemente, de cultura fez com que, para alcançar a unidade cultural
pretendida para a nova nação independente, o Estado afirmasse a necessidade de construir
uma nova cultura que englobasse todos os aspectos culturais angolanos. O mote principal
desta campanha foi expresso no slogan “De Cabinda ao Cunene, um só povo, uma só nação”.
A unidade nacional foi um dos temas mais importantes levados à discussão pelo Estado
angolano e, para isso, seria necessário um investimento na idéia de uma comunidade cultural
dos povos angolanos.
A necessidade principal para criar a comunidade de cultura em Angola era a
integração de todos os povos angolanos em torno de um único projeto nacional. Esta
necessidade estava presente na Lei Constitucional de 1977: “será promovida e intensificada a
solidariedade econômica, social e cultural entre todas as regiões da República Popular de Angola, no
sentido do desenvolvimento comum de toda a Nação Angolana e da liquidação das seqüelas do
regionalismo e do tribalismo”.39 (grifo meu) Note-se que a idéia era encontrar ou construir
elementos comuns a todos os povos angolanos para que a identidade nacional pós-
independente fosse construída. Para isso, o MPLA-PT buscaria na história de Angola laços
comuns que uniriam os povos, permitindo a criação de um sentimento de identidade. Uma
publicação do Ministério da Educação de Angola em um livro que trata sobre a história
daquele país retrata bem esta idéia de valorização de um passado comum aos povos
angolanos.
Na introdução de “História de Angola” 40, um dos livros didáticos utilizado em escolas
angolanas, declara-se que o objetivo da publicação e do estudo de história não era apenas o
conhecimento dos processos históricos que deram origem à Angola contemporânea, mas
também o fortalecimento da consciência nacional, que seria importante para o presente e para
o futuro da nação angolana. O recorte dos primeiros capítulos do livro didático apresentava o
período pré-colonial angolano, momento em que o curso da história dos povos angolanos teria
39ANGOLA, LEI CONSTITUCIONAL. Artigo 5º. Luanda, 1977. 40 REPÚBLICA POPULAR DE ANGOLA – MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. “História de Angola”. Luanda. 1976. P.5
53
sido interrompido pela colonização. Este curso histórico só teria sido retomado com a
independência em 1975. Observa-se que a condenação do colonialismo e a vitimização dos
povos angolanos são marcas presentes no livro didático.
Logo em seguida, o livro destaca que, apesar de uma análise apressada mostrar a
diversidade do povo angolano, um estudo mais aprofundado permite concluir sobre a
existência de uma unidade cultural que teria sido suprimida pela colonização portuguesa. Esta
matriz cultural deveria ser a fonte da unidade cultural buscada pela Angola independente,
sendo o estudo da história do país e de seus povos de grande importância para a constatação
da unidade cultural angolana. 41
Pode-se perceber pela análise deste livro didático que a historiografia africana das
décadas de 1950 a 1970 o marcou muito. Além de verem no colonialismo uma interrupção do
desenvolvimento da história dos povos africanos, destaca-se a todo momento a resistência dos
povos africanos ao colonialismo europeu. São apontados como legítimos africanos aqueles
que resistiram e lutaram por manter sua cultura intacta mesmo com os contatos com europeus.
Apesar do livro declarar que a história é uma ciência em constante construção, não se buscava
entender os processos e mudanças históricas, mas sim servir ao projeto nacional que
necessitava de uma identificação entre os povos angolanos.
De qualquer forma, o passado de exploração pelo colonialismo português não deixou
de ser acionado como um elemento que unia os angolanos em torno de uma só identidade. Os
500 anos de exploração serviram para afirmar uma história nacional comum. No entanto,
apesar da exploração ser reconhecida, foi a ideia de resistência ao colonialismo que pautou a
identidade nacional angolana.
Aquela idéia da legitimidade revolucionária defendida no momento do Acordo de
Alvor continuou a ser uma das balizas importantes a marcar a definição da nacionalidade
angolana. Na Conferência Inter-Regional de Militantes em 1974, houve novamente a
contestação dos direitos dos brancos e mestiços de participarem da nova nação que seria
construída após a independência. Em um sentido contrário, ficou determinado que brancos e
mestiços poderiam sim fazer parte do movimento, mas ficava implícita a idéia de que estes
tinham que comprovar a sua lealdade à causa da independência. Esta prova seria a
participação na luta de libertação nacional. Vê-se aqui a desconfiança que muitos membros do 41REPÚBLICA POPULAR DE ANGOLA – MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. “História de Angola”. Luanda. 1976. p. 6 e p. 99
54
MPLA ainda nutriam em relação aos não-negros angolanos e uma clara opção pela
valorização ideológica daqueles que pretendiam ingressar no movimento.
Este impasse em relação aos brancos e mestiços seria desfeito na Lei de
Nacionalidade, que não fazia qualquer referência à natureza racial dos angolanos: “são
cidadãos angolanos de pleno direito todos os indivíduos nascidos em Angola, bem como os não
naturais de Angola filhos de mãe ou de pai angolanos”.42 A partir da independência, o MPLA-PT
passou a aplicar ao seu governo aqueles referenciais de nacionalidade definidos na Primeira
Conferência Nacional de 1962 referida no primeiro capítulo deste trabalho.
Bem como outros países que adotaram regimes socialistas na África, o governo
angolano tentou suprimir os vínculos tradicionais das populações, pois considerava que estes
vínculos poderiam levar a conflitos inter-étnicos e, mais importante ainda, a uma baixa adesão
ao projeto de construção da nacionalidade angolana. Era necessário, portanto, nas palavras de
Agostinho Neto “destruir o velho para construir o novo”.
Construir o novo em Angola significava, portanto, uniformizar as diversidades
existentes entre os povos que viviam no interior do Estado, sempre objetivando criar a
nacionalidade segundo os critérios objetivos definidos por Stálin. Neste sentido, o MPLA-PT
colocou-se como um ator que lutava para construir a objetividade nacional. Esta tarefa se
mostrou árdua, pois este projeto significava transformar a diversidade em uma unicidade que
não existia historicamente. Tratava-se, pois, de iniciar uma nova era em Angola.
Esta nova era teria como base o projeto político-cultural de transformar os angolanos
em Homens Novos. Este ideal foi expresso no Hino Nacional de Angola adotado após a
independência:
42Lei da Nacionalidade. IN Jornal de Angola, 13/11/1975 apud PINTO, Tatiana Pereira Leite.”Etnicidade e Racismo em Angola: da luta de libertação ao pleito eleitoral de 1992”. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pás-graduação em História da Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2012.
55
“Oh, Pátria, nunca mais esqueceremos
Os heróis do quatro de Fevereiro.
Oh, Pátria, nós saudamos os teus filhos
Tombados pela nossa Independência.
Honramos o passado e a nossa História,
Construindo no trabalho o Homem Novo,
Angola, avante!
Revolução, pelo Poder Popular!
Pátria Unida, Liberdade,
Um só povo, uma só Nação!
Levantemos nossas vozes libertadas
Para glóriados povos africanos.
Marchemos, combatentes angolanos,
Solidários com os povos oprimidos.
Orgulhosos lutaremos pela paz
Com as forças progressistas do mundo.”43
A letra de Manoel Rui Monteiro apresenta diversos temas que seriam importantes para
a construção da nacionalidade angolana segundo o MPLA-PT, tais como a necessidade de
apresentar uma história honrada comum a todos os angolanos e o projeto de construir o
Homem Novo. Tudo isso seria baseado em uma idéia de construir uma nova realidade através
da consumação revolução socialista.
Construir o Homem Novo não significava apenas “liquidar as sequelas do regionalismo e
do tribalismo”, mas estimular a construção de uma nova cultura nacional baseada em novos
valores e atitudes. A construção do Homem Novo aparece no Hino Nacional vinculado ao
trabalho, pois este empreendimento do Estado angolano se baseava muito nos valores da
disciplina e da produção. É interessante notar que, na grande maioria dos discursos proferidos
por Agostinho Neto e pelos principais líderes do MPLA-PT, as palavras de ordem utilizadas
para fazer as massas se manifestarem eram disciplina e produção. A ideia era criar um
43Letra de Manoel Rui Monteiro, música de Rui Vieira Dias Mingas. Disponível em:http://www.youtube.com/watch?v=pcXldTOSw_o. Acessado em 20 de fevereiro de 2013.
56
Homem Novo com uma personalidade adaptada à sociedade socialista. Nas palavras de Lúcio
Lara:
“Trata-se de fazer renascer os nossos valores culturais, revigorá-los com os
conhecimentos científicos que adquirimos, criando uma nova cultura, fundada na
nossa originalidade, mas adaptada à Nova Sociedade que pretendemos construir e ao
Novo Homem angolano, que queremos criar. (...) Nesse sentido, procuraremos
afirmar e desenvolver a nossa personalidade angolana” 44
Neste projeto de construção de uma nova cultura angolana, as ideias revolucionárias
do marxismo-leninismo seriam sempre utilizadas como base para a criação do Homem Novo
angolano. Declarava-se que todas as culturas angolanas deveriam se unir aos valores
revolucionários e científicos para que os objetivos do projeto fossem alcançados. No livro
didático citado acima, fica bem claro que se pretendia espalhar por toda a sociedade as ideias
marxistas. Logo no início do livro, defende-se que os métodos de análise marxistas devem ser
utilizados para a interpretação dos processos históricos estudados. A partir disso, há a
explicação de alguns conceitos do marxismo como o materialismo histórico, estrutura e
superestrutura. Se levarmos em conta que o livro destinava-se a crianças do ensino básico,
pode-se ter em mente o quão importante era ao projeto do MPLAo conhecimento do
marxismo pela sociedade. Desde muito cedo, os angolanos passavam a entrar em contato com
as ideias do MPLA-PT. O projeto de construção do Homem Novo angolano se valeu muito da
educação para aumentar a adesão aos valores revolucionários.
Para o MPLA-PT, era “preciso conhecer o marxismo-leninismo (...), estudar, aprofundar,
conhecer cada vez melhor a teoria marxista-leninista que é [era] o guia do partido e aquele que
orienta [orientava] o Estado”.45 Na nova sociedade angolana, primava-se por uma nova escola
que auxiliasse na evolução ao socialismo, que era:
44 Declaração do Bureau Político do MPLA. Jornal Angolense, 20/11/1976, p.13 e 14. 45 MPLA. A importância do Marxismo-Leninismo na Educação ideológica do povo. Luanda DIP, 1978.
57
“obrigada a estender sua ação às mais amplas camadas do povo, não só para
satisfazer suas elementares e justas aspirações, mas também como forma mais eficaz
de combater a concepção errada e características da sociedade de exploração que é
nosso passado recente. Se o acesso às escolas pelas classes no seio do nosso povo,
outrora mais explorado, é o primeiro indicador da real democratização, esta terá
necessariamente de se implantar no seu cotidiano escolar e no seu modo de
funcionamento (da escola)”46
Portanto, a escola constituía-se em uma das principais bases para a construção de um
Homem Novo e na elaboração e difusão de uma nova cultura angolana. Note-se que o MPLA-
PT fazia valer realmente a idéia de ser um partido de vanguarda, pois dominava os principais
meios de promoção cultural, baseando suas ações em seus próprios valores e interesses.
Após a proclamação da independência, houve uma grande onda de emigração em
Angola, sendo que muitos dos indivíduos que faziam parte das estruturas da educação
colonial deixaram o país. Sendo assim, havia uma grande carência de quadros técnicos para a
educação em Angola, o que dificultava muito o processo de educação dos angolanos. Neste
sentido, o auxílio de cubanos seria de grande importância para a educação em Angola.47
Além de servir ao projeto de construção do Homem Novo angolano, a educação tinha
uma função extremamente importante para a economia do país, pois Angola tinha uma grande
carência de quadros técnicos capacitados que pudessem auxiliar na reconstrução do país.
Angola carecia de quadros capacitados tanto política quanto tecnicamente para atuar nas mais
simples funções, tanto nas indústrias como na burocracia do Estado. Para isso, um esforço
educacional deveria ser uma questão-chave no desenvolvimento angolano após a
independência. O índice de analfabetismo chegava a ser da ordem de 85% na população
angolana48.
46 MPLA apud ANDRÉ, Antônio Miguel. A formação do Homem Novo – uma visão dos técnicos governamentais atuando hoje em Angola. Tese de Doutorado apresentada na Faculdade de Educação da UNICAMP, 2004, p 99. 47 ANDRÉ, Rebeca Helena. “O Ensino de História em Angola: balanço (1975-2009) e prospectiva”. Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade do Porto. Porto, 2010. P. 43 48
Idem.
58
Outra frente onde o MPLA-PT se esforçou para criar a nova cultura nacional e o
Homem Novo foi a imprensa. Tanto na imprensa escrita quanto nas rádios e na Televisão
Popular de Angola o debate sobre a identidade nacional esteve presente. É importante notar
que, devido à grande taxa de analfabetismo em Angola, a imprensa escrita tinha seu impacto
social limitado. Como consequência, a rádio e a televisão se mostraram de um maior alcance
popular, já que não requeriam de seu público a alfabetização. 49
Todas estas iniciativas do Estado angolano eram partes de um projeto de massificação
cultural empreendida pela Direção Nacional de Massificação Cultural. A nova cultura
revolucionária, que se apresentava como sendo baseada em progressos científicos, também foi
levada adiante através do controle de algumas organizações de massa controladas pelo
MPLA. Em geral, estas organizações tiveram origem ainda durante a luta de libertação
nacional angolana e tinham como objetivos defender demandas específicas dos diferentes
grupos sociais, como as crianças, jovens, as mulheres e os trabalhadores. Cada um destes
grupos tinha uma organização vinculada ao MPLA e por ele controlada. Após a
independência e a ascensão do movimento ao poder, estas organizações passaram a fazer
parte do projeto de construção da nova cultura e do Homem Novo angolano.
Ao investir nestas organizações de massa, o MPLA-PT pretendia criar identidades
coletivas que dessem suporte ao projeto de nação. A criação de personalidades coletivas era
importante para que os indivíduos se localizassem socialmente e para que as identidades
individuais e os laços étnicos tradicionais fossem suplantados por esta nova identidade pós-
independente. Neste sentido, o Estado tentava transformar as formas de sociabilidade com o
intuito de fazer o projeto de construção do Homem Novo vigorar em Angola. Portanto, se em
um primeiro momento as organizações de massa surgiram com a intenção de preservar
direitos de determinados grupos sociais, após a independência estas organizações passaram a
ser enquadradas pelo MPLA-PT para serem bastiões da linha político-ideológica em que o
partido se baseava. 50
Eram três as principais organizações de massa controladas pelo MPLA-PT. A
Organização da Mulher Angolana, criada em 1961, quando a direção do movimento ainda
49Ver MELO, João Aníbal. Comunicação, poder e identidade nacional. Dissertação de mestrado em Comunicação e Cultura apresentada à Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1994. 50ARAÚJO, Kelly Cristina Oliveira de. Um só povo e uma só nação – o discurso do Estado para a formação do homem novo em Angola (1975-1979).
59
estava instalada em Leopoldville, tinha como objetivo inicial a atuação no recrutamento de
militantes para o MPLA, sempre se baseando no argumento a favor da independência
feminina e contrário à exploração das mulheres. Posteriormente a OMA passou a se
embrenhar no campo das ações educativas e de conscientização política. Além da defesa da
igualdade entre homens e mulheres, um dos motes principais utilizados pela OMA era o
combate ao tribalismo, o que mostra como o objetivo de acabar com as identidades
tradicionais estava presente nas ações desta organização.51.
A segunda organização de massa que merece ser destacada é a Juventude do MPLA
(JMPLA) que, assim como a OMA, ia na esteira da propagação das ideias do partido. A
JMPLA era composta por indivíduos entre 14 e 35 anos e era um dos órgãos de formação do
Homem Novo por excelência, já que tinha nitidamente características de pedagogia
doutrinária. Segundo o MPLA, era necessário fazer um enquadramento “através de uma
estrutura que permite[permitisse] o controle político e o combate de todos os desvios de linha
política traçada pela vanguarda revolucionária do povo angolano (...) que possam aparecer na
juventude”52.A JMPLA se fazia presente em fábricas, em organizações de bairro e nas escolas
angolanas e tinha como objetivos a mobilização da juventude para a participação nos setores
produtivos e na defesa da nova nação independente, além do referido enquadramento político
dos jovens. Destaca-se aindaque não seria feita qualquer distinção de ordem étnica, regional,
religiosa, social ou de gênero para o ingresso na JMPLA.
Resta ainda citar a Organização dos Pioneiros de Angola (OPA), que recrutava
membros na idade entre 6 e 14 anos de idade. A OPA estava geralmente ligada às atividades
da JMPLA e também tinha como objetivo garantir a educação político-ideológica de seus
membros.
“A organização de pioneiros angolanos surgiu da necessidade de educar as crianças
dentro do espírito do Homem Novo, defensor intransigente da liberdade dos povos e
combatente intrépido contra a exploração do homem pelo homem. São deveres do
pioneiro angolano: ser estudante, estudar e difundir a justa linha política da
51Esta ideia pode ser vista no hino da OMA: Avante, OMA, avante! Acabemos com o fascismo, o colonialismo e com todo o tribalismo. 52 MPLA ApudARAÚJO, Kelly. “Um só povo, uma só nação. O discurso do Estado para a construção do Homem Novo em Angola (1975-1979)”. Dissertação de mestrado. USP. 2005.. P. 89
60
vanguarda do nosso povo, o MPLA; lutar energicamente contra qualquer
manifestação tribal, religiosa, regional e racial”. 53
Por fim, ainda neste território das organizações de massa controladas pelo MPLA, é
importante citar a União dos Trabalhadores Angolanos, que era a central sindical de Angola.
Para o MPLA-PT, os trabalhadores eram a principal força social que reconstruiria o país após
a independência. Para superar os problemas legados pelos 500 anos de colonialismo, novas
relações de produção deveriam ser fundadas em Angola, através de um sistema econômico
planificado pelo Estado, onde os meios de produção passariam às mãos dos trabalhadores.
Nestas bases, o Homem Novo poderia ser construído junto com a nova cultura angolana.
Sendo assim, a UNTA significava um espaço bastante importante para a divulgação dos
novos valores defendidos pelo MPLA-PT, como a necessidade de aumentar a produção
econômica nacional, a disciplina no trabalho e o espírito revolucionário que deveria guiar os
trabalhadores angolanos.
É importante ressaltar que a participação nestas organizações de massa do MPLA era
extremamente importante para o crescimento político e profissional no interior do Estado
angolano. Construir uma trajetória individual que passasse pelas organizações que
enquadravam ideologicamente os angolanos era como ter um atestado que apresentava a
consonância com as ideias dopartido/Estado. Portanto, estas organizações de massa serviam
para aproximar a população da vanguarda político-ideológica do MPLA-PT e, além disso,
serviam também para a aplicação do projeto de construção de uma nova cultura calcada nos
valores revolucionários defendidos pelo partido. A identificação com tais valores e com as
novas estruturas de poder do Estado independente era importante tanto para o projeto, quanto
para a legitimação do MPLA-PT no poder.
Entretanto, nem todos os projetos do MPLA-PT após a independência conseguiram
obter sucesso. Para o fracasso dos objetivos do partido, colaboraram dois elementos
fundamentais: a manutenção de uma sangrenta guerra civil contra a UNITA e as dificuldades
em reconstruir as bases econômicas do país.
53 Idem, ibidem
61
2.3 Desgaste econômico e guerra civil: empecilhos para a construção do Homem Novo
Após a independência de Angola, a FNLA se enfraqueceu bastante e deixou de ter
uma força militar importante para o desenvolvimento da guerra civil que se instalou naquele
país. A queda da FNLA sofreu influência de um revés no Zaire, quando o regime de Mobutu
estabeleceu relações mais cordiais e amistosas com o governo do MPLA. Já a UNITA
conseguiu se reorganizar após as derrotas sofridas em 1975 e 1976, baseada no tradicional
argumento étnico que a ligava ao grupo dos ovimbundos, ao carisma de Jonas Savimbi e,
sobretudo, no apoio militar e econômico fornecido pela África do Sul. A partir de 1985, os
EUA voltariam a apoiar a UNITA.
Apesar de ter vencido a disputa pelo domínio do Estado angolano e mesmo com o
apoio internacional soviético e cubano, o MPLA também passava por dificuldades. Estas
dificuldades, além de envolverem a questão política do embate contra a UNITA, também
tinha suas bases nas dificuldades econômicas enfrentadas pelo Estado. A economia
planificada demonstrou ser um dos grandes problemas a ser enfrentado pelo MPLA para a
reconstrução da sociedade angolana.
O capital metropolitano português estimulava a força produtiva da economia colonial
angolana. Após 1975, os investimentos portugueses, que em sua maioria foram abandonados
após a independência54, se tornaram alvos do Estado, que pretendia a planificação econômica
através da nacionalização das estruturas produtivas em Angola. O MPLA-PT defendia que “a
supressão revolucionária da propriedade privada dos meios de produção é [era] um objectivo que
permitirá permitiria] estabelecer gradualmente novas relações de produção”.55 A supressão dos
investimentos privados pelo Estado angolano era algo que soava um pouco fora de tom, vista
a situação degradante em que a economia se encontrava após 14 anos de guerra anticolonial.56
O aumento da produtividade da economia angolana era, para o MPLA-PT, uma das
questões mais importantes para impulsionar a revolução socialista. Como foi visto
anteriormente, as organizações de massa, principalmente os sindicatos, eram estimulados no
sentido de promover uma nova relação entre a sociedade e o trabalho, fazendo sempre crer
54Segundo Tony Hodges, 300000 portugueses deixaram Angola.HODGES, Tony. Angola, do Afro-estalinismo ao capitalismo selvagem. Cascais: Princípia. 2002.p.42 55MPLA apud FERREIRA, Manuel Ennes. Nacionalização e confisco do capital português em Angola (1975-1990), p.49. 56 Idem.
62
que o aumento produtivo era o caminho para a reconstrução do país e para pôr um fim
definitivo na guerra contra a UNITA.
Entretanto, os problemas econômicos de Angola só se iniciavam no momento da
independência. Durante os anos seguintes, a economia angolana não conseguiria aumentar a
sua produção da maneira que o Estado pretendia. A guerra civil foi uma das causas para a
estagnação da produção angolana. Além de ser bastante dispendiosa ao pobre Estado
independente, a guerra anticolonial e a guerra civil destruíram boa parte dos meios de
produção angolanos, inviabilizando a retomada do crescimento.
O modelo de nacionalização e a centralização econômica são apontados por Manuel
Ennes Ferreira como causas principais para o insucesso econômico angolano. Após a
independência, o MPLA-PT criou uma imensa máquina burocrática mal gerida e sem
capacidade de reativar o setor industrial e agrícola do país. 57O Estado apropriou-se da grande
maioria de negócios abandonados pelos portugueses, sem definir quais eram os seus objetivos
principais. Desta maneira, o Estado tornou-se proprietário de quase todos os meios de
produção angolanos e foi incapaz de gerir este grande aglomerado de empresas.
Apesar dos problemas econômicos, Angola ainda tinha uma importante riqueza a ser
explorada: o petróleo. A exploração petrolífera foi a única atividade que não foi afetada
durante a guerra civil e foi responsável por sustentar o Estado angolano e todas as suas
despesas. A criação da Sociedade Nacional de Combustíveis, Sonangol, representou a
nacionalização dos recursos minerais do país, mas não houve a expulsão das empresas
estrangeiras que exploravam o petróleo antes da independência, o que permitiu a permanência
de quadros para a manutenção da extração petrolífera.
José Maria Nunes Pereira aborda a questão econômica angolana apresentando a
existência de um paradoxo: ao mesmo tempo em que o Estado angolano se declarava inimigo
dos países do bloco capitalista e se recusava a aceitar o imperialismo estadunidense, o
principal comprador e explorador do petróleo angolano era os EUA, através de suas
petrolíferas, como a Chevron e a Texaco. 58Este paradoxo da economia angolana não se
manifestava somente na exportação de petróleo, mas em toda a economia, como se pode ver
na tabela a seguir:
57FERREIRA, Manuel Ennes. Nacionalização e confisco do capital português em Angola (1975-1990). 58PEREIRA, José Maria Nunes. Angola: uma política externa em contexto de crise (1975-1994). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo, 1999.
63
Tabela 1: Repartição Geográfica do Comércio Externo de Angola
(Anos relacionados; em percentagem)
Exportações Importações
1979 1980 1981 1982 1985 1979 1980 1981 1982 1985
Europa Ocidental 28,5 22,2 27,0 43,0 34,3 56,4 51,6 60,0 62,0 52,7
Países Socialistas 6,9 6,3 3,0 2,0 2,9 15,7 16,9 8,0 7,0 10,8
América do Norte 21,4 31,8 67,0 54,0 49,1 5,6 7,1 22,0 22,0 2,7
América Latina 35,1 28,9 9,8 10,8 12,1
África 3,4 4,1 2,0 1,0 1,2 3,0 2,2 3,0 2,0 2,9
Não Especificados 4,7 6,7 2,0 6,0 9,5 11,4 7,0 9,0 19,0
Fontes: Angola: Informações Estatísticas 1979-80; BAGHAVAN (1986) e FERREIRA (1991).59
Merecem destaques os dados que mostram o grande volume de exportações de Angola
para a América do Norte, principalmente aos EUA, e pequeniníssimo volume de exportações
para os países socialistas. Destacam-se ainda as importações feitas dos países da Europa
Ocidental, número que supera muito aqueles referentes às importações dos países socialistas.
Portanto, fica claro através desta tabela o paradoxo vivido pela economia angolana, que,
apesar do apoio dos países do bloco socialista, tinha uma vinculação econômicamuito grande
em relação aos países do bloco capitalista, especialmente os EUA e a Europa Ocidental.
Apesar do “paradoxo da economia angolana”, o petróleo foi responsável pela maior
parte da renda do Estado, sendo fundamental para o financiamento da guerra contra a UNITA
e para a tentativa de reconstrução de Angola. Apesar dos rendimentos do petróleo, a
centralização econômica promovida pelo MPLA-PT também foi responsável pelas
59PEREIRA, José Maria Nunes. Angola: uma política externa em contexto de crise (1975-1994). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo, 1999. p 163
64
dificuldades encontradas para o abastecimento de produtos para a população. As Lojas do
Povo, apesar de subsidiadas pelo Estado, não davam conta de suprir as necessidades dos
angolanos, o que levou à formação de um mercado paralelo, onde uma maior quantidade de
produtos era oferecida. O contrabando foi bastante importante para o abastecimento deste
mercado paralelo.
A partir da década de 1980, a guerra civil se intensificou e se espalhou pelo território
angolano, de maneira que os gastos com a defesa aumentaram bastante naquele momento. Se
os gastos aumentaram para a manutenção do combate contra a UNITA, o mesmo não se pode
dizer do investimento em serviços sociais. A partir da expansão da guerra e das dificuldades
decorrentes da centralização econômica, os serviços básicos oferecidos pelo Estado, como
educação e saúde, sofreram uma forte queda em sua qualidade e uma diminuição da
quantidade de serviços ofertados à população. 60
Paralelamente aos problemas encontrados pelo Estado na reconstrução de Angola e na
oferta de serviços públicos, a maioria da população passava por um processo de
empobrecimento. O resultado disso foi o aumento da estratificação e da desigualdade sociais.
Após a independência houve a ascensão de uma elite pós-colonial que se originara dos setores
crioulos da sociedade do período colonial. Esta elite tinha como bases de sustentação sua
imposição na política e o domínio dos melhores cargos na burocracia do Estado angolano, o
que lhe proporcionava uma boa renda. 61
Deste contexto exposto acima onde as dificuldades econômicas, a guerra civil e a
degradação dos níveis de vida da população angolana são características marcantes, é possível
um questionamento sobre a penetração social dos ideais defendidos para a construção do
Homem Novo angolano. Até que ponto este projeto seria relevante para a população? A
adesão a este projeto ocorreu de fato?
Como foi apresentado, do período compreendido entre a independência de Angola e
meados da década de 1980, o Estado não conseguiu melhorar os níveis de vida da população e
tampouco conseguiu revigorar uma economia extremamente debilitada pelas guerras
anticolonial e militar e pela má gestão de uma centralização excessiva. A incapacidade do
governo para promover o desenvolvimento social e econômico influenciou sobremaneira o
60 HODGES, Tony. Do afro-estalinismo ao capitalismo selvagem. Cascais: Princípia, 2002, p. 58
61HODGES, Tony. Do afro-estalinismo ao capitalismo selvagem. Cascais: Princípia, 2002. p. 67
65
projeto de construção do Homem Novo. Neste sentido, pode-se afirmar mesmo que o projeto
de construção da identidade nacional angolanafalhou.
Em um momento de guerra, a população se sentia ameaçada por forças muito mais
poderosas do que as forças individuais, o que levou ao reconhecimento da necessidade de
manter laços coletivos para garantir a sobrevivência. Sendo assim, as identidades étnicas
continuaram a ser lugares-sociais seguros e, portanto, importantes para as populações
angolanas.
Mesmo que o Estado angolano lutasse contra o “tribalismo” e o racismo objetivando
uma unidade nacional com base na formação de uma cultura unitária comum a todos os povos
angolanos, esta nova identidade se apresentava apenas o mais uma identidade62. Portanto, as
relações étnicas continuaram a permear as relações sociais em Angola, mesmo que a
identidade que o MPLA-PT tentasse construir fosse contra esta multiplicidade de
interpretações da identidade.
Pode-se perceber que a ideia da construção do Homem Novo angolano tentava
suprimir as características culturais da população através de uma adequação das diversidades
e da opressão dessas por um projeto que definia novos valores culturais para uma nova
sociedade, como o apego ao trabalho, disciplina, agregação dos progressos técnicos e
científicos de outros povos, luta pela revolução socialista etc. Nota-se claramente que esta
identidade do Homem Novo angolano tinha suas bases principalmente em padrões políticos e
não culturais.
Portanto, deve-se considerar que o projeto de construção do Homem Novo angolano
era um artifício muito mais de caráter político do que cultural. Sendo assim, esta identidade
nacional, quando muito, repercutia entre a sociedade angolana como mais uma entre as
múltiplas identidades que compunham as identidades individuais. É provável que esta
identidade pretendida pelo MPLA-PT tenha sido acionada predominantemente em casos em
que se almejava conseguir alguma benesse do Estado, como a participação em empresas
estatais ou a ascensão em cargos burocráticos do Estado. Em todo caso, este uso não passava
de mais uma identidade que era acionada pelos angolanos.
62
Seguindo as análises antropológicas sobre a questão da identidade, esta pesquisa entende que a identidade deve ser tratada como fenômeno múltiplo, que pode ser acionado de diferentes formas dependendoda situação em que é acionada.
66
Ao mesmo tempo em que a identidade do Homem Novo podia ser acionada pelos
angolanos, indivíduos carentes da assistência do Estado e, portanto, em situação de crise,
apelavam para as identidades étnicas era uma alternativapara enfrentar situações em que
passavam necessidades. A identidade étnica funcionava como um refúgio social por ser um
referencial cultural e moral, além de garantir a solidariedade entre os membros de uma mesma
etnia.
Em suma: pode-se considerar que o projeto de construção do Homem Novo angolano
repercutiu de maneira distinta àquilo que o MPLA-PT pretendia. Ao tentar homogeneizar as
diversidades culturais existentes no país através da supressão da multiplicidade cultural, o
Estado criou apenas mais uma identidade que podia ser acionada pelos angolanos. O Homem
Novo não teve uma vida longa em Angola.
67
68
3 A morte do Homem Novo angolano – da unicidade à multiplicidade identitária
(1986-1992)
Após analisar o nascimento da ideia de identidade nacional de acordo com as
concepções do MPLA (Primeiro Capítulo), pôde-se perceber as bases que deram origem à
ideia de construção do Homem novo angolano (Segundo Capítulo). A partir de agora, esta
pesquisa continuará a analisar os discursos sobre a nacionalidade angolana em uma nova fase
política e econômica da história de Angola, o período em que o projeto socialista foi
abandonado pelo MPLA-PT e que a economia passou por uma abertura ao mercado liberala
partir de meados da década de 1980.
Será apresentado neste Terceiro Capítulo o momento em que o MPLA-PT se
transformou e desistiu oficialmente de implementar o socialismo em Angola. Este abandono
da ideologia marxista-leninista teria grandes transformações na concepção de identidade
nacional angolana, já que esta ideologia dava as principais bases para a construção do Homem
Novo e da nova identidade nacional que o MPLA-PT tentou construir quando conseguiu
chegar ao poder em Angola.
Nesta terceira parte da pesquisa, será necessário também levar em consideração a
permanência da guerra civil contra a UNITA e a manutenção das dificuldades econômicas em
Angola, pois todas as ações do Estado acabaram influenciadas por estes eventos. Enfrentar
uma guerra civil e não ter uma economia sadia foram problemas bastante graves que tiveram
marcante influência na abertura econômica angolana.
Em seguida, analisarei mais detidamente o processo para a negociação de paz entre o
governo do MPLA e a UNITA. Será necessário, neste momento, atentar para a conjuntura
internacional, tanto em relação ao continente africano quanto ao desmantelamento do bloco
socialista no início da década de 1990.
O período abordado neste capítulo vai de 1986, quando houve a virada ideológica do
MPLA, a 1992, momento de grande importância para Angola devido à realização das
primeiras eleições no país. Utilizei como fontes para a pesquisa exposta neste terceiro capítulo
os discursos dos dirigentes do MPLA nos comícios da campanha pelas eleições de 1992,
material extremamente interessante para o trabalho, pois expressa as principais ideias
defendidas pelo partido naquele momento de transformação e mostra as reações do
69
eleitoradoque assistia a estes comícios.Foram utilizadastambém como fontes para a pesquisa
os resultados das eleições de 1992, pois estes números são relevantes para entender o peso
que as etnias ainda tinham em Angola e, como consequência, entender o insucesso do projeto
de eliminação destas fronteiras étnicas para a formação de uma identidade nacional e a
transformação na ideia de construção desta.
70
3.1 A mudança ideológica do MPLA e suas consequências econômicas e políticas
Como foi apresentado no capítulo anterior, ao sair deum longo e penoso processo de
independência, o MPLA se definiu ideologicamente como um partido marxista-leninista e
levou adiante o projeto de construção do socialismo em Angola. A nacionalização dos meios
de produção ocorreu juntamente com oprocesso de planificação da economia, que não seria
bem executado devido à incapacidade administrativa do Estado e à limitação da iniciativa
privada em um país que necessitava rapidamente de uma recuperação econômica.
A guerra civil travada contra a UNITA desde a independência também colaborou
bastante para que as dificuldades econômicas de Angola se tornassem determinantes para as
ações políticas do MPLA-PT, já que boa parte dos rendimentos do Estado era gasto com a
defesa do Estado e o investimento na guerra contra a UNITA.
Com uma economia debilitada e a vivência de uma sangrenta guerra civil que se
intensificara na década de 1980, Angola viu os níveis de investimento em setores sociais
diminuírem drasticamente ao mesmo tempo em que se assistia a escalada da corrupção nas
estruturas do Estado e a formação de um mercado paralelo que complementava a débil oferta
de produtos das Lojas do Povo e que tinha ligações estreitas com o comércio legal, isto é, com
o Estado. Enfim, o governo do MPLA-PT não conseguia suprir as necessidades da sociedade
e ainda era corroído por dentro por elementos corruptos.63
Desta situação de descrédito no governo e da penúria vivida pela população angolana,
completou-se o processo de afastamento da sociedade civil das questões políticas iniciado a
partir de 1977. Ao assumir uma forma autoritária de governo, o MPLA-PT iniciou a
construção de um Estado extremamente centralizado com os órgãos decisórios concentrados
nas mãos de uma pequena elite do partido-Estado.
Em relação ao contexto internacional da década de 1980, é possível identificar que
Angola, assim como grande parte do continente africano, passava por um mal momento, já
que os preços de seus produtos caíam no mercado internacional, provocando um
endividamento externo bastante grave. Mesmo com um grande aumento da produção de
63
Para Christine Messiant, a corrupção deixou de ser sistêmica e passou a ser endêmica em Angola. Ver MESSIAN, Christine. Economia política em Angola – sistema político formal e sistema político real: a reconversão de uma dominação hegemônica.
71
petróleo, Angola passava por dificuldades econômicas, pois o preço internacional do produto
caia substancialmente (ver tabela a seguir).
Tabela 2 - Alteração no Preço e na Produção de Petróleo 64
1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986
Preço (US$) 100 110 86 87 86 81 45
Produção (mil b/d) 100 95 96 132 151 171 208
Vistas as grandes dificuldades econômicas vividas por Angola e a necessidade de
vinculação de uma economia planificada de base socialista com o mercado liberal capitalista
(paradoxo da economia angolana65) em função do seu principal produto de exportação e da
forma como ele era produzido, o MPLA-PT passou a admitir timidamente a necessidade de
empreender uma transformação política e econômica no país. A partir de então, setores do
partido que defendiam uma abertura econômica de Angola ao mercado internacional passaram
a se manifestar e ganhar mais peso político.
No Segundo Congresso do MPLA-PT, ocorrido em 1985, ganhou força a ideia de
necessidade de mudanças na política econômica angolana. Apoiada pelo presidente José
Eduardo dos Santos, esta propostadefendia uma adaptaçãoda economia angolana às leis do
mercado. O argumento central para esta mudança repousava na crença de que a política
econômica deveria ser reajustada para que os interesses superiores na defesa de Angola
pudessem ser atendidos. Neste sentido, o Segundo Congresso do MPLA-PT defendeu que o
setor econômico ficaria subordinado aos interesses da questão militar angolana. 66
A nova política econômica definida em 1985 defendia a necessidade de abertura ao
mercado internacional como uma forma de dinamização das exportações. No entanto, mesmo
propondo uma reforma no sentido da liberalização da economia, o MPLA-PT ainda utilizava
64UNDP (1989) appud PEREIRA, José Maria Nunes. Angola: uma política externa em contexto de crise (1975-
1994). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo, 1999 65
PEREIRA, José Maria Nunes. Angola: uma política externa em contexto de crise (1975-1994). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo, 1999. 66 Idem, p. 170
72
chavões do discurso socialista, como a “defesa da ditadura do proletariado” e a “luta de
classes” para impedir a influência da elite burguesa. Nas palavras irônicas de Tony Hodges:
“o planejamento centralizado[da economia] em Angola era mais notável pela sua centralização do
que pelo seu planejamento”.67
No Segundo Congresso do MPLA-PT, o presidente José Eduardo dos Santos
conseguiria, enfim, se consolidar no poder e minar a sombra da influência de Agostinho Neto.
A eleição para o novo Comitê Central lhe favoreceu, sendo possível o afastamento de diversos
membros que eram contrários às mudanças de caráter liberalizante na economia angolana. É
importante citar que as mudanças econômicas eram respostas não somente à crise econômica
motivada pela abrupta queda do preço do petróleo no mercado internacional, mas também ao
desejo de importantes setores sociais angolanos que eram a base de sustentação do governo do
MPLA-PT
Um ano e meio após o Segundo Congresso do MPLA-PT, em 1987, o governo
angolano lançou o programa de Saneamento Econômico e Financeiro (SEF), que tinha como
principal objetivo concretizar a liberalização da economia angolana. Desta forma, o governo
enterrava de vez a ideia de planificação econômica à moda soviética e dava os primeiros
passos para entrar na economia de mercado, guiada pelas regras liberais. Nas palavras de
Tony Hodges: Angola passava do afro-estalinismo ao capitalismo selvagem68. O SEF se
destinava a corrigir os desequilíbrios causados pelo planejamento centralizado da economia
através de uma reestruturação de grande impacto, que controlaria o orçamento, ajustaria o
câmbio, liberaria os preços dos produtos de acordo com as leis do mercado, além de propor
um conjunto de reformas na burocracia do Estado. Abria-se, enfim,espaço para a participação
do capital internacional na economia e para a iniciativa privada angolana.
Em 1990, o Comitê Central do MPLA-PT no Terceiro Congresso Ordinário do partido
decidiu abandonar o sistema de partido único e permitir a concorrência aberta entre diferentes
partidos políticos. Angola entrava pela primeira vez em um sistema multipartidário, abrindo
espaço para manifestações de oposição vindas de outros movimentos políticos, principalmente
da UNITA.
67HODGES, Tony. apud PEREIRA, José Maria Nunes. Angola: uma política externa em contexto de crise
(1975-1994). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo, 1999.p. 171.
68 Idem.
73
No Terceiro Congresso do MPLA decidiu–se, enfim, pelo abandono oficial do
marxismo-leninismo como base ideológica do Estado e do partido. A partir de então, o MPLA
passou a adotar um “socialismo democrático” e optou por uma “economia social de
mercado”, nas palavras do próprio partido. Em uma entrevista ao jornal português Expresso,
José Eduardo dos Santos afirmou em relação ao período em que o MPLA-PT tinha a
ideologia marxista-leninista como base:
“não houve aqui [em Angola] condições objectivas para a edificação do socialismo,
tal como ele vinha escrito nos manuais de Marx, Engels, etc. (...) Aqui, o socialismo
foi uma intenção, talvez não tenha passado do papel. (...) Agora estamos em busca de
outros caminhos. (...) Pretendemos que Angola seja um país pacífico, democrático e
com uma economia assente nas leis de mercado. (...) criar aqui uma sociedade aberta
e livre, em que os cidadãos possam explorar as suas potencialidades em todos os
domínios e em que a regra de ouro seja o respeito pela liberdade, pela igualdade de
oportunidades dos cidadãos e onde, no domínio econômico, exista concorrência e
competição – em que o lucro seja o principal incentivo para o desenvolvimento das
atividades econômicas.”69
Em 1991, no Segundo Congresso Extraordinário do MPLA, que tinha o tema “novos
tempos para Angola”, foram aprovados o novo programa e o novo estatuto do partido.
Decidiu-se nesta ocasião pelo empreendimento de uma “abertura para o norte bakongo”,
sendo eleitos, entre outros, dois antigos dirigentes da FNLA para o Comitê Diretor: Johnny
Pinnock e Paulo Tuba. O partido se esforçava para mostrar com esta atitude a necessidade de
haver representação de todos os povos angolanos em seus órgãos decisórios. Voltava-se,
portanto, àquela ideia de que o MPLA era um partido que representava toda a nação angolana
já defendida no momento da guerra de libertação nacional.
Para Christine Messiant, o Estado angolano passou por uma “viragem clientelista” a
partir da segunda metade da década de 1980. A nova configuração política do MPLA não
trazia consigo uma mudança política de vulto para Angola, já que a Constituição, a relação
autoritária travada com a sociedade civil e o partido que dominava o Estado foram mantidos
inalterados. As grandes transformações trazidas por esta “viragem clientelista” foram as 69
Jornal Expresso, 18 de julho de 1992
74
referidas transformações na política econômica seguida por Angola. A partir de então, novas
formas de apropriação, acumulação, redistribuição e de utilização do poder público em
benefício de particulares ganharam terreno no país. 70
70
MESSIANT, Christine. A economia política de Angola – sistema político formal e sistema político real, 1980s-2004: a reconversão de uma dominação hegemônica. P.3 a 9.
75
3.2 As campanhas eleitorais e a redefinição do projeto nacional do MPLA
O conflito internacional que tinha lugar em Angola foi resolvido a partir de
negociações que culminaram nos Acordos de Nova Iorque, em dezembro de 1988. No mesmo
sentido em que ia a negociação do conflito internacional, MPLA e UNITA também davam
sinais de querer pôr um ponto final na guerra civil angolana. Este esforço resultaria nos
Acordos de Bicesse em 1991, que foram intermediados por EUA, Rússia e Portugal.
Após o tratado de paz assinado entre MPLA e UNITA, a campanha eleitoral passou
aser preparada por ambas as partes. Angola viveria, em 1992, a primeira eleição democrática
de sua história. Como já era de se imaginar, MPLA e UNITA protagonizaram os embates
tanto para as eleições legislativas quanto para a eleição presidencial, apesar de pulularem
diversos pequenos partidos que tentavam representar uma nova força democrática em Angola.
Havia uma expectativa de que estes novos partidos políticos angolanos representassem
uma terceira força para concorrer em pé de igualdade com MPLA e UNITA, mas esta
expectativa não se confirmou. A força política desses novos partidos seria uma decepção
àqueles que acreditavam na capacidade de formação de uma nova força que conseguisse
aglutinar os eleitores angolanos. A falta de quadros e de recursos podem ser apontadas como
causas do pouco poder político alcançado pelos novos partidos.
As expectativas em relação ao pleito eleitoral que ocorreria em 1992 apontavam dois
fatores mobilizadores para as eleições: o peso das etnias e a ideia de desgaste do MPLA
devido ao fraco desempenho econômico e ao autoritarismo político característicos do período
de dezesseis anos em que o partido estivera no poder71.
Será de importância central para esta pesquisa entender o peso do voto étnico, pois o
resultado das eleições pode confirmar, mais uma vez, o fracasso do projeto de nação do
MPLA, que pretendia acabar com as fronteiras étnicas em Angola através da criação da
unidade nacional e do Homem Novo.
Os dois fatores de análise das eleições davam significativa vantagem à UNITA, pois,
como já foi apresentado no primeiro capítulo desta pesquisa, o grupo etnolinguístico
ovimbundo, principal base de apoio da UNITA, constituía aproximadamente 35% da
71 BITTENCOURT, Marcelo. Guerra, paz, eleições e economia em Angola. Mimeo.
76
população, enquanto os mbundo, principal base de apoio do MPLA, representavam apenas
25% dos angolanos.
Os analistas políticos da época mostravam uma interessante característica sobre
Angola: as etnias ainda eram importantes elementos de mobilização social, mesmo após a
independência. Ao considerarem uma vinculação estrita entre etnia e voto, os analistas ainda
se perguntavam qual seria o partido que angariaria para si os votos da etnia bakongo, que
correspondia a 15% da população angolana.
O grupo etnolinguístico bakongo era a principal base de apoio da FNLA, o importante
movimento nacionalista que dera os primeiros passos no sentido de empreender uma luta
contra o colonialismo português. Após a independência, como já foi dito, a FNLA perdeu
força política e militar, ficando em um segundo plano frente às lutas entre MPLA e UNITA.
Apesar disso, a FNLA não deixou de participar do pleito eleitoral de 1992, lançando a
candidatura de Holden Roberto para a presidência, o que não renderia muitos frutos ao
enfraquecido movimento que, na ocasião, se transformara em partido político.
O apontamento dos dois fatores de análise para a decisão eleitoral refletia, segundo
Marcelo Bittencourt72 o esvaziamento dos debates ideológicos entre MPLA e UNITA, que
tinham ideias muito próximas em seus projetos para o governo angolano. Em relação à
política, os partidos se fantasiaram de democratas convictos, esgrimindo a todo momento os
ideais de liberdade política aos angolanos. Contudo, em um segundo momento, Savimbi
abandonaria esta máscara e não aceitaria os resultados das eleições sob o argumento de que
teria havido uma fraude generalizada. Ambos os partidos acreditavam também que o ingresso
no mercado liberal internacional resolveria todos os problemas da economia angolana e, por
consequência, elevaria os níveis de investimento na sociedade. A fórmula liberal era um passe
de mágica que, em pouco tempo, levaria Angola ao progresso econômico e social.
É interessante ressaltar que, durante as campanhas eleitorais, o MPLA estava
completamente afastado das ideias socialistas que caracterizaram seus dezesseis anos de
governo. Não eram feitas quaisquer referências ao marxismo-leninismo, o que pode ser
constatado pelas palavras dos próprios dirigentes do MPLA que discursavam na campanha73.
Se no período socialista em Angola os dirigentes do MPLA alardeavam em seus discursos a
72
BITTENCOURT, Marcelo. A questão étnica e racial nas eleições angolanas. In: Estudos Afro-Asiáticos, nº 25. Rio de Janeiro, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 225-250, 1993. 73
Vídeos disponíveis em Blog do Noblah: http://oglobo.globo.com/pais/noblat/ e em www.youtube.com
77
necessidade de se conhecer o marxismo-leninismo para a concretização da revolução
socialista, nas campanhas de 1992, poucas palavras eram faladas em relação ao projeto
político para Angola. A tônica dos discursos tanto do MPLA quanto da UNITA era desferir
ataques contra seus oponentes e prometer aos eleitores uma grande transformação social a
partir da liberalização da economia angolana.
Desta forma, é possível entender que aquele projeto de construção do Homem Novo
angolano foi gradativamente sumindo dos discursos e ações práticas do governo do MPLA.
Ao abandonar a ideia de construção do socialismo em Angola, o partido também de desfazia
da ideia da construção do Homem Novo dotado de valores e cultura revolucionários. As
palavras “disciplina e produção”que outrora eram repetidas à exaustão nos discursos deixaram
de fazer parte do vocabulário dos dirigentes do MPLA e, mais importante, a ideia que traziam
consigo também foi deixada de lado a partir da referida viragem ideológica do partido. A
necessidade de aumentar a produção através da disciplina do trabalho não era mencionada nos
comícios políticos para as eleições de 1992, o que mostra um claro contraste entre os
discursos proferidos no período de planificação da economia e de construção do socialismo
em Angola.
O projeto de construção da identidade nacional angolana a partir da criação do
Homem Novo teve, portanto, que ganhar uma nova face, já que o marxismo-leninismo não era
mais a base ideológica do MPLA. Neste sentido, o partido investiu novamente na ideia de que
a identidade nacional seria composta pelos diversos povos residentes em Angola. Nas
campanhas, o MPLA sempre baseou seus discursos na ideia de que os povos angolanos
compunham uma única nação. Ao contrário do que a UNITA fazia em sua propaganda
política, o MPLA nunca priorizou as identidade étnicas, fazendo referência sempre ao
conjunto nacional angolano, contudo sem diminuir a importância das etnias em Angola.
A partir daquele momento, a principal característica da identidade nacional que o
MPLA passou a ser o respeito pela diversidade cultural angolana. Portanto, o discurso de
unidade nacional através de uma comunidade de cultura foi substituído pela ideia de
composição nacional através da multiplicidade dos povos angolanos. Estas características
eram apresentadas em jingles da campanha de José Eduardo dos Santos, onde se via ideias de
união de “povos de todos os cantos” pela paz, “sem distinção de cor”. A união nacional
deveria ocorrer, portanto, pela paz e através da multiplicidade dos povos angolanos.
78
A partir desta concepção de identidade nacional reformada pela transformação
ideológica pela qual passara em meados da década de 1990, o MPLA passou a se aproximar
das lideranças locais tradicionais em um claro reconhecimento da influência que os grupos
étnicos ainda tinham em Angola. A ideia já apresentada neste trabalho de que o MPLA seria o
lugar ideal de convivência entre os grupos étnicos foi retomada, numa tentativa de mostrar
que o partido aceitava as diferentes etnias em seu interior em situação de igualdade. Em sua
campanha, o então presidente José Eduardo dos Santos era tratado por algumas das chefias
tradicionais como “o soba de todos os sobas”74.
Portanto, se em um primeiro momento de usa história o MPLA marginalizava as
chefias tradicionais angolanas por considerá-las símbolos de atraso e de desintegração
nacional, a partir da segunda metade da década de 1980 esta postura mudaria radicalmente,
sendo que estas chefias tradicionais foram incorporadas ao projeto nacional do MPLA, que
passou a defender a identidade nacional através da multiplicidade de povos e culturas
existentes em Angola. Se antes a palavra central do projeto de nação era a unidade cultural,
agora o centro desta ideia era a multiplicidade cultural.
Ao contrário do que o MPLA fazia, a UNITA se mostrava extremamente vinculada às
questões étnica, racial e militar. Durante toda a campanha para as eleições, Jonas Savimbi não
se esquivou do perigoso jogo da etnicidade e o jogou com a esperança de que os ovimbundo
lhe garantissem a vitória nas urnas em uma transposição automática entre voto e etnia. Em
alguns comícios, pode-se ver Savimbi discursando na língua umbundo, o que revela uma clara
aproximação e preferência pelos ovimbundo, sua principal base de apoio político 75. A ideia
da rotatividade do poder no sistema democrático era apresentada pela UNITA como sendo o
momento dos ovimbundo, considerados como oslegítimos angolanos, chegarem ao poder
através das urnas.
A questão racial também foi trabalhada com intensidade na campanha de Jonas
Savimbi. Novamente o MPLA era criticado por ser um partido de mestiços e brancos que não
podia ser considerado como um legítimo representante dos povos angolanos. Além disso, a
presença dos mestiços e dos brancos nos órgãos de direção do MPLA era apontada como
causa para os problemas políticos e econômicos pelos quais Angola passou depois da
independência, já que mestiços e brancos seriam necessariamente, segundo Savimbi, 74
Os sobas eram líderes locais que tinham grande influência sobre as populações, principalmente nas áreas rurais. 75
Ver: http://www.youtube.com/watch?v=CXHM-2OwuYg&feature=related. Acessado em 5 de março de 2013.
79
burgueses exploradores dos legítimos angolanos, já que a raça seria uma marca negativa
deixada pelo passado colonial. A tentativa de deslegitimar o MPLA e considerar a UNITA
como a única representante do povo angolano foi expressa nas palavras de Savimbi:
"Ninguém está a dizer que os crioulos não deveriam ter a sua própria cultura, que os
crioulos não deveriam viver da forma como vivem. Tudo o que estamos a dizer é que
nós não somos crioulos. Tudo o que queremos dizer é que nós pertencemos à origem
banto e somos africanos. Nós não podemos abdicar e não podemos fazer concessões
em defesa desses valores"76
A argumentação étnica e racial de Savimbi se complementava com um claro discurso
revanchista, que deixava transparecer a ideia de que,caso a UNITA não vencesse as eleições,
a guerra civil seria retomada imediatamente. Uma derrota nas urnas parecia inimaginável para
Savimbi, que ameaçava: “se me provocarem, isso vai ficar feio. Eu agora tenho um
exército”77. O sentimento de revanchismo expresso por Jonas Savimbi também podia ser
visto na indumentária dos membros da UNITA que subiam nos palanques. Sempre que falava
em público, Savimbi aparecia fardado e com militares atrás de si fortemente armados, o que
demonstrava que a proposta de desmobilização militar dos partidos não era respeitada pela
UNITA (o MPLA também não respeitaria esta cláusula de Bicesse) e que o partido estava
pronto para o retorno à guerra em caso de derrota eleitoral.
Assistida pela empresa de marketing político brasileira Propeg, a campanha do MPLA
investiu em pesquisas que ouviam os anseios dos angolanos em relação à política. O
sentimento de exaustão devido aos mais de trinta anos de guerras anticolonial e civil em
Angola ficou evidente pelos resultados das pesquisas. A imagem belicosa de Savimbi seria o
alvo de muitas das propagandas políticas do MPLA, como pode ser visto em “As contradições
de Jonas Savimbi” 78, onde são apresentadas oito contradições do líder da UNITA.
76
SAVIMBI, Jonas Apud PEREIRA, José Maria Nunes. Angola: uma política externa em contexto de crise (1975-
1994). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo, 1999, P. 200 77
Pode-se ver isto nos seguintes vídeos: http://www.youtube.com/watch?v=tU9R6Kfoj5k&feature=related e http://www.youtube.com/watch?v=_CC3O31ttsQ. Acessado em 5 de março de 2013. 78
Ver http://www.youtube.com/watch?v=_CC3O31ttsQ. Acessado em 5 de março de 2013
80
Visto este anseio de volta à paz em Angola, a campanha do MPLA se concentrou em
passar a imagem de um José Eduardo dos Santos comprometido com a concretização da paz.
O contraste entre as vestimentas de José Eduardo dos Santos e de Jonas Savimbi é flagrante:
enquanto o líder da UNITA usava trajes militares, o líder do MPLA normalmente vestia
ternos e gravata ou camisas sociais. Ao contrário da força da oratória de Savimbi, José
Eduardo dos Santos falava serenamente, sempre com um leve sorriso no rosto, o que
demonstrava a proposta de paz defendida pelo MPLA naquele momento. Em muitos materiais
de campanha do MPLA , uma pomba branca aparecia, simbolizando os novos tempos de paz
que o partido construiria se José Eduardo dos Santos fosse eleito79.
Em relação às campanhas dos demais partidos que concorriam às eleições, pode-se
dizer que estas não tiveram a repercussão necessária para entrar de fato nos debates que eram
travados entre UNITA e MPLA. Os novos partidos não conseguiam se portar como novas
forças políticas e acabavam entrando na polarização entre os dois principais partidos, sem
conseguirem propor alternativas às propostas de José Eduardo dos Santos e Jonas Savimbi80.
As eleições ocorreram em setembro de 1992 e, apesar das contestações e acusações
feitas pela UNITA, de maneira geral, o processo eleitoral foi pacífico e organizado.
As Nações Unidas acompanharam as eleições angolanas de 1992 através de uma
missão especial, a UNAVEM II. Apesar de se fazer presente, a ONU não teria grande
responsabilidade, o que explica o fato de a missão contar com apenas 350 observadores
militares desarmados e 126 militares também desarmados. Nas palavras de Margareth Anstee,
chefe da missão da ONU em Angola, o processo eleitoral foi pacífico, apesar de que:
"quem perdesse as eleições perderia virtualmente tudo, dado que elas eram baseadas
no conceito winner-takes-all. Embora este princípio tivesse sido importado das
democracias ocidentais, ele teve um impacto muito diferente num país que ainda não
tinha se livrado suficientemente de um regime de planejamento central, de uma
economia controlado pelo Estado, onde o setor privado [nacional] era virtualmente
79BITTENCOURT, Marcelo. Guerra, paz, eleições e economia em Angola. Mimeo. 80
BITTENCOURT, Marcelo. A questão étnica e racial nas eleições angolanas. In: Estudos Afro-Asiáticos, nº 25. Rio de Janeiro, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 225-250, 1993.. P. 232
81
inexistente. O Estado era o prêmio e quem perdesse era deixado de fora a todos os
níveis, não só da administração como da economia"81
Os resultados das eleições presidenciais de 1992 foram favoráveis a José Eduardo dos
Santos, mas não foram suficientes para eliminar a necessidade de um segundo turno, já que o
candidato alcançou 49.57% dos votos, enquanto Jonas Savimbi obteve 40,07% dos votos.
Vale ressaltar que, nesta primeira experiência eleitoral em Angola, cerca 92% dos
eleitorescompareceram às urnas, o que mostra o quanto a campanha eleitoral mobilizou uma
população ávida por democracia e novos tempos de paz82.
Em relação às eleições legislativas, também houve uma clara vitória do MPLA sobre a
UNITA. As eleições ao parlamento nacional foram divididas em dois ciclos (nacional e
provincial), sendo que o MPLA fez 70 deputados no ciclo nacional e 59 no provincial. A
UNITA fez, respectivamente, 44 e 26 deputados, o Partido Renovador Nacional (PRN) 3 e 3 e
a FNLA 3 e 2. Outros partidos conseguiriam eleger somente deputados no ciclo nacional:
Partido Liberal Democrático (PLD) alcançou 3 deputados, PRD, Partido da Aliança Juventude
e Operários e Camponeses de Angola (PAJOCA), Partido Democrático para o Progresso
(PDP), Partido Nacional Democrático de Angola (PNDA), Fórum Democrático Angolano
(FDA), Partido Social Democrata (PSD) e Coligação Democrática de Angola (CDA)
elegeram um deputado cada. Os demais partidos não conseguiram eleger sequer um deputado. 83
Apesar da vitória parcial de José Eduardo dos Santos e do grande comparecimento dos
eleitores angolanos, Jonas Savimbi não aceitou os resultados do primeiro turno das eleições
presidenciais e retornou à guerra civil contra o governo do MPLA. Semanas antes das
eleições, Savimbi já havia mencionado a ideia de que, caso perdesse as eleições, esta derrota
seria o resultado de uma fraude generalizada no processo eleitoral. A partir das eleições, a
guerra civil angolana entraria em sua fase mais sangrenta.
A UNAVEM II investigou a denúncia da UNITA sobre as possíveis fraudes nas
eleições e concluiu que o processo eleitoral angolano havia sido, de uma maneira geral, livre e
81
ANSTEE ApudPEREIRA, José Maria Nunes. Angola: uma política externa em contexto de crise (1975-1994). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo, 1999, p. 198 82
Os resultados das eleições podem ser consultados em:http://www.cne.ao/estatistica1992.cfm 83BITTENCOURT, Marcelo. Guerra, paz, eleições e economia em Angola. Mimeo.
82
justo, salientando ainda que, possivelmente, alguns erros foram cometidos pela inexperiência
na organização de eleições, mas estes incidentes não teriam comprometido o resultado final
das eleições.Entretanto, o parecer da UNAVEM II não seria suficiente para o retorno ao
conflito armado em Angola.
As análises da vitória do MPLA nas urnas em setembro de 1992 costumam apontar
três fatores que influenciaram o resultado: o uso privilegiado que o MPLA fizera da máquina
administrativa e de propaganda do Estado, a forma belicosa como a campanha de Jonas
Savimbi se apresentou e, por fim, o peso do voto étnico.
A análise dos votos por região revela a existência de uma vinculação entre etnia e a
opção pelo voto em um partido político nas eleições. Entretanto, não se deve considerar esta
vinculação como uma regra infalível, pois houve casos que se mostraram exceções em relação
ao voto étnico. Para a compreensão dos dados referentes às eleições angolanas de 1992é
necessário que se analise muito mais do que somente o componente étnico, já que existem
outras variáveis que também são importantes ao entendimento da questão84.
Como revelavam as previsões anteriores à campanha, a UNITA alcançou maior
sucesso na região das províncias do centro-sul angolano, localidade onde se concentra o grupo
ovimbundo. Já a votação do MPLA se mostrou mais expressiva nas áreas urbanizadas e,
possivelmente, isto definiu as eleições, já que as precárias estimativas existentes afirmam que
entre 50 e 60% da população angolana residia em áreas urbanas em 1992. Em geral, nas áreas
urbanizadas, o MPLA obteve uma média de 60% dos votos. O fenômeno da urbanização é
muito relevante no que tange ao enfraquecimento dos laços étnicos, já que nas cidades o
convívio interétnico geralmente é mais comum do que em zonas rurais. Da mesma forma, a
proximidade dos centros de poder significa também um maior contato entre a população e o
projeto de construção de uma identidade nacional, o que permite supor que o sucesso daquele
projeto tenha ocorrido mais em zonas urbanizadas do que em zonas rurais de Angola.
Outra vantagem alcançada pelo MPLA foi uma votação em relação ao território
nacional, pois em nenhuma região o MPLA deixou de ter uma parcela significativa dos votos
como aconteceu em relação à UNITA. O MPLA somente ficou em segundo colocado em
quatro das dezoito províncias e José Eduardo dos Santos só foi o segundo colocado em cinco
84
BITTENCOURT, Marcelo. A questão étnica e racial nas eleições angolanas. In: Estudos Afro-Asiáticos, nº 25. Rio de Janeiro, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 225-250, 1993.p.237.
83
delas. Em todas as demais, o MPLA e José Eduardo dos Santos saíram vencedores do pleito
eleitoral.
Pode-se concluir com base nos resultados das eleições de 1992 que ainda existiam
claras fronteiras étnicas no interior de Angola, apesar da existência do projeto de construção
de uma nação sem barreiras étnicas e fundada sobre um padrão cultural comum a todos os
angolanos levado adiante durante todos os anos da tentativa de construção do socialismo.
Neste sentido, é possível afirmar que a unidade nacional pretendida pelo MPLA e o projeto
colocado em prática a partir da ascensão do partido ao poder em 1975 não obtiveram sucesso
se os moldes apresentados pela sua direção (fim das barreiras étnicas e formação da unidade
cultural) forem considerados como o padrão da identidade nacional.
A partir da viragem ideológica do MPLA, como foi visto, o projeto de construção de
uma identidade nacional deixou de ser o da unidade cultural e da necessidade de formação de
um Homem Novo para ser trabalhado mais através da multiplicidade cultural angolana.
84
Conclusões
No primeiro capítulo deste trabalho, foi apresentado o momento de formação do
MPLA e da instituição de seus principais projetos em comparação com seu principal
concorrente na primeira fase da luta de libertação angolana, a UPA/FNLA. Ficou claro que o
MPLA agia como um movimento de caráter realmente nacional, englobando e aceitando a
participação de indivíduos de diversas origens. Inicialmente, ficou claro que negros, mestiços
e brancos poderiam se considerar membros do MPLA, mas logo esta questão racial seria
recolocada em questão na Primeira Conferência Nacional.
Em relação ao projeto político estabelecido pelo MPLA, viu-se neste primeiro capítulo
que o movimento lutava pela independência de Angola, considerando que, no período pós-
independência, deveria ser estabelecido um governo democrático, baseado no sufrágio
universal, mas já caminhando para uma matriz socialista. Esta definição ideológica não era
explicitada, mas as alianças internacionais indicavam isto. Portanto, os projetos para destruir o
colonialismo português e instaurar um governo independente já haviam sido feitos na década
de 1960, ao contrário do que ocorria com a FNLA, que não tinha projetos bem definidos para
a nação angolana.
O debate sobre a questão racial apareceria em diversos momentos da história do
MPLA. Um deles seria o debate levantado por Viriato da Cruz sobre a composição do Comitê
Diretor do movimento, que era composto também por mestiços no início da década de 1960.
Foi defendida, então, a tese de um afastamento dos mestiços dos cargos de direção do MPLA
como uma retirada estratégica para combater os ataques da UPA/FNLA que diziam ser o
MPLA um movimento de mestiços e negros privilegiados pelas estruturas coloniais.
No entanto, para outros setores do MPLA, a retirada estratégica dos mestiços do
Comitê Diretor significava uma contradição em relação aos princípios defendidos pelo
movimento, uma vez que este considerava que todos os angolanos, independente de cor, etnia,
religião, região ou trajetória de vida, poderiam ingressar na luta de libertação de Angola.
Agostinho Neto, o presidente do MPLA na ocasião, defendia este ponto de vista e, na
Primeira Conferência Nacional ocorrida em 1962, fez prevalecer o seus argumentos.
Entretanto, esta questão estaria longe de ser resolvida naquela época, pois novamente este
seria um tema em discussão no interior do movimento.
85
Como consequência das discussões ocorridas na Primeira Conferência Nacional do
MPLA, a ala liderada por Viriato da Cruz entrou em dissidência e acabou enfraquecendo o
movimento. Em ocasião da visita de uma comissão da OUA, a cúpula do MPLA, como foi
visto, decidiu-se, sem consultar todos os dirigentes, por uma união com pequenos grupos
regionais do norte de Angola de características marcadamente étnicas. A constituição da
FDLA foi um dos momentos em que a direção do MPLA caiu em contradição com os seus
princípios, pois não foi uma decisão baseada em democracia e, principalmente, não obedeceu
à ideia de combate ao tribalismo tão defendida durante a Primeira Conferência Nacional.
Em seguida, as condições da abertura da guerrilha na Frente Leste angolana foram
apresentadas. Esta foi a primeira localidade onde o MPLA teve a possibilidade de esboçar
uma estrutura de Estado com maior tranquilidade e os resultados novamente apontaram para
uma contradição em relação ao princípio democrático manifestado quando da formação do
movimento.
Como consequência desta falta de democracia na Frente Leste, surgiu um movimento
de contestação que pretendia levar à direção do MPLA suas reivindicações. Foram
apresentados neste primeiro capítulo os dois momentos da Revolta do Leste, iniciada pela
Revolta Jiboia e amplificada pela Revolta Chipenda. Deste evento, surgiu a percepção de que
os chefes político-militares oriundos do norte angolano obtinham privilégios na guerrilha,
causando uma maior integração entre as populações do leste.
O Movimento de Reajustamento do Leste foi um dos pouquíssimos momentos em que
as bases do MPLA puderam se manifestar e expor suas críticas à direção do movimento.
Obviamente os questionamentos levantados pelas Revoltas do Leste foram colocados em
pauta neste momento, mas as críticas das bases seriam filtradas pela direção do MPLA.
A resposta dada pelos dirigentes do movimento à Revolta do Leste não passou de uma
forte repressão aos seus membros. Novamente os argumentos definidos na Primeira
Conferência Nacional do MPLA foram utilizados como um capital político importante para
justificar a repressão sobre os questionamentos recebidos pela direção do movimento. As
Revoltas do Leste foram caracterizadas como movimentos de caráter tribalista motivados por
posicionamentos neocolonialistas. Apesar de o Movimento de Reajustamento ter sido um
espaço de manifestação das bases do MPLA, estas manifestações não foram levadas a sério
86
pela direção do movimento, que não se preocupou em fazer uma análise das questões
levantadas pela Revolta do Leste.
Portanto, ficou demonstrado no primeiro capítulo que, apesar de a questão racial ter
sido bem definida na Primeira Conferência Nacional do MPLA, em alguns momentos o
posicionamento da direção do movimento não coincidiu com a ideia de que o movimento
deveria lidar com toda a diversidade de povos existente em Angola. O argumento de não
tolerar quaisquer manifestações tribalistas no seio do movimento serviu, em muitos casos,
para desqualificar movimentos de contestação à direção do movimento, como foi o caso das
Revoltas do Leste. Além disso, ficou demonstrado o pouquíssimo espaço para um debate
baseado em preceitos democráticos no interior do MPLA.
Em suma: nascimento da ideia de nacionalidade defendido pelo MPLA foi marcado
por grandes contradições, como é prática comum em diversos movimentos e partidos. Sendo
assim, a ideia de nacionalidade defendida pelo MPLA foi instrumentalizada e tornou-se um
importante capital político para repreender manifestações contrárias à direção do movimento.
Estes problemas no nascimento da ideia de nação do MPLA repercutiriam após a
independência. Este será o tema do próximo capítulo, onde será apresentada a tentativa de
construção de um Homem Novo angolano para viver em um país recém-independente.
No segundo capítulo deste trabalho, foram apresentadas ações do MPLA após a sua
chegada ao poder em 1975 no sentido de construir uma nova identidade para os angolanos.
Este projeto tinha como base principal a criação de uma unidade cultural em Angola, o que
tornava necessário promover uma homogeneização das diversas culturas presentes no interior
do país. Neste sentido, o combate ao divisionismo e ao tribalismo foram objetivos bastante
importantes para o projeto de construção da nova cultura.
Todo o período em que o MPLA tentou implementar o socialismo em Angola foi
influenciado por dois eventos ocorridos no ano de 1977: a tentativa de golpe liderada por Nito
Alves e a definição ideológica ocorrida no Congresso Nacional do MPLA. A ascensão do
nitismo no interior do MPLA teve como conseqüência uma escalada autoritária da cúpula do
movimento, que promoveu uma intensa repressão sobre os quadros revoltados. A partir de
então, o MPLA assumiria uma forma de governo extremamente autoritária, o que resultaria
em um afastamento entre sociedade e política. O segundo momento que mereceu destaque no
87
segundo capítulo foi o Congresso de 1977, momento em que o marxismo-leninismo foi
assumido como ideologia oficial do MPLA-PT.
A construção da nova cultura nacional angolana não deixou de ser influenciada pela
forma de governo autoritária que o MPLA assumiu após a tentativa de golpe de 1977 e pela
tentativa de instalação de um governo socialista em Angola. A necessidade de construir a
nova cultura levou ao projeto de construção do Homem Novo, que seria um cidadão dotado
de valores revolucionários e ligado diretamente à política. Este projeto teve como base
principal a tentativa de suprimir os laços étnicos que ligavam os indivíduos às suas
identidades tradicionais e aumentar o apoio ao governo do MPLA-PT. Assim todas as culturas
presentes em Angola deveriam dar espaço à cultura do Homem Novo revolucionário. Ficou
claro neste capítulo que esta nova cultura deveria estar sempre submetida ao aspecto político-
ideológico defendido pelo MPLA.
Apesar de o projeto de construção do Homem Novo propor novos aspectos de
definição identitária, retomou-se os argumentos definidos na Primeira Conferência Nacional
do MPLA ocorrida em 1962 em relação ao pertencimento a Angola independente. A questão
racial e étnica sempre foi tratada de forma cuidadosa pelo MPLA, que não aceitava qualquer
diferenciação entre brancos, mestiços e negros ou entre diferentes etnias. O MPLA sempre se
mostrou claramente a favor da união de todos os povos que compunham o povo angolano,
desde que todos estivessem sob seu domínio. O movimento/partido, portanto, sempre lutou no
sentido de integrar as culturas angolanas para a construção da nova cultura de Angola.
No entanto, apesar de entender que todos os angolanos deveriam participar da
reconstrução cultural e se tornarem Homens Novos, o MPLA-PT sempre sobrepôs os valores
políticos aos valores culturais. Toda e qualquer colaboração cultural seria bem vinda, desde
que estivesse em consonância com o projeto revolucionário do partido. Se estas contribuições
se contrapusessem aos ideais do MPLA-PT, logo eram taxadas de manifestações tribalistas, o
que deslegitimava aquela forma de expressão cultural.
Visto isso, fica claro que o projeto de construção do Homem Novo angolano foi
manipulado de forma autoritária pelo governo do MPLA-PT, pois as diferença culturais não
foram respeitadas de fato em Angola, mas apenas nos discursos dos dirigentes do governo. A
sobreposição da política à identidade cultural angolana se justificava pela necessidade de
construir a unidade cultural que diluísse as diversas culturas existentes no país. Portanto, a
88
cultura do Homem Novo deveria necessariamente passar pelo estreito crivo ideológico do
MPLA-PT.
Em relação à repercussão social do projeto de construção do Homem Novo angolano,
não houve uma adesão nos moldes esperados pelo MPLA-PT. Ao tentar homogeneizar a
cultura angolana sob o seu domínio, o partido se mostrou bastante disposto a eliminar os
vínculos étnicos que são tão importantes para as populações angolanas. Sendo assim, a
penetrabilidade do Homem Novo se mostrou limitada.
A guerra civil e as grandes dificuldades econômicas para empreender a reconstrução
de Angola também tiveram sua parcela de culpa para a não aceitação do projeto de construção
do Homem Novo. Ao colocar a economia angolana em xeque, a guerra civil também
colaborou para a deterioração do investimento do Estado nos setores sociais. As grandes
dificuldades encontradas pelos angolanos para a sua sobrevivência sugerem que os vínculos
tradicionais com os grupos étnicos podem ter se reforçado.
De acordo com esta pesquisa, o projeto de construção do Homem Novo angolano
penetrou na sociedade apenas como mais uma identidade nacional. Sendo a identidade
nacional um fenômeno múltiplo, a identidade do Homem Novo era acionada somente quando
havia necessidade, de maneira que esta identidade não se tornou hegemônica entre a
sociedade angolana.
Por fim, no terceiro capítulo deste trabalho, foi apresentada as mudanças ocorridas no
MPLA-PT após o ano de 1986, quando um lento movimento de transformação ocorreu no
interior do partido, no sentido de haver uma transformação ideológica, sendo que o marxismo-
leninismo ganhava cada vez mais críticos, o que apontava para uma saída pela liberalização
da economia angolana. Sendo assim, o marxismo-leninismo foi abandonado oficialmente no
Terceiro Congresso do MPLAe logo se determinou pelo fim da economia planificada à moda
soviética. O programa de Saneamento Econômico Financeiro foi responsável pelas principais
transformações no sentido da liberalização econômica angolana. Sendo assim, pode-se dizer
que o Estado angolano adequava a suas estruturas econômicas à economia de mercado
internacional, dando fim, portanto, ao já citado paradoxo da economia angolana.
Enquanto esta grande transformação política, econômica e ideológica era
implementada, as negociações pela paz ganhavam cada vez mais força, já que a sangrenta
guerra civil que se desenvolvia desde a independência era apontada como um dos principais
89
causadores pelas deficiências econômicas em Angola. Deste processo de negociação pela paz
entre MPLA e UNITA, ficou determinada a realização de eleições legislativas e presidenciais
que ocorreriam no ano de 1992. Angola entrava, enfim, em um sistema político democrático,
o que não garantiria, entretanto, a paz, pois a UNITA radicalizaria suas ações após as eleições
de 1992 por não aceitar os resultados obtidos nas urnas.
As campanhas eleitorais para as eleições presidenciais e legislativas de 1992 se
revelaram excelentes fonte para a análise dos discursos do MPLA sobre a identidade nacional
angolana. Deve ser ressaltado que a viragem ideológica do partido influenciou sobremaneira
esta concepção de identidade nacional, já que esta era baseada na ideia de construção de um
Homem Novo angolano, que teria suas bases culturais e valores definidos segundo o
marxismo-leninismo. Buscava-se também alcançar a unidade nacional através da
homogeneização cultural dos povos angolanos, que passariam a constituir “um só povo e uma
só nação”.
Entretanto, com a transformação ideológica do MPLA em meados da década de 1980,
a identidade nacional que o partido buscava construir teve de ser modificada, já que o
marxismo-leninismo fora abandonado. Através da análise da campanha do MPLA para as
eleições de 1992, foi possível constatar que o Homem Novo sumiu de todos os discursos do
partido e que, ao contrário do que ocorrera nas décadas anteriores, o MPLA passou a entender
a identidade nacional angolana como sendo composta por múltiplas culturas. Houve, portanto,
a significativa passagem de uma concepção identitária monolítica a uma concepção pluralista,
que apresentava a identidade angolana através de uma ideia multicultural. Neste sentido, o
relacionamento do MPLA com os diversos povos angolanos se transformou, já que as
manifestações culturais das múltiplas etnias angolanas foram integradas à concepção de
identidade nacional definida pelo partido/Estado. Se antes estas manifestações culturais eram
tratadas por manifestações “tribalistas” (note-se o sentido negativo da expressão) a partir da
redefinição da ideia de nacionalidade angolana estas manifestações ganharam o valioso selo
de manifestação da cultura nacional angolana. Portanto, houve a transformação de um
discurso que definia a unicidade cultural como característica primordial da identidade
nacional a um discurso totalmente oposto, que definia a multiplicidade cultural como marca
indelével da identidade nacional angolana.
A respeito dos resultados das eleições de 1992, foi possível constatar que o peso das
etnias ainda era extremamente importante, apesar de não ser correto afirmar a existência de
90
uma correspondência exata entre voto e etnia, já que houve exceções a esta situação. O que
vale ressaltar aqui é que o projeto de construção da identidade nacional elaborado e posto em
prática durante o período de tentativa de instalação do socialismo não parece ter obtido
sucesso. Se o Homem Novo angolano era apenas uma entre as múltiplas identidades, através
dos resultados das eleições e da constatação da manutenção da existência das barreiras
étnicas, é possível afirmar que este projeto não obteve sucesso e que aquela identidade
nacional que pretendia unificar os povos angolanos em um só povo marcado por uma
identidade nacional que tinha a unidade cultural como principal característica não vingou.
Esta identidade nacional não repercutiu da maneira esperada pelo Estado angolano, o que
pode ser considerado um estímulo para a releitura refeita sobre a questão da identidade
nacional.
Portanto, neste trabalho foram expostas e analisadas as três principais fases
dastentativas do MPLA de construir a identidade nacional angolana. Ficou demonstrado que o
partido muitas vezes se valeu desta definição identitária para se preservar de contestações e,
em um segundo momento, forjou uma identidade nacional de acordo com os preceitos
ideológicos que seguia, sem atentar para a diversidade cultural angolana. Por fim, o MPLA
chegou a um discurso que defendia a multiplicidade cultural angolana como a principal forma
de entendimento da identidade nacional.
91
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