UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
Tâmara Gabriela de Loiola Leite
O Processo de Privatização da Saúde no Brasil: uma análise da
implantação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) no
Hospital Universitário Ana Bezerra (HUAB)
Natal/RN
2017
Tâmara Gabriela de Loiola Leite
O Processo de Privatização da Saúde no Brasil: uma análise da
implantação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) no
Hospital Universitário Ana Bezerra (HUAB)
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado ao Curso de Serviço
Social da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte como requisito
parcial para obtenção do título de
Bacharel em Serviço Social.
Orientadora Prof.ª Dr.ª Carla
Montefusco de Oliveira.
NATAL/RN
Junho/2017
Catalogação da Publicação na Fonte.
UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Leite, Tâmara Gabriela de Loiola.
O Processo de Privatização da Saúde no Brasil: uma análise da implantação da Empresa Brasileira de
Serviços Hospitalares (EBSERH) no Hospital Universitário Ana Bezerra (HUAB) / Tâmara Gabriela de
Loiola Leite. - Natal, RN, 2017.
57 f.
Orientadora: Profa. Dra. Carla Montefusco de Oliveira.
Monografia (Graduação em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de
Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de Serviço Social.
1. Privatização da Saúde - Brasil - Monografia. 2. EBSERH - Monografia. 3. Contrarreforma do Estado -
Monografia. I. Oliveira, Carla Montefusco de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/BS/CCSA CDU 351:61(81)
AGRADECIMENTOS
Depois de tanta espera, finalmente, este dia chegou. Ao ingressar no
curso de Serviço Social na UFRN pela primeira vez em 2005, eu jamais
imaginei que tanta coisa aconteceria até o dia de hoje. Ao longo dos anos,
acumulei não apenas conhecimento ou maturidade, mas colecionei estórias e
vivenciei momentos que me moldaram para viver à intensidade desse
momento. Doze anos depois, um filho (e outro à caminho), um marido, uma
graduação internacional em Psicologia e muitas aventuras a mais, realizo meu
grande sonho em me formar em Serviço Social.
Hoje, gratidão é palavra de ordem. O primeiro e maior agradecimento
que faço é a Deus, que me deu a dádiva da vida e me proporcionou momentos
de grande aprendizado, de imensa felicidade e a oportunidade de fazer à
diferença no mundo. Ele, com toda sua misericórdia, Deu-me saúde para
perseverar e continuar meus caminhos, me segurou pelos braços quando quis
fraquejar e iluminou meus caminhos quando eu já acreditava não haver mais
luz. Ao olhar minha trajetória, percebo a necessidade de cada dificuldade que
passei para hoje me tornar quem sou e me projetar aonde eu cheguei.
Agradeço também à minha mãe, Telma Lúcia de Loiola, ser incrível que
sempre me coloca mais perto de Deus em suas orações. Além de agradecer
por todo carinho e cuidado ao longo da minha vida, preciso também agradecer
por ela ser exemplo de força, perseverança e amor; pois por causa dela eu
sempre busco ser uma melhor versão de mim. Aos meus Irmãos, Gabriel e
Júnior, obrigado por serem tão amorosos e sempre me fazerem rir quando
mais precisei. Agradeço às minhas cunhadas aqui também, Christiane Cyrne e
Maria Eduarda Cyrne, por sempre estarem dispostas a cuidar de Joaquim
quando era impossível para ele me acompanhar nas aulas.
Ao meu esposo, amigo e companheiro, Raphael Cyrne, que ao longo
desses sete anos sempre me incentivou e me encorajou em todos os desafios
pelos quais já passei. A ele, que nunca duvidou um instante da minha
capacidade de chegar onde cheguei, devo minha gratidão e minha admiração,
pois reconheço as dificuldades que passamos nesses últimos dias para que
este trabalho fosse concluído. Muito, muito obrigada.
Provavelmente um dos agradecimentos mais especiais deste trabalho
seja este: obrigada, Joaquim Cyrne! Ele literalmente nasceu durante o meu
retorno ao curso de Serviço Social em 2014 e me fez enxergar a vida por uma
nova perspectiva. Joaquim me acompanhou ao longo dessa trajetória final do
curso, tanto em casa enquanto eu produzia (ou tentava produzir) trabalhos ou
artigos como na própria Universidade, frequentando aulas e reuniões de
orientação deste mesmo TCC. Sempre muito educado, carinhoso e afetivo, me
deu forças e mais motivos para seguir em frente na minha jornada acadêmica.
Obrigada, Quinzão!
Agradeço também às companheiras de curso, que me acompanham
desde o primeiro ingresso à UFRN até os dias de hoje. Em especial, agradeço
Ana Karine Fechine, que foi minha dupla de estágio no HLA e sempre foi fonte
de inspiração por sua dedicação aos estudos e à profissão. Minha admiração
por ela só cresce com o passar dos anos e com os resultados de seu trabalho.
Também agradeço aos meus colegas de trabalho, que foram pacientes comigo
e me ajudaram nessa reta final, sempre solícitos a me ouvir quando eu precisei
discutir algum dos temas deste mesmo trabalho. Thank you, guys.
A minha orientadora, provavelmente a mulher mais paciente e
compreensiva que já conheci em toda minha vida: Profª Drª Carla Montefusco.
Ela talvez não saiba, mas o seu apoio, compreensão e orientação quando foi
minha professora na disciplina de Pesquisa em Serviço Social II foi
determinante para a conclusão do curso. Desde então, passei a admirá-la não
somente como professora, mas também como mulher, profissional e como ser
humano. Sempre acolhedora, detentora de conhecimento e pontual em sua
fala, Carla foi capaz de renovar a minha paixão pelo Serviço Social. Por todo
carinho, toda atenção, todo zelo e cuidado (inclusive com Joaquim,
frequentador assíduo das orientações) minha eterna gratidão; com você,
aprendi coisas que vão além da profissão e carregarei comigo pro resto da
minha vida.
Agradeço também aos professores do curso de Serviço Social que
tiveram grande impacto em minha formação: professora Dalva Horácio, que
despertou em mim a curiosidade sobre a EBSERH e toda a trajetória da saúde
em nosso país; Ilka de Lima Souza, por seu empenho sem limites no meu
retorno para o curso quanto ao reaproveitamento de tantas disciplinas; e
Professor Fernando Teixeira, por ter sido tão compreensivo comigo, desde à
primeira graduação até hoje, como meu supervisor. Às minhas orientadoras de
estágio Tamara Simone e Anna Catharina, que me acolheram e tanto me
ensinaram nos campos de estágio - HLA e Complexo Penal João Chaves,
respectivamente. A vocês, meu muito obrigada!
Para finalizar, agradeço a todos que, de certa forma, contribuíram para a
minha chegada até aqui. Tenho plena consciência que a participação de todos,
direta ou indiretamente, foi fundamental para a construção da minha história
em Serviço Social. Encerro aqui o primeiro de muitos capítulos nesta história,
pois ela acabou de começar. Muito, muito obrigada!
Tâmara Gabriela de Loiola Leite
“Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não pára”
Cazuza/Arnaldo Brandão
Resumo
A história da saúde do Brasil é perpassada por aspectos de múltiplas
contradições, sendo marcada por avanços e desafios. A partir dos anos de
1990, apesar das conquistas trazidas pelo SUS - Sistema Único de Saúde, a
introdução da política neoliberal no Brasil traz inúmeros retrocessos para a
realidade da saúde no país. As estratégias neoliberais de privatização e
terceirização trouxera marcas quase que irreparáveis para as políticas públicas
do país. Diante disso, o presente trabalho visou analisar o modelo de gestão
pública implantado pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares –
EBSERH no Hospital Universitário Ana Bezerra – HUAB. O interesse pelo tema
surgiu quando, ao retornar para o curso de Serviço Social após quase dez anos
longe da área, a EBSERH tornara-se uma realidade incompreendida e de muita
potencialidade no que diz respeito ao fazer profissional do Assistente Social.
Para alcance do objetivo proposto foram realizadas pesquisas de cunho
bibliográfico e documental. Como resultado principal identifica-se que os
processos de gestão da saúde brasileira têm sido perpassados por conjuntos
de estratégias privatistas, o que acaba por comprometer o acesso ao direito à
saúde pelos cidadãos. Outro fator importante captado com a pesquisa foi o
desmonte da máquina pública, desresponsabilização do Estado no que se
refere à política de saúde fazendo com que o mercado usasse essa
prerrogativa para subsidiar seus interesses. Sendo assim, os processos de
contrarreforma do Estado brasileiro, juntamente com a criação da EBSERH,
impossibilitam a concretização dos princípios da Constituição de 1988, assim
como os princípios do SUS, ambos frutos de uma grande mobilização popular
oriundas de diferentes classes sociais em prol de um bem maior: a saúde para
todos garantida pelo Estado.
Palavras-Chave: EBSERH; Privatização da Saúde Pública; Contrarreforma do
Estado.
Abstract
Brazil Health's History has been written by multiple contraditory aspects, been
scarred by progress and challenges. Since 1990s, despite of achievements
brought by SUS - Unified Health System, the introduction of Neoliberalism in
Brazil's politics brought many withdrawal to health's reality in the country. The
Neoliberal strategies of privatization and subcontracting had brought irreparable
consequences to public policy in our country. According to this, the present
TCC tries to analyze the new model of health public administration set by The
Brazilian Company of Hospital Services - EBSERH at University Hospital Ana
Bezerra - HUAB. The topic became interesting when, coming back to Social
Work major after almost ten years away from the field, EBSERH had become a
potential ground breaker to the field of Social Work. To achieve proposed goals,
a bibliographical and documental research was done. As a main result, it was
identified that the Neoliberal strategies of health policy managment could
jeopardize the civil rights of Health policy access. Another result from the
research is that the Public respnsability decreased as the privatization and
subcontracting got bigger and stronger in our economy; the market started to
use public competency to increase its profits. With that being said, it became
clear that the new perspective of managment, along with the upbringing of
EBSERH, made impossible to materialize the proposition of 1988 Constituition,
as well as the proposition of SUS, both advancement of popular mobilization,
fighting together as one on order to claim a bigger goal: Heath care for all
provided by the Government.
Key words: EBSERH; Public Health Privatization; Counter-Reform of the State
Lista de Siglas
ANS – Agência Nacional de Saúde
CEME – Central de Medicamentos
CF – Constituição Federal
CFESS – Conselho Federal de Serviço Social
CRESS – Conselho Regional de Serviço Social
CLT – Consolidação das Leis de Trabalho
CNS – Conselho Nacional de Saúde
EBSERH – Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares
FEDPs – Fundações Estatais de Direito Privado
FHC – Fernando Henrique Cardoso
FMI – Fundo Monetário Internacional
FUNRURAL – Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural
HLA – Hospital Luis Antônio
HUF – Hospital Universitário Federal
HUAB – Hospital Universitário Ana Bezerra
HUOL – Hospital Universitário Onofre Lopes
INAMPS – Instituto Nacional de Medicina e Previdência Social
INPS – Instituto Nacional de Previdência Social
LOPS – Lei Orgânica da Previdência Social
MARE – Ministério da Administração e da Reforma do Estado
NOB – Norma Operacional Básica
ONGs – Organizações Não Governamentais
OS – Organização Social
OSCIP – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
PDRE – Plano Diretor da Reforma do Estado
PIB – Produto Interno Bruto
PPA – Plano de Pronta Ação
PPP – Parceria Público Privado
REHUF – Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários
Federais
RN – Rio Grande do Norte
SPNS – Simpósio de Política Nacional de Saúde
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
SUMÁRIO
1.INTRODUÇÃO................................................................................................15
2. Discutindo a realidade da Saúde Pública no Brasil: um breve panorama
histórico.............................................................................................................19
2.1 A saúde no Brasil: uma história de avanços e
retrocessos........................19
2.2 O Movimento de Reforma Sanitária: avanços, retrocessos e
repercussões.....................................................................................................33
3. Privatização da saúde pública: o estado gerencial no Brasil..................39
3.1 Contrarreforma do Estado Brasileiro: algumas reflexões............................39
3.2 A EBSERH - realidade no Brasil e particularidade do HUAB: uma análise
crítica.................................................................................................................44
3.2.1 O significado da EBSERH para os profissionais do HUAB:
particularidades do Serviço
Social.................................................................................................................47
4. Considerações finais...................................................................................51
5. Referências...................................................................................................55
15
1. INTRODUÇÃO
Ao falarmos em saúde pública na realidade brasileira, a Constituição
Federal (CF) de 1988 traz mudanças na visão do que era ser saudável, bem
como na noção do direito à saúde como direito universal. Saúde deixava de ser
simples ausência de doenças, mas tornara-se um complexo conjunto de
determinações sociais, que englobam alimentação, qualidade de vida, trabalho
e, principalmente, acesso à rede pública de atendimento. Ou seja, a partir
daquele momento o Estado tornava-se responsável pela manutenção desta
área e seria detentor das obrigações para com o bem-estar da população
brasileira.
Dentre as conquistas da Constituição de 1988, portanto, destacamos a
criação do Sistema Único de Saúde (SUS), já em 1990, um esboço delineado
pelas lutas do movimento de Reforma Sanitária que buscava uma maior
responsabilização do Estado com a saúde do país, pretendendo que o
atendimento fosse igualitário, universal e integral, guiando a saúde para um
novo modelo organizacional e gerencial.
Todavia, vale destacar que ao ser regulamentado em 1990, como um
processo de ampla conquista, o SUS já sofre o impacto das políticas
neoliberais adotadas naquele período pelo Estado brasileiro. Os ajustes
neoliberais voltados para a redução da intervenção do Estado e favorecimento
do mercado trouxeram vários danos à política de saúde no país, bem como às
demais políticas sociais.
Na particularidade da saúde, um dos maiores prejuízos foram os
obstáculos a não concretização da implementação do SUS, e o que é ainda
pior: o delineamento de parcerias público-privadas com a justificativa de
melhorar a administração das políticas de saúde, enfraquecendo ainda mais
tais políticas. Esse novo modelo de gestão permitiu que novas organizações
fossem criadas e agregadas à manutenção das políticas de saúde, dando
abertura à criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares - EBSERH
já em 2011.
Diante desse cenário e ao ingressar no curso de Serviço Social, pouco
mais de dez anos atrás, o trabalho do assistente social na política de saúde foi
16
- e continua sendo - um ponto de grande interesse pessoal, além de
acadêmico. Naquela época, especificamente em 2007, ao escolher o campo de
estágio, optamos pelo Hospital Luis Antônio (HLA), onde desenvolvemos um
projeto de intervenção voltado aos direitos sociais dos pacientes daquela
instituição. Após um ano de estágio, obtivemos nossas primeiras impressões
do trabalho do assistente social na saúde assim como da dinâmica de trabalho
e desafios à profissão.
Naquele período do primeiro contato com prática profissional, a carga
horária do profissional não tinha sido determinada por lei; o Programa Nacional
de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (REHUF) não existia;
e a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) não era uma
realidade. Ainda assim já era possível observar as dificuldades de consolidação
das perspectivas de saúde preconizadas pelo SUS.
Alguns anos depois, em 2014, ao reingressar na Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (UFRN) no mesmo curso, o Programa REHUF era
uma realidade assim como a EBSERH, o que exigiu um maior aprofundamento
quanto a nova estratégia administrativa aplicada aos Hospitais Universitários
Federais (HUFs). Em busca de conhecimento e renovação através de
pesquisas realizadas nas disciplinas de Serviço Social e Saúde e Pesquisa em
Serviço Social II, pudemos ter uma ideia (embora ainda limitada) do que havia
se tornado a administração à partir da EBSERH, assim como a dinâmica de
trabalho do assistente social nessas instituições.
No decorrer da disciplina de Pesquisa em Serviço Social II, buscamos
refletir sobre a administração da EBSERH e a prática do Assistente Social em
uma das unidades geridas pela empresa, o Hospital Ana Bezerra (HUAB), com
o intuito de identificar até que ponto a inserção da empresa influencia na
atuação do profissional de Serviço Social. Nesse percurso inicial de pesquisa
foi possível perceber, sobretudo, as diferenças entre os profissionais ligados à
EBSERH e os profissionais apenas subordinados ao gerenciamento da
empresa.
A partir desses estudos e experiências anteriores e considerando o
17
cenário de agravamento da expressões da questão social1
contemporaneamente no país, sentimos a necessidade de aprofundar os
estudos quanto à nova prática administrativa dos HUFs. A princípio, a ideia da
pesquisa era de entrevistar professores da graduação de Serviço Social na
UFRN para avaliar as influências da administração privada nos hospitais
universitários. Porém, por motivos de limitação de tempo e conflito de horários
dentro da Universidade, mudamos o norte do TCC. Assim, o presente TCC tem
como objetivo geral analisar o modelo de gestão pública implantado pela
Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares – EBSERH no Hospital
Universitário Ana Bezerra- HUAB. Especificamente objetivamos, analisar o
contexto político-social do Estado brasileiro e as novas formas de gestão
pública; apreender historicamente as estratégias de gestão da saúde pública
adotadas pelo governo brasileiro; e traçar um panorama comparativo entre a
gestão pública no Hospital Ana Bezerra antes e depois da implementação da
EBSERH.
A investigação ora apresentada, se assenta na perspectiva
epistemológica do método crítico-dialético, pois a partir dele acreditamos ser
possível compreender as contradições, assim como as articulações dos
acontecimentos ao longo dos anos, sempre levando em consideração os
diferentes aspectos que tornam essa dinâmica um retrato da realidade, como
os aspectos políticos, sociais, econômicos e ideológicos.
Partindo das premissas críticas do campo do materialismo histórico-
dialético, a pesquisa apresenta caráter qualitativo, e utiliza como estratégias
metodológicas a pesquisa bibliográfica e documental, já que,
Ao tratar da pesquisa bibliográfica, é importante destacar que ela é sempre realizada para fundamentar teoricamente o objeto de estudo, contribuindo com elementos que subsidiam a análise futura dos dados obtidos. Portanto, difere da revisão bibliográfica uma vez que vai além da simples observação de dados contidos nas fontes pesquisadas, pois imprime sobre eles a teoria, a compreensão crítica do significado neles
1 Segundo Iamamoto (1998, p.27) “A Questão Social é apreendida como um conjunto
das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade”.
18
existente. (LIMA; MIOTO, 2007, p. 44)
Como referências bibliográficas centrais utilizamos Bertolli (2002);
Iamamoto (1998); (2014); Behring (2007), Paiva e Teixeira (2014); Correia e
Dantas (2013) e Fechine (2015); Para efetivação da pesquisa documental
foram analisadas as legislações pertinentes à EBSERH, a Constituição Federal
de 1988 e as legislações pertinentes ao SUS assim como os documentos
contratuais da EBSERH com os Hospitais Universitários no Rio Grande do
Norte.
Os dados coletados foram categorizados, tomando por base a técnica
da análise de conteúdo, e estão aqui organizados da seguinte forma: no
capítulo 2 trazemos uma discussão acerca da realidade da Saúde Pública no
Brasil, procurando analisar criticamente os principais fatos que constroem a
história da saúde pública no país. Trazemos ainda nesse capítulo reflexões em
torno do Movimento de Reforma de Sanitária, apontando-o como o maior
marco de mudanças na saúde no país, bem como sua relevância para a luta de
classes no Brasil.
Em seguida no capítulo 3 trazemos uma análise acerca do processo de
privatização da saúde pública no Brasil, trazendo uma amostra daquilo que
aconteceu no país desde a política privatista neoliberal, assim como
apontamos as consequências da contrarreforma para as políticas públicas no
Brasil. Traçamos ainda nesse capítulo reflexões acerca do surgimento da
EBSERH - Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares e a particularidade
desta no HUAB - Hospital Universitário Ana Bezerra. Apontamos, para finalizar
esse capítulo, as particularidades do trabalho do Serviço Social no contexto do
HUAB a partir da implantação da EBSERH.
Dessa maneira, o presente trabalho trata sobre um tema atual e de
extrema importância não apenas para a política de saúde em si, mas também
para o Serviço Social, uma vez que a área da saúde constitui um amplo espaço
sócio-ocupacional para a atuação profissional. Além disso, a administração da
EBSERH, em seus princípios gerenciais, não coaduna com o preconizado pelo
Projeto Ético-Político da profissão, indo de encontro a toda uma história de
lutas e conquistas do Serviço Social.
19
Capítulo 2 - Discutindo a realidade da Saúde Pública no Brasil: uma breve
panorama histórico
2.1. A saúde no Brasil: uma história de avanços e retrocessos
Antes de falarmos de possíveis avanços ou retrocessos da EBSERH,
precisamos explorar um pouco da história da saúde no Brasil, a qual por si só
está repleta de reviravoltas ao longo dos anos. Em toda sua trajetória, desde o
período da colonização até os dias atuais, o Brasil sempre enfrentou dilemas
quanto à saúde da sua população e dificuldades quanto a implementação de
políticas de saúde.
Esses altos e baixos que ocorreram ao longo da história influenciam
diretamente os dilemas atuais. Em determinados momentos da história, os
avanços e retrocessos se intercalam, confundem ou até mesmo coexistem.
Tomaremos a Era Vargas (1934 - 1945) como ponto de partida para podermos
analisar e tentar compreender o porquê a saúde no Brasil vivenciar contínuos
períodos de crise.
Uma das primeiras ações de Vargas ao chegar ao poder pela Revolução
de 1930 foi a de eliminar o poder político das oligarquias regionais através da
promoção de uma ampla reforma política e administrativa. Dessa maneira, ele
passou a governar por decretos até que em 1934 o Congresso Constituinte
aprovou uma nova Constituição. Apesar disso, Vargas ainda encontrava
dificuldades para governar o país, e foi assim que instituiu-se o Estado Novo;
Junto com ele, Vargas criou o Populismo. A ideia de que o Estado era
“mediador” e que sabia identificar aquilo que a sociedade precisava – como
20
também aquilo que não precisava – trazia a ideia de um Estado indispensável
ao cidadão. A estratégia, que a princípio parecia libertadora, mostrou-se cada
vez mais autoritária. (BERTOLLI FILHO, 2002)
Uma das manobras feitas por Vagas na área sanitária foi a de
compartilhar um Ministério com a Educação. A ideia principal dessa reforma
era a de garantir o controle dos serviços prestados pelo Estado. A medida
pareceu um avanço na área para as cidades mais periféricas onde havia pouca
ou nenhuma assistência; já para os estados mais ricos e desenvolvidos, a
medida mostrou-se centralizadora, limitadora e desnecessária. Tomemos por
exemplo a cidade de São Paulo. Naquela época, a cidade já tinha uma
faculdade de medicina e tinha outra para ser inaugurada em 1933; desde o
início da República as verbas foram destinadas para um sistema de saúde
pública descentralizado e voltado para as particularidades de cada região.
Segundo Bertolli Filho (2002):
[…] os centros de saúde atendiam e orientavam enfermos, além de funcionarem também como porta de entrada para internamento hospitalar. As reformas varguistas em São Paulo simplesmente decretaram o fim dessa experiência descentralizadora. Em lugar do atendimento ágil e voltado para a população, os interventores sanitários optaram pela organização centralizada dos serviços. Estes foram orientados para o tratamento de enfermidades específicas (…) sem contudo atender as necessidades impostas pelas demais moléstias que atingiam a região, como a tuberculose e as doenças da infância. (BERTOLLI, 2002)
Tais condições foram repassadas a todos os estados brasileiros. A partir
dessa reforma, as decisões sanitárias não eram mais feitas por médicos e sim
por políticos, os quais não entendiam absolutamente nada sobre saúde e
questões sanitárias; os médicos não concordavam com as mudanças mas as
críticas ao governo não eram bem vindas, pois eram consideradas “tendência
comunistas”.
Apesar das críticas e retrocessos causados na área da saúde, Vargas
ainda era tido como “o pai dos pobres” pois sua política voltou-se para a
população urbana, na época empregada no setor industrial e comercial. Para
manter a imagem de "protetor da população", ele precisou criar estratégias
para obter apoio social e político. Assim, Vargas ampliou o modelo adotado
21
pela Lei Elói Chaves2 para outras categorias profissionais, então denominadas
de caixas de aposentadoria e pensões e os institutos de previdência. Foi a
partir dessa mudança, aliada a adição de outros benefícios (salário mínimo,
licença remunerada, etc) que foi estabelecida a Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT) e começou a estruturação do setor previdenciário, o qual
cresceu no decorrer dos anos tornando-se umas das principais fontes de
assistência médica para a população trabalhadora.
Apesar da prática ineficaz, do serviço irregular e de pouca cobertura, a
expansão da Lei Elói Chaves para outras categorias profissionais significou um
avanço no campo da saúde em relação ao período anterior. Para muitos
autores, a Lei Elói Chaves foi o berço da Previdência Social no país. Mesmo
que muitos trabalhadores continuassem sem acesso aos serviços de saúde
que não pela filantropia, Vargas aumentava sua popularidade e ganhava ainda
mais apoio político.
Outra estratégia adotada na era Vargas foi a de educação em saúde.
Uma vez que ambas (educação e saúde) encontravam-se num mesmo
ministério, a ideia era a de mudar os hábitos da população em prol da
promoção de saúde e prevenção de doenças, principalmente as doenças
infectocontagiosas. No início das campanhas, a maior parte da propaganda
era feita por panfletagem, o que não atingia muita gente pois grande parte da
população (média de 52%)3 era analfabeta. Percebendo a ineficácia dos
panfletos, outras estratégias foram abordadas pelo Ministério da Saúde e
Educação, como mensagens higienistas através do rádio, panfletagem com
melhores ilustrações e formação de enfermeiras sanitárias (cuja função era a
de percorrer os bairros e ensinar as comunidades condições básicas de
higiene). Apesar da busca pela melhoria da divulgação dos conceitos de
higiene pessoal, muitos desses conselhos ainda eram baseados nos
conselhos usados pela República Velha. Enquanto a política de promoção à
2 Lei Elói Chaves: com o DECRETO Nº. 4.682, de 24 de janeiro de 1923 Cria, em cada
uma das empresas de estradas de ferro existentes no país, uma caixa de aposentadoria e pensões para os respectivos empregados. Fonte: http://www.jornalolince.com.br/2011/arquivos/focus-eloy-chaves-edicao040.pdf (acesso em 01/06/2017 às 00:23) 3 Fonte: http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas2/artigos/EleVoltou/Educacao
(acesso em 02/06/2017 às 10:30)
22
saúde avançava, o retrocesso existia na propagação da ideia de que a raça
era determinante quanto ao desenvolvimento de doenças. Segundo as
cartilhas, de inspiração fascista e nazista, a chegada do homem branco era de
grande importância pois "limparia" o sangue "impuro" dos habitantes locais:
negros e pardos. (BERTOLLI FILHO, 2002)
A saúde teve esse caráter racista até meados de 1942, quando Vargas
juntou-se aos Aliados na Segunda Guerra Mundial. Pressionado pelos Estados
Unidos, o setor sanitário brasileiro passou a adotar o estilo de vida do
americano como exemplo de saúde e não mais os alemães. Apesar das
mudanças, a propaganda feita era sempre atrelada a empresas norte
americanas que vendiam produtos como hambúrguer e iogurte, o que não
necessariamente era saudável ou até mesmo acessível para a população.
Em um dos capítulos de seu livro, Bertolli Filho chama o Brasil de "a
Sociedade dos homens doentes", pois apesar da expansão da cobertura
médico-hospitalar e das campanhas de educação sanitária, o Brasil
permanecia como um dos países com maior número de enfermos da América
Latina. Esse dado ficou mais evidente quando, em 1942, uma média de cem
mil homens foram examinados física e psicologicamente para fazerem parte da
Força Expedicionária Brasileira. Os resultados dos exames foram alarmantes:
Grande parte dos homens não estava apto para tal missão pois estavam com
a saúde comprometida. Tais dados foram divulgados pela mídia, o que gerou
críticas ao governo. Todas as críticas e protestos não surtiram efeito para
novas medidas quanto à saúde no país: não houve maiores investimentos e,
aqueles que se colocavam contra o governo, eram tidos como subversores e
inimigos do país.
O próximo capítulo da saúde no Brasil vem cheio de mudanças, tanto no
âmbito político quanto na área da saúde. O chamado período de
redemocratização é um pouco intrigante, uma vez que períodos anteriores de
democratização não foram exatamente democráticos. Independente de
nomenclatura, o Brasil vivia um período de maior abertura para a imprensa,
elaboração de uma constituição democrática, eleições diretas para os
principais cargos políticos além de criação de agremiações políticas e
23
sindicatos. Embora os subsequentes presidentes ainda acreditassem que a
ideia de "pai do povo" de Vargas fosse ideal para ganhar popularidade, a
população estava mais consciente da sua potencialidade quanto às exigências
para que o governo cumprisse suas promessas de melhores condições para o
povo.
Durante esse período, que vai de 1945 a 1964 (ano do golpe militar) o
Brasil teve diversos presidentes: Getúlio Vargas (que depois de 45 foi eleito
pelo povo por eleições diretas em 1951), José Linhares, Eurico Gaspar Dutra,
Café Filho, Carlos Luz, Nereu Ramos, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e
João Goulart. Cada um desses presidentes deu alguma contribuição para o
país no que se refere ao quadro de mudanças econômicas e sociais no Brasil.
Na área da saúde, apesar dos esforços do presidente Eurico Gaspar
Dutra, não houve mudanças significativas até o segundo governo de Vargas, já
em 1953. Nesse período, foi criado o Ministério da Saúde. Embora houvesse
um ministério destinado apenas para a saúde, o que em teoria deveria
melhorar a situação deste setor no país, os investimentos na área ainda eram
abaixo do necessário, reafirmando a ideia de que o avanço e o retrocesso
coexistiam num mesmo determinado período. A falta de verbas fomentava a
falta de material, falta de equipamento, falta de pessoal qualificado e, acima de
tudo, a ausência de políticas de saúde. Ao invés de criar alternativas de
melhorias, o Ministério da saúde não conseguia sair do ciclo de produção de
burocracia, o que aumentava os gastos para fornecer o pagamento a
funcionários e, consequentemente, diminuía a verba que deveria ser destinada
à projetos para a população, como saneamento ou melhorias estruturais na
rede de saúde. No interior, ações que pretendiam combater doenças como a
malária e a doença de Chagas foram feitas, mas os resultados não foram tão
significantes. (BERTOLLI FILHO, 2002)
Outro fator importante que ocorreu durante este período que prejudicou
o processo de melhorias da saúde no país foi o Clientelismo. De acordo com
Bertolli Filho (2002), "Os partidos ou líderes políticos trocavam ambulâncias,
leitos hospitalares, profissionais da saúde e vacinas - muitas vezes em
números bem superiores à demanda de uma região - por votos e apoio nas
24
épocas eleitorais." Como consequência, projetos de saneamento eram
interrompidos e a população era penalizada.
Um dos fatos mais chocantes que podemos destacar desse período é o
de que, independente do fato de estar nos anos 1950, a expectativa de vida do
brasileiro era extremamente baixa. Entre 1940 e 1960, a expectativa de vida
no País passou de 42,7 anos em 1940 para 52,4 em 1960. Em meados dos
anos 50, a expectativa de vida no sul era de 51 anos enquanto no nordeste
(especificamente em Recife) era de apenas 37 anos. No início do século, a
expectativa era de 28 anos, o que nos mostra que as melhorias na expectativa
de vida dos brasileiros em 50 anos foram muito pequenas. No campo, a
situação era ainda pior: a expectativa de vida do brasileiro nos anos 50 não
ultrapassavam os 30 anos. Para termos um parâmetro, em 1900 a expectativa
de vida do norte americano já era de 46 anos4.
Se pararmos para analisar o período em que o Brasil estava e a
expectativa de vida do cidadão brasileiro, podemos constatar que o país
continuava vivendo um caos na saúde - além de em outras áreas - nos anos
1950. Mudanças eram extremamente necessárias para que a situação fosse
revertida. Os atendimentos médicos nas áreas rurais eram administrados pelo
Ministério da Saúde, o qual já constatamos que não tinha muita autonomia ou
preparo para tal; os trabalhadores na área urbana tinham cobertura nas
clínicas e hospitais conveniados aos institutos de pensões e aposentadorias, o
que não garantia qualidade ou eficácia no atendimento. Independente dos
esforços feitos pelos sindicatos naquela época (como a ampliação do número
de trabalhadores e familiares atendidos e aumento de salários), a prestação de
serviços médico-hospitalares continuava precária além de cara: custava
praticamente metade do arrecadado no ano. (BERTOLLI FILHO, 2002)
Em meio ao caos, um setor viu na ineficiência da saúde pública uma
4http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/29092003estatisticasecxxht
ml.shtm acesso em 24/03/2017 às 09:00hs
https://www.elderweb.com/book/appendix/1900-2000-changes-life-expectancy-united-states/ (dados dos EUA) acesso em 24/03/2017 às 10:00hs
25
oportunidade de crescer: O setor privado da medicina. A proposta é bem
familiar nos dias atuais, mas ela já foi realidade há mais de 50 anos atrás. A
ideia era a transferência de investimentos do setor público de saúde para o
setor privado. Sim, a ideia era doar, emprestar (com baixa taxa de juros),
investir e fazer com que o setor privado trouxesse as tão sonhadas melhorias
para o setor da saúde. Para justificar a transferência de investimentos, o setor
privado de saúde venderia seus serviços à população, institutos de
aposentadoria como também para o próprio governo. Apesar da ideia parecer
não ter lógica - do ponto de vista da economia brasileira - ela foi adotada e os
resultados são semelhantes aos que temos hoje: O governo não recebeu o
prometido retorno do setor; apenas pacientes capazes de pagar pelas
consultas médicas tinham acesso ao atendimento; e a população continuava
sofrendo com um sistema precário e insuficiente. Além de não avançar, a
saúde tornou-se um grande polo de investimento político: à medida que o
governo transferia investimentos para o setor privado, grupos políticos se
beneficiavam com a transferência de verbas. Muitos políticos na época eram
sócios de clínicas e hospitais; as verbas que deveriam ser investidas na área
médica e hospitalar não chegavam ao seu destino final, ficando nas mãos de
deputados e raramente chegavam aos hospitais ou clínicas.
Percebendo a ineficiência do gerenciamento dos institutos e a crescente
quantidade de queixas dos trabalhadores, o Estado compreendeu que
precisava reorganizar a administração de tais serviços. Foi quando, em 1960,
o governo federal sancionou a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS).
Segundo Poliginano,
Em 1960 foi promulgada a lei 3.807, denominada Lei Orgânica da Previdência Social, que veio estabelecer a unificação do regime geral da previdência social, destinado a abranger todos os trabalhadores sujeitos ao regime da CLT, excluídos os trabalhadores rurais, os empregados domésticos e naturalmente os servidores públicos e de autarquias e que tivessem regimes próprios de previdência. Os trabalhadores rurais só viriam a ser incorporados ao sistema 3 anos mais 13 tarde, quando foi promulgada a lei 4.214 de 2/3/63 que instituiu o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL). A lei previa uma contribuição tríplice com a participação do empregado, empregador e a União. O governo federal nunca cumpriu a sua parte, o que evidentemente comprometeu seriamente a
26
estabilidade do sistema (POSSAS apud POLIGNANO, 1981).
Infelizmente, de nada adiantaria mudanças estruturais no âmbito da
saúde caso outros fatores não obtivessem mudanças drásticas. Já em 1950
era compreendido que saúde não se restringia apenas à cura ou ao tratamento
de doenças infectocontagiosas, ia além. Foi constatado que para garantir o
bem-estar da sociedade, era necessário ir além da cura ou tratamento de
doenças: era preciso também ter água tratada e um sistema de coleta de
esgoto. Independente de já existir, continuava insuficiente para a população, a
qual sofria com a mortalidade infantil na época (tão alta quanto em países
como El salvador e Índia). Os cuidados com as crianças eram naquela época,
como tantas outras coisas, uma valiosa moeda de troca para políticos e não
passava de mais um "ato de bondade" dos políticos. (BERTOLLI FILHO, 2002)
Além da mortalidade infantil e da falta de saneamento básico, a fome
assolava o país. Nestas condições, era impossível manter o cidadão apto ao
trabalho. A fome e a miséria viraram tópicos ligados à saúde, cabendo ao
governo garantir as condições básicas para a manutenção da saúde dos
trabalhadores. Dentre vários nomes, Bertolli Filho destaca Josué de Castro e
Francisco Julião. De acordo com o autor,
O médico pernambucano Josué de Castro foi um dos principais incentivadores dos debates sobre a fome, tema do qual se tornara especialista de renome internacional. Como deputado federal no período de 1955 a 1963, ele dizia que o Estado não devia simplesmente doar comida à população carente; Devia assegurar condições de trabalho e salário que permitissem a todo brasileiro garantir a própria alimentação e a da família. (...) As críticas ao governo ganharam maior intensidade a partir de 1955, com a criação no nordeste das Ligas Camponesas lideradas por Francisco Julião. Com o objetivo de lutar pela melhoria das condições de vida do povo, essa organização assumiu a bandeira contra a fome, a doença e a exploração imposta pelos latifundiários da região." (2002, p. 46- 47)
Apesar da potencialidade das Ligas camponesas, estas eram fortemente
combatidas por defenderem a reforma agrária e ideais comunistas. Neste
momento da história, podemos observar que tivemos a oportunidade de
27
crescer e de melhorar as condições de vida da população brasileira, mas as
preocupações políticas e individuais, mais uma vez, interrompem o progresso e
a possibilidade dessas melhorias. O então presidente João Goulart, encontrou
dificuldades entre atender as reivindicações da classe trabalhadora e as
exigências dos grupos latifundiários o que culminou no desmonte da
democracia.
De acordo com Alexsandro M. Medeiros, "Democracia é uma palavra de
origem grega que pode ser definida como governo (kratos) do povo (demo).
Dessa forma, a democracia pode ser entendida como um regime de governo
onde o povo (cidadão) é quem deve tomar as decisões políticas e de poder."
(fonte: http://www.portalconscienciapolitica.com.br/ciber-
democracia/democracia/ acesso em 26/04/2017 às 18:30hs)
Já Em seu texto, Cristiana Gomes (S/A) aprofunda e simplifica o pensamento
sobre a democracia:
É o governo do povo, para o povo, pelo povo. “Governo do povo” quer dizer governo com um sentido popular; “para o povo” significa que o objetivo é o bem do povo; “pelo povo” quer dizer realizado pelo próprio povo. Na democracia é o povo quem toma as decisões políticas importantes (direta ou indiretamente por meio de representantes eleitos). (Fonte: http://www.infoescola.com/sociologia/democracia/ acesso em 08/06/17 às 22:30hs)
Independentemente do tipo de democracia que vivia-se no Brasil até os
anos 1950, nenhuma delas chegava perto de atender as necessidades da
sociedade ou até mesmo os pressupostos do que é efetivamente uma
democracia. Diante disso, as lutas de classes se intensificaram. Como a
história brasileira é feita de avanços e retrocessos, em 1964 tivemos mais uma
arquétipo de que alternativas foram buscadas para a melhoria do país, mas
que essas alternativas nem sempre refletiam o que se denominava de
progresso da nação. Em seu texto, Bertolli Filho afirma que
Sob o pretexto de combater o avanço do comunismo e da corrupção e garantir a segurança nacional, os militares impuseram ao país um regime ditatorial e puniram todos os indivíduos e instituições que se mostraram contrários ao movimento autoproclamado de Revolução de 64. (BERTOLLI FILHO, 2002)
28
Uma das medidas adotadas pelo novo regime foi perseguir líderes
políticos, estudantis, religiosos, sindicais ou qualquer um que "comprometesse
a ordem e a segurança nacional". Em outras palavras, líderes que estivessem
dispostos a lutar por melhorias das condições de saúde e de vida da população
eram considerados agentes do comunismo internacional. Dentre esses
"agentes" podemos destacar Josué de Castro e Francisco Julião, os quais
tiveram seus direitos políticos cassados. Além de cassar direitos políticos, o
regime militar extinguiu os partidos políticos substituindo-os por apenas dois
partidos: a Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o Movimento Democrático
Brasileiro (MDB). Esta medida foi tomada pelo Ato Institucional n°2. Os Atos
institucionais foram normas elaboradas no período de 1964 a 1969, durante o
regime militar; uma manobra para mudar as leis existentes de modo que as
novas "normas" beneficiassem as propostas e ideias do regime militar. Outra
mudança significativa foi a centralização do poder e o domínio da burocracia
governamental pelos tecnocratas. (BERTOLLI FILHO, 2002; FERREIRA JR e
BITAR, 2008)
Tecnocracia, Segundo Camila Betoni (S/A), seria "um sistema social em
que o poder político e a gestão da sociedade, em seus diversos aspectos,
encontra-se na mão de especialistas, técnicos e cientistas." A ideia parece boa,
porém a execução não necessariamente acompanha o raciocínio da proposta.
Apesar de tecnocratas transparecerem conhecimento em uma área, a análise
deles era restritamente baseada em critérios técnicos e econômicos, deixando
de lado aspectos sociais e políticos. A partir do momento que tais critérios se
sobrepuseram às necessidades da população, houve uma ruptura daquilo que
já tinha sido feito pela sociedade e para a sociedade.
(Fonte: http://www.infoescola.com/politica/tecnocracia/ acesso em 02/06/2017
às 19:30hs)
É preciso ter bastante cautela com tudo o que aconteceu e toda a
informação que foi passada durante essa época no país, pois um dos Atos
Institucionais limitava o acesso à informação e mesmo a liberdade de
expressão. Além disso, nem tudo o que era transmitido pelo regime militar
refletia a realidade vivida no país. Apesar do período ter sido marcado pelo
29
milagre econômico5, esse termo não necessariamente significa que a situação
financeira do trabalhador melhorou ou que a vida do brasileiro prosperou.
De fato houveram mudanças no quadro econômico no país, como o
aumento da taxa do Produto Interno Bruto (PIB). O aumento dessa taxa não
necessariamente refletiu no crescimento econômico de todas as classes, mas
sim no investimento - além de empréstimos - estrangeiro na modernização e
desenvolvimento do capitalismo no país. Aliado a essa injeção de dinheiro e
modernização do país, houve também uma inibição às conquistas salariais
obtidas em anos anteriores. Ou seja, o poder de compra do brasileiro caíra com
o passar dos anos enquanto grandes empresários (fossem eles brasileiros ou
investidores internacionais) acumulavam riquezas durante o regime militar.
Com o objetivo de garantir aprovação pública, o regime militar apropriou-
se de conquistas que em nada se relacionavam com a forma de governo, mas
que, de certa forma, agradavam a opinião geral do país. A conquista do Tri
campeonato mundial de futebol (1970) e o primeiro transplante de coração são
exemplos de sucessos no país durante o regime militar que foram apropriados
pela ditadura.
Uma das mudanças mais trágicas feitas pelo regime foi a redução de
verbas destinada à saúde pública. Como vimos anteriormente, as verbas para
o Ministério da Saúde já não eram suficientes; com o regime militar, elas
ficaram ainda mais enxutas, limitando ainda mais a atuação do Ministério. Para
termos uma ideia melhor, a participação do Ministério da saúde no orçamento
da união chegou a míseros 1,11% em 1970. (BERTOLLI FILHO, 2002)
Dessa maneira, o ministério da Saúde limitou-se à elaboração de
projetos e programas e campanhas de vacinação. Outros Ministérios (como o
de Agricultura e Educação, por exemplo) dividiram as responsabilidades quanto
às tarefas de caráter sanitário, como distribuição de água tratada e coleta de
5 O período 1968-1973 é conhecido como "milagre" econômico brasileiro, em função
das extraordinárias taxas de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) então verificadas, de 11,1% ao ano (a.a.). Uma característica notável do "milagre" é que o rápido crescimento veio acompanhado de inflação declinante e relativamente baixa para os padrões brasileiros, além de superávits no balanço de pagamentos. (Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71402008000200006 acesso em 15/06/2017 às 23:30hs)
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esgotos, fundamentais para a manutenção da saúde. A nova linha de atuação
do Ministério, considerando a saúde como caráter individual e não mais
coletivo, fez com que grande parte da verba fosse destinada ao pagamento de
serviços prestados por hospitais particulares para tratamento de doentes
pobres - aqueles que não tinham como contribuir para a previdência.
Claramente tal medida não trouxe nenhum benefício ao sistema de saúde do
país, pois doenças como dengue e malária tornavam-se, mais uma vez,
epidêmicas no país além dos gastos crescerem com os hospitais particulares.
Apesar das epidemias, a população brasileira não tinha muito acesso às
informações sobre a real situação do país, pois os militares conseguiam manter
tais dados em sigilo na tentativa de "conter pânico desnecessário" da
população. Foi somente em 1974 com um surto de meningite se alastrando
pelo país que o governo militar admitiu a epidemia, embora até então não
saibamos o número exato de casos ou óbitos causados pela meningite. Apesar
da omissão dos dados reais quanto aos casos de meningite, o governo federal
destinou verbas para campanhas de vacinação contra a meningite. (Fonte:
https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/pedagogia/regime-militar-
historico-da-saude-publica/34823 acesso em 15/06/2017 às 23:50hs)
A bandeira do regime autoritário era a de ser agente regulador capaz de
controlar toda e qualquer esfera do Estado. Para tal, o regime militar usou da
fragilidade das antigas caixas de aposentadoria e pensões e criou o Instituto
Nacional de Previdência Social (INPS) em 1966, unificando todos os órgãos
anteriores. O INPS era subordinado ao Ministério do Trabalho (posteriormente
vinculado ao Ministério da Previdência e Assistência Social) e administrado por
técnicos e políticos vinculados ao regime. Segundo Bertolli Filho (2002), “O
INPS deveria tratar dos doentes individualmente, enquanto o Ministério da
Saúde deveria, pelo menos em teoria, elaborar e executar programas sanitários
e assistir a população durante as epidemias.” (BERTOLLI FILHO, 2002. p. 54-
55)
Outro marco do governo militar foi o investimento e apoio às atividades
privadas. Ao contrário do que já vimos, O Estado passaria a complementar os
serviços prestados pela medicina privada. Ou seja, o setor privado tornou-se
31
responsável pelo atendimento médico dos trabalhadores e familiares no Brasil
e não mais seria uma complementação do serviço do Estado. Neste momento
da história, os papéis de Estado e setor privado se inverteram quanto às
responsabilidades para com à população.
Não precisamos nos aprofundar nas leituras para saber qual a
consequência de tal investimento no setor privado. O mesmo que acontece nos
dias atuais, aconteceu 50 anos atrás: fraudes e atrasos. De um lado, o
Governo atrasava e (ou) diminuía o repasse das verbas do INPS para as
entidades conveniadas; do outro lado, hospitais e clínicas faziam todas as
manobras possíveis para tirar o máximo de dinheiro do Estado. Entre tais
manobras podemos incluir “Guias de internação falsificadas, cirurgias
desnecessárias e a prática de cesariana em vez de parto normal.” Os serviços
médico-hospitalares iam degradando-se com tais práticas, tornando-se caras
demais aos cofres públicos e para os trabalhadores. (BERTOLLI FILHO, 2002,
p. 55)
Como o valor pago pelas empresas, aparentemente, era muito alto,
surgiram na década de 1970 contratos entre grupos médicos e empresas
(Medicina de Grupo) no intuito de oferecer melhor atendimento aos
trabalhadores e, em troca, os empresários deixavam de pagar suas cotas
previdenciárias ao governo. Além disso, as empresas ainda recebiam subsídio
do próprio governo para tal prática. De acordo com Escorel,
Outra modalidade sustentada pela previdência social foi a dos convênios com empresas, a medicina de grupo. Nesses convênios, a empresa assumia a assistência médica aos seus empregados e deixava de contribuir ao INPS. Os serviços eram prestados por empresa médica (medicina de grupo) contratada, que recebia um valor fixo por trabalhador, a cada mês. Dessa forma, quanto menos atendesse, maior seria o seu lucro. Entretanto, os casos mais complexos ou que exigissem mais tempo de internação continuavam a ser atendidos pela previdência social. Com os baixos orçamentos que recebia o MS (menos de 2% do PIB), a saúde pública tornou‐ se uma máquina ineficiente e conservadora, cuja atuação restringia‐ se a campanhas de baixa eficácia. (ESCOREL, 2008)
Entre outras palavras, o setor privado arranjou meios para diminuir seus
32
custos aumentando os custos do Estado. Se colocarmos tudo em uma
calculadora, fica claro que o valor saindo dos cofres do governo eram bem
maiores do que o valor que entrava; além disso, o retorno dessa saída absurda
de verba era mínimo, enquanto os lucros do setor médico privado só
aumentavam. Não demorou muito para perceber que o INPS tornara-se um
sistema frágil e incapaz de atender as demandas nacionais de gerenciamento
do sistema previdenciário.
Foi quando, em 1974, com a criação do Ministério da Previdência e
Assistência Social (MPAS) o INPS ganhou um sopro de vida pois livraria-se
das imposições do Ministério do Trabalho. Outras estratégias voltadas para as
melhorias do sistema - além da tentativa de diminuir as críticas ao governo em
regime - surgiram o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural
(FUNRURAL) e o Plano de Pronta Ação (PPA6). Além disso, foi criado o
Sistema Nacional de Saúde pela Lei Nº 6. 229 de 17 de julho de 1975
(posteriormente revogada pela Lei 8.080) com a finalidade de superar todas as
deficiências do setor, como barateamento de custos, aumento de eficácia nas
ações de saúde em todo o país.
Outro fator crucial para a saúde no período do regime militar foi a
introdução de capital estrangeiro com as companhias de seguro-saúde. Toda a
contextualização e propaganda de “milagre econômico” influenciou a classe
média a “investir” em tais seguros para usufruir de uma melhor estrutura e
atendimento médico hospitalar. Grupos nacionais lucravam com a venda de
planos de saúde assim como os grupos internacionais também conseguiram
lucrar bastante com a entrada no país.
Não só empresas que vendiam seguro de saúde lucravam no país. As
empresas farmacêuticas internacionais também buscavam investir e lucrar no
Brasil. Empresas nacionais eram vendidas para grupos internacionais que
passaram a controlar o mercado farmacêutico no Brasil. Apesar da existência
da Central de Medicamentos, CEME (que tinha como objetivo produzir,
contratar e distribuir remédios para à população de baixa renda) o governo viu-
6o PPA pretendia acelerar o atendimento médico emergenciais, ficando o Ministério da
Previdência e Assistência Social encarregados pelo pagamento dos hospitais, independente de serem conveniados ou não.
33
se impossibilitado de competir com as grandes empresas farmacêuticas. Havia
também um alarmante número de medicamentos considerados supérfluos
vendidos no país, e apesar dos esforços do governo em controlar as vendas de
tais medicamentos, às empresas continuavam a venda destes medicamentos.
Mais uma vez, o sistema privado toma conta daquilo que deveria ser controlado
pelo Estado, mostrando a ineficácia do controle do Estado.
A saúde ainda não estava nem perto do que deveria ser. Apesar de
alguns avanços (diminuição do índice de mortalidade geral e o aumento da
expectativa de vida - 63 anos), o Brasil continuava como um dos países mais
enfermos da América Latina neste período. O mais triste é que, nos anos
seguintes, à situação da saúde do país torna-se cada vez pior e repetimos os
mesmo erros do passado.
2.2 O Movimento de Reforma de Sanitária: avanços, retrocessos e
repercussões
A crise no país não limitava-se à crise na saúde. A crise econômica que
assolava o país no fim da década de 1970 era entendida como um resultado do
término do regime militar. Porém, devemos ser cautelosos e não podemos
esquecer que a crise que assolou o país nada mais foi do que uma
consequência do governo militar. Todas as medidas tomadas pelo regime
militar para impulsionar o “milagre econômico” durante a ditadura resultaram na
desastrosa crise econômica.
Apesar da volta da liberdade política, sindical e da imprensa ter se
livrado da censura, o país estava assolado numa eterna política econômica
recessiva. Segundo Bertolli, a taxa anual de inflação chegou aos 2.000% em
1993. Uma das medidas da época para amenizar a crise foi a limitação de
investimentos, redução de salários (os quais se igualaram aos salários da
década de 40) e diminuição de verbas para setores sociais. Claro que a saúde
foi afetada por causa da crise econômica. (BERTOLLI FILHO, 2002)
Para termos uma ideia do que a crise dos anos de 1980 causou na
saúde, podemos destacar surtos de cólera e dengue, doenças epidêmicas
entre os anos 1930 e 1940, ou seja, 40 anos antes do período em questão.
34
Podemos comentar também sobre os altos índices de tuberculose, tracoma,
doença de Chagas e doenças mentais, revelando a fragilidade da saúde. Uma
das justificativas da ineficiência dos serviços era a ausência de planejamento e
a descontinuidade de programas desenvolvidos pelo Ministério da Saúde além
da crônica falta de investimentos. Alguns projetos como o Prev-saúde, Conasp
e AIS buscavam “reorganizar de forma racional as atividades de proteção e
tratamento da saúde individual e coletiva, evitar as fraudes e lutar contra o
monopólio das empresas particulares de saúde.” (BERTOLLI FILHO, 2002.
pág. 61)
Independente dos esforços de tais programas, eles esbarravam nos
interesses dos empresários de saúde. Afinal, quando uma população está
saudável ela não precisa comprar remédios; consequentemente, essa mesma
população não traz lucros para as empresas farmacêuticas. Estas, por sua vez,
criaram lobbies7 para atuar no Congresso Nacional e nas Assembléias
Legislativas para defender os interesses da iniciativa privada.
Quando colocamos tudo em uma balança, nós temos uma elite
extremamente rica buscando ampliar seus benefícios; uma população sem
recursos e sem estrutura mas que, ainda assim, busca por melhorias nas
condições de saúde; e um Governo que se diz solidário aos interesses de
ambos. Porém, a política (assim como os políticos) não conseguem se
beneficiar dos movimentos populares, mas conseguem grandes lucros ao
atender os interesses da iniciativa privada.
Dessa maneira, as propostas do Governo para a reorganização do
sistema de saúde são tão frágeis quanto à própria saúde da população
brasileira em si, uma vez que o presidente da época (José Sarney) e as
lideranças partidárias, segundo Bertolli “reforçaram a presença das empresas
de saúde como elemento mais importante da prestação de assistência
médica(...)” (BERTOLLI FILHO, 2002. pág. 62)
Depois da abertura política, movimentos populares ganharam força e
7 grupo se caracteriza como uma atividade de exercer pressão sobre algum poder da
esfera política para influenciar na tomada de decisões do poder público em prol de alguma causa ou apoio. (fonte: http://www.politize.com.br/lobby-politico-o-que-e/ acesso em 16/06/2017 às 2:40hs)
35
apoio, sendo então assessorados por padres e médicos sanitários (eram
chamados de Conselhos Populares de Saúde). Não apenas a população mais
leiga uniu-se para reivindicar seus direitos, mas a classe média também voltou-
se contra o governo para demonstrar seu descontentamento com as condições
de trabalho que lhe eram impostas. Todo aquele investimentos em faculdades
particulares de medicina aumentou -e muito- o número de médicos em todo
país. Com a grande oferta, os valores salariais dos médicos baixaram, assim
como o repasse das empresas de seguro de saúde.
Talvez pela primeira vez na história do país, diferentes classes sociais
uniram-se em prol de um objetivo em comum: a luta por melhorias na saúde da
população assim como melhores condições de trabalho para os profissionais
da área. Enquanto as lutas sociais divergiam, as classes não adquiriam força
suficiente para enfrentar nem o Estado nem a iniciativa privada. O mercado
continuava ganhado espaço e o Estado abstinha-se de sua responsabilidade.
Porém, neste momento da história do país, à constante do mercado crescente
e do Estado ausente estava prestes a mudar. Naquele momento, o Movimento
Sanitarista estava prestes a surgir e mudar o rumo da saúde do país.
É importante salientar que o Movimento Sanitarista não foi formado da
noite para o dia, mas é uma construção histórica de idealizações e constante
busca de soluções para os dilemas da política de saúde nacional. As
mudanças políticas alteraram o cenário de lutas sociais no país mas isso não
significa dizer que as reivindicações foram esquecidas. Talvez, tenha ficado em
um estado “latente”, esperando o momento certo para se manifestar, mas
jamais ficou no esquecimento. De acordo com Paiva e Teixeira,
As narrativas em torno da reforma sanitária brasileira localizam, como regra, a origem do movimento no contexto da segunda metade dos anos 1970, período que coincide com a criação do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), em 1976; e, três anos depois, a criação da Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva (Abrasco) (Escorel, 1999; Rodriguez Neto, 1997; Paim, 2008). No entanto, o processo de formação de atores e instituições identificados com mudanças radicais no sistema de saúde então vigente também relaciona-se com um conjunto de aspectos que vão do desenvolvimento dos cursos de medicina preventiva a partir da década de 1950 ao fortalecimento de uma visão contrária ao regime
36
autoritário que via, na sua derrocada, a única forma de construção de um sistema de saúde eficiente e democrático. (PAIVA E TEIXEIRA, 2014, p. 21)
Em 1979, ocorreu o primeiro Simpósio de Política Nacional de Saúde,
evento que reuniu várias lideranças do movimento para discutir suas principais
reivindicações. Também de acordo com Paiva e Teixeira,
O documento aprovado no primeiro Simpósio de Política Nacional de Saúde estabelecia princípios centrais que seriam adotados pela reforma sanitária, como o direito universal à saúde; o caráter intersetorial dos determinantes da saúde; o papel regulador do Estado em relação ao mercado de saúde; a descentralização, regionalização e hierarquização do sistema; a participação popular; o controle democrático e, fundamentalmente, a necessidade de integração entre saúde previdenciária e saúde pública (Cebes, 1980). (PAIVA E TEIXEIRA, 2014, p. 21)
Quando pensamos nas frases “saúde é direito do cidadão e dever do Estado”
ou “direito universal à saúde” não podemos imaginar o impacto que estas
mesmas frases tiveram ao serem apresentadas no primeiro Simpósio de
Política Nacional de Saúde (SPNS), uma vez que buscavam quebrar toda uma
construção capitalista, voltada para a responsabilização da iniciativa privada
quanto à saúde da população, onde o Estado era mínimo, desviando-se do
seu papel de provedor de saúde e bem-estar da população. A saúde, até então
tratada como um “problema individual” com algumas poucas intervenções
coletivas, passava por um processo de construção de identidade para chegar
na concepção de saúde coletiva.
Em seu texto, Paiva e Teixeira afirmam que
No lugar de uma perspectiva autoritária, a Abrasco e o Cebes defenderam participação social; no lugar de políticas de controle das doenças, notadamente transmissíveis, a promoção da saúde e melhoria da qualidade geral de vida; no lugar de um setor dividido entre saúde pública e medicina previdenciária, um sistema unificado e universal. (PAIVA E TEIXEIRA, 2014, p. 22)
A partir desse momento na história do país, a comunidade poderia participar da
administração das unidades locais assim como os serviços de saúde deveriam
estar integrados, tanto da rede pública como da rede particular à partir de uma
rede hierarquizada e regionalizada. Assim, surgiu o Sistema Unificado e
Descentralizado de Saúde (Suds), com a responsabilidade de fazer tudo isso
37
acontecer. Dessa maneira, o papel auxiliar no funcionamento da saúde pública
tornava-se papel da iniciativa privada. Depois de muita luta, o Estado
finalmente começava a assumir sua responsabilidade para com a sociedade.
Claro que esta transição gerou desconforto, tanto da iniciativa privada, que se
negava a fazer parte do novo sistema unificado; assim como alguns políticos,
que viam à unificação como uma barreira para a corrupção. Mas as mudanças,
juntamente com a força popular, tornavam-se cada vez mais próximas e mais
tangíveis.
O país passava por um momento de transição de políticas públicas no
país e precisava, gradualmente, se adaptar à nova realidade que estava sendo
proposta. O governo precisava criar estratégias para que as propostas fossem
atendidas. O Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
(INAMPS), autarquia federal, foi criado em 1977 como uma política pública
responsável pela assistência médica aos trabalhadores que contribuíam com a
previdência social. (Fonte: http://www.epsjv.fiocruz.br/instituto-nacional-de-
assistencia-medica-da-previdencia-social-inamps acesso em 08/06/2017 às
1:15hs)
Outro marco na saúde do país foi à 8ª Conferência Nacional de Saúde
(CNS) e por vários motivos. A 8ª CNS foi a primeira da história a contar com
participação popular, além de símbolo na luta pela universalização da saúde no
país. Legitimou-se a ideia de Reforma Sanitária e foi ampliado o conceito de
saúde, que deixava de ser à ausência de doença apenas mas tornava-se
qualidade de vida. Saúde passava a ser um conjunto de fatores para a
manutenção do bem-estar do indivíduo, baseada na promoção, proteção e
recuperação da saúde. Além disso, a 8ª CNS aprovou a criação do Sistema
Único de Saúde8 (SUS), sistema pelo qual - pelo menos em tese - serviços de
saúde seriam promovidos apenas pelo Estado, rompendo de vez com a
iniciativa privada.
8 Apesar de ter a aprovação na 8ª Conferência Nacional de Saúde, o SUS “foi criado
pela Constituição Federal de 1988 e regulamentando pelas Leis nº 8080/90 (Lei Orgânica da Saúde) e nº 8142/90, com a finalidade de alterar a situação de desigualdade na assistência à saúde da população, tornando obrigatório o atendimento público a qualquer cidadão, sendo proibidas cobranças de dinheiro sob qualquer pretexto.” (Fonte: http://www.ebah.com.br/content/ABAAAAjX4AA/sistema-unico-saude acesso em 08/06/2017 às 2:00hs)
38
Depois de tantas reviravoltas na política, economia e saúde do país, a
constituição de 1988 trouxe ares de esperança por dias melhores e a sensação
de que o país estava trilhando o caminho da justiça social e responsabilidade
política. Foi um dos maiores avanços que tivemos em diferentes áreas no país
desde a Era Vargas.
Quando falamos em saúde, a 8ª Conferência Nacional de saúde foi um
marco não apenas pelas propostas que trouxe, mas também no exercício da
própria democracia em si, pois foi a primeira Conferência a ter vários atores
sociais participando, incluindo a sociedade civil. Segundo LUZ (2000: 302) “a
intensa movimentação da sociedade civil teve um papel muito importante para
a aceitação, na política oficial, das propostas da VIII Conferência Nacional de
Saúde, em grande parte consubstanciadas no SUS”.
(Fonte:
http://www.epsjv.fiocruz.br/pdtsp/nav.php?s_livro_id=6&capitulo_id=14&autor_i
d=&sub_capitulo_id=127&arquivo=ver_pop_up acesso em 09/06/2017 às 22hs)
Porém, como estamos tratando de avanços e retrocessos, a
implementação do SUS assim como a nova constituição não trouxeram
melhorias instantâneas ao país. Na realidade, a criação do SUS abriu portas
trouxe uma nova oportunidade de reproduzir algo que já existiu no passado do
país: a privatização da saúde.
39
Capítulo 3 - Privatização da saúde pública: o estado gerencial no Brasil
3.1 Contrarreforma9 do Estado Brasileiro: algumas reflexões
Conforme apontamos no capítulo anterior, já a partir dos anos de 1990,
instaura-se na realidade brasileira um conjunto de medidas de cunho neoliberal
que trazem modificações para os formatos de gestão das políticas públicas.
Nessa direção, se delineia um novo modelo estrutural da saúde no país que
necessitava de novos padrões de controle.
Traçando um retrospecto histórico, até os anos de 1970 a população
era dividida em três grupos de usuários: os que usavam a rede particular, os
que usavam a rede pública pois eram segurados pela previdência social e os
que não possuíam nenhum acesso aos serviços de saúde, os quais tinham que
buscar às redes filantrópicas para conseguir alguma assistência. No período
anterior ao SUS, o setor privado buscava ganhar mais espaço no controle do
setor público enquanto o Estado restringia-se de suas responsabilidades.
9 Adotaremos o termo contrarreforma às mudanças Neoliberais e privatistas do Estado
brasileiro, por acreditarmos que tais mudanças repercutiram em grande retrocesso social. Partindo das reflexões de Behring, a Reforma do Estado traz “processos regressivos” jamais podendo ser caracterizado como um reflexo do progresso. Contudo, quando falamos em Reforma ao longo deste trabalho, estamos nos referindo aos documentos oficiais do Estado mantendo a denominação utilizada por esses e não reproduzindo a ideia de que tais mudanças trouxeram benefícios e avanços para o país.
40
Com o advento do SUS instala-se a promessa de que todos,
igualitariamente, teriam acesso à rede pública de saúde e que a saúde seria
direito do povo e dever do Estado. Porém, toda a conjuntura política,
econômica e até mesmo geográfica (dada as diferenças regionais no país)
contribuíram para que o SUS caminhasse a passos curtos e lentos, fazendo
com que o sonho de um Estado democrático de direito fosse efetivamente
capaz de construir e gerir o SUS sucumbisse aos interesses econômicos de
alguns grupos de interesse privado.
Desde a 8ª CNS até a regulamentação do SUS, o país passou por uma
série de mudanças no cenário econômico e político que resultaram no
enfraquecimento do novo sistema de saúde. Este enfraquecimento da saúde se
dava pelo fato do Estado ter adotado uma política que reduzia a sua ação para
com a sociedade e, em contrapartida, uma política que aumentava a
responsabilidade da iniciativa privada. Em outras palavras, houve um
desmembramento do Estado. A “Reforma do Estado”,10 segundo Paiva e
Teixeira, foi “um momento em que a concepção de Estado mínimo, ditada pelo
neoliberalismo em ascensão na Europa e nos EUA, propunha restringir a ação
do Estado na regulação da vida social.” (2014, p. 12)
A política de Bem-Estar Social já mostrava sua decadência no país
desde meados da década de 1970, quando havia uma grande disparidade na
produção e distribuição de riquezas e ineficiência administrativa do Estado
(SILVA, 2004, p. 140) Vivíamos então, uma ampliação do Welfare Mix11
juntamente a expansão da política neoliberal, o que diminuía cada vez mais a
intervenção estatal e transferia, gradativamente, a responsabilidade do Estado.
10 Para maiores informações sobre a Reforma do Estado, acessar
http://www.bresserpereira.org.br/documents/mare/planodiretor/planodiretor.pdf Acesso em 15/06/2017 às 09:45hs 11 Este novo esquema de atendimento às demandas sociais parte do pressuposto da
divisão de responsabilidades entre Estado, Terceiro Setor e mercado, onde a ação se dá de forma compartilhada entre as três esferas. O Estado não mais se coloca como principal responsável pela proteção social, havendo a distribuição entre os setores não-governamentais com sustentáculo na idéia de solidariedade social. O Welfare Mix (...) reafirma o desmantelamento da cidadania, da democracia e da defesa dos interesses coletivos da sociedade conquistados no âmbito da luta de classes, e retraindo as possibilidades de construção do espaço público. (Fonte: http://anais.sepex.ufsc.br/anais_4/trabalhos/1092.html acesso em 15/06/2017 às 06:30hs)
41
Em outras palavras, a gestão social estava cada vez mais alheia ao Estado.
A Reforma do Estado sugeriu fugir de tudo aquilo que foi pregado na
Constituição de 1988. No próprio texto da Reforma, um dos capítulos fala sobre
o “Retrocesso de 1988”, quando na verdade a Constituição de 1988 foi vista
como uma marco na evolução da democracia no país. O deslocamento da
gerência social do Estado para o privado buscou parcerias para a
administração. Segundo Silva,
Sob a preocupação de estabelecer um marco legal e regulador - compatível com o Plano de Reforma do Estado - das ações entre Estado e organizações da sociedade civil prestadoras de serviços sociais, foram promulgadas, em 1998 e 1999, leis voltadas para três modalidades de organizações: Organizações Sociais, Organizações filantrópicas e Organizações da Sociedade Civil de Interesse público (OSCIP), o chamado terceiro setor.” (SILVA, 2004, p. 141)
É importante destacar que toda e qualquer ação do mercado, mesmo
que com caráter de responsabilidade social, continua tendo como objetivo
favorecer o capital. Assim sendo, fica praticamente impossível imaginar que a
divisão administrativa de políticas sociais pudesse trazer algum benefício para
a sociedade.
Nesse sentido, a responsabilização da sociedade civil não
necessariamente traria melhorias para a população em si. Logo, aquilo que a
Reforma do Estado defendia, nada mais era do que um novo capítulo de
retrocessos vividos pelo nosso país. A saúde, área da política social que
buscamos destacar neste trabalho, sofreu mais uma vez com as novas
parcerias firmadas pelo Estado com o intuito de “otimizar” os serviços da área.
Mais uma vez na história do país, podemos perceber o setor privado
sendo favorecido a partir da redução da intervenção estatal, uma vez que lhe
era proporcionado poder suficiente para determinar estratégias de ações; a
diferença é que de acordo com a Reforma do Estado, a iniciativa privada
estaria agindo dentro e de acordo com a lei por melhorias em prol da
sociedade. O Estado tornara-se, mais uma vez, mínimo para os pobres à
medida que deixava o mercado crescer. Um outro marco da Reforma foi a
abertura à privatização, um verdadeiro desmonte da nação.
42
Não restavam dúvidas de que era necessária uma Reforma no Estado
uma vez que a nova Constituição precisava de um novo modelo administrativo.
Porém, a Reforma apresentada não foi, de longe, aquilo que a nação
precisava. Segundo Silva,
(...) a reforma do Estado é necessária e urgente, no sentido de convertê-lo em moderno, ágil, e transparente instrumento de justiça social. Outra coisa é um projeto de reforma pelo qual se desmonta à nação, entregando o patrimônio público à “compradores” privados, desobrigando o poder público quanto às políticas sociais e submetendo os serviços sociais - competitivos e não exclusivos do Estado, assim concebidos - à lógica mercantil. (Silva, 2004, p. 168)
Já Paiva e Teixeira trazem um esboço daquilo que o SUS enfrentaria à
partir das mudanças trazidas com a Reforma do Estado no seguinte trecho:
(...)reforçando as tendências de adoção de políticas de abertura da economia e de ajuste estrutural, com ênfase, a partir de 1994, na estabilização da moeda; privatização de empresas estatais; adoção de reformas institucionais fortemente orientadas para a redução do tamanho e das capacidades do Estado. O SUS encontraria, nesse contexto, seu estrutural cenário de crise. (Paiva; Teixeira, 2014, p. 12)
Esse Estado gerencial, fundamentado na participação de mais esferas
na administração do país através de parcerias, inclusive com a participação de
organizações da sociedade civil, traveste-se numa falácia de envolver esses
agentes no desenvolvimento das políticas públicas. Porém, a grande maioria
dos parceiros (com real poder de mudança e influência nesse novo sistema)
era de cunho privado.
Caracterizada como uma democratização da administração pública, a
Reforma do Estado trouxe a ideia de que o indivíduo tornara-se responsável
por ele mesmo, esquivando o Estado de sua responsabilidade social, no qual a
única democracia está entre as camadas mais altas da sociedade, não
atingindo toda a nação. As parcerias firmadas nesta época (Organizações
sociais, OSCIPs, terceiro setor) deram abertura para novas formas
administrativas voltadas a diferentes áreas além de saúde e proteção social
como parte de um plano estratégico de privatização do SUS. Foi nesta
conjuntura que, em dezembro de 2011, foi criada a Ebserh, de acordo com o
projeto de Lei Nº 12.550. (Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
43
2014/2011/Lei/L12550.htmacesso em 15/06/2017 às 10:30hs)
Ficou evidente que todo esse processo acima citado constitui-se na
verdade em um conjunto de contrarreformas que expressam mais uma vitória
do capital sobre a classe trabalhadora. O constante desmonte de políticas
públicas conquistadas através de muitas batalhas é justificado pela busca
incessável do mercado pelo acúmulo de lucro. Sob o respaldo do Estado, o
mercado tornou-se capaz, mais uma vez, de controlar áreas das políticas
públicas que jamais deveriam sair do poder do Estado, pois o principal objetivo
das políticas deveria ser a manutenção da democracia e dos direitos e não a
lucratividade e crescimento de empresas particulares. A liberdade do mercado
ultrapassava (e ainda ultrapassa) o limite de atuação que, segundo Behring e
Boschetti (2009) deveria existir: “o papel do Estado (...) resume-se a fornecer à
base legal com à qual o mercado pode melhor maximizar os “benefícios do
homem.” (BEHRING & BOSCHETTI, 2009, p. 56)
Ao analisarmos a Contra-Reforma assim como a história política e
econômica do país, percebemos que o aparelho estatal parece estar sempre
trabalhando (ou se isentando de seu dever) com o objetivo de garantir os
interesses do mercado. Ao invés de trazer os sugeridos benefícios à população
com a “Reforma do Estado”, as mudanças trouxeram apenas a perda de
direitos, a focalização e seletivização de serviços. Conforme Nogueira (1998)
[...] A orientação mais geral, porém, continua tingida pelas cores do neoliberalismo: descentralizar a gestão, transferir atribuições para a sociedade e para o terceiro setor, reduzir o déficit público. Fala-se pouco, por exemplo, sobre o padrão de regulação e coordenação estatal que acompanhará a reforma do Estado. A reconstrução do Estado tem sido sobretudo desconstrução, fazendo com que perspectivas indicadas pelo governo fiquem suspensas no ar e atravessadas por uma certa ambigüidade. (Nogueira, 1998, p. 174)
De acordo com Machado (2014) quando falamos em desestatização e
privatização “Não há uniformidade no que concerne ao conceito e à utilização
destas expressões.” Porém, o autor tece uma série de ações que podem ser
caracterizadas como produtos da privatização:
Transferência acionária de entidades da administração indireta a particulares, concessão de serviços públicos,
44
concessão de uso de bem público, doações, celebração de termos de parceria, contratos de gestão ou convênios com entidades não-estatais, tudo isso é visto como privatização, sempre prejudicial ao interesse público, por conta do nefasto imiscuimento entre esferas que deveriam permanecer sempre separadas. (Machado, 2014, p. 10)
Logo, é notável a ineficácia do sistema de privatizações para o Estado e
para a população, uma vez que os serviços públicos passam a ser controlados
por grupos cujo principal objetivo não é a prestação de serviços de qualidade
tampouco a equidade nos serviços, mas apenas sua própria lucratividade.
3.2 A EBSERH - realidade no Brasil e particularidade do HUAB: uma
análise crítica
A privatização da saúde sempre foi um desafio enfrentado por todos
aqueles que lutam pela consolidação do acesso à saúde, pela garantia dos
direitos dos usuários como também dos profissionais da área. Durante o
processo de mudanças políticas e econômicas correntes no país nos últimos
10 anos, a inserção da EBSERH na administração de hospitais universitários
causou grandes transformações nas relações de trabalho como também no
atendimento e acesso aos direitos de saúde. De acordo com o portal do MEC,
a EBSERH
é uma empresa pública de direito privado, criada pela Lei Federal nº 12.550, de 15 de dezembro de 2011 com estatuto social aprovado pelo Decreto nº 7.661, de 28 de dezembro de 2011.
A EBSERH tem por finalidade a prestação de serviços gratuitos de assistência médico-hospitalar, ambulatorial e de apoio diagnóstico e terapêutico à comunidade, assim como a prestação às instituições públicas federais de ensino ou instituições congêneres de serviços de apoio ao ensino, à pesquisa e à extensão, ao ensino-aprendizagem e à formação de pessoas no campo da saúde pública, observada, nos termos do art. 207 da Constituição Federal, a autonomia universitária. As atividades de prestação de serviços de assistência à saúde
45
estão inseridas integral e exclusivamente no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). No desenvolvimento de suas atividades de assistência à saúde, a EBSERH observará as diretrizes e políticas estabelecidas pelo Ministério da Saúde." (fonte: http://portal.mec.gov.br/ebserh--empresa-brasileira-de-servicos-hospitalares acesso em 12/03/2016 às 19:30hs)
A empresa foi criada com o intuito de dar continuidade ao processo de
recuperação dos hospitais universitários federais iniciado pelo Programa
Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais12(Rehuf).
Vinculada ao Ministério da Educação, vem se tornando responsável pela
gestão de hospitais universitários federais. Independente de ser uma empresa
de caráter público, a EBSERH traz com ela toda a perspectiva de privatização
do sistema de saúde, desestruturando toda uma construção política, histórica e
social da Reforma Sanitária, comprovando, mais uma vez, a existência de
retrocessos na política de saúde do país.
De acordo com Correia e Dantas, a inserção da EBSERH no cenário da
saúde pública trata-se de um processo de privatização do setor além de
também ser um ataque aos direitos, tanto sociais quanto trabalhistas, conforme
afirmação que se segue,
Está em curso um processo de privatização do setor público e um ataque aos direitos sociais e trabalhistas, historicamente conquistados. As alternativas de modalidades de gestão propostas pelos governos, desde a segunda metade da década de 1990, estão baseadas no repasse da gerência e da gestão de serviços e de pessoal do setor saúde para grupos privados, através de “Contratos de Gestão” e de “Termos de Parcerias”, mediante transferências de recursos públicos. Isto significa transferência da gestão das atividades das políticas públicas para o setor privado mediante repasse de recursos, de instalações públicas e de pessoal. A isto se denomina privatização do público, ou seja, apropriação por um grupo privado (denominado “não estatal”) do que é público (Correia, 2011). Trata-se do repasse crescente do Fundo Público para o setor privado concretizando-se o processo de privatização dos serviços públicos através dos denominados “novos modelos de
12 Criado pelo Decreto nº 7.082, o Rehuf englobava “medidas que contemplam a
reestruturação física e tecnológica das unidades, como a modernização do parque tecnológico; a revisão do financiamento da rede, aumento progressivo do orçamento destinado às instituições; a melhoria dos processos de gestão; a recuperação do quadro de recursos humanos dos hospitais e o aprimoramento das atividades hospitalares vinculadas ao ensino, pesquisa e extensão, bem como à assistência à saúde.” (Fonte: http://www.ebserh.gov.br/web/portal-ebserh/historia acesso em 15/06/17 às 17hs)
46
gestão”: Organizações Sociais (OSs), Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), Fundações Estatais de Direito Privado (FEDPs) e EBSERH. (Correia e Dantas, 2013).
Atualmente, a EBSERH atua em 39 Hospitais Universitários Federais
(HUFs) em todo país. Após dois anos de sua implementação, a Ebserh é
contratada pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) em
2013 para administrar e reformular estratégias de ação nas seguintes
unidades: Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL), Maternidade Escola
Januário Cicco (MEJC) e Hospital Universitário Ana Bezerra (HUAB). Para o
desenvolvimento deste TCC, vamos nos concentrar em uma das unidades com
a finalidade de delinear a trajetória da implementação da EBSERH na
especificidade do Hospital Universitário Ana Bezerra - HUAB. (Fonte:
http://www.ebserh.gov.br acesso em 15/06/2017 às 19hs)
O Hospital Universitário Ana Bezerra, localizado no município de Santa
Cruz - RN, foi criado em 1952 como maternidade e apenas em 1966 vinculou-
se à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) tornando-se HUAB.
Assim como outros hospitais universitários, o HUAB tem o compromisso com o
ensino, pesquisa e extensão. Lá, são desenvolvidos diversos projetos em todas
as áreas de atendimento: Enfermagem, nutrição, Serviço Social, medicina,
entre outros. (Fonte: http://www.ebserh.gov.br/pt/web/huab-ufrn/projetos-de-
ensino-e-pesquisa accesso em maio de 2016).
Um fator importante a ser destacado diz respeito à autonomia
universitária. Segundo o artigo 207 da Constituição, "As universidades gozam
de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e
patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão." (Constituição Federal, 1988) Logo, pela lei, A EBSERH
não teria direito de atuar da maneira que atua em determinados hospitais
universitários, especificamente no HUAB. Este é o argumento de PEREIRA e
AMARAL,
Para que a universidade possa, realmente, desempenhar
47
com autonomia didático-científica as suas funções constitucionais que lhe corporificam como tal, mister se faz que a mesma se encontre amparada por uma boa equipe de profissionais, com formação nas mais diversas áreas do conhecimento científico, que integre o quadro permanente da própria universidade, pois, somente dessa forma, o ensino, a pesquisa e a extensão, em especial na área de saúde, poderão ser realizados com a dignidade que o cidadão-contribuinte merece e exige do Estado brasileiro." (PEREIRA E AMARAL, 2011)
Existe ainda uma série de pesquisas indicando que a EBSERH é,
na verdade, inconstitucional, pois descumpre leis pré estabelecidas à sua
criação. Independente da legalidade ou não da EBSERH, ela é uma realidade
está cada vez mais presente no nosso cotidiano. Nessa lógica, voltamos para a
mesma discussão de quase 20 anos atrás, quando a privatização da saúde
parecia ser a solução - para algumas pessoas interessadas nos resultados
dessa privatização - ao invés da responsabilização Estatal quanto a garantia do
direito à saúde.
Sobre essa conjuntura, Machado transcreve um trecho do manifesto de
um dos professores da Universidade Federal do Ceará contra a EBSERH. O
trecho diz:
Ao contrário de buscar a promoção do desenvolvimento nacional (CF, art. 2º, II), de proteger a nossa soberania (CF, art. 1º, I), e de dar à Administração pública a necessária eficiência (CF, art. 37), o Presidente preferiu satisfazer os interesses dos especuladores internacionais (pagando religiosamente os abusivos juros da dívida externa) e privatizar, sem contrapartidas adequadas, as empresas distribuidoras de energia. E ainda cogita de fazer o mesmo com as próprias fontes geradoras, riqueza nacional inalienável. Se é este o „novo Estado‟, de magreza orgânica famélica e destinado apenas a regular atividades que lhe são e devem ser ínsitas, talvez o projeto calhe bem para países já desenvolvidos social e economicamente. Não para o nosso. (...) Resta-nos, talvez, uma desesperada opção: a de promover um „apagão‟ da atual Presidência, seja por „impeachment‟, imediato, seja nas próximas eleições. (MACHADO, 2014, p. 109)
Essa constante contraposição entre benefícios da Reforma Sanitária
versus o Projeto privatista nos faz refletir como o Neoliberalismo busca novas
maneiras de inserir o seu processo privatista no meio de políticas de saúde
pertencentes ao Estado.
48
3.2.1 O significado da EBSERH para os profissionais do HUAB:
particularidades do Serviço Social
Em 2013, assim como os demais hospitais ligados à UFRN, o HUAB
vinculou-se à EBSERH, mudando o quadro de funcionários do hospital, que
passou a ser dividido entre aqueles que já estavam no hospital, ou seja,
servidores públicos estatutários da UFRN, e aqueles que fizeram concurso
para a EBSERH diretamente e que são regidos pelo sistema da CLT -
Consolidação das Leis Trabalhistas.
Para exemplificarmos essa realidade, podemos adentrar brevemente na
realidade dos profissionais de Serviço Social, que não tiveram suas atribuições
necessariamente modificadas pela inserção da EBSERH, contudo, as rotinas
de trabalho foram alteradas. Já que a partir do momento que a EBSERH é
contratada, há uma série de mudanças estruturais, tanto no quadro profissional
quanto no quadro estratégico de funcionamento e planejamento do Hospital
Universitário.
A instituição recebe acadêmicos (estagiários de graduação e residentes
multiprofissionais em saúde de enfermagem, nutrição, psicologia, fisioterapia,
farmácia, serviço social, odontologia e medicina). Assim como outras
profissões, o Serviço Social também conta com um quadro de estagiários,
mesmo considerando toda a sobrecarga de trabalho que o profissional já tem.
Vale ressaltar ainda que, segundo FECHINE,
Por ser um dos hospitais universitários da UFRN, só pode oferecer campo de estágio em Serviço Social para alunos que são oriundos dessa Instituição e esse fato dificulta bastante o recebimento de estagiários da graduação porque o curso de Serviço Social da UFRN se concentra em Natal e há dificuldade do aluno em se deslocar para uma cidade do interior para realizar o seu estágio durante um ano. (FECHINE, 2015. página 62)
Antes da gestão da empresa, o Serviço Social no HUAB contava
apenas com uma profissional para responder a demanda de todo o hospital.
Obviamente, 30 horas semanais não eram suficientes para atender a demanda
da instituição. Com a entrada da empresa, o número de assistentes sociais
subiu de 1 para 7 profissionais, as quais "todas lotadas na Unidade
49
Psicossocial dentro do organograma da EBSERH. Deste número, apenas uma
é pertencente ao quadro da UFRN e as demais são pertencentes à empresa."
(FECHINE, 2015).
No entanto, esse crescimento quantitativo de profissionais vem
carregado de outros problemas, tais como, em um lugar onde antes trabalhava
uma profissional, passaram a trabalhar 3 (além das residentes que variam de 2
a 4, dependendo do dia) (FECHINE, 2015). O número elevado de profissionais
torna a prática profissional inviável (levando em consideração as diretrizes da
prática) pois limita a atuação da assistente social que, de acordo com os
artigos 2º, 3º e 4º da resolução CFESS nº493/2006, preconiza que
Art. 2º - O local de atendimento destinado ao assistente social deve ser dotado de espaço suficiente, para abordagens individuais ou coletivas, conforme as características dos serviços prestados, e deve possuir e garantir as seguintes características físicas: a- iluminação adequada ao trabalho diurno e noturno, conforme a organização institucional; b- recursos que garantam a privacidade do usuário naquilo que for revelado durante o processo de intervenção profissional; c- ventilação adequada a atendimentos breves ou demorados e com portas fechadas d- espaço adequado para colocação de arquivos para a adequada guarda de material técnico de caráter reservado. Art. 3º - O atendimento efetuado pelo assistente social deve ser feito com portas fechadas, de forma a garantir o sigilo. Art. 4º - O material técnico utilizado e produzido no atendimento é de caráter reservado, sendo seu uso e acesso restrito aos assistentes sociais." (fonte:http://www.cfess.org.br/arquivos/Resolucao_493-06.pdf acesso em maio de 2016)
Além das mudanças sócio-ocupacionais estruturais, outras mudanças
importantes para o desenvolvimento do trabalho do Serviço Social
aconteceram desde a inserção da EBSERH na gestão do HUAB, conforme
entrevista13 com profissional que fez parte do quadro de funcionários do
hospital no período da implementação da EBSERH,
Há uma questão de contenção de despesas, contenção de impressão, quantidade limitada de folhas por profissional, o que causa desconforto entre os profissionais. Ainda houve uma redução de incentivo à participação dos profissionais em congressos e eventos de Serviço Social com a entrada
13 Tal entrevista faz parte de artigo produzido em 2016 com objetivo de analisar o fazer
profissional do Assistente Social para desenvolvido como parte do programa da disciplina de Pesquisa em Serviço Social II.
50
da empresa. (Coleta direta de dados, 2016)
A partir de tal relato e de informações acerca à implementação da EBSERH no
HUAB, fica claro perceber o quão prejudicial ela pode ser para a prestação de
serviços e para o desmonte das políticas públicas. Vale destacar, que a
diferenciação entre os vínculos de trabalho, bem como as diferentes visões
profissionais podem ocasionar o enfraquecimento e a desconstrução histórica
das lutas pela qualidade do fazer profissional em Serviço Social e do acesso
universal ao direito à saúde.
É necessário, portanto, não culpabilizar os profissionais pelas escolhas e
formas de trabalho, já que é fundamental considerar a conjuntura socio-
histórica. Porém, cabe refletirmos que é fundamental à perspectiva do Projeto
Ético-Político Profissional, a construção de estratégias e mecanismos de
trabalho que possam guiar-se pela compreensão crítica dos ditames do
mercado e pela história de lutas e conquistas da profissão na direção dos
princípios da Reforma Sanitária.
51
4. Considerações Finais
Ao analisar a construção histórica da saúde no Brasil, podemos
perceber que ela foi pautada entre avanços e retrocessos, sempre num entrave
de lutas entre as necessidades da população e as exigências do mercado. Em
meio a essa disputa, o Estado buscou, em algumas ocasiões, atender as
necessidades de ambas as partes ao mesmo tempo. Como existia uma disputa
de forças nessas lutas, o capital vem conseguindo, historicamente, alcançar
seus objetivos para com o Estado, independente da necessidade da sociedade
em geral.
A partir da Reforma Sanitária e da abertura política vivida no país no fim
da década de 1970, as lutas pelas melhorias nas políticas de saúde tomaram
maiores proporções, chegando a Conferência Nacional de Saúde com a
participação popular e, logo depois, conseguiram seu lugar de destaque na
Constituição de 1988. Tal constituição foi um marco na consolidação dos
direitos da sociedade civil e das obrigações do Estado, assim como foi o
surgimento do SUS, que teve sua implementação nos anos 1990. Pela primeira
vez na história do país o Estado assumia seu compromisso com a sociedade
de forma integral.
52
Porém, na medida em que a abertura política se intensificou, a gestão
das políticas sociais tomaram uma forma completamente diferente daquela
ditada pela Constituição. A consolidação dos ditames neoliberais, que se
centram no fortalecimento das políticas de privatização e terceirização,
coordenaram um verdadeiro desmonte do processo de construção dos
princípios do SUS.
Assim como outros modelos de gestão da saúde, a EBSERH é
combatida, desde as suas proposições mais iniciais, por aqueles que defendem
uma saúde pública de qualidade, igualitária e autônoma. Considerando a
Constituição de 1988, a existência da EBSERH, assim como sua proposta
administrativa, se coloca como inconstitucional, uma vez que fere as diretrizes
da CF de 1988. A partir do momento em que as propostas para o
gerenciamento das políticas públicas envolvem terceirização, privatização e
desresponsabilização do Estado, toda a construção histórica de lutas em busca
de uma prestação de serviços que atendesse toda a sociedade igualitariamente
sofre um desmantelamento sem precedentes. Em outras palavras, é notória a
ineficiência do projeto privatista no que diz respeito às respostas dos
problemas enfrentados na gestão de políticas públicas. Além de não solucionar
os problemas de gestão, a privatização trouxe outros problemas para a saúde
além do gerencial.
No caso específico dos Hospitais Universitários, a maior perda que
podemos destacar é a da autonomia, o que pode provocar a precarização das
relações de trabalho assim como enfraquecer a própria efetivação dos
princípios do SUS, defendidas pelos HUFs. Nesse mesmo paradigma,
encontra-se o HUAB, que, segundo a pesquisa, também sofreu com as
mudanças aplicadas pela entrada da EBSERH na instituição e,
consequentemente, sofreu mudanças no atendimento dos usuários.
Não menos importante, a preocupação com a efetivação dos direitos
sociais, que está diretamente ligada ao fortalecimento do SUS e inversamente
proporcional ao sistema privatista pregado pelo regime da contrarreforma do
Estado. Independente da política social que analisarmos dentro do regime
privatista, o seu gerenciamento estará subordinado à macroeconomia,
53
favorecendo sempre o mercado e não necessariamente à sociedade em geral.
O desfavorecimento da sociedade civil só comprova a ineficiência do projeto
político da contrarreforma do Estado. Mudanças que deveriam servir para a
garantia dos direitos do cidadão, tornam-se em uma máquina de favorecimento
ao mercado sem responsabilização do Estado quanto às consequências para a
sociedade.
É válido salientar que a preocupação quanto a privatização e
terceirização está na probabilidade prática de atingir outras áreas de políticas
sociais. A saúde e a educação já estão servindo de palco para tais mudanças;
não necessariamente estamos vendo os frutos positivos de tais mudanças na
gestão das políticas públicas. Corremos o risco de, no futuro, não termos mais
entidades públicas, e sim termos locais onde o mercado pode oferecer políticas
públicas, uma vez que financiado pelo Estado na condição de aumento
constante de seus lucros. Com a disseminação da privatização, perdemos à
garantia de direitos e mais importante, perdemos a regulamentação da
democracia.
Diante do exposto, percebemos a necessidade de mais estudos quanto
à EBSERH, sua implementação, participação efetiva nas decisões burocráticas
dos HUFs assim como uma maior fiscalização de tais ações. Tais medidas
precisam ser passadas para a sociedade como um todo, no intuito de haja uma
reflexão coletiva das consequências da nova gestão para o país e o que isso
implica na vida do cidadão. É preciso ainda que a análise seja estendida para
outras áreas de políticas sociais, assim como para outras profissões envolvidas
no conjunto de mudanças da EBSERH.
Ainda no pressuposto da necessidade de maiores estudos quanto à
implementação e fiscalização da EBSERH, acreditamos que seja necessária
tornar mais claro o posicionamento e visão daqueles trabalhadores que por ela
são contratados através de mais estudos e pesquisas. Afirmamos a
importância deste estudo pois, para a manutenção da democracia e
funcionamento de políticas públicas, é preciso que o quadro de funcionários de
uma instituição esteja focado nessa missão. A possibilidade de uma dicotomia
de interesses dentre os trabalhadores pode gerar uma série de graves
54
consequências negativas, tanto no âmbito de classe trabalhadora, gerando o
enfraquecimento de classes, como no cumprimento de políticas públicas.
Embora alguns autores, políticos e parte da sociedade civil acreditem
nos avanços trazidos pela EBSERH, a realidade tem nos mostrado resultados
diferentes. A existência de tal empresa apenas confirma o histórico de avanços
e retrocessos que passamos ao longo dos anos no Brasil. Quando finalmente
conseguimos a união de diferentes classes sociais em prol de um bem maior
(democracia e garantia de direitos), surge a proposta de retroceder nas
políticas sociais transferindo as responsabilidades do Estado para um setor que
não tem o mínimo interesse no bem estar social, mas sim no bem estar próprio.
Acreditamos na necessidade de uma Reforma, mas descartamos as
bases da contrarreforma do Estado como diretrizes para uma gestão
democrática. Se a privatização é vista como um avanço, precisamos então
retroceder. Quando falamos retroceder nos referimos a cultivar novamente a
ideia de que o Estado deve ser responsável pelas políticas públicas, assim
como as HUFs tem o direito de retomar sua autonomia.
Sim, temos plena consciência de que uma possível saída da EBSERH
do quadro administrativo de várias HUFs (mesmo que gradativa) traz uma série
de entraves e problemáticas; é preciso, antes de tudo, ter em mente que para
qualquer mudança no nosso cenário político atual, necessitamos mais uma vez
da força da união das classes subalternas, exatamente como aconteceu na
década de 1980. Precisaríamos, mais uma vez, da organização e articulação
do movimento da reforma sanitária num projeto em busca da conscientização e
reconstrução do Estado.
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