UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE ECONOMIA
RAFAELA DAYSE MEDEIROS DE QUEIROZ
O TRABALHO INFANTIL NO RIO GRANDE DO NORTE: UM PANORAMA DA
SITUAÇÃO OCUPACIONAL DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES NA REGIÃO
METROPOLITANA DE NATAL NO ANO DE 2010
Natal/RN
2014
Catalogação da Publicação na Fonte.
UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Queiroz, Rafaela Dayse Medeiros de.
O trabalho infantil no Rio Grande do Norte: um panorama da situação
ocupacional das crianças e adolescentes na região metropolitana de natal no ano de
2010 / Rafaela Dayse Medeiros de Queiroz. - Natal, RN, 2014.
84 f.
Orientadora: Profa. Ma. Rosangela dos Santos Alves Pequeno.
Monografia (Graduação em Economia) - Universidade Federal do Rio Grande
do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de Economia. Curso
de Graduação em Ciências Econômicas.
1. Economia - Monografia. 2. Trabalho infantil - Monografia. 3. Criança e
adolescente – Monografia. 4. Rio Grande do Norte – Monografia. I. Pequeno,
Rosangela dos Santos Alves. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III.
Título.
RN/BS/CCSA CDU 331.1-053.2
RAFAELA DAYSE MEDEIROS DE QUEIROZ
O TRABALHO INFANTIL NO RIO GRANDE DO NORTE: UM PANORAMA DA
SITUAÇÃO OCUPACIONAL DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES NA REGIÃO
METROPOLITANA DE NATAL NO ANO DE 2010
Monografia de Graduação apresentada ao
Departamento de Economia da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, para
obtenção do título de Bacharel em Ciências
Econômicas.
Orientadora: Professora Ma. Rosangela dos
Santos Alves Pequeno
Natal/RN
2014
RAFAELA DAYSE MEDEIROS DE QUEIROZ
O TRABALHO INFANTIL NO RIO GRANDE DO NORTE: UM PANORAMA DA
SITUAÇÃO OCUPACIONAL DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES NA REGIÃO
METROPOLITANA DE NATAL NO ANO DE 2010
Monografia de Graduação apresentada ao
Departamento de Economia da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, para
obtenção do título de Bacharel em Ciências
Econômicas.
Aprovada em: ______/______/________.
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________
Orientadora: Professora Ma. Rosangela dos Santos Alves Pequeno
DEPEC/UFRN
___________________________________________
Examinador: Professor Dr. João Matos Filho
DEPEC/UFRN
AGRADECIMENTOS
A Deus, principalmente, pelo amor inexplicável, por todo cuidado, pela presença
constante em minha vida e por ter permitido chegar até aqui.
A toda a minha família, especialmente, meus pais Rose e Letício e meu irmão Rafael,
meu alicerce e porto seguro, pelo amor incondicional e apoio irrestrito. A eles, minha gratidão
por sempre me encorajarem e pelas preciosas palavras de fé, as quais me faziam acreditar que
a concretização deste trabalho seria possível.
A minha orientadora Rosangela Pequeno, que soube tão bem conduzir a orientação,
com suas valiosas contribuições, sempre paciente, disponível, generosa, sábia e incentivadora.
Serei eternamente grata.
Ao meu namorado Angelo, por todo apoio em momentos de muito nervosismo, além
do incentivo diário para que eu não desistisse e conseguisse, enfim, vencer mais essa etapa em
minha vida.
Aos amigos queridos por todo estímulo e até mesmo cobrança, principalmente Aretha
Fernandes e Katyene Antônia, que torceram por esta conquista e aguardaram pelo tão
esperado dia da finalização do trabalho.
E, finalmente, à minha grande família do curso de Ciências Econômicas, em especial:
Denise Fernandes, Diogo Mendonça, Elivânia Bezerra, Gabriela Raposo, Isabelly Diniz,
Julyana Louise, Mônica Soares, Sara Raquel e Tatiana Guilherme. Agradeço-lhes pelo
carinho, apoio e, sobretudo, amizade. Vocês tornaram essa jornada mais leve e alegre.
"Suba o primeiro degrau com fé.
Não é necessário que você veja toda a escada.
Apenas dê o primeiro passo."
Martin Luther King
RESUMO
Em âmbito mundial e nacional, o trabalho infantil é um fato persistente com uma longa
trajetória histórica, que apesar de, nas duas últimas décadas, ter apresentado uma significativa
redução, ainda, continua como um desafio presente. Neste sentido, o Rio Grande do Norte
também acompanhou essa tendência, com significativos avanços na redução da mão de obra
infantil. Porém, ainda, se trata de um problema ativo, sobretudo, na Região Metropolitana de
Natal (RMN), onde basta olhar ao redor dela e encontrar crianças e adolescentes exercendo
inúmeras atividades laborais. Deste modo, o objetivo deste trabalho é apresentar um
panorama da situação ocupacional das crianças e adolescentes e tratar de sua conceituação,
causas e efeitos, bem como sua dimensão e comportamento no estado do Rio Grande do
Norte, evidenciando os municípios que compõem a Região Metropolitana de Natal, a partir
dos dados do Censo Demográfico realizado em 2010. Para isso, a metodologia utilizada
consistiu, inicialmente, de uma revisão bibliográfica com leitura de textos, abrangendo
algumas interpretações teóricas relacionadas à questão do trabalho infantil. Em seguida foi
realizada a coleta de dados secundários, onde uma visão geral foi traçada sobre o trabalho
precoce no estado e na RMN, retratando suas especificidades, separadamente, em cada
espacialidade, com destaque na apresentação de dados sobre os aspectos relacionados à idade,
ao gênero, cor/raça, situação de domicílio, situação socioeconômica das famílias, atividades e
ocupações e à escolaridade. Os resultados encontrados revelaram que as principais
características das crianças e dos adolescentes que estavam em situação de trabalho eram
basicamente as mesmas para o Rio Grande do Norte e para os que residiam na Região
Metropolitana de Natal. Assim, o trabalho infantil era exercido, em sua maioria, por meninos
que estavam na faixa etária entre 16 e 17 anos de idade, eram declarados como negros ou
pardos, residentes na zona urbana, exerciam atividades não-agrícolas na posição de
empregados, em geral, com uma jornada de trabalho entre 15 a 39 horas semanais e não
frequentavam a escola. Portanto, conclui-se que, apesar de a incidência do trabalho infantil
estar diminuindo, ainda, um grande número de crianças e adolescentes continuam
trabalhando. Deste modo, o processo de erradicação do trabalho infantil pode ser mais eficaz
quanto maiores forem as oportunidades criadas às famílias que estão em situação de
vulnerabilidade e tal iniciativa exige a realização de políticas públicas focalizadas, mas
também faz-se necessário mudanças culturais de cunho estrutural na sociedade.
Palavras-chave: Trabalho Infantil. Rio Grande do Norte. Região Metropolitana de Natal.
PETI.
ABSTRACT
At the global and national levels, child labor is a persistent fact with a long historical
trajectory, which although in the last two decades have shown a significant reduction also
continues as a current challenge. In this sense in Rio Grande do Norte also followed this trend
with significant progress in reducing child labor. Still it is an active problem, especially on
Metropolitan Region of Natal (RMN), where just look around and find her children and
adolescents exercising numerous professional activities. Thus, the aim of this paper is to
present an overview of the occupational status of children and adolescents and address its
concept, causes and effects as well as their size and behavior in the state of Rio Grande do
Norte, showing the districts within the metropolitan area of Natal, from the Population Census
conducted in 2010. For this, the methodology consisted initially of a literature review with
reading texts, including some theoretical interpretations related to the issue of child labor. We
then carried the collection of secondary data, where an overview was drawn on early work in
state and RMN, portraying their specific separately in each spatiality, especially in the
presentation of data on aspects related to age, gender, color and race, household situation,
socioeconomic status of families, activities and occupations and education. The results
showed that the main characteristics of children and adolescents who were in work situations
were basically the same for the Rio Grande do Norte and for living in the Metropolitan
Region of Natal. Thus, child labor was exercised mostly by boys who were aged between 16
and 17 years old, were declared as black or brown, lived in the city, exercised non-agricultural
activities in the position of employees in Overall, with a working day between 15-39 hours
per week and not attending school. Therefore, it is concluded that, although the incidence of
child labor to be decreasing, still, a large number of children and adolescents continue to
work. Thus, the child labor eradication process can be more effective the higher the
opportunities created for families who are in vulnerable situations and such an initiative
requires the completion of targeted, but also it is necessary cultural changes of a structural
nature in society.
Keywords: Child Labor. Rio Grande do Norte. Metropolitan Region of Natal. PETI.
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 1 NE: percentual de crianças e adolescentes em situação de trabalho –
2010 .............................................................................................................. 39
GRÁFICO 2 RN: percentual de crianças e adolescentes em situação de trabalho por
faixa etária – 2010 ........................................................................................ 40
GRÁFICO 3 RN: percentual do trabalho infantil segundo gênero, por faixa etária –
2010 .............................................................................................................. 41
GRÁFICO 4 RN: rendimento per capita das famílias com ocupados na faixa etária
de 10 a 17 anos – 2010 ................................................................................. 42
GRÁFICO 5 RN: percentual de ocupados entre 10 a 17 anos por posição na
ocupação e faixa etária – 2010 ..................................................................... 44
GRÁFICO 6 RMN: percentual de crianças e adolescentes em situação de trabalho –
2010 .............................................................................................................. 48
GRÁFICO 7 RMN: percentual de crianças e adolescentes em situação de trabalho
por faixa etária – 2010 .................................................................................. 49
GRÁFICO 8 RMN: média percentual de ocupados entre 10 a 17 anos segundo sexo,
por grupos etários – 2010 ............................................................................. 50
GRÁFICO 9 RMN: média percentual de ocupados entre 10 a 17 anos segundo a
cor/raça – 2010 ............................................................................................. 51
GRÁFICO 10 RMN: rendimento familiar per capita das famílias com ocupados de
10 a 17 anos – 2010 ...................................................................................... 53
GRÁFICO 11 RMN: média percentual de ocupados entre 10 a 17 anos por posição
na ocupação e faixa etária ............................................................................ 57
GRÁFICO 12 RMN: percentual de ocupados na faixa etária de 10 a 17 anos que
frequentavam ou não à escola – 2010 .......................................................... 59
GRÁFICO 13 RMN: percentual de ocupados por faixa etária que frequentavam ou
não à escola – 2010 ...................................................................................... 60
GRÁFICO 14 RMN: percentual de analfabetos ocupados e sem ocupação – 2010 ........... 61
GRÁFICO 15 RMN: percentual da incidência de crianças e adolescentes em situação
de trabalho – 2006-2014 ............................................................................... 74
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 RN: total de crianças e adolescentes, quantidade e percentual das que
se encontram em situação de trabalho, por grupos etários – 2010 ............... 40
TABELA 2 RN: ocupados por faixa etária segundo a jornada de trabalho – 2010 ......... 45
TABELA 3 RMN: dados da legislação, população, área, PIB e PIB per capita –
2010 .............................................................................................................. 46
TABELA 4 RMN: população total, quantidade total de crianças e adolescentes e
quantidade das que se encontravam em situação de trabalho – 2010 .......... 48
TABELA 5 RMN: percentual de ocupados entre 10 a 17 anos segundo a cor/raça –
2010 .............................................................................................................. 51
TABELA 6 RMN: crianças e adolescentes de 10 a 17 anos de idade, total e
ocupados, por situação do domicílio – 2010 ................................................ 52
TABELA 7 RMN: quantidade de ocupados de 10 a 17 anos de idade por atividade
– 2010 ........................................................................................................... 54
TABELA 8 RMN: quantidade de crianças e adolescentes de 10 a 17 anos por
posição na ocupação – 2010 ......................................................................... 56
TABELA 9 RMN: ocupados de 10 a 17 anos segundo a jornada de trabalho – 2010 ..... 58
TABELA 10 RMN: quantidade de crianças e adolescentes atendidas pelo PETI e
valores dos recursos transferidos pelo Governo Federal – 2013 .................. 72
TABELA 11 RMN: principais atividades onde foram detectados trabalho de
crianças e adolescentes – 2006-2014 ........................................................... 73
LISTA DE SIGLAS
ANDI Agência de Notícias dos Direitos da Infância
CF Constituição Federal
CLT Consolidação das Leis do Trabalho
CONAETI Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
FNPETI Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil
IBAM Instituto Brasileiro de Administração Municipal
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INESC Instituto de Estudos Socioeconômicos
MDS Ministério de Desenvolvimento e Combate à Fome
MNMMR Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua
MOC Missão Criança e Movimento de Organização Comunitária
MTE Ministério do Trabalho e Emprego
OIT Organização Internacional do Trabalho
ONU Organização das Nações Unidas
PBF Programa Bolsa Família
PEA População Economicamente Ativa
PETI Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
RMN Região Metropolitana de Natal
SCFV Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos
SGD Sistema de Garantia de Direitos
SITI Sistema de Informações sobre Focos de Trabalho Infantil
UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 13
CAPÍTULO 1 ASPECTOS DA TRAJETÓRIA HISTÓRICA SOBRE O
TRABALHO INFANTIL ...................................................................... 19
1.1 A Incidência do Trabalho Infantil em Âmbito Mundial ...................................... 19
1.2 O Surgimento do Trabalho Infantil no Brasil ........................................................ 24
CAPÍTULO 2 UMA VISÃO NORMATIVA, CONCEITUAL E TEÓRICA SOBRE
A EXECUÇÃO DO TRABALHO INFANTIL ................................... 28
2.1 Os Aspectos Legais Implementados para o Enfrentamento ao Trabalho de
Crianças e Adolescentes ........................................................................................... 28
2.2 A Complexidade de Definir a Dimensão e a Natureza do Trabalho Infantil com
suas Causas e Efeitos ................................................................................................ 30
2.2.1 Conceituando o Trabalho Infantil ............................................................................... 30
2.2.2 As Múltiplas Causas do Trabalho Infantil .................................................................. 33
2.2.3 Os Principais Efeitos do Trabalho Infantil ................................................................. 36
CAPÍTULO 3 UM PANORAMA DO TRABALHO DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES NO RIO GRANDE DO NORTE E NA REGIÃO
METROPOLITANA DE NATAL ........................................................ 38
3.1 A Realidade do Trabalho Infanto-Juvenil no Rio Grande do Norte ................... 39
3.2 Análise Descritiva do Trabalho Infanto-Juvenil na Região Metropolitana de
Natal ........................................................................................................................... 46
3.2.1 A Caracterização do Trabalho Infanto-Juvenil na RMN ............................................ 47
3.2.2 Caracterização do Rendimento das Famílias com Crianças e Adolescentes em
Situação de Trabalho .................................................................................................. 53
3.2.3 Caracterização do Trabalho Infantil da RMN segundo os principais Setores de
Atividade Econômica e Posição na Ocupação ............................................................ 54
3.2.4 Caracterização do Trabalho Infantil segundo o Nível Educacional ........................... 58
CAPÍTULO 4 UMA VISÃO GERAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS
PARA O COMBATE AO TRABALHO DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES ................................................................................. 62
4.1 Políticas Públicas relacionadas ao Enfrentamento do Trabalho Infantil ............ 62
4.2 Atuação do PETI para Combater o Trabalho Infantil ......................................... 66
4.3 Atuação do PETI no Rio Grande do Norte e na Região Metropolitana de Natal71
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 76
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 82
13
INTRODUÇÃO
Enquanto fenômeno social complexo, a utilização da mão de obra de crianças e
adolescentes encontra-se subordinada a múltiplos condicionantes de natureza econômica,
social e cultural. Em uma breve retrospectiva da trajetória histórica verifica-se que o trabalho
infantil é um fato antigo e recorrente que, ainda, participa ativamente nos processos de
desenvolvimento e de crescimento dos países.
Deste modo, no tocante ao período da Antiguidade, o trabalho infantil não era visto
pela sociedade como algo de caráter exploratório e nocivo. Naquele período, a utilização da
mão de obra precoce tinha cunho de aprendizagem e o modo laboral era artesanal.
Na Idade Média, não havia diferenciações entre adultos, adolescentes ou crianças, que
trabalhavam no cultivo das terras do senhor feudal. Nas cidades, a maioria das crianças eram
inseridas como aprendizes nas chamadas Corporações de Ofício, para que aprendessem uma
profissão através dos ensinamentos dos mestres. Tal serviço não lhes rendiam qualquer
remuneração, apenas a alimentação.
Com o advento da Revolução Industrial, em meados do século XVIII, houve uma
simplificação da mão de obra do operário, tendo em vista que as máquinas inseridas no
processo produtivo podiam ser operadas por qualquer pessoa, não exigindo o domínio de
técnicas. Com isto, verificou-se a substituição da mão de obra adulta pela infantil, preferida
pelos industriais diante da obediência e, principalmente, pelo baixo custo, chegando a receber
um sexto do que ganhavam os operários adultos ou até mesmo auferindo como pagamento
apenas alimentação e moradia.
Somente a partir do século XIX que surgiram as primeiras legislações protecionistas
da mão de obra infanto-juvenil. Na Inglaterra, em 1802, foi proibido a execução do trabalho
noturno por menores e reduziu para dez horas a jornada laboral diária. Em 1819, aprovou-se a
lei que regulava o trabalho de crianças e adolescentes nas atividades algodoeiras, proibindo o
emprego de menores de nove anos e fixando em doze horas diárias o trabalho dos menores de
dezesseis. No ano de 1833, outra lei inglesa foi aprovada, desta vez, restringia a jornada de
trabalho dos menores de treze anos para nove horas, além de vedar o trabalho noturno.
Como se vê, historicamente, a utilização da mão de obra infantil foi considerada uma
prática natural e até mesmo relevante para o processo de socialização das crianças e
adolescentes, além de ser vista como uma alternativa à pobreza e à criminalidade.
14
No decorrer do processo histórico brasileiro também verificou-se que a utilização da
mão de obra de crianças e adolescentes acompanhou a formação econômica do país, pois ela
surgiu muito antes de seu descobrimento. Com o início da colonização portuguesa, ela sofreu
uma mudança qualitativa e quantitativa, a qual atravessou pelos quase quatro séculos de
escravidão dos negros. Os escravos foram libertados, mas os trabalhadores infantis tornaram-
se atrativos aos empresários, principalmente, da área agrícola.
Já no século XX, com o início do processo de industrialização da economia brasileira,
a crescente expansão e urbanização dos municípios contribuiu para intensificar a utilização da
mão de obra de menores também em outras atividades laborais voltadas à área urbana, além
de criar novas formas, ainda, mais deploráveis de exploração infanto-juvenil, como a
prostituição e o tráfico de drogas (KASSOUF E SANTOS, 2009).
A década de 1990 foi marcada por uma maior ação de combate ao trabalho infantil por
parte das agências internacionais e dos Governos, dada a necessidade de se adotarem novos
instrumentos para a sua proibição e para a eliminação das suas piores formas. Desde então,
intensificou-se os estudos no campo da economia, sociologia e do direito a fim de
desmistificar a visão mundial, sendo propagada a ideia de que o lugar da criança é na escola e
que a garantia de seus direitos são condições essenciais para um maior desenvolvimento
socioeconômico.
A partir de então, o trabalho realizado por crianças e adolescentes passou a ser
crescentemente reprovado no meio social, além de ser visto como um impedimento ao
progresso econômico, principalmente, devido ao impacto negativo sobre o estoque de capital
humano das crianças. Com isso, foram estimuladas diversas campanhas e programas que
visavam a sua erradicação e começaram a ser alvo de críticas quaisquer atividades que
privassem as crianças e os adolescentes de seu direito de brincar e estudar nas suas adequadas
faixas etárias, e não somente as atividades insalubres e diretamente prejudiciais.
Além disso, ficou cada vez mais evidente a ideia de que deve ser de responsabilidade
social, e não apenas familiar, dar as condições necessárias às crianças e adolescentes
provenientes de famílias mais pobres o acesso ao desenvolvimento psicológico e intelectual.
Assim, tornou-se incontestável que o combate ao trabalho infantil deva ser fato
presente na agenda política dos diversos níveis de Governo (Federal, Estadual e Municipal).
Para tal, se faz necessário o apoio de organismos, como organizações internacionais tais
como: as Organizações Não-Governamentais (ONG), entre outros.
15
Atualmente, em âmbito internacional, a Organização Internacional do Trabalho (OIT)
se destaca como a principal instituição de combate ao trabalho infantil. No que diz respeito a
sua atuação, a OIT é responsável pela elaboração, supervisão e aplicação das normas de
trabalho. Para tanto, ela aborda questões e procura soluções que permitam melhorias nas
condições de trabalho, visando sempre à proteção dos trabalhadores. No que se refere ao
trabalho infantil, ela assumiu como sendo uma de suas prioridades a elaboração da legislação
e regulamentação de tal atividade, tendo em vista que esse tipo de labor, além de não ser
digno e não contribuir para a redução da pobreza, tira das crianças os seus direitos à saúde, à
educação e à própria vida enquanto crianças.
Diante disso, são inúmeras as pesquisas acadêmicas já realizadas com a finalidade de
compreender as razões que levam crianças e adolescentes a se inserirem no mercado de
trabalho. Na literatura, em geral, os estudos sobre essa temática têm indicado diversos
motivos que podem explicar a entrada na População Economicamente Ativa (PEA) antes da
idade permitida por lei, tais como: a inserção precoce dos pais no mercado de trabalho, a
deficiência da educação ou até mesmo a visão naturalizada do trabalho infantil. Contudo,
praticamente unanimemente, existe um consenso entre os estudiosos que a pobreza tem sido
apontada como a principal razão da oferta de trabalho infantil.
Quanto às consequências dessa inserção precoce de crianças e adolescentes no
mercado de trabalho, os estudos mostram que são prejudiciais tanto para o indivíduo quanto
para as sociedades nas quais ocorrem sua execução, tendo em vista que se tratam de pessoas
em situação especial de crescimento, onde os possíveis resultados podem ser desfavoráveis ao
desenvolvimento físico, psíquico, moral, social e intelectual.
Atualmente, no Brasil, a legislação proíbe o trabalho noturno, perigoso ou insalubre
aos menores de 18 anos, e de qualquer tipo de trabalho aos menores de 16 anos, exceto na
condição de aprendiz a partir dos 14 anos de idade. Entretanto, as estatísticas mostram que
milhões de crianças e adolescentes ainda são explorados no mercado de trabalho brasileiro.
Segundo os dados do Censo Demográfico de 2010 divulgados pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), o país apresentou, naquele ano, uma redução de 13,4% do
trabalho infantil em relação ao ano de 2000. Assim, considerando a faixa etária entre 10 a 17
anos de idade, em 2010, havia 3,4 milhões de crianças e adolescentes ocupados no país, o que
representava 12,4% das 27,5 milhões de pessoas nessa faixa etária. Enquanto em 2000, eram
3,9 milhões de menores exercendo atividades laborais e representavam 14,0% do total de
crianças e adolescentes residentes no país, que em valores absolutos correspondiam a 28,0
milhões.
16
Entre os anos de 2000 a 2010, a redução no número de crianças e adolescentes
trabalhadores no país foi bastante significativa, tanto na área rural quanto na área urbana. Na
área rural, os dados revelaram que houve uma diminuição de cerca de 454 mil pessoas, ou
seja, passou de 1,6 milhão em 2000 para 1,1 milhão em 2010, o que representou uma queda
de 31,3%. Já na área urbana a redução foi de 1,2 milhões caindo de 4,4 milhões em 2000 para
3,2 milhões no ano de 2010, o equivalente a uma queda de 27,3%.
Acompanhando essa tendência nacional, o Rio Grande do Norte (RN) também
conseguiu reduzir o trabalho infantil, entre os anos de 2000 e 2010, apresentando uma queda
de 20,9%, maior que a redução nacional. Segundo o último Censo Demográfico (IBGE,
2010), considerando a mesma faixa etária (10 a 17 anos de idade), em 2010 no estado havia
cerca de 43.304 crianças e adolescentes ocupados, o que representava 9,1% das 478.146
pessoas residentes. Enquanto, em 2000, o somatório de menores exercendo atividades laborais
era de 54.747 menores e representava 11,0 % do total de crianças e adolescentes que viviam
no estado, o correspondente a 499.141 pessoas.
Diante da exposição dos dados acima, as motivações que levaram a escolha deste tema
se originaram, em especial, no fato de ser um tema presente na realidade do estado. Para isso,
basta olhar em volta para encontrar crianças ou adolescentes exercendo trabalho em inúmeras
atividades, principalmente, naquelas que desgastam sua capacidade física. Este fato, na
maioria das vezes, acaba afastando-os da escola, possibilitando-lhes condições mínimas de
qualificação profissional e, consequentemente, dificultando a ascensão econômica.
Assim, o objetivo deste trabalho é apresentar um panorama da situação ocupacional
das crianças e adolescentes, aqui denominado simplificadamente de “trabalho infantil” e tratar
de sua conceituação, causas e efeitos, bem como sua dimensão e comportamento no estado do
Rio Grande do Norte, evidenciando os municípios que compõem a Região Metropolitana de
Natal (RMN), a partir dos dados do Censo Demográfico realizado em 2010.
A fim de alcançar o objetivo acima, as análises descritivas espaciais foram
desenvolvidas, separadamente, para as duas espacialidades (Rio Grande do Norte a RMN)
objetivando identificar suas especificidades com destaque para apresentação dos aspectos
relacionados à idade (grupos etários), ao gênero, cor/raça, situação de domicílio (rural e
urbano), situação socioeconômica de suas famílias (rendimento), atividades e ocupações
(jornada de trabalho) e a escolaridade (frequência escolar e taxa de analfabetismo).
17
A abordagem metodológica aplicada a este trabalho se caracteriza por uma pesquisa de
avaliação de caráter exploratória, combinada com três delineamentos: a bibliográfica, uma vez
que partiu da consulta a referências bibliográficas, como livros, monografias, dissertações,
textos de discussão e artigos científicos; a pesquisa documental, cujo objetivo foi coletar e
reorganizar os dados secundários; e o estudo de caso múltiplo, que serviu para identificar,
descrever e analisar o trabalho infantil no estado e nos dez municípios que formam a Região
Metropolitana de Natal.
Desse modo, para a concretização desse trabalho monográfico se fez necessário o
cumprimento de duas etapas: a primeira consistiu em uma revisão da literatura especializada
no trabalho infantil com o objetivo de construir o referencial teórico que embasou este
trabalho. Nesta etapa, buscou-se livros e artigos que contribuíssem com o debate acerca da
pobreza, do trabalho precoce, em consonância com o contexto histórico que envolveu as
discussões e dentro deste campo, o tema central aqui tratado: a existência do trabalho infantil.
Para este último, buscou-se artigos e informações em sites do governo federal, com opiniões
convergentes e divergentes.
A segunda etapa foi destinada para a coleta dos dados secundários. A base de dados
utilizada foi a do Censo Demográfico de 2010 disponibilizado pelo IBGE e que é composto
por informações indicadas para a realização de uma pesquisa de caráter exploratório como a
que se propõe este trabalho. No entanto, vale ressaltar que os dados do Censo não apresentam
o número de crianças que desempenham alguma atividade laboral antes dos 10 anos de idade,
uma vez que sua referência é a População em Idade Ativa (PIA) que, de acordo com a
metodologia usada pelo IBGE, corresponde a população com 10 anos ou mais. Deste modo,
os dados coletados foram organizados em formas de Tabelas e Gráficos.
Ainda, dentro dos procedimentos metodológicos, vale esclarecer que a temática deste
trabalho tomou como espacialidade o estado do Rio Grande do Norte e os dez municípios que
formam a Região Metropolitana de Natal: Ceará-Mirim, Extremoz, Macaíba, Monte Alegre,
Natal, Nísia Floresta, Parnamirim, São Gonçalo do Amarante, São José de Mipibu e Vera
Cruz. A escolha se deu, em primeiro lugar, por contemplar o estado do Rio Grande do Norte,
e em segundo devido essa pesquisa permitir verificar a incidência do trabalho infantil na área
metropolitana onde concentra-se mais da metade da produção do estado (52,6%).
Quanto a temporalidade do trabalho essa se encontra compreendida no ano de 2010,
data da realização do último Censo Demográfico, uma vez que o objetivo deste trabalho é
traçar um panorama da situação ocupacional de crianças e adolescentes que se encontram na
faixa etária entre 10 a 17 anos de idade.
18
A estrutura deste trabalho encontra-se dividida em quatro capítulos e mais duas
seções, incluindo esta introdução e as considerações finais.
No primeiro capítulo, este trabalho busca contextualizar historicamente a questão do
trabalho infantil, tomando-se como ponto de partida a sua evidência, em âmbito mundial,
desde a antiguidade até à implantação do Sistema Capitalista quando marca a transição do
regime de trabalho escravo e servil para o regime de trabalho assalariado. A atuação do
Estado e de Organizações internacionais no combate ao trabalho infantil intensifica-se a partir
do século XX na tentativa de responder as divergências na relação capital-trabalho precoce.
No Brasil, verifica-se que o combate ao trabalho infantil é intensificado a partir da
Constituição Federal de 1988 (CF/1988), que redesenhou um conjunto de intervenções por
parte do Estado.
No segundo capítulo, a temática sobre o trabalho de crianças e adolescentes toma
como ponto de partida as diferentes posições disponibilizadas pela literatura acadêmica,
evidenciando as discussões que abrangem a normatização, o conceito de trabalho infantil,
suas múltiplas causas e consequências. Deste modo, uma análise do conteúdo elaborado por
diversos autores é apresentada com o objetivo de tecer os fundamentos teóricos mostrando as
diversas concepções contemporâneas adotadas como forma de enfrentamento ao trabalho
infantil.
No terceiro capítulo, a temática do trabalho infantil passa a ser o foco principal deste
trabalho. Através dos dados coletados do Censo Demográfico de 2010, busca-se apresentar
um panorama da situação ocupacional do trabalho infanto-juvenil, tomando a espacialidade
do estado do Rio Grande do Norte e a Região Metropolitana de Natal para análise, com
destaque para apresentação dos aspectos relacionados à idade, ao gênero, a situação
socioeconômica de suas famílias, às atividades e ocupações e a escolaridade.
O quarto capítulo apresenta uma sucinta discussão sobre a importância da elaboração
de políticas públicas que combatem o trabalho infantil e destaca a principal delas: o Programa
de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), evidenciando sua atuação no Rio Grande do
Norte, bem como as principais atividades onde foram detectados focos de trabalho infantil
pela fiscalização do Ministério do Trabalho.
Por fim, são feitas importantes considerações, a título de finalização, onde os
principais resultados encontrados, ao longo deste trabalho, a respeito da situação ocupacional
das crianças e adolescentes no estado e na RMN são evidenciados, além de uma breve
descrição da atuação do PETI como política pública para erradicar o trabalho precoce. As
referências bibliográficas terminam a exposição deste trabalho.
19
CAPÍTULO 1 – ASPECTOS DA TRAJETÓRIA HISTÓRICA SOBRE O TRABALHO
INFANTIL
A exploração da mão de obra infantil não é um fenômeno mundial recente, pelo
contrário, é um mal de profundas raízes históricas, sempre presente e difícil de eliminar.
KASSOUF (2005), em seus estudos, aponta que a inserção de crianças e adolescentes no
mercado de trabalho foi agravado a partir do advento da primeira Revolução Industrial, ainda,
no século XVIII. Este mesmo pensamento está presente na obra de vários historiadores e
teóricos do pensamento econômico, tais como: Hobsbawm, Leo Huberman, Marx, Marshall e
Pigou. Em tom de denúncia esses autores também afirmaram a presença de crianças e de
jovens, com menos de 14 anos de idade, trabalhando nas fábricas e indústrias inglesas e
chamou atenção para os danos que lhes eram causados devido às longas jornadas de trabalho e
aos inúmeros acidentes de trabalho.
Assim, tomando como ponto de partida as raízes históricas do trabalho infantil, cujos
fatores condicionantes estão inseridos no contexto social, econômico e cultural, é que este
trabalho inicia este primeiro capítulo.
1.1 A Incidência do Trabalho Infantil em Âmbito Mundial
Historicamente, verifica-se que na Antiguidade, a mão de obra infantil teve uma
participação assídua durante todo o processo de desenvolvimento das antigas civilizações. No
Egito, Mesopotâmia, Grécia, Roma, Império do Meio (hoje China) e Japão, era notável a
presença de crianças que semeavam e colhiam, realizavam trabalhos artesanais, de carpintaria,
marcenaria e guarda de rebanhos, além de executarem trabalhos em minas, olarias e
embarcações marítimas. (FERREIRA, 2001)
Em todo o período Medieval, também houve relatos de exploração de mão-de-obra
infantil. O trabalho artesanal era realizado pelo mestre artesão e seus aprendizes, geralmente
adolescentes. Enquanto aqueles recebiam salários, estes trabalhavam em troca de comida e
casa. Em meados do século XIV, o sistema feudal que até então era caracterizado pela
produção artesanal doméstica, entra em declínio e passa a ser fabril, onde toda fabricação de
manufaturas começa a ser realizada fora de casa em estabelecimentos do empregador sob uma
rigorosa supervisão.
20
HEYWOOD (2004) menciona que apesar dos exemplos cruéis de exploração do
trabalho infantil, grande parte do trabalho feito pelas crianças no passado era casual e de
pouco esforço, relacionado a tarefas de ajudar os adultos nos seus afazeres. Todavia, o autor
ressalta que há exemplos de ambas as formas de tratamento, das suaves às extenuantes, no
campo e na cidade, antes e após a industrialização.
Como se vê, a utilização da mão de obra infantil não era novidade até a primeira
Revolução Industrial, e, antes ela era realizada como complemento do trabalho dos pais, onde
as crianças trabalhavam em casa, com horários e condições determinadas pelos próprios pais.
Porém após o processo de industrialização, o trabalho infantil passou a fazer parte da base
produtiva do sistema capitalista. Com a chegada das máquinas, elas começaram a trabalhar
nas fábricas, sob a direção de um supervisor cujo emprego dependia da produção que pudesse
arrancar de seus pequenos corpos, com horários e condições estabelecidos pelo dono da
fábrica, ansioso por lucros. (HUBERMAN, 1986)
A literatura acadêmica indica que o ápice do trabalho infantil ganhou força e
proporção no século XVIII, com a primeira Revolução Industrial e a estruturação do regime
econômico capitalista, como citado por KASSOUF (2005):
Apesar de não ter se iniciado na revolução industrial, muitos historiadores apontam
para um agravamento da utilização de mão-de-obra infantil nesta época. Já em 1861
o censo da Inglaterra mostrava que quase 37% dos meninos e 21% das meninas de
10 a 14 anos trabalhavam. (KASSOUF, 2005, p.1)
HUBERMAN (1986) também menciona que já no início da primeira Revolução
Industrial era possível verificar a utilização da mão de obra de mulheres e crianças. Os
capitalistas pagavam os menores salários possíveis e buscavam o máximo de força de trabalho
pelo mínimo necessário para pagá-las. Como mulheres e crianças podiam cuidar das máquinas
e receber menos que os homens, deram-lhes trabalho. A princípio, os donos de fábricas
compravam o trabalho das crianças pobres, nos orfanatos; mais tarde, como os salários dos
pais não eram suficientes para manter a família, também as crianças que tinham casa foram
obrigadas a trabalhar nas fábricas e minas.
Na verdade, os trabalhadores relutavam em trabalhar nas fábricas, apesar dos salários
fabris tendessem a ser mais altos que os da “indústria doméstica”, pois ao fazê-lo as pessoas
perdiam sua independência, o direito com que haviam nascido. Essa era uma das razões pelas
quais se contratavam, de preferência, mulheres e crianças, pois elas eram mais dóceis e mais
baratas.
21
Assim, de acordo com os relatos históricos, em 1838 apenas 23% dos trabalhadores de
fábricas de tecidos eram homens adultos. Esse fato era evidenciado também nos engenhos de
algodão ingleses (1834-1847), onde mais da metade de todos os trabalhadores era composta
por mulheres e meninas, 25% por homens adultos e o restante, rapazes abaixo dos 18 anos.
(HOBSBAWM, 1986)
HEYWOOD (2004) também ressalta que a utilização do trabalho infantil, ao longo da
primeira Revolução Industrial, levou à discussão e formulação de algumas leis. No entanto, a
legislação elaborada para combater a utilização da mão de obra infantil não chegou a proibir
tal tipo de trabalho, mas apenas regulamentá-lo.
A partir do século XIX, o mundo sofreu alterações nas suas relações socioeconômicas
causadas pela atividade industrial crescente, abandonando de vez o sistema feudal, e
tornando-se adepto do capitalismo industrial. A Revolução Industrial causou mudanças em
toda a estrutura familiar, tendo em vista que o artesanato deixou de ser uma atividade
econômica de referência, e as fábricas se expandiram pelas cidades. A mão de obra infanto-
juvenil que já existia no setor agrícola, grande parte migrou para os centros industriais
(LIBERATI; DIAS, 2006).
De acordo com a análise de MARX (1984), teórico do pensamento econômico,
durante a primeira Revolução Industrial a produção inglesa era crescente e por isso era
preciso mão de obra de qualquer espécie para sustentar tal crescimento. Caso fossem
empregados apenas trabalhadores aceitos por lei, o número de pessoas no mercado de trabalho
seria insuficiente para o fervor de indústrias que surgiam na época.
Assim, MARX (1867) relata que com a introdução das máquinas, a necessidade da
força muscular é reduzida, permitindo assim o emprego de trabalhadores mais fracos, porém
com membros mais flexíveis. Dessa forma, enxerga-se a possibilidade do trabalho das
mulheres e crianças. Ele também observa que a redução do tempo necessário de trabalho,
ocasionada pela inserção da máquina, faz com que o empregador, acabe reduzindo o salário
dos trabalhadores, ou seja, o meio de sobrevivência das famílias. Com isso, o trabalhador
(chefe da família) é obrigado a inserir toda a família no mercado de trabalho para compensar a
perda de renda.
O autor ainda destaca:
[...] milhares de braços tornaram-se de súbito necessários. [...] Procuravam-se
principalmente pelos pequenos e ágeis. [...] Muitos, milhares desses pequenos seres
infelizes, de sete a treze ou quatorze anos foram despachados para o norte. O
costume era o mestre (o ladrão de crianças) vesti-los, alimentá-los e alojá-los na casa
de aprendizes junto à fábrica. Foram designados supervisores para lhes vigiar o
trabalho. Era interesse destes feitores de escravos fazerem as crianças trabalhar o
22
máximo possível, pois sua remuneração era proporcional à quantidade de trabalho
que deles podiam extrair. (...) Os lucros dos fabricantes eram enormes, mais isso
apenas aguçava-lhes a voracidade lupina. Começaram então a prática do trabalho
noturno, revezando, sem solução de continuidade, a turma do dia pelo da noite o
grupo diurno ia se estender nas camas ainda quentes que o grupo noturno ainda
acabara de deixar, e vice e versa. Todo mundo diz em Lancashire, que as camas
nunca esfriam. (MARX, 1988, p. 875-876)
Como visto na citação acima, as condições apresentadas nas fábricas durante a
primeira Revolução Industrial eram precárias. Os trabalhadores exerciam suas funções dia e
noite, sem ter nenhum tipo de recompensa a altura. Para os capitalistas, a captação da mão de
obra, principalmente, de crianças e mulheres nas indústrias era necessária, pois o
desenvolvimento do sistema produtivo capitalista dependia disso. MARX (1980) aborda essa
ideia no trecho apresentado, a seguir:
Fica desde logo claro que o trabalhador durante toda a sua existência nada mais é do
que força de trabalho, com todo seu tempo disponível é por natureza e por lei tempo
de trabalho, a ser empregado no próprio aumento do capital. Não tem qualquer
sentido o tempo para educação, para o desenvolvimento intelectual, para preencher
funções sociais, (...). (MARX, 1980, p.300)
Dessa forma, o autor entende que nada era mais importante para os capitalistas que a
força de trabalho empregada para o crescimento da indústria. O fato de crianças e
adolescentes necessitarem de educação para formarem-se cidadãos adultos era ignorado,
tendo em vista que se acreditava que o tempo por inteiro deveria ser utilizado para trabalho.
Ele também descreve as diferentes indústrias existentes na Inglaterra e a maneira como
a exploração do trabalho das crianças era exercida. No trecho a seguir, o autor transcreve o
depoimento de uma criança que exercia atividades em uma indústria de fios:
Lido com fôrmas e faço girar a roda. Chego ao trabalho às 6 da manhã, às vezes às
4. Trabalhei toda a noite passada, indo até às 6 horas da manhã. Não durmo desde a
noite passada. Havia ainda 8 ou 9 garotos que trabalharam durante toda a noite
passada. Todos menos um voltaram essa manhã. Recebo por semana 3 xelins e 6
pence. Nada recebo a mais por trabalhar toda a noite. Na semana passada trabalhei 2
noites (MARX, 1980, p.277).
Além das atividades de fiações, as crianças e adolescentes da Grã Bretanha, durante a
primeira Revolução Industrial, também trabalhavam em tecelagens, confecções, assim como
em atividades de mineração, metalurgia e cerâmica.
Apesar de serem exploradas nas fábricas, as crianças e adolescentes eram vistos pelas
ruas em condições de “desonra para a sociedade”. Como apresentado por LIBERATI e DIAS
(2006) ao citar:
Crianças eram obrigadas a assimilar valores tidos como corretos, com o intuito de se
eliminar males, como a preguiça e a ociosidade, com a finalidade de que jovens de
famílias pobres fossem obrigados a trabalhar, precocemente, em atividades
remuneradas ou não, o que facilitou, em muito, o aumento da exploração desse tipo
de trabalho. (LIBERATI E DIAS, 2006, p.15)
23
Observa-se que, além da necessidade econômica, existia ainda naquela época a
concepção de que as crianças pobres deveriam trabalhar, porque o trabalho as protegia do
crime e da marginalidade, uma vez que o espaço fabril era concebido em oposição ao espaço
de rua, considerado desorganizado e desregulado (ALVIM, 1994).
Na verdade, essa ideia errônea de que o trabalho de crianças as impede da
marginalidade formou-se da necessidade de uma justificativa para a exploração da mão-de-
obra infantil e ganhou solidez sobre bases instituídas pelo interesse dos industriais e a partir
da pobreza da população.
A falta de iniciativas com intuito de proibir a exploração exagerada do trabalho de
crianças e adolescentes unidas com a busca desenfreada pelo lucro durante a primeira e a
segunda Revolução Industrial ocasionou numa degradação física e mental nas crianças da
época. Os trabalhos que elas realizavam eram, geralmente, em ambientes perigosos e
insalubres, acarretando assim, em acidentes de trabalho e problemas de saúde.
Como consequência dessa exploração descontrolada, houve uma alta taxa de
mortalidade infantil no período. De acordo com MARX (1982), na Inglaterra em 1861,
existiam 16 distritos que, de 100.000 crianças, faleciam 9.000 por ano.
A busca por produção e lucro era tão intensa na Inglaterra, que a situação das crianças
e adolescentes era desumana, chegando ao ponto de serem trocados por comida, além dos
castigos aplicados, sem precedentes, extremamente cruéis e carga horária de trabalho
excessivamente elevada em troca de salários baixíssimos, o que acarretava numa menor
quantidade de trabalhadores homens adultos contratados. (NASCIMENTO, 2001)
Foi nesse clima de brutalidade, opressão e desatenção em relação ao trabalho infanto-
juvenil que várias revoltas operárias aconteceram. As primeiras normas trabalhistas não
nasceram da indignação social pela exploração da mão-de-obra infantil. Seu fator mais
importante, na verdade, foi econômico, decorrente do fato de que a exploração das crianças
implicava mão-de-obra mais barata e interessante que a dos trabalhadores adultos, o que
culminou no desemprego destes últimos.
MINHARRO (2003) relata que as primeiras Leis voltadas à proteção do trabalho de
crianças e de adolescente surgiram da necessidade de limitar as vantagens econômicas que a
exploração causava. A autora explica que tais leis surgiram mais das reações de homens
desempregados que se viam impossibilitados de suprir a própria subsistência, do que como
resultado da indignação popular diante da crueldade do trabalho pesado de crianças.
A Igreja Católica também contribuiu para o surgimento das leis de proteção desses
trabalhadores a partir do momento que começou a se interessar pelos abusos cometidos contra
24
as crianças e adolescentes. De acordo com FARIAS (2003, p.56), “a partir da segunda metade
do século XIX, organizações sindicais e associações cristãs reivindicaram condições de
trabalho mais justas e universais. Para tanto, buscaram construir uma legislação trabalhista
uniforme”.
Assim, as regulamentações em relação ao trabalho infantil ocorreram gradativamente,
sendo adotadas medidas por todo o século XIX. Apenas no período de 1819 a 1867 foram
adotadas as Leis de Fábrica (Factory Acts) provendo uma diminuição na jornada de trabalho,
proibição do trabalho noturno e restrição à idade permitida para se trabalhar em alguns tipos
de indústria. A partir desse momento, ações para minimizar a exploração do trabalho infantil
começaram a ser criadas. (LIBERATI, 2006)
1.2 O Surgimento do Trabalho Infantil no Brasil
No Brasil a exploração do trabalho de crianças e adolescentes é um aspecto inerente a
sua formação econômica. Dentro da literatura encontram-se registros desde a época da
colonização, passando por todos os ciclos econômicos. De acordo com PRIORE (2000), o
país tem uma longa história de exploração da mão de obra infantil. As crianças pobres sempre
trabalharam. Neste sentido, no período da Colônia e do Império, elas trabalhavam como
escravas para seus donos. No final do século XIX, a mão de obra infantil era utilizada pelos
grandes proprietários de terras como boias-frias, também eram vistas crianças nas unidades
domésticas de produção artesanal ou agrícola, nas casas de família, e, por fim, nas ruas, para
manterem a si e as suas famílias.
Os primeiros a sofrerem os rigores do trabalho infantil no Brasil foram as crianças
indígenas e negras que, de início, estabeleceu uma estrutura de produção e distribuição de
riqueza fundamentada na desigualdade social. Durante o período em que predominou o
modelo primário-exportador, o trabalho infantil ocorreu sob a forma de trabalho escravo, com
a exploração do trabalho dos filhos dos negros e também dos índios, os quais eram
introduzidos nas atividades produtivas ou domésticas, sendo realizadas junto com seus pais, e,
posteriormente, sob as relações de morada, colonato, etc.
Nesse período, da mão de obra escravocrata, crianças e adolescentes faziam parte da
demanda por escravos no Brasil. O trabalho delas era ainda mais lucrativo que o dos adultos,
pois, como menciona a OIT (2003, p.36), “ocupavam menos espaço nos navios negreiros,
25
demandavam menos comida e água e teriam alguns anos a mais de vida útil antes de sucumbir
à desnutrição, à doença e aos maus tratos”.
Em torno de 1888, com a abolição do regime escravocrata no Brasil, FARIAS (2003,
p.59) afirma que esse acontecimento “desencadeou-se a procura pelo trabalho infantil, em
larga escala. Para substituir o trabalho escravo, fazendeiros recrutavam crianças pobres e órfãs
para a lida no campo”.
Ao longo do processo de industrialização, assim como ocorreu nos países europeus, no
Brasil também verifica-se uma busca desenfreada por mão de obra livre para as recentes
indústrias. Nesse contexto, foi fortalecida e defendida a ideia de que o trabalho durante a
infância moldava o caráter das crianças, tornando-as adultas dignas e trabalhadoras. Isso
acarretou na expansão e desenvolvimento do trabalho infantil, principalmente, nos centros
urbanos. LIBERATI (2006, p.22) destaca:
Assim, o trabalho infantil se expandiu rapidamente no Brasil com o processo de
industrialização do país [...]. E, a exemplo da Europa, os empregadores das
indústrias do Brasil constataram, com a escravidão, que as crianças representavam
mão de obra mais barata, facilmente adaptável e manipulada com extrema destreza,
dada a sua ingenuidade.
É durante esse período que empresários começaram a demandar crianças nas
instituições de caridade para o trabalho nas oficinas e fábricas, com a intenção de “preparar o
trabalhador nacional” (GRUSPUN, 2000:52 apud FARIAS, 2003).
Deste modo, o Brasil recém-industrializado proporcionou uma vida penosa aos
menores da época. Crianças e adolescentes que deveriam se encontrar nas escolas eram vistos
nas fábricas em longas jornadas de trabalho. PRIORE (2000), em sua obra, relata que pelas
pequenas mãos das crianças trabalhadoras em São Paulo eram fabricados alimentos e bebidas,
tecidos e chapéus, cigarros e charutos, vidros e metais, tijolos e móveis, entre uma série de
outros produtos. Porém, junto com essas atividades que elas exerciam, estavam a indiferença
às particularidades e às necessidades da infância e adolescência.
A autora também atenta para o fato de que não só de fábricas vivia a sociedade do
Brasil recém-industrializado. Muitas vezes o emprego informal era a única forma de
subsistência que a família encontrava, como transcrito a seguir:
Além disso, as atividades informais abrigavam muitas crianças e adolescentes, caso,
entre outros, dos menores de ambos os sexos que, sem licença da municipalidade,
vendiam bilhetes de loteria pelas ruas da cidade, dos pequenos engraxates que se
postavam junto às praças e às portas das igrejas, bem como dos pequenos
vendedores de jornais que percorriam as ruas em passo rápido ou pendurados nos
estribos dos bondes. (PRIORE, 2000, p.274)
26
A ampla concentração de crianças nas atividades fabris, fez com que, aos poucos, o
Brasil fosse criando regulamentos com o objetivo de proteger as crianças e adolescentes da
exploração de mão de obra. Somente após as revoltas realizadas pela classe trabalhadora, com
o intuito de reivindicar mudanças devido às péssimas condições as quais eram submetidas,
que, de fato, o Estado iniciou um processo de enfretamento ao exercício laboral do menor
com a finalidade de regulamentar o trabalho infantil.
Em 1912, o IV Congresso Operário Brasileiro decidiu pela criação da Confederação
Brasileira do Trabalho, tendo como um de seus objetivos a diminuição da jornada de trabalho
para mulheres e menores de 14 anos de idade. Porém, somente em 1927 foi promulgado o
Código de Menores, que determinava a idade mínima para o trabalho a de 14 anos, além de
jornada de seis horas diárias e proibição do trabalho noturno.
Em 1937, no período ditatorial do governo de Getúlio Vargas, houve modificação
dessa lei. Foi eliminada a proibição do trabalho para menores de 14 anos em estabelecimentos
onde se empregavam pessoas de uma só família, além do aumento na jornada de trabalho para
oito horas diárias. Entretanto, em 1943, no período seguinte do governo de Vargas, retomou-
se o estabelecido anteriormente, devido à vigência da Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT).
No entanto, acredita-se que somente a partir de 1950, com o início do período de
industrialização conhecido como Plano de Metas e desenvolvido pelo então presidente
Juscelino Kubitscheck, que o número de crianças e adolescentes em situação de trabalho
começaram a reduzir.
Os autores especializados nessa temática discorrem que tiveram dificuldades para
analisar a questão do trabalho infantil, entre as décadas de 1950 e 1990, pois os dados
divulgados pelo IBGE não discriminavam o trabalho infanto-juvenil por faixa etária, renda
familiar, escolaridade, entre outras variáveis.
Assim, somente a partir dos anos de 1990, que os dados relacionados ao tema voltaram
a ser divulgados pelo IBGE. Nessa mesma década, a partir da “Constituição Cidadã”
promulgada em 1988, a temática retorna a agenda do Governo com prioridade absoluta de um
melhor atendimento a criança e ao adolescente, através do lançamento dos alicerces que
foram abordados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em substituição ao antigo
Código de Menores.
A partir desse fato, o trabalho infantil começou, então, a ser questionado e encarado
como um problema público a ser superado. Para tanto, tornou-se necessário elaborar um
arcabouço de Leis e Regulamentos onde não somente o Brasil passou a combater tal prática,
27
mas também as Instituições internacionais como a OIT que implantou uma série de
Resoluções e Recomendações através de Convenções que foram apresentadas aos demais
países, a fim de enfrentar a mão de obra exploratória de crianças e adolescentes.
Sabendo que, ainda hoje, tal atividade continua existindo, incomodando e não fazendo
parte de um contexto natural para o universo das crianças e adolescentes é que esse trabalho
monográfico toma essa problemática como objeto de estudo, a fim de contribuir para sua
erradicação, tendo como base teórica vários estudos, análises e pesquisas já realizadas e que
serão abordadas, a seguir, no próximo capítulo.
28
CAPÍTULO 2 – UMA VISÃO NORMATIVA, CONCEITUAL E TEÓRICA SOBRE A
EXECUÇÃO DO TRABALHO INFANTIL
2.1 Os Aspectos Legais Implementados para o Enfrentamento ao Trabalho de Crianças
e Adolescentes
Sob o ponto de vista normativo, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), uma
agência multilateral da Organização das Nações Unidas (ONU), nascida em 1919 no Tratado
de Versalhes, é a instituição responsável pela elaboração, supervisão e aplicação das normas
de trabalho que por meio de Convenções, Resoluções e Recomendações torna-se a principal
referência para a regulamentação do trabalho, em âmbito mundial, as quais podem ou não ser
ratificadas pelos países-membros.
Desde sua existência que a OIT empenha-se em abordar questões e buscar soluções
que permitam melhorias nas condições de trabalho mundial, visando à proteção dos
trabalhadores. Contrapondo-se ao trabalho infantil, a OIT assumiu como sendo uma de suas
prioridades ao legislar e regulamentar o trabalho infantil, haja vista compreender que esse tipo
de labor, além de não ser digno e não contribuir para a redução da pobreza, tira das crianças
os seus direitos à saúde, à educação e à própria vida enquanto crianças.
No Brasil a atuação da OIT data da década de 1950 e tem se caracterizado pelo apoio
ao esforço nacional de promoção do trabalho decente em áreas tão importantes como o
combate ao trabalho forçado, ao trabalho infantil e ao tráfico de pessoas para fins de
exploração sexual e comercial, à promoção da igualdade de oportunidades e tratamento de
gênero e raça no trabalho e à promoção de trabalho decente para os jovens, entre outras.
Com relação ao enfretamento ao trabalho infantil as Convenções de números 138 e
182 podem ser destacadas como sendo os principais instrumentos regulatórios do trabalho
infantil. De forma geral, a Convenção nº 138 da OIT (1973) determina a idade mínima para o
trabalho, a qual não deve ser inferior à idade de conclusão da escolaridade de cada país-
membro ou, em qualquer hipótese, não inferior a 15 anos. Estabelece ainda que a idade
mínima para contratação em qualquer tipo de trabalho que possa prejudicar a saúde, a
segurança e a moral do jovem não deve ser inferior a 18 anos.
Já a Convenção de nº 182 da OIT (1999), promulgada no Brasil pelo Decreto nº 3.597
de 12/09/2000, determinou quais eram as piores formas de trabalho infantil. De acordo com a
29
Organização Internacional do Trabalho, a expressão “piores formas de trabalho infantil”
compreende:
(a) todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, como venda e
tráfico de crianças, sujeição por dívida, servidão, trabalho forçado ou compulsório,
inclusive recrutamento forçado ou compulsório de crianças para serem utilizadas em
conflitos armados;
(b) utilização, demanda e oferta de criança para fins de prostituição, produção de
material pornográfico ou espetáculos pornográficos;
(c) utilização, demanda e oferta de criança para atividades ilícitas, particularmente
para a produção e tráfico de drogas conforme definidos nos tratados internacionais
pertinentes;
(d) trabalhos que, por sua natureza ou pelas circunstâncias em que são executados,
são susceptíveis de prejudicar a saúde, a segurança e a moral da criança (OIT, 1999).
Já a Convenção de nº 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)
estabeleceu, ainda, que cada Estado membro deveria elaborar a descrição dos trabalhos que
por sua natureza ou pelas condições em que são realizados, podem ser prejudiciais à saúde, à
segurança ou à moral das crianças e, portanto, proibi-los.
No Brasil, o aparato legal sobre o trabalho infantil, como país-membro da OIT, segue
em harmonia com as orientações internacionais. Os principais dispositivos nacionais que
regulamentam o trabalho infantil são a Constituição Federal de 1988 (CF/1988) e o Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA), instituído pela Lei Nº 8.069 no dia 13 de julho de 1990.
Em termos de legislação, o art. 227 da Constituição Federal de 1988 determina quais
são os deveres da família, da sociedade e do Estado com relação à criança e ao adolescente ao
dizer que se deve:
Assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de
colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão. (CF/1988)
Já o art. 7 da CF/1988, no seu inciso XXXIII (alterado pela Emenda nº 20, de 15 de
dezembro de 1998) estabelece como idade mínima de 16 anos para o ingresso no mercado de
trabalho, exceto na condição de aprendiz a partir dos 14 anos de idade.
Por sua vez, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), resultado de uma ampla
reivindicação por parte dos movimentos populares, advindos da Constituição Federal de 1988,
que buscavam de todas as formas garantir os direitos a todos que pertencem à sociedade, em
especial às crianças, legitima a regulamentação e proteção social para o trabalho infantil.
Os artigos 60 a 69 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) tratam da proteção
ao adolescente trabalhador. Assim, o ECA prevê a implementação de um Sistema de Garantia
de Direitos (SGD). Os Conselhos de Direitos, de âmbito nacional, estadual e municipal são os
30
responsáveis pela elaboração das políticas de combate ao trabalho infantil, proteção ao
adolescente trabalhador e pelo controle social. Os Conselhos Tutelares atuam na ação de
combate ao trabalho infantil, cabendo a eles zelar pelos direitos das crianças e adolescentes
em geral, em parceria com o Ministério Público e o Juizado da Infância e da Adolescência.
Vale destacar que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no seu Título III,
Capítulo IV, “Da Proteção do Trabalho do Menor”, alterada pela Lei da Aprendizagem (Lei nº
10.097 de 19 de dezembro de 2000), também trata do assunto.
Toda essa legislação já mencionada está em sintonia com as atuais disposições da
Convenção dos Direitos da Criança, da Organização das Nações Unidas (ONU), e das
Convenções nº 138 e nº 182, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Assim, como
todas as demais, são tratados internacionais. Ao serem ratificadas por um Estado membro,
acarretam a adaptação de leis e práticas nacionais sujeitas a um processo de acompanhamento
determinado por procedimentos definidos pela Constituição da OIT. No entanto, a OIT não
tem poderes jurídicos no âmbito nacional. Assim, para que as normas internacionais, as leis e
compromissos nacionais sejam eficazes, é necessário que sejam incorporados na consciência e
comportamento da população.
2.2 A complexidade de definir a dimensão e a natureza do Trabalho Infantil com suas
causas e efeitos
2.2.1 Conceituando o Trabalho Infantil
No âmbito internacional, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) considera
criança o indivíduo com até 15 anos de idade. O seu sistema normativo estabelece, ainda, que
criança trabalhadora é aquela que faz parte da População Economicamente Ativa (PEA),
trabalhando ou procurando emprego (OIT, 1999).
No Brasil, considera-se como trabalho infantil toda e qualquer atividade realizada por
crianças e adolescentes com idade inferior a 16 anos. Essa é a regra geral no ordenamento
jurídico brasileiro, prevista no artigo 7º, inciso XXXIII da Constituição da República de 1988.
A exceção prevista é o trabalho na condição de aprendiz a partir dos 14 anos de idade. Por se
tratar de uma excepcionalidade, o contrato de aprendizagem requer algumas condições que
asseguram a formação educacional pelo e com o trabalho, evitando que, por meio de um
artifício legal, o trabalho de quem ainda tem menos de 16 anos seja explorado.
31
Embora haja diversos outros dispositivos legais que proíbam o trabalho infantil, como
as Convenções da OIT e a regulamentação do ECA, o combate a este tipo de trabalho é
dificultado devido às inúmeras barreiras conceituais, teóricas e metodológicas existentes.
Segundo SOUZA (2010), tais barreiras ocorrem em:
(...) face à existência de múltiplas situações em que a visibilidade do trabalho
infantil é obscurecida pelos limites imprecisos, e histórica e socialmente
determinados, entre o que é trabalhar e o que significa ‘ajudar’ a família nas
atividades domésticas e em outras atividades econômicas que incorporam o trabalho
de crianças e adolescentes. (SOUZA, 2010, p.274)
Deste modo, o trabalho infantil realizado dentro do domicílio é denominado e aceito
como atividades domésticas. E, portanto, ele não está incluso na análise da categoria de
trabalho, tornando-se assim um aspecto controverso para a conceituação deste tipo de
atividade laboral.
KASSOUF (2005) destaca que no universo familiar, este tipo de labor nem sempre é
visto como algo negativo. Pelo contrário, de forma geral, muitas famílias defendem que a
participação dos filhos nas tarefas domésticas pode ser educativa. A questão é que entre um
nível de participação considerado razoável e educativo e o trabalho excessivo que impede a
frequência escolar ou o rendimento escolar satisfatório da criança, há um limite não muito
claro e difícil de mensurar, já que este tipo de labor acontece no universo privado,
dificultando assim, o acesso as informações e a sua própria identificação.
Com esse mesmo entendimento, SABÓIA (2000) também aborda as dificuldades de
mensuração do trabalho doméstico onde se encontram grande parte das tarefas realizadas, em
geral, por meninas. Em muitos casos, esses afazeres domésticos realizados
predominantemente por meninas são tão árduos que as impedem de estudar. Desta forma, a
execução do trabalho torna-se invisível para o pesquisador que procurar medir o fenômeno,
isso porque ocorrem dentro de suas próprias casas. Além do mais, estando excluído da
legislação, é muito difícil fiscalizar o trabalho infantil realizado dentro da família.
Ainda, de acordo com SABÓIA caracterizam-se as atividades domésticas como:
(...) pessoas ocupadas com afazeres domésticos, àquelas que, independentemente de
estarem ocupadas ou não, costumam cuidar integralmente ou parcialmente dos
afazeres domésticos no seu domicílio de residência de tarefas não econômicas (ou
seja, que não atendam às condições estabelecidas no conceito de trabalho) como, por
exemplo:
a) Arrumar toda ou parte da moradia;
b) Cozinhar ou preparar alimentos, lavar roupa ou louça, passar roupa, utilizando, ou
não, aparelhos eletrodomésticos para executar estas tarefas para si próprias ou para
outro morador;
c) Orientar ou dirigir empregados domésticos na execução das tarefas domésticas;
ou
d) Cuidar de filhos ou menores moradores. (SABÓIA, 2000, p.5)
32
A própria Convenção n°138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que
estabelece a idade mínima para admissão a emprego ou trabalho, especifica em seu art. 5°,
que as disposições deste instrumento normativo não se aplicam a “propriedades familiares e
de pequeno porte que produzam para o consumo local e não empreguem regularmente mão-
de-obra remunerada”. Cabe salientar que a grande maioria das crianças trabalhadoras está no
trabalho agrícola, geralmente em fazendas familiares.
Outro aspecto controverso para conceituar o termo “trabalho infantil” é a definição da
carga horária de trabalho. A OIT recomenda cuidado para que não seja conduzido à
superestimação do fenômeno. Diferenciar o quantitativo de crianças que trabalham um
número reduzido de horas por semana do quantitativo de crianças envolvidas em jornadas
intensas e longas é essencial para a definição do trabalho infantil. Assim:
A OIT diferencia o trabalho de menores e denomina de “child laborer” todas as
crianças com menos de 12 anos exercendo qualquer trabalho e todas as de 12 a 14
anos que trabalham em atividades que não são de risco por 14 horas ou mais na
semana ou uma hora ou mais na semana quando a atividade é de risco (KASSOUF,
2005, p.5).
Nesse sentido, a Convenção n° 182 da OIT assinala algumas atividades que pela
intensidade de degradação física, moral ou psicológica tendem a provocar sérias
consequências nas crianças e adolescentes trabalhadores. Estas atividades são definidas como
as piores formas de trabalho infantil. Sem dúvida, o combate a essas formas de trabalho
devem ter maior destaque nas elaborações de ações de Políticas Públicas e no conjunto das
agendas de enfrentamento às violações de direitos de crianças e adolescentes o que não
implica a aceitação das demais formas.
A definição da idade mínima para admissão a emprego ou trabalho é outro ponto que
causa divergência na análise conceitual do “trabalho infantil”. A Convenção n° 138 da OIT
estabelece que a idade mínima recomendada não deva ser inferior à idade de conclusão da
escolaridade compulsória de cada país-membro ou, em qualquer hipótese, não inferior a 15
anos. Admite também que o Estado-membro cuja economia e condições do ensino não
estiverem suficientemente desenvolvidas, poderá definir, inicialmente, a idade mínima de 14
anos. A Convenção determina, ainda, que a idade mínima para admissão a qualquer tipo de
emprego ou trabalho prejudicial à saúde, segurança e à moral do jovem não deve ser inferior a
18 anos de idade.
Assim sendo, tomando como parâmetros essas Convenções que ditam as orientações
internacionais, o Brasil através do Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho
Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente define “trabalho infantil” como sendo
33
qualquer atividade econômica ou de sobrevivência realizada por menores de 16 anos,
excetuando-se a condição de aprendiz a partir dos 14 anos. De acordo com o Plano Nacional
de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil este termo refere-se:
[...] às atividades econômicas e/ou atividades de sobrevivência, com ou sem
finalidade de lucro, remuneradas ou não, realizadas por crianças ou adolescentes em
idade inferior a 16 (dezesseis) anos, ressalvada a condição de aprendiz a partir dos
14 (quatorze) anos, independentemente da sua condição ocupacional. Para efeitos de
proteção ao adolescente trabalhador, será considerado todo trabalho desempenhado
por pessoa com idade entre 16 e 18 anos e, na condição de aprendiz, de 14 a 18
anos, conforme definido pela Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de
1998 (BRASIL, 2004, p.9).
A despeito das controvérsias mencionadas, anteriormente, a noção de trabalho infantil
adotada por esse trabalho se refere a todo trabalho realizado por crianças e adolescentes que
estão abaixo da idade mínima (18 anos) legalmente definida para admissão em qualquer setor
do mercado de trabalho.
Deste modo, a análise realizada por esse trabalho tem como objeto de estudo a
situação de crianças na faixa etária entre 10 a 17 anos de idade, incluindo, dessa forma, a
faixa etária correspondente à condição de aprendiz, que, possivelmente, pode compreender
adolescentes em situação de trabalho irregular. Para tanto, toma como base de análise, os
dados divulgados pelo Censo Demográfico de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatísticas (IBGE).
2.2.2 As múltiplas causas do Trabalho Infantil
Vale salientar que são inúmeras as pesquisas já realizadas dentro da Academia com a
finalidade de entender os motivos que levam crianças e adolescentes a se inserirem no
mercado de trabalho. Tais pesquisas têm indicado diversas razões que levam esse segmento
adentrarem na população economicamente ativa antes da idade permitida por lei. Mas, quase
que unanimemente, a pobreza tem sido apontada como o principal determinante da oferta de
trabalho infantil.
De acordo com GONÇALVES (1997), a pobreza é a base do processo de exploração
da criança, principalmente em trabalhos perigosos e debilitantes. O baixo nível de
rendimentos de muitas famílias, insuficientes para sua própria sobrevivência, pode ser
considerado um fator indutor à alocação do tempo da criança no trabalho, que poderia ser,
alternativamente, distribuído entre o lazer, a escola e o repouso.
Apesar da pobreza ser a variável mais apontada pelos pesquisadores, KASSOUF
(2005) afirma que dentro da literatura acadêmica é o determinante mais controverso. Em um
34
contexto macroeconômico, observa-se que as nações que se tornaram mais ricas apresentaram
uma redução no trabalho infantil. Os autores BASU e TZANNATOS (2003b) ressaltam que
filhos de advogados, médicos, professores e, em geral, da população de classe média alta não
trabalham na infância. Vários estudos mostram que o aumento da renda familiar reduz a
probabilidade de a criança trabalhar e aumenta a de ela estudar (NAGARAJ, 2002;
EDMONDS, 2001; KASSOUF, 2002).
Em contrapartida, há estudos que não conseguiram encontrar uma relação direta entre
renda e trabalho infantil (RAY, 2000; BARROS et al., 1994). Um deles é o de BHALOTRA e
HEADY (2003), o qual mostrou que famílias proprietárias de maiores áreas de terra, tendem a
fazer seus filhos trabalharem mais. Como a posse de áreas maiores de terras tipicamente é
associada a uma maior riqueza, os autores sugerem que maior nível de pobreza não está
relacionado ao aumento do trabalho infantil. A principal razão para esse resultado é que
indivíduos com posse maior de terra têm oportunidade de usar de forma mais produtiva a mão
de obra familiar. Portanto, considerando essa ótica de análise, não significa que pobreza não é
o único determinante do trabalho infantil, mas, sim, que o trabalho infantil responde a
incentivos e oportunidades que surgem com as imperfeições no mercado de trabalho.
Desse modo, outro importante determinante do trabalho infantil, apontado por
KASSOUF (2007) e que está associado ao ciclo da pobreza, é a entrada precoce dos pais no
mercado de trabalho. De acordo com a autora, há estudos que mostram que crianças de pais
que foram trabalhadores na infância têm maior probabilidade de trabalhar. Em um estudo de
EMERSON e SOUZA (2003) eles chegaram à conclusão de que pais que trabalharam quando
crianças tratam com mais naturalidade o trabalho infantil e têm mais propensão a colocarem
os filhos para trabalhar.
Em alguns estudos, a deficiência da educação é apontada também como um dos
fatores determinantes que levam crianças e adolescentes a se inserirem precocemente no
mercado de trabalho. Os autores FERNANDES E MENDONÇA (1999) ressaltaram que a
acessibilidade, qualidade e custos da educação apareceram como fatores relevantes na decisão
familiar ou individual entre escola e trabalho. As autoras também destacaram que os elevados
índices de repetência, como consequência de um ensino de má qualidade acabaram por
expulsar o adolescente da escola, restando-lhe então, apenas, a alternativa do trabalho.
A respeito desse tipo de condicionante, CERVINE e BURGUER (1991) admitem que:
A exclusão da escola consegue, simultaneamente, negar a distribuição mais
igualitária dos valores e legitimar a permanência da desigualdade social, transferindo
para o expulso a responsabilidade por sua situação – incapacidade de cumprir os
requisitos ‘objetivos’ da escola – constituindo-se, desta forma, em um mecanismo de
reprodução social. (CERVINE; BURGUER, 1991, p.18)
35
De acordo com SOUZA (2010), outra causa importante da ocorrência do trabalho
infantil é a que resulta de valores e padrões culturais fortemente impregnados em amplos
segmentos da sociedade brasileira, que aceitam, justificam e ressaltam os benefícios do
trabalho infantil. De acordo com tais interpretações, o autor relata que o trabalho de crianças e
adolescentes:
[...] é visto como um espaço de socialização, valorizado como contraponto aos riscos
que poderiam decorrer da convivência com a rua, com as drogas, com a
marginalidade, e enfatizado como um princípio educativo, responsável pela
disciplina, responsabilidade e experiência necessárias à construção de uma trajetória
profissional. (SOUZA, 2010, p.281)
SOUZA (2010), ainda, afirma que apesar dos avanços ocorridos nas últimas décadas,
ainda prevalecem em alguns segmentos da população opiniões como “o trabalho prepara para
a vida”, “é melhor estar trabalhando do que estar na rua, na droga ou roubando”, dentre outras
frases similares. Tais segmentos defendem concepções como a de que ao trabalho infantil é
atribuída uma possibilidade de controle social, capaz de diminuir os riscos advindos das
“classes perigosas”; e a crença de que o trabalho precoce possa viabilizar, além dos ganhos
imediatos, alternativas de ascensão social que dispensem o necessário investimento na
escolaridade.
Assim, SOUZA (2010) acrescenta a essa visão naturalizada do trabalho infantil, o fato
desse ser visto por muitos, sobretudo no universo dos adolescentes, como possibilidade de
independência em relação à família e de acesso a bens de consumo de massa. Todas essas
questões, portanto, reforçam uma cultura de que “é normal à criança trabalhar”.
Já KASSOUF (2007) cita outros determinantes do trabalho infantil, também
considerados importantes, mas que não são tão utilizados e explorados na literatura acadêmica
existente, tais como: salário, idade e ocupação dos pais, tamanho da propriedade agrícola
onde as crianças trabalham, custos relacionados à escola, medidas de qualidade do
estabelecimento de ensino onde a criança está inserida, além de medidas que reflitam a
infraestrutura da comunidade, como disponibilidade de transporte público, rodovias,
eletrificação, etc.
36
2.2.3 Os principais efeitos do Trabalho Infantil
As consequências que o trabalho infantil traz são nocivas tanto para o indivíduo
quanto para as sociedades nas quais ocorrem sua execução, uma vez que, crianças e
adolescentes são pessoas em situação peculiar de desenvolvimento, cujos resultados são
complexos e provocam no indivíduo danos de caráter físico, psíquico, moral, social e
intelectual.
SOUZA (2010) assinala que o trabalho infantil interdita os direitos básicos da criança,
como educação e lazer, seja por submeter um ser em formação a atividades perigosas, penosas
ou degradantes, seja por interferir na possibilidade destas vivenciarem plenamente a infância,
a fantasia, o ato de brincar, além de afetar sua relação com a escola, o aprendizado e seu
desenvolvimento educacional.
Além dos malefícios que o trabalho precoce gera no desenvolvimento individual da
criança e do adolescente, existe o prejuízo socioeconômico que esta atividade provoca na
sociedade. A maioria dos estudos que analisam as consequências do trabalho infantil,
concordam com a visão de que o trabalho exercido durante a infância impede a aquisição de
uma melhor educação e, consequentemente, de capital humano.
No estudo realizado por KASSOUF (1999), a autora evidencia que, quanto mais
jovem o indivíduo se insere no mercado de trabalho, menor é o seu salário na fase adulta da
vida e essa redução é, em grande parte, devido à perda dos anos de escolaridade em virtude do
trabalho desenvolvido na infância.
Em geral, a literatura acadêmica ressalta que o trabalho infantil traz consequências
negativas à escolarização do indivíduo, porque este dificulta ou até mesmo impede, a
frequência escolar e acarreta a defasagem entre idade e série da criança ou adolescente. A
criança trabalhadora tem maior probabilidade de não frequentar a escola, de apresentar um
baixo rendimento escolar e atingir um nível de escolaridade final menor do que o alcançado
por aquelas que não trabalham. Como resultado, quando se tornam adultos, têm salários mais
baixos do que os indivíduos que começaram a trabalhar mais tarde (FERRO; KASSOUF,
2004).
Ainda, de acordo com KASSOUF (2007), a baixa escolaridade e o pior desempenho
escolar, atribuídos ao trabalho infantil, têm como consequência a limitação das oportunidades
de emprego a postos que não necessitam de qualificação e que são mal remunerados,
mantendo o jovem, assim, dentro de um ciclo de pobreza repetitivo já experimentado pelos
seus pais.
37
Seguindo essa mesma posição, SOUZA (2010) afirma que dificuldades de conjugar o
trabalho com a escola, sobretudo, entre aqueles que estão envolvidos em atividades rurais, o
cansaço e os efeitos negativos de uma longa jornada de trabalho, bem como o desalento
promovido por um sistema de ensino pouco atrativo, desconectado da sua realidade e de baixa
qualidade, concorrem para um desempenho insatisfatório dessas crianças e adolescentes,
evidenciado nas reprovações, na evasão e nas distorções série-idade.
Outra consequência do trabalho realizado na infância é a de piorar o estado de saúde
da pessoa, tanto na fase inicial da vida, quanto na fase adulta. KASSOUF et al. (2001),
mostram que quanto mais cedo o indivíduo começa a trabalhar pior é o seu estado de saúde
em uma fase adulta da vida, mesmo controlando a renda, escolaridade e outros fatores.
O’DONNELL et al. (2003), também concluem que as atividades realizadas durante a infância
aumentam o risco de doenças em uma fase posterior da vida.
Ainda, além dos riscos de saúde, existem os acidentes que frequentemente ocorrem em
locais de trabalho que utilizam equipamentos, móveis, utensílios e métodos que não são
projetados para utilização por crianças, mas, sim, por adultos. Portanto, há a possibilidade de
maior risco de acidentes. Por causa das diferenças físicas, biológicas e anatômicas das
crianças, quando comparadas aos adultos, elas são menos tolerantes a calor, barulho, produtos
químicos, radiações, etc., isto é, menos tolerantes a ocupações de risco, que podem trazer
problemas de saúde e danos irreversíveis.
Diante dos danos apontados, pode-se afirmar que o trabalho infantil não é apenas um
problema para a criança ou adolescente, mas sim um problema social. A criança trabalhadora
não se prepara para o futuro, do ponto de vista físico, intelectual, psicológico. Sua inserção
precoce no mercado de trabalho lhe tira melhores oportunidades de trabalho na fase adulta
devido à falta de qualificação, reproduzindo e aprofundando dessa forma a desigualdade
social existente.
Assim, apesar do Brasil dispor de uma legislação moderna, abrangente e sintonizada
com as normas internacionais, em relação ao trabalho infantil, sabe-se que a existência dessa
legislação não tem sido suficiente para impedir a prática generalizada do trabalho infantil em
todas as regiões e estados do país. Neste sentido, este trabalho em seu próximo capítulo se
volta para elaborar um panorama da situação ocupacional das crianças e adolescentes que
residem no Rio Grande do Norte, evidenciando os municípios que compõem a Região
Metropolitana de Natal.
38
CAPÍTULO 3 UM PANORAMA DO TRABALHO DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES NO RIO GRANDE DO NORTE E NA REGIÃO
METROPOLITANA DE NATAL
Nos capítulos anteriores, verificou-se que o trabalho infanto-juvenil aparece desde os
primórdios da História e possui um caráter amplo o que o torna uma questão social bem
complexa. Assim, como já visto no referencial teórico, a utilização da mão de obra precoce
muitas vezes está associada à pobreza, à desigualdade e à exclusão social, embora não esteja
restrito apenas a esses aspectos. Vale salientar que outros fatores de natureza cultural,
econômica e de organização social da produção também respondem pelo seu agravamento.
Ao admitir esse problema, também verificou-se que instituições de âmbito
internacional e nacional têm buscado, em parceria com a sociedade, instrumentos que possam
combater o trabalho precoce em todas as suas formas, principalmente, aquelas consideradas
inaceitáveis por não respeitarem os direitos fundamentais da pessoa humana. Deste modo,
importam nessa abordagem não apenas os números que mostram a inserção precoce das
crianças na força de trabalho, mas também a natureza desse trabalho, em particular pelas
condições em que se realizam e pelos riscos a que os menores estão submetidos ao exercê-lo.
No Brasil há, de forma regionalmente diferenciada, uma cultura de valorização do
trabalho que insere crianças e adolescentes no mercado de trabalho com o objetivo de retirá-
las do ócio e da possível delinquência. Por outro lado, existem fatores vinculados a formas
tradicionais e familiares de organização econômica, em especial na pequena produção
agrícola, que mobilizam o trabalho precoce. Ademais, as oportunidades oferecidas pelo
mercado de trabalho urbano influenciam, sobremodo, a participação das crianças e dos
adolescentes na força de trabalho que, a despeito dos direitos que lhes asseguram o
ordenamento jurídico, elas continuam à margem da rede de proteção, quer na esfera dos
direitos humanos, quer na esfera social e trabalhista.
Partindo deste reconhecimento e sabendo que o trabalho precoce ainda é uma
realidade no Rio Grande do Norte e que a Região Metropolitana de Natal (RMN) responde
por 32,0% do total de crianças que estão em situação de trabalho, é que este capítulo se volta
para traçar um panorama da situação ocupacional, tomando como parâmetro os dados do
Censo Demográfico de 2010 (IBGE), com destaque para apresentação dos aspectos
relacionados à idade, ao gênero, a situação socioeconômica de suas famílias, às atividades e
ocupações e a escolaridade. Entendendo que cada espacialidade possui as suas
especificidades, os mesmos serão analisados, separadamente, a seguir.
39
3.1 A Realidade do Trabalho Infanto-Juvenil no Rio Grande do Norte
Os dados mais recentes do último Censo Demográfico realizado em 2010 pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontavam a existência de 478.146
pessoas na faixa etária entre 10 a 17 anos de idade residentes no Rio Grande do Norte. Em
contra posição à legislação trabalhista do Brasil dessa totalidade cerca de 43.304 pessoas
nessa mesma faixa etária encontravam-se em situação de trabalho, ou seja, o equivalente a
9,1% do total de crianças e adolescentes do estado.
Quando comparado o Rio Grande do Norte com os demais estados que compõem a
Região Nordeste, verifica-se que em termos relativos, em 2010, o estado foi o que apresentou
o menor percentual de crianças e adolescentes exercendo algum tipo de ocupação, conforme
apresenta os dados ilustrados pelo Gráfico 1, a seguir.
GRÁFICO 1 – NE: percentual de crianças e adolescentes em situação de trabalho – 2010
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. (Elaboração Própria)
A partir dos dados levantados sobre a incidência do trabalho infanto-juvenil, tomando
a idade como a variável de investigação verificou-se que a relação percentual de crianças e
adolescentes em situação de trabalho amplia conforme a idade aumenta. Assim, a fim de fazer
uma descrição mais ampla das características do trabalho infantil, dividiu-se por faixa etária,
onde passou-se a utilizar os seguintes grupos etários: o primeiro que compreende as idades
entre 10 a 13 anos; o segundo que reúne os que estão na faixa etária de 14 a 15 anos de idade;
e um terceiro que engloba os que se encontram com 16 e 17 anos de idade, conforme expõe os
dados descritos pela Tabela 1, a seguir.
40
TABELA 1 – RN: total de crianças e adolescentes, quantidade e percentual das que se
encontram em situação de trabalho, por grupos etários – 2010
Grupos Etários Quantidade Total
(A)
Quantidade em
Situação de Trabalho
(B)
Relação Percentual
(B/A)
10 a 13 anos 233.300 9.398 4,0%
14 a 15 anos 125.243 11.712 9,4%
16 a 17 anos 119.603 22.194 18,6%
TOTAL 478.146 43.304 9,1%
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. (Elaboração Própria)
Segundo os dados do Censo de 2010, somente no estado do Rio Grande do Norte,
9.398 crianças de 10 a 13 anos, o equivalente a 4,0% do total dos que se encontravam nessa
faixa etária tinham algum tipo de ocupação naquele ano, o mesmo ocorrendo com 11.712
jovens de 14 a 15 anos e 22.194 jovens de 16 a 17 anos, o que correspondiam a 9,4% e a
18,6%, respectivamente. Vale salientar que a faixa etária que compreende as idades de 10 a
13 anos, a Legislação Nacional regida pela CLT não permite a inserção dessa mão de obra no
mercado de trabalho. Já com relação às outras duas faixas etárias, a partir dos 14 anos a Lei
permite o menor, na condição de aprendiz, desenvolver atividades laborais e a partir dos 16
anos a Emenda Nº 20/1998 que alterou o art. 7 no seu inciso XXXIII da CF/1988 estabeleceu
como sendo a idade mínima para ingresso no mercado de trabalho.
Assim, no Rio Grande do Norte é possível observar pelos dados apresentados no
Gráfico 2 que a taxa de participação das crianças e dos adolescentes no mundo do trabalho
por faixa etária, mais da metade se concentravam entre os que tinham 16 e 17 anos, onde
totalizavam 22.194, o equivalente a 51,3% do total. As demais faixas etárias compreendiam,
em termos relativos, a 27,0% (os que se encontravam na idade entre 14 e 15 anos) e a 21,7%
(os que tinham entre 10 a 13 anos de idade).
GRÁFICO 2 – RN: percentual de crianças e adolescentes em situação de trabalho por faixa
etária – 2010
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. (Elaboração Própria)
41
Com relação a caracterização dos ocupados, tomando para análise a variável gênero,
em 2010, conforme apontam os dados do Gráfico 3, verificou-se que a predominância no
trabalho era de crianças e adolescentes do sexo masculino com percentual de 61,9%, sobre o
feminino, que apresentou um percentual de 38,1%, considerando a faixa etária entre 10 a 17
anos de idade. Ao desagregar os dados pelos três grupos etários verificou-se também que em
todos eles existiam uma maior participação de meninos do que de meninas no mercado de
trabalho.
GRÁFICO 3 – RN: percentual do trabalho infantil segundo gênero, por faixa etária – 2010
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. (Elaboração Própria)
Ainda, considerando como parte da caracterização do perfil das crianças e dos
adolescentes que se encontravam em situação de trabalho, com relação a cor/raça dos jovens
trabalhadores, constatou-se que no momento da realização do Censo de 2010, no Rio Grande
do Norte, considerando a faixa etária de 10 a 17 anos, o contingente de crianças e
adolescentes ocupados que tinham informado serem pretas ou pardas totalizava naquele ano
26.769, que em termos relativos representava 61,8% do total dos ocupados. Os 38,2%
restantes (16.030 pessoas) tinham se autodeclarados da raça branca.
Verificando a localidade de moradia observou-se que mais da metade das crianças e
adolescentes de 10 a 17 anos que trabalhavam, em 2010, no Rio Grande do Norte residia na
área urbana (64,5%), enquanto que os demais residiam na área rural (35,5%). Quando os
dados foram desagregados pelos grupos etários, verificou-se que os que se encontravam na
faixa etária entre 10 a 13 anos de idade, a distribuição dos que moravam na área urbana e rural
era mais equilibrado, uma vez que o percentual dos que residiam na área urbana era igual a
52,8% e de 47,2% os que tinham domicílios na área rural. Nas outras duas faixas etárias a
predominância das residências era na área urbana, cerca de 62,5% e 70,5%, respectivamente.
42
Tomando como referência a situação socioeconômica das famílias cujas crianças e
adolescentes se encontravam em situação de trabalho, os dados ilustrados pelo Gráfico 4
revelaram uma forte relação entre trabalho e renda. No Rio Grande do Norte a tendência
observada foi quanto maior a renda menor o percentual de menores ocupados. Assim, as
famílias que tinham um rendimento per capita acima de um salário mínimo, o percentual de
crianças e adolescentes que se encontravam em situação de trabalho era o correspondente a
14,8%. Já as famílias com renda per capita declarada no Censo de 2010 menor que um salário
mínimo reunia cerca de 85,2% do total das crianças e dos adolescentes que se encontravam
desempenhando algum tipo de ocupação.
Ao desagregar mais os dados, verificou-se que nas famílias de menor rendimento per
capita onde se concentravam as crianças e adolescentes que exerciam algum tipo de atividade
laboral, observou-se uma distribuição mais equilibrada, uma vez que as famílias que
auferiram como renda até ¼ do salário mínimo respondiam por 26,8% do total do trabalho
infantil, enquanto as famílias que recebiam entre ¼ a ½ salário mínimo reuniam cerca de
29,9% do total de crianças e adolescentes ocupados, e por fim, as famílias que tinham
rendimento per capita entre ½ salário mínimo até o correspondente a um salário mínimo
foram responsáveis por 28,5% do total do trabalho infanto-juvenil no estado.
GRÁFICO 4 – RN: rendimento per capita das famílias com ocupados na faixa etária de 10 a
17 anos – 2010
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. (Elaboração Própria)
Como visto, a quantidade total de crianças e adolescentes no Rio Grande do Norte que
em 2010 desempenhava alguma atividade laboral totalizava 43.304 e mais da metade (51,3%)
se encontravam na faixa etária entre 16 e 17 anos de idade. As principais atividades
econômicas desempenhadas por esses menores trabalhadores observados no estado
encontravam-se nos setores agrícola, de comércio e serviços.
43
Assim, no setor agrícola, as atividades que se destacaram foram as de agricultura,
pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura, correspondendo a um total de 14.266
pessoas entre 10 e 17 anos, o equivalente a 32,9% das pessoas ocupadas no estado com essa
faixa etária na semana de referência da pesquisa.
Já no setor de comércio e serviços, as atividades que tiveram maior relevância foram
as de reparação de veículos automotores e motocicletas Nesse segmento, a quantidade de
trabalhadores caiu para 10.110, representando 23,3%. Os demais trabalhadores mirins, cerca
de 18.928 englobaram diversas outras atividades que envolveram a indústria, construção,
transporte, serviços domésticos e atividades classificadas pelo IBGE como mal definidas.
Quanto às ocupações, o IBGE considerou a posição que a pessoa ocupava com relação
ao trabalho existente e o empreendimento em que trabalhava. Deste modo, os pequenos
trabalhadores foram distribuídos entre as cinco categorias de posição que ocupavam no
trabalho principal, como: empregados, conta própria e empregadores, não remunerados e
como trabalhadores na produção para o próprio consumo.
Assim, os dados do Gráfico 5 apresentam o percentual por posição na ocupação no
trabalho principal. Os empregados eram os que abrangiam a maior parte dos ocupados,
correspondendo a 50,7% (21.947) das crianças e adolescentes que trabalharam na semana de
referência da coleta dos dados. Entre esses, os que tinham entre 16 e 17 anos de idade
correspondiam a maioria, representando 64,8%.
Os trabalhadores mirins que ocuparam a posição de conta própria ou empregador
corresponderam a 12,6% (5.473) do total dos ocupados. Nesse segmento, predominaram
também os adolescentes com idade mais avançada, ou seja, os que se encontravam com 16 ou
17 anos, correspondendo a 54,4%. Geralmente, as ocupações desses adolescentes se limitaram
ao trabalho próprio como flanelinhas nas ruas e vendedores ambulantes, especialmente, em
festas e transportes públicos.
Já as crianças e os adolescentes ocupados que não foram remunerados, mas que
exerceram algum tipo de trabalho equivaleram a 18,5% (8.006). Entre os não remunerados,
predominaram os trabalhadores infantis de menor faixa etária, ou seja, entre 10 e 13 anos de
idade, correspondendo a 39,6%.
Por fim, a posição de consumo próprio correspondeu a pessoa que trabalhou durante a
semana de referência, pelo menos uma hora completa, em alguma atividade em troca somente
de alimentação. O percentual de crianças e adolescentes que trabalharam para o próprio
consumo foi de 18,2% (7.878) e nessa posição, os trabalhadores mais jovens (10 a 13 anos)
também representaram a maioria (36,1%).
44
GRÁFICO 5 – RN: percentual de ocupados entre 10 a 17 anos por posição na ocupação e
faixa etária – 2010
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. (Elaboração Própria)
A fim de evidenciar ainda mais a exploração da mão de obra, principalmente, dos que
se encontravam na faixa etária de 16 e 17 anos de idade, os dados do Censo de 2010
mostraram que, dentre o total de 22.194 adolescentes cerca de 64,1% (14.219) eram
empregados no trabalho principal. No entanto, os que não tinham carteira de trabalho assinada
correspondiam a 82,2% (11.695) e somente 2.524 (17,8%) tinham carteira de trabalho
assinada. Nas demais ocupações, 2.979 (13,4%) trabalhavam por conta própria, 2.655 (12,0%)
trabalhavam na produção para o próprio consumo e 2.341 (10,5%) não eram remunerados.
Assim, esses adolescentes trabalhavam como adultos, mas não recebiam como tais, colocando
em risco a sua saúde e segurança, a sua educação e o seu futuro.
Além do mais, quando analisada a jornada de trabalho, vide os dados da Tabela 2,
nota-se que a maior parcela dos ocupados trabalhavam em torno de 15 a 39 horas semanais, o
equivalente a 40,9% do total. Percebe-se, ainda, que a maior carga horária de trabalho, que
correspondia a uma jornada de mais de 45 horas semanais, era exercida pelos trabalhadores de
maior faixa etária (16 e 17 anos). De um total de 6.284 mil trabalhando essa quantidade de
horas, 4.261 tinham entre 16 e 17 anos.
Entre os ocupados na faixa etária de 10 a 13 anos de idade para os quais o trabalho é
proibido, a maioria, que correspondia a 40,8%, exerciam jornadas semanais de trabalho que
totalizavam 15 a 39 horas. Os que estavam com 14 ou 15 anos de idade, em geral, também
trabalhavam cerca de 15 a 39 horas e equivaliam a 45,2%. Essa quantidade de horas
trabalhadas também se repete para os trabalhadores entre 16 e 17 anos, porém representando
38,6% dos ocupados.
45
TABELA 2 – RN: ocupados por faixa etária segundo a jornada de trabalho – 2010
Jornada
Semanal de
Trabalho
Faixa Etária
Total 10 a 13 anos 14 a 15 anos 16 a 17 anos
Ocupados % Ocupados % Ocupados % Ocupados %
Até 14 horas 10.759 24,8 3.806 40,5 3.128 26,7 3.825 17,2
15 a 39 horas 17.704 40,9 3.839 40,8 5.288 45,2 8.577 38,6
40 a 44 horas 8.557 19,8 1.067 11,4 1.959 16,7 5.531 24,9
45 horas ou
mais 6.284 14,5 686 7,3 1.337 11,4 4.261 19,2
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. (Elaboração Própria)
Em geral, o trabalho tem um efeito perverso no desenvolvimento educacional da
criança e do adolescente. Este efeito, no entanto, depende da idade, tipo e duração do
trabalho, e pode afetar tanto a presença ou não da criança à escola, como seu aproveitamento.
No Rio Grande do Norte, verificou-se que a proporção de crianças e adolescentes,
entre 10 a 17 anos, que não frequentavam a escola em 2010, foi bem maior entre os ocupados
(20,7%) que entre aqueles que não tinham ocupação (7,5%). Os trabalhadores mirins entre 10
a 13 anos de idade que estavam sem frequentar a escolar correspondiam a 6,5% e os que não
tinham ocupação, apenas 2,4% não frequentavam escola. Para os adolescentes entre 14 e 15
anos de idade, esse percentual era de 13,6% os que não frequentavam escola e trabalhavam
contra 7,3%. Por fim, dentre os que tinham entre 16 e 17 anos e não frequentavam a escola,
30,5% trabalhavam e 19,3% não tinham qualquer tipo de ocupação.
A taxa de analfabetismo é outro indicador na relação de trabalho e escolaridade. No
estado os dados mostraram que entre os menores (10 a 17 anos) ocupados e não ocupados
houve uma variação pequena. Para os ocupados analfabetos, esse índice era de 4,0%. Já entre
os sem ocupação, a taxa aumentou para 5,7%. Entre os trabalhadores de 10 a 13 anos com
alguma ocupação, a taxa de analfabetos foi de 7,3%, entre os sem ocupação, esse índice teve
uma pequena alteração, representando 7,8%. Na faixa etária de 14 e 15 anos de idade, o
percentual de menores trabalhadores sem alfabetização foi de 3,6% contra 3,4% entre os que
não trabalhavam. Já os que possuíam entre 16 e 17 anos, o analfabetismo representava 2,9%
desses jovens trabalhadores e 3,6% dos que não estavam em situação de trabalho.
Assim, uma política eficaz de combate ao trabalho de crianças e adolescentes não pode
colocar seu foco, unicamente, na repressão desta atividade, e sim em criar condições para que
ela seja descontinuada. A principal destas condições é, sem dúvida, a melhoria do sistema
educacional, e a criação de programas de geração de emprego e renda para as famílias.
46
3.2 Análise Descritiva do Trabalho Infanto-Juvenil na Região Metropolitana de Natal
A Região Metropolitana de Natal (RMN), conhecida também como Grande Natal,
apresenta-se como uma das regiões de maior dinamismo econômico do estado do Rio Grande
do Norte. Integrada pelo chamado Núcleo Urbano é composta por dez municípios, a saber: a
capital potiguar, a cidade do Natal, seus dois municípios limítrofes, Parnamirim e São
Gonçalo do Amarante, além dos demais municípios: Ceará Mirim, Extremoz, Macaíba, Monte
Alegre, Nísia Floresta, São José de Mipibu e Vera Cruz.
Criada por meio da Lei Complementar Estadual nº 152 em 1997, a formação da RMN
se deu de forma gradativa. Inicialmente, a RMN compreendia os municípios de Natal,
Parnamirim, São Gonçalo do Amarante, Ceará Mirim, Extremoz e Macaíba. Em 2002, através
da Lei Complementar Estadual nº 221, passaram a integrar a Região os municípios de Nísia
Floresta e São José de Mipibu. Três anos depois, a partir da Lei Complementar Estadual nº
315 foi adicionado o município de Monte Alegre. E, finalmente, em 2009 foi a vez do
município de Vera Cruz juntar-se aos demais municípios potiguares, através da Lei nº
391/2009.
De acordo com os dados do último Censo Demográfico realizado pelo IBGE (2010), a
população da RMN somava 1.351.004 habitantes, o correspondente a 42,6% do total da
população potiguar. Essa forte concentração populacional ocupava uma área territorial de
2.807,563 km2, o equivalente a 5,3% do território estadual e, em 2010 era responsável por
mais da metade da produção do estado, conforme apresenta os dados da Tabela 3, a seguir.
TABELA 3 – RMN: dados da legislação, população, área, PIB e PIB per capita – 2010
Municípios Legislação População Área
Km2
PIB
R$ MIL
PIB Per
Capita
R$ 1,00
Ceará-Mirim LCE 152/97 68.141 724,381 390.635 5.732,75
Extremoz LCE 152/97 24.569 139,575 151.035 6.147,38
Macaíba LCE 152/97 69.467 510,771 843.144 12.137,33
Monte Alegre LCE 315/05 20.685 210,916 106.517 5.149,48
Natal LCE 152/97 803.739 167,263 11.532.080 14.348,04
Nísia Floresta LCE 221/02 23.784 307,841 136.198 5.726,45
Parnamirim LCE 152/97 202.456 123,471 2.376.619 11.738,94
São Gonçalo do Amarante LCE 152/97 87.668 249,124 1.183.243 13.496,86
São José de Mipibu LCE 221/02 39.776 290,331 261.048 6.562,95
Vera Cruz LCE 391/09 10.719 83,890 50.629 4.723,30
TOTAL DA RMN - 1.351.004 2.807,563 17.031.148 12.606,29
RIO GRANDE DO NORTE - 3.168.027 52.811,047 32.338.895 10.207,90
Fonte: IBGE (2010). www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao (Elaboração Própria)
47
Assim, apesar da legislação em vigor procurar proteger o trabalho realizado de forma
ilegal, em todas as regiões metropolitanas do país existem dados que comprovam a existência
do trabalho de crianças e adolescentes. Na RMN esse fato não é diferente, mas também
apresenta um processo social que muitas das vezes obrigam as famílias pobres a utilizar o
trabalho de todos os seus membros como estratégia de sobrevivência. É com esse
reconhecimento que esse trabalho passa a analisar os dados do trabalho infantil publicados
pelo Censo Demográfico de 2010 tomando como referência a espacialidade da RMN.
3.2.1 A Caracterização do Trabalho Infanto-Juvenil na RMN
Analisando a existência do trabalho infanto-juvenil na RMN a partir dos dados do
Censo Demográfico do IBGE realizado em 2010, verifica-se que, naquele ano, existiam na
Região Metropolitana de Natal (RMN) o total de 195.758 crianças e adolescentes que se
encontravam na faixa etária de 10 a 17 anos de idade, o que representava cerca de 40,9% do
total de crianças e adolescentes residentes no estado. Em situação de trabalho, os dados
revelavam que 13.852 dessas crianças e adolescentes desempenhavam algum tipo de atividade
ocupacional, o que representava 7,1%. Quando comparado com a quantidade total de crianças
e adolescentes em situação de trabalho no estado, a RMN é responsável por 32,0% do total da
utilização da mão de obra infanto-juvenil do estado.
Verificando as especificidades de cada município que compõe a RMN observou-se
através dos dados apresentados pela Tabela 4 que o município de Vera Cruz detinha a maior
quantidade relativa de crianças e adolescentes na faixa etária de 10 a 17 anos de idade com
um percentual de 18,3%, o correspondente a 1.966. Dessas, em 2010, a cidade registrava um
percentual que correspondia a 10,5% de crianças e adolescentes desenvolvendo algum tipo de
atividade laboral, equivalente a 207 pessoas. Enquanto, o município de Natal, que por ser a
capital do estado, registrava para essa mesma faixa etária, uma população de 108.696, das
quais 7.823 mil estavam ocupadas, ou seja, um percentual igual a 7,2%.
Outro destaque a ser mencionado, é com relação ao município de Extremoz, que
apesar de registrar uma população aproximada de 4.106 crianças e adolescentes, o que
representava 16,7% do total da sua população residente, apenas cerca de 155 estavam
ocupadas, ou seja, 3,8% representando o menor percentual quando comparado com os demais
municípios que integram a Região Metropolitana de Natal (RMN).
48
TABELA 4 – RMN: população total, quantidade total de crianças e adolescentes e quantidade
das que se encontravam em situação de trabalho – 2010
Municípios
População
Total (hab.)
A
Quantidade
de Crianças e
Adolescentes
B
Quantidade de
Crianças e
Adolescentes em
Situação de
Trabalho
C
Relação
Percentual
B/A
Relação
Percentual
C/B
Ceará-Mirim 68.141 11.661 973 17,1 8,3
Extremoz 24.569 4.106 155 16,7 3,8
Macaíba 69.467 11.514 1.026 16,6 8,9
Monte Alegre 20.685 3.600 345 17,4 9,6
Natal 803.739 108.696 7.823 13,5 7,2
Nísia Floresta 23.784 4.113 244 17,3 5,9
Parnamirim 202.456 28.737 1.757 14,2 6,1
São Gonçalo do
Amarante 87.668 14.327 866 16,3 6,0
São José de
Mipibu 39.776 7.038 456 17,7 6,5
Vera Cruz 10.719 1.966 207 18,3 10,5
TOTAL DA
RMN 1.351.004 195.758 13.852 14,5 7,1
RIO GRANDE
DO NORTE 3.168.027 478.146 43.304 15,1 9,1
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. (Elaboração Própria)
Obs.: Total de Crianças e Adolescentes na faixa etária de 10 anos a 17 anos de idade.
O Gráfico 6, a seguir, ilustra melhor o comportamento da utilização da mão de obra de
crianças e adolescentes nos municípios que compõem a RMN indicando que o menor
percentual apresentado foi em Extremoz com 3,8%, Natal ficou com a sexta colocação com
um percentual de 7,2% e o município que tinha o maior valor relativo era Vera Cruz com um
percentual de 10,5%.
GRÁFICO 6 – RMN: percentual de crianças e adolescentes em situação de trabalho – 2010
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. (Elaboração Própria)
Obs.: Total de Crianças e Adolescentes na faixa etária de 10 anos a 17 anos de idade.
49
Partindo da observação dos dados apresentados por faixa etária, pelo Gráfico 7,
verificou-se que, de forma geral, quanto mais elevada a idade, maior a quantidade de crianças
e adolescentes que estavam em situação de trabalho. A exceção a esse comportamento ficou
com o município de Extremoz que não seguiu essa tendência. Em Extremoz, a distribuição
dos trabalhadores infantis entre as três faixas etárias não teve muita discrepância nos dados. A
faixa etária entre 14 e 15 anos apresentou o maior percentual (35,5%) de crianças em situação
de trabalho que quando comparado com os que tinham entre 16 e 17 anos de idade (33,5%).
Por outro lado, Extremoz foi o município que apresentou o maior percentual de crianças entre
10 a 13 anos de idade que se encontravam em situação de trabalho, cerca de 31,0%. Vale
destacar, que em Nísia Floresta, o percentual de ocupados na faixa etária entre 10 a 13 anos, o
correspondente a 21,3%, foi superior aos trabalhadores que se encontravam na faixa etária de
14 e 15 anos de idade, os quais corresponderam a 13,1% dos trabalhadores mirins.
GRÁFICO 7 – RMN: percentual de crianças e adolescentes em situação de trabalho por faixa
etária – 2010
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. (Elaboração Própria)
Verificando esses dados, constata-se que mais da metade do trabalho infantil exercido
nos municípios da RMN no ano de 2010 era exercido por pessoas na faixa etária em que o
ECA admite a inserção no mercado de trabalho na condição de aprendiz. Esse fato pode, por
um lado, indicar uma menor gravidade quanto aos impactos causados no indivíduo, porém,
não se pode ter certeza em quais condições esse trabalho era exercido, sobretudo, até que
ponto ele não prejudicava o desempenho escolar do adolescente em situação de trabalho e,
consequentemente, seu futuro e de sua família.
50
Em relação às características de gênero, o Gráfico 8 mostra que a predominância das
crianças e adolescentes ocupados na RMN era do sexo masculino com percentual de 62,8%,
sobre o feminino, com 37,2%. A única exceção a esse comportamento foi verificada no
município de Monte Alegre, onde as crianças e adolescentes que estavam na faixa etária de 10
a 17 anos de idade que trabalhavam, mais da metade era composta por mulheres, ou seja, o
correspondente a 52,2% do total de pessoas ocupadas na semana de referência da pesquisa.
A partir da divisão segundo o sexo, é possível constatar que, de forma geral, a faixa
etária de 16 e 17 anos de idade é a que possui mais jovens ocupados tanto do sexo masculino
como do sexo feminino, porém apresenta comportamento diferente do observado no geral,
onde a maioria dos ocupados nessa faixa etária é composta por meninas. No município de
Extremoz, a maior parte dos trabalhadores infantis do sexo masculino está concentrada na
faixa etária de 14 a 15 anos, representando 39,9% desses. Entre as meninas que trabalhavam,
o município de Macaíba apresentava, em sua maioria, crianças com idade entre 10 e 13 anos,
correspondendo a 36,5%. Já no município de São José de Mipibu, as meninas que tinham
entre 14 e 15 anos de idade constituíam o maior percentual (43,6%) dentre aquelas que
exerciam alguma atividade laboral.
GRÁFICO 8 – RMN: média percentual de ocupados entre 10 a 17 anos segundo sexo, por
grupos etários – 2010
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. (Elaboração Própria)
No Gráfico 9, a seguir, considerou-se duas principais categorias de cor/raça onde as
pessoas se autodeclararam ou informaram no momento da realização da pesquisa do Censo de
2010. Para evitar margem de erro grande e a perda da representatividade no detalhamento das
informações desagregadas, os dados apresentados seguiram a mesma metodologia utilizada
pelo IBGE para os que foram declarados ou se declararam pretos e pardos, sendo classificados
como afrodescendentes e os amarelos e índios foram contabilizados como outros.
51
Diante disso, verificou-se que mais da metade das crianças e adolescentes que
trabalhavam, com idade de 10 a 17 anos, eram negros ou pardos, o correspondente a 67,3%.
As crianças e adolescentes que se declararam da raça branca tiveram um percentual de 32,5%
e apenas 0,3% se enquadraram em “outros”.
GRÁFICO 9 – RMN: média percentual de ocupados entre 10 a 17 anos segundo a cor/raça –
2010
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. (Elaboração Própria)
Analisando os municípios da RMN, separadamente, conforme os dados da Tabela 5,
observou-se que o contingente de ocupados infantis negros ou pardos são a maioria em todos
eles. No município de Extremoz a taxa de participação das crianças e adolescentes que se
declararam negras ou pardas chegou a 78,4%, revelando assim o maior percentual entre todos
os municípios da RMN. Já em Parnamirim, esse índice cai para 56,8%, representando o
município com o menor índice de mão de obra infantil negra ou parda.
TABELA 5 – RMN: percentual de ocupados entre 10 a 17 anos segundo a cor/raça – 2010
Municípios Brancos (%) Negros ou
Pardos (%) Outros (%)
Ceará-Mirim 28,3 71,2 0,5
Extremoz 21,6 78,4 0,0
Macaíba 29,2 69,9 0,9
Monte Alegre 26,1 73,9 0,0
Natal 38,0 61,5 0,7
Nísia Floresta 30,7 69,3 0,0
Parnamirim 42,6 56,8 1,0
São Gonçalo do
Amarante 32,0 68,0 0,0
São José de Mipibu 41,5 58,5 0,0
Vera Cruz 34,8 65,2 0,0
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. (Elaboração Própria)
52
Através dos dados do Censo Demográfico também verificou-se que no ano de 2010, a
maioria das crianças e adolescentes ocupados da RMN, entre 10 e 17 anos de idade, residiam
na zona urbana. No entanto, vale salientar que por se tratar de uma análise que toma a RMN
como foco, nesse espaço o trabalho rural tem presença incipiente, se comparado com os
demais municípios do estado.
Os dados da Tabela 6, a seguir, mostram que eram 171.838 crianças e adolescentes na
faixa etária entre 10 a 17 anos de idade morando nos centros urbanos da RMN, onde 11.698
estavam ocupados, ou seja, aproximadamente 6,8% dos menores que viviam na zona urbana
da RMN estavam inseridos no mercado de trabalho.
Analisando as faixas etárias, nota-se que entre os ocupados residentes na área rural, os
trabalhadores mais jovens representavam a maior parte, sobretudo, os que tinham entre 10 a
13 anos de idade, os quais correspondiam a 22,7% dos ocupados nessa faixa etária. Já os com
residência nos centros urbanos, esses, em sua maioria, possuíam entre 16 a 17 anos,
totalizando 7.007 jovens ocupados, o que representava 87,2% dos que estavam ocupados
nessa faixa etária.
TABELA 6 – RMN: crianças e adolescentes de 10 a 17 anos de idade, total e ocupados, por
situação do domicílio – 2010
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. (Elaboração Própria)
Grupos de Idade
Quantidade de Crianças e
Adolescentes Residentes
Crianças e Adolescentes
ocupadas na semana de
referência
% Ocupados na
semana de referência
Total Rural Urbana Total Rural Urbana Total Rural Urbana
10 a 13 anos 94.823 11.910 82.913 2.347 532 1.815 2,5 22,7 77,3
14 a 15 anos 51.387 6.059 45.328 3.472 596 2.876 6,8 17,2 82,8
16 a 17 anos 49.548 5.951 43.597 8.033 1.026 7.007 16,2 12,8 87,2
Total 195.758 23.920 171.838 13.852 2.154 11.698 7,1 15,6 84,4
53
3.2.2 Caracterização do Rendimento das Famílias com Crianças e Adolescentes em Situação
de Trabalho
Apesar de não ser a única causa determinante, a pobreza e consequentemente a falta de
acesso a bens e serviços essenciais torna fundamental a participação das crianças e
adolescentes no mercado de trabalho, a fim de contribuir para elevar a renda familiar que na
maior parte das vezes os pais possuem remuneração insuficiente.
Deste modo, a renda produzida pelo trabalho infantil, apesar de baixa, muitas vezes
representa um importante componente no orçamento familiar, tornando uma condição
contundente a inclusão dos menores no mercado de trabalho. Em 2010, na RMN, os dados
apresentados pelo Gráfico 10 revelaram que 76,4% das famílias com ocupados infantis viviam
com rendimento mensal per capita de até 1 salário mínimo. Enquanto as famílias que
recebiam entre 1 a 2 salários mínimos e que tinham crianças e adolescentes em situação de
trabalho, essas representavam 16,2%. Por fim, apenas 7,5% delas tinham rendimentos maiores
que 2 salários mínimos por pessoa.
GRÁFICO 10 – RMN: rendimento familiar per capita das famílias com ocupados de 10 a 17
anos – 2010
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. (Elaboração Própria)
Observa-se também uma variação relacionada à faixa de renda domiciliar per capita,
indicando que as famílias com rendas de até 1 salário mínimo por pessoa, possuíam maiores
taxas de ocupação infantil que aquelas com rendas maiores. Observando o Gráfico 10
verifica-se que no grupo das famílias que obtinham entre ½ a 1 salário mínimo per capita, o
percentual das famílias com ocupados entre 10 a 17 anos chegava a 34%.
54
A partir desses dados, pode-se deduzir que a taxa de ocupação infantil é uma escolha
na tentativa de sobrevivência das famílias, dado que, apenas com os baixos salários dos
adultos, não há capacidade de garantir o sustento de todos os seus membros. Esse é um
indício de que as políticas públicas de erradicação do trabalho infantil precisam estar
articuladas com políticas macroeconômicas voltadas para a educação, a qualificação
profissional e, principalmente, para a geração de emprego e valorização da renda para essas
famílias.
3.2.3 Caracterização do Trabalho-Infantil da RMN segundo os principais Setores de Atividade
Econômica e Posição na Ocupação
Em geral, as atividades econômicas exercidas pelas crianças e adolescentes são
predominantemente situadas nos mesmos setores. De acordo com os dados do Censo
Demográfico (2010) e apresentados pela Tabela 7, as principais ocupações dos menores
trabalhadores da RMN localizavam-se no setor não agrícola (88,3%), enquanto o setor
agrícola representava somente 11,7% da mão de obra infantil na região.
Observando a taxa de trabalho infantil por faixa etária no setor agrícola, percebe-se
que tal ocupação ocorria com mais frequência entre os trabalhadores mais jovens (10 a 13
anos). A partir dessa constatação, nota-se que quanto menor a faixa etária, maior era o nível
de ocupação em atividades agrícolas. São 23,2% de ocupados nessa atividade econômica na
RMN para a faixa etária entre 10 a 13 anos, 13,6% para os ocupados entre 14 a 15 anos e
7,5% para a faixa etária entre 16 e 17 anos.
TABELA 7 – RMN: quantidade de ocupados de 10 a 17 anos de idade por atividade – 2010
Grupos de Idade
Ocupados na Semana de Referência
Total
Atividade no Trabalho Principal
Agrícola Não agrícola
Nº Ocupado % Nº Ocupado %
10 a 13 anos 2.348 544 23,2 1.804 76,8
14 a 15 anos 3.472 473 13,6 2.999 86,4
16 a 17 anos 8.032 602 7,5 7.430 92,5
Total 13.852 1.619 11,7 12.233 88,3
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. (Elaboração Própria)
55
Para analisar a posição que os trabalhadores mirins ocupavam seguiu-se as cinco
categorias que o IBGE classifica para o trabalho principal: empregados, conta própria e
empregadores, não remunerados e como trabalhadores na produção para o próprio consumo.
Na RMN, os dados apresentados pela Tabela 8 mostram que em 2010, as crianças e
adolescentes que trabalhavam ocupavam-se, principalmente, como empregados, o que
constituía mais da metade do trabalho infantil na região, cerca de 65%.
Vale ressaltar que essa situação é a mais comum no país, a maioria das crianças e
adolescentes que trabalham, o faz como assalariados, mas sempre de maneira precária, uma
vez que a atividade quase sempre é irregular. O município de São Gonçalo do Amarante com
o maior percentual (73,6%) de ocupados mirins se destaca na RMN.
Os que exerciam trabalho por conta própria ou eram empregadores correspondiam a
13,9% dos trabalhadores infantis da RMN. Entre os dez municípios, Macaíba expressava o
maior percentual (26,3%) onde a posição ocupada por seus mirins estava em tal condição. Já
no município de Vera Cruz esse percentual foi de apenas 6,8%.
Os trabalhadores infantis não remunerados correspondiam a 15,3% dos ocupados na
RMN. O município de Monte Alegre era o que apresentava a maior taxa percentual nessa
situação, aproximadamente 22,3% e São Gonçalo do Amarante a menor com um percentual
de 3,1%.
Por fim, existiam aqueles que trabalhavam para o próprio consumo, esses equivaliam a
5,8% do total de trabalhadores infantis da RMN. Nessa posição Ceará-Mirim se sobressaía
como o município a exibir o maior percentual, em torno de 21,5% de seus ocupados.
Enquanto, Natal somente 0,7% das crianças e adolescentes que estavam em situação de
trabalho tinham exercido algum tipo de atividade laboral durante a semana de referência, pelo
menos uma hora completa, em troca somente de alimentação.
56
TABELA 8 – RMN: quantidade de crianças e adolescentes de 10 a 17 anos por posição na
ocupação – 2010
10 anos a 17 anos de Idade
Municípios Total Empregados
Conta
própria ou
Empregador
Não
remunerados
Próprio
consumo
Quant. % Quant. % Quant. % Quant. %
Ceará-Mirim 973 455 46,8 222 22,8 87 8,9 209 21,5
Extremoz 155 72 46,5 38 24,5 33 21,3 12 7,7
Macaíba 1.026 372 36,3 270 26,3 168 16,4 216 21,1
Monte Alegre 345 174 50,4 61 17,7 77 22,3 33 9,6
Natal 7.823 5.464 69,8 927 11,8 1.380 17,6 52 0,7
Nísia Floresta 244 154 63,1 19 7,8 39 16,0 32 13,1
Parnamirim 1.757 1.270 72,3 167 9,5 255 14,5 65 3,7
São Gonçalo do
Amarante 866 637 73,6 111 12,8 27 3,1 91 10,5
São José de
Mipibu 456 257 56,4 98 21,5 36 7,9 65 14,3
Vera Cruz 207 143 69,1 14 6,8 22 10,6 28 13,5
TOTAL 13.852 8.998 65,0 1.927 13,9 2.124 15,3 803 5,8
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. (Elaboração Própria)
Examinando o Gráfico 11 que mostra a média das posições de ocupação, de acordo
com as faixas etárias, verifica-se que entre os trabalhadores infantis classificados como
empregados, predominavam aqueles de maior idade, sobretudo os que tinham entre 16 e 17
anos (60,2%), uma vez que nessa faixa etária o assalariamento é majoritário.
Na posição conta própria também trabalhavam, especialmente, os adolescentes entre
16 e 17 anos, correspondendo a mais da metade do trabalho infantil nessa condição (51,1%).
Esse fato, provavelmente, pode ser explicado pela maior parcela desta faixa etária estar
ocupada no comércio, exercendo atividades autônomas voltadas para o público. Já entre os
não remunerados, a situação se inverte, predominavam os que estavam na menor faixa etária
(10 a 13 anos) com um percentual de 37,3%. Em geral, o trabalho dessas crianças se resumem
ao auxílio na atividade econômica de algum membro da família ou de outro trabalhador.
Os menores ocupados em atividades para o próprio consumo eram também, em sua
maioria, os de menor idade, entre 10 a 13 anos, correspondendo a 49,5% dos trabalhadores
nessa posição. Esses exerciam trabalho na produção de bens destinados somente à
alimentação de, pelo menos, um morador do domicílio.
57
GRÁFICO 11 – RMN: média percentual de ocupados entre 10 a 17 anos por posição na
ocupação e faixa etária
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. (Elaboração Própria)
A realidade da RMN, em 2010, no que diz respeito à posição de ocupação dos
trabalhadores mirins, evidencia uma situação genérica, onde o trabalhador infantil, com o
aumento da idade, deixa de ajudar seus pais ou responsáveis na contribuição da renda familiar
e passa a ocupar-se em atividades insatisfatórias que lhes possibilitam uma independência
financeira momentânea. Esses adolescentes se sujeitam a baixos salários e se tornam, no
futuro, profissionais sem qualificação e impossibilitados de exigir seus direitos como
trabalhadores. Esse processo é caracterizado como a troca da mão de obra adulta pela mão de
obra infantil, sendo esse irregular e barata.
Outra situação preocupante é a quantidade de horas trabalhadas por crianças e
adolescentes. A partir dos dados da Tabela 9 que apresenta a quantidade de horas trabalhadas
semanalmente, verifica-se que a jornada de trabalho exercida pelos menores entre 10 a 17
anos em ocupação na RMN era, em média, de 15 a 39 horas semanais, chegando a representar
37,6% dos jovens que exerciam algum tipo de trabalho nessa faixa etária. Os que trabalhavam
até 14 horas semanalmente somavam 3.541, o equivalente a 25,6% dos ocupados.
Em 2010, na RMN, mais de um terço das crianças e adolescentes que trabalhavam
tinham uma jornada semanal de trabalho superior a 40 horas, ou seja, um percentual bem
expressivo de ocupados infantis cumprindo uma carga horária semanal de trabalho semelhante
à dos adultos. Dentre esses jovens trabalhadores, mais da metade, que correspondia 19,5% do
total de ocupados infantis, exerciam jornadas entre 40 a 44 horas. E os que tinham uma
jornada de trabalho de mais de 45 horas totalizavam 2.407 mil, o que correspondia a 17,4% do
total dos ocupados.
58
TABELA 9 – RMN: ocupados de 10 a 17 anos segundo a jornada de trabalho – 2010
Municípios 10 a 17 anos
Total
Jornada Semanal de Trabalho
Até 14 horas 15 a 39 horas 40 a 44 horas 45 horas ou
mais
Nº % Nº % Nº % Nº %
Ceará-Mirim 973 158 16,2 377 38,7 187 19,2 251 25,8
Extremoz 155 32 20,6 56 36,1 34 21,9 33 21,3
Macaíba 1.026 327 31,9 429 41,8 121 11,8 149 14,5
Monte Alegre 345 145 42,0 103 29,9 58 16,8 39 11,3
Natal 7.823 1.985 25,4 2.997 38,3 1.476 18,9 1.365 17,4
Nísia Floresta 244 60 24,6 99 40,6 52 21,3 33 13,5
Parnamirim 1.757 415 23,6 685 39,0 368 20,9 289 16,4
São Gonçalo do
Amarante 866 253 29,2 199 23,0 272 31,4 142 16,4
São José de Mipibu 456 135 29,6 133 29,2 95 20,8 93 20,4
Vera Cruz 207 31 15,0 129 62,3 34 16,4 13 6,3
TOTAL 13.852 3.541 25,6 5.207 37,6 2.697 19,5 2.407 17,4
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. (Elaboração Própria)
Como se vê, essas excessivas jornadas de trabalho, combinadas à precariedade das
atividades, contribuem consideravelmente para a ocupação de boa parte do tempo, o que
acaba prejudicando a evolução dessas crianças e adolescentes na escola, contribuindo para
haver maiores taxas de evasão escolar e de analfabetismo, tema do próximo subitem.
3.2.4 Caracterização do Trabalho-Infantil segundo o Nível Educacional
O trabalho infantil traz consequências negativas à escolarização do indivíduo porque
este dificulta, quando não impossibilita, a frequência escolar. A criança ou adolescente que
trabalha tem maior probabilidade de não frequentar a escola devido a ocupação do seu tempo
com a atividade que exerce.
Por isso, existe grande preocupação com relação ao trabalho precoce e seus efeitos
desfavoráveis à escolaridade, pois certas atividades podem impedir completamente a
frequência escolar, gerando, assim, um contexto incerto em relação ao futuro dessas crianças
e adolescentes, visto que sem a escolaridade devida, elas continuarão analfabetas ou lhes
faltarão qualificações para obter melhor trabalho no futuro e, dessa forma, aumento de renda.
Examinando as particularidades de cada município através dos dados que os Gráficos
12 e 13 apresentam, observa-se que entre os ocupados com idade entre 10 a 17 anos residentes
na RMN e que não frequentavam a escola, mais da metade residiam em Natal, representando
57,5% deles. A capital liderava tal tendência de evasão escolar entre os trabalhadores infantis
59
da RMN em todas as faixas etárias, chegando a quase 60% dos que não iam à escola na faixa
de idade entre 14 e 15 anos, vide Gráfico 13.
GRÁFICO 12 – RMN: percentual de ocupados na faixa etária de 10 a 17 anos que
frequentavam ou não à escola – 2010
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. (Elaboração Própria)
Dentre os que tinham entre 10 a 13 anos, os municípios de Macaíba, Monte Alegre,
São José de Mipibu e Vera Cruz não apresentavam qualquer trabalhador nessa faixa etária em
situação de evasão escolar. Já Extremoz estava entre os municípios com maiores taxas de
trabalhadores infantis sem frequência escolar, correspondendo a um percentual de 8,5%.
A partir da observação do Gráfico 13, é possível também constatar que, nessa faixa
etária, dos dez municípios que compõem a RMN, em cinco deles, ou seja, metade, o
percentual de ocupados com evasão escolar tinha maior representatividade do que entre
aqueles que trabalhavam e frequentavam a escola, são eles: Extremoz, Natal, Nísia Floresta,
Parnamirim e São Gonçalo do Amarante.
No município de Extremoz, os que tinham entre 10 a 13 anos abrangiam 8,5% dos
ocupados da RMN que não iam à escola. Já na faixa etária de 14 a 15 anos não foi
contabilizado qualquer ocupado sem frequentar a escola, ou seja, todos que trabalhavam,
também estudavam. Tal fato se repete no município de Vera Cruz, onde também 100% dos
que estavam nessa faixa etária trabalhavam e frequentavam a escola.
60
Na maior faixa etária entre 16 e 17 anos, verifica-se que em Nísia Floresta a
quantidade de ocupados com frequência escolar era um pouco maior (1,9%) que os que não
frequentavam a escola (1,7%). Tal fato não ocorreu entre os mais jovens, onde a maioria dos
ocupados nas faixas etárias entre 10 a 13 anos e 14 a 15 anos não frequentavam a escola.
GRÁFICO 13 – RMN: percentual de ocupados por faixa etária que frequentavam ou não à
escola – 2010
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. (Elaboração Própria)
No que diz respeito à quantidade de analfabetos infantis na RMN, de acordo com os
dados do Gráfico 14, observa-se que em todos os dez municípios, aqueles que não
trabalhavam e eram analfabetos representavam maior percentual em relação aos que estavam
ocupados. O município de Monte Alegre foi o que manifestou maior taxa de crianças e
adolescentes analfabetos em situação de trabalho se comparado ao restante dos municípios da
RMN, expressando uma porcentagem de 8,2%. Já São Gonçalo do Amarante, esse tinha o
menor percentual dentre todos (3,0%), e, consequentemente, maior quantidade de analfabetos
infantis desocupados, equivalendo a 97% dos sem alfabetização no município.
61
Os municípios de Nísia Floresta e Parnamirim situavam-se no mesmo nível percentual,
ambos exibiam uma taxa de 4,5% de analfabetos que exerciam atividade e 95,5% dos que não
trabalhavam.
GRÁFICO 14 – RMN: percentual de analfabetos ocupados e sem ocupação – 2010
Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010. (Elaboração Própria)
Portanto, os resultados encontrados, aqui neste capítulo, revelaram que as principais
características das crianças e dos adolescentes que estavam em situação de trabalho eram
basicamente as mesmas para o estado do Rio Grande do Norte, bem como para os que
residiam na Região Metropolitana de Natal. Sintetizando, pode-se afirmar que o trabalho
infantil era exercido, em sua maioria, por meninos que estavam na faixa etária entre 16 e 17
anos de idade, tinham ser declarados da raça negra ou pardos, residiam na zona urbana,
exerciam atividades classificadas como não-agrícolas na posição de empregados, em geral,
com uma jornada de trabalho entre 15 a 39 horas semanais e não frequentavam a escola.
Assim, os esforços voltados para o enfretamento do trabalho infantil devem ser
focalizados e voltados para as famílias que se encontram inseridas nas características descritas
acima, podendo as ações serem aplicadas nas duas espacialidades. Dentre as diversas
iniciativas do Governo destinadas a enfrentar essa questão, este trabalho destaca no próximo
capítulo a atuação do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI).
62
CAPÍTULO 4 UMA VISÃO GERAL DAS POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS
PARA O COMBATE AO TRABALHO DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES
4.1 Políticas Públicas relacionadas ao Enfrentamento do Trabalho Infantil
No Brasil, um conjunto de programas e atividades que norteiam as ações voltadas para
a erradicação do trabalho de crianças e adolescentes têm avançado, principalmente, a partir da
década de 1990. As principais ações implementadas de prevenção e erradicação do trabalho
infantil vão desde a proibição legal, até aos programas de transferência de renda e incentivo à
educação, tendo a cooperação de vários agentes partícipes que realizam inúmeras ações. Vale
destacar que não se tem a pretensão de abarcar todos, porém, somente alguns deles serão
abordados, uma vez que não é o objetivo deste trabalho.
Em virtude da magnitude do trabalho infantil, ainda, existente no Brasil, SOUZA
(2010) ressalta que tal problema exige a estruturação de uma política pública projetada pela
União, mas com participação efetiva dos estados e municípios, de modo a garantir a
implementação efetiva de uma Política Nacional de Combate ao Trabalho Infantil.
Dessa forma, em âmbito nacional, cabe mencionar a criação do Fórum Nacional de
Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), em 1994, com o apoio do UNICEF e
da OIT, constituído, atualmente, por 73 entidades, dentre elas: representantes do governo, dos
trabalhadores, dos empresários, ONGs, Fóruns Estaduais de Erradicação do Trabalho Infantil,
Procuradoria Geral da República e Ministério Público do Trabalho. A criação do FNPETI
teve a finalidade de viabilizar um espaço de articulação e mobilização dos atores sociais
institucionais relacionados com políticas e programas destinados a prevenir e erradicar o
trabalho infantil no país.
Desde então, o governo federal vem se comprometendo com a prevenção e
erradicação do trabalho infantil, por meio do desenvolvimento e aplicação da legislação e por
ações desenvolvidas pelo poder executivo. Para tanto, por intermédio de programas como
Sentinela e PETI ações de prevenção e erradicação vem sendo executadas em todo o país.
Em 2000, o PETI estabeleceu parceria junto ao Ministério do Trabalho e Emprego
(MTE), por meio de um Termo de Cooperação Técnica. Essa ação teve como finalidade
implementar ações voltadas à erradicação do trabalho infantil. Assim. esse Termo prevê que,
uma vez identificada, nas fiscalizações realizadas pelo MTE, a existência de crianças e
adolescentes em situação de trabalho precoce, estas terão prioridade de ingresso no PETI.
63
Assim, coube ao MTE a competência de mapear os focos de trabalho infantil no
Brasil. Como forma de aprimorar as ações de políticas públicas, nessa área, o MTE instituiu a
Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (CONAETI) que, em 2003, sua
primeira atribuição foi a elaboração de uma proposta de Plano Nacional de Prevenção e
Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente. Nessa proposta
buscou-se priorizar dez dimensões estratégicas, foram elas:
• Promoção de estudos e pesquisas, integração, sistematização e análise de dados
sobre todas as formas de trabalho infantil;
• Análise do arcabouço jurídico relativo a todas as formas de trabalho infanto-
juvenil;
• Monitoramento, avaliação, controle social e fiscalização para a prevenção e
erradicação do trabalho infantil;
• Garantia de uma escola pública e de qualidade para todas as crianças e
adolescentes;
• Implementação de ações integradas de saúde;
• Promoção de ações integradas de comunicação;
• Promoção e fortalecimento da família, na perspectiva da sua emancipação e
inclusão social;
• Garantia da consideração da equidade e da diversidade;
• Enfrentamento das formas específicas de trabalho infantil (crianças envolvidas em
atividades ilícitas, no trabalho infantil doméstico e nas atividades informais das
zonas urbanas);
• Promoção de uma articulação institucional quadripartite.
No âmbito da sociedade civil organizada podem ser mencionadas inúmeras
organizações não governamentais que desenvolvem importantes ações, tais como: a Agência
de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI), Cáritas Diocesana, Fórum Nacional dos Direitos
da Criança – Fórum DCA, Fórum Nacional Lixo e Cidadania, Instituto Ayrton Senna,
Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM), Instituto de Estudos
Socioeconômicos (INESC), Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR),
Missão Criança e Movimento de Organização Comunitária (MOC), entre outras.
Na literatura sobre a temática, vale destacar o pensamento de KASSOUF (2007) ao
afirmar que qualquer política pública que desenvolva o funcionamento do mercado, de tal
maneira que a renda dos trabalhadores adultos aumente, diminuindo consequentemente o
desemprego, é sempre favorável à redução do trabalho infantil, pois espera-se que os pais
tendo renda suficiente para o sustento da família retirarão os filhos do trabalho, colocando-os
na escola.
64
Tal posicionamento de KASSOUF (2007) reflete a visão defendida pela maior parte
das políticas públicas brasileiras que têm como objetivo o combate ao trabalho infantil, onde
as ações são embasadas no pressuposto de que as crianças que trabalham são de famílias
pobres, por isso, necessitam complementar a renda dos pais. Assim sendo, a criação de tais
políticas busca minimizar as diferenças entre pobres e não pobres.
Neste sentido, KASSOUF (2002) também defende que o cumprimento da legislação
do salário mínimo já colaboraria no combate ao trabalho infantil, posto que a demanda por
esse tipo de mão de obra (considerada menos produtiva que a de adultos) seria reduzida, e a
demanda por trabalho adulto aumentada, elevando a renda da família. Porém, essa política
poderia ter o efeito impiedoso de diminuir o bem-estar de crianças de famílias com número
pequeno de adultos ou que têm o chefe ausente.
Já os autores MEDICI E BRAGA (1993, p.33) argumentam que quando a questão
social atinge elevadas proporções, as políticas públicas sociais compensatórias não devem ser
a única forma de enfrentamento do problema, pois o “caráter imediatista ou emergencial não
promove o advento de soluções de mudança estrutural na condição social de seus
beneficiários imediatos”.
Sem dúvida, o combate ao trabalho infantil não pode limitar-se ao emergencial. É
necessário o enfrentamento, de fato, das motivações de ordem econômica, política e cultural
que estão subordinadas ao problema e à sua persistência. Contudo, não se podem ignorar
investimentos, projetos e sonhos de trabalhadores/as adultos/as e infantis para superar a
brutalização imposta pela pobreza. (MARIN, 2012)
Já BASU (1999) atenta para o fato da importância da escola na vida das meninas e
meninos trabalhadores defendendo que a melhor maneira de banir o trabalho infantil é
monitorar a frequência escolar que é obrigatória, pois a presença na escola é facilmente
controlada, já a ausência no trabalho não. Mesmo que escola e trabalho não sejam
mutuamente excludentes, o autor argumenta que pelo menos o trabalho em tempo integral
será extinto e o nível escolar obtido será maior, o que é obviamente desejável.
A partir desse argumento, depreende-se que políticas públicas capazes de combinar
educação e renda parecem ser as mais sugeridas e aceitas pelos estudiosos da área para
erradicação do trabalho infantil e combate à pobreza, tendo em vista que adultos com maior
escolarização tendem a dar mais relevância à educação, enxergando nela a oportunidade de
um futuro melhor para suas crianças, incentivando-as a frequentar a escola. Dessa forma, o
empenho escolar das crianças, geraria, no futuro, adultos com maior nível de escolarização, e
65
estes por sua vez, incentivariam seus filhos, contribuindo assim, para uma mudança de caráter
estrutural nessa parcela da população.
Ao contrário das análises favoráveis em relação à eficácia das políticas públicas de
incentivo à frequência escolar como forma de eliminação do trabalho de crianças e
adolescentes, as políticas públicas que penalizam o empregador que produz mercadorias
utilizando mão de obra infantil têm sua efetividade questionada. De acordo com KASSOUF
(2007), estudos mostram que tal fato mais prejudica a criança do que a ajuda, tendo em vista
que pode exacerbar a pobreza nas famílias ao proibir o trabalho de crianças que buscam obter
renda para sobreviver.
Entende-se que não existe uma única política pública para eliminar o trabalho infantil
e a persistência desse problema é uma forte evidência de que ele não pode ser facilmente
solucionado. Contudo, o maior conhecimento adquirido sobre as causas e efeitos do trabalho
precoce possibilita com maior segurança a avaliação e sugestão de políticas públicas para
reduzi-lo ou erradica-lo. Indubitavelmente, o trabalho que oferece risco às crianças ou
adolescentes deve ser extinto, assim como devem ser incentivados os investimentos na
qualidade do ensino escolar.
Vale lembrar que o Brasil firmou compromisso, diante de toda a comunidade
internacional, em reduzir as piores formas de trabalho infantil até 2015, próximo ano, e
extinguir por completo todo o trabalho infantil até 2020. (OIT, 2006) Dessa forma, a
implementação de inúmeras ações dirigidas à prevenção e erradicação do trabalho infantil
vem alcançando relativo sucesso, conforme já visto no capítulo anterior, quando foi feito um
panorama com os dados do Censo Demográfico de 2010, e verificada que houve uma
diminuição do trabalho infantil.
É bem verdade que este decréscimo pode ser explicado por diversos fatores causadores
como: o crescimento econômico, a estabilização monetária e a elevação real do salário
mínimo. No entanto, a redução do trabalho infantil estabelece uma conexão que merece
destaque: o PETI teve papel fundamental para a diminuição dos índices de trabalho precoce
no Brasil. Assim, no próximo subitem este trabalho se volta a examinar o programa,
relacionando os dados do PETI com as informações sobre as variações quantitativas de
crianças e adolescentes inseridos no trabalho infantil, no estado do Rio Grande do Norte e na
Região Metropolitana de Natal, a fim de aferir sua atuação.
66
4.2 Atuação do PETI para Combater o Trabalho Infantil
Dentre as diversas iniciativas e políticas públicas no Brasil destinadas a enfrentar a
questão do trabalho infantil, destaca-se o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
(PETI). Criado pelo governo federal em 1996, em articulação com estados e municípios, ele é
destinado a atender crianças e adolescentes em situação de trabalho.
Deste modo, o PETI engloba um conjunto de ações para:
Retirar crianças e adolescentes com idade inferior a 16 anos da prática do trabalho
precoce, exceto quando na condição de aprendiz, a partir de 14 anos. O programa
compreende transferência de renda, prioritariamente por meio do PBF, -
acompanhamento familiar e oferta de serviços socioassistenciais, atuando de forma
articulada com estados e municípios e com a participação da sociedade civil
(BRASIL/MDS, 2013).
Inicialmente, o Programa foi implantado em maio de 1996, em Mato Grosso do Sul,
onde denúncias encaminhadas ao FNPETI apontavam a existência de 2.500 crianças
trabalhando na produção de carvão vegetal e vivendo em condições inaceitáveis.
Posteriormente, o programa se estendeu aos estados de Pernambuco e da Bahia, privilegiando,
respectivamente, a zona canavieira e a região do sisal.
A partir de então, o PETI se expandiu significativamente, priorizando as áreas que
utilizam o trabalho infantil em larga escala e em condições especialmente intoleráveis. De
acordo com CARVALHO (2004) no final de 1999 o programa já atendia mais de 145 mil
crianças e adolescentes, chegando em 2000 a atender aproximadamente cerca de 395 mil
menores em todo o país. Em 2001, o número de crianças e adolescentes atendidos cresceu
89,7% totalizando mais de 749 mil e, em 2002, esse número chegou a 809.228, beneficiando
2.590 municípios em todos os estados da Federação.
Ainda, sobre o PETI pode-se afirmar:
Apesar do programa visar à retirada das crianças e dos adolescentes do trabalho
perigoso, penoso, insalubre e degradante, o alvo de atenção é a família, que deve ser
trabalhada por meio de ações socioeducativas e de geração de trabalho e renda que
contribuam para o seu processo de emancipação, para a sua promoção e inclusão
social, tornando-as protagonistas de seu próprio desenvolvimento social
(BRASIL/MDS, 2004, p.4).
Neste sentido, o PETI tem como foco a família mais acometida pela pobreza e
exclusão social e destina-se a crianças e adolescentes com idade entre 6 a 15 anos, submetidas
às mais variadas formas degradantes de trabalho. O programa compreende transferência de
renda, ou seja, atende famílias cadastradas no Programa Bolsa Família (PBF), ao qual foi
integrado desde 2005 quando foi publicada no Diário Oficial da União a Portaria n.º 666 de
28 de dezembro de 2005.
67
A integração do PETI com o PBF trouxe modificações significativas que
racionalizaram e aprimoraram a gestão de ambos os programas, incrementando a
intersetorialidade e o potencial das ações, ao se evitar a fragmentação e a sobreposição de
esforços e de recursos. Houve um aperfeiçoamento dos processos de gestão dos programas,
melhora dos instrumentos de financiamento, monitoramento e avaliação, viabilização à
melhor aplicação dos recursos do PETI e ampliação da cobertura quanto ao número de
famílias beneficiadas com a transferência de renda.
Essa integração possibilitou ainda a ampliação da faixa etária para crianças e
adolescentes com até 16 anos; ampliou o foco de atendimento para todas as formas de
trabalho infantil registrados no Cadúnico1, a extensão da oferta do Serviço de Convivência e
Fortalecimento de Vínculos (SCFV) para todas as crianças e adolescentes de famílias
inseridas no PBF com marcação de trabalho infantil e o acompanhamento dessas famílias pelo
PAIF/CRAS2. (BRASIL/MDS, 2014.)
O Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), o qual também é
conhecido como Jornada Ampliada, tem como objetivo a constituição de espaço de
convivência, formação para a participação e cidadania, desenvolvimento do protagonismo e
da autonomia das crianças e adolescentes, a partir dos interesses, das demandas e das
potencialidades dessa faixa etária.
Ele estabelece que as intervenções devam ser pautadas em experiências lúdicas,
culturais e esportivas como formas de expressão, interação, aprendizagem, sociabilidade e
proteção social. O Serviço deve incluir crianças e adolescentes com deficiência, retirados do
trabalho infantil ou submetidos a outras violações de direitos. Aos usuários, deve oferecer
atividades que contribuam para ressignificar vivências de isolamento e de violação dos
direitos, propiciando experiências favorecedoras do desenvolvimento de sociabilidades e
atuando no sentido preventivo de situações de risco social (BRASIL/MDS, 2014.)
Quanto às exigências da permanência das famílias no programa, são estabelecidas as
seguintes condições: todos os filhos com menos de 16 anos devem estar preservados de
qualquer forma de trabalho infantil; a criança e/ou adolescente participante do PETI deve ter
frequência escolar mínima de 85% e o mesmo percentual de frequência nas atividades
desenvolvidas na Jornada Ampliada; as famílias beneficiadas devem participar das atividades
socioeducativas e dos programas e projetos de geração de emprego e renda ofertados; e
garantir o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil, da vacinação, bem
1 Instrumento que identifica e caracteriza as famílias de baixa renda. 2 Equipamento social público capaz de garantir a atenção integral às famílias em determinado território.
68
como da vigilância alimentar e nutricional de seus filhos menores de sete anos. O tempo de
permanência no programa é determinado pela idade da criança e do adolescente, sendo
também critério para desligamento a conquista da emancipação financeira da família.
(BRASIL/MPAS, 2002)
Em 2010, as crianças e adolescentes que participavam do programa, obrigatoriamente,
precisavam estar frequentando a Jornada Ampliada. Hoje, conforme disposto na Portaria
MDS nº134 de 28/11/2013, a frequência no SCFV não é mais condicionalidade para o
recebimento dos benefícios de transferência de renda do Programa Bolsa Família e da Bolsa
PETI, pois o termo “frequência” foi substituído por “participação”, tendo em vista que cada
usuário tem uma necessidade específica de participação no Serviço, e a mesma deve ser
voluntária.
Mesmo assim, é importante destacar as ações de trabalho que são realizadas na
Jornada Ampliada. Elas se desenvolvem em dois núcleos: o básico e o específico. O núcleo
básico busca o enriquecimento do conhecimento, além do universo lúdico e cultural de
crianças e adolescentes através das atividades complementares, destacando aquelas voltadas à
comunicação, à sociabilidade, às trocas culturais, ao apoio à criança e ao adolescente,
fortalecendo a autoestima, em estreita relação com a comunidade, escola e família.
Já o núcleo específico é voltado para o desenvolvimento de atividades artísticas, de
aprendizagem e desportivas, tais como: atividades artísticas nas suas mais diversas
linguagens, favorecendo a socialização e preenchendo as necessidades de expressão. Além
das práticas desportivas que favorecem o autoconhecimento corporal, o acesso ao lúdico e à
convivência grupal. Também entram nesse núcleo as atividades de apoio à aprendizagem por
meio de reforço escolar, aulas de informática e línguas estrangeiras, assim como a educação
para a cidadania e os direitos humanos, a educação ambiental e outros, de acordo com as
demandas e interesses, as especificidades locais e as capacidades técnico-profissionais de
cada município, ademais ações de educação para a saúde, priorizando o acesso às informações
sobre o risco do trabalho precoce.
O PETI é financiado com a participação das três esferas de governo: união, estados e
municípios. Os valores da Bolsa Criança Cidadã são diferenciados segundo as áreas rural ou
urbana. Em 2010, para a área rural, o valor da Bolsa era de R$ 25,00, já na área urbana, esse
valor era de R$ 40,00, porém, para os municípios com população abaixo de 250.000
habitantes, independentemente da localização geográfica, o valor era de R$ 25,00. Esses
valores equivalem ao benefício pago às famílias em situação de trabalho infantil com renda
mensal per capita superior a R$ 140,00 (as famílias com renda inferior a esse valor recebiam
69
o benefício com base nos critérios do PBF). O co-financiamento para a realização das
atividades socioeducativas incorporadas ao Serviço de Convivência e Fortalecimento do
Vínculo (SCFV) é repassado do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS) para os
Fundos Municipais de Assistência Social (FMAS), no valor de R$ 500,00 para grupo de 20
pessoas. (BRASIL/MDS, 2009.)
Embora não exista uma avaliação ampla e sistemática das condições de funcionamento
e dos impactos do PETI nos municípios da RMN beneficiados pelo programa, alguns estudos
referentes ao tema mencionam os efeitos positivos, bem como os principais problemas,
comuns ao Programa em todo o Brasil.
Na visão de SILVA (2006) o PETI significa para as famílias de seus usuários uma
“tábua de salvação” para seus problemas, sendo esses tanto na ordem econômica quanto na
formação e orientação dos seus filhos.
Segundo uma pesquisa realizada por PADILHA (2005), as principais mudanças no
cotidiano das famílias beneficiadas dizem respeito ao aumento significativo da renda familiar
advinda do recebimento da bolsa, ocasionando assim um aumento também do consumo,
sendo esses referentes a gastos com gêneros alimentícios, vestuário e material escolar. Em sua
pesquisa também foi verificada melhoria nas condições nutricionais da família. Esse avanço
refere-se ao fato dos filhos passarem a se alimentar diariamente, e com alimentos melhores,
tanto na escola como na jornada ampliada, com os nutrientes necessários ao crescimento
saudável da criança.
O autor também cita mudanças na organização do trabalho familiar, devido a
reorganização da família para se adaptar à nova situação, que foi a obrigatoriedade dos filhos
frequentarem a escola e a jornada ampliada, impossibilitando, assim, a participação deles com
a mesma assiduidade de antes no trabalho doméstico.
Em relação aos pontos negativos do programa, CARVALHO (2004) relata que alguns
obstáculos se referem à fragilidade e ao despreparo das equipes técnicas locais nas regiões
mais pobres e atrasadas, que prejudicam o seu papel de protagonistas nos programas sociais;
os constantes atrasos na disponibilização dos recursos da União; a dissociação entre o ensino
regular e a Jornada Ampliada e, principalmente, a extrema precariedade da escola pública a
que tinham acesso os filhos das classes populares.
A autora menciona, ainda, que o PETI deixa de lado uma grande parcela da sua
clientela potencial e não transforma efetivamente as condições de vida e perspectivas futuras
dos seus próprios beneficiários. Os ganhos obtidos quanto a nutrição, estímulos socioculturais
e a própria escolarização tendem a ser relativamente restritos e temporários. Além disso, a
70
frequência em uma escola pública de péssima qualidade (que não estimula a permanência e a
dedicação) e o trabalho no turno complementar acabam acarretando nas crianças e
adolescentes que ingressam no programa um atraso escolar que poucas vezes pode ser
revertido. Assim, ao atingir a idade limite para a permanência no programa a maioria não
chega a concluir o ensino fundamental e após o desligamento, sem maiores perspectivas e
tendo que contribuir para a subsistência da família, poucos continuam a estudar, persistindo
com baixos níveis de escolaridade, restritas oportunidades ocupacionais e reproduzindo o
ciclo de pobreza dos pais.
Uma pesquisa coordenada pelo Ministério de Desenvolvimento e Combate à Fome
(MDS), em 2009, elencou alguns pontos necessários à melhoria da qualidade dos serviços
socioeducativos executados com as crianças e adolescentes integrantes do programa, que
refletem alguns dos seus principais entraves:
Problemas de transporte e infraestrutura;
A necessidade de materiais pedagógicos adequados às especificidades de cada
uma das fases de desenvolvimento de crianças e adolescentes;
O desenvolvimento de estratégias que reforcem a articulação entre o PETI e o
sistema educacional;
A criação de mecanismos de atração e manutenção dos adolescentes nas
atividades socioeducativas;
A melhoria dos processos de formação e capacitação do pessoal envolvido na
realização das ações socioeducativas.
Sob o ponto de vista teórico, é fácil constatar que o PETI mostra-se como uma
proposta eficiente no combate ao trabalho infantil, tendo em vista que leva em consideração
não somente a necessidade de transferir renda para as famílias carentes que têm crianças ou
adolescentes exercendo atividade laborativa, mas, sobretudo, a necessidade de proporcionar a
ascensão social destas pessoas com o intuito de elevar o padrão de vida delas e, dessa forma,
suspender o ciclo vicioso da pobreza.
Entretanto, o maior problema manifesta-se na realização das ações do programa, as
quais tendem a ocorrer sem levar em consideração as características dos municípios
contemplados e sem um planejamento apropriado por parte dos envolvidos no programa no
que no que diz respeito à participação social. Ademais, as parcerias necessárias à boa
execução do programa, sobretudo, a parceria entre família, poder público e sociedade civil,
dificilmente acontece.
71
Dessa forma, o PETI acaba tornando-se mais um programa básico de transferência de
renda, pois perde sua eficácia na erradicação do trabalho infantil justamente por não conseguir
pôr em prática boa parte das ações por ele asseguradas, as quais deveriam ir além do auxílio
monetário, essencial para o combate ao trabalho precoce, e representar concretamente uma
oportunidade de acesso à escola, à saúde e a melhores condições de vida por parte das
crianças beneficiadas, para que essas não se tornassem dependentes de tal ajuda de modo
permanente. Assim, no entendimento de o programa não consegue, de fato, propiciar a
educação básica integral e de qualidade para as crianças e adolescentes, e também não
consegue conceber mudanças significativas no padrão de vida das famílias nem conscientizá-
las da importância de manter seus filhos na escola.
4.3 Atuação do PETI no Rio Grande do Norte e na Região Metropolitana de Natal
O PETI foi implantado no Rio Grande do Norte em maio de 1999, primeiramente, nos
municípios de Lagoa Nova, Tenente Laurentino Cruz e Carnaúbas dos Dantas.
Os dados mais recentes revelam que, em 2013, havia no estado um total de 39.088
crianças e adolescentes sendo contemplados pelo PETI. Os recursos destinados ao programa
eram transferidos pelo Governo Federal, e somavam, naquele ano, o valor de R$ 8,8 milhões.
Entre os municípios da RMN, Parnamirim era o que possuía maior quantidade de
beneficiários do PETI, ficando à frente da capital, contemplando, assim, 1.836 crianças e
adolescentes. Consequentemente, também era o que recebia o maior valor dos recursos, o
equivalente a R$ 414.000,00. Por outro lado, o município de Vera Cruz era o que detinha a
menor quantidade de pessoas atendidas pelo programa, bem como o menor valor de repasse
do Governo Federal, pois eram 150 crianças e adolescentes beneficiados e o valor repassado
de R$ 36.000,00, conforme Tabela 10, a seguir.
72
TABELA 10 – RMN: quantidade de crianças e adolescentes atendidas pelo PETI e valores
dos recursos transferidos pelo Governo Federal – 2013
Municípios
Quantidade de
crianças e adolescentes
atendidas pelo PETI
Transferência de
Recursos (R$)
Ceará-Mirim 753 171.000,00
Extremoz 339 76.500,00
Macaíba 247 54.000,00
Monte Alegre 364 81.000,00
Natal 1.313 297.000,00
Nísia Floresta 188 40.500,00
Parnamirim 1.836 414.000,00
São Gonçalo do
Amarante 474 108.000,00
São José de Mipibu 506 112.500,00
Vera Cruz 150 36.000,00
TOTAL 6.170 1.390.500,00
Fonte: MDS, Matriz de Informação Social, 2014.
Conforme os dados da fiscalização do trabalho realizada pelo MTE, entre os anos de
2006 a 2014, nos municípios que compõem a RMN, foram mais de 576 crianças e
adolescentes afastadas do trabalho ilegal, a maioria estava empregada no setor informal da
economia e algumas trabalhando nas piores formas de trabalho infantil, constantes da lista
TIP, aprovada pelo Decreto n° 6.481, de 12 de junho de 2008.
De acordo com o Sistema de Informações sobre Focos de Trabalho Infantil (SITI)
disponibilizado no site do MTE, a Tabela 11 apresenta as principais atividades onde foram
detectados a presença de crianças e adolescentes que estavam trabalhando de forma ilegal.
Como se vê, nos municípios da RMN, a maior incidência de trabalho infantil foi detectada ao
ar livre sem proteção adequada contra exposição à radiação solar, chuva e frio, onde em
termos relativos representou quase 81,0%, ou seja, correspondeu a 465 crianças e
adolescentes.
Neste caso, os principais trabalhos eram executados nas feiras livres e consistiam em
vender mercadorias, conquistar o cliente, o acompanhar, receber as mercadorias, arrumar,
transportar em carro-de-mão, entregar nos domicílios. Deste modo, os principais riscos
ocupacionais incidiam sobre o levantamento e transporte manual de peso excessivo,
manutenção de posturas inadequadas, movimentos repetitivos, jornadas excessivas,
atropelamentos e exposição à violência.
73
TABELA 11 – RMN: principais atividades onde foram detectados trabalho de crianças e
adolescentes – 2006-2014
Atividade Setor Número de
Crianças (%)
Trabalho ao ar livre, sem proteção adequada contra exposição à radiação
solar, chuva e frio. Informal 465 80,70
Indústria de Transformação – Trabalhos na Fabricação de Farinha de
Mandioca. Informal 23 3,99
Trabalho de manutenção, limpeza, lavagem ou lubrificação de veículos,
tratores, motores, componentes, máquinas ou equipamentos, em que se
utilizem solventes orgânicos ou inorgânicos, óleo diesel, desengraxantes
ácidos ou básicos ou outros produtos derivados de óleos minerais.
Informal 15 2,60
Eventos como a Festa do Boi Informal 13 2,26
Serviços Coletivos, Sociais, Pessoais e Outros – Em ruas e outros
logradouros públicos (comércio ambulante, guardador de carros, guardas
mirins, guias turísticos, transporte de pessoas ou animais, entre outros).
Informal 13 2,26
Comércio varejista de mercadorias em geral, com predominância de
produtos alimentícios – supermercados. Formal 7 1,22
Indústria de Transformação – Em matadouros ou abatedouros em geral. Informal 4 0,69
Serviços de lavagem, lubrificação e polimento de veículos automotores. Formal 4 0,69
Trabalho com levantamento, transporte, carga ou descarga manual de pesos,
quando realizados raramente, superiores a 20 quilos, para o gênero
masculino e superiores a 15 quilos para o gênero feminino; e superiores a 11
quilos para o gênero masculino e superiores a 7 quilos para o gênero
feminino, quando realizados frequentemente.
Informal 4 0,69
Comércio varejista de mercadorias em geral, com predominância de
produtos alimentícios – minimercados, mercearias e armazéns. Formal 3 0,52
Indústria de Transformação – Em Indústrias de Cerâmicas. Formal 3 0,52
Trabalhos Prejudiciais à Moralidade – Aqueles prestados de qualquer modo
em prostíbulos, boates, bares, cabarés, danceterias, casas de massagem,
saunas, motéis, salas ou lugares de espetáculos obscenos, salas de jogos de
azar e estabelecimentos análogos.
Informal 3 0,52
Transporte e Armazenagem – Em transporte de pessoas ou animais de
pequeno porte. Informal 3 0,52
Indústria de Transformação – No beneficiamento de mármores, granitos,
pedras preciosas, semipreciosas e outros bens minerais. Formal 2 0,35
Lanchonetes, casas de chá, de sucos e similares. Informal 2 0,35
Restaurantes e similares. Formal 2 0,35
Serviço Doméstico – Domésticos. Informal 2 0,35
Trabalhos na Coleta, Seleção ou Beneficiamento de Lixo. Informal 2 0,35
Aluguel de outras máquinas e equipamentos comerciais e industriais não
especificados anteriormente, sem operador. Formal 1 0,17
Clínica de Reabilitação de Usuários de Droga. Formal 1 0,17
Comércio (Reparação de Veículos Automotores Objetos Pessoais e
Domésticos) – Em borracharias ou locais onde sejam feitos recapeamento
ou recauchutagem de pneus.
Formal 1 0,17
Fabricação de águas envasadas. Formal 1 0,17
Fabricação de frutas cristalizadas, balas e semelhantes. Informal 1 0,17
Transporte marítimo de cabotagem – Carga. Formal 1 0,17
TOTAL - 576 100
Fonte: MTE, SITI – Sistema de Informações sobre Focos de Trabalho Infantil, 2014. (Elaboração Própria)
Vale lembrar que o fato mais preocupante do panorama do trabalho infantil é o
trabalho de crianças e jovens nas piores formas de trabalho, que em geral abrange atividades
insalubres, perigosas e que causam danos morais, físicos e psicológicos, entre outros.
74
Das demais atividades desenvolvidas (vide Tabela 11, p.72) pelas crianças e
adolescentes que trabalhavam na área da RMN, pode-se, ainda, mencionar as seguintes:
fabricação de farinha de mandioca (3,99%), lava-jatos (2,60%), ambulantes de rua (2,26%),
vendedores em eventos (2,26%) e em supermercados (1,22%). As outras atividades
relacionadas ficaram responsáveis por utilizar 6,94% da mão de obra infantil.
Quando verificado os dados dos municípios da RMN, ilustrados pelo Gráfico 15,
constata-se que a capital do estado, Natal, concentrou mais da metade (56%) dos focos de
trabalho infantil autuados pela fiscalização do Ministério do Trabalho. No município, a
principal atividade desenvolvida encontrava-se no setor informal e realizado nas feiras livres,
praias e semáforos, onde as crianças e os adolescentes ficavam ao ar livre, sem proteção
adequada contra exposição à radiação solar, chuva e frio. Nessas condições, os dados
mostraram que 291 menores foram detectados trabalhando o que correspondeu a 90,9% do
total de crianças e adolescentes que foram registrados e autuados pela fiscalização.
GRÁFICO 15 – RMN: percentual da incidência de crianças e adolescentes em situação de
trabalho – 2006-2014
Fonte: MTE, SITI – Sistema de Informações sobre Focos de Trabalho Infantil, 2014. (Elaboração Própria)
As menores incidências de trabalho infantil apresentadas pela fiscalização ocorreram
nos municípios de Vera Cruz (3,8%) e São Gonçalo do Amarante (0,9%), tendo como
principais atividades desempenhadas por crianças e adolescentes, a fabricação de farinha de
mandioca; indústrias de cerâmicas; trabalhos realizados na coleta, seleção e beneficiamento
de lixo. Em Extremoz, a fiscalização detectou um adolescente que se encontrava em uma
Clínica de Reabilitação de Usuários de Drogas, onde não foi possível identificar se o mesmo
estava trabalhando. Vale mencionar, ainda, que nos municípios de Nísia Floresta e São José
de Mipibu não foi realizado nenhum registro de trabalho infantil pela fiscalização.
75
Deste modo, pode-se afirmar que os resultados encontrados neste estudo encerram um
duplo significado: por um lado, eles reafirmam a importância e a eficácia, ainda que parcial,
das ações voltadas para a erradicação do trabalho infantil e, por outro, eles apontam para o
surgimento de um novo cenário, no tocante à distribuição setorial e espacial do trabalho
infantil concentrado em áreas urbanas, que demandarão o desenvolvimento de novas
estratégias e até novos instrumentos de combate a esse problema social, bem presente na
Região Metropolitana de Natal.
Portanto, apesar dos avanços verificados ao longo deste trabalho, muitos desafios
ainda precisam ser superados é o que mostram os dados e as informações obtidas pelo
presente estudo. Vale ressaltar que embora a natureza deste panorama não permita extrair
conclusões definitivas acerca da aplicabilidade de Políticas Públicas ao cenário urbano do
estado do Rio Grande do Norte e da RMN, a presença de trabalho infantil em atividades
econômicas urbanas constitui um motivo suficiente para haja uma revisão crítica do atual
modelo de intervenção.
76
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho monográfico, inicialmente, relatou-se uma breve trajetória histórica da
incidência do trabalho infantil, desde a antiguidade quando esse fato, ainda, não era
reconhecido pela sociedade como um fenômeno negativo até o seu agravamento observado
durante a primeira e a segunda Revolução Industrial. Neste período, o trabalho precoce
ganhou força e proporção, se tornando parte essencial da base produtiva do sistema
capitalista, cujo único objetivo era obter o maior lucro possível, o qual se buscava reduzir
custos com a utilização da mão de obra infantil sem, no entanto, levar em consideração se isso
poderia ser prejudicial ou não às crianças.
Em relação ao Brasil, verificou-se que a mão de obra infanto-juvenil esteve enraizada
desde a época da colonização. Inicialmente, com a exploração das crianças indígenas no
período do modelo primário-exportador e, em seguida, das meninas e meninos negros no
período da mão de obra escravocrata. Entretanto, foi após o modo de produção escravista que
desencadeou-se uma maior demanda pela mão de obra precoce, tendo em vista que havia
necessidade de substituir o trabalho escravo.
Assim, semelhante ao que ocorreu com os países europeus, no Brasil, o processo de
industrialização foi marcado pela busca descontrolada de mão de obra infantil, a qual
proporcionou aos menores uma vida penosa, visto que esses enfrentaram longas e extenuantes
jornadas de trabalho. Foi a partir dessa realidade que, aos poucos, o Brasil começou a
despertar para a necessidade da criação de regulamentos com o intuito de proteger as crianças
e adolescentes da exploração de sua mão de obra.
Sob o ponto de vista normativo do trabalho precoce, como visto, a OIT vem se
destacando como a principal instituição de âmbito mundial com prioridades voltadas para a
legislação e regulamentação de tal atividade, pois, de acordo com sua visão, esse tipo de
trabalho além de não contribuir para a redução da pobreza, tira das crianças os seus direitos à
saúde, à educação e à própria vida enquanto crianças.
O Brasil como integrante dos países membros da OIT, intensificou sua atuação ao
enfretamento do trabalho infantil a partir da década de 1990 e vem até os dias de hoje se
esforçando em promover e expandir o trabalho decente. Para tanto, entre os dispositivos
nacionais que foram criados para regulamentar o combate ao trabalho infantil, é possível
destacar a Constituição Federal de 1988 (CF/1988) e o Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA), ambos harmonizados com as orientações da OIT.
77
Entre as principais causas apontadas pela literatura consultada, verificou-se que a
oferta de mão de obra infantil se dá em termos gerais pela entrada precoce dos pais no
mercado de trabalho, baixos salários insuficientes para manter toda a família, deficiência da
educação, os custos em manter as crianças na escola, além dos valores e padrões culturais da
própria sociedade que aceita e justifica tal prática. Contudo, quase que unanimemente entre os
autores, a pobreza é apontada como o principal determinante da oferta de trabalho infantil.
Já com relação às consequências que o trabalho infantil pode trazer para os pequenos
ocupados, essas são maléficas tanto para o indivíduo quanto para as sociedades nas quais
ocorrem sua execução. Entre os principais malefícios que foram apontados pode-se citar: os
danos no desenvolvimento individual das crianças, os prejuízos na escolarização, limitação
das oportunidades de emprego no futuro, além dos riscos de saúde.
Como visto, nas duas últimas décadas, houve uma maior mobilização e interesse dos
mais diversos setores da sociedade civil que se mostraram preocupados com o cumprimento
dos direitos da criança, evidenciado pelo aumento significativo de investigações e pesquisas
acadêmicas que culminaram na elaboração de monografias, dissertações de mestrado, teses de
doutorado, publicação de livros, relatórios e artigos científicos. Esse arcabouço literário
comprova que o crescimento da proteção legal às crianças foi avançando de forma gradual,
pelo menos em termos estatutários e normativos, mas infelizmente, ainda, não se pode afirmar
haver tal efetividade na prática.
Não obstante, o trabalho infantil em suas mais diversas formas, ainda, encontra
espaços para sua continuidade. Deste modo, apesar do progresso na redução do trabalho
infantil observado no Brasil, os desafios para que a sua erradicação seja alcançada continuam
presentes. Os dados do Censo Demográfico de 2010 publicados pelo IBGE comprovam que
ainda precisa de mais investigações sobre essa temática, uma vez que embora uma redução de
13,4% do trabalho infantil em relação ao ano de 2000 tenha ocorrido, considerando a faixa
etária entre 10 a 17 anos de idade, em 2010, ainda, existia 3,4 milhões de crianças e
adolescentes ocupados, o que representava 12,4% dos 27,5 milhões que se encontravam nessa
faixa etária.
Foi com esse entendimento, que esse trabalho se propôs a apresentar um panorama da
situação ocupacional das crianças e adolescentes do estado do Rio Grande do Norte e tratar de
sua conceituação, causas e efeitos, bem como sua dimensão e comportamento nos municípios
que compõem a Região Metropolitana de Natal (RMN), a partir dos dados do Censo
Demográfico realizado em 2010.
78
Os resultados encontrados mostraram que no Rio Grande do Norte, em 2010, existiam
43.304 crianças e adolescentes, na faixa etária entre 10 a 17 anos de idade, que se
encontravam em situação de trabalho, o equivalente a 9,1% do total de 478.146 residentes no
estado. Quando analisado a incidência do trabalho infantil, por faixa etária, observou-se que a
mesma se elevou conforme o aumento da idade. Assim, entre 10 a 13 anos, do total dos
residentes do estado que se encontravam nessa faixa cerca de 4,0% estavam exercendo
alguma atividade laboral. Vale salientar que nessa faixa etária, a Legislação Nacional regida
pela CLT não permite a inserção dessa mão de obra no mercado de trabalho. Entre os
adolescentes com 14 e 15 anos de idade esse percentual foi igual a 9,4% e os jovens com 16 e
17 anos de idade essa taxa chegou a 18,6%.
Como se vê, existe no estado uma predominância pelo uso de jovens entre 16 e 17
anos, onde da totalidade de crianças e adolescentes que estavam exercendo algum tipo de
atividade, mais da metade (51,3%) se concentravam nessa faixa etária.
Sintetizando, de forma geral, os resultados com relação aos aspectos de gênero,
raça/cor, local do domicílio, situação socioeconômica de suas famílias, as atividades e
ocupações e a escolaridade, os dados revelaram que no Rio Grande do Norte o trabalho
infantil era desempenhado, predominantemente, pelas crianças e adolescentes do sexo
masculino (61,9%), onde cerca de 61,8% se declararam negros ou pardos e mais da metade
(64,5%) tinham como domicílio a área urbana.
Os dados também indicaram uma forte correlação entre trabalho infantil e baixo
rendimento das famílias. A tendência observada foi quanto maior a renda per capita auferida
pela família menor o percentual de menores ocupados. Assim, as famílias que tinham um
rendimento per capita acima de um salário mínimo, o percentual correspondeu a 14,8%. Já as
famílias com renda per capita menor que um salário mínimo reuniu cerca de 85,2% do total
dos que se encontravam desempenhando algum tipo de ocupação.
Quanto as principais atividades econômicas desempenhadas pelos menores
trabalhadores no estado os dados revelaram que a maioria (43,8%) encontravam-se nos
setores da indústria, construção, transporte e serviços domésticos. Enquanto, no setor agrícola
o percentual detectado foi de 32,9% e no comércio e serviços o mesmo foi 23,3%. Com
relação a posição na ocupação no trabalho principal, os que eram empregados abrangiam a
maior parte dos ocupados (50,7%), os de conta própria ou empregador corresponderam a
12,6% do total, já os ocupados que não foram remunerados o percentual foi de 18,5%, e por
fim, os que trabalharam para o consumo próprio correspondeu a 18,2% e nessa posição, os
trabalhadores mais jovens (10 a 13 anos) representaram a maioria (36,1%).
79
No que diz respeito à escolaridade foi observado a frequência escolar e a taxa de
analfabetismo. Deste modo, observou-se que a proporção de crianças e adolescentes, entre 10
a 17 anos, que não frequentaram a escola foi bem maior entre os que estavam ocupados
(20,7%) do que entre aqueles que não tinham nenhuma ocupação laboral (7,5%). Já em
relação a taxa de analfabetismo, o percentual apresentado foi de 4,0% para os ocupados.
Diante do exposto para o Rio Grande do Norte, pode-se afirmar que a ocupação
precoce é muito mais que um problema somente para a criança ou adolescente, pois seus
danos são refletidos em toda a sociedade, reproduzindo e aprofundando cada vez mais a
desigualdade social existente.
Visando atender todo o objetivo deste trabalho, a Região Metropolitana de Natal,
responsável por mais da metade da produção (52,7%) total do estado, concentrou em 2010
mais de um terço de todo o trabalho infantil realizado no estado. Desta forma, os dados
revelaram que existiam 13.852 crianças e adolescentes, na faixa etária entre 10 a 17 anos de
idade, que se encontravam em situação de trabalho, o equivalente a 7,1% do total de 195.758
residentes na Região Metropolitana de Natal. Quanto a faixa etária dos menores ocupados,
percebeu-se que a RMN segue a mesma tendência estadual, ou seja, quanto mais elevada a
idade, maior foi a quantidade de crianças e adolescentes que exerciam algum tipo de
atividade.
Já os resultados com relação aos aspectos de gênero, raça/cor e local do domicílio
foram semelhantes aos encontrados para o estado. Assim, o trabalho infantil na RMN,
também era exercido, predominantemente, pelas crianças e adolescentes do sexo masculino
(62,8%), onde cerca de 67,3% se declararam negros ou pardos e mais da metade (84,4%)
tinham como domicílio a área urbana.
Assim como já observado em nível estadual, para os rendimentos familiares, os dados
mostraram para a RMN que 76,4% das famílias com ocupados infantis viviam com um
rendimento mensal per capita de até 1 salário mínimo. Enquanto as famílias que recebiam
entre 1 a 2 salários mínimos e que tinham crianças e adolescentes em situação de trabalho,
essas representavam 16,2%. Por fim, apenas 7,5% delas tinham rendimentos maiores que 2
salários mínimos por pessoa.
Quanto as atividades econômicas exercidas pelas crianças e adolescentes são também
predominantemente situadas nos mesmos setores. De acordo com os dados, as principais
ocupações dos menores trabalhadores da RMN localizavam-se no setor não agrícola (88,3%),
enquanto o setor agrícola representava somente 11,7% da mão de obra infantil na região.
80
Com relação a posição na ocupação exercida pelas crianças e adolescentes no trabalho
principal, os que eram empregados abrangeram a maior parte dos ocupados (65,0%), os de
conta própria ou empregador corresponderam a 13,9% do total, já os ocupados que não foram
remunerados o percentual apresentado foi de 15,3%, e por fim, os que trabalharam para o
consumo próprio correspondeu somente a 5,8%.
A escolaridade dos trabalhadores infantis na RMN foi também examinada e constatou-
se que a proporção de crianças e adolescentes que não frequentavam a escola era bem maior
entre os ocupados do que entre aqueles que não tinham nenhuma ocupação laboral. Uma
particularidade observada foi que residiam em Natal mais da metade (57,5%) entre os
ocupados residentes que não frequentavam a escola. Com relação à quantidade de analfabetos
infantis foi possível observar que as crianças e os adolescentes que não trabalhavam
representavam maior percentual em relação aos que estavam ocupados.
De fato, o trabalho infantil reduz, pelo cansaço, a capacidade de concentração das
crianças e, ao submeter a sua saúde a riscos e abusos, as conduz ao absenteísmo eventual, que,
por sua vez, provoca baixos índices de frequência escolar e repetência. Em última instância,
especialmente se a qualidade da educação for precária, conduz a criança ao desalento e à
evasão.
Assim, o panorama da situação ocupacional de crianças e adolescentes apresentado
por este trabalho mostrou que as características encontradas são, basicamente, as mesmas para
o estado e para a RMN. E, portanto, os esforços voltados para o enfretamento do trabalho
infantil podem simultaneamente melhorar as duas espacialidades.
Dentre as diversas iniciativas do Governo destinadas a enfrentar essa questão, este
trabalho destacou a atuação do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI). Neste
sentido, para o Rio Grande do Norte, os dados mais recentes revelaram que, em 2013, o
estado tinha um total de 39.088 crianças e adolescentes inseridos no PETI. A RMN, por sua
vez, respondia apenas por 15,8% do total de crianças e adolescentes que participavam do
programa em todo o estado. Entre os municípios da RMN, Parnamirim e Natal eram
responsáveis por mais da metade (51,0%) da quantidade de beneficiários do PETI, ao
contemplarem 1.836 e 1.313 crianças e adolescentes, respectivamente.
Contudo, a efetividade do PETI ainda é bastante limitada, tendo em vista que em Natal
em 2010 foi detectado a existência de 7.823 crianças e adolescentes que se encontravam em
situação de trabalho. E os dados do PETI para o ano de 2013 apresentaram que apenas 16,8%
eram inseridas no programa, ficando boa parte dos menores trabalhadores (83,2%) fora das
ações asseguradas pelo programa.
81
Outro fato que chamou atenção foram as fiscalizações realizadas pelo Ministério do
Trabalho que detectaram focos de trabalho infantil através de denúncias. Assim, na RMN
verificou-se que a maioria desses focos estavam em Natal, onde a maior incidência de
trabalho infantil era executada ao ar livre sem proteção adequada contra exposição à radiação
solar, chuva e frio, que em termos relativos representou quase 81,0% do total registrado que
correspondeu a 576 crianças e adolescentes.
Neste caso, os principais trabalhos eram executados nas feiras livres e consistiam em
vender mercadorias, conquistar o cliente, o acompanhar, receber as mercadorias, arrumar,
transportar em carro-de-mão, entregar nos domicílios. Deste modo, os principais riscos
ocupacionais incidiam sobre o levantamento e transporte manual de peso excessivo,
manutenção de posturas inadequadas, movimentos repetitivos, jornadas excessivas,
atropelamentos e exposição à violência.
Portanto, apesar dos avanços verificados, ao longo deste trabalho, muitos desafios
ainda precisam ser superados é o que mostraram os dados obtidos pelo presente estudo. Vale
ressaltar que embora a natureza deste panorama não permita extrair conclusões definitivas
acerca da efetiva aplicabilidade das ações ao cenário urbano da RMN, a presença real de
trabalho infantil em atividades econômicas urbanas constitui um motivo suficiente para uma
revisão crítica do atual modelo de intervenção.
Finalmente, é possível afirmar que, mesmo a pobreza não sendo o único fator
condicionante do trabalho precoce no Rio Grande do Norte, sobretudo na RMN, os resultados
encontrados sinalizam que o enfrentamento ao trabalho infantil poderá ser mais eficaz quanto
maiores forem as oportunidades criadas às famílias de baixa renda, principalmente, aquelas
que possuem adolescentes entre 16 e 17 anos, que sejam do sexo masculino e tenham se
declarados negros ou pardos. Para tal, exige-se aplicação de políticas públicas focalizadas,
mas também mudanças culturais de cunho estrutural na sociedade para que as privações
básicas dos cidadãos sejam eliminadas, e, com isso, a erradicação do trabalho infantil se torne
uma realidade concreta nessas áreas.
É importante esclarecer que, pela amplitude do tema e pelo seu propósito, a
finalização deste trabalho, possivelmente, provocará críticas e reflexões para basear outros
novos trabalhos que poderão ser construídos. Dessa maneira, conclui-se que este estudo não
se encontra acabado, haja vista a necessidade de aprofundamento dessa abordagem em outros
locais, que vivenciam realidades distintas, onde novos estudos poderão trazer novas
contribuições.
82
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