UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE Programa de Pós-Graduação em Direito
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
UZIEL SANTANA DOS SANTOS
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Área de Concentração: Direito Público. Sub-Área de Conhecimento: Teoria Geral do Processo.
RECIFE 2005
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE Programa de Pós-Graduação em Direito
UZIEL SANTANA DOS SANTOS
LITÍGIO E LIDE: Uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Dissertação
Área de concentração: Direito Público. Sub-Área do conhecimento: Teoria Geral do Processo.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito – Curso de Mestrado – da Faculdade de Direito do Recife, Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito.
Orientador: José Luciano Góis de Oliveira. Co-orientador: Luiz Guilherme B. Marinoni.
RECIFE 2005
FICHA CATALOGRÁFICA
341.161 S237l
Santos, Uziel Santana dos Litígio e Lide: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-
conceptual e empírico-crítica / Uziel Santana dos Santos – Recife : Edição do Autor, 2005.
470 f. ; tab. ; gráf.
Orientador: José Luciano Góis de Oliveira. Co-orientador: Luiz Guilherme B. Marinoni. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Pernambuco. CCJ.
Direito, 2005.
Inclui bibliografia e apêndices. 1. Litígio. 2. Lide. 3. Teoria Geral do Processo. I. Oliveira, José
Luciano Góis de. II. Marinoni, Luiz Guilherme Bittencourt. III. Título.
UFPE / CCJ – FDR / PPGD / EFR – ejr BPPGD2005 - 01
A Deus,
Porque até hoje a ciência não pôde nem comprovar
e nem descomprovar a existência DEle. Destarte, o
único elemento que nos leva a assentir a Sua
existência é a fé que, na sábia definição bíblica, é o
firme fundamento das coisas que se esperam e a
certeza e a prova das coisas que não se vêem.
Porque Ele constitui a razão da minha vida.
Aos meus pais – José Francisco / Terezinha –
e irmãos – Marcos / Silas,
Porque eles constituem o sentido da minha vida.
GRATIA
Este trabalho de pesquisa científico-jurídica é o resultado da conjunção de
vários fatores de ordem estrutural, intelectual e conjuntural. Desse modo, do ponto de vista da estrutura que me foi proporcionada para
a consecução desta importante empreitada acadêmica, agradeço, de coração, primeiramente a Deus que me deu forças e capacidade para suportar os momentos de dificuldade e de intensa atividade intelectual, porque passei, na construção das teses aqui propostas; aos meus pais que me proporcionaram tudo o que o tenho e sou hoje; aos meus irmãos, pelo incentivo e apoio cotidiano, e à minha noiva, Lívia Kathiane, pelo amor e carinho de sempre.
Do mesmo modo, agora do ponto de vista da formação intelectual que tive nesses anos iniciais de academia, agradeço, de coração, ao Prof. Carlos Rebêlo Júnior meu exemplo maior de sapiência e humildade; ao Prof. Carlos Ayres Britto pela iniciação na construção das idéias científicas sobre o fenômeno jurídico; ao Prof. José Afonso Nascimento pela apresentação, ainda na graduação, dos grandes teóricos da Ciência do Direito; às Profas. Amy Adelino e Ana Maria pela orientação na iniciação científica; ao meu orientador, o Prof. Luciano Oliveira, pelos ensinamentos recebidos e pelo grande exemplo de maturidade e honestidade intelectual; ao meu co-orientador Prof. Luiz Guilherme Marinoni pelas orientações recebidas; ao Prof. Eduardo Rabenhorst pelos fundamentais e notáveis conhecimentos apresentados em suas aulas; e, finalmente, ao Prof. Michel Zaidan pela oportunidade de vivenciar um prisma da ciência normalmente não cultivado nas escolas jurídicas.
Por outro lado, sob uma perspectiva eminentemente conjuntural, agradeço, de coração, a minha irmã de criação e consideração, Mônica (Tubi), pelo apoio nas horas certas e incertas; as minhas amigas-irmãs Simone e Fabiana e ao meu amigo-irmão Ívison pelo apoio moral e incentivo; aos amigos e irmãos da Igreja Batista Betel, na pessoa do Pr. Gérson Villas-Bôas e esposa, irmã Nadja Fraga Villas-Bôas, pelas orações e intercessões nos momentos cruciais; ao meu companheiro de convivência quase que diária Antonio Rufino pelo suporte material; a dona Socorro (Prof) pela acolhida inicial na cidade do Recife; ao meu amigo e interlocutor acadêmico David Morais; a Dona Carminha e Eurico pelo apoio administrativo e pela lealdade demonstrada e, principalmente, ao Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito, Prof. Raymundo Juliano, pelo decisivo apoio na formação do meu processo de defesa.
Por fim, de modo especial, gostaria de agradecer a minha grande amiga de todas as horas, Edjany Paiva, pela presteza, solicitude, companhia, dedicação e amizade de sempre. Sem o seu apoio, Paiva, talvez eu não chegasse até este momento.
Não prometo dar-lhes sempre longas respostas, mas somente confessar com muita franqueza meus erros, se os reconhecer, ou então, se não os puder perceber, dizer simplesmente o que achei para a defesa daquilo que escrevi.
DESCARTES Gostaria muito que aqueles que pretenderem levantar-me objeções não se precipitem e procurem entender tudo o que escrevi, antes de julgarem uma parte: pois, o todo está relacionado e o fim serve para provar o princípio.
DESCARTES (Lettre à Mersenne)
O nosso programa latino-americano há de ser, hoje, o de superarmos a ciência européia, para que, quando os cientistas europeus voltarem à investigação, possam verificar que não fomos indignos da sua herança.
PONTES DE MIRANDA
O conceito de ciência não é nem absoluto nem eterno.
JACOB BRONOWSCK
A verdade sai do erro mais facilmente do que da confusão.
BACON
A nova mentalidade chega a ser mais importante do que a nova ciência e a nova tecnologia.
A. N. WHITEHEAD
Os conceitos e as categorias doutrinárias existem no plano lógico, como instrumentos destinados à melhor compreensão dos fenômenos. Bem por isso, não podem ser submetidos a um culto irrefletido, como se tivessem existência per se. A significação e o alcance de cada um deles variam segundo o ângulo visual e o plano de observação do processualista. Como tudo na vida, mais rica é a visão do observador na medida em que analisa um fenômeno por perspectivas diferentes e nada há de errado em tal metodologia, pois o que importa, acima de tudo, além da coerência dentro de cada linha metodológica, é a apreensão mais completa quanto possível dos dados que permitam a perfeita compreensão do objeto que se está a conhecer.
KAZUO WATANABE
RESUMO1
Este trabalho de pesquisa científica, de natureza dissertativa, tem como objeto de estudo uma construção terminológico-conceptual, por certo analítica e distintiva, dos institutos jurídico-processuais, Litígio e Lide, incluindo nesta perspectiva de investigação, apriorística e eminentemente, teorética, uma análise empírico-crítica do fenômeno da teleologicidade processual e da decidibilidade de conflitos, apontando-se e aplicando-se, a posteriori, as implicações teorético-conceptual-metodológicas e tecnológico-pragmáticas que tal distinção traz, como corolário, para a Ciência Jurídico-Processual – e suas instituições e institutos fundamentais – e para a resolução de questões aparentemente aporemáticas da teoria jurídico-processual. Para a consecução deste objeto/problema, fizemos, preliminarmente, uma análise teórico-conceptual e histórico-descritiva dos institutos Litígio e Lide a partir da leitura da dogmática jurídico-processual clássica e moderna, posto que, até então, tais institutos são tomados como elementos conceptuais de mesma referibilidade fenomênica e terminológica. Em seguida, para justificar e mostrar a razão de ser da distinção proposta, demonstramos que tal indiscernibilidade e imprecisão terminológicas resultam numa série de aporias conceptuais para a teoria do processo e, em assim sendo, assentimos, peremptoriamente, como um imperativo categórico e como um verdadeiro pressuposto das teses aqui assentidas, que não há que se falar em conhecimento científico, em Ciência Jurídico-Processual, caracterizada pelos atributos da neutralidade axiológica, da asseptabilidade método-epistemológica, da assertibilidade do discurso científico e da verdade científica, sem a construção de uma terminologia jurídico-conceptual, por certo, específica, apurada e precisa. Nesta perspectiva, assentimos que os termos Litígio e Lide são elementos conceptuais de bedeutung (referência) e sinn (sentido) diferentes, sendo o Litígio um pressuposto processual de natureza fáctico-causal-sociológica, de referibilidade extrínseca, portanto, exoprocessual, caracterizado pela contendere de sujeitos em face de uma pretensão – resistida ou insatisfeita – vetorialmente contrária ao interesse da outra parte e a Lide, por sua vez, um suposto processual – conditio sine qua non do processo – de natureza jurídico-processual stricto sensu, de referibilidade intrínseca, portanto, endoprocessual, caracterizada por uma relação jurídico-processual sinalagmática entre partes e o Estado-juiz. Em síntese, a Lide seria o resultado da dedução quantitativa e qualitativa em juízo do Litígio. Tal construção analítico-distintiva teria, assim, um alto grau de aplicabilidade, sobretudo, para se elucidar algumas aporias da teoria jurídico-processual, tais como a asserção do atributo da jurisdicionalidade na chamada jurisdição voluntária e na aplicação do conceito de Lide na processualística penal. Do mesmo modo, agora do ponto de vista da análise empírico-crítica consecutada, chegamos à conclusão de que a teleologicidade processual, a priori, é a decidibilidade da Lide e, tão-somente, a posteriori – sem isso constituir um telos necessário – a decidibilidade do Litígio; assim também, concluímos que as técnicas processuais de estruturação e formatação de procedimentos diferenciados (especiais) e de limitação da cognição do juiz (Lide < Litígio) são utilizadas, muitas vezes, com influências ideológicas que repercutem, assim, no âmbito de abrangência da res judicata, no direito de acesso à justiça e nos princípios da inafastabilidade do controle jurisdicional e da congruência.
PALAVRAS-CHAVES: Litígio, Lide, Terminologia Jurídico-Conceptual, Decidibilidade de Conflitos, Teleologicidade Processual, Ideologia Técnico-Jurídico-Procedimental, Instituições e Institutos Fundamentais do Direito Processual, Ciência Jurídico-Processual.
1 Formatação de acordo com a normalização da ABNT – NBR 14724.
ABSTRACT
This scientific research project, presented in the format of a dissertation, has as study object a terminological and conceptual construction, more correctly analytic and distinctive, of the institutes legal and procedural, Dispute and Lawsuit, including in this investigation perspective, aprioristic and eminently, theoretical, an empiric and critical analysis of the phenomenon of the teleologicity and the decidability, indicating itself and applying, a posteriori, implications theoretic, conceptual, methodological, technological and pragmatic that such distinction brings, as corollary, for the science legal procedural – and their institutions and fundamental institutes – and for the resolution of questions apparently of difficult solution (aporematicas) of the theory legal procedural. For the development of this problem we have, in the first time, a descriptive conceptual and historic theoretical analysis of institutes Dispute and Lawsuit from the dogmatist’s reading legal procedural classic and modern, in such way that, here such institutes are taken as the conceptual elements in the same way reference phenomenalist and terminological. To justify and show the existence of this proposition we demonstrate then, that such an indiscernibility and terminological imprecision resulting in a set of aporias (of difficult solution) conceptual for the theory of the process and, we approve this form, peremptorily, like a categorical imperative and like a presupposed truly of theses here approved, that cannot speak himself in scientific knowledge, in science legal procedural, characterized by attributes of neutrality axiological, of the acceptability method epistemological, of the assertibility of the scientific speech and scientific truth, without the development of a legal and conceptual terminology, more precisely, specific, refined and precise. In this perspective we approve that terms Dispute and Lawsuit are the conceptual elements of bedeutung (reference) and sinn (sense) different, being Dispute one presupposition procedural of artificial, causal, and sociological nature, of reference extrinsic, therefore, exoprocedural characterized by contendere of litigants in face of a pretension – resisted or unsatisfied – vectorially contrary to the interest of the other party and the Lawsuit, in turn, a presumption procedural – condition sine qua of the process – of natural legal procedural stricto sensu, intrinsic reference, therefore, characterized by a relation legal procedural synallagmatic between parts and the state judges. In synthesis Lawsuit would be the result of the quantitative and qualitative deduction in judgment of the Dispute. So such a distinctive analytic construction would have a high degree of applicability, especially, for the resolution of difficult solution questions (aporias) of the theory legal procedural, as the affirmation of the jurisdictional attribute in the voluntary jurisdiction and in the application of the concept of Lawsuit in the criminal process. Of the point of view of the critical empiric analyses achieved we arrive now to the conclusion in a similar way of which teleologicity procedural, a priori, is the decidability of Lawsuit and, only, a posteriori – without this to constitute a necessary telos – the decidability of the Dispute; thus also, we conclude that the technical procedurals of structuring and formatting of procedures differentiated (special) and of limitation of the judge’s knowledge (Lawsuit<Dispute) are used, several times, with the ideological influences that reverberate, so, in the context of the res judicata, in the law of access to the justice and in principles of the jurisdictional control and of the congruence. KEY WORD: Dispute, Lawsuit, Conceptual Legal Terminology, Social Conflict Decidability, Ideology Technique-Legal-Procedural, Institutions and Institutes fundamental of the law Procedural, Science Legal-Procedural.
RÉSUMÉ
Ce projet de recherche scientifique, présenté sous la forme d’une dissertation, a comme objet d'étude une construction terminologique et conceptuelle, par correctement analytique et distinctive, des instituts juridiques et procédural, Litige et Poursuite, y compris dans cette perspective de recherche, aprioristique et éminemment , théorétique, une analyse empirique et critique du phénomène de la téléologicité et la décidabilité, en s’indiquant et en s’appliquant, à posteriori, les implications théorétique, conceptuel, méthodologique, technologique et pragmatiques que telle distinction apporte, comme corollaire, pour la science juridique procédural – et leurs institutions et instituts fondamentaux – et pour la résolution de questions apparemment de difficile solution (aporematicas) de la théorie juridique procédural. Pour le développement de cet objet/problème, nous avons tout d´abord réalisé une analyse théorique conceptuelle et historique descriptive des instituts Litige et Poursuite à partir de la lecture de la dogmatique juridique procédural classique et moderne, de manière que, jusqu’à ici, tels instituts sont pris comme des éléments conceptuels de même référence phénoméniste et terminologique. Ensuite, pour justifier et montrer l’existence de cette proposition, nous démontrons qu’une telle indiscernabilité et imprécision terminologique résultant dans une série de aporias (de difficiles solutions) conceptuels pour la théorie du processus et, de cette forme, nous approuvons, péremptoirement, comme un impératif catégorique et comme un vrai présupposé des thèses ici approuvées, que ne se peut pas parler en connaissance scientifique, en science juridique procédural, caractérisée par les attributs de la neutralité axiologique, de l’acceptabilité méthode épistémologique, de l’assertibilité du discours scientifique et de la vérité scientifique, sans le développement d’une terminologie juridique et conceptuelle, plus exactement, spécifique, raffiné et précise. Dans cette perspective, nous approuvons que les termes Litige et Poursuite sont des éléments conceptuels de bedeutung (référence) et sinn (sens) différent, étant de Litige un présupposition processuel de nature factice, causale, et sociologique, de référence extrinsèques, donc, exo processuel caractérisée par contendere des sujets en raison d’une prétention – résistée ou insatisfaite – vectoriellement contraire à l’intérêt de l’autre parti et Poursuite, à son tour, une présomption processuelle – condition sine qua non de la procédure – de nature juridique procédural stricto sensu, référence intrinsèque, donc, de endoprocédural, caractérisée par une relation juridique procédural synallagmatique entre des parties et l’Etat juge. Dans synthèse, Poursuite serait le résultat de la déduction quantitative et qualitative dans jugement du Litige. Ainsi une telle construction analytique distinctive aurait un haut degré d’applicabilité, surtout, pour la résolution de questions de difficile solution (aporias) de la théorie juridique procédural, comme l’affirmation de l’attribut juridictionnel dans la juridiction volontaire et en l’application du concept de poursuit dans la processus criminelle. De façon similaire, maintenant du point de vue de l’analyse empirique critique réalisée, nous arrivons à la conclusion dont la teleologicité processuel, a priori, est la décidabilité de Poursuit et, seulement, à posteriori – sans cela constituer un telos nécessaire – la décidabilité du Litige; ainsi aussi, nous concluons que les techniques processuelles de structuration et de formatage de procédures différenciées (spéciaux) et de limitation de la connaissance du juge (Poursuit < Litige) sont utilisés, plusieurs fois, avec des influences idéologiques qui réverbèrent, ainsi, dans le contexte de l’abrangência des res judicata, dans le droit d’accès à la justice et en principes du contrôle juridictionnel et de la congruence. MOT CLÉ: Litige, Poursuite, Terminologie Juridique-Conceptuelle, Décidabilité de Conflits Sociaux, Ideologie Técnique-Juridique-Procédural, Institutions et Instituts fondamentaux du Droit Procédural, Science Juridique Procédural.
LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS
TABELA 1 – Traduções de Litígio e Lide. 195TABELA 2 – Matiz Teórico-Conceptual do Litígio. 204TABELA 3 – Matiz Teórico-Conceptual da Lide. 231TABELA 4 – Órgãos Judiciários dos Magistrados Entrevistados. 365TABELA 5 – Questionamento 1 – Resultado Geral: Sim/Não. 376TABELA 6 – Questionamento 1 – Razões afirmativas. 377TABELA 7 – Questionamento 1 – Razões negativas. 378TABELA 8 – Questionamento 2 – Resultado Geral: Sim/Não. 383TABELA 9 – Questionamento 2 – Razões afirmativas. 384TABELA 10 – Questionamento 2 – Razões negativas. 385TABELA 11 – Questionamento 3 – Resultado Geral: Sim/Não. 390TABELA 12 – Questionamento 3 – Razões afirmativas. 391TABELA 13 – Questionamento 3 – Razões negativas. 392TABELA 14 – Questionamento 4 – Resultado Geral: Sim/Não. 397TABELA 15 – Questionamento 4 – Razões afirmativas. 398TABELA 16 – Questionamento 4 – Razões negativas. 399TABELA 17 – Questionamento 5 – Resultado Geral: Sim/Não. 404TABELA 18 – Questionamento 5 – Razões afirmativas. 405TABELA 19 – Questionamento 5 – Razões negativas. 406GRÁFICO 1 – Representação gráfica do Litígio. 33 GRÁFICO 2– Representação gráfica da Lide. 34 GRÁFICO 3 – Representação gráfica do Litígio. 36 GRÁFICO 4 – Representação gráfica da Lide. 37 GRÁFICO 5 – Representação gráfica do Litígio e da Lide. 180GRÁFICO 6 – Representação gráfica do Litígio. 203GRÁFICO 7 – Pirâmide de Litigiosidade. 211GRÁFICO 8 – Representação gráfica do Litígio. 224GRÁFICO 9 – Representação gráfica da Lide. 230GRÁFICO 10 – Representação gráfica da Lide. 264GRÁFICO 11 – Diagrama das instituições e institutos jurídico-processuais. 274GRÁFICO 12 – Representação gráfica da Teoria Linear. 287GRÁFICO 13 – Representação gráfica da Teoria Triangular. 288GRÁFICO 14 – Representação gráfica da Lide. 290GRÁFICO 15 – Representação Gráfica do Questionamento 1. 376GRÁFICO 16 – Representação Gráfica do Questionamento 2. 383GRÁFICO 17 – Representação Gráfica do Questionamento 3. 390GRÁFICO 18 – Representação Gráfica do Questionamento 4. 397GRÁFICO 19 – Representação Gráfica do Questionamento 5. 404GRÁFICO 20 – Representação gráfica do Litígio. 429GRÁFICO 21 – Representação gráfica da Lide. 430
SUMMARIUM
CONSPECTUS 14
1. INTRODUÇÃO 17
1.1 – Proposições sinópticas e propedêuticas. 22 1.2 – Proposições teórico-metodológicas. 39
2. ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO” E “LIDE”. 44
2.1 – Dogmática jurídico-processual estrangeira. 49
2.1.1 – A construção teorético-sistemática de Francesco Carnelutti. 49
2.1.2 – As acepções do direito romano, do direito comum e do direito lusitano a respeito do temário do Litígio e da Lide. 59
2.1.3 – Litígio e Lide na perspectiva da Escola Judicialista, Praxista e Procedimentalista. 66
2.1.4 – Litígio e Lide na perspectiva dos grandes autores da dogmática jurídico-processual estrangeira a partir da fase do processualismo científico. 71
2.2 – Dogmática jurídico-processual nacional. 118
2.2.1 – Litígio e Lide na perspectiva da legislação processual brasileira. 119
2.2.2 – Litígio e Lide na perspectiva dos grandes autores da dogmática jurídico-processual nacional. 125
3. TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIÊNCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.
150
3.1 – Cientificidade do Direito Processual: a imprescindibilidade das condições de validade método-epistemo-lógicas e a problemática da indiscernibilidade entre Litígio e Lide.
154
3.2 – Neutralidade Axiológica. 1663.3 – Asseptabilidade Método-epistemológica. 1713.4 – Condições de Assertibilidade do discurso jurídico-processual científico. 1733.5 – A problemática da Verdade na Ciência Jurídico-Processual. 174
4. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 177
4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas). 1824.1.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas. 1824.1.2 – Litígio e Lide: noções etimo(lógicas). 1914.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico. 2024.2.1 – Litígio: definibilidade e conceituação. 2054.2.2 – Litígio: elementaridade constitutiva. 2144.2.3 – Litígio: caracterização principiológico-estrutural 2184.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual. 2274.3.1 – Lide: definibilidade e conceituação. 2324.3.2 – Lide: elementaridade constitutiva. 2434.3.3 – Lide: caracterização principiológico-estrutural. 2514.4 - Litígio, Lide e outros termos: a peremptória discernibilidade conceitual. 266
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA CONSECUTADA.
271
5.1 – Relação Jurídico-Processual. 2755.2 – Ação. 2955.3 – Meritum Causae, Streitgegenstand e Thema Decidendum do processo. 3035.4 – Objeto de Cognição. 3165.5 – Res Judicata. 324
6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL. 336
6.1 – Jurisdição Voluntária. 3396.2 – A Lide como conteúdo do processo penal. 347
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 357
7.1 – Suporte teorético-metodológico da pesquisa empírica consecutada. 3617.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou decidibilidade da Lide? 3677.3 – Análise empírico-crítica da técnica processual da limitação da cognição (Lide ≤ Litígio) como reflexo da ideologia procedimental. 418
8. CONCLUSÃO. 428
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 436
ÍNDICE REMISSIV0 449
ÍNDICE ONOMÁSTICO 461
APÊNDICE 468
CONSPECTUS
Segundo SHIALY RAMAMRITA RANGANATHAN, terminólogo idealizador da
Teoria da Classificação Facetada, utilizada na normalização da linguagem documentária –
Conspectus é o momento utilizado pelo autor para “falar não do texto que se propunha a
escrever, mas do ‘pré-texto’, daquele momento em que ocorre o ato de criação da escrita,
do momento em que o sujeito se torna autor”1.
Em assim sendo, o pretexto do presente trabalho de pesquisa científica
tem como leitmotiv três razões fundamentais, todas, é certo, de caráter científico e jurídico.
São elas: a primeira, de ordem terminológico-conceptual, a segunda, de ordem teórico-
metodológica e, a terceira, de ordem jurídico-processual, nos termos a seguir explicitados.
A primeira ratio do presente trabalho – esta, de ordem terminológico-
conceptual – reside na escassez de estudos jurídicos sobre a terminologia na Ciência
Jurídica. Tal exigüidade de pesquisas e despreocupação faz com que a Juris Scientia – isto é,
a Ciência Jurídica – seja constituída, notadamente, por um aglomerado de teorias, de
instituições e institutos jurídicos com ambivalências de significações, com atributividade e
referibilidade antinômicas, sem formar uma rede conceitual coesa e relacional. Pior que isso
é que, em não se adotando uma terminologia específica, construída em bases científicas, o
grau de indispensabilidade e cientificidade das novas investigações jurídicas consecutadas é
módico, pois, tão-somente, aglutina, “a-cientificamente”, informações – para não falar em
pseudo ou folk teorias e pseudo ou folk conceitos – sem o esmero da precisão terminológica.
Por outro lado, a segunda razão de ser deste trabalho – esta, de ordem
teórico-metodológica – reside no fato de que, pelo que temos observado2, o pesquisador em
Direito, ou seja, o sujeito cognoscente do fenômeno jurídico, ao manejar o instrumental
1 RANGANATHAN, apud CAMPOS, Maria Luiza de Almeida. Linguagem Documentária: teorias que fundamentam sua elaboração. Rio de Janeiro: EdUFF, 2001, p. 15. 2 SANTOS, Uziel Santana dos. Pesquisa Sócio-Jurídica: A imperatividade do instrumental teórico-metodológico como condição de neutralidade, asseptabilidade, assertibilidade e verdade científica. 2001. 23f. Monografia – Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco.
teórico-metodológico para a realização da sua investigação científica além de não se
preocupar, como assentimos acima, com o problema da indiscernibilidade de idênticos, da
polissemia e sinonímia dos caracteres terminológicos, por certo, negativos da cientificidade,
não o utiliza de modo adequado (adequação em relação ao objeto de estudo), de modo
racional (racionalidade no manejo do instrumental e com o mínimo indispensável de
neutralidade científica) e de modo sistemático (porque o conhecimento a ser produzido
pretende-se universal e não pontual). Mais que isso, as produções acadêmicas que têm sido
realizadas têm se caracterizado, notadamente, pela generalidade temático-conceitual, pela
superficialidade, pela utilização inadequada de métodos de pesquisa e, principalmente, como
uma prática recorrente, pela falta de especificidade3 e objetividade. E isso faz com que
encontremos, freqüentemente, trabalhos de pesquisa, em Direito, com exíguo grau de
importância acadêmico-científica4, posto que eivado de caracteres, conceitos e teorias
ambivalentes, não-relacionais – isso sem contar a falta, por parte do sujeito cognoscente, de
neutralidade axiológica no momento da apreensão e cognição do dado, assim como também
a falta5 de asseptabilidade epistemológica e de outros atributos principiológicos, de caráter
metodológico, do conhecimento científico que estudaremos, mesmo que de modo incidenter,
no presente trabalho de pesquisa.
Por fim, a terceira ratio que fundamentou a escolha do nosso
objeto/problema de estudo – esta, agora, de ordem jurídico-processual – reside na
3 Com essa preocupação de especificidade, sobretudo em teses do tipo teóricas, Umberto Eco, citando Gramsci, afirma: “uma tese teórica é aquela que se propõe atacar um problema abstrato, que pode já ter sido ou não objeto de outras reflexões”, mas, deve-se tomar cuidado com “os tipos de abordagem a que Gramsci chamava ‘breves acenos ao universo’” (ECO, Umberto. Como se faz uma tese. São Paulo: Editora Perspectiva, 1989, p. 11). 4 Adeodato, analisando tal situação, apresenta-nos os fatores condicionantes e causadores desta situação e mostra-nos que o ensino jurídico vem passando, nos últimos anos, por uma mudança estrutural e que, em assim permanecendo, aponta como eventual e possível conseqüência uma melhor qualificação dos trabalhos na área do Direito (ADEODATO, João Maurício. “Bases para uma metodologia da pesquisa em Direito”. Anuário dos Cursos de Pós-Graduação em Direito, nº 8. Recife: Ed. Universitária-UFPe, 1997, pp. 201-223). 5 Conforme assentem Luciano Oliveira e Eliane Junqueira em: Duas reflexões sobre a sociologia jurídica. In Cadernos do IDES. Rio de Janeiro, série pesquisa nº 8, maio de 2000. Neste mesmo sentido, o Professor Luciano Oliveira fala em vícios e problemas da produção científica em Direito, tais como, o manualismo, o reverencialismo, os evolucionismos desnecessários, vieses filosófico e sociológico inúteis e superficiais, a utilização de uma terminologia eminentemente retórica e alienada, usando de uma fundamentação baseada precipuamente em argumentos ab auctoritate, entre outros (OLIVEIRA, Luciano. Não fale do Código de Hamurábi. 2003. 21f. Artigo).
possibilidade de construção de uma terminologia jurídico-conceptual específica e apurada
que, aplicada à Ciência Jurídico-Processual, possibilitaria a resolução de questões
emblemáticas e, aparentemente, aporemáticas da teoria processual. Neste sentido, é que
consecutamos a construção, distintivo-analítica, dos institutos jurídico-processuais Litígio e
Lide, conforme se verá.
Destarte, a importância de tal estudo, precipuamente como uma
contribuição crítico-reflexiva para o conhecimento jurídico, mais precisamente no que diz
respeito à Ciência Jurídico-Processual, reside no fato de que é de fundamental importância
para a aferição do atributo da cientificidade no campo jurídico, a adoção de uma
terminologia específica, própria, apurada, ou seja, uma terminologia jurídico-conceptual.
Outrossim, é de se salientar a importância e o grau de indispensabilidade científica de tal
construção distintiva proposta, pois, despretensiosamente, contribuirá no sentido de
equacionar, redimensionar e solucionar, conforme assentimos acima, algumas questões,
aparentemente, aporemáticas da Ciência Jurídico-Processual e algumas incoerências do
Sistema Jurídico-Processual de normas como tecnologia, evidentemente jurídica, de
decidibilidade de conflitos.
17
1 – INTRODUÇÃO.
As hipóteses são redes: só quem as lança colhe alguma coisa.
NOVALIS
O presente trabalho de pesquisa científica, de natureza dissertativa, tem
como objeto/problema de estudo uma construção terminológico-conceptual, por certo
analítica e distintiva, dos institutos jurídico-processuais, Litígio e Lide, até então tomados
pela Ciência Jurídico-processual1 como elementos conceptuais de mesma referibilidade
fenomênica e terminológica, incluindo nesta perspectiva de investigação, por certo, teorética,
uma análise empírico-crítica do fenômeno da teleologicidade processual e da decidibilidade
de conflitos. A partir disso, observaremos e apontaremos, assim, as implicações teorético-
conceptual-metodológicas e tecnológico-pragmáticas que tal distinção traz como corolário
para a Ciência Jurídico-Processual, mormente no que diz respeito às suas instituições e
institutos fundamentais2, e para a resolução de questões, aparentemente, aporemáticas3 da
1 O conceito de Ciência Jurídica (ou Ciência do Direito, como alguns preferem denominar), aqui adotado, tem a mesma orientação conceitual proposta por Tércio Sampaio Ferraz Júnior. Para ele, fundamentado em proposições assertivo-terminológicas de Theodor Viehweg, a Ciência do Direito, em qualquer tipo de modelo teórico que se queira adotar – analítico, que tem a norma jurídica como objeto; hermenêutico, que tem como objeto de estudo o processo interpretativo de busca do sentido e alcance das proposições jurídicas hipotéticas; empírico, que tem como objeto de estudo a tecnologia jurídica de decidibilidade de conflitos – tem dois prismas metodológicos imprescindíveis para o entendimento do seu conceito, enquanto fenômeno jurídico-científico, quais sejam, o prisma dogmático e o prisma zetético. Pelo prisma metodológico dogmático, a Ciência do Direito – e aqui enquadramos os diversos tipos de conhecimento jurídico-científico como, no nosso caso, a Ciência Jurídico-Processual – teria um esquema conceitual voltado, precipuamente, para a formatação de uma técnica de decisão de conflitos, constituindo tal objetivo em fundamento de validade de qualquer proposição. Assim, diz Tércio Sampaio, a Ciência do Direito, do ponto de vista dogmático, tem como escopo a tecnologia jurídica de decidibilidade aliada a uma função pedagógica. Por assim dizer, os enunciados propostos, como no caso da presente dissertação, só terão validade e verificabilidade comprovadas se tiverem alguma relevância prática para o sistema jurídico-processual, entendido este como técnica-jurídica de decisão de conflitos. Por outro lado, pelo prisma metodológico zetético, a Ciência do Direito constituiria, do mesmo modo que nas outras ciências sociais e aplicadas em geral, um sistema de conhecimento formatado a partir dos postulados metodológicos e conceituais comuns a qualquer esquema de conhecimento científico, tal como o das demais ciências humanas e sociais, por exemplo. No caso do nosso estudo, entremeamos os dois prismas metodológicos para formular as teses aqui defendidas. Umas com relevância dogmática e outras com relevância zetética, conforme se verá. Nesse sentido, cf.: FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A ciência do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1991. 2 Segundo preceitua Cândido Rangel Dinamarco (DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, t. I., p. 110-111), no mesmo sentido de Vicente Ráo (RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos. 5. ed. anot. atual. São Paulo: RT, 1999, p. 228-229), aquilo que, recorrentemente, denominamos na dogmática jurídica tradicional – mais um legado da tradição romanística, é certo – de Instituto Jurídico, na verdade, trata-se de uma convenção conceitual a respeito de um determinado conhecimento existente na Ciência Jurídica. Nesse sentido, afirma ele – fundamentado em Vicente Ráo – que Institutos Jurídicos são grandes unidades sistemáticas de conhecimento jurídico, isto é, categorias jurídicas
1 - INTRODUÇÃO 18
Teoria Geral do Processo4, tais como a asserção do atributo da jurisdicionalidade na
chamada jurisdição voluntária e da aplicação do conceito de Lide para o processo penal.
Para a consecução de tais objetivos/hipoteses de pesquisa, e, por
conseguinte, verificabilidade e transformação dos mesmos em tese, procedemos, de plano,
em primeiro lugar, a uma análise teórico-conceptual e histórico-descritiva dos institutos –
Litígio e Lide – a partir da leitura da Ciência Jurídico-Processual clássica e moderna,
estrangeira e nacional, posto que na acepção da opinio communis doctorum – desde a
formulação do conceito de Lide por FRANCESCO CARNELUTTI5 até a dogmática
processualística mais recente – tais elementos conceptuais têm sido abordados como de
mesma significação fenomênica e terminológica e, como veremos, por conseguinte, tal
formuladas a partir de processos de generalização conceitual, que formam e delimitam as ciências jurídicas. Mas, por outro lado, nem Cândido Rangel Dinamarco, nem Vicente Ráo – aliás, pelo que pudemos observar, nenhum jurista o faz – distinguem instituto jurídico de instituição jurídica. Assim, nesta linha, assentindo tão-somente em parte a adoção conceitual dos referidos doutrinadores, propomos que “Instituto Jurídico” é, em verdade, uma unidade sistemática micro de conhecimento, enquanto que falar em instituição jurídica é pensar em unidade sistemática macro de conhecimento; isto é, enquanto instituição jurídica é categoria de conhecimento jurídico, instituto jurídico é subcategoria de conhecimento jurídico. De modo que, vários institutos jurídicos – que são unidades conceituais – formam uma instituição jurídica. Em assim sendo, teríamos, por exemplo, na Ciência Jurídico-Processual, como principais – assim consideradas pela unanimidade dos processualistas – instituições jurídico-processuais (unidades macro de conhecimento) a “Jurisdição”, a “Ação” e o “Processo” que, consubstanciariam em si, os vários institutos jurídico-processuais (unidades micro de conhecimento) que, também, formam a Ciência Jurídico-Processual. Exemplo: enquanto que a “Ação” é uma instituição jurídico-processual, “As condições da Ação” seriam institutos jurídico-processuais desta instituição; do mesmo modo, enquanto o “Processo” é uma instituição jurídico-processual, os “Pressupostos Processuais” seriam institutos jurídico-processuais de tal instituição. Em síntese: conceitos de um conceito maior que se adequam, ordenadamente, no sistema de conhecimento jurídico-processual por processos de definibilidade (utilizando critérios terminológicos, históricos, técnico-jurídicos, de genus proximum e diferentia specifica, entre outros) e de afinidade temático-conceptual. 3 Uma questão aporemática (de aporia) seria aquela, de acordo com a definição de Sócrates, citada por Platão, impossível de ser solucionada. Conforme, Robert François: “Impasse do pensamento. O raciocínio conduz quando nenhuma solução é possível. Sócrates conduz muitas vezes os seus interlocutores a aporias para os fazer mudar de problemática. Em Platão, um diálogo aporético é aquele que leva a uma impossibilidade de conclusão acerca do problema colocado” (ROBERT, François. Os termos filosóficos. 2. ed. Mem. Martins: PEA, 1995, v. 1). In casu, as lacunas e problemas teóricos aqui apresentados não constituem, na verdade, um problema aporemático. Diríamos que são aporias meramente aparentes, pois, como a de se ver, para todas as lacunas e incongruências apresentadas, apontamos uma solução, se não certa, ao menos, marcada pelo caractere da razoabilidade. 4 Entendemos aqui Teoria Geral do Processo como o conjunto de teorias processuais que fundamentam a Ciência Jurídico-Processual, nos seguintes termos: toda Ciência tem um suporte teórico que constitui o conjunto de teorias que fundamentam esta determinada ciência. Tais teorias são elaboradas a partir do conjunto de definições e conceitos de tal Ciência, sendo estes, na verdade, representações semióticas da realidade. Tais conceitos e definições são formulados a partir de termos que formam (ou pelo menos devem formar), assim, uma terminologia específica e apurada para esta determinada Ciência. É com base nesses postulados que devemos considerar a Ciência Jurídico-Processual. Neste mesmo sentido conferir: ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 17-22 e 30-41. 5 Cf. CARNELUTTI, Francesco. Instituições do Processo Civil. São Paulo: Classic Book, 2000, 3v. E: Idem. Sistema de Direito Processual Civil. São Paulo: Classic Book, 2000, 4v. Também: Idem. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Lejus, 1999.
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
1 - INTRODUÇÃO 19
indiscernibilidade e imprecisão terminológicas – e também metodológica – trazem uma série
de dificuldades conceptuais para a teoria processual.
Em seguida, tendo em vista esta problemática terminológico-conceptual
enfrentada de indiscernibilidade de identidade entre os institutos Litígio e Lide, analisamos e
assentimos, como condição de asseptabilidade, de assertibilidade e de verdade científica6 da
Jurisprudenz7 em geral – mormente no que concerne à Ciência Jurídico-Processual, seja ela
tomada pelo prisma dogmático ou zetético – a necessidade imperativa e categórica de
estruturação e adoção de uma terminologia jurídico-conceptual específica e apurada, com
delimitação precisa, sem ambivalência de significações, dos campos semânticos, sintáticos e
pragmáticos8 dos conceitos jurídicos. Isso porque, conforme assente RAFAEL BIELSA9, a
cientificidade das Ciências Jurídicas passa, a priori, como condição de procedibilidade
metodológica, pela formulação de definições e conceitos jurídicos precisos.
A seguir, na seção posterior, consecutamos a construção terminológico-
conceptual – por certo distintiva – proposta, assentindo, peremptoriamente, que Litígio e
Lide são elementos conceptuais de referibilidade e sentido diferentes, sendo um – o Litígio –
6 Tais atributos, por certo, princípios da atividade cognitivo-científica, serão melhor definidos e caracterizados, pormenorizadamente, mais adiante. Por hora, é necessário apenas salientarmos que se trata de atributos indispensáveis à identificação e enquadramento do conhecimento como científico. Neste sentido, temos, in verbis, que: “Asseptabilidade – diz-se que uma pesquisa atingiu a asseptabilidade científica, quando na consecução, demonstração, exposição e discussão da proposição hipotética o sujeito cognoscente manteve-se, especificamente, centrado na área de conhecimento científico a qual pertence o seu objeto de estudo e, quando das digressões e incursões epistemológicas, teve ciência e consciência dessas; Assertibilidade – do ponto de vista da Lógica, condições de assertibilidade são as condições que uma determinada elocução – proposição – tem de satisfazer para poder ser produzida cientificamente. Assim, no caso da pesquisa científica, para uma determinada proposição – hipotese – ser demonstrada, ou seja, considerada tese, é necessária a satisfação de certos requisitos e pressupostos de caráter teórico-metodológico na consecução da pesquisa. Assim, a utilização do instrumental metodológico constitui, em si, uma condição de assertibilidade, isto é, uma condição, indispensável, de produção do conhecimento científico; Verdade – a Verdade científica constitui um conjunto de condições que uma proposição tem de satisfazer para ser verdadeira, do ponto de vista científico. No caso da pesquisa científica, da produção do conhecimento científico, estas condições dizem respeito à observância de certos princípios e preceitos de ordem teoórico-metodológica e ao enquadramento epistemológico que dá sentido e definibilidade aos esquemas conceituais trabalhos pelo pesquisador” (SANTOS, Uziel Santana. Pesquisa Sócio-Jurídica: A imperatividade do instrumental teórico-metodológico como condição de neutralidade, asseptabilidade, assertibilidade e verdade científica. 2001. 23f. Monografia – Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, p. 18-19). 7 Jurisprudez ou Jurisprudence – alemão e inglês, respectivamente – entendido, desde a Escola Histórica de Savigny como a Ciência do Direito (Juris Scientia). Neste sentido, cf.: FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A ciência do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1991, p. 29. 8 Cf. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, decisão e dominação. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2001. E: WARAT, Luis Alberto. O Direito e sua linguagem. Porto Alegre: FABRIS, 1984. 9 Cf. BIELSA, Rafael. Los conceptos jurídicos y su terminologia. 3. ed. aum. Buenos Aires: Depalma, 1993.
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
1 - INTRODUÇÃO 20
um antecedente fáctico-causal e lógico e o outro – a Lide – o conseqüente jurídico-
processual necessário para a formatação da relação jurídico-processual. E, em assim sendo,
isto é, assentindo-se e aferindo-se a análise e construção distintiva consecutadas, teríamos
várias repercussões e implicações de ordem teorético-conceptual e tecnológico-pragmática
na formatação das instituições e institutos fundamentais da Ciência Jurídico-Processual e,
por conseguinte, na teoria processual, tal como, por exemplo, na formatação da definição e,
conseqüente, conceituação dos institutos da “Relação Jurídico-Processual”, do “Meritum
Causae”, do “Thema Decindendum”, do “Objeto do processo” (o streitgegenstand dos
alemães), das “Condições de Admissibilidade do Julgamento da Lide” (Pressupostos de
constituição e desenvolvimento válido e regular do processo e Condições da ação –
Prozessvoraussetzungen e Klagvoraussetzungen, respectivamente), das técnicas
procedimentais de cognição e da “Res Judicata”, conforme inferiremos, assentiremos e
argumentaremos adiante.
Em seguida, ainda como aplicabilidade da distinção terminológico-
conceptual adotada, consecutamos a aplicação de tais conceitos distintivos na
processualística penal e no âmbito do temário da jurisdição voluntária, assentindo, na
primeira hipótese, quanto à processualística penal, que a Lide, ao contrário do que preceitua
a dogmática jurídico-processual10, é também o conteúdo do processo penal e, na segunda
hipótese, quanto à chamada Jurisdição Voluntária, que é aferível e factível a assertiva
proposicional do atributo da jurisdicionalidade nesta espécie de jurisdição, conhecida e
considerada pela dogmática processual, clássica e moderna, como tão-somente uma
atividade administrativo-integrativa do Estado em assuntos de interesse eminentemente
10 Neste sentido, Antonio Carlos Cintra, Ada Pallegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, afirmam: “quando se trata de lide envolvendo o Estado-administração, o Estado-juiz substitui com atividades suas as atividades dos sujeitos da lide – inclusive a do administrador. Esta idéia também encontra aplicação no processo penal. Quem admitir que existe a lide penal (de resto, negada por setores significativos da doutrina) dirá que ela se estabelece entre a pretensão punitiva e o direito à liberdade; no curso do processo penal pode vir a cessar a situação litigiosa, como quando o órgão da acusação pede absolvição ou recorre em benefício do acusado – mas o processo penal continua até a decisão judicial, embora a lide não exista mais. Em vez de ‘lide penal’ é preferível falar em controvérsia penal” (ARAÚJO CINTRA, Antonio Carlos; GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 13. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 132).
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
1 - INTRODUÇÃO 21
privado11, onde não se tem, na verdade, um conflito intersubjetivo qualificado pela
pretensão de um e pela resistência do outro, isto é, uma Lide – na visão carneluttiana. Na
verdade, como explicitaremos e argumentaremos, não há um Litígio, mas sim uma Lide, isto
é, um conteúdo factual que foi deduzido e precisa de um pronunciamento jurisdicional.
Por fim, tendo em vista a investigação empírica realizada com membros da
magistratura do primeiro e segundo grau atuantes no Estado de Pernambuco, procedemos à
construção, também analítico-distintiva, agora através de uma análise empírico-crítica, dos
conceitos Litígio e Lide, observando-se e apontando-se qual o verdadeiro telos do processo:
se a decidibilidade do Litígio, isto é, do conflito social, ou se, meramente, a decidibilidade da
Lide, isto é, do conteúdo do processo, através da mera subsunção hermenêutico-silogística,
sem a preocupação com a real e material resolução do conflito (Litígio) que deu ensejo à
formação da Lide processual. Outrossim, nesta mesma perspectiva empírico-investigativa,
procedemos, ainda nesta última seção, a uma análise da técnica processual de limitação da
cognição (Lide ≤ Litígio) como reflexo de uma ideologia determinante na estruturação e
formatação dos procedimentos diferenciados, ditos especiais, associando tal assertiva
proposicional, na esteira da teoria cappellettiana12, à problemática do acesso à justiça e à
limitação cognoscitiva imposta pelo princípio da congruência em contraposição ao princípio
constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional.
11 Neste sentido, cf.: ALVIM, J. E. Carreira. Teoria Geral do Processo. 8. ed. rev. amp. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 75-81. 12 Cf. CAPPELLETTI, Mauro. O processo civil no direito comparado. Belo Horizonte: Editora Líder, 2001.
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
1 – INTRODUÇÃO. 1.1 – Proposições Sinópticas e Propedêuticas. 22
1.1 – PROPOSIÇÕES SINÓPTICAS E PROPEDÊUTICAS.
A distinção conceptual que se propõe consecutar neste trabalho de
pesquisa científica se justifica, precípua e precisamente, em face da imprecisão terminológica
e metodológica da Teoria Geral do Processo, frente à definição, uso e menção13 dos termos,
Litígio e Lide, pois, como sabemos, na acepção assente da dogmática jurídico-processual,
esses institutos têm sido abordados como elementos conceptuais de mesma referibilidade e
significação. Em assim sendo, tal acepção sinonímica leva-nos à verificação de certas
incoerências e lacunas no conhecimento jurídico-processual. Talvez a maior dessas
incoerências, encontra-se no problema da teleologicidade e tecnologia jurídico-processual,
posto que, no plano teorético, assente-se, peremptoriamente, que a objetividade jurídica
precípua do processo é a resolução do Litígio (ou Lide, na acepção comum) e conseqüente
pacificação social, sendo que, no plano factual, conforme pudemos observar quando da
realização da pesquisa empírica com os magistrados atuantes em Pernambuco, temos, in
claris, que a teleologicidade do processo se assenta, tão-somente, na decidibilidade da Lide e
só a posteriori – sem isso constituir um conseqüente necessário – na resolução do Litígio, do
conflito.
Além disso, fazendo-se uma análise da técnica processual de cognição14,
segundo pudemos observar, quando o legislador estabelece, em certos procedimentos, ditos
especiais, algumas limitações à cognição do juiz, na verdade, em muitos casos, é evidente
que, ao contrário do discurso oficial que fala em especialização do procedimento para se
13 De um ponto de vista lógico, distinguir o uso de um termo ou de uma frase da sua menção é fundamental para evitar falácias. Assim, o uso de uma palavra tem a ver com a incidência do seu significado, já a menção da mesma deve ser feita de acordo com o contexto lingüístico em que ela está sendo utilizada (ENCICLOPÉDIA DE TERMOS LÓGICO-FILOSÓFICOS. Portugal. Sociedade Portuguesa de Filosofia. Disponível em: http://bd1.bn.pt/enci/. Acesso em: 18 set. 2000). 14 E, quanto a esta análise, os referenciais teóricos utilizados por nós foram: Mauro Cappelletti (CAPPELLETTI, Mauro. Processo e ideologie. Bologna: Il Mulino, 1969), Kazuo Watanabe (WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. 2. ed. atual. Campinas: Bookseller, 2000), Luiz Guilherme Marinoni (MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 4. ed. rev. ampla. São Paulo: Malheiros, 2000) e Cândido Rangel Dinamarco (DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2002).
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
1 – INTRODUÇÃO. 1.1 – Proposições Sinópticas e Propedêuticas. 23
atingir a efetividade da tutela jurisdicional, o que se está estabelecendo é um tratamento
diferenciado para uma determinada categoria de partes, atestando-se, assim, que na
consecução legislativa dos procedimentos, observa-se, decididamente, a influência de fatores
ideológicos15 que consubstanciam a estruturação e formatação das técnicas procedimentais
de cognição. Neste sentido, correspondeu-nos, o Professor LUIZ GUILHERME MARINONI16:
Na linha da sua proposta(...), estabelecendo-se a diferença entre lide e litígio, no sentido de que a lide é aquilo que, do litígio, é levado ao conhecimento do juiz, e assim delimitado pelo pedido contido na petição inicial, a lei, ao construir procedimentos diferenciados (ou especiais), permite que o investigador vislumbre o tratamento especial conferido a determinadas situações de direito substancial. Por exemplo: na ação de busca e apreensão, fundada no Decreto-Lei 911/69, o legislador desejou, em princípio, impedir que o réu pudesse alegar, em sua defesa, contrariedade à lei ou ao contrato; o réu somente poderia alegar o cumprimento da sua obrigação. Um procedimento deste tipo, como é evidente, limita a cognição do juiz, abreviando o tempo para a prestação da tutela jurisdicional, interessando apenas a alguns. É por isso que se pensa na técnica da cognição, como técnica de construção de procedimentos especiais, por meio da qual exclui-se a possibilidade das partes alegarem e discutirem determinada parcela da lide [litígio], definindo-se que somente algumas questões da lide [litígio] podem ser enfrentadas, e estas é que vão conformar o litígio [lide] a ser definido pelo juiz. Nesta linha, seria possível analisar a ideologia dos procedimentos, ou seja, as razões que estão por detrás dos procedimentos que tratam de forma especial determinadas situações de direito substancial e algumas posições sociais, excluindo a possibilidade de debate de determinada porção da lide [litígio] (Grifos no texto do remetente e alterações, em colchetes, minhas).
Tal ideologização das técnicas procedimentais tem, assim, ampla
repercussão e implicação na problemática do acesso à justiça – posto que, evidencia-se, in
claris, o impedimento da dedução de parte do Litígio, constituindo-se tal fato, por certo, em
um obstáculo jurídico17 de acesso à Justiça – e, sobretudo, na (de)limitação teórica e
15 Neste sentido, cf.: BECKER, L. A. Contratos Bancários: execuções especiais (SFH – SFI – Alienação Fiduciária – Crédito Rural e Industrial). São Paulo: Malheiros, 2002. 16 MARINONI, Luiz Guilherme. Publicação eletrônica [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]> em 05 agos. 2002. 17 Isto é, além dos tradicionais obstáculos, apontados pela dogmática jurídico-processual moderna – obstáculos, por certo, de natureza material, como, por exemplo, o alto custo do processo judicial, a baixa capacidade econômica da maioria da sociedade, o desconhecimento dos direitos, entre outros – obstáculos esses que impedem o efetivo “Acesso à Justiça”, temos, ainda, pelo que estamos a demonstrar, na sistemática do processo, mais um tipo de obstáculo, o obstáculo de ordem jurídico-normativa, isto é, aquele que impede que parte do conflito (Litígio) seja deduzido em Juízo, formando, assim, a Lide. Sobre os obstáculos materiais, conferir Mauro
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
1 – INTRODUÇÃO. 1.1 – Proposições Sinópticas e Propedêuticas. 24
tecnológico-pragmática dos princípios da inafastabilidade do controle jurisdicional e da
congruência (ou dispositivo), conforme explicitaremos adiante.
Por outro lado, a distinção teórico-conceptual proposta, repercute,
também, conforme já afirmamos, no processo de definibilidade e, por conseguinte, de
conceituação das instituições e institutos fundamentais da Ciência Jurídico-Processual. Assim,
se, por exemplo, admitíssemos, como a dogmática processual clássica assente, que a Lide é
o conflito de interesses qualificado pela pretensão de um e pela resistência do outro, e, em
assim sendo, uma realidade não só jurídica, mas, principalmente, sociológica18, em verdade,
não poderíamos nos limitar a estudar tão-somente as instituições “Jurisdição”, “Ação” e
“Processo” (e seus respectivos institutos jurídico-processuais) – denominadas, por RAMIRO
PODETTI19, de Trilogia Estrutural do Direito Processual e que, como assentimos, em nota,
consubstanciariam os pilares da Ciência Jurídico-Processual – sem estudar, assim, com o
mesmo grau de importância dogmático-científica, o conflito (Litígio ou Lide), como dado
sociológico que é, sob pena de não conseguirmos elaborar uma efetiva tecnologia jurídica de
decidibilidade de conflitos. Destarte, implicações dessa ordem são sentidas na
(re)formulação dos conceitos de certos institutos jurídico-processuais a partir da distinção
conceptual proposta, tais como, o do que é, na verdade, a “Relação Jurídico-Processual”, o
que consubstancia o “Meritum Causae” e, por conseguinte, o “Thema Decidendum” do juiz,
qual, enfim, o “Objeto do processo” (as condições de admissibilidade do julgamento da lide,
isto é, as condições da ação e os pressupostos processuais, e o mérito, entendendo-se este
como Lide = Litígio?) e, sobretudo, qual o âmbito de abrangência conceptual e material da
“Res Judicata”, tendo em vista, mormente, o que preceituam os artigos 468 e 474 do Código
de Processo Civil brasileiro a respeito da definição do que seriam “questões decididas”,
Cappelletti, em seu “Acess to Justice: The worldwide movement to Make Rights Effective: A general reports” (CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: FABRIS, 1988.). 18 Como afirmaram Calamandrei, Liebman e outros processualistas (Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil moderno. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, t. I, p. 252-254.). 19 Cf. PODETTI. J. Ramiro. Teoria y Técnica del Proceso Civil y Trilogia Estructural de la Ciencia del Proceso Civil. Buenos Aires: EDIAR, 1963, p. 335-340.
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
1 – INTRODUÇÃO. 1.1 – Proposições Sinópticas e Propedêuticas. 25
“questões da lide” e “julgamento parcial da lide”. Neste sentido, correspondeu-nos20,
também, o Professor LUIZ GUILHERME MARINONI:
Na linha da sua proposta (...), posta a distinção entre os conceitos de lide e litígio (e analisadas as doutrinas de Carnelutti e Liebman), também é interessante a análise dos arts. 468 e 474 do CPC. Em outras palavras: o art. 468 fala em julgamento parcial da lide. O problema é o de saber se tal dispositivo está falando da lide pré-processual [litígio] ou se está identificando lide e litígio? Mais: tal artigo fala em “questões decididas”. O conceito de questão, também ligado ao de lide, tem uma conceituação própria em Carnelutti. É importante definir o que é “questão da lide”. Por outro lado, como interpretar o art. 474? Este afirma que: ‘passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido’. Se o pedido conforma a lide, seria possível dizer que as alegações e defesas que não deram conformidade á lide (mas que fazem parte do litígio) estão acobertadas pela coisa julgada? (Grifos no texto do remetente e alterações, em colchetes, minhas).
Do mesmo modo, tal imprecisão referencial dos termos, leva-nos a uma
outra lacuna do sistema teórico-processual, qual seja: considerando-se ser a Lide – como na
teorização carneluttiana (que é a adotada) – o conteúdo necessário, uma propriedade
intrínseca do processo – com a idéia manifesta de conflito, de peleja, de litígio inter partes –
chegamos à constatação da existência de processos sem a incidência, propriamente dita, de
uma Lide (entendida aqui como Litígio – conforme CARNELUTTI21), como nos casos dos
procedimentos de Jurisdição Voluntária, que seriam, tão-somente, de caráter administrativo-
integrativo, sem a verificação de um conflito entre partes e, por conseguinte, sem o
caractere necessário da jurisdicionalidade, isto é, sem ser, propriamente dito, atividade
jurisdicional. Mas, efetivamente, considerando a construção distintiva aqui proposta, tal
compreensão não deve ser admitida e, assim, conforme assentiremos e argumentaremos a
posteriori neste trabalho, os termos – Litígio e Lide – utilizados de forma indistinta, como
20 MARINONI, Luiz Guilherme. Publicação eletrônica [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]> em 05 agos. 2002. 21 Cf. CARNELUTTI, Francesco. Instituições do Processo Civil. São Paulo: Classic Book, 2000, t. I, p. 77-94.
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
1 – INTRODUÇÃO. 1.1 – Proposições Sinópticas e Propedêuticas. 26
indexicais22, pela dogmática jurídico-processual, devem ser entendidos como de opacidade
referencial23, isto é, termos não co-referenciais, com Bedeutung24 (referência) e Sinn25
(sentido) diferentes – utilizando uma linguagem lógica. Tal caracterização distintiva elidiria,
por conseguinte, a presente lacuna do sistema, assim como também, no que diz respeito à
existência, ou não, de uma Lide no processo penal, posto que a dogmática jurídico-
processual entende que não há que se falar em Lide penal, pois, em absoluto, segundo
assentem eles, na res in judicium deductae do processo penal, mais precisamente nos pólos
da relação jurídico-processual penal, não encontramos uma Lide (entendida como Litígio)
entre partes. Na verdade, na há mais um Litígio inter partes, posto que este ocorreu antes
do processo, isto é, num plano pré-processual; in casu, no processo penal, há, então, um
conteúdo deduzido a partir do fato criminoso (o Litígio) que precisa de um pronunciamento
jurisdicional. Tal conteúdo seria, então, a Lide processual, consubstanciada aqui, no processo
penal, pela pretensão punitiva do Estado-Administração – através do órgão do Ministério
Público – e pela resistência a esta pretensão oferecida pelo acusado.
Pois bem. Embora ainda não seja este o momento de discorrermos sobre o
conceito de Litígio e Lide do ponto de vista teorético-conceptual e histórico-descritivo – pois
tal leitura será realizada na seção subseqüente – vamos, tão-somente, a título de
22 Segundo a Enciclopédia de Termos Lógico-Filosóficos da Sociedade Portuguesa de Filosofia, indexicais “são palavras ou expressões cujo valor semântico ou referência, relativamente a uma dada ocasião de uso, depende sistematicamente de certas características do contexto extralinguístico em que são utilizadas” (ENCICLOPÉDIA DE TERMOS LÓGICO-FILOSÓFICOS. Portugal. Sociedade Portuguesa de Filosofia. Disponível em: http://bd1.bn.pt/enci/. Acesso em: 18 set. 2000). Nesse mesmo sentido: KAPLAN, David. Demonstratives. Themes from Kaplan. Oxford: Oxford University Press, 1989. 23 Diz-se que há, em um contexto lingüístico, opacidade referencial, quando os termos utilizados não são co-referenciais entre si e, em assim sendo, num contexto lingüístico, assim, não pode ocorrer a substituição salva veritate. No caso, os contextos onde o princípio da substituição salva veritate não pode ser aplicado são referencialmente opacos e os contextos onde tal princípio lógico pode ser aplicado são referencialmente transparentes. Neste sentido, cf.: QUINE, W. V. Reference and Modality. From a Logical Point of View. Cambridge: Harvard University Press, 1953. 24 Técnica e logicamente falando, a Bedeutung de uma expressão lingüística (seja essa um termo, um predicado ou uma frase) é a referência de tal expressão, isto é, o correlato – correspondência – da expressão lingüística no mundo. Neste sentido, cf.: FREGE, Gottlob. Function and Concepts. Trad: P Geach e M. Black. Oxford: Blackwell, 1960. Também cf.: DUMMETT, Michael. Philosophy of Language. Londres: Duckworth, 1981. 25 O sinn (sentido) é o modo de apresentação de um objeto associado a um termo. Muitas vezes, alguns termos têm a mesma referência, mas, sentidos diferentes. No caso da distinção aqui proposta, Litígio e Lide têm referência (Bedeutung) e sentido (Sinn) diferentes (cf. FREGE, Gottlob, op. cit).
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
1 – INTRODUÇÃO. 1.1 – Proposições Sinópticas e Propedêuticas. 27
apresentação sinóptica e propedêutica tecer alguns comentários sedimentados na dogmática
processual a respeito dos termos sub examen. Vejamos, então.
Como afirmamos, no campo da moderna dogmática processual26, coube, a
CARNELUTTI27, a formulação do conceito de “Lide”. Para ele, a Lide seria “um conflito
(intersubjetivo) de interesses qualificado por uma pretensão contestada (discutida)”28, sendo
assim, um fenômeno exterior ao processo que, deduzido em juízo, materializava-se numa
formulação peticional, num pedido. No caso, tal interesse seria a posição favorável de uma
das partes para a satisfação de uma necessidade sua e a pretensão (a anspruch dos
alemães), por sua vez, seria a exigência de subordinação de uma das partes a um
determinado interesse de outra. Para ele, também, apesar de estar certo, naquele momento,
que a terminologia a esse respeito ainda não estava consolidada, não havia distinção
sintática, semântica ou pragmática entre Lide, causa, Litígio e controvérsia, sendo tais
termos caracterizados pelo que na lógica e na lingüística se chama de indiscernibilidade de
identidade29.
Neste mesmo sentido, um outro processualista moderno da escola italiana,
de uma geração anterior, mas ainda contemporânea de CARNELUTTI, GIUSEPPE
CHIOVENDA30, adotou – embora com algumas reformulações e reservas – a mesma
conceituação e os mesmos critérios de definibilidade para a caracterização da Lide, de
CARNELUTTI, sendo que, para ele, tal conceito era de exígua e menor importância. De todo
26 Entendido aqui que a moderna dogmática jurídica processual teve como marco didático-temporal a publicação, em 1868, do livro de Oskar Von Büllow Die Lehre von den Processeinredem und die Processvoraussetzungen (A teoria das exceções processuais e os pressupostos processuais). 27 Cf. CARNELUTTI, Francesco. Teoria Generale del Diritto. 3. ed. Roma: Soc. Ed. Do Foro Italiano, 1951. Também: Idem. Lite e processo. Rivista di Diritto Processuale Civile, 1941. Tradução para o espanhol – Litis y proceso – por Santiago Sentis Melendo, em Estúdios de Derecho Procesal Civil, Buenos Aires, EJEA, 1952. 28 Cf. CARNELUTTI, Francesco. Instituições do Processo Civil. Trad: Adrián Sotero De Witt Batista. São Paulo: Classic Book, 2000, v. 1, p. 78. 29 Do ponto de vista lógico-lingüístico, a indiscernibilidade de idênticos estabelece-se sempre que for possível a aplicação do princípio da substituição salva veritate. Deste modo, dada uma afirmação de identidade verdadeira qualquer dos seus termos pode ser substituído pelo outro (Lide por Litígio e vice-versa) numa frase verdadeira sem mudar o seu valor de verdade. Tal proposição foi proposta por W. V. QUINE. Neste sentido, conferir os trabalhos: KRIPE, S.. Naming and Necessity. Oxford: Blackwell, 1980 e, também: QUINE, W. V. Reference and Modality. From a Logical Point of View. Cambridge: Harvard University Press, 1953. 30 Cf. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituciones de Derecho Procesal Civil. Trad: E. Gómez Orbaneja. Madri: Editorial Revista de Derecho Privado, 1941.
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
1 – INTRODUÇÃO. 1.1 – Proposições Sinópticas e Propedêuticas. 28
modo, para CHIOVENDA, a Lide seria sim um conflito de interesses, qualificado pela
pretensão de um e resistência do outro, mas não se tratava de um fato exterior ao processo.
Ela, ao contrário, seria o conteúdo do próprio meritum causae, sendo assim, informada e
consubstanciada na demanda31. Desta maneira, em assim sendo, falar em Lide (ou Litígio) é
o mesmo que falar em meritum causae do processo ou em res in iudicium deductae, sendo
tais conceitos determinados a partir do ato processual da demanda, posto que, segundo
assente CHIOVENDA, sentença de mérito é o provimento do juiz acolhendo ou rejeitando tal
formulação (domanda) do autor. Mas, da mesma maneira que CARNELUTTI32, ele não
enfrentou ou assentiu numa diferenciação terminológica entre Litígio ou Lide, ou entre
Litígio, Lide e causa. Permanecendo, imanente e manifesto, na sua obra, a ambigüidade e
referibilidade dos termos. Sendo assim, o processo permanecia como uma moldura legal e
ficta de resolução de conflitos (Lide).
Nessa mesma perspectiva, outros clássicos processualistas como UGO
ROCCO33 e PIERO CALAMANDREI34 também corroboraram – com algumas modificações não
tão sistemáticas, muito embora com algumas críticas um tanto severas, como a que
CALAMANDREI fez em um trabalho de recensão feito na Rivista de Diritto Processuale35 a
pedido do próprio CARNELUTTI – a formulação teórica da Lide. Nesse sentido,
CALAMANDREI afirmava que a formulação carneluttiana, apesar de consistente, não tinha
grande utilidade sistemática36, apontando, em seguida, algumas falhas da teoria, conforme
veremos pormenorizadamente adiante. Mas, no geral, para esses autores, a Lide ou Litígio
31 Cf. CHIOVENDA, Giuseppe. Principii di diritto processuale civile. 4. ed. Nápoles: Jovene, 1928. 32 Cf. CARNELUTTI, Francesco. Teoria Generale del Diritto. 3. ed. Roma: Soc. Ed. Do Foro Italiano, 1951. Também: Idem, Francesco. Lite e processo. Rivista di Diritto Processuale Civile, 1941. Tradução para o espanhol – Litis y proceso – por Santiago Sentis Melendo, em Estúdios de Derecho Procesal Civil, Buenos Aires, EJEA, 1952. 33 Cf. ROCCO, Ugo. Corso di Teoria e Practica del processo civile. Nápoles: Scientifica Editrice, 1950. 34 Cf. CALAMANDREI, Piero. Estúdios sobre el proceso civil. Trad: Santiago Sentís Melendo. Buenos Aires: Editorial Bibliográfica Argentina, 1945. 35 Cf. Idem. Estudos de Direito Processual. Campinas: LZN Editora, 2003. E, principalmente: Idem. Il concetto di “lite” nel pensiero di Francesco Carnelutti. In Rivista di diritto processualle civile. v. V. Padova. Cedam, 1928. 36 CALAMANDREI, apud DINAMARCO. Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 297.
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
1 – INTRODUÇÃO. 1.1 – Proposições Sinópticas e Propedêuticas. 29
era um conflito de interesses que, deduzido em juízo, consubstanciava-se no mérito da
causa.
Outros importantes autores da dogmática jurídico-processual –
notadamente da segunda metade do século passado para cá – como LIEBMAN37, JAIME
GUASP38, NICETO ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILLO39, EDUARDO COUTURE40, MAURO
CAPELLETTI41, entre outros, conforme veremos mais detidamente na próxima seção deste
trabalho – assentiram, em parte, com a teoria da Lide/Litígio propondo, por assim ser,
algumas reformulações à teorização carneluttiana. No que diz respeito à diferenciação
terminológico-conceitual aqui proposta, tais autores não enfrentaram diretamente esta
questão, acreditando, como os outros, na mesma significação dos termos, Litígio e Lide e, no
caso, apesar das incoerências e lacunas encontradas na formulação tética de CARNELUTTI,
assentiram e vislumbraram a importância do conceito de Lide para uma formatação unitária
e metodológica do sistema processual, sobretudo, civil.
Por sua vez, na dogmática processual brasileira42, as teorizações, no campo
da Teoria Geral do Processo, conforme se verá, com raras exceções, têm sido no sentido de
acompanhar o pensamento das escolas italiana e alemã. Assim, quanto à conceituação de
Litígio e Lide, os processualistas brasileiros têm concordado com a formulação carneluttiana,
com algumas poucas reformulações, fruto das considerações críticas já apontadas,
sobretudo, pela doutrina processual italiana. Até mesmo do ponto de vista do sistema de
normas jurídicas que regulamentam o processo civil pátrio, temos que o legislador utilizou,
na elaboração do Código de Processo Civil de 1973, a premissa metodológica carneluttiana,
37 Cf. LIEBAMN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. 2. ed. Trad: Cândido Rangel Dinamarco. Rio de Janeiro: Forense, 1985. 38 Cf. GUASP, Jaime. Derecho Procesal Civil I. 3. ed. Madrid: Institutos de Estúdios Políticos, 1968. 39 Cf. ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILLO, Niceto. Proceso, autocomposición y autodefesa. Buenos Aires: Unam, 1970. 40 Cf. COUTURE, Eduardo. Estúdios de Derecho Procesual Civil. 3. ed. Buenos Aires: Depalma, 1989, t. 3. 41 Cf. CAPPELLETTI, Mauro. Processo e ideologie. Bologna: Il Mulino, 1969. 42 Sobretudo os autores ligados às escolas de direito processual Pernambucana, Paulista, Sulista e Paranaense. Nesse sentido, cf.: MOREIRA DE PAULA, Jônatas Luiz. História do Direito Processual Brasileiro – Das origens Lusas à Escola Crítica do Processo. Barueri: Manole, 2003.
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
1 – INTRODUÇÃO. 1.1 – Proposições Sinópticas e Propedêuticas. 30
com algumas exceções que, inclusive, levaram à formação de uma grande incoerência
teórico-metodológica do sistema, conforme assente DINAMARCO43.
PONTES DE MIRANDA44, conjecturando a respeito do conceito de Lide, por
certo, um pouco diferentemente da visão tradicional dos nossos processualistas – até porque
ele tivera uma formação processual mais alemã do que italiana – assim declara:
Lide é ‘ação’, litígio (litigium), querela, disputa, em que se vai perder, ou em que se vai ganhar. Enquanto pende a ação, com o seu processo, há litispendência, de modo que não se pode chamar ‘lide’ o mérito da causa. Enquanto há lide, lida-se (donde ‘lida’, peleja, fadiga). Há o ‘litisconsórcio’. Quem teve a decisão que reputou nulo o processo perdeu a lide, sem se tratar de mérito. Já no antigo latim havia lis, luta.
JOSÉ FREDERICO MARQUES45, por sua vez, um outro importante
processualista brasileiro – que, junto com HÉLIO TORNAGHI46 – conforme veremos – foi um
dos poucos a enfrentar a questão da identidade entre os conceitos aqui estudados – afirma
que Litígio e Lide são palavras sinônimas, assim como o são Lide, causa, e contenda.
Enuncia, também, baseado em CARNELUTTI, que a Lide é um fenômeno exoprocessual,
constituindo uma condição essencial e indispensável para o processo. Outrossim, outros
autores mais recentes da dogmática jurídico-processual brasileira, tais como ADA
PELEGRINNI47, CÂNDIDO DINAMARCO48, ARAÚJO CINTRA49, ARRUDA ALVIM50, entre
43 Neste sentido, declara, in verbis, Dinamarco: “Outra fonte de imperfeições terminológicas, mais sérias porque mais profundas, é a coexistência, no mesmo diploma legal, de dispositivos presos à teoria da lide, com outros pertinentes à teoria da ação. Esses conceitos são inconciliáveis, eles revelam métodos diferentes, sendo desaconselhável que o mesmo Código oscile entre um e outro. O estatuto brasileiro do processo civil filia-se declaradamente a uma doutrina muito conhecida sobre a ação e suas condições, fazendo-o principalmente quando alude a estas e as discrimina nos termos da lição aceita (possibilidade jurídica, legitimidade, interesse: arts. 267, inc. VI, e 295, incs. II e III, e par., inc. III), e emprega o vocábulo ação em mais de uma centena de dispositivos; define a conexidade, coisa julgada, e litispendência segundo os cânones dos três eadem (partes, causa de pedir, pedido (...)). Esse linguajar é absolutamente incompatível com o sistema carneluttiano, que gira em torno da lide, mas em outros dispositivos o Código vale-se desta como critério para uma série de preceitos” (DINAMARCO. Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 143.). 44 Cf. MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1996, t. I, p. XXXII. 45 Cf. MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 1976. 46 Cf. TORNAGHI, Hélio. A relação processual penal. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 1987. 47 Cf. ARAÚJO CINTRA, Antonio Carlos; GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 13. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 1997. 48 Op. cit.
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
1 – INTRODUÇÃO. 1.1 – Proposições Sinópticas e Propedêuticas. 31
outros, seguem a doutrina carneluttiana, sem reparos, no que diz respeito à distinção aqui
proposta, muito embora com ressalvas quanto à colocação da teoria da Lide ou do Litígio
como ponto central51 do sistema jurídico-processual de conhecimento; muito desses, é bem
verdade, não chegaram nem a enfrentar, do ponto de vista de uma possível distinção, a
problemática aqui apresentada.
No que diz respeito à teleologicidade do processo, a dogmática jurídico-
processual moderna – a partir de WACH52, BÜLLOW53, KOHLER54, DEGENKOLB55 e
CHIOVENDA56 – é quase unânime em enunciar que, imediatamente, a função do processo é
a realização do direito objetivo e, tão-somente, mediatamente, a pacificação do conflito de
interesses, com a restauração do status quo ante. Nas palavras de PONTES DE MIRANDA57,
a teleologicidade do processo reside, precipuamente, na entrega da prestação jurisdicional
que satisfaz à tutela jurídica requerida. Em verdade, demonstraremos, aqui, que tal tese
sobre a objetividade jurídica do processo (o telos do processo), como sendo um instrumento
de resolução dos conflitos sociais e conseqüente pacificação, deve ser melhor compreendida,
posto que, pelo que pudemos observar da nossa incursão empírica, o sistema processual, tal
como ele está montado, oferece o instrumental para que o juiz decida e resolva58, precípua e
quase que exclusivamente, a Lide (e as questões atinentes a ela) e não, necessariamente, o
Litígio; isto é, o fato social conflituoso que ensejou a formação do processo judicial, onde se
49 Op. cit. 50 Cf. ARRUDA ALVIM, José Manuel de. Manual de Direito Processual Civil. 5. ed. São Paulo: RT, 1996. 51 Nesse sentido, conferir: DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do Processo. 10. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 56-58. 52 Cf. WACH, Adolf. Manual de derecho procesal civil. Buenos Aires: EJEA, 1977. 53 Cf. BÜLLOW, Oskar Von. La teoria de las excepciones procesales y los presupuestos procesales. Buenos Aires: EJEA, 1964. 54 KÖHLER, Apud DINAMARCO. Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2002. 55 DEGENKOLB, apud Ibidem. 56 Cf. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituciones de Derecho Procesal Civil. Trad: E. Gómez Orbaneja. Madri: Editorial Revista de Derecho Privado, 1941. 57 Cf. MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1996, t. I. 58 A respeito desses termos – decidir e resolver – afirma Liebman, de modo coerente do ponto de vista terminológico, que o juiz decide sobre o mérito e resolve as questões sobre o mérito (Cf. LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 170-176.).
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
1 – INTRODUÇÃO. 1.1 – Proposições Sinópticas e Propedêuticas. 32
consubstancia a Lide. De modo que, em muitos casos concretos observados, o juiz resolvera
e decidira a Lide processual, mas permaneceu latente na sociedade o Litígio interpartes.
Assim, pelo que pudemos observar, se a dogmática jurídico-processual,
seja ela estrangeira ou nacional, é quase uníssona – a maioria dela, é certo, por não ter
enfrentado a questão – em afirmar que a Lide é o conflito de interesses, a disputa pelo bem
da vida, objeto do Litígio, então, evidentemente, por isso não se fala em existência do
atributo da jurisdicionalidade na jurisdição voluntária, pois, nesta, efetivamente, não há um
Litígio e por isso, também, controvertem quanto à existência de uma Lide penal. Tais teses
tradicionais, verdadeiros topoi59 da Ciência Jurídico-Processual, vistas pelo prisma
dogmático, serão aqui, por nós, equacionadas, analisadas e redimensionadas, no sentido de
contribuir para a eliminação das aporias e lacunas, por nós aqui levantadas, do nosso
sistema processual.
Ex positis, diferentemente da acepção dada pela dogmática jurídico-
processual moderna, que enuncia o Litígio e a Lide como termos processuais de mesma
significação conceptual e fenomênica, assentiremos – com base na possibilidade de uma
maior especificação terminológica e conseqüente cientificidade do conhecimento jurídico-
processual – que o Litígio e a Lide são, peremptoriamente, lato sensu, elementos
terminológico-conceptuais de natureza diversa – posto que um, de ordem sociológica, o
Litígio, e o outro, a Lide, de ordem jurídico-processual, de significação – terminológica e
factual – também diferentes, com estrutura lógica de definiendum/definiens60 de
atributividade diversa, e de referibilidade não-coincidente.
In casu, o Litígio seria um pressuposto processual de natureza fáctico-
causal-sociológica e, em assim sendo, um conceito de referebilidade extrínseca, portanto,
59 Empregado no sentido de Theodor Viehweg, isto é, concepção dogmática de lugar-comum com aplicabilidade tão-somente tecnológico jurídico-pragmática, sem nenhuma preocupação zetética. Neste sentido, cf.: FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A ciência do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1991. 60 Definiendum, expressão nova ou símbolo que se vai conhecer ou definir a partir de um Definiens, isto é, a partir de um conceito anteriormente conhecido ou adquirido. Para um melhor entendimento, cf.: TARSKI, Alfred. Introduction to Logic and to the Methodology of the Deductive Sciences. 4. ed. Oxford: Oxford University Press, 1994.
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
1 – INTRODUÇÃO. 1.1 – Proposições Sinópticas e Propedêuticas. 33
exoprocessual a ser formatado de acordo não com critérios jurídico-processuais, mas sim
sociológicos61. Destarte, o Litígio seria o conflito de interesses caracterizado pela contenda
de sujeitos em face de uma pretensão – resistida ou insatisfeita – vetorialmente contrária ao
interesse da outra parte.
De tal modo, o Litígio seria, essencialmente, stricto sensu, de ordem
sociológica e não jurídica. Um a priori. Uma relação fáctica, intersubjetiva, conflitante. O
antecedente lógico e necessário do processo. Nestes termos, e com base no conceito da
“Actio”62 romana, poderíamos explicitar, graficamente, a contenda das partes no plano
factual – num momento exo e pré-processual – da seguinte forma:
L = Sc1 actio Sc2, onde L é litígio e Sc é sujeito contendedor.
Por sua vez, a Lide seria um suposto63 processual – conditio sine qua non
do processo – de natureza jurídico-processual stricto sensu e, em assim sendo, um conceito
de referibilidade intrínseca, portanto, endoprocessual. A Lide seria o resultado da dedução
quantitativa e qualitativa em juízo do Litígio. Em assim sendo, seria a Lide a componente
conteudística e objetiva da relação jurídico-processual resultante desse processo de
transformação e dedução quantitativa e qualitativa do Litígio em juízo e a partir da qual se
identifica e se delimita o meritum causae (o streitgegenstand) e o thema decidendum do
61 Neste sentido, cf.: DINAMARCO. Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 253-254. 62 Segundo Pontes de Miranda, a Actio, no sentido romano, era a posição potencial do sujeito (sujeito contendedor, na fórmula que propomos) de exigir (pretensão) do outro o bem ou situação da vida em litígio. Por isso, na acepção romana a ação era contra o sujeito e não contra o Estado, conforme entende a moderna ciência jurídico-processual, a partir do processualismo científico alemão (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1996, t. I.). 63 Lembrando aqui da tese de Celso Neves sobre pressupostos e supostos processuais, sobre a qual nos deteremos mais adiante (cf. NEVES, Celso. Estrutura fundamental do processo civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 199-200). No caso, importa entendermos aqui suposto como requisito, caractere sine qua non do processo. Nesse sentido, afirma Carnelutti: “Decomposição e recomposição dos conceitos. Aqueles caracteres do fenômeno que venho escolhendo para a formação do conceito costumam ser chamados de requisitos desse último. Também aqui a palavra é significativa: um caráter é um requisito quando é requerido para que o fenômeno pertença a uma categoria e, por conseguinte, a um genus (CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de Frederico A. Paschoal. Campinas: Bookseller, 2002, p. 63-64).
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
1 – INTRODUÇÃO. 1.1 – Proposições Sinópticas e Propedêuticas. 34
juiz64. Desta maneira, não seria – como o Litígio o é – uma relação fáctica intersubjetiva
conflitante, mas, ao contrário, uma relação jurídica processual, caracterizada por uma
relação sinalagmática entre parte e o Estado-Juiz ou partes e o Estado-Juiz, conforme a
Teoria Angular65, formulada por KONRAD HELLWIG:
Estado-Juiz
Lide
Autor Réu
Não só do ponto de vista de uma construção teórica podemos verificar a
distinção proposta. Até mesmo do prisma etimológico, conforme veremos mais
detalhadamente à frente – que não é o mais importante66, sobretudo, no campo jurídico,
tendo em vista a constante ficção vocabular dada a conceitos e termos e, também,
tomando-se em consideração os critérios da temporalidade e da espacialidade da linguagem
jurídica – as palavras Lide e Litígio – que têm origem latina – são de morfologia diferentes.
Assim, segundo a Etimologia, “Lide” vem de lis, litis, entendido como questão jurídica a
partir do século XIII e “Litígio” vem do latim litigium, do século XV. Assim, mesmo numa
definição contextual e histórica, os termos – Lide e Litígio – são expressões de
composicionalidade diferentes, sendo uma – o Litígio – categoremática67 (com sentido
64 Quase neste sentido, assentiram alguns processualistas – como Liebman e Calamandrei – afirmando que a Lide – em assim se entendendo – se materializaria no processo na formulação peticional do autor e não nos termos da teoria carneluttiana. 65 Mais adiante, quando consecutarmos a construção, distintiva, terminológico-conceptual dos termos Litígio/Lide, explicitaremos o porquê da adesão à Teoria Angular de Konrad Hellwig da relação jurídico-processual e não à Teoria Triangular de Adolf Wach e Oskar Von Büllow. 66 Nesse sentido, o processualista Eduardo Couture assim afirma, in verbis: “A incorporação da etimologia dos vocábulos escolhidos é feita, apenas, com o propósito de alargar o campo de análise de cada palavra. (...) A etimologia (...) é somente o liame de uma voz com seu passado histórico” (COUTURE, Eduardo. Interpretação das Leis Processuais. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p.194-195). 67 Na lógica, quanto à classificação, mais precisamente no que diz respeito à sua função, diz-se que um termo é categoremático quando, por si mesmo, já significa algo, isto é, é uma categoria, como o Litígio, que, em si, tem significado, já que se constitui numa realidade factual (sociológica) independente.
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
1 – INTRODUÇÃO. 1.1 – Proposições Sinópticas e Propedêuticas. 35
completo, independente do processo) e a outra – a Lide – sincategoremática68 (com sentido
incompleto, só entendido no âmbito processual).
Certo, já anotamos, é que essa distinção terminológico-conceptual e
empírico-crítica tem várias implicações no campo da Ciência Jurídico-Processual e, por
conseguinte, da Teoria Geral do Processo, sobretudo, conforme assentimos anteriormente,
por apresentar soluções a questões, aparentemente, aporemáticas verificadas em algumas
instituições e institutos fundamentais da teoria processual e por contribuir para o
acoplamento estrutural e o fechamento organizacional – tendo em vista algumas lacunas
conceptuais e metodológicas – do sistema69.
Assim, no campo da teleologicidade processual, como tecnologia jurídica
fundamentada no princípio da inegabilidade dos pontos de partidas, do non liquet e da
decidibilidade de conflitos70, tomando-se como referencial teórico esta construção distintiva,
chegamos à conclusão de que a objetividade jurídica do processo, isto é, a teleologicidade
processual é a decidibilidade da Lide e não a decidibilidade do Litígio. Tal hipotese foi
investigada, nesta pesquisa, na práxis processual, e, conforme as observações e análises
consectutadas, em muitos casos concretos, apesar da incidência da decisão judicial
terminando, assim, a via processual, no plano material, factual, permaneceu, mesmo que
latentemente (quando não manifesto), o conflito (Litígio) que ensejou a Lide processual. E,
mais que isso, o que observamos é que a preocupação do sistema e do órgão julgador –
configurado na persona do juiz – é exatamente em decidir a Lide e não, necessariamente o
Litígio.
68 Ao contrário, na linguagem lógica, diz-se que um termo, quanto à sua classificação funcional, é sincategoremático, quando, por si mesmo, não tem significado conceptual. Em, assim sendo, só o terá, se associado a conectores lógicos, como no caso do conceito de Lide que depende do conceito de relação jurídico-processual. 69 Para um melhor entendimento de tais conceitos autopoiéticos, cf.: THE OBSERVER WEB. Sweden. Institutionen för Informatik, Umeä Universitet. Apresenta Encyclopaedia Autopoietica. Disponível em: http://www.informatik.umu.se/~rwhit/99Course.html. Acesso em: 18 set. 2000. 70 Cf. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A ciência do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1991.
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
1 – INTRODUÇÃO. 1.1 – Proposições Sinópticas e Propedêuticas. 36
Assim também, em se considerando a Lide diferentemente do Litígio, sendo
aquela um fenômeno endoprocessual e este um fenômeno exoprocessual, temos que, na
jurisdição voluntária, não há que se questionar o atributo da jurisdicionalidade, pois apesar
de não haver Litígio, há Lide; ou seja, não há um conflito intersubjetivo de interesses
(litígio), mas há um pedido formulado contra o Estado-Juiz, isto é, um mérito (aquilo sobre o
que vai se pronunciar e decidir o Estado-Juiz) e partes interessadas. Destarte, com este
entendimento, saneamos a problemática dos processos onde não há Litígio entre partes.
Quanto à existência da Lide penal ou não, efetivamente, diante do exposto,
há; pois, Lide, nestes termos, não seria um conflito de interesses, um conflito inter partes,
exoprocessual, como na fórmula carneluttiana. Conflito de interesses seria, como já
enunciamos, o Litígio. A Lide seria o conteúdo do mérito da causa penal: in casu, o interesse
do Ministério Público de promover a justiça, dialeticamente, controvertido pela defesa
processual do réu, como no esquema representativo de Konrad Hellwig.
Destarte, em síntese, as teses, básicas e secundárias, que defenderemos
aqui no presente trabalho de pesquisa científica são as seguintes:
a) O Litígio e a Lide são elementos terminológico-conceptuais de natureza
e significação diferente, coextensiva, necessária e seqüencial. Assim, o Litígio é um
pressuposto processual de natureza fáctico-causal-sociológica, exoprocessual, de
referibilidade extrínseca, caracterizado pela contundência – actio – de sujeitos
(Sc1 actio Sc2, onde Sc é sujeito contendedor), enquanto que a Lide é uma conditio sine
qua non do processo, isto é, um suposto processual, de natureza jurídico-processual stricto
sensu, endoprocessual, de referibilidade intrínseca, caracterizada por uma relação
sinalagmática entre parte e o Estado-Juiz ou partes e o Estado-Juiz, conforme a explicitação
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
1 – INTRODUÇÃO. 1.1 – Proposições Sinópticas e Propedêuticas. 37
gráfica de Konrad Hellwig71:
Estado-Juiz
Lide
Autor Réu
b) Os atributos da neutralidade axiológica, da asseptabilidade, da
assertibilidade e da verdade – por certo principiológicos e direcionadores do conhecimento
científico e que, em assim sendo, dão cientificidade a um determinado conhecimento – só
são conferidos pela estrita observância – como um imperativo categórico – de uma
terminologia, precisa e apurada, com acepção conceptual e caracteres científicos, sem
ambivalência de significações, polissemias ou sinonímias. Assim, in casu, não há que se falar
em Ciência Jurídica, e, por conseguinte, em Ciência Jurídico-Processual – com todos os
atributos acima elencados – sem a observância de um sistema conceitual e terminológico
preciso e apurado72, constituindo, tal proposição assertiva, em um dos porquês da distinção
terminológico-conceptual e empírico-crítica estabelecida na presente dissertação;
c) A teleologicidade processual, a priori, é a decidibilidade da Lide e, tão-
somente, a posteriori – sem isso constituir um telos necessário – a decidibilidade do Litígio73;
d) Não há que existir dúvida quanto à natureza processual e, por
conseguinte, jurisdicional, da Jurisdição Voluntária, posto que, em se considerando a Lide
diferentemente do Litígio, sendo aquela um fenômeno endoprocessual e este um fenômeno
exoprocessual, temos que, na Jurisdição Voluntária, não há que se questionar o atributo da
jurisdicionalidade, pois apesar de não haver Litígio, há Lide; ou seja, não há um conflito
intersubjetivo de interesses (litígio), mas há um pedido formulado contra o Estado-Juiz, isto
71 Esta é a nossa hipótese básica de pesquisa frente ao problema da indiscernibilidade teórico-terminológico-conceitual e tecnológico-pragmática. 72 Esta é uma hipótese básica – mas incidental – da pesquisa, constituindo, também, em si, um pressuposto teórico-metodológico. Aliás, in casu, a distinção término-teórico-empírico-conceptual aqui proposta obedece a esse pressuposto de cientificidade do conhecimento jurídico e se apresenta como um fator inicial exemplificativo para a construção de uma terminologia jurídico-conceptual pura e específica; no caso, uma terminologia jurídico-processual. 73 Outra hipótese básica, decorrente da proposição problemática.
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
1 – INTRODUÇÃO. 1.1 – Proposições Sinópticas e Propedêuticas. 38
é, um mérito (aquilo sobre o que vai se pronunciar e decidir o Estado-Juiz) e partes
interessadas, o que caracteriza, destarte, a existência da Lide e, por conseguinte, do
processo74;
e) Do mesmo modo que no campo da processualística civil, no processo
penal evidencia-se a diferenciação entre Litígio e Lide, sendo esta última caracterizada pelo
dever cogente do Estado-Administração do exercício do jus puniendi, e não pela
dispositividade das partes – como no processo cível. No caso da Lide penal, as relações
sinalagmáticas, jurídico-processuais, ocorrem, ordinariamente, entre: o Estado-Administração
(através do Ministério Público) e o Estado-Juiz ou o réu e o Estado-Juiz75;
f) No processo de estabelecimento e formatação dos procedimentos
jurisdicionais diferenciados – os ditos especiais – há uma nítida influência de ideologias
político-sociais ao se estabelecer tratamento especial a determinadas situações de direito
substancial (Lide < Litígio), com visíveis repercussões no direito de acesso à justiça –
constituindo, tais diferenciações jurídico-procedimentais, muitas vezes, em um obstáculo
jurídico – e nos princípios da inafastabilidade do controle jurisdicional e da congruência76;
g) Em sendo o Litígio e a Lide termos-conceituais não-referenciais, há que
se buscar, por via de conseqüência e de aplicabilidade, um sentido novo para alguns
conceitos das instituições e institutos fundamentais do direito processual, tais como, o de
“Relação Jurídico-Processual”, o de “Meritum Causae”, o de “Thema Decidendum”, o de
“Objeto do Processo”, o de “Res Judicata”, entre outros77.
Pois bem. Consecutadas estas proposições de caráter eminentemente
sinóptico e propedêutico, passaremos, a seguir, a tecer, também, considerações, ainda
propedêuticas, a respeito dos métodos e esquemas conceituais teórico-metodológicos
utilizados para a consecução da pesquisa.
74 Hipótese secundária dependente, isto é, uma aplicação da tese básica. 75 Também uma hipótese secundária dependente, isto é, uma aplicação da tese básica. 76 Hipótese secundária independente, isto é, decorrente, tão-somente, da análise empírico-crítica proposta sem relação de interdependência com as hipóteses básicas. 77 Hipótese secundária dependente, isto é, uma aplicação da tese básica.
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
1 – INTRODUÇÃO. 1.2 – Proposições Teórico-Metodológicas. 39
1.2 - PROPOSIÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS.
O problema/objeto deste estudo, de natureza essencialmente híbrida,
posto que o enfoque da construção analítico-distintiva, aqui proposta, é, de um lado, de
natureza teórico-conceptual e, de outro, de natureza empírico-crítica, demandou, por
conseguinte, a escolha de métodos e procedimentos técnicos de abordagem eminentemente
qualitativos, fundados em postulados de pesquisa ao mesmo tempo conceitual e operativa78
com design79 de pesquisa bibliográfica e observacional.
Em assim sendo, para a construção da nova acepção terminológico-
conceptual das variáveis, Litígio e Lide nos termos anteriormente explicitados, utilizamos a
concepção de abordagem geral do método hipotético-dedutivo o qual, segundo LAKATOS80,
“se inicia pela percepção de uma lacuna nos conhecimentos acerca da qual formula
hipóteses e, pelo processo de inferência dedutiva, testa a predição da ocorrência de
fenômenos abrangidos pela hipótese”, e, mais especificamente, do método comparativo que,
nas palavras de GIL81, “procede pela investigação de indivíduos, classes, fenômenos ou
fatos, com vistas a ressaltar as diferenças e similaridades entre eles”, e do método
observacional, consubstanciados no modelo referencial e conceitual estruturalista82,
78 Nesta perspecticva, Gil assente que “a classificação das pesquisas em exploratórias, descritivas e explicativas é muito útil pra o estabelecimento de seu marco teórico, ou seja, para possibilitar uma aproximação conceitual. Todavia, para analisar os fatos do ponto de vista empírico, para confrontar a visão teórica com os dados da realidade, torna-se necessário traçar um modelo conceitual e operativo da pesquisa” (GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 43). 79 O delineamento – design para os metodólogos americanos – de uma pesquisa, refere-se ao planejamento da mesma em sua dimensão mais ampla, que envolve tanto a diagramação quanto a previsão de análise e interpretação de coleta de dados. Assim, entre outros aspectos procedimentais o delineamento considera o ambiente em que são coletados os dados e as formas de controle das variáveis envolvidas (Ibidem., p. 43). 80 LAKATOS, Eva Maria e MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia do Trabalho Científico: procedimentos básicos, pesquisa bibliográfica, projeto e relatório, publicações e trabalhos científicos. São Paulo: Atlas, 1992, pág. 106. 81 GIL, Antonio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo: Atlas, 1995, pág. 35. 82 O estruturalismo é uma corrente de pensamento que recorre à noção de estrutura para explicar a realidade em todos os seus níveis. “O estruturalismo parte do pressuposto de que cada sistema é um jogo de oposições, presenças e ausências, constituindo uma estrutura, onde o todo e as partes são interdependentes, de tal forma que as modificações que ocorrem num dos elementos constituintes implica a modificação de cada um dos outros e do próprio conjunto – Levy-Strauss (modelo em caráter de sistema)” (Ibidem., p. 39).
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
1 – INTRODUÇÃO. 1.2 – Proposições Teórico-Metodológicas. 40
atentando-se, filosoficamente, e sem perder de vista, para a idéia de Karl POPPER83 de
conjecturação e falsificabilidade, tomando-se em consideração, por conseguinte, o falibilismo
do conhecimento e a contingência da ação do que propomos. Do mesmo modo, é de se
salientar que as proposições hipotéticas – e depois téticas – aqui formuladas e que foram
objeto de verificação na consecução deste projeto são fruto da hermenêutica e da
compreensibilidade do pesquisador, tal como MAX WEBER84 assente.
Por sua vez, para a consecução da análise empírico-crítica da
teleologicidade do processo e do fenômeno da decidibilidade, isto é, para sabermos se o juiz,
ao se deparar com o processo judicial e, sobretudo, se com a decisão final, ocorre a
decidibilidade do Litígio ou decidibilidade da Lide, utilizamos, conforme anunciamos
anteriormente, os métodos de procedimento estatístico, observacional e comparativo. No
caso, o que fizemos foi, a partir da seleção de uma amostra qualitativa de magistrados e de
pessoas que foram partes em processos judiciais, investigamos, jurídica e sociologicamente,
através de técnicas de observação direta intensiva (com entrevistas semi-estruturadas) e de
observação direta extensiva (com análise de conteúdo, análise de discurso, história de vida e
pesquisa documental), se, peremptória e efetivamente, na resolução dos processos, se
dirime o conflito, o Litígio ou apenas se decide a Lide processual. Para a consecução de tal
investigação empírica proposta, sobretudo no que diz respeito à obtenção dos dados,
valemo-nos de fontes primárias e secundárias. No mais, quando da seção sete da presente
dissertação, explicitaremos, de forma mais pormenorizada, o suporte teórico-metodológico
utilizado, demonstrando-se, assim, como foi consecutada a delimitação do universo da
83 Cf. POPPER, Karl. Conjecturas e Refutaciones. Barcelona: Ediciones Paidos, s/d. Também: Idem. Conocimiento Objectivo. Trad. de C. Solis Santos. 2. ed. Madrid: Tecnos, 1982. 84 Cf. WEBER, Max. Metodologia das Ciências Sociais. São Paulo: Cortez, 1981, v. 1. Ainda, compreensão: “Max Weber opõe-se à utilização dos métodos das ciências naturais no estudo da sociedade, propondo em seu lugar a apreensão empática do sentido finalista de uma ação, parcial ou inteiramente oriunda de motivações irracionais. Este procedimento a que ele chama de compreensão envolve uma reconstrução no sentido subjetivo original da ação e o reconhecimento da parcialidade da visão do observador”. Tipos ideais: “é formado pela acentuação unilateral de um dos mais pontos de vista e pela síntese de um grande número de fenômenos concretos individuais, difusos, discretos, mais ou menos presentes e ocasionalmente ausentes, os quais são organizados de acordo com os pontos de vista unilateralmente acentuados numa construção analítica acentuada. Em sua pureza conceitual, essa construção mental não pode ser encontrada em parte alguma da realidade” (GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 40-41).
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
1 – INTRODUÇÃO. 1.2 – Proposições Teórico-Metodológicas. 41
pesquisa empírica, a obtenção dos dados factuais, a análise e interpretação dos mesmos e
quais os procedimentos metodológicos utilizados para a realização da investigação empírica.
No que diz respeito à especificidade classificatória da pesquisa científica
que desenvolvemos, trata-se, quanto à tipologia de trabalhos acadêmico-científicos, de
dissertação científica85, quanto à aplicabilidade86, de pesquisa – dialeticamente – teorético-
empírica e, quanto à complexidade teórica87, uma pesquisa descritivo-explicativa, com a
utilização precípua de hipóteses bivariadas, nos termos a seguir explicitados.
As Hipóteses Básicas88 e as Hipóteses Secundárias89 apresentadas implicam
uma enunciação relacional entre duas variáveis – Litígio (variável independente) e Lide
(variável dependente) – que são, entre si, recíprocas e intervenientes (posto que
estabelecem uma relação de causa e efeito, lógico, mas não-necessário, sendo, in casu, o
Litígio o antecedente crono/lógico e a condição sine qua non para a existência da Lide),
constitutivas (pois, teóricas) e operacionais (pois, verificáveis empiricamente),
estabelecendo-se uma relação causal com as seguintes características:
a) coextensiva – posto que ocorrendo o Litígio, pode ocorrer a Lide;
b) seqüencial – posto que a priori ocorre o Litígio e a posteriori ocorre a
Lide;
c) contingente – posto que se ocorre o Litígio, então ocorrerá a Lide (o
processo) se os pressupostos processuais e as condições da ação
estiverem presentes;
85 Segundo Salomon, dissertação científica é aquela na qual se dá um “tratamento escrito, original, de assunto específico, com metodologia própria que resulte de pesquisa pura ou aplicada”. Cf. em: SALOMON, Décio Vieira. Como fazer uma monografia: elementos de metodologia do trabalho científico. 2. ed. Belo Horizonte: Interlivros, 1972, p. 224. 86 Metodologicamente falando, quanto à aplicabilidade, a pesquisa científica se classifica em pura (teórica) e aplicada (empírica). 87 Quanto à sua complexidade teórica, a pesquisa científica pode ser descritiva (fundamentada em hipóteses univariadas) e explicativa (fundamentada em hipóteses bivariadas). 88 Hipóteses básicas letras “a”, “b” e “c” das proposições sinópticas e propedêuticas apresentadas (p. 36-37). 89 Hipóteses secundárias letras “d”, “e”, “f” e “g” das proposições sinópticas e propedêuticas apresentadas (p. 37- 38).
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
1 – INTRODUÇÃO. 1.2 – Proposições Teórico-Metodológicas. 42
d) probabilista ou estocástica – posto que dada a ocorrência do Litígio,
então provavelmente ocorrerá a Lide.
A operacionalização e controle das variáveis sub examen se deram quando
do processo de observação, experimentação e análise crítica da teleologicidade do processo.
Neste momento, investigamos as relações de dependência e independência, verificando-se o
grau de indispensabilidade científica da distinção terminológico-conceptual construída. No
que concerne a este último, destarte, é de se salientar a importância e o grau de
indispensabilidade científica de tal construção proposta, pois, despretensiosamente,
contribuirá no sentido de equacionar, redimensionar e solucionar algumas questões
aporemáticas da Ciência Jurídico-Processual e algumas incoerências do Sistema Jurídico-
Processual de normas como tecnologia, evidentemente jurídica, de decidibilidade de
conflitos. Quanto à viabilidade, é notória a acessibilidade aos dados teóricos e empíricos aqui
apresentados. Do mesmo modo, é notório – e claro – o fornecimento dos elementos e regras
de verificação e de reconhecimento do objeto que pretendemos estudar para posteriores
argumentações e contra-argumentações da academia90.
Por outro lado, do ponto de vista jusfilosófico, temos que a construção, por
certo analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica que aqui se quis
estabelecer não se trata apenas de uma questão de performance de linguagem tal como
assentem as teorias deflacionista de verdade de PAUL HORWICH e FRANK P. RAMSEY91. Isto
90 Na esteira do que estabelece Thomas Khun, a passagem da Prior Theory para a Passing Theory não se faz de modo estanque e por uma ruptura epistemológica. Ao contrário, é nos pressupostos teórico-metodológicos da Prior Theory que se baseia o cientista para formular sua nova concepção tética, já, agora, na Passing Theory. Desse modo, é imprescindível a dialética argumentativa estabelecida pela academia como requisito para a assertibilidade de uma nova teoria (KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 7. ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 2003). 91 Para Ramsey, citado pelo Professor Paulo Ghiraldelli Jr., a respeito da sua concepção deflacionista de verdade, se digo que ‘é verdade que p’, estou afirmando, de um modo mais eficaz, apenas ‘p’. Se há diferença entre o primeiro enunciado e o segundo é meramente retórica, uma questão de performance lingüística, não de essência ou substantividade. Assim, a construção analítico-distintiva que estamos a estabelecer entre Litígio e Lide não é meramente retórica e performativa. Ao contrário, tem várias implicações teórico-metódo-epistemológicas (Filosofia – um guia de estudos. CEFA – Centro de Estudos em Filosofia Americana. Coordenação de Paulo Ghiraldelli Jr.. Apresenta textos sobre filosofia em geral, sobretudo filosofia pragmatista. Disponível em: <http//www.cefa.org.br/portal_filosofia/guia.html>. Acesso em 15 ago. 2003).
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
1 – INTRODUÇÃO. 1.2 – Proposições Teórico-Metodológicas. 43
é, não se trata – a distinção que estabelecemos – de mera construção retórica. Ao contrário,
se fundamenta, filosoficamente, numa concepção de verdade substantiva, posto que a
construção analítico-distintiva entre Lide e Litígio tem correspondência factual92, tem
coerência93 com o sistema de acepções (crenças) da dogmática jurídico-processual e,
sobretudo, tem um alto grau de utilidade94 pragmática para a tecnologia jurídica de
decidibilidade de conflitos.
Muito bem. Consecutadas estas proposições de caráter sinóptico-
propedêutico-metodológico, passemos, agora, enfim, à exposição, demonstração, discussão
e argumentação das teses aqui propostas. Vejamos, então.
92 A Teoria (substantiva) da Correspondência assente que X é verdadeiro se e somente se X corresponde a um fato. Podemos aplicar isso tanto para o conceito de Litígio, pois corresponde a um conflito social, quanto ao conceito de Lide, pois corresponde a um elemento do processo, que é um fato jurídico (Filosofia – um guia de estudos. CEFA – Centro de Estudos em Filosofia Americana. Coordenação de Paulo Ghiraldelli Jr.. Apresenta textos sobre filosofia em geral, sobretudo filosofia pragmatista. Disponível em: <http//www.cefa.org.br/portal_filosofia/guia.html>. Acesso em 15 ago. 2003). 93 A Teoria (substantiva) da Coerência, por sua vez, assente que X é verdadeiro se e somente se X é um membro de um conjunto de crenças coerente internamente. W. V. QUINE e RICHARD RORTY afirmam que a verdade é a propriedade de se pertencer a um sistema harmoniosamente coerente de crenças ou enunciados. Em tais assertivas, podemos, perfeitamente, associar os conceitos de Litígio e Lide, tendo em vista, sobretudo, o Sistema Jurídico-Processual de normas e a Ciência Jurídico-Processual (Ibidem). 94 A Teoria (substantiva) Pragmatista assentem que X é verdadeiro se e somente se X é útil de se acreditar. Ora, conforme assentimos, a distinção estabelecida entre os termos Litígio e Lide tem um alto grau de utilidade para a tecnologia jurídica de decidibilidade de conflitos (Ibidem).
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
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2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”.
O meu sistema colhe o melhor de todos os lados.
G. W. LEIBNIZ
Nada é mais necessário ao investigador do que saber alguma coisa acerca da história (de uma disciplina) e acerca da lógica da pesquisa: ... a maneira de descobrir o erro, o uso de hipóteses, o uso da imaginação, o modo de efetuar testes.
LORDE ACTON
Conforme assentimos até então, em caráter de proposição sinóptico-
propedêutica, fazendo-se uma análise teórico-conceptual e historiográfico-descritiva dos
institutos jurídico-processuais Litígio e Lide, evidencia-se, in claris, que, do ponto de vista da
dogmática jurídico-processual – e até mesmo do ponto de vista do sistema normativo-
jurídico-processual brasileiro1 – tais termos têm sido abordados e concebidos como de
mesma significação fenomênica, conceptual e terminológica, sendo caracterizados, assim,
pelo caractere termino-lógico da indiscernibilidade de identidade. Tal indiscernibilidade, aliás,
nós já assentimos, tem sérias repercussões e implicações na teoria processual e, por
conseguinte, na Ciência Jurídico-Processual, implicações e repercussões estas que nós
analisaremos, equacionaremos e redimensionaremos na presente dissertação.
Pois bem. Nesta seção, consecutaremos, assim, agora não mais de modo
un passant, como no intróito deste trabalho, nem tão-pouco exauriente, dada a abrangência
e profusão do objeto, mas de modo tão-somente satisfaciente, tal análise teórico-conceptual
e histórico-descritiva dos referidos institutos a partir da leitura da dogmática jurídico-
processual estrangeira e nacional, remontando, mormente, o conceito de Litígio e Lide desde
as formulações pré-carneluttianas até a mais moderna dogmática processualística. Digo pré-
1 Conforme veremos, na subseção 2.2.1 – quando analisaremos os conceitos de Litígio e Lide na perspectiva da legislação processual brasileira, desde as disposições processuais civis constantes do Código de Processo Criminal de 1832 até o atual Código de Processo Civil, de 1973 –, no nosso sistema normativo processual, desde a sua gênese histórica, Litígio e Lide são termos indiscerníveis, às vezes aparecendo com o mesmo significado de demanda, causa e conflito.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”.
45
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
carneluttianas, posto que, conforme assentimos na Introdução do presente trabalho, coube a
CARNELUTTI2 a precisa formulação dos conceitos Litígio e Lide, ora sub examen.
Certo é que esta reconstrução, digo, releitura historiográfica e descritiva
dos conceitos de Litígio e Lide, é de fundamental importância para entendermos a atual
sistemática da Ciência Jurídico-Processual e, por conseguinte, para o entendimento da
construção teórico-conceitual e empírico-crítica distintivas que iremos proceder no presente
trabalho de pesquisa científica.
Para a consecução de tal análise historiográfica, primeiramente, é de se
esclarecer que adotamos a concepção unitarista3 de direito processual, considerando-se,
assim, a TGP4 (Teoria Geral do Processo) como o suporte teórico-método-epistemológico
que fundamenta a Ciência Jurídico-Processual a qual, por sua vez, tem como objeto de
estudo o sistema normativo jurídico-processual, qualquer que seja o seu conteúdo, isto é, se
composto de normas processuais que disciplinam o processo civil (entendido como qualquer
processo de conteúdo extra-penal) ou o processo penal. Deste modo, analisaremos o
conceito de Litígio e Lide tanto a partir do estudo dos grandes teóricos da dogmática
jurídico-processual-civil estrangeira e nacional, quanto da dogmática jurídico-processual- 2 Francesco Carnelutti sistematizou o conceito de Lide (que para ele era o mesmo que Litígio, conflito, uma categoria, na verdade, metaprocessual ou exoprocessual) nas suas obras Sistema de Direito Processual Civil publicada em 1936 e Teoria Geral do Direito de 1940, a partir dos seus escritos relativos ao projeto do Código de Processo Civil italiano por ele elaborado em 1926. 3 A concepção unitarista – que pugna, por conseguinte, pela idéia de uma ciência processual – sustenta que o direito processual civil (entendamos aqui como civil tudo aquilo que não é penal, isto é, é extra-penal) e o direito processual penal são, em verdade, dois ramos jurídicos distintos da mesma ciência, que, no caso, é a Ciência Jurídico-Processual. O maior defensor da corrente unitarista foi o próprio Francesco Carnelutti que defendeu tal concepção em seu Sistema de Direito Processual Civil. Também, vários outros importantes processualistas defenderam tal tese como o uruguaio Eduardo Couture, o espanhol Niceto Alcalá-Zamora y Castillo, o italiano Giovanni Leone e outros mais. Por outro lado, assentiram na tese dualista, outros importantes processualistas tais como, por exemplo, Vicenzo Manzini e Eugenio Florian. No Brasil, o maior defensor da concepção unitarista foi, sem dúvida, José Frederico Marques e, mais recentemente, Fernando da Costa Tourinho Filho. Neste mesmo sentido, assim afirmam Cândido Rangel Dinamarco, Antonio Carlos de Araújo Cintra e Ada Pellegrini Grinover. Esta última, em sua obra O processo em evolução assim justifica a tese unitarista e a adoção de uma teoria geral do processo construída a partir da matriz normativo-constitucional: “os estudos de processo constitucional criaram clima metodológico para o desenvolvimento de uma teoria geral do processo, pois é na Constituição, antes de mais nada, que se encontra a plataforma comum às diversas disciplinas processuais” (GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998, p. 8). 4 A propósito desta terminologia – qual seja, Teoria Geral do Processo – bastante utilizada pela dogmática jurídico-processual, embora não tão especificamente explicado o sentido de o porquê “geral”, temos que: a teoria processual (entendida como o conjunto de teorias processuais), conforme já explicamos, é aqui denominada de geral porque, em sendo o suporte teórico-epistemológico da Ciência Jurídico-Processual, fundamenta, assim, qualquer tipo de processo, não importando a natureza da lide, se penal ou extra-penal (civil, administrativo, previdenciário, trabalhista e etc).
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
penal, também, estrangeira e nacional, sem maiores preocupações analítico-distintivas entre
estes dois segmentos do direito processual, posto que, conforme preceitua ALBUQUERQUE
ROCHA5, o direito processual – não importando aqui se direito processual civil, penal,
trabalhista e etc. – é o objeto da Ciência do Direito Processual (Ciência Jurídico-Processual,
como achamos melhor denominar), ciência esta que, em verdade, trata-se de um
conhecimento qualificado e sistemático de tais normas que formam o chamado direito
processual, e que seria fundamentada em uma teoria geral do processo jurisdicional. In
casu, esta opção de estudar tanto a dogmática jurídico-processual estrangeira, quanto a
dogmática jurídico-processual nacional se deu porque, conforme atesta MOREIRA DE
PAULA6, o nosso sistema jurídico-processual e, por conseguinte, o nosso pensamento
jurídico-processual, foi construído a partir da influência das escolas processuais estrangeiras.
Primeiramente, por influência da escola portuguesa – a qual foi formada a partir da escola
alemã – e, posterior e principalmente, pela escola italiana, tendo ENRICO TULLIO LIEBMAN,
como nosso maior precursor e marco teórico, sem falar, é claro, na influência7 marcante e
decisiva do sistema romano-germânico na formação e desenvolvimento do nosso sistema
jurídico, conforme atestam RENÉ DAVID8, JOHN GILISSEN9 e VICENTE RÁO10.
Ademais, a análise teórico-conceptual e histórico-descritiva será
consecutada nos seguintes termos: primeiramente, partindo do estudo da dogmática
jurídico-processual estrangeira, por uma questão de pressuposição lógica e metodológica,
5 Cf. ALBUQUERQUE ROCHA, José de. Teoria Geral do Processo. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 36-37. 6 Cf. MOREIRA DE PAULA. Jônatas Luiz. História do Direito Processual Brasileiro: das origens lusas à Escola Crítica do Processo. Barueri: Manole, 2002, p. 339-340. 7 Sempre lembrando da assertiva do processualista Fábio Gomes, quanto à influência do sistema romano-germânico para a formação do nosso subsistema jurídico-processual, que: “É indispensável [...] considerar, quando se busca determinar as raízes romanas de nosso processo civil, que a herança que nos foi legada corresponde ao direito dos imperadores católicos do Império Romano, a partir de Constantino. [...] Esta particularidade da história de nossas instituições processuais não é considerada, em geral, pelos processualistas, que se limitam a dizer que o direito brasileiro, assim como as fontes européias que o alimentam, descendem do direito romano, sem advertir que essa descendência pouco ou nada tem a ver com as legítimas instituições, puramente romanas, tal como elas existiram no direito romano clássico” (BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. e GOMES, Fábio. Teoria Geral do Processo Civil. 3. ed. rev. atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 16). 8 DAVID, René. Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 61. 9 GILISSEN, JOHN. Introdução Histórica ao Direito. 2. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1995, p. 19-20 e 206-207. 10 RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 5. ed. anot. atual. São Paulo: RT, 1999, p. 111-112.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
apresentaremos as definições de CARNELUTTI a respeito dos institutos em apreço, posto
que, conforme já afirmamos, coube a ele a construção terminológico-conceptual do instituto
processual Lide (Litígio); em segundo lugar, ainda dentro do estudo da dogmática jurídico-
processual estrangeira, trataremos de expor, do ponto de vista da historiografia do direito
processual e da historiografia do pensamento jurídico-processual, tal como o processualista
espanhol ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO11 as compreende, o tema do Litígio e da Lide, isto é,
analisando desde o direito romano até as correntes do direito processual cognominadas, por
ele, de judicialista, praxista e procedimentalista; em seqüência, ainda nesta mesma
perspectiva de classificação adotada por NICETO ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, agora já na
fase que ele denomina de processualismo científico ou moderno, consecutaremos a análise
proposta através do estudo dos principais teóricos processualistas da dogmática jurídico-
processual, passando pelas diversas escolas processuais estrangeiras – escola alemã e escola
italiana, principalmente – e, em terceiro lugar, agora já analisando a dogmática jurídico-
processual nacional, estudaremos o pensamento das escolas, ou tendências – como diria
MOREIRA DE PAULA12 – do processualismo científico brasileiro a respeito dos institutos em
exame. Antes disso, nesta mesma subseção que trata da dogmática jurídico-processual
nacional, trataremos, de modo eminentemente enunciativo, do temário em análise na
perspectiva da historiografia do sistema normativo do direito processual brasileiro.
11 Niceto Alcalá-Zamora y Castillo entende que a historiografia do direito processual pode ser dividida nos seguintes momentos: a) o período romano; b) o período da escola de Bolonha, do direito comum e do fenômeno da recepção; c) o período da revolução francesa e da codificação napoleônica; e d) o período de Büllow (na doutrina) e de Klein (na legislação). Por sua vez, ainda segundo o processualista espanhol, a historiografia do pensamento (dogmática) jurídico-processual pode ser dividida nos seguintes períodos: a) período primitivo; b) escola judicialista; c) período do praxismo; d) período do procedimentalismo; e e) período do processualismo científico (ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, Niceto. Estúdios de Teoria General e Historia del Proceso. México: UNAM, 1974, v. II, p. 293). 12 Moreira de Paula, neste sentido, afirma o seguinte: “A palavra ‘escola’, em termos de ciência processual, significa o conjunto de desmembramentos científicos originários de um mestre ou de uma unidade filosófica, literária ou doutrinária. E tem-se por ‘tendência científica’ o movimento pelo qual um grupo de cientistas move-se em direção a um ponto específico, a fim de construir essa absoluta unidade científica. Sendo assim, perceber-se-á ao longo do texto, principalmente no que se refere aos pensadores brasileiros, que existem poucas escolas e muitas tendências. Até porque as tendências se diferenciam quanto aos meios empregados, o modo pelo qual se aborda o direito e os fins propostos do direito processual” (MOREIRA DE PAULA. Jônatas Luiz. História do Direito Processual Brasileiro: das origens lusas à Escola Crítica do Processo. Barueri: Manole, 2002, p. 339).
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Outrossim, é de se salientar que o critério metodológico-procedimental que
utilizamos para a seleção, e conseqüente análise, dos autores da dogmática jurídico-
processual estrangeira e nacional se fundamentou na idéia de paradigma apresentada pelo
filósofo da ciência THOMAS KHUN13 e atendeu a dois requisitos: selecionamos os
processualistas que são considerados pela própria comunidade científica como paradigmas
conceituais do pensamento jurídico-processual e que, in casu, enfrentaram, ao menos
indiretamente, as questões relativas aos conceitos de Litígio e Lide.
Passemos, enfim, à análise teórico-conceptual e histórico-descritiva dos
institutos jurídico-processuais Litígio e Lide, nos termos anteriormente explicitados.
13 Thomas Kuhn, importante filósofo da ciência da atualidade, assente que a história da ciência é marcada por processos cumulativos e de ruptura de conhecimentos, onde paradigmas são constantemente superados. Mas, essa superação, muitas vezes, só ocorre, se o establishment da comunidade científica assim concorda, posto que tais paradigmas conceituais só são firmados a partir da interlocução do cientista inovador com o conhecimento assente da comunidade, fato esse que vai, de certo modo, de encontro às noções de objetividade e racionalidade da ciência (KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 7. ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 2003).
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
2.1.1 – A construção teorético-sistemática de Francesco
Carnelutti.
Segundo se observa da análise da dogmática jurídico-processual, coube a
FRANCESCO CARNELUTTI14 a formulação do conceito de Lide (ou Litígio) e a elevação do
mesmo à condição de categoria jurídica15 e, por conseguinte, de instituto jurídico-processual.
Antes dele, conforme apresentaremos adiante, os termos Litígio e Lide não haviam sido
concebidos na dogmática processual com a mesma acepção e importância que os mesmos
terão a partir da formulação teorético-conceptual do processualista da Universidade de
Milão. A dogmática jurídico-processual, aliás, utilizava, antes da teoria carneluttiana, os
termos Litígio e Lide indistintamente, confundindo-os, muitas vezes, com outros conceitos
como, por exemplo, os de causa (causa petendi, causa excipiendi, entre outros),
controvérsia, demanda, res in iudicium deductae, streitgegenstand (objeto do processo, para
os alemães), anspruch (pretensão), meritum causae (mérito do processo), entre outros
conceitos, conforme veremos adiante.
14 CARNELUTTI, Francesco. Sistema de Direito Processual Civil. São Paulo: Classic Book, 2000, v.1. e Idem. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Lejus, 1999. 15 José Carlos Teixeira Giorgis, em sua obra “A Lide como categoria comum do processo”, assente, basicamente, que categorias jurídicas são conceitos jurídicos que são formatados e sistematizados, dentro da ciência jurídica, a partir de dados da realidade, assentindo mais que “enquanto as categorias são regras jurídicas que disciplinam matéria jurídica autônoma, integradas em corpo mais abrangente, a instituição jurídica é um núcleo de regras, unificadas por serem regidas por valores e princípios comuns, tendo a mesma finalidade (...), sendo que muitas categorias são também institutos jurídicos (a propriedade, p.e.), mas nem sempre a recíproca é verdadeira” (TEIXEIRA GIORGIS, José Carlos. A lide como categoria comum do processo. Porto Alegre: LeJur, 1991, p. 20). Concordamos, de certo modo, com a lição do jurista gaúcho, assentindo mais que: observando o fenômeno jurídico-processual, isto é, o dado factual, por um prisma dogmático, isto é, técnico-jurídico, o cientista do direito, por processos de dessemelhança (diferentia specifica), afinidade (genero proximum) e eliminabilidade, sistematiza o conhecimento, no caso jurídico-processual, através do estabelecimento e formatação de unidades sistemáticas de conhecimento, quais sejam, as instituições jurídico-processuais, unidades sistemáticas macro, que, por sua vez, agrupam os institutos jurídico-processuais, unidades sistemáticas micro; por outro lado, por um prisma zetético, o cientista do direito, utilizando os mesmos processos de dessemelhança, afinidades e eliminabilidade, sistematiza o conhecimento jurídico-processual através da formulação de conceitos jurídicos que são agrupados, agora, não mais em instituições e institutos jurídicos, mas em categorias jurídicas, como no caso da Lide (Litígio).
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Bem antes desse período, os romanos, conforme veremos, utilizavam os
termos Lide – para eles Lis, Litis – e Litígio – para eles Litigium – de modo a significar
questão ou disputa que havia entre os sujeitos e que, se não resolvida, espontaneamente,
seria resolvida a partir de uma Litiscontestatio consubstanciada num processo judicial
(iudicium). Na verdade, eles não davam tanta importância teórico-conceptual e terminológica
a tais termos, até porque, do ponto de vista do desenvolvimento do Direito, estávamos,
ainda, num momento (muito anterior) pré Juris Scientia e, por assim ser, sem maiores
preocupações terminológico-conceituais. Depois deles, dos romanos, até precisamente o
século XIX, dada ainda a despreocupação teorético-científica dos doutrinadores da
dogmática jurídico-processual, os autores, mesmo os alemães, não teorizaram e nem
elevaram à categoria de instituto jurídico os termos por hora analisados. Assim, somente a
partir de CARNELUTTI é que teremos uma verdadeira construção teórica e conceitual dos
elementos Litígio e Lide. Deste modo, segundo preceitua TEIXEIRA GIORGIS16 a respeito da
construção carneluttiana do conceito de Lide (Litígio), “a lide é a pedra angular da genial
sistematização do processo civil feita por Francesco Carnelutti, segundo a afirmação de
Calamandrei, delineada nas Lezioni e no Progetto”, conforme veremos agora.
CARNELUTTI, na verdade, elaborou um sistema teórico de estudo do
processo civil que teve como instituto fundamental – diríamos até que não apenas como um
instituto jurídico-processual, mas como uma verdadeira premissa metodológica – o conceito
de Lide (Litígio). Aliás, fazendo uma digressão, é pertinente salientarmos que CARNELUTTI,
conforme salienta CALAMANDREI17 em seu “Estudos de Direito Processual”, no mesmo
sentido da mudança metodológica promovida por CHIOVENDA nos estudos do direito
processual na Itália – a partir de 1903 com a publicação da sua obra “Ação no sistema dos
direitos” –, ao contrário de ENRICO REDENTI que estudava o direito processual de uma
perspectiva meramente pragmática, impôs ao estudo do direito processual uma metodologia
16 Ibidem., p. 19. 17 Cf. CALAMANDREI. Piero. Estudos de Direito Processual. Campinas: LZN Editora, 2003, p. 15-19.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
baseada em pressupostos de caráter científico, utilizando, no caso, uma metodologia
histórico-dogmático-sistemática diferente da metodologia meramente exegética que se
praticava até então, sobretudo por influência dos praxistas franceses. Nesta perspectiva
metodológica, CARNELUTTI formula o seu conceito de Lide – aqui identificada por ele no
mesmo sentido que Litígio, conforme veremos mais adiante – e a partir deste constrói um
sistema de conhecimento jurídico-processual, onde todas as demais instituições e institutos
processuais gravitavam em torno de tal construção. Assim, para o processualista de Pádua a
Lide ou Litígio seria um conflito intersubjetivo de interesses qualificado por uma pretensão
resistida ou insatisfeita e, em assim sendo, a função da jurisdição seria a justa composição
desta Lide consubstanciada num processo judicial.
Para a formatação de tal definição de Lide (=Litígio), CARNELUTTI, na sua
obra Sistema de Direito Processual Civil18 e, posteriormente, de modo mais elucidativo, na
sua Teoria Geral do Direito19, elabora, a priori, conceitos básicos e propedêuticos relativos ao
direito processual, a partir dos quais construiria o conceito de Lide (Litígio). Tais conceitos
básicos e propedêuticos – que mais tarde foram re-analisados pelo processualista, também
italiano, UGO ROCCO em seu Trattato di Diritto Processuale Civile20 – são os de necessidade,
bem, utilidade, interesse, conflito de interesses, pretensão e resistência que, uma vez
elaborados e sistematizados – de um ponto de vista eminentemente jurídico-processual –
desembocariam na formação da terminologia Lide ou Litígio. Tais conceitos básicos, na
verdade, foram analisados e formatados do ponto de vista da Ciência Jurídico-Processual, na
perspectiva carneluttiana de se chegar a um sentido unívoco dos mesmos dentro da teoria
geral do processo, posto que, a construção de um sistema terminologicamente coerente e
preciso é, também, uma das premissas metodológicas essenciais, segundo CARNELUTTI,
para se chegar ao conhecimento das coisas e, no caso, para se formar um conhecimento
18 Cf. CARNELUTTI, Francesco. Sistema de Direito Processual Civil. São Paulo: Classic Book, 2000. 19 Cf. Idem. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Lejus, 1999. 20 Cf. ROCCO, Ugo. Trattato di Diritto Processuale Civile. Torino: UTET, 1966.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
jurídico-processual nos moldes científicos. Falemos, então, na perspectiva carneluttiana, dos
tais conceitos básicos da teoria geral do processo.
Falando de necessidade, CARNELUTTI afirmou que esta seria uma
situação, vivida pelo ser humano (ou, na linguagem carneluttiana, ente humano), de
carência, de falta ou inexistência de algum elemento. Tal elemento, na linguagem do
processualista italiano, também, um ente, estaria, assim, apto a satisfazer a esta condição
de necessidade do homem. Tais necessidades humanas ensejariam, por assim ser, uma
relação (entendida, esta, como elemento de uma determinada situação, simples ou
complexa) de dependência que o ente humano teria, enfim, com esses outros entes, por
certo, complementares. Vejamos, in verbis, o que ele disse a respeito desses conceitos na
sua Teoria Geral do Direito21:
O estímulo age por via de uma sensação penosa por todo o tempo em que se não efetue a combinação, e de uma sensação agradável logo que a combinação se produza. Esta tendência para a combinação de um ente vivo com um ente complementar é uma necessidade. A necessidade satisfaz-se pela combinação. O ente capaz de satisfazer a necessidade é um bem: bonum quod beat, porque faz bem. A capacidade de um bem para satisfazer uma necessidade é a sua utilidade. A relação entre o ente que experimenta a necessidade e o ente que é capaz de a satisfazer é o interesse. O interesse é, pois, a utilidade específica de um ente para outro ente.
Neste mesmo sentido, CARREIRA ALVIM22, demonstrando o conceito de
necessidade de CARNELUTTI assente, in verbis, que:
Esta expressão – necessidade – é difícil de ser definida e traduz-se numa situação de carência ou desequilíbrio biológico ou psíquico. Etimologicamente, deriva de necesse, que significa não ser, não existir. Em outras palavras, traduz a falta de alguma coisa, algo que não é. O homem experimenta necessidades as mais diversas, sob variados aspectos, e tende a proceder de forma a que sejam satisfeitas; que desapareça a carência ou se restabeleça o equilíbrio perdido. A necessidade decorre do fato de que o homem depende de certos elementos, não só para sobreviver, como para aperfeiçoar-se social, política e culturalmente, pelo que não seria errôneo dizer que o homem é um ser dependente.
21 CARNELUTTI, op. cit., p. 89. 22 CARREIRA ALVIM. J. E. Teoria Geral do Processo. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 2.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Por sua vez, entendendo-se a necessidade como sendo satisfeita mediante
a combinação desta com determinado ente (bem), restou a CARNELUTTI, como vimos
anteriormente, formular o conceito deste ente que estaria, assim, apto a satisfazer uma
necessidade humana. A tal ente o processualista de Pádua denominou bem. Assim, um bem,
seja ele de qualquer espécie – material ou imaterial, precipuamente – seria o ente
(complementar) que é ou está apto a satisfazer uma necessidade humana. A partir de tal
conceito de bem, CARNELUTTI formulou, como também vimos anteriormente, o conceito de
utilidade, assentindo que esta seria, enfim, a capacidade ou a aptidão que um bem (ente)
tem para satisfazer a uma necessidade do ente vital, isto é, do ser humano.
Relacionando tais conceitos, sempre na visão carneluttiana, teríamos que
na vida social a necessidade humana e o critério e o grau de utilidade de cada um desperta
o interesse das pessoas pela satisfação de tais necessidades via bens da vida, utilizando aqui
uma expressão chiovendiana23. De tal interação de elementos, surge, assim, o conceito de
interesse.
Para CARNELUTTI, interesse seria, assim, a posição favorável do homem
para satisfazer uma necessidade sua. Desta maneira, o interesse (etimologicamente inter
quod est que significa aquilo que está entre) seria o elemento de ligação entre o ser humano
e o bem jurídico que está apto a satisfazer a sua necessidade. A partir isso, CARNELUTTI,
classificando o conceito de interesse, define que existe um interesse imediato e um interesse
mediato. Aquele seria o que levaria a uma satisfação imediata da necessidade, já este, o
interesse mediato, seria aquele que, apenas por via oblíqua, isto é, indiretamente, levaria à
satisfação da necessidade. Do mesmo modo, existe o interesse individual e o interesse
coletivo, tendo em vista o número de sujeitos que se posicionam numa situação de
satisfação de uma necessidade, sendo que, em verdade, como lembra, ele24:
23 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2000, p. 17. 24 CARNELUTTI, Francesco. Sistema de Direito Processual Civil. São Paulo: Classic Book, 2000, p. 56.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Todas as necessidades são individuais. A necessidade é uma atitude do homem, no singular; não existe necessidades da coletividade como tal. Quando se fala de necessidades coletivas emprega-se uma expressão translatícia, para significar necessidades que são sentidas por todos os indivíduos pertencentes a um dado grupo.
Ocorre que – afirma CARNELUTTI25, in verbis:
Se o interesse significa uma situação favorável à satisfação de uma necessidade; se as necessidades do homem são ilimitadas, e se, pelo contrário, são limitados os bens, ou seja, a porção do mundo exterior apta a satisfazê-las, como correlativa à noção de interesse e à de bem aparece a do conflito de interesses. Surge conflito entre dois interesses quando a situação favorável à satisfação de uma necessidade excluir a situação favorável à satisfação de uma necessidade distinta.
Deste ponto de vista, CARNELUTTI afirma ainda que tais conflitos de
interesses são fenômenos ínsitos à sociedade e, em assim sendo, não há sociedade sem
conflitos, importando, no caso, para o direito, como um relevante jurídico, os conflitos que
sejam não intra-subjetivos, mas os que são intersubjetivos. Assim como também, preleciona
ele, em geral tais conflitos intersubjetivos de interesse tendem a ser dirimidos pelos próprios
sujeitos sociais em grupo. Quando tal não ocorre, isto é, quando um dos contendores na
disputa pelo bem da vida que está apto a satisfazer a sua necessidade não chega a um
consenso com o outro sujeito contendedor, diz-se que estamos diante de dois fenômenos
também ínsitos ao conflito de interesses, quais sejam, os fenômenos da pretensão e da
resistência.
A pretensão, diria CARNELUTTI26, seria a “exigência de subordinação do
interesse de outrem ao interesse próprio”, não se confundindo esta – a pretensão – com o
25 Ibidem., p. 60-61. 26 Ibidem., p. 93.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
direito27. Em sentido contrário, aquele que não quer ver o seu interesse subordinado ao de
outrem, oferece, contra o interesse deste, resistência. Desta maneira, a resistência é a não-
adaptação à situação de subordinação do interesse próprio ao interesse alheio, ou
simplesmente, “a oposição a tal exigência”28. Arrematando tais conceitos, na esteira da lição
de CARNELUTTI, assim preleciona CARREIRA ALVIM29:
A resistência pode consistir em que, sem lesionar o interesse, o adversário contesta a pretensão ou, pelo contrário, sem contestar a pretensão, lesiona o interesse; pode ocorrer, também, que a resistência se estenda a uma e outra (contesta e lesiona o interesse). Tanto a contestação como a lesão da pretensão, do mesmo modo que a pretensão, são dois atos jurídicos, mas de espécie diversa: a contestação, como a pretensão, é uma declaração; a lesão, pelo contrário, uma operação jurídica (ato jurídico de evento físico). Assim se distinguem, em razão da qualidade da resistência, a lide de pretensão contestada e a lide de pretensão insatisfeita.
Em assim sendo, sintetizando todos esses conceitos propedêuticos da
Ciência Jurídico-Processual, CARNELUTTI30 arremata formulando seu célebre conceito de
Lide (= Litígio): um “conflito de interesses, qualificado pela pretensão de um dos
interessados e pela resistência do outro”, sendo aquele, o conflito de interesses, seu
elemento material e estes, a pretensão e a resistência (conflito de vontades) o seu elemento
formal. Assentindo, mais, em sua Teoria Geral do Direito31 que “ao conflito de interesses,
quando se efetiva com a pretensão e com a resistência, poderia dar-se o nome de contenda,
ou mesmo de controvérsia. Pareceu-me mais conveniente e adequado aos usos da
linguagem o de lide [ou litígio]”. Assertiva essa que nos informa que, para ele, Lide e Litígio
27 Carreira Alvim, neste sentido afirma, in verbis: “Observa Carnelutti que, desde que se dedicou ao estudo do processo, percebeu a necessidade de separar a ‘pretensão’ do ‘direito’, porque, de outro modo, não se poderia admitir uma pretensão infundada, mas, em princípio, nas suas Lezioni, confundiu a pretensão com a afirmação do direito, já que não havia percebido que pode ocorrer não só a pretensão infundada, senão, também, a pretensão desarrazoada (quia nominor leo). Por isso, no seu Sistema, definiu a pretensão como ‘exigência de subordinação do interesse alheio ao interesse próprio’. Assim, não só a pretensão é separada do direito, como, também, da razão (ragione); a razão (ratio petendi) é precisamente o que vincula a pretensão ao direito” (CARREIRA ALVIM. J. E. Teoria Geral do Processo. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 9.). 28 CARNELUTTI, Francesco. Teoria Geral do Direito. São Paulo: LEJUS, 1999, p. 108. 29 CARREIRA ALVIM, op. cit. p. 10. 30 CARNELUTTI, op. cit. p. 93. 31 Idem. Teoria Geral do Direito. São Paulo: LEJUS, 1999, p. 108.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
seriam expressões sinônimas, indicando, ainda, que tais conceitos se referem ao fato de
natureza metaprocessual que ocorrera na realidade social, muito embora, é válido citarmos
mais uma vez, a ressalva feita por ele mesmo em suas Instituições do Processo Civil32 e no
seu Sistema de Direito Processual Civil33, respectivamente, in verbis:
O conflito existente de interesses denomina-se lide. A terminologia a esse respeito ainda não está consolidada; certamente, antes que se propusesse seu uso, com um significado científico preciso, a palavra era usada com mais de um sentido, tanto para denotar o conflito de interesses para cuja composição opera o processo, como para denotar o próprio processo; há de se reconhecer também que as resistências à adoção do uso proposto têm sido justificadas em parte por certas imperfeições ou exageros inevitáveis nas primeiras investigações sobre a função do processo: um fruto dessas resistências é a terminologia incerta e imprópria do Código (grifos nossos).
Até agora, assim como no latim e no italiano, a palavra lite serviu para significar não apenas o conflito de interesses que, como veremos, constitui conteúdo do processo, mas também o próprio processo: quando, por exemplo, os romanos diziam ‘sub judice lis est’, a adotavam para indicar o conflito e, pelo contrário, na frase ‘litem infere’ ou ‘litem orare’, para designar o processo; o primeiro significado é utilizado, por exemplo, no art. 1.764 do Código Civil, enquanto os nºs 4, 5 e 7 do art. 116 do Código de Procedimento Civil empregam o segundo. Por outro lado, em italiano predomina a palavra causa para determinar o processo. Mas agora, em que a ciência do Direito efetuou a distinção entre o conflito e o processo, que constitui uma das linhas fundamentais do meu sistema, é necessário, pelo menos na linguagem técnica, atribuir a esta palavra um significado único e preciso (grifos nossos).
Muito bem. Consecutado tal conceito de Lide (=Litígio), CARNELUTTI,
então, assente, peremptoriamente, que “se o conflito se não compõe por si, isto é, por obra
dos contendores, é necessário, para que não degenere em violência, ou seja, para que o
contraste não se transforme em disputa, que, por outrem, qualquer coisa se faça compor”34
tal, então, o objetivo do processo: seria, pois, a justa composição35 desta Lide (=Litígio),
acreditando o processualista italiano, assim, que a função jurisdicional do Estado se
32 CARNELUTTI, Instituições do Processo Civil. São Paulo: Classic Book, 2000, p. 77. 33 Idem. Sistema de Direito Processual Civil. São Paulo: Classic Book, 2000, p. 93. 34 Idem. Teoria Geral do Processo. São Paulo: LEJUS, 2000, p. 110. 35 Idem. Sistema de Direito Processual Civil. São Paulo: Classic Book, 2000, p. 98.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
resumiria à definição de controvérsias, distinguindo, deste modo, função jurisdicional de
função processual, tese essa que teve várias implicações teoréticas, como por exemplo, na
não consideração da jurisdição voluntária como atividade jurisdicional, mas, meramente,
processual, conforme veremos mais adiante no presente trabalho. Também, é a partir do
conceito de Lide, conforme já afirmamos, que CARNELUTTI, dentro do seu estudo
sistemático do direito processual, elabora todos os demais conceitos das instituições e
institutos jurídico-processuais. Por último, é válido ressaltarmos que, em nenhum momento,
CARNELUTTI propugna pela tese por nós defendida no sentido de distinguir Lide de Litígio,
até mesmo porque, na linguagem italiana, não havia tal distinção e nem se queira obstar,
por exemplo, que ele tenha separado o conflito (para ele Lide) do processo, posto que, na
linguagem dele, a Lide compõe o conteúdo do processo, pois o julgador se encontra com a
Lide através da petição do autor. Eu diria, na verdade, a Lide é aquilo que do Litígio fora
deduzido em juízo, podendo haver, assim, portanto, Lide com dedução só de pretensões,
isto é, processos sem litígios. Ao contrário, na sua concepção, por certo, ideária, para não
dizer irreal, através do processo, da jurisdição – entendida esta sob a perspectiva do seu
conceito de função jurisdicional – o Estado objetivava e sempre chegava à justa composição
da Lide, isto é, do conflito social que deu ensejo à formação do processo. Em assim sendo,
não haveria a possibilidade de processo sem Litígio (Lide) e mesmo se considerando tal
possibilidade, no caso, teríamos, tão-somente, processo em sentido impróprio.
Outrossim, em última análise, é de se indagar o porquê de ter CARNELUTTI
sistematizado toda a sua estrutura teórico-conceitual com base no conceito de Lide (Litígio),
isto é, o porquê de tal adoção, posto que, conforme veremos em seguida, nenhum outro
autor antes dele havia feito tal construção ou dado uma formatação ou importância
semelhante ao conceito de Lide (Litígio), até mesmo porque, conforme nos informa
CALAMANDREI, resenhando a obra do processualista da Universidade de Milão, ele adotou
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
tal terminologia inclusive de forma diferente da adotada pelo Código de Processo Civil
italiano de 1940, in verbis:
Assim, também quanto a estas Istituzioni de Carnelutti, o problema metodológico poderia expor-se, como disse, nos mesmos termos indicados por ele na nota bibliográfica dedicada a mim, isto é, se seu sistema, semelhante ao traje de confecção e não talhado na medida, é o mais apropriado para revestir e para fazer destacar os membros ainda em crescimento do novo código; ou seja, prescindindo de metáforas, se seu sistema, no qual, no lugar da função jurisdicional está a função processual, no lugar da causa está a lide, e no qual a ordem de exposição está toda baseada sobre a distinção entre estática e dinâmica processual, é idôneo para fazer compreender aos principiantes a verdadeira fisionomia do novo código mais do que uma simples exposição de velhos conceitos chiovendianos.36
Mas deste modo (...) corre-se também o risco de entrar em polêmica com o código, o qual continua falando de ‘causa’ e não de ‘lide’, de ‘jurisdição voluntária’ e não de ‘processo voluntário’, de ‘função jurisdicional’ e não de ‘função processual’.37
Sobre essa adoção, parece-nos acertada, mesmo, a resposta dada por
TEIXEIRA GIORGIS38 que, citando artigo de LUCIANO MARQUES LEITE39, assim afirma, in
verbis:
A lide, como observa Luciano Marques Leite, era uma palavra de uso antigo na nomenclatura jurídica, vindo freqüentemente confundida com o conceito de ações ou associada a fenômenos de natureza processual, tal como ainda ocorre (litiscontestatio, litispendência, litisconsórcio, lide temerária, etc.). A preferência de Carnelutti pelo termo, segundo o mestre paulista, decorreu de que a palavra causa – que também serviria para indicar o ‘conteúdo’ do processo – no Código de Processo Civil italiano, como também acontece com o nosso, era utilizada para significar o processo, estando ainda sobrecarregada de significados diversos, tanto populares como jurídicos.
36 CALAMANDREI, Piero. Estudos de Direito Processual. Campinas: LZN Editora, 2003, p. 124. 37 Ibidem., p. 129. 38 TEIXEIRA GIORGIS, José Carlos. A lide como categoria comum do processo. Porto Alegre: LeJur, 1991, p. 32. 39 LEITE, Luciano Marques. O conceito de “lide” no processo penal – um tema de Teoria Geral do Processo. In Justitia, v. 70, São Paulo, 1970.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Destarte, CARNELUTTI, para não incorrer nestes mesmos erros de
indiscernibilidade terminológico-conceitual – por certo fruto das tradições jurídico-romanas –
preferiu a construção do conceito de Lide (Litígio), nos moldes da análise que consecutamos
atrás, até mesmo porque, antes dessa sua formulação teorético-conceptual-terminológica, os
conceitos de Lide e Litígio não eram bem definidos pela dogmática jurídico-processual, posto
que, até então, as construções e discussões teoréticas a respeito do direito processual eram
todas formuladas a partir do prisma metodológico da Actio (direito de ação), conforme
passaremos a expor de agora em diante.
2.1.2 – As acepções do direito romano, do direito comum e do
direito lusitano a respeito do temário do Litígio e da Lide.
Entre os romanos, Lide (para eles, Litis ou lis) e Litígio (para eles, Litigium)
eram termos – não conceituais, mas apenas referenciais – que tão-somente designavam
uma situação fáctica intersubjetiva de violação de direitos, isto é, um conflito intersubjetivo,
onde, em assim sendo, haveria, por conseguinte, uma disputa fáctica e depois jurídica entre
os sujeitos envolvidos no conflito. Processualmente falando, na linguagem dos romanos,
aquele, no caso, que tivesse o seu direito violado (numa Litis ou Litigium) teria, assim, Actio
– isto é, direito de perseguição in iudicium – contra o violador e, também, por conseguinte,
direito à proteção jurídica. Deste modo, mais ou menos assim, compreendeu-se o significado
de Actio nos três períodos de desenvolvimento do processo romano – quais sejam, o período
das legis actiones, o período formulário (per formulas) e o período da extraordinaria cognitio
– de maneira que, por assim ser, os conceitos de Litígio e Lide estiveram subordinados a tal
conceito de Actio ou, até mesmo, de Iudicium (processo, para os romanos), posto que, em
muitos momentos, percebe-se, no direito romano clássico, a indiscernibilidade dos termos
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
actio e iudicium, conforme atesta o romanista brasileiro VANDICK L. DA NÓBREGA40, in
verbis:
Não encontramos nos juristas republicanos e clássicos definição de actio, pois a única que chegou aos nossos dias é de origem pós-clássica: - nihil aliud est actio quam ius, quod sibi debeatur, judicio persequendi. O verbo agere significa ‘agir’ e actio quer dizer actus, numa acepção ampla que compreende cada processo judicial, e não partes de cada modalidade de processo. Portanto, a actio tanto abrangia o processo in iure como o processo apud iudicem. [...] em algumas frases legais típicas, o têrmo actio significa sòmente o processo apud iudicem: - actio a praetore danda est significa um processo apud iudicem que seria estabelecido pelo pretor; actio proposita est in edicto praetoris significa: - um processo apud iudicem é prometido no edito do pretor. Nestas frases actio confunde-se com iudicium (grifos nossos).
No primeiro período de desenvolvimento do direito processual romano,
denominado de período das legis actiones41, caracterizado, sobretudo, pelo formalismo e
ritualismo procedimentais, o processo se desenvolvia em duas fases distintas, quais sejam,
in iure e apud iudicem (in iudicium). A primeira fase ocorria frente ao magistrado que
tomava, a partir do autor [que levava o réu (in ius vocatio)], conhecimento da Lide,
indicando-se, mais adiante, a Actio e o Iudex que julgaria a Lide (Litígio, causa, res in
iudicium deductae) já na fase apud iudicem. Assim, na verdade, o sujeito tinha direito a uma
actio que faria, posteriormente, valer o seu direito violado. É exatamente por isso que
CHIOVENDA42 e outros autores, neste sentido, assentiram, categoricamente, que, em
verdade, o sistema jurídico romano era não um sistema de direitos (de Ius), mas um sistema
40 NÓBREGA, Vandick L. da. Compêndio de Direito Romano. 7. ed. rev. aum. atual. Rio de janeiro: Biblioteca Universitária Freitas Bastos, 1972, v. 1, p. 391. 41 No caso, havia ações específicas para serem manejadas pelos cidadão romano, não podendo, neste caso, utilizar a ação de modo indistinto. Existiam as seguintes ações: legis actio per sacramentum, legis actio per condictionem, legis actio per iudicis arbitrive postulationem, legis actio per iniectionem e a legis actio per pignoris capionem (Cf. NÓBREGA, op. cit., p. 391 et seq.). 42 Cf. CHIOVENDA, Giuseppe. A ação no sistema dos direitos. Belo Horizonte: Ed. Líder, 2003.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
de ações (Actio). Também nesta mesma perspectiva, MOREIRA DE PAULA43, citando o
romanista português ANTONIO DOS SANTOS JUSTO44, aponta que:
Santo Justos, confessadamente, destaca enorme importância da actio no estudo do direito romano. (...) o ius era concebido e enunciado sob o aspecto mais processual do que substancial e, por isso, permitia-se caracterizar, na sua época áurea (época clássica que corresponde ao período formulário), como um conjunto de actiones. Explica o mestre conibrense que a actio, sob o aspecto formal, é o primeiro ato que assinala o início de um processo. Do ponto de vista material, a actio é o instrumento jurídico que permite a uma pessoa obter a tutela de um direito subjetivo previamente reconhecido pelo ordenamento jurídico ou de uma situação de fato que o magistrado prometeu proteger no seu edictum.
No período formulário, agora sem toda aquela ritualística e formalização
excessivas das ações da lei, a Lide (Litígio), isto é, o conflito, era levado ao magistrado, na
fase in iure, pelo autor a fim de obter a fórmula específica ao seu direito que seria, assim,
julgado na fase in iudicium, tendo em vista a litis contestatio formada com o réu. A litis
contestatio, no caso, era “o ato que assinala o desacordo entre as partes e o propósito de
ser o litígio resolvido pelo juiz [...]; é o momento em que a lis é inchoata ou o iudicium é
aceito”45. Por fim, na fase do processo extraordinário, desaparecem as fases do in iurem e
do in iudicio, ficando todo o processo (iudicium) concentrado nas mãos de uma só pessoa, o
magistrado, daí o caráter de publicização do julgamento, mutatis mutandis, nos mesmos
moldes que temos hoje.
Lide (Litígio), neste contexto histórico-romanístico, como uma disputa
factual ou, mesmo depois, como um fato a partir do qual se tinha o direito de perseguição
em juízo (daí o conceito de Actio de Celso: nihil aliud est actio quam ius, quod sibi debeatur,
in judicio persequendi – Inst. Liv. IV, Tít. VI), sobretudo no período das legis actiones e do
processo per formulas, onde o procedimento era do tipo ordo iudiciorum privatorum, isto é,
43MOREIRA DE PAULA. Jônatas Luiz. História do Direito Processual Brasileiro: das origens lusas à Escola Crítica do Processo. Barueri: Manole, 2002, p. 33-34. 44 SANTOS JUSTO, Antonio dos. Direito Privado Romano – I – Parte Geral. Boletim da Faculdade de Direito DA Universidade de Coimbra. Coimbra: Coimbra Editora, 2000. 45 NÓBREGA, op. cit. p. 418.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
marcado essencialmente por sua natureza privatista e não publicista como na fase da
cognitio extra ordinem, designava, ou, pelos menos, estabelecia os parâmetros
(con)formatadores, para os romanos, do conceito de Actio. Dado interessantíssimo esse que
se nos apresenta, posto que, modernamente, tais conceitos são absolutamente distintos,
sendo, inclusive, a Actio moderna um direito público subjetivo e não uma ação (atitude) de
ordem privada tomada por uma das partes contra46 o outro, como na Actio (Lide ou Litígio)
romana47. A propósito disso, vejamos o que nos diz, em análise – do ponto de vista do
direito romano – dos conceitos de Lide (Litígio) e Actio, PONTES DE MIRANDA48, in verbis:
Lide é ‘ação’, litígio (litigium), querela, disputa, em que se vai perder, ou em que se vai ganhar. Enquanto pende a ação, com o seu processo, há litispendência, de modo que não se pode chamar ‘lide’ o mérito da causa. Enquanto há lide, lida-se (donde ‘lida’, peleja, fadiga). Há o ‘litisconsórcio’. Quem teve a decisão que reputou nulo o processo perdeu a lide, sem se tratar de mérito. Já no antigo latim havia lis, luta. Na L. II, D., de alienatione iudicii mutandi causa facta, 4, 7, há o texto tirado de Ulpiano (libro quinto opinionum, fragmento até hoje não encontrado): ‘ Cum miles postulabat suo nomine litigare de possessionibus, quas sibi donatas esse dicebat, responsum est, si iudicii mutandi causa donatio facta fuerit, priorem dominum experiri opostere, ut rem magis quam litem in militem transtulisse credatur’. O caso era de um militar que postulara em seu nome litigar sobre posses, que dizia lhe terem sido doadas; respondeu-se que, se a adoção tivesse sido feita com o intuito de mudar o juízo, o dono anterior devia pleitear, para se entender que tranferiu mais a coisa do que o litígio. Na L. 9, C., de suis et legitimis liberis et ex filia nepotibus ab instestato venientibus, 6, 55, ‘de lite’ está em lugar de ‘litígio’ (grifos nossos).
46 CELSO NEVES, fundamentado em PUGLIESE, assente que a Actio para os romanos – neste sentido de um agir contra o outro – não significava um agir qualquer, mas uma agir de determinado modo, isto é, “antes de constituir um ato de força ou defesa violenta, é mais provável que actio aludisse ao ritualismo e ao formalismo oral, por meio do qual, originariamente, se faziam valer as próprias razões” (NEVES, Celso. Estrutura fundamental do processo civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 85). 47 A propósito desta dialética histórico-conceitual de mudança de significação e referibilidade das instituições e institutos jurídicos, Fábio Gomes anota que: “Esta espécie de modelo dialético, em virtude do qual um determinado instituto acaba transformado em seu contrário, no curso da História, parece ser uma constante, a marcar o sentido da evolução de nossas instituições processuais. Se considerarmos a extrema severidade com que o direito romano primitivo tratava os devedores em geral, legitimando a vingança privada e toda sorte de castigos corporais, é fácil constatar, como observa Alessandro Pekelis, referindo-se ao sentido da evolução do conceito de ação, que a categoria processual que o direito moderno conserva, no lugar da originária ação privada do direito romano primitivo, é nada mais, nada menos, do que uma não-ação (Azione, ‘Teoria Moderna’, Novíssimo Digesto Italiano, v. 2, p. 33) (BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. e GOMES, Fábio. Teoria Geral do Processo Civil. 3. ed. rev. atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 19). 48 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1996, t. I, p. XXXII.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Em síntese, para o direito romano, seja no período das legis actiones, seja
no período formulário, seja no período da cognitio extra ordinem, a Lide ou Litígio, estes
termos inclusive tomados, por eles, indistintamente, consubstanciava-se, lato sensu, no
conceito de Actio, sem constituírem em si categorias de importância jurídico-processual49.
Tanto é assim que a Actio levava à formação da Litis contestatio. Ademais, o termo causa50
– que também tinha uma significação senão igual, mas pelo menos próxima à de Lide
(Litígio) – denotava, também, para os romanos, a res iudicium deductae a qual,
modernamente, poderíamos, dependendo do conceito de mérito adotado, assentir como a
Lide em si, ou, como na acepção que estamos a defender neste trabalho, o Litígio – ou
parcela deste – que fora levado (deduzido) a juízo conformando tal Lide. Por fim, “o termo
causa, documentado por Gaio com referência ao processo da época mais antiga, servia para
indicar a matéria litigiosa – causa ex quibus agebatur -, isto é, o fato, a razão, o fundamento
que legitimava o agere da parte”, afirma CRUZ e TUCCI51.
Posteriormente, por volta do século XI em diante, já com a formação do
chamado direito comum medieval52, proveniente das conjunções do direito romano com os
direitos germânico e canônico53 que ocorrera por obra das invasões bárbaras e dos
49 É, peremptório e evidente para nós, fundamentado na doutrina romanística, que embora os romanos utilizassem, o termo Lis – lide – para nominar seus institutos, eles não davam tanta importância conceitual ao mesmo e, aliás, não chegaram nem a formular um conceito preciso de Lide, muito embora o Professor Alfredo Buzaid afirme em um ensaio seu, entitulado “Da Lide: estudo sobre o objeto litigioso”, de 1980, que o objeto do processo civil romano era a lide e esta era a res in iudicium deductae. Em verdade, concordamos com o professor BUZAID com a ressalva, de que, os romanos mesmos, isto é, a “dogmática” romana, não precisou, como Carnelutti o fez, o conceito de Lide, pois tal, para eles era apenas um elemento referencial, isto é, mais um nomen iuris sem uma maior elaboração teórico-conceptual (Cf. BUZAID, Alfredo. Estudos e Pareceres de Direito Processual Civil. Adaptação de Ada Pellegrini Grinover e Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 75-78). 50 A propósito disto, esclarece José Rogério Cruz e Tucci que: “A noção de causa petendi ou causa actionis foi utilizada, na maioria das vezes, para indicar duas res in iudicium deductae que, embora tivessem as mesmas partes e o mesmo petitum, contrastavam-se por encerrarem fundamentos diferentes, ou, ainda, em hipóteses mais freqüentes, relacionadas com a praxe forense, nas quais os jurisconsultos procuravam encontrar um critério para verificar se, em duas ações entre as mesmas pessoas, a causa era idêntica, ou se, na demanda posterior, havia sido deduzida uma nova causa” (CRUZ e TUCCI, José Rogério. A causa petendi no processo civil. 2. ed. rev. atual. amp. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 30.). 51 Ibidem, p. 34. 52 A respeito da formação do direito comum medieval, conferir as importantes lições de Jônatas Luiz Moreira de Paula – fulcrado nos trabalhos dos romanistas portugueses – em: MOREIRA DE PAULA. Jônatas Luiz. História do Direito Processual Brasileiro: das origens lusas à Escola Crítica do Processo. Barueri: Manole, 2002, p. 121-130. 53 Salientando-se, na perspectiva aduzida por Fábio Gomes, que: “A influência do cristianismo, como é natural, expandiu-se constantemente durante a Idade Média, de modo que a contribuição do direito canônico – para sermos mais precisos, direito romano-canônico, do período oriental do direito romano tardio – para a formação
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
imperadores romano-cristãos do oriente (como Teodósio e Justiniano, por exemplo),
respectivamente, a partir do século V, os termos Litígio e Lide, em linhas gerais, tal como na
acepção clássica do direito romano, continuaram sendo tomados como elementos de mesma
significação denotando, assim, o conflito intersubjetivo que foi deduzido em juízo através do
libellum reclamationis do autor que indicava o réu e especificava o objeto da Lide (Litígio).
Daí se falar, no processo canônico de ante litis contestationem e post litis contestationem.
Já no período das ordenações portuguesas – ordenações manuelinas,
afonsinas e filipinas –, ordenações essas que foram promulgadas com o objetivo precípuo de
unificação do estado nacional português – tais termos, Litígio e Lide, foram tomados,
também, como de mesma significação e referibilidade, querendo demonstrar, do mesmo
modo que na acepção do direito comum, o conflito de interesses levado a juízo. Vejamos,
como comprovação desta assertiva, o que nos diz o Livro III, Título LI, § 1 das Ordenações
Filipinas54:
Da contestação da lide (§1)Tanto que o julgador receber o libello do autor, enquanto com Direito fôr de receber, contestará a demanda per negação, E sendo a parte presente per si ou per seu Procurador, poderá contestar negando ou confessando direitamente a ação do autor, ou dizendo perfeitamente a verdade do caso, como passou, e não pela cláusula geral , que era confessar o réu o que era por ele, e negar o que he contra elle. E estes modos de contestar a lide bastam, e por qualquer delles que se fizer, será a lide havida por contestada, e o julgador irá pelo feito em diante (grifos nossos).
Em vários outros momentos do texto das ordenações portuguesas55
(Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas), sobretudo nos livros III e V dessas, que
tratavam, respectivamente, do processo civil e do processo criminal, encontramos os termos
do chamado direito comum medieval foi, além de decisiva, amplamente predominante, sobrepujando largamente a contribuição do direito dos povos germânicos, cujo estágio cultural era muito inferior ao nível de desenvolvimento alcançado pela civilização romana, e por seus representantes medievais, particularmente, pela Igreja, centro exclusivo da cultura clássica greco-romana (BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. e GOMES, Fábio. Teoria Geral do Processo Civil. 3. ed. rev. atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 20). 54 ORDENAÇÕES FILIPINAS On-line. Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Instituto de História e Teoria das Idéias. Portugal. Disponível em: http://www.uc.pt/ihti/proj/filipinas/L3P636.HTM. Acesso em: 14 nov. 2003. 55 Ibidem.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Lide e Litígio (e suas variantes, como, por exemplo, litigantes), e outros, tais como, causa,
demanda, conflito, usados para denotar a mesma significação e referência factual e jurídica.
Pois bem. É válido salientarmos também que, do ponto de vista da
historiografia do direito processual e da dogmática jurídico-processual, enquanto
conhecimento jurídico-científico, estamos, até aqui, num momento onde as concepções
formadas a respeito do fenômeno jurídico-processual e dos seus institutos fundamentais são
consecutadas sem nenhuma preocupação cognitivo-científica, até mesmo porque, conforme
já explicitamos no intróito deste trabalho, o direito só alcançou o seu status de ciência –
Juris Scientia – a partir do século XVIII com a escola histórica56. Desse modo, as
formulações feitas, até então, a partir do fenômeno jurídico, têm preocupações meramente
práticas e não teoréticas. Assim, peremptoriamente, do ponto de vista da produção de uma
Ciência Jurídico-Processual, nem o direito romano, nem o direito comum, nem o direito
lusitano, nesta fase inicial, foram estudados, pelos juristas do seu tempo, a partir de um
prisma metodológico-científico, daí que, também, por isso, não havia uma preocupação
terminológica na construção dos conceitos e categorias jurídicas. De tal maneira que,
evidentemente, como temos demonstrado, até esse período, os termos Lide, Litígio, Causa,
Actio, Res Iudicium Deductae tinham, lato sensu, o mesmo âmbito de significação, isto é,
representavam o conflito intersubjetivo que fora levado ao julgador para que, enfim, este
desse uma solução a tal caso concreto.
56 Cf. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A ciência do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1991, p. 18.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
2.1.3 – Litígio e Lide na perspectiva da Escola Judicialista, Praxista
e Procedimentalista.
Conforme afirmamos, em nota, anteriormente, do ponto de vista da
historiografia do direito processual, NICETO ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO57, na sua clássica
obra “Estudios de Teoría General e Historia del Proceso”, assente que vivenciamos os
seguintes momentos históricos: em primeiro lugar, o período romano; em segundo lugar, o
período da escola de Bolonha (fundação da Universidade de Bolonha, escola de glosadores
etc.), do direito comum medieval e do fenômeno da chamada recepção por parte dos
estados nacionais europeus, das concepções jurídico-romanísticas, agora, imbricadas, com
as concepções do direito canônico; em terceiro lugar, o período da Revolução Francesa e do
movimento de codificação (Código Civil Napoleônico); e, em quarto lugar, o período pós-
publicação da revolucionária obra doutrinária de OSKAR VON BÜLLOW e das idéias
legislativo-processuais de FRANZ KLEIN consubstanciadas, principalmente, no seu projeto de
código de processo civil austríaco, convertido em lei em 1895. Na mesma obra, ALCALÁ-
ZAMORA y CASTILLO58 afirma, ainda, que, do ponto de vista da evolução, agora, da
dogmática jurídico-processual, teríamos os seguintes períodos doutrinários: em primeiro
lugar, o período da dogmática primitiva o qual foi marcado pela falta de autênticas
exposições jurídico-processuais, mas onde, de qualquer modo, podemos encontrar dados e
idéias acerca da justiça e do seu funcionamento; tal período, segundo ele, se estendeu,
desde as concepções mais primitivas – como a Bíblia dos Hebreus, o Código de Hamurábi
dos mesopotâmicos, o Código de Manu dos indianos, Las avispas de ARISTÓFANES, as
Etimologias de SANTO ISIDORO DE SEVILHA, as Institutas de GAIO entre outros – até o
século XI; em segundo lugar, o período da Escola Judicialista que se estenderia desde a 57 ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, Niceto. Estudios de Teoria General e Historia del Proceso. México: UNAM, 1974, v. II, p. 293. 58 Ibidem., p. 293.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
fundação da Universidade de Bolonha em 1088 até o final do século XV; em terceiro lugar, o
período da “escola” do Praxismo ou, como o processualista espanhol melhor denominou,
período da Tendência dos práticos que se estenderia do século XVI ao século XIX; em quarto
lugar, o período do chamado Procedimentalismo, de gênese eminentemente francesa, e que
teve assento na historiografia do pensamento jurídico-processual no século XIX; e, por fim,
em quinto lugar, o período do denominado Processualismo científico ou moderno, surgido a
partir da publicação da obra de OSKAR VON BÜLLOW, em 1868, na Alemanha, estendendo-
se até o momento atual, nas suas diversas variações, quais sejam, o processualismo
germânico, o processualismo italiano, o processualismo espanhol e o processualismo ibero-
americano.
Pois bem59. Na subseção anterior, nós consecutamos a análise teórico-
conceptual e histórico-descritiva dos termos Litígio e Lide, a partir da historiografia do direito
processual, nos termos retro explicitados. Agora, procederemos a tal análise a partir da
evolução da dogmática jurídico-processual, nos mesmos termos assentidos por NICETO
ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, desprezando o período primitivo, posto já ter sido esse, de
certo modo, analisado em momento anterior, sobretudo, quando falamos de Litígio e Lide na
perspectiva romanística e também por ser um período assistemático na história da
dogmática jurídico-processual, não sendo, assim, metodologicamente, viável para nós a
verificabilidade do mesmo. Vejamos, então.
Segundo preleciona o processualista espanhol, o período da Escola
Judicialista – cujas concepções basilares a respeito do direito processual foram
fundamentadas, principalmente, no conceito de Iudicium (juízo), daí o porquê da sua
59 A propósito destas classificações e compartimentalizações da historiografia do direito processual e da dogmática, isto é, o pensamento jurídico-processual, o processualista espanhol esclarece que: “ahora bien: si la marcha del Derecho procesal tomado en bloque es, sobre poco más o menos, la que acabamos de esbozar, dentro de ella se impone deslindar la historia de las instituciones procesales, y la evolución de la doctrina procesal. Existen entre ambas, claro está, influjos mútuos e interferencias manifiestas, pero son dos territorios que conviene contemplar por separado, a causa de su distinto contenido y de su distante aparición en el tiempo, porque el proceso como realidad es muy anterior al proceso como literatura” (BMA. EL FORO. Evolución de la doctrina procesal: conferencia data en la Universidad de San José da Costa Rica el 21 de abril de 1949. Disponível em: http://www.bma.org.mx/publicaciones/elforo/1950/junio/evolucion.htm. Acesso em: 14 nov. 2003).
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
denominação – estende-se desde a criação da Universidade de Bolonha na Itália, no século
XI, até o final do século XV, tendo em vista, sobretudo, o fenômeno da recepção do direito
romano e seus consectários por parte das principais nações européias.
Os estudiosos desta escola doutrinária realizaram estudos a partir da
análise do direito comum medieval nas suas vertentes romano-canônica, medieval-italiano e
ítalo-canônico com preocupações não tão comprometidas, ainda, com a elaboração de um
saber teórico-científico sobre o processo. Desse modo, efetivamente, não trabalharam nesta
perspectiva teórico-terminológica de construção dos conceitos das instituições e institutos do
direito processual. Em assim sendo, não encontramos dados na literatura que demonstrem
alguma construção ou mesmo maior análise, precisa e específica, dos conceitos de Litígio e
Lide. Tais conceitos jurídico-processuais, como todos os demais, eram analisados e
enfocados a partir da noção de juízo, sendo, portanto, o Litígio ou a Lide, tal como para os
romanos e no direito comum, aquilo que era levado a juízo para ser decidido por um órgão
julgador, tribunal ou juiz. Duas obras de grande importância deste período e que tem como
conceito central o de Iudicium são: Ordo Iudiciarius (1216) de Tancredus Canonico
Bononiense e Speculum Iudiciale (1271) de Guilherme Duranti. Em tais obras, encontramos
o conflito intersubjetivo levado a juízo denominado de Litis60 (Lide ou Litígio).
Já a partir do século XVI, surge na Europa, sobretudo na Espanha, um
movimento no campo do direito processual denominado, conforme já afirmamos, por
ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, como Tendência dos práticos ou “escola” do Praxismo que se
estendeu até os idos do século XIX. Tal movimento, sem maiores pretensões científicas ou
teóricas, visava apenas à construção de modelos aplicados para a prática forense. Neste
sentido, CARREIRA ALVIM61, embasado nas concepções históricas do processualista
espanhol, assim se expressa, in verbis:
60 KIRCHENLEXIKON. Biographisch-Bibliographisches. Disponível em: http://www.bautz.de/bbkl/t/tankred_v_b.shtml. Acesso em: 14 nov. 2003. 61 CARREIRA ALVIM, J. E. Teoria Geral do Processo. 8. ed. rev. amp. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 34.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Esse período denominou-se praxismo porque o direito processual foi considerado pelos jurisconsultos, advogados, legistas e práticos como um conjunto de recomendações práticas sobre o modo de proceder em juízo. Preocupavam-se com a forma de realizar o processo, sem grandes preocupações com estudos teóricos do processo. Os estudos dessa época eram impregnados de nítida preocupação forense; apenas questões de ordem prática.
Imaginemos nós, então, que distinguir Lide (litis), Litígio (litigium), Causa,
Res iudicium deducta etc. não era coisa tão essencial e importante para os praxistas. Nas
obras que consultamos deste período, como a Practica Nova Imperialis Rerum Criminalium62,
escrita na Alemanha, em 1635, por Benedikt Carpzov, a Practica civil y criminal e instrucción
de escribanos, escrita na Espanha, em 1563, por Monterroso e os Elementos de Practica
Forense de Gómez y Negro, escrito na Espanha, em 1825, assim, não encontramos
quaisquer formulações teóricas sobre os conceitos hora em análise.
Do Praxismo – com uma diferenciação, do tipo conceitual, meramente
cronológica – passou-se, sobretudo por influência francesa, ainda no século XIX, para o
período do Procedimentalismo. Tal concepção dogmática do direito processual, assim como a
tendência anterior, caracterizou-se por preocupações também, meramente, praxistas, a
respeito dos procedimentos judiciais. Isso se deu, segundo informa ALCALÁ-ZAMORA y
CASTILLO63, tendo em vista acontecimentos de ordem político-jurídico-legislativa. CARREIRA
ALVIM64, resumindo esta preceituação do processualista espanhol, assim preleciona, in
verbis:
A causa política do procedimentalismo foi a Revolução Francesa e a causa jurídica, a codificação napoleônica, que, ao separar a legislação processual civil (1806) da legislação processual penal (1808) e estas dos respectivos corpos legais substantivos, marca um roteiro que é logo seguido pelas demais nações, fazendo brotar cátedras e livros independentes consagrados ao seu estudo. (...) outro fator apontado pelo próprio Niceto Alcalá-Zamora
62 RUPRECHT-KARLS-UNIVERSITÄT HEIDELBERG. Disponível em: http://digi.ub.uni-heidelberg.de/diglit/drwcarpzov1670B3. Acesso em: 15 de setembro de 2003. 63 ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, Niceto. Estudios de Teoria General e Historia del Proceso. México: UNAM, 1974, v. II, p. 293. 64 CARREIRA ALVIM, J. E. Teoria Geral do Processo. 8. ed. rev. amp. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 35.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
y Castillo foi a obra do inglês Jeremias Bentham, especialmente o seu Tratado das Provas Judiciais e outras, dele ou de seus discípulos, que tiveram uma ressonância extraordinária não somente na Inglaterra como também em toda a Europa.
Na verdade, a grande contribuição que a escola procedimentalista deu para
o desenvolvimento do direito processual foi no sentido de terem realizado uma vasta análise
do tipo exegética e descritiva dos textos legais e do fenômeno jurídico-processual,
respectivamente. Agora, do ponto de vista da construção de um conhecimento qualificado,
sistemático e metodológico sobre o processo, não tiveram grandes resultados para a teoria
processual. Em obras importantes deste período, tais como, o Traité de l’instruction
criminelle, publicado em 1845, pelo procedimentalista francês FAUSTINO HÉLIE, o Tratado
histórico-crítico filosófico de los procedimientos judiciales en materia civil, publicada entre os
anos de 1856 e 1858, pelo procedimentalista espanhol JOSÉ DE VICENTE Y CARAVANTES e
o Traité Théorique et pratique de procédure, aparecido entre os anos de 1882 e 1897, do,
também, procedimentalista francês, GARSONNET, não encontramos qualquer formulação
especifica a respeito dos conceitos de Lide (Litígio).
Assim, do mesmo modo que nas demais escolas ou tendências – primitiva,
judicialista e praxista – não tiveram, os processualistas da escola Procedimental, a
preocupação de elaboração de conceitos jurídicos. Um conceito jurídico, para eles, só tinha
valor do ponto de vista da historicidade do mesmo. Daí que Litígio e Lide eram vistos – sem
maiores enfrentamentos – como conceitos que designavam o conflito inter-partes deduzido
em juízo ou mesmo a lide ou litigância que ocorre entre as partes dentro do processo.
No período seguinte, o, na lição ainda de ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO65,
do chamado Processualismo científico ou moderno é que teremos, sim, um aprofundamento
técnico e científico dos conhecimentos e conceitos jurídico-processuais, sobretudo porque é
a partir deste momento que o direito processual deixará de ser um mero apêndice do direito
65 ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, Niceto. Estudios de Teoria General e Historia del Proceso. México: UNAM, 1974, v. II, p. 293.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
material (civil) e passará a ser um ramo autônomo e independente do conhecimento
jurídico-científico. Desse modo, vejamos, então, tal período, pois é a partir daqui que nos
interessa, principalmente, a análise-teórico-conceptual e histórico-descritiva dos institutos
Litígio e Lide.
2.1.4 – Litígio e Lide na perspectiva dos grandes autores da
dogmática jurídico-processual estrangeira a partir da fase do processualismo
científico.
O pensamento jurídico-processual (isto é, a dogmática jurídico-processual),
do ponto de vista da sua gênese historiográfica, toma assento de ciência, no caso de Ciência
Jurídico-Processual, a partir da publicação, no ano de 1868, em Giessen, Alemanha, da obra
“Teoria das Exceções Processuais e os Pressupostos Processuais”66 (Die Lehre von den
Prozesseinreden und die Prozessvorausetzungen), de autoria do processualista alemão
OSKAR VON BÜLLOW. Tal obra constituiu para a doutrina processual um marco histórico67,
posto que, é a partir daí, que o fenômeno jurídico-processual começará a ser estudado de
um ponto de vista método-teórico-conceito-termino-epistemológico próprio.
CARREIRA ALVIM68, sintetizando, sob a ótica analítica de ALCALÁ-ZAMORA
y CASTILLO, a importância da obra de BÜLLOW, dentro da perspectiva historiográfica da
dogmática jurídico-processual, e seus principais postulados teoréticos, assim assente, in
verbis:
66 Cf. BÜLLOW, Oskar Von. La Teoría de las Excepciones Procesales y los Presupuestos Procesales. Traducción de Miguel Angel Rosas Lichtschein. Buenos Aires: EJEA, 1964. 67 Como bem lembra CARREIRA ALVIM, “alguns autores assinalam duas datas como início do processualismo científico: os anos de 1856/1857, em que se desenvolveu a histórica polêmica entre Windscheid e Muther em torno do conceito de ‘ação’ e o ano de 1868, em que aparece a obra de Büllow, Teoria das Exceções Processuais e os Pressupostos Processuais” (CARREIRA ALVIM, J. E. Teoria Geral do Processo. 8. ed. rev. amp. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 36). 68 Ibidem., p. 36.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Não se trata mais de conhecer o processo segundo a praxe (praxismo), nem de abordá-lo, tendo em vista o modo como a lei o regula (procedimentalismo), mas de tomar como ponto de partida o estudo do próprio processo, segundo a sua natureza jurídica, e, assim, todos os institutos básicos do direito processual. O mérito dessa empreitada deve-se, inquestionavelmente, a Oskar Von Büllow. Começa Büllow por assinalar que a ciência processual civil tinha um longo caminho a percorrer, para alcançar o progresso a que se havia chegado nos demais campos do direito, e que jaziam na penumbra as mais importantes e básicas idéias processuais, obscurecidas por uma construção conceitual inadequada e uma errônea terminologia, ambas herança recebida do direito medieval e conservadas com a maior fidelidade e constância. Concebe Büllow o processo como uma relação jurídica [...]. Demonstrando que o processo é uma relação jurídica de direitos e obrigações entre as partes e o juiz, ou seja, uma relação jurídica processual, destacou o mestre alemão a noção de processo, da noção de procedimento.
A partir deste momento da historiografia da dogmática processual, o
fenômeno jurídico-processual, então, será analisado e estudado não mais como um conjunto
de procedimentos judiciais, mas, sim, a partir de um prisma eminentemente teorético-
científico (muito embora não possamos esquecer que o direito, lato sensu, é, na verdade,
uma técnica que visa a decidibilidade de conflitos e os estudos que começam a ocorrer a
partir deste momento tinham essa orientação teleológica). Os conceitos, categorias,
instituições e institutos jurídico-processuais serão elaborados – muitas vezes reelaborados –,
agora, do ponto de vista de construções hipotético-dedutivas e sintético-analíticas, claro,
sem se perder de vista, ainda, a historicidade do fenômeno jurídico. Do mesmo modo, uma
maior preocupação terminológica e metodológica com o manejo do dado processual será
observada. Aliás, é exatamente por isso que, deste momento em diante, será inconcebível
para os juristas o estudo do direito processual a partir dos postulados do direito material,
sobretudo do direito material civil, tal como nos anos anteriores a 1868.
Nesta perspectiva, é que serão, então, formulados, pelos processualistas,
as principais instituições e institutos do direito processual, como as definições exatas de
“Jurisdição, “Ação”, “Processo”, “Competência” e outros mais e, por assim ser, o conceito de
Litígio e Lide que hora examinamos.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Vejamos, então, a partir de agora, desta fase eminentemente científica da
dogmática jurídico-processual – que se expandiu, conforme atesta ALCALÁ-ZAMORA y
CASTILLO, primeiramente pela Alemanha, tendo em vista a obra de BÜLLOW, depois pela
Itália, a partir da obra de CHIOVENDA, pela Espanha, a partir de BECEÑA e, a posteriori,
GUASP e, por fim, pela América (Ibero-América) a partir dos estudos de vários
processualistas, tais como, RAMIRO PODETTI e HUGO ALSINA (ambos da Argentina),
EDUARDO COUTURE (Uruguai), ALFREDO BUZAID (Brasil), entre outros – quais as
concepções dos principais processualistas da dogmática jurídico-processual estrangeira a
respeito de tais termos, sempre tendo em vista que o primeiro processualista a fazer menção
conceptual, e não apenas referencial, dos aludidos institutos foi CARNELUTTI, já no início do
século XX, conforme analisamos anteriormente.
a) Bernhard Windscheid e Theodor Muther.
Na historiografia da doutrina processual, BERNHARD WINDSCHEID,
professor da Universidade de Greifswald, e THEODOR MUTHER, professor da Universidade
de Könisberg, são conhecidos pela discussão acadêmico-doutrinária que tiveram, entre os
anos de 1856 e 1857, a respeito do conceito de ação, Actio para os romanos e Klage para os
germânicos.
A discussão operada pelos dois juristas – na verdade, dois juriscivilistas –
circunscreveu-se, tão-somente, às definições da natureza jurídica da ação para os romanos e
para os alemães, naquele período. Não é o nosso objetivo aqui estudar e fixar os pontos
principais desta polêmica, posto que vários processualistas já o fizeram muito bem69. No
69 A propósito disso, conferir os estudos de: Chiovenda (CHIOVENDA, Giuseppe. A ação no sistema dos direitos. Tradução de Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Editora Líder, 2003), Celso Neves (NEVES, Celso. Estrutura Fundamental do Processo Civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997), Pontes de Miranda (MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1996, t. I.) ou Dinamarco (DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, v. 1).
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
caso, o nosso intento aqui é o de observar, tão-somente, de que maneira os dois juristas
alemães assentiram os conceitos de Litígio e Lide, ora em análise.
A respeito disso, observa-se que as discussões travadas entre os dois
juristas alemães tiveram como cerne o âmbito teórico-conceitual e jurídico-normativo do
instituto jurídico-processual da ação, seja ela entendida tal como os romanos, isto é, como
Actio, direito de perseguir em juízo aquilo que nos é devido – como na formulação de Celso,
reproduzida por Ulpiano, actio autem nihil aliud est quam ius persequendi in iudicio quod sibi
debetur – ou tal como os alemães, modernamente, assentiam, isto é, Klagerecht. Na
verdade, conclui WINDSCHEID que a Actio romana seria o que modernamente se chamava
de Anspruch, ou seja, pretensão; no caso, a pretensão de direito material70, isto é, como o
direito de exigir de outrem um ato ou omissão (conforme preceituado no BGB alemão), e
não de direito processual como se construirá a partir das lições de ADOLF WACH.
WINDSCHEID, no caso, contestou o paralelismo que existia, até então, na
dogmática jurídico-processual alemã, entre os conceitos da Actio romana e da Klagerecht,
ação no sentido moderno, para os alemães e, sobretudo, questionou ele as relações entre a
actio e o direito subjetivo material, assentindo que, em verdade, a actio romana equivaleria,
modernamente, à anspruch (pretensão) a qual emanaria do direito subjetivo e não do
klagerecht.
Melhor explicando, WINDSCHEID definia a actio dos romanos como sendo
o que os alemães modernamente denominavam de gerichtlich verfolgbarer anspruch, isto é,
pretensão deduzida em juízo (Iudicium, entendido aqui como Tribunal) contra o réu,
salientando, assim, a existência de uma situação de direito substancial completamente
diversa da ação em sentido processual (klagerecht), inclusive, sendo esta, não identificável
70 Neste sentido, Alfredo Buzaid afirma que, in verbis: “desde logo, a um simples relance de olhos, bem se vê que o significado de pretensão no Código de Processo Civil difere do sentido que tem no Código Civil (§ 194). A glória de haver elaborado o conceito processual de pretensão toca a Adolf Wach, em seu famoso estudo publicado no volume em honra de Windscheid em 1888. Se Windscheid foi o criador do conceito de pretensão em direito privado, Wach foi o criador do conceito de pretensão em direito no direito processual civil, pondo-o como objeto imediato do processo civil.” (BUZAID, Alfredo. Estudos e Pareceres de Direito Processual Civil. Adaptação de Ada Pellegrini Grinover e Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 94).
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
com o direito subjetivo, mas uma mera emanação deste.
Vejamos o que nos diz ALFREDO BUZAID, neste sentido, in verbis71:
Foi também na segunda metade do século XIX que surgiu um novo conceito. Trata-se de Anspruch, que se pode traduzir por pretensão. Ao direito romano foi alheio o conceito de Anspruch. As antigas teorias indicavam que o que hoje se chama pretensão, no direito romano se expressava por actio, isto é, a ação em direito material. A actio estava, pois, em lugar da pretensão. Coube a Windscheid o mérito de haver sugerido o conceito de pretensão, entendido este vocábulo como a tendência do direito a submeter a vontade alheia como tal, independentemente de ser ele direito real ou pessoal, absoluto ou relativo. Este conceito teve fortuna singular e veio a ser incorporado no Código Civil alemão, que o designa como ‘o direito de obter de outrem um ato ou uma omissão (§ 194: ‘das Recht Von einen Anderen ein Tum oder Unterlassung einverlangen’).
CELSO NEVES72, por sua vez, fundamentado em PUGLIESE, assim depõe,
in verbis:
Tinha ele [Windscheid] um conceito puramente processual da ação que se acomodava à equivalência por ele estabelecida entre a actio romana e a pretensão. Segundo Pugliese, pode-se, especificar, em seu magistério, duas teses: 1ª) a actio não era um poder secundário e instrumental relativamente ao direito, mas o elemento primário de que, lógica e historicamente, derivava o direito; 2ª) a actio, antes de posta a serviço do direito, era expressão do direito, equivalente não à ação moderna, mas à pretensão.
E, por fim, WINDSCHEID, traduzido por CELSO NEVES73, assim teoriza, in
verbis:
Não se pode dizer que a actio romana seja a nossa pretensão; no conceito de actio compreende-se um elemento que não se contém em nosso conceito de pretensão, o tribunal, na audiência, a tutela judiciária, a possibilidade de obter do juiz o acolhimento da própria instância. Mas está bem longe de ser verdade que os Romanos, quando falam de actio, pensem, sempre, nesses elementos, em seu valor específico; em um número extraordinário de casos, no seu conceito ela não tem outro sentido senão o de reconhecimento jurídico da instância. Segundo uma concepção que lhes é bastante comum,
71 Ibidem., p. 89. 72 NEVES, Celso. Estrutura fundamental do processo civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 90. 73 Ibidem., p. 80.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
a possibilidade de fazer valer em juízo, uma pretensão, é expressão de seu reconhecimento jurídico genérico; em lugar de dizer: uma pretensão é assegurada pelo direito, eles dizem: ela é assegurada pelo juiz. O que nós denominamos pretensão jurídica, para os Romanos é pretensão judiciária. – O conceito romano se explica, especialmente, por motivos históricos; isso nos é estranho. Se nós quiséssemos, atualmente, falar de um direito de persecução judiciária, de um direito de ação, em vez de falar simplesmente, de uma pretensão jurídica, estaríamos denominando o efeito, em vez da causa. Pelo nosso conceito, a possibilidade de fazer valer, em juízo, uma pretensão não é, senão, uma conseqüência de ser ela reconhecida pelo direito; esse é um aspecto da pretensão, e não aquilo que a constitui.
Por sua vez, MUTHER – sem entrarmos aqui, pois esse não é o nosso
objetivo, nas demais críticas74 que o professor de Königsberg fez ao trabalho de
WINDSCHEID – concebeu, e essa foi a sua maior contribuição para a dogmática jurídico-
processual da época, a actio como um direito contra o magistrado, melhor dizendo, contra o
Estado, a fim de que este prestasse a tutela jurisdicional para o demandante.
Assim sendo, pela leitura que pode ser feita da obra destes dois juristas –
sobretudo WINDSCHEID –, assim como também, pela releitura que se foi feita de tais obras,
posteriormente, por outros grandes processualistas da dogmática jurídico-processual
moderna75, podemos, peremptoriamente, assentir que, ainda influenciados pelos estudos
romanísticos – até pelo fato de nenhum dos dois autores serem processualistas
propriamente dito, mas, sim, civilistas – não enfrentaram a questão da definição,
terminológico-processual, de Litígio ou Lide e mesmo que se venha a pensar em sentido
contrário a tal assertiva, no máximo, eles analisaram tais conceitos à luz da definição da
categoria jurídico-processual da Actio ou Klage.
Por via oblíqua, podemos, também, assentir que, tendo em vista o que
afirma a doutrina moderna sobre a polêmica dos dois autores alemães, ao contrário da
74 Para isso, ver o clássico estudo de Chiovenda, qual seja, “A ação no sistema dos direitos” (CHIOVENDA, Giuseppe. A ação no sistema dos direitos. Tradução de Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Editora Líder, 2003, p. 10-14). 75 Chiovenda (CHIOVENDA, Giuseppe. A ação no sistema dos direitos. Tradução de Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Editora Líder, 2003); Celso Neves (NEVES, Celso. Estrutura Fundamental do Processo Civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997) e Pontes de Miranda (MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1996, t. I.).
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
moderna processualística que, em linhas gerais, preceituam Lide (ou o Litígio, pois ainda há
identidade) como sendo o conteúdo da relação processual, para MUTHER e WINDSCHEID o
conteúdo do processo, na verdade, é formado pela Anspruch, isto é, pela pretensão que,
como vimos, na lição do professor de Greifswald, constitui a res in judicium deductae (em
alemão, gerichtlich verfolgbarer anspruch). Como vimos, diferentemente, mais à frente,
CARNELUTTI vai falar sobre isso dizendo que, em verdade, o conteúdo da lide processual é
formado não só pela pretensão, mas também pela resistência.
b) Oskar Von Büllow.
Conforme explicitamos anteriormente, o jurista alemão OSKAR VON
BÜLLOW, professor da Universidade de Giessen, é um marco divisório na historiografia do
direito processual, pois, a partir da publicação da sua obra em 1868, qual seja, A teoria das
Exceções Processuais e os Pressupostos Processuais76 é que tal tipo de conhecimento
jurídico será tratado nos moldes científicos.
BÜLLOW na sua teoria das exceções processuais e os pressupostos
processuais expõe a revolucionária tese de que, com o ajuizamento da ação e conseqüente
formação do processo, estabelece-se uma nova relação jurídica, agora, entre as partes e o
Estado-juiz, independente e diferente da relação jurídica material que fora quebrada, no
plano factual, e que deu origem ao conflito (Litígio), agora, deduzido em juízo. A tal relação
jurídica, BÜLLOW denominou de relação jurídico-processual. Tal tese sua teve enormes
repercussões e implicações no desenvolvimento da dogmática processual, posto que, até
então, o fenômeno processual era visto e teorizado a partir do prisma da relação jurídico-
material.
Em assim sendo, teorizou mais BÜLLOW dizendo que o juiz, antes de julgar
76 BÜLLOW, Oskar Von. La Teoria de las Excepciones Procesales y los Presupuestos Procesales. Trad. de Miguel Angel Rosas Lichtschein. Buenos Aires: EJEA, 1964.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
a “materia litigiosa civil”77, deve julgar, primeiramente, como uma conditio sine qua non do
processo, não as matérias pertinentes a tal relação jurídico-material, mas pertinentes à
relação jurídica processual que, agora, forma-se com a dedução daquela em juízo; ou seja, o
juiz, primeiramente, deve julgar se estão presentes – na relação processual – o que ele,
tecnicamente, e utilizando uma terminologia adequada78, denominou de pressupostos
processuais.
Quanto aos conceitos de Litígio e Lide, pelo que pudemos observar da
leitura da sua principal obra, BÜLLOW os coloca como termos referentes ao conteúdo do
processo, isto é, o dado factual conflituoso que fora deduzido em juízo a partir do direito de
ação e sobre o qual o juiz deve se pronunciar, uma vez presentes os pressupostos de
constituição e desenvolvimento válido da relação jurídico-processual. Deste modo, para ele –
embora não afirme diretamente isso, claro, posto que só com CARNELUTTI, tais conceitos
foram elevados à categoria de institutos processuais – Litígio e Lide se referem à relação
jurídico-material litigiosa que fora deduzida em juízo. Vejamos, neste sentido, o que ele diz,
in verbis79:
Con los grupos mencionados de requisitos procesales – los presupuestos procesales – se añade a la relación litigiosa sustancial existente en el proceso (la llamada merita causae) una materia de debate más amplia y particular. El tribunal no solo debe decidir sobre la existência de la pretensión jurídica em pleito, sino que, para poder hacerlo, también debe cerciorarse si concurren las condiciones de existência del proceso mismo: además del supuesto de hecho de la relación jurídica privada litigiosa (de la res in iudicium deducta [cosa deducida em juicio (o llevada a juicio)]), tiene que comprobar si se da el supuesto de hecho de la relación jurídica procesal (del iudicium).
77 BÜLLOW, Oskar Von. La Teoria de las Excepciones Procesales y los Presupuestos Procesales. Tradução de Miguel Angel Rosas Lichtschein. Buenos Aires: EJEA, 1964, p. 5. 78 Adequada porque preferiu utilizar a expressão pressupostos processuais à exceções processuais, posto que, para ele, as exceptio, em linhas gerais, tinham a mesma natureza jurídica que as actio. Vejamos o que ele diz, neste sentido: “A causa de la refutación de la teoría de las excepciones procesales se há ganado, ante todo, la seguridad de que la institución de la exceptio, lo mismo que la de la actio, pertenecen, por su contenido, al derecho material exclusivamente.” (Ibidem., p. 252). 79 Ibidem., p. 6-7.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
c) Plósz e Degenkolb.
PLÓSZ, que escreveu no ano de 1876, sua obra Beiträge zur Theorie des
Klagerechts (Contribuição à teoria do direito de queixa, publicada, no alemão, com esse
título, em 1880) e DEGENKOLB, que escreveu em 1877, em Leipzig, sua obra
Einlassungszwang und Urtheilsnorm (Ingresso forçado e norma judicial) criaram, ainda no
âmbito das discussões doutrinárias sobre a Actio, a teoria do direito abstrato de agir segundo
a qual o direito de ação é de natureza público-subjetiva e é exercido contra o Estado; em
razão disso, afirmaram eles, sempre se poderia obrigar o réu a comparecer em juízo. Por
outro lado, e essa é a tese mais importante do trabalho deles, o direito de ação é um direito
que se verifica independentemente da existência do direito material que fundamenta a
demanda, sendo, deste modo, um direito que se tem de obter uma sentença judicial e não,
necessariamente, uma sentença judicial favorável.
A respeito do conceito de Litígio e Lide, DEGENKOLB e PLÓSZ, diretamente,
nada teorizaram e, pela nossa leitura, assim como os demais autores até então, não
distinguiam os termos demanda (Bedarf, Nachfrage, Beanspruchung, Klage), causa
(Rechtsfall), lide e litígio (Streit, Streitigkeit, Rechtsstreit, Prozess), posto que todos, de uma
maneira genérica, caracterizavam a situação factual, decorrente da quebra da relação
jurídico-material, que foi levada a juízo. Além do que, nenhum deles, neste momento da
historiografia da Ciência Jurídico-Processual, estava tão preocupado, assim, com uma
construção terminológico-conceitual específica e apurada a respeito das instituições e
institutos processuais.
A respeito da doutrina de DEGENKOLB, assim preceitua o grande
processualista uruguaio EDUARDO COUTURE80, in verbis:
80 COUTURE, Eduardo. Introdução ao Estudo do Processo Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 8-9.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Este escritor nos mostrou de que maneira a ação civil, autônoma em relação ao direito, pode carecer de fundamento. Quando o autor promove a demanda ante o tribunal, pode não ter razão e, apesar disso, ninguém lhe porá em dúvida o direito de se dirigir ao órgão judiciário, pedindo-lhe uma sentença favorável. O demandado poderá negar o seu direito e obter, até mesmo, uma sentença nesse sentido. Mas nunca lhe tolherá o direito de comparecer ante o tribunal. Este é um direito que pertence mesmo àqueles que não têm razão.
CHIOVENDA81, no mesmo sentido, concluindo sobre a teoria dos autores,
afirma, in verbis:
Degenkolb e Plósz, considerando que também aquele que, por último, perde a lide, se, todavia, admite-se que a promova e a conduza, e buscando fora da lide um fundamento jurídico a este poder, eles o determinaram no direito de acionar em juízo, direito subjetivo público, independentemente da correspondência efetiva do direito privado, também por algum desses escritores chamados ‘abstrato’. Esse direito preexiste à demanda judicial e vem exercitado por meio desta.
d) Adolf Wach, Josef Köhler e Konrad Hellwig.
ADOLF WACH, partindo das formulações de THEODOR MUTHER, quanto ao
conceito de pretensão à tutela jurídica, publicou, em 1885, sua obra Handbuch des
deutschen Zivilprozessrechts (Manual de Direito Processual Civil) e, em seguida, no ano de
1888, um trabalho mais específico chamado de Der Feststellungsanspruch (A pretensão de
declaração), onde, em tais ensaios, assentia que o direito de ação é, em sua natureza,
autônomo, público, dirigido contra o Estado e só existe na medida em que o autor recebe
uma sentença favorável à sua demanda. Tal teoria ficou conhecida, tendo em vista esta
última assertiva, como Teoria da ação como direito concreto (Konkretklagerecht).
Em tais trabalhos, assente o autor alemão – também idealizador, junto com
81 CHIOVENDA, Giuseppe. A ação no sistema dos direitos. Tradução de Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Editora Líder, 2003, p. 15.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
BÜLLOW82, da teoria triangular da relação jurídico-processual, embora, este, mais tarde
venha a abandonar tal concepção triangularista – que o direito de ação é autônomo em
relação ao direito subjetivo material que fora violado, mas que tal direito de ação, embora
distinto do direito subjetivo material, pressupõe, efetivamente, a existência desse direito.
CELSO NEVES83, em importante e literal análise da teoria de WACH, assim
sintetiza, in verbis:
Ao tratar da pretensão declaratória como pretensão à tutela do direito, estabelece Wach o cerne de seu pensamento quanto ao conceito de ação. A esse respeito, começa por dizer que tal pretensão dirige-se ao Estado, ao qual incumbe outorgar a tutela e também contra a parte contrária, em face da qual deve ser ela outorgada. Tem natureza de Direito Público e não constitui emanação ou expressão do direito privado subjetivo. Porém, não é aquela faculdade de demandar, de Direito Público, que compete a qualquer um que, segundo as formas estabelecidas e com fundamento jurídico, sustente uma pretensão à tutela do direito.
Na verdade, a fundamental importância da obra de WACH para a
dogmática jurídico-processual alemã é que, como vimos no texto acima, elaborou o conceito
de pretensão processual ou pretensão à tutela jurídica (klagbarkeit, rechtsschutzanspruch)84
como o objeto imediato do processo civil, não se confundindo esta nem com o klagerecht,
isto é, o direito de ação, nem com o direito subjetivo que fundamenta a pretensão de direito
material – anspruch – (entendido, esta, como o direito de exigir de outrem um ato ou uma
omissão, tal como estatuído no BGB alemão no al. § 194).
Falando a respeito da consecução, por parte de WACH, do conceito de
pretensão processual, assim, preceitua o processualista brasileiro ALFREDO BUZAID,
82 Neste sentido, Chiovenda, em nota, esclarece: “Büllow [...] inseguro primeiramente, precisou, mais tarde, que a relação processual acontece somente entre as partes e o juiz, porque somente o juiz tem deveres processuais [...].” (Ibidem., p. 95, nota 47). 83 NEVES, Celso. Estrutura fundamental do processo civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 98. 84 Aliás, este conceito foi, inclusive, adotado pelo Código de Processo Civil alemão (§ 253, II), onde se menciona que entre os requisitos da petição inicial deve-se constar a indicação do objeto e do fundamento da pretensão exigida.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
inclusive citando textos do próprio processualista alemão, in verbis85:
A glória de haver elaborado o conceito processual de pretensão toca a Adolf Wach, em seu famoso estudo publicado no volume em honra de Windscheid em 1888. Se Windscheid foi o criador do conceito de pretensão em direito privado, Wach foi o criador do conceito de pretensão em direito no direito processual civil, pondo-o como objeto imediato do processo civil. ‘O objeto do processo civil’, escreve Wach, ‘é uma pretensão, a pretensão à tutela jurídica, isto é, a pretensão do autor e, quando o caso, do réu, para que se conceda tutela jurídica processual’. O objeto do processo é, assim, a Rechtsschutzanspruch, isto é, a pretensão de tutela jurídica. Esta pretensão de tutela jurídica não é uma função do direito subjetivo, pois não está condicionada por ele. O interesse à tutela jurídica e a pretensão à tutela jurídica não existem somente onde há direito. Não se move a chamada ação declaratória negativa para a proteção, a realização de um direito subjetivo, antes é posta para a proteção da posição jurídica integral do autor.
Pois bem. Por assim considerar, o processualista alemão, no que diz
respeito aos conceitos de Litígio e Lide – objeto da nossa análise –, aliás, tal como a doutrina
alemã em geral (é, inclusive, o que temos visto até aqui) – na esteira da sua teorização
sobre o direito concreto de ação e sob a construção do conceito de pretensão processual,
denomina, indistintamente, sem maiores teorizações, aquilo que é levado a juízo – a res in
iudicium deductae dos romanos ou, gerichtlich verfolgbarer anspruch, na linguagem alemã –
de demanda (klagerecht), causa (rechtsfall), pretensão (rechtsschutzanspruch), Litígio ou
Lide (streit, streitigkeit, rechtsstreit, prozess). Neste mesmo sentido, e sem maior atenção a
esta temática, assentem JOSEF KÖHLER – fundador da teoria linear da relação jurídico-
processual – e KONRAD HELLWIG – fundador da teoria angular da relação jurídico-
processual e também um concretista.
85 BUZAID, Alfredo. Estudos e Pareceres de Direito Processual Civil. Adaptação de Ada Pellegrini Grinover e Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 94-95.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
e) Leo Rosenberg, Adolf Schönke, Friedrich Lent, Arthur Nikisch,
Arwed Blomeyer, Karl Heinz Schwab e Walter J. Habscheid.
Segundo afirma ALFREDO BUZAID, cumpre assinalar, a respeito dos
conceitos de ação, pretensão e direito subjetivo do ponto de vista da dogmática jurídico-
processual alemã produzida até então86, que, in verbis:
Através dessa longa e fecunda evolução dos conceitos chegou a doutrina a formular uma trilogia – direito subjetivo, pretensão e ação – como categorias jurídicas distintas, tendo cada qual caracteres próprios. Antes de atingir tal resultado, o primeiro esforço consistiu em separar num processo de abstração mental o direito subjetivo e a ação. Deu Savigny um passo fundamental neste sentido, ao atribuir à ação o caráter de novo direito, oriundo do direito ofendido. Deve-se o segundo passo a Windscheid, que introduziu o conceito de pretensão. O terceiro passo, deu-o Adolf Wach, ao considerar a pretensão em sentido processual. ‘O objeto de cada processo’, escreveu Wach, ‘é uma pretensão, uma pretensão à tutela jurídica, isto é, uma pretensão do autor, ou sendo o caso do réu, a que se conceda tutela jurídica processual.
Depois disso, vários outros processualistas alemães lançaram suas teorias a
respeito, agora, do objeto litigioso do processo – da Lide, da doutrina italiana – sobre esses
conceitos basilares que a priori foram construídos. Assim é que LEO ROSENBERG, ADOLF
SCHÖNKE, FRIEDRICH LENT, ARTHUR NIKISCH, ARWED BLOMEYER, KARL HEINZ SCHWAB
e WALTER J. HABSCHEID, muitas vezes corroborando as teses uns dos outros, vão discutir e
teorizar – influenciando toda a doutrina processual Européia e suas extensões nas Américas
– a respeito das relações existentes entre os conceitos de pretensão, objeto do processo,
objeto litigioso do processo, incluindo, nesta perspectiva, embora não de modo direto, a
análise dos conceitos de Litígio e Lide. Vejamos, o que nos dizem esses autores.
LEO ROSENBERG escreveu, a partir de 1932, vários estudos que tratavam
dos temários da pretensão processual e do objeto litigioso do processo. Dentre esses,
destacam-se os seus estudos Zur Lehre vom Streitgegestand e Zeitschrift für Deutschen 86 Windscheid, Muther, Büllow, Plósz, Degenkolb, Wach, Köller e Hellwig.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Zivilprozess e, mais à frente, seu manual Lehrbuch des Deutschen Zivilprozessrechts.
Primeiramente, ROSENBERG começa por assinalar que o Código de Processo Civil alemão,
sem um maior rigor teórico-terminológico, usa a expressão objeto litigioso de modo
indiscernível, confundindo-a com outros termos e expressões como o de pretensão, objeto
da pretensão, direito, relação jurídica.
Segundo ele, falando de pretensão processual e objeto litigioso do
processo, o objeto do processo, em verdade, consiste no pedido jurídico derivado da
pretensão do autor – pretensão, esta, que está consubstanciada na petição inicial –,
acrescido do suporte fáctico-causal (Sacherverhalt) que fundamenta tal pedido; isto é, para
ROSENBERG, os elementos do objeto litigioso são os fatos e o pedido. Desse modo, recai
sobre o objeto aquilo que será decidido pelo juiz, “seja a ação julgada no mérito, seja
julgada inadmissível”87 e o que será decidido, por assim dizer, pelo juiz, é o pedido
formulado pelo autor, fundamentado no Sacherverhalt. Observemos, desta maneira, que
para ele o conteúdo do processo é formado pela pretensão, e não, necessariamente, por
toda a Lide, nos termos carneluttianos.
Por sua vez, ADOLF SCHÖNKE, apesar de concordar com o conceito de
pretensão não o utiliza para determinar o alcance do objeto litigioso do processo. Afirma ele
que, em verdade, o conteúdo da ação é que forma a pretensão processual, sendo, esta,
evidentemente, diferente da pretensão de direito material. Nesse sentido, o objeto litigioso
do processo, para SCHÖNKE, seria, tão-somente, a afirmação jurídica explicitada pelo autor
na petição inicial, afirmação, esta, que, por sua vez, não se confunde com a afirmação da
real existência de uma pretensão material favorável ao autor. O juiz, ao proceder a sua
cognição, é que observará se há conexão – e, por conseguinte, procedência – entre as duas
pretensões.
87 BUZAID, Alfredo. Estudos e Pareceres de Direito Processual Civil. Adaptação de Ada Pellegrini Grinover e Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 97.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Em síntese: para SCHÖNKE, o objeto litigioso do processo não seria o
pedido de tutela jurídica, mas a afirmação jurídica exposta com todos os seus consectários.
De outra maneira: não seria o pedido de tutela jurídica o objeto litigioso, posto que tal
solicitação não pode ser acolhida ou rejeitada pelo juiz ou, até mesmo, reconhecida ou não
pelo réu. Outrossim, do mesmo modo que ROSENBERG, SCHÖNKE assente que o conteúdo
do processo seria formado não pela Lide, mas pela pretensão processual, se afastando,
assim, da tese carneluttiana.
FRIEDRICH LENT, por sua vez, também, escreveu várias obras a respeito
do temário do objeto litigioso do processo. Dentre elas, destacam-se o seu Zivilprozessrecht
e o seu artigo Zur Lehre vom Streitgegestand publicado na Zeitschrift für Zivilprocess em
1916.
LENT, em linhas gerais, assente que o elemento inaugural que é
determinante do conceito de objeto litigioso é a declaração feita pelo autor no seu pleito
inicial (klageantrag), tendo em vista o princípio dispositivo. ALFREDO BUZAID, comentando e
traduzindo a obra do processualista alemão, assim, afirma, in verbis88:
A determinação do objeto litigioso é um direito do autor; não é, por outro lado, nenhum dever, antes um ônus no sentido de que, pela falta de determinação, sofre um prejuízo jurídico, o qual consiste no sucumbimento no pleito. E prossegue Lent: ‘O autor deve precisar inequivocamente o objeto litigioso, pois, de outro modo, como parece evidente, o objeto litigioso não realiza a função que lhe é atribuída no processo, desde a admissibilidade da ação até os limites objetivos da coisa julgada’. A determinação do objeto litigioso tem lugar no início do processo. E como o processo se inicia pela ação, nesta é que figura, estabelecendo-se um estreito liame entre o objeto do processo e o conteúdo da ação. O processo civil alemão não permite que o autor se limite a expor um estado de fato (Sacherverhalt) e de submetê-lo ao juiz para que o decida, mas exige que ele próprio requeira uma determinada decisão. Sobre ele é que segue propriamente o litígio, se a sentença pedida pode ou não ser proferida. O pedido constante da ação determina o objeto do processo.
88 BUZAID, Alfredo. Estudos e Pareceres de Direito Processual Civil. Adaptação de Ada Pellegrini Grinover e Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 100.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Para ele, assim, a resistência oferecida pelo réu na demanda pouco importa
para a formatação do objeto do processo, entendendo, deste modo, também, de modo
contrário ao pensamento de CARNELUTTI.
ARTHUR NIKISCH, por outro lado, teorizando, também, em seu Der
Streitgegestand im Zivilprozess, a respeito do objeto litigioso do processo, assente, na
mesma perspectiva dos seus colegas processualistas, que o objeto litigioso do processo é,
realmente, determinado pelo pedido da ação – o klageantrag – traduzindo-se numa
afirmação de direito reclamada pelo autor da demanda e que, por assim ser, será apreciada
pelo juiz e julgada, operando-se, desse modo e por conseqüência, a coisa julgada. Diz mais
ele que, em assim sendo, o que constitui o objeto do processo não é o direito existente (pois
este será ainda analisado), mas o direito, por hora, afirmado.
ALFREDO BUZAID, também comentando a tese de NIKISCH, assim, afirma,
in verbis89:
Segundo Nikisch, o que constitui o objeto do processo não é direito existente, mas o direito afirmado. Assim, onde pode o autor fazer valer uma pretensão (Anspruch) à prestação, tal pretensão não constitui o objeto litigioso; o que o forma é a afirmação do autor. Ainda neste caso a pretensão processual não coincide com a de direito material. Voltando a tratar do significado de pretensão (Anspruch), diz que não podemos entendê-la senão como a afirmação do direito feita pelo autor na ação, sobre a qual este pede uma sentença suscetível de coisa julgada. Esta afirmação do direito, reitera Nikisch, constitui o objeto litigioso. Determina-se o objeto litigioso, pois, para cada processo, pelo pedido da ação (Klageantrag). No pedido assevera o autor sobre que deve decidir-se e estabelece com isso os limites da atividade decisória do juiz.
Não é preciso explicar, pois, que NIKISCH, assim como os já citados
processualistas alemães, não assente com o conceito de Litígio e Lide, nos moldes
carneluttianos.
Por sua vez, ARWED BLOMEYER, em sua principal obra Zivilprozessrecht,
afirma, de modo claro e simples, que o objeto litigioso do processo é formado daquilo que se 89 Ibidem., p. 102.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
litigará em juízo e, em assim sendo, ele variara segundo a sua função no processo e na
sentença (daí os diversos tipos de ação: condenatória, constitutiva e declaratória). Do
mesmo modo, existem dois objetos litigiosos no pedido de ação, quais sejam, o objeto
litigioso processual e o objeto litigioso de mérito, que serão conhecidos e julgados pelo juiz,
sendo um, o processual, pré-requisito do segundo, o de mérito.
BUZAID, analisado o pensamento de BLOMEYER, assim preceitua, in
verbis90:
Blomeyer distingue por isso, dois objetos litigiosos: um processual e outro de mérito. Na verdade, cada ação aspira a uma sentença de mérito por meio de uma condenação, declaração ou constituição de um direito. Nos pressupostos processuais estabelece a lei as condições, sob as quais pode ser proferida uma sentença de mérito. Se elas faltarem no caso em litígio, a ação pode ser rejeitada somente por uma sentença sobre o processo, isto é, fica afastada uma sentença de mérito. A sentença versa não sobre o objeto material apresentado para ser decidido, mas apenas sobre o pedido concreto de sentença e daí se infere que não é possível sentença de mérito. Objeto da rejeição do processo é, portanto, o pedido da ação, segundo a sua capacidade, uma sentença de mérito a alcançar, objeto litigioso do processo. Concorrendo os pressupostos processuais, então afirma a sentença de mérito a admissibilidade da ação e com ela julga positivamente o objeto litigioso do processo; ao mesmo tempo decide, porem, correspondentemente ou contrariamente ao pedido da ação sobre o objeto litigioso no mérito, isto é, sobre o próprio mérito.
BLOMEYER também, devido a influência da processualística alemã, não
vislumbra a Litígio ou Lide como o conteúdo do processo, inclinando-se para ver mais como
este a pretensão processual.
KARL HEINZ SCHWAB, por sua vez, também em análise do objeto do
processo (streitgegenstand) publica em 1954 sua influente monografia intitulada Der
Streitgegestand im Zivilprozess na qual, depois de estudar as teorias de LENT, ROSENBERG,
NIKISCH, SCHÖNKE, LAUTERBACH e BÖTTICHER, e de estudar outros institutos jurídico-
processuais tais como o da acumulação de ações, modificação da ação, litispendência e da
coisa julgada, define o que, para ele, seria o objeto litigioso do processo.
90 Ibidem., p. 103.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Em síntese, para SCHWAB, assim, corroborando a tese de vários outros
processualistas alemães, o pedido é que constitui o cerne da questão a respeito do objeto
litigioso e, desse modo, sendo vários os pedidos, vários serão, por conseguinte, os objetos
litigiosos. Vejamos o que nos diz BUZAID, em análise da teoria de SCHWAB, in verbis91:
Concluindo as considerações acima expostas, define Schwab o objeto litigioso como o pedido do autor, a fim de que sobre ele seja proferida uma sentença bem precisa. Esta definição que, a seu sentir, corresponde à realidade do ponto de vista objetivo, não se adequa à linguagem do Código de Processo Civil alemão. Este emprega freqüentemente o vocábulo pretensão (Anspruch), quando designa o objeto do litígio. Na oração o verbo usado foi posto em conexão com este conceito. Assim a terminologia exige-se, faz-se valer, se reconhece, se acolhe ou se rejeita uma prestação. Esta nomenclatura não convém ao conceito de pedido. Um pedido não se exige; também não se faz valer. Formula-se. Não se reconhece, não se acolhe, não se rejeita, antes ou se está de acordo com ele, ou se o recusa. Quando o autor apresenta um pedido, ele requer ao juiz que o julgue de conformidade com ele. Igualmente formula também uma afirmação de que a sua relação jurídica com o réu autoriza a condenação pedida. Ambos os conceitos, pedido e afirmação jurídica, as mais das vezes juntos, são empregados para definir a pretensão processual.
Litígio e Lide, assim, são conceitos que, na teoria de SCHWAB, tal como na
dogmática processual alemã como um todo, não têm tanta importância, posto que, também,
para ele, a pretensão processual é que melhor demonstra o conteúdo do processo.
Por fim, WALTER J. HABSCHEID – o último grande processualista alemão a
discorrer sobre o temário do objeto litigioso do processo – procede, de um modo exauriente,
em sua obra Der Streitgegestand im Zivilprozess und im Streitverfahren der freiwilligen
Gerichssbarkeiti, a uma análise sintética das principais correntes de teorias que versam sobre
o temário do objeto litigioso do processo, assentindo que tais correntes de teorias podem ser
agrupadas em três espécies, do seguinte modo: a) teoria do objeto litigioso como de direito
material; b) teoria do objeto litigioso como de direito processual; c) teoria do objeto litigioso
intermediária. No primeiro grupo, incluem-se aqueles que, como BETTERMANN, associam o
objeto litigioso com a pretensão (Anspruch) e o klagerecht; no segundo, aqueles que, como
91 Ibidem., p. 106.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
STEIN, IONAS, SCHÖNKE, SEUFFERT, WALSMANN, BAUMBACH, LAUTERBACH, NIKISCH,
BÖTTICHER, ROSENBERG, SCHWAB e outros, aderem às teorias da pretensão à tutela
jurídica; e, por último, no terceiro grupo, aqueles que associam o objeto litigioso do processo
com o direito subjetivo afirmado.
Depois de realizar tais análises, HABSCHEID preceitua – do mesmo modo
que a doutrina dominante – que o objeto litigioso no processo civil seria a afirmação jurídica
do autor contida no pedido inicial. Vejamos a conclusão de BUZAID na análise da teoria do
processualista alemão, in verbis92:
Depois de analisar minuciosa e longamente a doutrina dos autores alemães já referidos, propõe-se Habscheid a definir o objeto litigioso, o que faz nos seguintes temos: objeto litigioso no processo civil é a afirmação jurídica do autor, para que lhe seja declarado no procedimento ajuizado o efeito jurídico requerido num determinado fato da vida. O objeto litigioso será, pois, constituído pela afirmação do autor (objeto da pretensão) e pelo fato da vida (fundamento da pretensão). A determinação do objeto litigioso é um ato obrigatório de disposição do autor. O objeto da pretensão resulta essencialmente do pedido, podendo ser necessário, para a sua determinação complementar, recorrer ao fundamento da ação. A afirmação jurídica estabelece, em conjunto, a afirmação do procedimento e a afirmação do efeito jurídico.
Em assim sendo, os conceitos de Litígio e Lide para HABSCHEID não têm
importância para a determinação do conteúdo do processo. Isso ocorre – e vimos que é uma
constante nos diversos autores da dogmática jurídico-processual alemã – porque, ao
contrario da doutrina italiana que procura determinar o objeto litigioso do processo – o
conteúdo do processo por assim dizer – através do conceito de direito de ação, os
processualistas alemães procuram defini-lo a partir das definições de pretensão (Anspruch) e
Rechtsschutzanspruch. Assim, o que ocorre é que, enquanto que para os italianos,
principalmente a partir das lições de CARNELUTTI, o conceito de ação – e, por conseguinte,
de Litígio ou Lide e todos os seus consectários, principalmente, tomando-se em consideração
os conceitos de pretensão e resistência – é essencial para a determinação do conteúdo do 92 Ibidem., p. 108.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
processo, para os alemães este – o conceito de objeto litigioso do processo – é determinado
a partir das noções de pretensão material e pretensão processual, nos termos anteriormente
explicitados.
f) Giuseppe Chiovenda, Enrico Redenti e Piero Calamandrei.
CHIOVENDA, REDENTI e CALAMANDREI constituem, cada um de per si,
pilares da dogmática jurídico-processual italiana. Os três foram contemporâneos, sendo que,
na leitura do próprio CALAMANDREI93, CHIOVENDA é, entre todos desta época, o grande
marco divisor na doutrina processual italiana, posto que, antes dele, os estudos sobre o
direito processual, tinham um cunho meramente exegético94 (dada a influência dos
franceses) e centrado, também, na influência que a doutrina alemã95 exerceu até então,
entre os italianos. Desse modo, numa ordem cronológica, teríamos, respectivamente, o
seguinte: primeiro, CHIOVENDA, depois REDENTI e por último CALAMANDREI.
Segundo informa CALAMANDREI, em seu “Estudos de Direito Processual”,
coube à CHIOVENDA o “influxo inovador” dos estudos do direito processual na Itália, posto
que, até então, como dissemos acima, a dogmática jurídico-processual italiana, era
completamente influenciada e marcada pelos procedimentalistas da escola exegética
francesa – com preocupações, quanto ao fenômeno processual, nitidamente pragmáticas –
e, sobretudo a partir do século XIX, pelos estudos elaborados pela dogmática jurídico-
processual alemã. Em síntese: não havia, nos moldes acadêmico-científicos, uma produção 93 Diz ele, a respeito da importância da obra de Chiovenda para a historiografia do direito processual italiano: “O momento em que o influxo de Giuseppe Chiovenda começou a dar seus frutos entre os estudiosos, de forma que permitia considerar como já surgida em virtude de seu ensinamento uma verdadeira e própria escola, pode-se fazer remontar aproximadamente ao final do primeiro decênio deste século [XX].” (CALAMANDREI, Piero. Estudos de Direito Processual. Tradução de Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: LZN Editora, 2003, p. 16). 94 Neste sentido, assente Calamandrei: “Antes deles [Chiovenda], até os últimos anos do século XIX, o estudo do processo civil tinha sido realizado na Itália com método predominantemente exegético, seguindo os rastros dos comentaristas franceses” (Ibidem., p. 12). 95 Afirma Calamandrei: “Giuseppe Chiovenda se dedicou a esta reconstrução sistemática do processo civil depois de ter submetido a ciência processual alemã a uma metódica visão, e depois de ter tomado contato, no direito romano e no direito comum, com o filão mais genuíno de nossa tradição nacional; assim, a reelaboração das teorias, formuladas já pelos processualistas alemães na segunda metade do século XIX, significou na obra de Chiovenda superá-las e liberar delas o pensamento italiano.” (Ibidem., p. 13-14).
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
doutrinária sobre o processo na Itália. Somente, a partir de MORTARA96, o último dos
exegéticos, é que se começará a formação de um pensamento doutrinário tipicamente
italiano. Com CHIOVENDA, então, a dogmática processual italiana vai entrar no período mais
áureo da sua história, influenciando, a partir daí, todas as demais escolas e tendências da
dogmática processual no mundo, isto porque, depois dele, o fenômeno processual deixará
de ser estudado a partir de uma metodologia meramente exegético-pragmática e passará a
ser estudado a partir de uma metodologia histórico-dogmático-sistemática.
No que diz respeito aos conceitos de Litígio e Lide, CHIOVENDA, ainda
influenciado pelas discussões a respeito do conceito moderno de Actio, não teceu, nas suas
principais obras – Princípios do Direito Processual Civil97 e Instituições do Direito Processual
Civil98 – maiores considerações sobre o sentido de tais termos para a dogmática processual,
até mesmo porque a construção carneluttiana, montando o seu Sistema sobre o conceito
jurídico-processual da Lide (Litígio), é consecutada somente em 1936, isto é, um ano antes
do seu falecimento (1937).
Pois bem. Dentro daquelas discussões – que vinham lá da dogmática
processual alemã – sobre o direito de ação, teorizou, CHIOVENDA, afirmando que tal direito
era sim, como diziam os alemães, um direito autônomo, exercido contra o Estado e, em
assim sendo, consistia num poder que o autor tinha de criar uma condição para a atuação da
vontade da lei, independentemente da vontade do réu, pois este, apenas, se sujeitaria à
produção do efeito jurídico da atuação da lei. Nesse sentido, assentiu ele que tal direito de
ação tem três elementos consubstanciadores, quais sejam, os sujeitos (sujeito ativo – autor
e sujeito passivo – o réu), a causa da ação, consubstanciada em dois elementos, a relação
jurídica e um estado de fato contrário ao direito, e o objeto, aquilo que se pede imediata e
mediatamente. Tal teorização de CHIOVENDA sobre o direito de ação ficou conhecida na
96 Cf. Idem. Lembrança de juristas. Tradução de Karina Andrea Furemberg. Campinas: LZN Editora, 2003, p. 85-90. 97 CHIOVENDA, Giuseppe. Principii di diritto processuale civile. 4. ed. Nápoles: Jovene, 1928. 98 Idem. Instituições de Direito Processual Civil. Tradução de Paolo Capitanio. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2000.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
doutrina processual como ação como direito potestativo.
Desse modo, embora, como afirmamos acima, ele não tenha enfrentado
esta questão de frente, vislumbrasse, no pensamento chiovendiano, uma nítida identificação
dos conceitos de Lide e Litígio com o de Causa, res in iudicium deductae ou, até mesmo, de
demanda, sendo tais conceitos, assim, não tão importantes para a discussão do momento,
na Itália, que era sobre o direito de ação.
Por sua vez, ENRICO REDENTI – cuja contribuição é mais no plano da
práxis jurídico-processual do que na teoria processual99 – nada assentiu de diferente a
respeito do conceito de Lide (ou Litígio) a não ser criticar o seu contemporâneo CARNELUTTI
– de formação completamente diversa da sua, posto que este tivera uma preocupação
eminentemente teórico-científica – por o mesmo construir um Sistema tendo como cerne um
termo (instituto processual) que o próprio Código de Processo Civil italiano de 1942 (cujo
projeto, deveu-se, inclusive a ele e ao próprio CARNELUTTI) não utilizou, posto que em tal
diploma legislativo, como já assentimos, preferiu-se utilizar o termo causa para indicar o que
CARNELUTTI chamara de Lide (Litígio) processual. No mais, assente REDENTI que o objeto
do processo seria constituído pela matéria contenciosa (materia del contedere) que fora
deduzida em juízo pelo autor, sendo tal o constituinte do que chamaríamos de mérito ou le
fond (na linguagem francesa), isto é, o “fundamento intrínseco da ação e das exceções”100,
de onde podemos assentir a despreocupação do processualista com a utilização dos termos
Lide e Litígio.
99 Neste sentido, assentiu Calamandrei: “Entre estes tratadistas mais recentes merecem atenção especial dois estudiosos eminentes que podem considerar-se hoje, nos estudos do direito processual, como representantes típicos de dois métodos científicos contrapostos: Francesco Carnelutti e Enrico Redenti. [...] Nitidamente, e também conscientemente anti-dogmática é a direção de Enrico Redenti. [...] [posto que] não é um processualista puro, seu volume Dei contratti nella pratica commerciale (1933) demonstra um conhecimento profundo, e que não é somente teórico, do direito substancial e da vida econômica sobre a qual ele se plasma. Mas, diferentemente de Carnelutti, Redenti quer ser essencialmente um empírico: ele se propõe a expor o direito processual ‘de modo praticamente útil’ a quem deve servir-se dele para empregar nos negócios próprios ou nos alheios, como litigante, como advogado ou como juiz e tem a esperança de que ‘destas posições práticas obtenham mais remoto proveito também os estudos chamados científicos. Será necessário, entretanto, que uma vez ou outra também a ciência descenda, com espírito de humildade, a refrescar seus dados e seus problemas na vida de cada dia, em lugar de esgotar-se na sublimação solitária de algum conceito.” (CALAMANDREI, Piero. Estudos de Direito Processual. Tradução de Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: LZN Editora, 2003, p. 20-21). 100 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 249.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Já PIERO CALAMANDREI, um dos colaboradores de CHIOVENDA e
CARNELUTTI na Rivista di Diritto Processual, por ser, embora contemporâneos, de um
período um pouco à frente de CARNELUTTI, discutiu de modo exauriente o conceito de Lide
e Litígio propostos. Aliás, CALAMANDREI, a pedido do próprio FRANCESCO CARNELUTTI,
consecutou uma importante e significativa recensão da obra deste, qual seja, a Instituzioni
del nuovo processo civile italiano (Roma, 1941) que foi publicada na Rivista di Diritto
Processual no mesmo ano, 1941.
Em tal resenha, CALAMANDREI aponta diversos traços característicos do
sistema carneluttiano, inclusive em contraposição à doutrina então vigente e ao Código de
Processo Civil recém promulgado na Itália. Nesse sentido, notadamente no que diz respeito
ao termo Lide, CALAMANDREI afirma que, embora se tratasse de um conceito meritório, tal
não tinha sido adotado pela nova terminologia do código, posto que essa chamava o conflito
intersubjetivo qualificado pela pretensão e pela resistência de causa e não de lide
processual. Afirmou mais ainda que, no sentido carneluttiano, reduzir à composição de
controvérsias (de lide ou litígio ou causa) a função da jurisdição seria um verdadeiro
retrocesso, posto que nem todo processo consubstancia em si uma Lide processual, tal como
nos casos de jurisdição voluntária e nos processo de execução e cautelar; e, mesmo assim,
nestes casos, afirma CALAMANDREI, estaríamos diante do fenômeno da jurisdição, tendo em
vista, sobretudo, o caráter publicista do processo – enquanto relação jurídica que é – e da
função jurisdicional. Por fim, assente, ainda, em tal resenha, que a Lide ou Litígio, na
verdade, é mais um conceito de natureza sociológica do que jurídica, posto que o que juiz vê
no processo, mediante a demanda do autor, é na verdade, aquilo que foi deduzido por este
em juízo, não sendo, necessariamente, igual ao conflito de interesses (que ele chama de
Lide e que nós chamamos de Litígio). Em síntese, afirma CALAMANDREI, o juiz se encontra
frente à lide por meio da petição.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Em outro momento101, mais precisamente, através de artigos publicados na
Rivista di Diritto Processual, onde travaram célebres polêmicas CALAMANDREI e
CARNELUTTI, CHIOVENDA e MORTARA, LIEBMAN e CARNELUTTI102, o processualista
florentino, CALAMANDREI, assente mais ainda que o grande equívoco de CARNELUTTI
encontra-se nesta redução da função jurisdicional à resolução de conflitos de interesses
qualificados pela pretensão de um e pela resistência do outro (a Lide, carneluttiana). Isso
porque, em alguns tipos de processos, haver ou não uma Lide seria um irrelevante jurídico,
na medida em que o que se objetiva pela parte, nestes casos, é a atuação da vontade da lei
– através do Judiciário – no sentido de prestar a tutela jurisdicional para aquela situação
específica. Além do que, diz ele, o percurso lógico-jurídico de cognição que o magistrado
deve cumprir para prestar a tutela – o pronunciamento jurisdicional – independe da atitude
do réu no processo. Em sua resposta a esta assertiva, CARNELUTTI afirma que tal problema
de classificação e enquadramento destes tipos de processo sem Lide (Litígio) – que ele
chamaria de função processual e não função jurisdicional – se dá, tendo em vista as zonas
de confluência que existem entre as funções e órgãos dos poderes estatais. Outrossim,
corroborando o que dissemos anteriormente sobre o próprio CALAMANDREI, quando este
afirma que a Lide (Litígio) seria uma categoria sociológica e não jurídico-processual, assente
tal processualista que, em verdade, o objeto do processo não pode ser representado pelo
conflito de interesses (pretensão versus resistência), tendo em vista que este, para chegar
ao conhecimento do juízo, precisa ser deduzido e qualificado pela parte autora e nesse
processo de dedução – a demanda – muitas vezes o juiz acaba tomando conhecimento da
Lide (Litígio) não do mesmo modo que ela ocorreu na realidade social, mas do modo que a
demanda do autor o evidencia com a sua petição inicial. Assim, aduz CALAMANDREI que as
partes, a causa de pedir e o pedido, constituem em si os elementos deduzidos – e por assim
101 CALAMANDREI, Piero. Il concetto di “lite” nel pensiero di Francesco Carnelutti. In Rivista di diritto processualle civile. v. V. Padova. Cedam, 1928. 102 A propósito dessas interessantes polêmicas, conferir, no capítulo VII: DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
ser, visíveis – qualificados e relevantes da Lide (Litígio), agora em juízo. Refutando isso,
CARNELUTTI, afirma que tais elementos – partes, causa de pedir e pedido – sendo pessoas,
bens e interesses e não razões jurídicas, não poderiam formar o objeto do processo, posto
que esse só opera com tais razões.
O fato é que, em síntese, para CALAMANDREI103, Lide ou Litígio – posto
que para ele eram conceitos indiscerníveis – constituía um conceito sem qualquer
referibilidade à tutela jurídica pretendida pelo autor, posto que, em verdade, pertence, tal
categoria, ao mundo dos fatos, como um fenômeno sociológico que é. Em assim sendo, só
depois de deduzida e qualificada em juízo, é que importaria, como, agora, categoria jurídica
que seria, para o processo. Na verdade, como estamos nós a defender aqui, se
CALAMANDREI assenti-se que a Lide seria aquilo que do Litígio, isto é, do conflito
intersubjetivo de interesses, fora deduzido em juízo, aí sim, teria resolvido este seu dilema
doutrinário.
g) James Goldschmidt.
JAMES GOLDSCHMIDT, autor alemão de importância fundamental no
desenvolvimento da dogmática jurídico-processual, foi o criador, dentro das teorias que
tentaram explicar a natureza jurídica do processo, da chamada teoria do processo como
situação jurídica. Tal teoria assente, peremptoriamente, que, no processo, em verdade, não
ocorre uma relação jurídico-processual entre as partes ou mesmo entre as partes e o juiz.
Isso porque, no caso, o juiz atua, dentro do processo, apenas por dever funcional de caráter,
eminentemente, administrativo e, em assim sendo, as partes estariam tão-somente sujeitas,
nesta situação processual em que se encontram, à autoridade do órgão jurisdicional; ou
seja, não existem direitos das partes nesta “relação” de natureza processual, mas, apenas,
103 CALAMANDREI, Piero. Derecho procesal civil. Estudios sobre el proceso civil. Buenos Aires: EJEA, 1973.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
expectativas, perspectivas, possibilidades, encargos nesta situação jurídica. Tal teoria, assim,
vem de encontro à tão propagada, nesta época, teoria do processo como relação jurídica
que fora, anos antes, também na Alemanha, proposta por BÜLLOW.
Em uma das suas principais obras sobre o direito processual civil – na
esteira dessa sua teorização – GOLDSCHMIDT104, assim, expõe, em síntese, a sua doutrina,
in verbis:
O conceito de situação jurídica diferencia-se do de relação processual no qual este não se encontra em relação alguma com o direito material que constitui o objeto do processo, enquanto que aquele designa a situação em que a parte encontra-se com respeito ao seu direito material, quando o faz valer processualmente. É errôneo crer, por isso, que o conceito de ‘situação jurídica’ não é diferente do de relação processual, senão do direito material que constitui o objeto do processo. Resulta por isso desnecessário recorrer ao conceito de relação processual, para assegurar a unidade do processo, uma vez que tal unidade vem predeterminada pelo direito material, objeto de referência das ‘situações jurídicas’ que surgem no processo. Também é equivocado discutir o valor do conceito de ‘situação jurídica’, uma vez que, graças a ele, determina-se não somente o conceito e caracteres dos direitos e ônus processuais, senão que dele emana o conceito de ‘atos de postulação’ (cf. mais adiante § 39, n. 2 s., e §§ 42 s.) e a peculiaridade de sua qualificação como ‘admissíveis’ ‘e fundamentados’, assim como a luz que clareia os conceitos de litisconsórcio especial, de sucessão processual etc. É igualmente errônea a suposição de que o conceito de situação jurídica em geral, e em particular o de ‘expectativa’ juridicamente assegurada, seja de caráter sociológico; para dizer a verdade, não têm este caráter, como tampouco participa dele o conceito de ‘expectativa’ do Direito Civil, ainda que como esta, não é estado jurídico mais que em caso de que o benefício que se espera esteja seguro na sua efetividade futura, ou seja, quando o árbitro judicial não seja livre frente a ela, senão vinculado por normas jurídicas ou da experiência. O T. S. (RTS 129, 25) mostra-se conforme conosco ao qualificar os direitos processuais como ‘expectativas asseguradas pelo Direito processual’.
Em assim sendo, GOLDSCHMIDT constrói a sua teoria tomando como base
o conceito de direito judicial material, por ele, também, formatado. Assim, para ele, o direito
judicial material seria a projeção jurídica e pública do direito material, isto é, toda vez que o
direito privado impõe a um sujeito um dever jurídico (uma obrigação jurídica), está, também,
por conseguinte, como um corolário, insitamente dirigindo ao juiz um preceito, também,
104 GOLDSCHMIDT, James. Direito Processual Civil. Tradução de Ricardo Rodrigues Gama. Curitiba: Juruá, 2003, p. 17-18.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
jurídico, para que este, quando for demandado, decidir de conformidade com a obrigação de
direito privado. Vejamos o que nos diz, neste sentido, in verbis, em sua Teoria Geral do
Processo105:
He demonstrado em mis trabajos ‘Derecho justicial material’ (Materielles Justizrecht), que apareció em 1905, y ‘Dos contribuciones al Derecho justicial civil material’ (Zwei Beiträge zum materiellen Ziviljustizrecht), ‘Festschrift der Berliner Juristenfakultät für Brunner’, 1914) que el concepto de la exigência de protección jurídica no es de índole procesal, aun siendo pública. Pertenece, más bien, al âmbito del derecho justicial material. Éste no es otra cosa sino el Derecho privado considerado y completado desde um ponto de vista jurídicopúblico. Detrás de cada precepto del Derecho Privado se encuentra su proyección em el Derecho justicial material. Detrás de casi todos los derechos subjetivos privados se encuentran las acciones correspondientes.
No que diz respeito aos conceitos de Litígio e Lide, temos que, do mesmo
modo que a doutrina alemã de até então, GOLDSCHMIDT, apesar de ser de um período
contemporâneo ao de CARNELUTTI, não chega a enfrentar tais questões, sendo que,
encontramos em sua obra, uma total indiscernibilidade entre os termos Litígio, litis, causa,
demanda, negotium, pretensão, res in iudicium deductae etc. Todos estes termos serviam
para designar para ele o conteúdo factual que fora deduzido em juízo através do autor e do
réu nos seus atos de alegação e prova e, no sentido do qual, o juiz deveria prestar, através
da sua sentença, a tutela jurídica. Nesta perspectiva, vejamos, por via oblíqua, no conceito
de parte e jurisdição, o que ele nos diz a esse respeito, in verbis106:
Chama-se autor ao que solicita a tutela jurídica (is qui rem in iudicium deducit), e demandado aquele contra quem pede-se esta tutela (is contra quem res in iudicium deducitur). Não é preciso que as partes sejam necessariamente os sujeitos do direito ou da obrigação controvertidos (ou seja, da res iudicium deductae). Entende-se por jurisdição civil a faculdade (e dever) de administrar justiça nos litígios deste caráter.
No mais, segundo afirma NICETO ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO,
105 GOLDSCHMIDT, James. Teoría General del Proceso. Buenos Aires: Editorial Labor, 1936, p. 25-26. 106 Idem. Direito Processual Civil. Tradução de Ricardo Rodrigues Gama. Curitiba: Juruá, 2003, p. 165.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
prefaciando a tradução para o espanhol do Sistema de CARNELUTTI, há uma nítida
diferenciação entre as abordagens teórico-conceituais deste processualista italiano e as de
JAMES GOLDSCHMIDT, posto que, embora sejam abordagens que tenham revolucionado o
estudo do direito processual nos seus respectivos países, entre si, vislumbrassem grandes
diferenciações doutrinárias. Exemplo disso é a própria forma como GOLDSCHMIDT encara a
definição de situação jurídica e, de que modo, CARNELUTTI a encara. Diz ALCALÁ-ZAMORA y
CASTILLO, in verbis107:
Em Goldschmidt, a situação jurídica é o conjunto de expectativas, possibilidades, deveres e liberação de deveres de cada uma das partes, e significa o estado de uma pessoa do ponto de vista da sentença judicial que se espera com fundamento às normas jurídicas (cf. Der Prozess als Rechtslage – Berlim, 1925 – p. 259 e Teoría general del proceso – Barcelona, 1936 -, nº 24). Em Carnelutti, a situação jurídica representa cada um dos elementos ou interesses (o protegido e o subordinado) que se combinam para se integrar a relação jurídica (cf. Sistema, nº 11).
h) Elio Fazzalari.
ELIO FAZZALARI, também um importante processualista da dogmática
jurídico-processual italiana dos últimos anos, escreveu, entre as suas principiais obras, a
Instituzioni di diritto processuale108, na qual assente – e essa é a sua maior contribuição para
a moderna teoria geral do processo – que, em verdade, a respeito das discussões sobre a
natureza jurídica do processo, este seria uma modalidade de procedimento na qual ocorre,
diferentemente dos outros tipos de procedimento, e tendo em vista as premissas diretivo-
constitucionais, o contraditório.
FAZZALARI, assim, refuta a idéia de BÜLLOW de relação jurídica processual
no conceito de processo. Para ele, o processo – ou, melhor dizendo, na linguagem dele,
Módulo Processual – é uma espécie de procedimento manejado pelo autor contra o Estado
107 CARNELUTTI, Francesco. Sistema de Direito Processual Civil. São Paulo: Classic Book, 2000, p. 16. 108 FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale civile. 8. ed. Padova: Cedam, 1996.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
no qual é garantido, constitucionalmente, que aquele em face de quem é manejado tal
processo, participe do mesmo, nos mesmos moldes da participação do autor. Dizia ele,
então, que a “presença da relação jurídico-processual no processo é a projeção jurídica e
instrumentação técnica da exigência político-constitucional do contraditório”109.
Nesta perspectiva, FAZZALARI, falando sobre o objeto do processo, e,
indiretamente, a respeito dos conceitos de Lide e Litígio, afirma que o juiz, no processo, vai
conhecer e resolver a situação substancial, isto é, o mérito que fora deduzido em juízo a
partir das participações do autor e do réu. Para ele, tal objeto do conhecimento do juiz, o
mérito, seria, enfim, o objeto da controvérsia que ocorrera no plano factual (Litígio, para
nós), sendo esta, a controvérsia, a situação substancial externa ao processo e seus
componentes que deveria ser resolvida pelo órgão julgador. Sinteticamente, para ele, o
mérito (o objeto do conhecimento do juiz, sendo assim, o parâmetro para a determinação
dos deveres do juiz e poderes das partes) seria constituído pela afirmação por parte do autor
de um direito subjetivo, de uma obrigação correspondente, de uma lesão ou de uma
situação extraordinariamente legitimante para o exercício do direito de ação.
O processualista brasileiro CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, comentando o
pensamento de FAZZALARI a respeito do que seria o objeto do processo, assim dispõe, in
verbis110:
Fazzalari [...] na assertiva de que ‘mérito é o objeto da controvérsia, ou seja, a situação substancial e seus componentes’ [...] não traz progresso algum em nossas investigações, porque controvérsia está ali provavelmente no sentido de processo(ou até, para quem bem conhece a linha de pensamento desse processualista, esse vocábulo visa a designar o contraditório que no processo tem lugar), sabendo-se já de antemão que a problemática do meritum causae corresponde precisamente à do objeto do processo [...]. A alusão à situação substancial, como expressão do mérito, não é tão inconveniente quanto a referência à relação controvertida. Situação jurídica é locução menos precisa e mais ampla e corresponde, na linguagem desse autor, ao ‘direito subjetivo deduzido em estado de
109 FAZZALARI, apud ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos de; GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido R. Teoria Geral do Processo. 13. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 1997, p. 287. 110 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 249.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
100
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
asserção’. Diz ele, ainda, ao enunciar os ‘outros componentes da situação substancial proposta’, que a alegação feita ao demandar ‘não pode limitar-se ao direito e à obrigação correspondente (i. é, à fattispecie concreta a que a norma liga um e outra), mas deve estender-se a outros elementos substanciais’ que se representam pela lesão do direito e, na hipótese de legitimidade extraordinária, pelo fator determinante desta.
Destarte, não se vislumbra na obra de FAZZALARI uma preocupação em
assentir o conceito carneluttiano de Lide (Litígio), mas de reformulá-lo – ou mesmo
‘desprezá-lo’ – nos termos anteriormente expostos.
i) Ugo Rocco
UGO ROCCO, outro grande processualista italiano da modernidade, em sua
obra Trattato di Diritto Processuale Civile111, na qual analisa os conceitos propedêuticos e
basilares do processo, colocados por CARNELUTTI na sua teoria geral do direito, corrobora,
sem maiores críticas ou diferenciações, o conceito de Lide (Litígio) como sendo, este, o
conflito intersubjetivo de interesses qualificado pela pretensão um e pela resistência do
outro.
Para ROCCO, tal conflito intersubjetivo de interesses qualificado pelos
caracteres sociológicos da pretensão e da resistência é que consubstancia o objeto litigioso
do processo, isto é, é sobre isso que, no fundo, o juiz irá decidir. No mais, do mesmo modo
que os demais autores da dogmática jurídico-processual italiana, não enfrenta qualquer
distinção entre os conceitos de Litígio e Lide.
j) Enrico Tullio Liebman.
LIEBMAN foi, indubitavelmente, o processualista italiano que mais exerceu
111 ROCCO, Ugo. Trattato di Diritto Processuale Civile. Torino: UTET, 1966.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
influencia na formação e no desenvolvimento do pensamento jurídico da dogmática
processual brasileira. GRINOVER, em estudo feito em homenagem ao magistério do
processualista italiano no Brasil, lembra que, in verbis112:
Recordar o magistério de Liebman no Brasil é olhar, num só relance, ao passado, ao presente e ao futuro. Olhar ao passado é ver o jovem titular da Universidade de Parma desembarcar no Brasil em 1940, impelido pela tempestividade política. [...] o momento da chegada de Liebman era o mais oportuno possível para o desenvolvimento da ciência processual. O novo Código [1939] trazia algumas inovações inspiradas pelos ordenamentos europeus mais avançados [...]. O terreno era fértil, tendo também em conta os estudos do passado, especialmente em São Paulo, onde a cátedra de direito processual sempre gozou de inegável prestígio. O espírito generoso e criativo do Mestre foi capaz de compreender em toda sua plenitude as circunstâncias favoráveis. E à sua atividade acadêmica, ele somou uma outra, que produziu resultados permanentes.
LIEBMAN, deste modo, constituiu – e porque não dizer: constitui – o
grande marco teórico e metodológico113 da dogmática jurídico-processual brasileira. Antes
dele, estávamos, ainda, desatualizados no que diz respeito às modernas tendências do
processualismo científico mundial. Ele nos legou estudos114 que, precipuamente,
influenciaram na formação do nosso pensamento jurídico-processual e no desenvolvimento
das leis processuais do nosso país, como no caso do Código de Processo Civil de 1973, todo
feito com base nos ensinamentos do professor de Parma, sobretudo se pensarmos em
questões como mérito da causa, condições da ação, processo de execução e etc.
No que diz respeito, especificamente, ao temário aqui em análise, isto é,
112 GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do direito processual: de acordo com a constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, p. 439. 113 Neste sentido, Ada Pellegrini afirma que ele trouxe para o Brasil um método científico até aquele momento desconhecido dos processualistas brasileiros e, em assim sendo, “a verdadeira novidade dessa orientação, que a distingue de outras de tendência sociológica, é a estrita fidelidade ao método técnico-científico”. Tal metodologia de estudo do direito processual influenciou, assim, a formação do pensamento da chamada Escola de Direito Processual de São Paulo, posto que “conciliando e fundindo o pensamento e o método técnico-científico com as preocupações sócio-políticas, a nova escola congrega processualistas civis e penais que, a partir de uma teoria geral, se dedicam aos problemas atuais do processo, na plena observância dos mais rigorosos cânones científicos e empregando escrupulosamente a técnica processual para atingir os diversos escopos da jurisdição.” (GRINOVER, op. cit. p. 439-441). 114 Obras importantes do autor consecutadas no Brasil: LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. Trad. de Cândido Rangel Dinamarco. Rio de Janeiro: Forense, 1984, v. I; Idem. Estudos sobre o Processo Civil Brasileiro. Araras: Bestbook Editora, 2001; Idem. Processo de Execução. Araras: Bestbook Editora, 2003; e Idem. Embargos do Executado: oposições de mérito no processo de execução. Campinas: Bookseller, 2003.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
102
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
quanto aos conceitos de Litígio e Lide, LIEBMAN assente em sua obra que a Lide (ou Litígio
já que para ele não havia distinção entre os dois termos, até porque ele nunca enfrentou
esta questão), na verdade, diferentemente da teorização carneluttiana, é aquilo que do
conflito – do Litígio, para nós – foi levado a juízo pela parte autora através da sua pretensão
que fora deduzida, através do pedido constante da petição inicial, e que, portanto, constituir-
se-á no mérito do processo (no caso, no mérito do processo de cognição), sendo assim o
objeto principaliter do thema decidendum do juiz. Nesse sentido, ele se afasta da teoria de
CARNELUTTI e se aproxima do pensamento crítico de CALAMANDREI com relação a isso.
Vejamos o que ele afirma, in verbis, em sua obra Estudos sobre o processo
civil brasileiro115 a respeito do conceito de Lide e meritum causae:
Lide é, portanto, o conflito efetivo ou virtual de pedidos contraditórios, sobre o qual o juiz é convidado a decidir. Assim modificado, o conceito de lide torna-se perfeitamente aceitável na teoria do processo e exprime satisfatoriamente o que se costuma chamar de mérito da causa. Julgar a lide e julgar o mérito são expressões sinônimas que se referem à decisão do pedido do autor para julgá-lo procedente ou improcedente e, por conseguinte, para conceder ou negar a providência requerida (grifos nossos).
Afirma ele, ainda, que, ao contrário do que dissera CARNELUTTI, no
sentido de identificar a Lide como um conflito de interesses qualificado pela pretensão do
autor e pela resistência do réu, depois que tal conflito (Litígio) é qualificado e deduzido em
juízo pelo autor, pouco importa, para a configuração da Lide processual (para o meritum
causae, na concepção dele) a atitude do réu (resistindo ou não) no processo. Vejamos o que
ele diz mais neste sentido, sintetizando sua doutrina, in verbis116:
Observamos já que o pedido que forma objeto dum processo de cognição admite necessariamente, pela própria essência de sua estrutura lógica, a possibilidade de dois resultados opostos. O juiz pode declarar procedente o pedido, dando ganho de causa ao autor; e pode, também, declará-lo
115 LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o Processo Civil Brasileiro. Araras: Bestbook Editora, 200, p. 103. 116 Ibidem., p. 101-103.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
improcedente, dando assim a vitória ao réu. Tudo depende dos resultados do estudo e do exame da causa. Naturalmente a improcedência do pedido do autor equivale à procedência da contestação do réu, que pediu a rejeição da ação proposta. Pedido e contestação representam dois pedidos em conflito e a função do juiz consiste, justamente, em julgar qual dos dois é conforme ao direito, concedendo ou negando, em conseqüência, a medida requerida pelo autor. Esse conflito de pedidos forma a matéria lógica do processo e o elemento formal de seu objeto, ao passo que o conflito de interesses, na medida em que foi deduzido em juízo, representa seu substrato material. A natureza dialética da lide é a tal ponto essencial à sua estrutura lógica, que nem pode ser modificada pela atitude que porventura o réu possa assumir no processo. A doutrina tradicional, utilizando o conceito do direito romano, deformado e adaptado a uma realidade diferente, costumava atribuir a determinação do objeto do processo ao ato bilateral da contestação da lide. Hoje podemos afirmar que esse ato não mais existe no processo moderno. A suposta natureza contratual ou quase-contratual do processo, que era uma das conseqüências dessa doutrina, está em aberto contraste com a realidade de nosso tempo, a qual configura o processo como uma relação jurídica de direito público, fundada no poder jurisdicional da autoridade judiciária, combinado com a iniciativa dos interessados. Esta iniciativa cabe ao autor; ele é que propõe o pedido e com isso suscita a lide e fixa o mérito da causa. A atitude do réu é para esse efeito sem conseqüência (grifos nossos).
No mais, é válido destacarmos que LIEBMAN não elaborou ou vislumbrou
alguma distinção entre mérito e questões de mérito, tal como na nossa moderna
processualística. Para ele, nessa perspectiva de indiscernibilidade entre mérito e questões de
mérito, in verbis117:
o conhecimento do juiz é conduzido com o objetivo de decidir se o pedido formulado no processo é procedente ou improcedente e, em conseqüência, se deve ser acolhido ou rejeitado. Todas as questões cuja resolução possa direta ou indiretamente influir em tal decisão, formam, em seu complexo, o mérito da causa.
Esta é, enfim, a doutrina de LIEBMAN que – como se verá mais à frente,
quando consecutarmos a análise teórico-conceptual e histórico-descritiva dos termos Lide e
Litígio a partir da dogmática jurídico-processual nacional – tanto influenciou, quase à
unanimidade, o pensamento dos nossos processualistas.
117 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil I. Tradução de Cândido Rangel Dinamarco. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 170-171.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
k) Mauro Cappelletti.
MAURO CAPPELLETTI é considerado, pela dogmática jurídico-processual,
sem dúvida alguma, um dos maiores processualistas da atualidade, senão o maior. Nas suas
principais obras – Proceso, Ideologias, Sociedad118; Juízes Irresponsáveis?119; Juízes
Legisladores120; e Acesso à Justiça121 – vislumbra-se, precipuamente, que a grande – para
não dizer única – preocupação do processualista da Universidade de Florença é com a
problemática do acesso à justiça e da ideologia formatadora e conformadora dos
procedimentos judiciais, incluindo nesta perspectiva o poder jurisdicional do magistrado.
CAPPELLETTI, nesta perspectiva, realiza estudos teóricos e empíricos nos
quais assente que o sistema jurídico-processual de normas, estabelecido em uma
determinada sociedade, é conseqüência da ideologia – técnico-jurídica, política, econômica,
cultural e etc. – estabelecida no contexto das forças dos grupos dominantes desta
sociedade. Para isso, dá vários exemplos históricos122, onde se vislumbra, peremptoriamente,
que aquilo que é estabelecido como norma processual e que, por conseguinte, vai formatar e
abalizar o pensamento dogmático jurídico-processual da época é conseqüência direta dos
ditames de caráter ideológico da sociedade.
Assim também, CAPPELLETTI, em um estudo que influenciou mundo à fora
– principalmente na América Latina – o estudo do processo civil e a problemática que
envolve a estrutura judiciária – estamos falando de Acess to Justice: The worldwide
118 Cf. CAPPELLETTI, Mauro. Proceso, Ideologias, Sociedad. Tradução de Santiago Sentís Melendo e Tomás A. Banzhaf. Buenos Aires: EJEA, 1974. 119 Cf. Idem. Juízes Irresponsáveis? Tradução de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: FABRIS, 1989. 120 Cf. Idem. Juízes legisladores?. Tradução de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: FABRIS, 1993. 121 Cf. Idem. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: FABRIS, 1988. 122 Isso é bem factível quando Cappelletti nos apresenta o exemplo do sistema de provas em sua evolução social, mostrando que, por exemplo, no período do feudalismo o depoimento de um senhor feudal tinha um valor probatório muito maior que a soma de diversos vassalos (Cf. Idem. Proceso, Ideologias, Sociedad. Tradução de Santiago Sentís Melendo e Tomás A. Banzhaf. Buenos Aires: EJEA, 1974, p. 7).
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
movement to Make Rights Effective: A general reports123 – afirma que, modernamente, a
grande problemática que aflinge e, por assim ser, condiciona a dogmática jurídico-
processual, diz respeito ao acesso à Justiça124. E, mais que isso, não importa, hoje, que o
autor e o réu tenham, a qualquer tempo, direito a um pronunciamento jurisdicional sobre
algum dado factual conflituoso que tenha ocorrido, mas que, sobretudo, o tenham de modo
efetivo, eficaz e eficiente, num menor tempo processual possível. Para isso, nesta sua
pesquisa, aponta os obstáculos e algumas soluções que precisam ser encaradas pelo
legislador e, por conseguinte, pela ordem jurídico-política dos Estados nacionais.
Vejamos o que ele nos diz a respeito dessas questões, in verbis125:
Embora o acesso efetivo à Justiça venha sendo crescentemente aceito como um direito social básico nas modernas sociedades, o conceito de efetividade é, por si só, algo vago. A efetividade perfeita, no contexto de um dado direito substantivo, poderia ser expressa como a completa ‘igualdade de armas’ – a garantia de que a conclusão final depende apenas dos méritos jurídicos relativos das partes antagônicas, sem relação com diferenças que sejam estranhas ao Direito e que, no entanto, afetam a afirmação e reivindicação dos direitos. Essa perfeita igualdade, naturalmente, é utópica. As diferenças entre as partes não podem jamais ser completamente erradicadas. A questão é saber até onde avançar na direção do objetivo utópico e que custo. Em outras palavras, quantos dos obstáculos ao acesso efetivo à justiça podem e devem ser atacados? A identificação desses obstáculos, conseqüentemente, é a primeira tarefa a ser cumprida.
Neste contexto, apesar de não tratar diretamente do temário da Lide
processual, enquanto centro gravitacional do sistema jurídico-processual, como o fizera
CARNELUTTI, nota-se que, por via oblíquoa, ele realiza uma construção sociológica (ou, pelo
menos, sociológico-jurídica) do conceito de Litígio, tal como propomos no presente trabalho.
123 Cf. Idem. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: FABRIS, 1988. 124 Neste sentido, assente que “o recente despertar de interesse em torno do acesso efetivo à Justiça levou a três posições básicas, pelo menos nos paises do mundo ocidental” e aí ele vai afirmar que o pensamento dogmático jurídico-processual – e porque não dizer legislativo – passou, no que diz respeito ao temário do acesso à Justiça, por três ondas renovatórias, sendo a primeira a da assistência judiciária gratuita para os pobres, a segunda a da representação jurídica dos chamados direitos difusos e coletivos e a terceira a que enfoca diretamente a problemática deste acesso à Justiça (Ibidem., p. 31). 125 Ibidem., p. 15.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Neste sentido é que ele, na esteira dos ensinamentos de GALANTER126, fala em litigância
eventual, litigância habitual, pequenas causas, dados esses que são, evidentemente,
sociológicos e não jurídicos, e métodos alternativos de resolução de litígios, como por
exemplo, o uso de tribunais sociais ou populares. Mais à frente, quando consecutarmos a
distinção, sob o prisma empírico-crítico, dos elementos Litígio e Lide, teceremos maiores
comentários a respeito das teorias cappellettianas sobre Litígio e os temários da ideologia
procedimental e do acesso à Justiça.
l) José Alberto dos Reis.
JOSÉ ALBERTO DOS REIS, um dos maiores processualistas portugueses de
todos os tempos, professor da Universidade de Coimbra, que teve como principal obra os
seus Comentários ao Código del Processo Civil127, sem tecer maiores diferenciações e
considerações a respeito do sistema carneluttiano, assente que Lide é sim o conflito
intersubjetivo de interesses que foi levado para a apreciação judicial e que, em assim sendo,
determina o mérito a ser apreciado e julgado pelo juiz.
ALBERTO DOS REIS, influenciado que foi pelas construções teórico-
processuais da doutrina italiana, assente, ainda, como na dogmática jurídico-processual
brasileira, na existência das condições da ação que condicionam, assim, junto com os
pressupostos processuais, o julgamento da Lide, do mérito. Para ele, o juiz, na verdade,
aprecia, como objeto do processo, um trinômio de questões composto pelas condições da
ação, pelos pressupostos processuais e pelo mérito da causa, sendo, este último, o conflito
de interesses que fora deduzido em juízo pelo autor através do seu pedido.
No mais, o processualista de Coimbra, quanto à distinção aqui proposta por
nós, entre Litígio e Lide, não a enfrenta, usando, inclusive, várias vezes, em sua obra, de
126 GALANTER, Marc. “Afterword: Explaining Litigation”. In: Law and Society Review. v. 9, 1975, p. 347, 360. 127 REIS, José Alberto dos. Comentários ao Código del Processo Civil. Coimbra: Coimbra Editora, 1945.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
forma indistinta, tais termos, sempre querendo designar o conflito de interesses que
consubstancia a questão de fundo a ser resolvida pelo órgão jurisdicional, nos moldes da
teoria carneluttiana revisada pelos estudos de CALAMANDREI e, mais recentemente, de
LIEBMAN.
m) Jaime Guasp.
JAIME GUASP, um dos mais importantes processualistas espanhóis do
século XX, que publicou na década de sessenta, em Madri, seu Derecho Procesal Civil128, e,
um pouco mais tarde, La Pretensión Procesal129, diferentemente, mas, ao que parece,
querendo, assim como CARNELUTTI o fez, construir um sistema de direito processual, não
assente como centro de tal sistema o conceito carneluttiano de Litígio ou Lide, mas o de
pretensão processual, em consonância com a moderna dogmática jurídico-processual alemã.
Em verdade, as abordagens teórico-conceptuais de GUASP que tiveram
maior repercussão na dogmática jurídico-processual dizem respeito à construção da
chamada teoria do processo como instituição. Em tal teorização, GUASP vai buscar o
fundamento de natureza jurídica do processo no campo sociológico e dizer, assim, que o
processo, como meio de resolução de conflitos que é, é, tal como uma instituição (nos
termos das ciências sociais), uma forma padronizada de comportamento social relativamente
a uma determinada necessidade. No caso, o que teríamos é que a sociedade, ao longo da
sua história, chegou a um estágio de desenvolvimento onde, dado um conflito intersubjetivo
de interesses, a solução necessária para a resolução deste seria, não mais o uso da força, da
violência, da mediação, da arbitragem, mas do processo. Esta teoria de GUASP, parece-nos
muito interessante. O grande problema a ser enfrentado – como assentiu FREDERICO
128 GUASP, Jaime. Derecho Procesal Civil. 3. ed. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1977. 129 Idem. La Pretensión Procesal. Madrid: Editorial Madrid, 1981.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
MARQUES130 – é quanto à imprecisão teórico-terminológica do conceito de instituição, posto
que, em assim sendo, tudo o mais pode ser reduzido ao esquema conceitual por ele
adotado, o de instituição.
Ademais, como dissemos acima, GUASP propõe a construção do seu
sistema em torno do conceito de pretensão processual, divergindo – ou, pelo menos, não
concordando – da noção de sistema de CARNELUTTI, formulada, esta, a partir do conceito
de Lide. Para isso, GUASP, primeiramente, procede a uma importante distinção (coisa que,
como vimos, os alemães, de certo modo, nunca fizeram, englobando todos esses conceitos)
entre os conceitos de ação, demanda e pretensão processual. A ação, neste sentido, para
ele, seria o direito de formular pretensões (ou de satisfazê-las) ao órgão jurisdicional, não se
confundindo, assim, com a pretensão processual que seria a declaração de vontade pela
qual se solicita a atuação de um órgão jurisdicional em razão de um sujeito necessariamente
determinado e, claro, distinto do autor da declaração131. Por sua vez, tais conceitos – de
ação e pretensão – não se confundiriam com o conceito de demanda. Para ele, a demanda
é, tão-somente, o ato pelo qual se inicia o processo, sendo, desse modo, peremptoriamente,
distinto do exercício (direito) da ação (núcleo essencial que integra o conceito da pretensão)
e que se manifesta em todo o agir processual. Ele aponta que, uma das principais razões da
confusão terminológica que ocorre entre tais conceitos – sobretudo entre pretensão e
demanda – se dá, tendo em vista a identidade cronológica de tais categorias, pois o ato no
qual consiste a pretensão, dever ser identificável ab initio, no mesmo momento, assim, é
claro, da demanda. Mas, como afirma GUASP132, tal identificação cronológica não implica,
por assim dizer, identificação lógico-jurídico-processual entre os dois conceitos.
Em síntese, teríamos, assim, para JAIME GUASP, que o direito de ação
seria o poder de dirigir-se aos órgãos jurisdicionais para formular pretensões; esta seria, por
sua vez, a declaração de vontade que o sujeito realiza a fim de reclamar um bem da vida em 130 MARQUES, José Frederico. Instituições de Direito Processual Civil. Campinas: Millenium, 1999, v. II, p. 84. 131 GUASP, Jaime. Derecho Procesal Civil. 3. ed. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1977, t. I, p. 217. 132 Idem. La Pretensión Procesal. Madrid: Editorial Madrid, 1981, p. 99.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
face de outro sujeito diante de tal órgão jurisdicional, através de uma iniciativa específica –
um ato inicial – que, tecnicamente, chamamos de demanda.
Deste modo, o processualista espanhol, constrói toda a sistemática do seu
pensamento com base no conceito de pretensão processual, assentindo que este é
efetivamente o conceito coordenador de todas as singulares realidades processuais, isto é,
todas as demais instituições e institutos jurídico-processuais gravitam em torno de tal
definição.
Destarte, Litígio ou Lide, tal como CARNELUTTI compreende, para ele só é
importante na medida apenas do qualificativo da pretensão, sendo, assim, de menor
importância o conceito de resistência. Tanto é assim que, GUASP vai, enfim, afirmar que o
objeto do processo nada mais é que a própria pretensão processual. Vejamos o que ele diz,
neste sentido, in verbis133:
Entendiendo por objeto no ya el principio o causa de que el proceso parte, ni el fin, más o menos inmediato, que tiende a obtener, sino la materia sobre que recae el complejo de elementos que lo integran, parece evidente que, puesto que el proceso se define como una institución jurídica destinada a la satisfacción de una pretensión, es esta pretensión misma, que cada uno de los sujetos procesales, desde su peculiar punto de vista, trata de satisfacer, la que determina el verdadero objeto procesal.
n) Pietro Castro.
PIETRO CASTRO, outro importante processualista espanhol, publica, em
1968, sua mais importante obra, qual seja, Derecho Procesal Civil 134 na qual, tendo em vista
a repercussão, na Espanha, das discussões da dogmática jurídico-processual alemã a
respeito do objeto litigioso do processo, assente que, este, em verdade, seria formado pelo
tema que o demandante – o autor – submete ao órgão jurisdicional, mediante o exercício do
133 Ibidem., p. 211. 134 Cf. PRIETO CASTRO, Leonardo. Derecho Procesal Civil. Madrid: Editorial Madrid, 1968.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
direito de ação e, em assim sendo, “posto que o tema, a ação, a demanda, e a questão
unicamente podem referir-se aos tipos de tutela jurídica que ao processo de declaração se
assinalou, segundo as respectivas espécies de ações existentes [...] o objeto será de
condenação, mera declaração e constitutivo”135.
Neste sentido, é importante destacarmos aqui, segundo a lição de
ALFREDO BUZAID, que, in verbis136:
As posições doutrinárias de Guasp e de Pietro Castro são, quanto ao objeto litigioso, diametralmente opostas. Enquanto o primeiro considera a pretensão o objeto litigioso, o segundo o reputa o tema que a ação submete ao juiz para obter tutela jurídica. Enquanto o primeiro quer eliminar o conceito de ação, pondo em seu lugar o de pretensão, o segundo defende a continuidade histórica e o valor científico do conceito de ação.
Deste modo, embora PIETRO CASTRO, quanto aos conceitos de Litígio e
Lide, não venha a enfrentá-los, na sua análise, de frente, corrobora, em certa medida, a tese
carneluttiana, com as reformulações feitas posteriormente pelos autores da dogmática
jurídico-processual italiana.
o) Niceto Alcalá-Zamora y Castillo.
NICETO ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILLO foi um dos mais prestigiados
processualistas do século XX e, também, sem dúvida alguma, junto com SANTIAGO SENTIS
MELENDO, o maior divulgador (tradutor) das teorias da dogmática jurídico-processual
italiana no continente americano, principalmente, da obra de FRANCESCO CARNELUTTI. Isso
se deu, sobretudo, no período em que ele ficou exilado – cerca de trinta anos – no México,
por conta da guerra civil que era travada no seu país de origem, a Espanha. Em todo esse
tempo, marcou, assim como LIEBMAN marcou a nossa, a dogmática jurídico-processual 135 PRIETO CASTRO, apud BUZAID, Alfredo. Estudos e Pareceres de Direito Processual Civil. Adaptação de Ada Pellegrini Grinover e Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 130-131. 136 Ibidem., p. 131.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
mexicana, a partir dos seus ensinamentos e publicações na Universidad Nacional Autónoma
de México, mais particularmente no Instituto de Investigaciones Jurídicas. Neste sentido,
vejamos o que disse o processualista mexicano HÉCTOR FIX-ZAMÚDIO em homenagem
póstuma ao processualista espanhol radicado no México, in verbis137:
Señalar lo que significo para la ciencia jurídica mexicana y especificamente para los estudios procesales, la labor de Niceto Alcalá-Zamora y Castillo resulta a la vez sencillo y complicado. Sencillo porque el derecho procesal mexicano puede dividirse en dos etapas, antes y después de Alcalá-Zamora, pero al mismo tiempo difícil porque la obra del maestro es tan extensa que non podría dividirse ni siquiera sinteticamente en pocas paginas, si tomamos en cuenta que su historia academica constituye um verdadero libro.
E arremata, in verbis138:
Si la obra de Büllow, Teoría de las excepciones dilatorias y de los presupuestos procesales que apareció em Leipzig en el año de 1868, si estima como el verdadero inicio del procesalismo cientifico alemán y la léccion inaugural de Chiovenda en el año de 1903 en la Universidad de Bolonha, La acción en el sistema de los derechos, el del procesalismo italiano, consideramos plenamente calificar la obra: Proceso, Autocomposición y Autodefensa como el comienzo del verdadero procesalismo cientifico mexicano.
Nesse ínterim, além da obra que FIX-ZAMÚDIO faz referência acima, uma
das principais publicações de ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO no México foi a sua Cuestiones
de terminologia procesal139, em 1972. Tal obra é de grande valia para o nosso estudo porque
é nela que ele vai sintetizar o conteúdo – de um ponto de vista teórico-metodológico – das
suas investigações sobre, inclusive, a obra de CARNELUTTI.
Em tal estudo, ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO assente, ab initio, que, na
verdade, nos estudos processuais de até então, com exceção da obra de CARNELUTTI, havia
137 Universidad Nacional Autónoma de México. INSTITUTO DE INVESTIGACIONES JURÍDICAS. Serie E. VARIOS, Núm. 39. Reforma procesal. Estudios en memoria de Niceto Alcalá-Zamora y Castillo. Cuidado de la edición: Pedro Arroyo Soto. Elaboración de formato PDF: Lissette Huerta Morales. Primera edición: 1987. Disponível em: http://www.bibliojuridica.org/libros/libro.htm?l=639. Acesso em: 14 nov. 2003. 138 Ibidem. 139 ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, Niceto. Cuestiones de terminologia procesal. México: UNAM, 1972.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
uma certa imprecisão terminológica na formatação dos institutos jurídico-processuais,
sobretudo, se pensarmos nas traduções que as grandes teorias – de alemães e italianos –
tinham em outros sistemas jurídico-processuais. Ele, assim, tentando se desvencilhar de tal
problemática, elabora este seu dicionário (estudo) terminológico a fim de aclarar algumas
dúvidas que pairavam na dogmática jurídico-processual a respeito de alguns termos
traduzidos do italiano e do alemão para o espanhol e para o castelhano. Na próxima seção
deste trabalho, vamos atentar bastante para tal estudo, por ser este de suma importância
para a determinação das teses aqui propostas. Por enquanto, vamos nos ater, tão-somente,
a alguns pontos relativos aos conceitos de Litígio e Lide apresentados por ALCALÁ-ZAMORA y
CASTILLO nesta sua obra. Vejamos, então.
No que diz respeito, especificamente, aos conceitos de Litígio e Lide,
preceitua o processualista espanhol, radicado no México, e que, saliente-se, foi o tradutor,
para o espanhol, da principal obra de CARNELUTTI, onde ele deu contornos finais à teoria da
Lide, o seu Sistema de Direito Processual Civil, que a palavra Lite, do italiano, deveria, por
razões histórico-etimológicas, ser traduzida pelo termo Litígio, de modo que, assim, para ele,
Lide (um conceito, segundo a sua cátedra, desconhecido para a linguagem espanhola) seria
o mesmo que Litígio, significando, ambos os termos, a idéia carneluttiana de conflito de
interesses intersubjetivos qualificado pela pretensão de um e pela resistência do outro. Desta
maneira, observa-se que para ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, a teoria carneluttiana é, nestes
termos, correta.
A primeira vez que ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO explicita a adoção do
termo Litígio para designar a Lite carneluttiana, foi no prefácio da tradução que fez para o
espanhol do Sistema de CARNELUTTI. Vejamos o que ele diz, in verbis140:
O pensamento processual de Carnelutti se sintetiza ou culmina como tarefa legislativa, no projeto de 1926 (posto que o Código de 1940 é fruto de sua colaboração com Redenti e Calamandrei), e como trabalho doutrinário, no
140 CARNELUTTI, Francesco. Sistema de Direito Processual Civil. São Paulo: Classic Book, 2000, p. 13.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Sistema. As duas obras, e o mesmo que as Lezione (que são seu antecedente), como antes e depois diversas monografias e artigos, repousam sobre umas tantas diretivas e noções tão proeminentes, que tornam inconfundível a produção carneluttiana. Sem maiores intenções que não a de consignar alguns de seus traços mais característicos (e além dos que no prólogo o autor menciona) indicarei que como base e chave do Sistema aparece o termo lite (que traduzi por litígio: infra, notas ao nº 14), como idéia extraprocessual ou meta processual (cf. nº 410 c), a cuja justa composição está adscrito o processo (cf. nº 16, 57, 82, 83, 519 b).
Já, por sua vez, conforme assentimos acima, em suas Cuestiones de
terminologia procesal141, assim arremata, in verbis:
Lite, ‘litis’, litígio. Prescindiendo de lid, que etimológica e historicamente podría traerse a colación, pero que en la actualidad está desusado em su acepción forense, tres palabras se ofrecen para la versión de lite, concepto clave del Sistema carneluttiano: la latina litis y las castellanas lite y litigio. La primera es utilizada en la ley o en la prática, en las expresiones litispendência, litis-contestatio, litis-consorcio y sus derivadas, litis-expensas, quota-litis curador ad litem, in limine litis. [Litis-denuntiatio, a su vez, es concepto empleado por los procesalistas españoles, pero no por la ley ni por los prácticos]. Sin embargo, habiendo prescindido Carnelutti de la voz latina y optado por la romance, he creído que en la traducción debería adaptarme a su critério. En cuanto a lite, que coincide letra a letra con el término italiano, carece, si no mi equivoco, de entrongue legal, y su uso forense en España es muy escaso. Por ello, y además por ser la unica con derivados directos, entiendo que debe escogerse litigio, aun cuando esta denominación no concuerde siempre (como tampoco ningula de las otras dos) con el significado peculiar que la lite da el autor. La ley de enjuiciamento civil, más aún que de litígio, se sirve de sus derivados: litigante y colitigante, litigar y litigioso.
Destarte, para ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, Litígio é, em espanhol, o
designador de Lide (lite), na acepção carneluttiana. Em assim sendo, Litígio e Lide, para ele,
são termos co-referenciais que designam o conflito de interesses a que CARNELUTTI
assentiu como o cerne das questões em seu Sistema.
141 ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, Niceto. Cuestiones de terminologia procesal. México: UNAM, 1972, p. 122-123.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
114
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
p) Eduardo Couture.
EDUARDO COUTURE é um dos maiores processualistas sul-americanos de
todos os tempos e que, de modo contrário ao influxo natural que ocorria (a importação e
adesão das teses européias, principalmente, da Itália e da Alemanha, por parte dos
processualistas latino-americanos), conseguiu estender suas lições142 para o continente
europeu, exercendo, inclusive, influência no processualismo científico tardio143 dos franceses.
COUTURE, um dos discípulos e admiradores das teorias de CALAMANDREI, foi professor da
Universidade de Montevidéu, no Uruguai e publicou várias obras importantes, entre as quais
destacamos o seu manual Fundamentos do Direito Processual Civil144 e as lições proferidas
por ele, em 1949, na Universidade de Paris, consubstanciadas no seu Introdução ao Estudo
do Processo Civil145.
Nas teorizações consecutadas por COUTURE a respeito da dogmática
jurídico-processual, destaca-se, conforme salienta CALAMANDREI146, a abordagem
constitucional que o processualista uruguaio deu aos estudos do direito processual,
assentindo, assim, na formação de um direito processual constitucional, baseado, sobretudo,
no princípio do due process of law tão proclamado, neste tempo, pelos processualistas
americanos e no, a propósito das discussões sobre a natureza jurídica do direito de ação,
chamado, por ele, direito de petição cujo fundamento seria, eminentemente, constitucional.
142 Neste sentido, assim escreveu Calamandrei, quando da sua morte: “Há mais de vinte anos professor de direito processual na Faculdade Jurídica de Montevidéu, decano nestes últimos anos da mesma Faculdade, converteu-se rapidamente, entre os juristas sul-americanos, na figura de mais alto-relevo; e depois rapidamente sua fama tinha transpassado o oceano e se estendeu fora dos países de língua espanhola, à América do Norte, à Alemanha, à França, à Itália.” (CALAMANDREI, Piero. Chiovenda: Lembrança de Juristas. Tradução de Karina Andrea Fumberg de Pauletto. Campinas: LZN Editora, 2003, p. 154). 143 Tardio porque em plena efervescência das novas teorias jurídico-processuais que se alastraram por toda a Europa, a partir da publicação da obra de Oskar Von Büllow (teoria dos pressupostos processuais) em 1868 e, sobretudo, com as revoluções doutrinárias propostas por Giuseppe Chiovenda, na Itália, a partir de 1903, com a adoção de um novo método de estudo – Método histórico-dogmático-sistemático – na França, em pleno século XX, ainda se praticava um processualismo baseado nos postulados da Escola Exegética. 144 COUTURE, Eduardo. Fundamentos del Derecho Procesal Civil. 3. ed. Buenos Aires: Depalma, 1958. 145 Idem. Introdução ao Estudo do Processo Civil. Tradução de Mozart Victor Russomano. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. 146 CALAMANDREI, Piero. Chiovenda: Lembrança de Juristas. Tradução de Karina Andrea Fumberg de Pauletto. Campinas: LZN Editora, 2003, p. 155.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
115
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Além disso, destaca-se na obra de COUTURE sua adoção à tese do processo encarado como
uma instituição. Não – como ele mesmo afirma147 – que ele tenha abandonado a concepção,
sobre a natureza jurídica, do processo como relação jurídica, mas, tendo em vista,
mormente, o grau de imprescindibilidade que tal meio de resolução de conflitos atingiu nas
sociedades modernas.
Quanto aos conceitos de Litígio e Lide, COUTURE, fundamentado nas lições
de ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, traduz o termo designativo da Lite carneluttiana por
Litígio. E, um pouco diferente da noção de CARNELUTTI, eleva, ele, a posição que o réu
ocupa nesta relação jurídico-processual, afirmando que a função primordial do processo é a
resolução de conflitos e, em assim sendo, a oportunidade de participação do demandado no
processo é fundamental, de tal modo que, assim como o autor tem de direito de ação, o réu,
tendo em vista o caráter bilateral do Litígio (Lide), tem o direito de exceção. Ação e Exceção,
assim, estariam formando o objeto do processo. Vejamos as palavras dele, neste sentido, in
verbis148:
A ação, como direito de ataque, tem uma réplica no direito do demandado de se defender. Toda demanda é um modo de agredir. A exceção é a defesa contra o ataque, usada pelo réu. Se a ação é, como dizíamos, o substitutivo civilizado da vingança, a exceção é o substitutivo civilizado da defesa. O autor ataca mediante a sua ação e o demandado se defende mediante sua exceção. Tenho a impressão de que se pudesse mostrar o paralelismo profundo que existe entre a ação e a exceção teria logrado evidenciar ante vós um ritmo singular do direito. O preceito antigo, mil vezes repetido em textos jurídicos e literários, aconselhava audiatur altera pars. Bem observado – como veremos adiante, com mais amplitude – o direito procede aplicando aqui, o princípio dialético da tese, da antítese e da síntese. O litígio aparece, portanto, marcado por uma idéia que chamamos de bilateralidade. As partes se acham no litígio em pé de igualdade e essa igualdade, dentro do processo, outra coisa não é senão u’a manifestação do princípio de igualdade dos indivíduos perante a lei. [...] O direito de defesa em juízo aparece-nos, então, como um direito paralelo à ação judicial, ou, se se quiser, como a ação do réu. O autor pede justiça reclamando algo contra o réu e este pede justiça solicitando a rejeição da demanda.
147 COUTURE, op. cit. p. 74. 148 COUTURE, Eduardo. Introdução ao Estudo do Processo Civil. Tradução de Mozart Victor Russomano. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 23-24.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
116
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
No mais, talvez por adotar e concordar com as severas críticas que
CALAMADREI fez à teoria da Lide de CARNELUTTI, EDUARDO COUTURE não fez maiores
considerações sobre tal proposição carneluttiana, muito embora, como se viu, ele não tenha
aderido à formação de um sistema baseado no conceito de Lide.
q) Héctor Fix-Zamúdio.
HÉCTOR FIX-ZAMÚDIO – o último autor da dogmática jurídico-processual
estrangeira a ser analisado aqui nesta análise teórico-conceptual e histórico-descritiva dos
institutos jurídico-processuais Litígio e Lide –, segundo aponta a atual dogmática jurídico-
processual mexicana, é um dos maiores processualistas mexicano de todos os tempos. Toda
sua obra – especialmente a sua Constitución y proceso civil en Latinoamérica149 - é marcada
por uma preocupação, assim como EDUARDO COUTURE, voltada essencialmente às relações
entre o processo e os direitos constitucionais fundamentais. FERRER MAC-GREGOR150,
processualista mexicano da atualidade, destacando a importância da obra de FIX-ZAMÚDIO
para os estudos processuais a partir do prisma metodológico da teoria constitucional dos
direitos fundamentais, afirma que este sofreu decisiva influencia do processualismo científico
de CALAMANDREI – sobretudo a partir da leitura do seu ensaio La illegittimitá constituzionale
delle leggi nel processo civil, em 1950 – e do processualista uruguaio EDUARDO COUTURE
que foi considerado pelo próprio FIX-ZAMÚDIO como o pai do direito processual
constitucional.
Quanto às questões relativas, especificamente, ao conhecimento
dogmático-técnico-processual, mais precisamente no que diz respeito ao temário ora sub
examen, temos que, FIX-ZAMÚDIO, apesar de, em certa medida, corroborar as teses 149 FIX-ZAMÚDIO, Héctor. Constitución y proceso civil en Latinoamérica. México: UNAM, 1974. 150 FERRER MAC-GREGOR, Eduardo. Aportaciones de Héctor Fix-Zamudio al derecho procesal constitucional. In Revista de Investigaciones Jurídicas. N. 26. México, 2002.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.1 – Dogmática Jurídico-Processual Estrangeira.
117
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
carneluttianas, e afirmar que o objeto do processo151 é o Litígio (tradução de Lide para o
espanhol, na esteira das lições de ALCALÁ-ZOMARA y CASTILLO) que nele fora deduzido,
não tem uma maior preocupação no sentido de distinguir ou caracterizar a Lide (Litígio), nos
moldes da teoria de CARNELUTTI, assim como o fez, por exemplo, NICETO, que tanta
influencia causou na formação da doutrina processual mexicana.
Muito bem. Consecutada a análise teórico-conceptual e analítico-descritiva
dos institutos jurídico-processuais Litígio e Lide a partir da leitura da dogmática jurídico-
processual estrangeira, onde, em síntese, pudemos observar que, em verdade, não há uma
uniformidade teórico-conceptual ou, ao menos, terminológica – sobretudo, se vislumbrarmos
as diferenças teóricas das escolas italiana e alemã – sobre o âmbito conceitual e de
referibilidade de tais termos, passemos, agora, na próxima subseção, a consecutar tal
análise do ponto de vista da dogmática jurídico-processual brasileira. Vejamo-la, então.
151 FIX-ZAMÚDIO, Héctor. Derecho Procesal. México: UNAM, 1991.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.
118
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.
Antes de iniciarmos a análise teórico-conceptual e histórico-descritiva dos
institutos jurídico-processuais Litígio e Lide a partir, agora, da dogmática jurídico-processual
nacional, procederemos, preliminarmente, mesmo que de um modo un passant, a uma
análise dos referidos termos processuais a partir do estudo do sistema jurídico-normativo-
processual brasileiro, tendo em vista a leitura, por nós consecutada, da legislação processual
nacional, desde o Código de Processo Criminal de 1832 que continha uma disposição
provisória sobre o processo civil, passando pela regulamentação processual civil de 1842,
pelo Regulamento nº 737 de 1850, pela Consolidação Ribas sobre o processo civil de 1898,
pelo Decreto nº 848 de 1890, pelo período de pluralismo processual estadual, que fora
estatuído pela Constituição Federal de 1891, pelo Código de Processo Civil de 1939, até o
Código Processual Civil de 1973, sendo que, sobre este último diploma legislativo, faremos
uma melhor análise terminológica na próxima seção, quando discorrermos sobre a
terminologia jurídico-conceptual como condição de procedibilidade método-epistemológica
de se produzir um conhecimento jurídico-científico.
Quanto à análise da dogmática jurídico-processual nacional, isto é, quanto
ao pensamento dos maiores processualistas brasileiros a respeito do conceito de Litígio e
Lide, é de se salientar, preliminarmente, que a maioria dos doutrinadores assente a tese de
ENRICO TULLIO LIEBMAN a respeito do conceito carneluttiano de Lide. Isto é, a Lide sendo,
tão-somente, o mérito do processo o qual está consubstanciado no pedido formulado pelo
autor na sua petição inicial, não sendo assim, necessariamente, todo o conflito intersubjetivo
de interesses qualificado pela pretensão de um e pela resistência do outro, tal como assentiu
CARNELUTTI. Vejamos, então.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.
119
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
2.2.1 – Litígio e Lide na perspectiva da legislação processual
brasileira.
A análise, por certo, não-exauriente, mas, tão-somente, satisfaciente, que
consecutaremos aqui, nesta subseção, tem por objetivo verificar qual a acepção (ou quais as
acepções) terminológica e semântica utilizada pelo legislador na construção, ao longo da
historiografia do nosso direito processual, nos diversos diplomas normativo-processuais que
já foram editados no Brasil, dos conceitos de Litígio e Lide. Certo é, conforme veremos, que,
de acordo com o que constatamos, há uma identidade, se não conceitual, pelo menos
referencial, de tais termos, ao longo das edições processuais que já tivemos. Vejamos.
Segundo JOSÉ DA SILVA PACHECO152 e JÔNATAS LUIZ MOREIRA DE
PAULA153, a historiografia do direito processual brasileiro começa, por força do que dispunha
o decreto de 20 de outubro de 1823, mais precisamente seus livros III e V, com a aplicação
das Ordenações Filipinas no disciplinamento do nosso processo civil e penal,
respectivamente. Depois disso, com a promulgação da Constituição Imperial de 1824,
determinou-se, nesta, que fosse elaborado um Código Criminal e, por conseguinte, um
Código de Processo Criminal, que veio a entrar em vigência em 1832. Em 1850, foi
sancionado o Código Comercial e, também, por conseguinte, no mesmo ano, o famoso
Regulamento 737 que regulava, exatamente, o processo de causas comerciais. Tal
regulamento, mais tarde, por força, agora, do Decreto nº 763 de 1890, foi estendido às
causas civis em geral. Nesse ínterim, tendo em vista a profusão de ordenamentos esparsos
relativos ao direito processual, ficou determinado pela Lei Nº 2.033, de 30 de setembro de
1871 que Antonio Joaquim Ribas, procederia à consolidação dos textos legislativos
152 PACHECO, José da Silva. Evolução do processo civil brasileiro: desde as origens até o advento do novo milênio. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. 153 MOREIRA DE PAULA. Jônatas Luiz. História do Direito Processual Brasileiro: das origens lusas à Escola Crítica do Processo. Barueri: Manole, 2002.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.
120
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
concernentes ao direito processual bem como ao direito subsidiário, romano e
consuetudinário. Tal consolidação tornou-se oficial a partir da Resolução Imperial de 28 de
dezembro de 1876. Com a proclamação da República, surge, tendo em vista o Decreto Nº
848, de 11 de outubro de 1890, a Justiça Federal que deveria adotar como estatuto
processual o Regulamento 737 de 1850. Com a constituição de 1891, institui-se o sistema
pluralista de codificação, no qual haveria um estatuto processual federal – no caso a
Consolidação feita por José Higino Duarte Pereira, que foi aprovada pelo Decreto Nº 3.084,
de 5 de novembro de 1898 – e cada estado federado teria o seu próprio código de processo
civil e criminal. A doutrina assente que, entre esses códigos processuais que foram feitos,
apenas os de São Paulo e da Bahia (códigos de processo civil), tiveram alguma relevância do
ponto de vista doutrinário, pois os demais eram meras cópias do estatuto processual federal.
Com a Constituição de 1934, restabelece-se o sistema unitário de codificação processual,
preceituando tal constituição que a competência para legislar sobre matéria processual era
de autoridade exclusiva da União. A partir daí esse foi o sistema adotado nas constituições
seguintes, até a atual de 1988. Em 1939, tendo em vista o preceito constitucional, constante
da Constituição de 1937, é promulgado, através do Decreto-Lei Nº 1.608, de 18 de setembro
de 1939, o Código de Processo Civil, cujo projeto fora elaborado por Pedro Batista de
Martins. Já em 03 de outubro de 1941, por força do Decreto-Lei Nº 3.689, foi promulgado o
Código de Processo Penal, este baseado no projeto elaborado por Vieira Braga, Nélson
Hungria, Narcélio Queiroz, Roberto Lyra, Florêncio de Abreu e Cândido Mendes de Almeida.
Também em 1º de maio de 1943, com o advento do Decreto-Lei Nº 5.452 é promulgada a
Consolidação das Leis do Trabalho, contendo, em seu texto, disposições sobre o processo
trabalhista. Enfim, depois da verificação, por parte da doutrina, de alguns problemas e
entraves que existiam no Código de Processo Civil de 1939, Alfredo Buzaid foi nomeado –
juntamente com José Frederico Marques, para o processo penal – para a elaboração de um
anteprojeto de um novo Código de Processo Civil. Tal projeto de Buzaid veio a se tornar
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Código de Processo Civil, por força da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – nosso atual
CPC. Quanto ao projeto de José Frederico Marques, este não vingou, de modo que até a
presente data, tramita-se no Congresso Nacional outra proposta para um novo Código de
Processo Penal.
Pois bem. Em todos os estatutos processuais acima elencados,
encontramos – a não ser de modo módico no Código de Processo Civil de 1973 – uma certa
despreocupação do legislador com a terminologia utilizada na construção dos conceitos e
definições legais. De tal modo que, com relação aos temos Litígio e Lide, objeto da nossa
análise, há um uso/menção caracterizado pela indiscernibilidade de sentidos e de referência.
Em vários momentos, inclusive, encontramos os termos lide, litígio, causa, demanda, mérito,
ação, contenda, conflito e controvérsia sendo usados para designar a mesma realidade
jurídico-processual ou, até mesmo, sendo usados em situações variadas para designar
conceitos que, do ponto de vista da teoria processual, são distintos, demonstrando-se,
assim, a falta de rigor teórico-metodológico na consecução de tais diplomas legislativos.
De certo modo, isso é até compreensível, tendo em vista que, como vimos,
somente a partir da década de 30 – e, sobretudo, a partir da década de 40 com a vinda ao
Brasil de LIEBMAN – é que o conceito de Litígio e Lide vai se tornar um topoi na nossa
dogmática jurídico-processual, sendo, assim, como veremos no próximo item, objeto de
investigações mais precisas e apuradas por parte dos nossos processualistas. Tanto é assim
que, no atual Código de Processo Civil – o de 1973 – já encontramos uma terminologia mais
adequada no que diz respeito ao uso dos termos em apreço (muito embora exista, ainda,
indiscernibilidade de sentidos, constante em tal diploma processual, com relação aos
conceitos de Lide e Litígio, conforme veremos mais à frente).
Vejamos, assim, adiante, alguns textos dos vários diplomas legislativos que
citamos anteriormente, onde o legislador brasileiro usa de modo, indiscernível e polissêmico,
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
os termos Lide e Litígio, causa, conflito, demanda, sem qualquer preocupação teórico-
terminológica na consecução e uso dos conceitos e termos:
- Código de Processo Criminal de 1832154 - Lei de 29 de novembro de
1832:
Tiítulo Único – Disposição provisória ácerca da administração da Justiça Civil. Art. 6º Nas causas, em que as partes não podem transigir, como Procuradores Públicos, Tutores, Testamenteiros; nas causas arbitraes, inventarios, e execuções; nas de simples officio do Juiz; e nas de responsabilidade, não haverá conciliação (grifos nossos).
- Consolidação Ribas de 1898 – Decreto N. º 3084 de 5 de novembro de
1898155:
Primeira parte – Consolidação das Leis referentes à Justiça Federal. Art. 8º O Tribunal decidirá as questões de sua competência, ora em primeira e unica instancia, ora em segunda e ultima, conforme a natureza ou o valor da causa, ora como tribunal de revisão. Art. 9º Compete ao Tribunal julgar e processar originária e privativamente: g) as causas e conflitos entre a União e os Estados, ou entre estes; h) os litígios e as reclamações entre nações estrangeiras e a União ou os Estados, inclusive as homologações das cartas de sentença de tribunaes estrangeiros para serem exeqüíveis na República. Art. 57 Compete-lhes processar e julgar: d) os litígios entre um Estado e cidadãos de outro, ou entre cidadãos de Estados diversos, divergindo as Leis destes. Terceira Parte – Processo Civil. Art. 11 Dar-se-há curador à lide, sob pena de nullidade do processo:
154 BRASIL. Código de Processo Criminal. Lei de 29 de novembro de 1832. Aprova o Código de Processo Criminal. Collecção das leis do Império do Brazil de 1832. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1874, p. 239. 155 BRASIL. Decreto N.º 3.084, de 05 de novembro de 1898. Approva a Consolidação das Leis referentes à Justiça Federal. Collecção das leis da República dos Estados Unidos do Brazil de 1898. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1900, p. I-III, p. 781, 795, 951, 989 e 1009.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Art. Os autores nacionaes ou estrangeiros residentes fóra do paiz, ou que delle se ausentarem durante a lide, sendo requeridos, prestarão fiança às causas do processo [...]. Art. 132 Pendente a lide póde o autor nos mesmos casos em que tem logar o embargo preparatório requerel-o, procedendo de conformidade com as disposições deste capítulo. Art. 202 Considera-se a lide contestada depois de offerecidos os artigos de uma e outra parte. Art. 314 O juramento in litem quanto ao valor da causa não terá logar, si esse valor já se achar estimado na sentença (grifos nossos).
Código de Processo Civil – Decreto Lei Nº 1.608, de 18 de setembro de
1939156:
Código de Processo Civil – Decreto Lei Nº 1.608, de 18 de setembro de 1939. Art. 96 Ordenada a citação, ficará suspenso o curso da lide. Art. 97 Vindo a juízo o denunciado, receberá o processo no estado em que êste se achar, e a causa com êle prosseguirá sendo defeso ao autor litigar com o denunciante. Art. 144 Compete originariamente ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar: II – os litígios entre nações estrangeiras e a União ou Estados. Art. 282 Na sentença em que resolver questão prejudicial, o juiz decidirá igualmente do mérito da causa, salvo se esta decisão fôr incompatível com a proferida na questão prejudicial. Art. 287 A sentença que decidir total ou parcialmente a lide terá força de lei nos limites das questões decididas. Art. 289 Nenhum juiz poderá decidir novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide, salvo [...] (grifos nossos).
Código de Processo Civil – Decreto Lei Nº 1.608, de 18 de setembro de
1973157:
156 BRASIL. Código de Processo Civil. Atualização, notas remissivas e índice alfabético e remissivo por Manoel Augusto Vieira Neto. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1965, p. 49, 61, 97, 98.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Código de Processo Civil – Lei Nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Art. 5º Se, no curso do processo, se tornar litigiosa relação jurídica de cuja existência ou inexistência depender o julgamento da lide, qualquer das partes poderá requerer que o juiz a declare por sentença. Art. 46 Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando: I – entre elas houver comunhão de direitos ou obrigações relativamente à lide. Art. 70 A denunciação da Lide é obrigatória [...]. Seção II – Do Julgamento Antecipado da Lide - Art. 330. Art. 462 Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença. (grifos nossos).
Percebe-se, assim, que não houve, na consecução de tais estatutos
processuais, qualquer preocupação – com exceção do Código de Processo Civil de 1973 – em
se estabelecer um sistema teórico-conceitual, pautado em critérios terminológicos precisos,
que privilegiasse a adoção de uma linguagem específica e apurada. Muito pelo contrário. Na
verdade, o que encontramos, como se viu na leitura dos trechos anteriores, é um
aglomerado de preceitos legais estabelecidos a partir de uma terminologia polissêmica, para
não dizer equívoca, onde, muitas vezes, um termo, como Lide, é usado diversas vezes no
mesmo texto ora para designar processo, ora para designar mérito, ora para designar ação,
ora para designar causa, ora para designar conflito.
A propósito disso, vejamos o que nos diz, o autor do projeto do Código de
Processo Civil de 1973, ALFREDO BUZAID, em comentários ao Código de Processo Civil de
1939, in verbis158:
157 BRASIL. Código de Processo Civil. Pinto, Antonio Luiz; Windt, Márcia Cristina Vaz dos Santos e Céspedes, Lívia. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 49, 61, 97, 98. 158 BRASIL. Código de Processo Civil. Pinto, Antonio Luiz; Windt, Márcia Cristina Vaz dos Santos e Céspedes, Lívia. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 4.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Da Terminologia do Projeto. Fiel a essa orientação, esforça-se o projeto por aplicar os princípios da técnica legislativa, um dos quais é o rigor da terminologia na linguagem jurídica. Haja vista, por exemplo, o vocábulo ‘lide’. No Código de Processo Civil vigente [1939] ora significa processo (art. 96), ora o mérito da causa (arts. 287, 684, IV e 687, § 2º)
Muito bem. Consecutado este resgate histórico-legislativo, onde
vislumbramos, também, a indiscernibilidade de identidade entre os termos Lide e Litígio,
passemos, agora, enfim, à análise teórico-conceptual e histórico-descritiva de tais institutos
jurídico-processuais a partir, agora, da leitura dos grandes autores da dogmática jurídico-
processual nacional.
2.2.2 - Litígio e Lide na perspectiva dos grandes autores da
dogmática jurídico-processual nacional.
Neste momento, veremos, ainda dentro desta fase da dogmática jurídico-
processual que NICETO ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO classifica de eminentemente científica
– o chamado processualismo científico – quais as concepções dos principais processualistas
da dogmática jurídico-processual nacional a respeito dos conceitos de Litígio e Lide, sempre
tendo em vista a premissa método-epistemológica de que a maioria dos processualistas
brasileiros, na esteira das lições de LIEBMAN, entende, um pouco diferente da concepção
carneluttiana, que a Lide (ou Litígio, porque, como veremos, para a quase unanimidade dos
doutrinadores são termos sinônimos) constitui tão-somente o mérito do processo, isto é, a
pretensão do autor, consubstanciada no pedido inserto na sua petição inicial, sobre o qual o
juiz proferirá seu julgamento e não necessariamente todo o conflito intersubjetivo de
interesses qualificado pela pretensão de uma e pela resistência do outro.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
a) Francisco de Paula Baptista e os primeiros processualistas.
Segundo atestam os processualistas paulistas CÂNDIDO RANGEL
DINAMARCO159 e ADA PELLEGRINI GRINOVER, a história do direito processual brasileiro se
inicia “em meados do século passado [século XIX], com a figura ímpar de Paula Baptista,
mestre da Faculdade de Olinda e Recife, ainda hoje altamente considerado pela profunda
percepção de problemas fundamentais do processo civil (ação, demanda, execução)”160,
seguido de outros grandes autores processualistas como PIMENTA BUENO, JOÃO
MONTEIRO, JOÃO MENDES JÚNIOR, ESTEVAM DE ALMEIDA, GALDINO SIQUEIRA, todos de
uma fase da nossa historiografia processual onde o prisma teórico-metodológico ainda
estava focado nos estudos processuais a partir das teorias do direito material. Somente, a
posteriori, afirmam GRINOVER161 e DINAMARCO162, sobretudo, com a promulgação do
Código de Processo Civil de 1939 e, a partir dos estudos de ESTEVAM ALMEIDA e GABRIEL
DE REZENDE FILHO, ambos da Faculdade de Direito de São Paulo, de MACHADO
GUIMARÃES, no Rio de Janeiro, de AMÍLCAR DE CASTRO e LOPES DA COSTA, ambos de
Minas Gerais e, principalmente, a partir das contribuições teóricas de LUÍS EULÁLIO DE
BUENO VIDIGAL – discípulo eminente de LIEBMAN – é que haverá uma atualização e
renovação metodológicas fruto das contribuições do processualismo científico europeu que
se inicia, como vimos, a partir da obra de BÜLLOW. Assim, tendo em vista essa divisão
historiográfica da nossa doutrina processualista, estudaremos163 agora, dentre os chamados
159 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 31. 160 GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998, p. 3. 161 Ibidem., p. 4. 162 DINAMARCO, op. cit. p. 33. 163 A preferência de estudar Francisco de Paula Batista, dentre os demais autores desta primeira fase da nossa historiografia processual, deu-se por dois motivos essenciais: por ser este considerado o nosso primeiro grande processualista e porque todos os demais desta fase, como Paula Batista, com poucas variações, realizaram seus estudos a partir do prisma metodológico do direito material.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
“velhos processualistas brasileiros”164, as idéias de FRANCISCO DE PAULA BATISTA a
respeito dos conceitos de Litígio e Lide, lembrando que é somente anos mais tardes que
CARNELUTTI formularia o seu conceito.
Na principal obra de PAULA BATISTA, Compêndio de Teoria e Prática do
Processo Civil165, observa-se, nitidamente, a influência das concepções romanísticas166 –
transportadas que foram para a nossa doutrina a partir da influência portuguesa – na
consecução, por parte deste processualista, dos conceitos jurídico-processuais.
Deste modo, a grande preocupação de PAULA BATISTA, na sua obra, é na
elaboração dos institutos jurídico-processuais do processo de conhecimento a partir do
conceito de ação. Assim é que na introdução e em toda a primeira parte do seu Compêndio
ele vai falar sobre as “ações e exceções em geral” e das “leis que regem o exercício das
ações”, para, em seguida, discorrer sobre o procedimento judicial.
Em assim sendo, PAULA BATISTA não formula, ou ao menos caracteriza, os
conceitos de Litígio e Lide. Poderíamos, com segurança, afirmar que, na verdade, aquilo que
modernamente nós chamamos de Lide ou mesmo de meritum causae, como definições
importantes para a teoria processual – consistindo, assim, em verdadeiras categorias
processuais – o referido processualista vai, de maneira indiscernível, mitigá-los ou mesmo
desprezá-los, em função do conceito de ação, denominando-os de várias modos tal como,
por exemplo, de questão, luta, pretensão e etc. Vejamos, a propósito disto, algumas
passagens do seu texto, onde o autor define todos os demais conceitos processuais a partir
do seu conceito de ação, in verbis:
Ante à impossibilidade em que está o homem de fazer justiça a si mesmo, concebe-se perfeitamente que, se uma parte reclama algum direito, e a outra o nega, ou recusa cumprir a obrigação correlativa, é necessário que,
164 DINAMARCO, op. cit. p. 31. 165 PAULA BATISTA, Francisco de. Compêndio de Teoria e Prática do Processo Civil. Atualização de Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: Russell Editores, 2002. 166 MOREIRA DE PAULA. Jônatas Luiz. História do Direito Processual Brasileiro: das origens lusas à Escola Crítica do Processo. Barueri: Manole, 2002, p. 340-346.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
nesta luta, uma e outra vontade sejam submetidas à ordem e à justiça por um poder superior e desinteressado, perante o qual as duas pretensões opostas sejam presentes,discutidas, verificadas e julgadas. Este direito, ou faculdade de invocar a autoridade pública (juiz) e de agir (agendi) regularmente perante ela para obter justiça, é que chamamos de ação (grifos nossos).167 Processo (procedere, marchar) é o modo de agir em juízo, ou antes, de fazer marchar a ação segundo as formas prescritas pelas leis (grifos nossos).168 Conciliação é o procedimento preliminar, e pacífico, que precede ao exercício das ações civis e comerciais, para o fim de se acomodar as partes dissidentes sobre os seus direitos (grifos nossos).169 Libelo é a dedução escrita e articulada da ação do autor, pedindo a condenação do réu (grifos nossos).170 Contestação é a legítima contradição do réu à ação do autor, que firma a questão de que o juiz tem de conhecer (grifos nossos).171 Sentença é a decisão proferida pelo juiz sobre a questão submetida ao seu conhecimento (grifos nossos).172
Assim sendo, para FRANCISCO PAULA BATISTA, Litígio e Lide são conceitos
desconhecidos, nem ao menos referenciais, ou, se quisermos assim admitir, Litígio e Lide
consubstanciam-se no exercício da ação.
b) Luis Eulálio de Bueno Vidigal, Alfredo Buzaid, José Frederico
Marques e Celso Neves.
LUIS EULÁLIO DE BUENO VIDIGAL, ALFREDO BUZAID, JOSÉ FREDERICO
MARQUES e CELSO NEVES foram discípulos do processualista italiano ENRICO TULLIO
LIEBMAN. Deste modo, é evidente na bibliografia desses autores que as suas concepções a
respeito do conceito de Lide (Litígio) são no sentido de referendarem as lições do professor
167 PAULA BATISTA, op. cit. p. 21-22. 168 Ibidem., p. 87. 169 Ibidem., p. 103. 170 Ibidem., p. 122. 171 Ibidem., p. 130. 172 Ibidem., p. 200.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
da Universidade de Parma, sem maiores diferenciações e sem, inclusive, preceituarem
alguma distinção teórica ou mesmo terminológica entre os termos Litígio e Lide. BUENO
VIDIGAL, ALFREDO BUZAID e CELSO NEVES, depois de corroborarem a tese liebmaniana a
respeito do conceito de Lide, não chegam, sequer, a enfrentar a questão de se há ou não
distinção entre Litígio e Lide; já FREDERICO MARQUES, conforme veremos, enfrenta tal
questão teórico-terminológica e assente que tais termos são caracterizados pela
indiscernibilidade de identidade.
LUÍS EULÁLIO BUENO VIDIGAL – segundo PELLEGRINI173 e
DINAMARCO174, um dos maiores processualistas brasileiros do século XX – em consonância
com a teoria de LIEBMAN, assente, categoricamente, que a Lide nada mais é do que o
mérito da causa, isto é, o conflito efetivo ou virtual de pedidos contraditórios, como na lição
liebmaniana; isto é, a Lide é aquilo que, do conflito social, foi levado ao conhecimento do
juiz pela parte autora através da petição inicial, mais precisamente, do seu pedido.
Neste mesmo sentido, em um denso estudo sobre a Lide na perspectiva do
objeto litigioso do processo, ALFREDO BUZAID, também corroborando a tese liebmaniana,
em contraposição, de certo modo, à tese carneluttiana, assim afirma, in verbis175:
Liebman conclui que a iniciativa do processo cabe ao autor: ele é que propõe o pedido e com isso suscita a lide e fixa o mérito da causa. A atitude do réu é, para esse efeito, sem conseqüência. O máximo que ele pode fazer é contestar o pedido do autor, sem alterar-lhes os limites; [...] o réu, suscitando novas questões de fato ou de direito, amplia o objeto de conhecimento do juiz, não, porém, o objeto de sua decisão. Lide é, portanto, o conflito efetivo ou virtual de pedidos contraditórios, sobre o qual o juiz é convidado a decidir (grifos nossos).
173 GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do direito processual de acordo com a constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, p. 443-449. 174 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 33. 175 BUZAID, Alfredo. Estudos e Pareceres de Direito Processual Civil. Adaptação de Ada Pellegrini Grinover e Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 124-125.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Aliás, enquanto elaborador do Projeto do Código de Processo Civil de 1973,
BUZAID assente, textualmente, na exposição de motivos deste Código176, in verbis, que:
O projeto só usa a palavra “lide” para designar o mérito da causa. Lide é, consoante a lição de CARNELUTTI, o conflito de interesses qualificado pela pretensão de um dos litigantes e pela resistência do outro. O julgamento desse conflito de pretensões, mediante o qual o juiz, acolhendo ou rejeitando o pedido, dá razão a uma das partes e nega-a à outra, constitui uma sentença definitiva de mérito. A lide é, portanto, o objeto principal do processo e nela se exprimem as aspirações em conflito de ambos os litigantes (grifos nossos).
No mais, conforme explicitamos anteriormente, para BUZAID E BUENO
VIDIGAL, Litígio e Lide são conceitos sinônimos.
Por sua vez, JOSÉ FREDERICO MARQUES – sem dúvida alguma um dos
maiores processualistas brasileiros de todos os tempos – em sua obra Manual de Direito
Processual Civil, a respeito dos conceitos de Litígio e Lide, traz-nos importantes formulações,
posto que assente, in claris, que tais conceitos são de mesma referibilidade semântica e
fenomenológica, assim também como o é o conceito de contenda, aferindo, ainda, por
último, nesta mesma obra, uma interessante acepção do termo causa. Vejamos, in verbis177,
o que ele nos diz:
Lide e litígio são vocábulos sinônimos. O Código de Processo Civil emprega indistintamente um e outro: faz uso de litígio, por exemplo, nos arts. 25, 73, 125, 135, IV, bem como de expressões dele derivadas, como ‘direito litigioso’ (art. 42, caput), relação jurídica litigiosa (art. 5º), ‘litigar’ (art. 46) e outras; e adota a palavra lide também em vários dispositivos, como, verbi gratia, os dos arts. 22, 47, 70, 82, III, e 126. Largo emprego ainda faz aquele diploma legal do vocábulo causa, que é gênero de que o litígio constitui espécie: causa é toda e qualquer questão levada ao Judiciário, seja litigiosa ou não. Na chamada jurisdição voluntária, por exemplo, inexiste lide, havendo, no entanto, uma causa. Sinônima de litígio é ainda a palavra contenda, de nenhum emprego, porém, na terminologia legal do processo. Dela deriva contencioso, que, quando adjetivo, significa um conjunto de determinados litígios (contencioso
176 BRASIL. Código de Processo Civil. Organização dos textos, notas remissivas e índices por Manuel Augusto Vieira Neto e Juarez de Oliveira. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. 177 MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 1976, p. 153-154.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
fiscal, contencioso trabalhista etc.), suscetíveis de serem apreciados e julgados por órgão judiciário (grifos nossos).
Deste modo, para FREDERICO MARQUES, Litígio e Lide são conceitos
processuais que designam – e aí ele assente, também, a tese de LIEBMAN – o meritum
causae e que, em assim sendo, dependendo do tipo de direito em análise, pode haver Lide
de direito público ou privado, de interesses disponíveis ou indisponíveis, de natureza penal
ou não-penal e, nesses casos, a finalidade do processo é a composição de tais lides.
CELSO NEVES, em uma das suas principais obras – Estrutura Fundamental
do Processo Civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento178 – por ser,
também, como já frisamos, discípulo de LIEBMAN, adota a mesma posição deste a respeito
do conceito de Lide. Além disso, fulcrado na doutrina processual alemã, e nas descrições
feitas por PONTES DE MIRANDA a respeito da mesma, constrói conceitos importantes do
ponto de vista da teoria processual como o de ação de direito material e sua respectiva
tutela jurídica material, distinguindo-os dos conceitos de ação de direito processual e sua
respectiva tutela jurídica processual. Quanto à definições de Litígio e Lide, apesar de não
enfrentar esta questão de se há ou não uma coincidência de sentidos, da sua leitura,
podemos apreender que para ele Litígio e Lide são termos referenciais e de mesma
significação fenomênica, não sendo, necessariamente, todo ele, tal como o assentiu
CARNELUTTI, o conteúdo do processo, numa palavra, o mérito. Tanto é assim que CELSO
NEVES, em consonância com as críticas consecutadas por CALAMANDREI, em face da teoria
carneluttiana sobre a Lide, assim preceitua, in verbis179:
Embora o conceito carneluttiano de lide tenha sofrido reelaboração doutrinária, imposta pela preocupação de eliminar, dele, o caráter sociológico – não jurídico – apontado por Calamandrei, a especificação a que foi submetido denota, bem, aquela natureza diversa de atividades a que já
178 NEVES, Celso. Estrutura Fundamental do Processo Civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. 179 Ibidem., p. 30.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
nos referimos e que importa sublinhar. Em verdade, uma coisa é a resistência no plano do juízo que põe em pauta a incerteza sobre quem tem razão. Outra coisa é a resistência no plano da vontade, que evidencia a necessidade de satisfazer a quem tem razão. Na primeira hipótese, a incerteza se elimina mediante uma atividade destinada a revelar, em face da pretensão, se esta se ajusta à pré-composição estabelecida pelo direito. Na segunda hipótese, destina-se a atividade, apenas, a satisfazer a pretensão.
Assentindo por último, além disso, que a Lide não predetermina em si o
objeto do processo, posto que, também, entram no âmbito da cognição do juiz, como parte
do objeto, as condições da ação, os pressupostos processuais e o que ele chamou de
supostos processuais.
c) Pontes de Miranda.
FRANCISCO CAVALCANTI PONTES DE MIRANDA, um dos maiores juristas
brasileiros de todos os tempos, desenvolveu sua extensa obra a respeito da dogmática
jurídico-processual a partir de estudos da doutrina alemã, sobretudo, a partir de autores
como WACH, KÖHLER, DEGENKOLB, GIERKE, PLÓSZ, PLANCK e outros.
Deste modo, percebemos um certo viés na sua doutrina que converge
todas as instituições e institutos jurídico-processuais por ele estudado para a doutrina da
Actio (a Klage, dos alemães), já que tal fenômeno processual, antes de se tornar o cerne das
questões processuais entre os processualistas italianos, era o grande objeto de preocupação
e conhecimento da mais antiga dogmática jurídico-processual alemã. Em assim sendo, ao
estudar o conceito de Lide, ele assim disciplina, in verbis180:
‘Ação’ ou demanda ou lide é negócio jurídico com o qual o autor põe o juiz na obrigação de resolver a questão, ainda que seja ‘se cabe a constituição, ou o mandamento’, ou a execução’. À base da sua legitimação para esse negócio jurídico estão a capacidade de ser parte e a pretensão à tutela jurídica (uma e outra pré-processuais). Da demanda é que surge o dever
180 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1996, t. I, p. XIX.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
concreto de resolver;o de dar sentença favorável é dependente de ser fundada (‘’procedente’) a ação.
Mais à frente, nestes seus Comentários ao Código de Processo Civil de
1973, ele, novamente, fundamentado na leitura que a dogmática jurídico-processual alemã
(sobretudo, WACH, WINDSCHEID, HELLWIG e BÜLLOW e os primeiros processualistas
modernos) fez do conceito de Actio no direito romano, confirma que Lide é ação, ou Litígio,
ou querela, ou disputa, conforme trecho já citado por nós neste trabalho181.
d) Barbosa Moreira.
JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, sem maiores diferenciações, reproduz
em suas obras – principalmente no seu texto O novo processo civil brasileiro182 – as lições de
LIEBMAN e que foram incorporadas por BUZAID no Código de Processo Civil de 1973. Assim,
para o processualista carioca, Lide e Litígio além de serem termos co-referencias, com o
mesmo sentido, identificam-se com o meritum causae, isto é, com aquilo que vai ser objeto
da apreciação judicial e que, em assim sendo, será acolhido ou rejeitado, a teor do que
preceituam os arts. 128, 459 e 460 do Código de Processo Civil brasileiro.
Vejamos, a propósito disso, uma passagem do seu livro, in verbis183:
Através da demanda, formula a parte um pedido, cujo teor determina o objeto do litígio e, conseqüentemente, o âmbito dentro do qual toca ao órgão judicial decidir a lide (art. 128). Ao proferir a sentença de mérito, o juiz acolherá ou rejeitará, no todo ou em parte, o pedido do autor (art. 459, 1ª parte).
181 Cf. tal trecho na página 62. 182 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O novo processo civil brasileiro. 22. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002. 183 Ibidem., p. 10.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
e) Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Dinamarco.
A tríade mais importante da atual Escola Processual de São Paulo, formada
pelos processualistas ANTONIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, ADA PELLEGRINI GRINOVER e
CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, todos discípulos de LIEBMAN e de processualistas
brasileiros anteriores como ALFREDO BUZAID, LUIS EULÁLIO BUENO VIDIGAL, assim, é
claro, corroboram184 a tese dos seus mestres. Isto é, definem, também, o conceito de Lide e
Litígio – para eles tais termos, no caso, são sinônimos – como sendo, de uma maneira
genérica, o mérito da causa, nos termos que anteriormente explicamos.
DINAMARCO, em sua obra Fundamentos do Processo Civil Moderno185,
apesar de criticar severamente a adoção, por parte do Código de Processo Civil, de dois
prismas metodológicos antinômicos (quais sejam, a teoria da ação e a teoria Lide) para a
edificação do seu sistema, preleciona que o conflito de pedidos (a Lide ou o Litígio) forma a
matéria lógica do processo e, in casu, o elemento formal do seu objeto, enquanto que o
conflito de interesses, na exata medida em que foi deduzido em juízo (res in iudicium
deductae), representa o seu suporte material. Em assim sendo, conclui, do mesmo modo
que LIEBMAN, que a Lide será o conflito (que nós chamamos de Litígio) depois de deduzido
e qualificado pelas partes nos pedidos formulados ao juiz ou o que, na doutrina, se
convencionou chamar de mérito da causa. Na verdade, DINAMARCO prefere associar ao
conceito de mérito apenas o de pretensão, não importando, assim, muito, para ele, a teoria
da Lide de CARNELUTTI. Vejamos o que nos diz ele, neste sentido, em sua obra A
instrumentalidade do processo186, in verbis:
184 Com exceção de Cândido Rangel Dinamarco, conforme se verá agora. 185 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil moderno. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, t. I. 186 Idem. A instrumentalidade do Processo. 10. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 57-58.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
O método centrado na lide teve mais profunda aceitação no Brasil do que na Itália, onde fora proposto. Foi lá que vieram críticas a ela, certeiras. A mais conhecida foi a de Calamandrei, no sentido de que a lide, tal qual definida e delineada por Calamandrei, ‘pertence ao mundo sociológico, não ao jurídico’, e que, ‘para poder a lide entrar no processo precisa, pois, que ela seja apresentada ao juiz, não no seu aspecto sociológico, mas no jurídico’ (cfr. Calamandrei, ‘Il conccetto di lite nel piensero di Francesco Carnelutti’, II, n. 11, esp. p. 93). Essa crítica procedente foi endossada por Liebman, num dos seus escritos brasileiros: ‘a lide, tal como entende Carnelutti, é conceito sociológico e não jurídico’ e ‘o conflito de interesses não entra para o processo tal como se manifestou na vida real, mas só indiretamente, na feição e configuração que lhe deu o autor em seu pedido’ (cfr. Liebman, ‘O despacho saneador e o julgamento do mérito’, esp. nn. 7-9, pp. 114 ss.).
Arrematando de forma interessante, quanto à coincidência dos termos Lide
e Meritum Causae, como propôs a doutrina brasileira fundamentada em LIEBMAN, in
verbis187, que:
No Brasil, o empenho em ‘salvar’ o conceito de lide e transportá-lo do mundo sociológico para o mundo jurídico levou a tentativas que acabaram por distorcê-lo por completo e apresentá-lo completamente destituído de conteúdo útil. Trata-se de encontrar a substancia do objeto do processo (streitgegenstand), ou seja, de encontra aquilo que constitui o meritum causae. Pois, na passagem do sociológico para o jurídico, os juristas definiram a lide como sendo, então, ‘o conflito de interesses, na medida em que foi deduzido em juízo’ (cfr. Liebman, ‘O despacho saneador’, cit., 9, esp. p. 121); ‘pedido e contestação representam dois pedidos em conflito’ (id. Ib., esp. p. 120). Ora, desconsiderando a lide existente antes do processo (‘a razão de ser, a causa remota’: op. Cit. n. 7, p. 118), esse modo de ver a lide do ponto de vista jurídico deixa-a sem aptidão a explicar alguma coisa. Se lide é o mérito e mérito é a lide, segue-se que um dos dois vocábulos é supérfluo e o acréscimo do primeiro na linguagem do jurista constituiria uma excrescência. A sinonímia não seria nociva, se fosse mera sinonímia e não conduzisse à ilusão de poder fazer coabitar no mesmo diploma processual o método que tem a lide ao centro e o que tem a ação, como se eles não se repudiassem.
Em outra obra sua, os seus Fundamentos do Processo Civil Moderno188,
DINAMARCO corrobora tal pensamento assentindo que cada vez mais estava convencido da
inadequação da colocação do conceito de Lide (Litígio), como prisma metodológico, na teoria
do processo, e no atual Código de Processo Civil brasileiro, pelos motivos retro expostos. 187 Ibidem., p. 56. 188 Idem. Fundamentos do Processo Civil moderno. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, t. I, p. 253-254.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
ADA PELLEGRINI GRINOVER, por sua vez, em sua obra consecutada em
parceria com ARAÚJO CINTRA e o já comentado CÂNDIDO DINAMARCO, assente que o
temário do meritum causae constitui uma das categorias fundamentais da Ciência Jurídico-
Processual e que este, no caso, seria formatado a partir da res in iudicium deductae, isto é,
do conflito consubstanciado na pretensão e na resistência, numa palavra, a partir da Lide (ou
Litígio). Percebe-se, assim, conforme já explicitamos, a influencia de LIEBMAN para a
formação do seu pensamento (que, nestes termos, é o mesmo de ARAÚJO CINTRA).
PELLEGRINI e ARAÚJO CINTRA ainda – exatamente de acordo com os
preceitos liebmanianos e calamandreinianos – assentem que para se transferir a posição de
FRANCESCO CARNELUTTI, a respeito do conceito de Lide, do plano sociológico para o
jurídico, basta identificar o meritum causae com a parcela desta (Lide) que é deduzida pelo
autor, em juízo, preceituando, assim, que o conflito de interesses existente entre as partes
fora do processo é a razão de ser, isto é, na terminologia processual, a causa remota, mas
não o objeto do processo.
Por último, é de se salientar que ADA PELLEGRINI189 adota o conceito de
Lide, inclusive, para o processo penal, muito embora chegue a afirmar que em vez de se
falar em Lide penal é preferível que se fale em controvérsia penal. Mais à frente, quando
discorrermos sobre a Lide como conteúdo do processo penal, discorreremos mais sobre a
noção desta autora a respeito desta temática.
f) Moacyr Amaral Santos.
MOACYR AMARAL SANTOS, na sua principal obra, a respeito do conceito de
Lide, segue a concepção de CARNELUTTI com as formatações que o Código de Processo
Civil lhe deu, isto é, sendo a Lide igual ao meritum causae, muito embora nos pareça que o 189 GRINOVER, Ada Pellegrini. As condições da ação penal. São Paulo: Bushatsky, 1974; Idem. Novas tendências do direito processual de acordo com a constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990 e Idem. O processo em evolução. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
processualista paulista tenha confundido ou não tenha sido muito claro, pelo menos nesse
seu trabalho, ao falar dos conceitos de Lide e meritum causae. Vejamos, in verbis, o que ele
diz em vários trechos da sua obra Primeiras linha de Direito Processual Civil190:
[...] litígio ou lide [...] se caracteriza por ser um conflito de interesses em que à pretensão de um dos sujeitos se opõe a resistência do outro (grifos nossos).191 Compor a lide é função da jurisdição. Processo, enfim, é meio de que se vale o Estado para exercer sua função jurisdicional, isto é, para resolução das lides e, em conseqüência, das pretensões.192 Também mais de uma vez já se falou qual seja o objeto do processo. A finalidade do processo é a composição da lide. Na lide se contém uma pretensão resistida, ou insatisfeita. É a pretensão que dá origem à lide, e, por isso mesmo, ao processo. Este se instaura porque o autor formula um pedido, deduzindo uma pretensão. E o seu pedido é o de que o juiz acolha a sua pretensão, sem embargo da resistência que lhe opuser o réu. Objeto do processo, pois, é a pretensão do autor. Conhecendo da ação, o juiz acolherá ou não a pretensão, de qualquer forma compondo a lide. Assim pode-se dizer, com CARNELUTTI, que o processo é continente de que a lide é conteúdo. Em síntese, o processo é o continente, a lide seu conteúdo, a pretensão seu objeto.193
Assim, é de se salientar que a Lide só é o conteúdo do processo para o
nosso Código de Processo Civil e para a maioria da nossa dogmática jurídico-processual se
esta for reduzida ao conceito de mérito, conforme temos explicitado, na visão dos principais
autores da nossa doutrina, até então.
No mais, como ficou claro, para AMARAL SANTOS, Lide e Litígio são termos
de mesma referibilidade fenomênica e de semântica coincidentes.
190 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de Direito Processual Civil. 22. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 1. 191 Ibidem., p. 9. 192 Ibidem., p. 270. 193 Ibidem., p. 271.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
g) Galeno Lacerda.
O processualista GALEANO LACERDA, professor no Rio Grande do Sul, em
seus Comentários ao Código de Processo Civil194, corrobora as teses carneluttianas,
sobretudo no que diz respeito à tomada do conceito de Lide como identificador e
caracterizador da jurisdição estatal. Nesse sentido, assente ele que, embora a doutrina tenha
feito inúmeras restrições às teses carneluttianas, no sentido de elevar à categoria de
caractere essencial da jurisdição a Lide, esta, indubitavelmente, é a única maneira de
diferenciar os atos jurídicos dito jurisdicionais dos atos jurídicos dito administrativos.
A Lide – que, para ele, seria o mesmo que Litígio, isto é, conflito levado a
juízo – é o fato jurídico que dá causa à relação jurídico-processual. Trata-se de uma
realidade dialética que, ao se consubstanciar no processo, compreende um complexo de
questões – de direito e de fato – controvertidas que devem ser conhecidas e julgadas pelo
juiz. E o juiz, em assim fazendo, estará exercendo a função jurisdicional.
Nestes termos, a verdadeira jurisdição é aquela que visa à composição da
Lide (Litígio), assentindo, assim, com a distinção que CARNELUTTI faz entre função
jurisdicional e função processual. Deste modo, reconhece ele que o juiz ora jurisdiciona, ora
administra, dentro do processo jurisdicional, consoante venha a resolver a lide e as questões
a ela inerentes ou simplesmente, na linguagem calamandreiniana, ordena no processo, no
caso das medidas cautelares, da execução e da jurisdição voluntária.
Por fim, ele afirma categoricamente que o conceito de Lide não só é
importante como prisma metodológico da teoria processual e da sistemática do nosso Código
de Processo Civil, como deveria ser ampliado de modo a não só abordar conflito de
interesses privados, mas também conflitos de interesses públicos, como nos casos do
194 LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1980, t. I, v. VIII.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
processo penal e do processo civil inquisitório. Lide ou Litígio, enfim, para ele, é o elemento
essencial e (con)formatador da jurisdição.
h) Arruda Alvim:
ARRUDA ALVIM, em seu Código de Processo Civil Comentado195,
discorrendo sobre os conceitos de objeto do processo e objeto litigioso do processo,
disciplina que o objeto do processo é um conceito mais amplo que abrange o objeto litigioso
do processo, isto é, o que se convencionou chamar, na esteira das lições de CARNELUTTI e
LIEBMAN, de Lide ou mérito, mais as questões suscitadas pelo réu em sua resposta à
demanda do autor.
Assim, para ele, o objeto litigioso do processo seria o conflito de interesses
qualificado pela pretensão do autor, numa palavra, a Lide (Litígio), ou o meritum causae. Por
sua vez, o objeto do processo seria composto pelas questões levantadas pelo réu acrescidas
do objeto litigioso, isto é, da pretensão do autor e, em assim sendo, tudo isso é que seria
objeto do processo e sobre o qual incidiria a atividade jurisdicional.
Tal concepção de ARRUDA ALVIM é criticada por alguns processualistas,
pois, na verdade, o que ele chama de objeto do processo é aquilo que, na melhor técnica
doutrinária, é chamado de objeto da cognição do juiz, no caso, o objeto formal do processo.
i) Ovídio Batista e Fábio Gomes:
OVÍDIO BATISTA, outro grande processualista do Rio Grande do Sul, na
sua influente obra Sentença e Coisa Julgada (ensaios e pareceres)196, ao expor importantes
195 ARRUDA ALVIM, Eduardo. Curso de direito processual civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 49, 387, 411. 196 BATISTA DA SILVA, Ovídio A. Sentença e Coisa Julgada (ensaios e pareceres). 4. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
considerações sobre o âmbito de significação da Lide e das questões da Lide na doutrina
carneluttiana e seus influxos e reflexos na formação da coisa julgada, tendo em vista o que
preceitua o nosso Código de Processo Civil, assim explica, em algumas passagens, in verbis:
[...] a lide, por definição, vem delimitada, com seus contornos nitidamente estabelecidos, na petição inicial, tal como a formulou o autor, o qual, na sua atividade processual subseqüente, poderá e, na generalidade dos casos, deverá oferecer novos elementos visando a precisá-la, torná-la compreensível aos olhos do juiz, para que este possa cumprir com exatidão seu dever de prestar a tutela jurisdicional, que nunca poderá ser maior, ou menor, ou diversa da que foi pedida pelo demandante. [...] as questões contidas implicitamente nessa lide hão de ser abrangidas, inexoravelmente, pela coisa julgada, se constituírem antecedente lógico necessário para a solução expressa da decisão final(grifos nossos).” 197 “O processo então ‘compreende todas as questões cuja solução constitua um pressuposto necessário para o julgamento da lide’; contudo essas questões integram a demanda, quer sejam debatidas, quer não, contanto que sejam um prius em relação à conclusão, como diz o professor Buzaid, ou seja, um pressuposto para a solução da demanda, como afirma Carnelutti.198
O que o processualista gaúcho quis assentir é que o conceito de Lide (ou
Litígio, posto que para ele são termos indiscerníveis), que tantas vezes é utilizado no corpo
dos dispositivos do Código de Processo Civil brasileiro, deve ser entendido, como na lição
liebmaniana, um pouco diferente da sistemática teórico-conceitual construída por
CARNELUTTI, sobretudo, no caso da análise que ele faz, quanto às questões atinentes à res
judicata e seus reflexos em outros institutos jurídico-processuais como a litispendência, por
exemplo.
FÁBIO GOMES, por sua vez, em sua obra conjunta com OVÍDIO BATISTA,
qual seja, Teoria Geral do Processo Civil199, embora discorde do pensamento de LIEBMAN,
quanto à teoria das condições da ação, corrobora a tese do mestre italiano no que diz
197 Ibidem., p. 122. 198 Ibidem., p. 125. 199 BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. e GOMES, Fábio. Teoria Geral do Processo Civil. 3. ed. rev. atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
respeito ao conceito de Lide (ou Litígio, já que pare ele eram sinônimos), identificando-o,
assim, ao conceito de mérito da causa. Vejamos o que ele diz, in verbis200:
Lide é conceituada por Liebman como conflito efetivo ou virtual de pedidos contraditórios. Não aceita ele, por conseguinte, o conceito carneluttiano, com toda razão, afirmando, apoiado em Calamandrei, que se o conflito de interesses não entrar para o processo tal como verificou-se na vida real, descaberá ao Juiz conhecer do que não constitui objeto do pedido. Já o conceito de mérito identifica-se com o de lide. Incluem-se no mérito todas as questões que, de qualquer forma, refiram-se à controvérsia existente entre as partes e submetida ao conhecimento do Juiz, cuja solução pode levar ao julgamento do pedido, quer para acolhê-lo, quer para rejeitá-lo (grifos nossos).
j) Ernane Fidélis, Humberto Theodoro e Vicente Greco Filho.
Os três processualistas – ERNANE FIDÉLIS, HUMBERTO THEODORO e
VICENTE GRECO – em seus manuais, por certo dogmáticos, sobre o processo civil brasileiro,
ratificam a posição doutrinária de LIEBMAN a respeito do conceito de Lide (que também para
eles significa o mesmo que Litígio), posição esta que, inclusive, como sabemos, é a adotada
no Código de Processo Civil em vigor.
ERNANE FIDÉLIS, em seu Manual de Direito Processual Civil201, quanto ao
conceito de Lide, identificando-o com o de mérito e, inclusive, com o de petitum, assim,
assente, in verbis:
O juiz, após verificar que ocorrem os pressupostos processuais (ausentes os de ordem negativa) e as condições da ação, passa a julgar o mérito. O mérito é a matéria de fundo do Processo de Conhecimento e do Cautelar. No Processo de Conhecimento é o próprio litígio, a lide, que constitui seu objeto. A lide é o conflito de interesses, qualificado por uma pretensão resistida. [...] Se uma formula pretensão e a outra resiste, nasce o litígio, a lide, mas ainda como fenômeno puramente sociológico. A lide, na acepção tomada pelo Direito Processual, não é fenômeno que se passa extraprocesso. Ela se revela exclusivamente no processo. O autor,
200 Ibidem., p. 115. 201 SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil. 9. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 1, p. 545.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
quando propõe a ação, não faz simples denúncia do conflito de interesses e de sua pretensão resistida. Ele vai além: formula pedido de providência jurisdicional concreta que satisfaça seu interesse. No pedido se encontra a limitação da lide. Pedido, lide e mérito são, portanto, figuras processuais que se equivalem (Grifos nossos).
HUMBERTO THEODORO, do mesmo modo, em seu Curso de Direito
Processual Civil202, afirma que o conflito de interesses deduzido em juízo pelo autor através
da petição é que conforma a Lide, isto é, o mérito da causa, sendo, no caso, Lide e Litígio,
também, termos referenciais e de mesma semântica. Vejamos, in verbis, o que ele nos diz:
Extinção do processo com julgamento do mérito. Lide e mérito da causa são sinônimos para o Código. O pedido do autor, manifestado na propositura da ação, revela processualmente qual a lide que se pretende compor através da tutela jurisdicional. ’o julgamento desse conflito de pretensões (lide ou litígio), mediante o qual o juiz, acolhendo ou rejeitando o pedido, dá razão a uma das partes e nega-a a outra, constitui uma sentença definitiva de mérito’. Outras vezes, as próprias partes se antecipam e, no curso do processo, encontram, por si mesmas, uma solução para a lide. Ao juiz,, nesses casos, compete apenas homologar o negócio jurídico praticado pelos litigantes, para integrá-lo ao processo e dar-lhe eficácia equivalente ao julgamento do mérito. É o que ocorre quando o autor renuncia ao direito material sobre o que se funda a ação (art. 269,V), ou quando as partes fazem transação sobre o objeto do processo (art. 269, III). Nesses casos, como em todos os demais em que, por um julgamento do juiz ou por um outro ato ou fato reconhecido nos autos, a lide deixou de existir, haverá sempre, para o código, extinção do processo com julgamento do mérito, ainda que a sentença judicial seja meramente homologatória (grifos nossos).
Por sua vez, VICENTE GRECO FILHO, em seu Direito Processual Civil
Brasileiro203, depois de corroborar a posição da maioria da doutrina processual nacional a
respeito da identificação do conceito de Lide (ou Litígio) com o de mérito, assente, in
verbis204, quanto ao objeto litigioso do processo, que:
202 JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil. 33. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, v. 1., p. 287. 203 FILHO, Vicente Greco. Direito Processual Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003. 204 Ibidem., p. 58.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Várias posições doutrinárias procuraram definir de maneira diferente o objeto da relação processual. Assim, por exemplo, para Carnelutti, o objeto do processo é a composição da lide, o conflito de interesses. Na atualidade, porém, domina o entendimento de que o objeto litigioso do processo é ‘o pedido de decisão judicial contido no pedido inicial’, ou seja, a pretensão processual. O bem jurídico material pretendido pela atuação jurisdicional é o objeto da própria relação de direito material, pretendido como efeito do processo, o qual tem como objeto o próprio pedido de determinada prestação jurisdicional, que pode ser de conhecimento (condenatório, constitutivo ou declaratório), de execução (também chamado satisfativo) ou cautelar.
k) Luiz Guilherme Marinoni.
MARINONI, em sua obra conjunta com SÉRGIO CRUZ ARENHART, qual
seja, Manual do Processo de Conhecimento205, apesar de não tecer maiores comentários
sobre o conceito de Lide e Litígio, assente com a tese adotada no nosso Código de Processo
Civil no sentido de identificação do conceito de Lide (ou Litígio) com o de meritum causae ou
o thema decidendum.
l) Rogério Lauria Tucci.
ROGÉRIO LAURIA TUCCI, em seu Temas e problemas de Direito
Processual206 assente, reproduzindo as lições de ALFREDO BUZAID e do próprio
CARNELUTTI, que a Lide é a representação do conflito perante o juiz. Afirma ele que a Lide
está no processo, pois, sem este, ela é como um quadro sem tela. A Lide, em assim sendo,
seria um pressuposto do próprio processo, havendo entre eles – processo e Lide – uma
relação de continência, onde o continente seria o processo e o conteúdo deste a Lide (ou
Litígio).
205 MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do Processo de Conhecimento: a tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. 2. ed. rev. atual. amp. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. 206 TUCCI, Rogério Lauria. Temas e problemas de Direito Processual. São Paulo: Saraiva, 1983.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Assente ainda ele que a Lide ou Litígio é uma categoria jurídica meta e
extraprocessual que constitui, em si, o objeto material do processo, depois de moldado pela
pretensão do autor que está consubstanciada no pedido inserto na petição inicial.
Em estudo mais recente, Teoria do Direito Processual Penal207, discorrendo
sobre a Lide no processo penal e a irrelevância deste conceito no contexto deste tipo de
processo, afirma, ainda, que, tendo em vista o caractere da impessoalidade dos interesses
contrapostos que determinam, assim, o traço de indispensabilidade do contraditório, como
forma inelutável de se atingir a finalidade do processo penal (a busca da verdade real), a
lide, no processo penal, deve ser concebida como um conflito de interesses de alta
relevância social que só pode ser solucionado pelo pronunciamento judicial emanado de um
órgão judiciário competente e que, em assim sendo, não pode ser solucionado, em hipótese
alguma, por meio exoprocessual, sendo, nestes termos, inevitável, necessário e
imprescindível tal processo judicial penal.
m) José Rogério Cruz e Tucci.
CRUZ E TUCCI, embora não enfrente, de modo direto, o conceito de Litígio
e Lide, sistematicamente, podemos assentir que ele corrobora, em duas das suas principais
obras, quais sejam, A Causa Petendi no Processo Civil208 e Tempo e Processo209, também, a
tese carneluttiana, re-elaborada por LIEBMAN, sem maiores distinções.
Vejamos o que ele diz em Tempo e Processo, in verbis210:
Com a eclosão da lide, que é um fenômeno metaprocessual, em muitas ocasiões, a parte que se sente prejudicada necessita buscar a satisfação de
207 Idem. Teoria do Direito Processual Penal: Jurisdição, Ação e Processo Penal (Estudo sistemático). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. 208 CRUZ e TUCCI, José Rogério. A Causa Petendi no processo civil. 2. ed. rev. atual. amp. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. 209 Idem. Tempo e Processo: uma análise empírica das repercussões do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). 2. ed. rev. atual. amp. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997. 210 Ibidem., p. 24.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
seu direito pela via jurisdicional. Três são os esquemas clássicos de tutela, dependendo da pretensão a ser formulada, que são colocados à disposição do demandante pelo nosso sistema processual. Com efeito, o processo de conhecimento tem por finalidade o proferimento de uma sentença compositiva do conflito de interesses existente entre os litigantes; o processo de execução visa à satisfação do direito que a sentença condenatória (ou título a ela equiparado) declarou pertencer à parte vitoriosa; e o processo cautelar tem por escopo assegurar a efetividade da tutela a ser concedida no futuro.
n) Fernando da Costa Tourinho Filho.
TOURINHO FILHO, que junto com TORNAGHI e ESPÍNOLA FILHO211,
constitui a tríade mais importante da dogmática jurídico-processual penal brasileira, assente,
na sua influente obra Processo Penal, com a doutrina carneluttiana de Lide, com as devidas
restrições elaboradas por LIEBMAN.
Nesta sua principal obra, Processo Penal212, ele, além de assentir com a
posição carnelutti-liebmaniana, considera os conceitos de Lide e Litígio como coincidentes e,
em assim sendo, de mesma significação. Aliás, no que diz respeito ao uso dos mesmos, ele
prefere até a adoção do termo Litígio ao de Lide. Diz ele, in verbis213:
Os conflitos de interesses, dos mais singelos aos mais complexos, verificam-se com freqüência. Por outro lado, quando o ‘sujeito de um dos interesses em conflito encontra resistência do sujeito do outro interesse’. fala-se em lide. Esta é, pois, na difundida lição de Carnelutti, um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida ou insatisfeita [...]. [quando] a pretensão de Tício está encontrando resistência, diz-se que há litígio ou lide (grifos nossos).
Além disso, TOURINHO FILHO, alarga o conceito carneluttiano para o
âmbito do processo penal, assentindo, porém, que o Litígio ou Lide, no processo penal, tem
uma natureza suis generis, tendo em vista a qualidade e especialidade do bem jurídico que é 211 Na obra de ESPÍNOLA FILHO, embora encontremos a noção de pretensão punitiva ele não faz alusão a tal conceito como um dos componentes da Lide ou Litígio penal (Cf. ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal brasileiro anotado. 6. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1965). 212 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 19. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 1997. 213 Ibidem., p. 5.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
deduzido em juízo. Esclarece ele que a Lide penal é formada a partir da pretensão punitiva
do Estado e, mesmo que o autor da conduta punível não queira resisti-la deve fazê-lo, posto
que o Estado, também, imprescindivelmente, tutela e ampara o direito de liberdade do ora
réu. Mais tarde, quando estudarmos, a Lide como conteúdo do processo penal, veremos
melhor tal assertiva.
o) Hélio Tornaghi.
Por fim, HÉLIO TORNAGHI – o último autor da dogmática jurídico-
processual nacional a ser analisado aqui nesta análise teórico-conceptual e histórico-
descritiva dos institutos jurídico-processuais Lide e Litígio –, diferentemente do pensamento
de toda a dogmática jurídico-processual, seja ela estrangeira ou nacional, apresenta-nos
uma importante distinção entre os conceitos de Litígio e Lide.
Tal posição de HÉLIO TORNAGHI, quanto aos conceitos de Litígio e Lide, é,
aliás, de suma importância para o presente trabalho, posto que é na mesma direção da tese
do processualista que elaboramos a construção analítico-distintiva em torno de tais
conceitos. No caso, diferente de toda a doutrina anterior e posterior, HÉLIO TORNAGHI – na
nossa direção –, distingue214 os conceitos dos termos Litígio e Lide, assentindo, em linhas
gerais, que a Lide é aquilo que do Litígio foi deduzido em juízo.
Assim, para ele, o conteúdo da Lide é formado pela dedução em juízo,
através da demanda do autor, do conflito de interesses – o Litígio – que ocorreu na
concretude social. Tanto é assim, diz ele, que muitas vezes o conteúdo daquilo que se
convencionou denominar de Lide é menor que o conflito – o Litígio – que ocorreu na
realidade social.
214 Muito embora se evidencie que tal distinção proposta por ele carece de uma maior fundamentação teórico-conceitual – e até mesmo empírico-pragmática –, problema esse que, despretensiosamente, tentaremos resolver no presente trabalho.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Abaixo, apresentamos, embora longo, o texto da sua obra “A relação
processual penal”215 na qual ele faz a distinção acima apresentada entre os conceitos Lide e
Litígio. Tal texto, inclusive, mais à frente, será de suma importância na compreensão da tese
aqui defendida, in verbis216:
A lide é aquela parte do litígio entre duas ou mais pessoas, regulado pelo Direito Substantivo, e que é levada à decisão do juiz por uma das partes conflitantes. Pode ter por objeto uma relação de Direito Público ou uma de Direito Privado. Em trabalhos anteriores usei sempre a palavra litígio para designar o choque de interesses submetido à decisão do juiz por uma das partes conflitantes. Agora emprego a palavra lide pelos seguintes motivos: - lide é o vocábulo que aparece na literatura e nas leis de processo; - dele e de sua forma latina (lis, litis) provêm os derivados litispendência, litisconsórcio, quota litis, in limine litis, litisdenunciatio, contestação da lide, curador à lide etc.; - o conteúdo daquilo que se convencionou chamar lide pode ser menor que o do litígio. Esse é a controvérsia entre duas ou mais pessoas acerca de matéria disciplinada pelo Direito Substantivo; o termo lide, usado no Direito Processual, indica apenas aquela parte do litígio que é proposta à decisão do juiz. O autor de uma ação pode pleitear apenas uma porção daquilo a que se julga com direito e é objeto de choque com outra pessoa. Ainda que o juiz saiba que o litígio versa sobre outros pontos, não pode conceder o que o autor não pediu. Tem que cingir-se aos limites da lide; - entre os romanos, o termo lis, litis era usado tanto para designar o processo quanto para indicar o objeto dele. Mas os conceitos foram depurados e o que hoje chamamos lide é o litígio, na medida em que é levado a juízo. Na realidade, a controvérsia jurídica, o litígio, é anterior ao processo e pode não ser em tempo algum levado a juízo. Se ali é apresentada, torna-se controvérsia judiciária, lide, cuja extensão pode coincidir com a do litígio ou ser menor que a dele, se somente uma parte do litígio é levada à decisão do juiz. O processo é sempre uma relação de Direito Público; o litígio, que temporalmente o antecede, e a lide, que é objeto da decisão do juiz, pode ser de Direito Privado (grifos nossos).
Muito bem. Consecutada esta análise teórico-conceptual e historiográfico-
descritiva dos institutos jurídico-processuais Litígio e Lide, pudemos, evidenciar, in claris,
que, do ponto de vista da dogmática jurídico-processual, seja ela estrangeira ou nacional –
e, como vimos, até mesmo do ponto de vista do sistema normativo-jurídico-processual
215 TORNAGHI, Hélio. A relação processual penal. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 1987. 216 Op. cit. p. 243-244
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
brasileiro, desde a edição das Ordenações Filipinas até o atual Código de Processo Civil de
1973 – tais termos têm sido, em geral, abordados e concebidos como de mesma significação
fenomênica, conceptual e terminológica, sendo caracterizados, assim, conforme temos
preceituado, pelo caractere lógico da indiscernibilidade de identidade; indiscernibilidade essa
que, além de ser injustificável, tanto do ponto de vista teórico-conceptual, quanto do ponto
de vista empírico-crítico, como estamos a afirmar na presente dissertação, traz sérias
repercussões e implicações na teoria processual e, por conseguinte, na Ciência Jurídico-
Processual.
O que ocorreu exatamente é que, como vimos, depois que CARNELUTTI
formulou o conceito de Lide – não distinguindo este do conceito de Litígio – o que os
processualistas posteriores fizeram foi, em geral, apenas corroborar ou modificar, mesmo
que apenas em parte, a tese carneluttiana, sem se preocuparem com a problemática
distintiva aqui proposta217. Isso ocorreu, por exemplo, com CALAMANDREI e, mais
recentemente, com LIEBMAN, quando tais doutrinadores assentiram em parte o conceito de
Lide, mas identificando este, não com o conflito intersubjetivo qualificado pela pretensão e
pela resistência, como CARNELUTTI o fez, mas sim com o mérito da causa; mérito este que
seria formatado pelo pedido formulado pelo autor na petição inicial. Destarte, tais
processualistas, assim como também os demais, com exceção, entre os processualistas
nacionais, de TORNAGHI, não se preocuparam em tecer qualquer distinção entre o conflito
que ocorreu no plano factual – ao qual denominamos de Litígio – e aquilo que do conflito
social fora deduzido em juízo – ao qual denominamos de Lide, fato esse que levou a doutrina
processual, quase que uníssona, a considerar Lide e Litígio como termos, institutos jurídico-
processuais, referenciais e indiscerníveis.
Na verdade, tal indiscernibilidade e despreocupação teórico-terminológica
decorrem de uma outra problemática, qual seja, porque até hoje não há ainda no campo das 217 Aliás, conforme pudemos perceber, os autores da dogmática processual, muitas vezes, confundiram os conceitos de Lide e Litígio com os de outros institutos jurídico-processuais como causa, res in iudicium deductae, demanda, e etc.
2 – ANÁLISE TEÓRICO-CONCEPTUAL E HISTÓRICO-DESCRITIVA DOS INSTITUTOS JURÍDICO-PROCESSUAIS “LITÍGIO E LIDE”. 2.2 – Dogmática Jurídico-Processual Nacional.
149
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Ciências Jurídicas, como um todo, seja esta considerada do ponto de vista dogmático ou até
mesmo zetético (e, desse modo, na Ciência Jurídico-Processual), uma grande preocupação
com os aspectos teórico-método-terminológicos na apreensão, manejo e formação do
conhecimento jurídico. De tal modo que, conforme expomos no conspectus deste trabalho, o
que observamos é que o Direito – como um conhecimento técnico-científico que é – é
constituído por um aglomerado de teorias, de instituições e institutos jurídicos com
ambivalência de significações, com atributividade e referibilidade antinômicas, sem formar
uma rede conceitual coesa e relacional. E, em assim sendo, o que ocorre é que, em não se
adotando uma terminologia específica, construída em bases científicas, como estamos a
propor no presente trabalho, não há como se falar em Ciência do Direito e, por conseguinte,
em Ciência Jurídico-Processual, conforme veremos na próxima seção. Vejamo-a, então.
150
3 – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA
CIÊNCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.
A primeira exigência do progresso da ciência processual é a pureza dos conceitos e a propriedade dos vocábulos.
CARNELUTTI
Importa muito para o jurista prático conhecer o vocabulário com que tem de jogar, acompanhando ou dirigindo um processo.
COSTA CRUZ
A desgraça da ciência jurídica são as incertezas terminológicas.
TÚLIO ASCARELLI
Uma palavra para cada idéia, uma idéia para cada palavra, eis um programa que não é de natureza a favorecer somente a ciência do Direito, mas também de molde a fazer diminuir o império da chicana e acrescentar a força da Justiça e da paz social.
RENÉ CASSIN
A distinção teórico-conceptual e empírico-crítica que nos propomos a
consecutar neste trabalho de pesquisa científica, conforme temos, constantemente,
assentido, justifica-se, precipuamente, em face da imprecisão teórico-terminológica e,
também, epistemo-metodológica218, da Teoria Geral do Processo – e, por conseguinte, da
Ciência Jurídico-Processual – frente à definição, denominação, uso e menção dos termos,
Litígio e Lide. Assim, pelo que temos visto até aqui, na acepção assente e majoritária da
dogmática jurídico-processual, seja ela estrangeira ou nacional, tais institutos têm sido, em
geral, abordados como elementos conceptuais de mesma referibilidade e significação.
O que ocorre é que tal problemática de indiscernibilidade, sinonímia e
equivocidade dos institutos sub examen leva – juntamente com outras incongruências219,
218 Neste sentido, Cândido Dinamarco preceitua que a doutrina processual nacional, impulsionada pelo sistema jurídico-processual brasileiro, realiza, ainda hoje, suas construções teórico-conceituais utilizando, indistintamente, como pólos metodológicos, a teoria da lide de Carnelutti e a teoria da ação de Liebman; teorias essas que, efetivamente, se não antinômicas, pelos menos são incompatíveis entre si (cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil moderno. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, t. I, p. 253-254.). 219 Cândido Dinamarco, em sua obra Fundamentos do Processo Civil moderno, aponta-nos diversas incoerências e incongruências termino-epistemológicas existentes no sistema normativo jurídico-processual e que foram, por descuido ou até mesmo acomodação da dogmática, incorporadas nas diversas obras dos processualistas nacionais. Neste sentido ele afirma: “O Código de Processo Civil de 1973, apesar das circunstâncias favoráveis em que foi editado, obviamente muita coisa encontrou diante de si para demolir, da velha estrutura representada pelo de 1939. [...] É compreensível, então, que do entulho aproveitado algum resíduo viesse a ficar aparente – resíduos que talvez imperceptivelmente foram aplicados nas colunas da edificação de 1973”. Desse modo, prossegue ele: “A doutrina brasileira do processo civil [...], embora criticando essas classificações tecnicamente
3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.
151
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
também de ordem teórico-método-terminológica, do nosso sistema de conhecimento
jurídico-processual – à formação de uma teoria processual e, conseqüentemente, de um
conhecimento jurídico-processual que não atende, estritamente, aos pressupostos teórico-
metodológicos do conhecimento científico.
Assim sendo, uma produção cognitiva deste tipo não pode ser considerada
e enquadrada na categoria de conhecimento científico, isto é, como uma Ciência Jurídico-
Processual, nem do ponto de vista dogmático e, muito menos, do ponto de vista zetético220.
Por quê? Porque o grau de indispensabilidade e cientificidade de determinada área do
conhecimento é diretamente proporcional à observância, rigorosa e estrita, de certos
pressupostos e requisitos de ordem terminológico-conceitual, pois esses constituem –
juntamente com o instrumental teórico-metodológico que o sujeito cognoscente deve utilizar
para a apreensão e manejo do objeto de estudo e os atributos da neutralidade axiológica, da
asseptabilidade, da assertibilidade e da verdade – as denominadas, por nós, condições de
validade método-epistemo-lógicas de uma ciência.
incorretas, é obrigada a levá-las em conta, porque ‘legis habemus’ e todo trabalho dogmático há de ser construído sobre o que existe no direito positivo” (cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil moderno. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, t. I, p. 141 e 156.). Na verdade, data vênia ao mestre paulista, o papel exercido pelo processualista, mesmo do ponto de vista dogmático e, principalmente, do ponto de vista zetético, no caso, é de desconstrução dessas imprecisões e equivocidades terminológicas e não de perpetuação das mesmas, sob pena de estar produzindo qualquer tipo de conhecimento, mas não um conhecimento técnico-científico. 220 Tércio Sampaio Ferraz Jr., neste sentido, e demonstrando, principalmente, as vacilações teórico-terminológicas da dogmática jurídica – posto que essa, pela sua própria função pedagógica e institucional, como assentimos anteriormente, fulcrado na teorização deste mesmo jurista, não tem uma maior preocupação com a utilização de uma terminologia especifica e apurada – assim afirma: “Ao contrário das teorias zetéticas, as dogmáticas, preocupadas com a decidibilidade de conflitos, não cuidam de ser logicamente rigorosas no uso de seus conceitos e definições, pois para elas o importante não é a relação com os fenômenos da realidade (descrever os fenômenos), mas sim fazer um corte na realidade, isolando os problemas que são relevantes para a tomada de decisão e desviando a atenção dos demais.”. Mais à frente, continua ele: “Assim, os conceitos mais importantes da dogmática, usados de modo não problemático (por exemplo, o conceito de vigência, vigor, eficácia), reúnem, simultaneamente, aspectos de conteúdos descritivos e de fórmulas de ação.” (FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, decisão e dominação. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 87). O fato é que, mesmo para cumprir a sua missão maior, o seu problema central, que é a decidibilidade de conflitos, a chamada Ciência Dogmática do Direito (e daí Ciência Dogmática do Direito Processual), para assim ser considerada e, inclusive, para evitar problemas no próprio processo de decidibilidade, como dúvidas de caráter hermenêutico e silogístico, deve, como um pressuposto de enquadramento epistemo-metodológico, adotar uma terminologia especifica e apurada.
3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Destarte, o propósito desta seção, apenas como um pressuposto método-
epistemológico221 do presente trabalho científico, é, antes de adentrarmos na consecução da
distinção terminológico-conceptual e empírico-crítica proposta, apresentar tais condições de
validade método-epistemo-lógicas que validam e enquadram o conhecimento hora produzido
como científico. Isso porque, nossa argumentação, para a asserção, demonstração,
discussão e proposição das teses aqui apresentadas só terá um alto grau de plausibilidade
acadêmico-científica se demonstrada, não só, de um ponto de vista epistemológico – com
uma argumentação persuasivo-racional –, lógico – com uma argumentação válida – e
metafísico – com uma argumentação (asserção) verdadeira, mas também de uma forma
metodologicamente correta, sistemática e ordenada.
Deste modo, para justificar a razão de ser da distinção e das demais teses
aqui propostas, demonstraremos, aqui nesta seção, que tal indiscernibilidade e imprecisão
terminológicas além de resultarem numa série de aporias conceituais para a teoria do
processo e, em assim sendo, para a Ciência Jurídico-Processual – como no caso de Litígio e
Lide –, levam à formação de um conjunto de conhecimentos que, categoricamente, não
atendem aos pressupostos de validade método-epistemo-lógica de uma ciência.
Destarte, a tese – na verdade, conforme assentimos na introdução deste
trabalho, esta é uma hipotese básica e incidental da pesquisa, constituindo, também e
principalmente, em si, um pressuposto teórico-metodológico – que estamos a defender aqui
é que: os atributos da neutralidade axiológica, da asseptabilidade, da assertibilidade e da
verdade – por certo principiológicos e direcionadores do conhecimento científico e que, em
assim sendo, dão cientificidade a um determinado conhecimento – só são conferidos pela
estrita observância – como um imperativo categórico – de uma terminologia, precisa e
apurada, com acepção conceitual e caracteres científicos, sem ambivalência de significações,
polissemias ou sinonímias, como estamos a tentar desenvolver, neste trabalho dissertativo,
221 Uma, eu diria, espécie de digressão metodológica e justificadora da distinção terminológico-conceptual e empírico-crítica aqui proposta.
3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
na asserção, demonstração, discussão e comprovação das teses aqui propostas. Assim, in
casu, não há que se falar em Ciência Jurídica (e, por conseguinte, em Ciência Jurídico-
Processual) – com todos os atributos acima elencados – sem a observância de um sistema
conceitual e terminológico preciso e apurado, aliado a um instrumental teórico-metodológico
adequado. Tais são, assim, as condições de validade método-epistemo-lógica de um sistema
de conhecimento científico.
3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.
3.1 – Cientificidade do Direito Processual: a imprescindibilidade das condições de validade método-epistemo-lógicas e a problemática da indiscernibilidade entre Litígio e Lide.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
3.1 – Cientificidade do Direito Processual: a imprescindibilidade
das condições de validade método-epistemo-lógicas e a problemática da
indiscernibilidade entre Litígio e Lide.
A problemática da imprecisão terminológica e, por conseguinte, da
inadequação metodológica, na formação e desenvolvimento, tanto do sistema normativo
jurídico-processual, quanto do sistema de conhecimento jurídico-processual, não é nova. E,
por assim ser, se fizermos uma análise detida da terminologia e dos procedimentos
metodológicos adotados nos diversos estatutos processuais – e, por conseguinte, no
conhecimento jurídico-processual produzido a partir destes – que já tivemos, encontraremos,
facilmente, sérios problemas de imprecisão teórico-terminológica e de inadequação
metodológica. Aliás, foi isso que vimos, por exemplo, quando da análise dos conceitos de
Litígio e Lide do ponto de vista da legislação processual brasileira.
DINAMARCO222, neste sentido, aponta-nos que muitos processualistas
anteriores, tais como, CARNELUTTI223 (em seu Direito e Processo e Metodologia do Direito),
ADOLF WACH224 (em seu Handbuch), EDUARDO COUTURE225 (em seu Vocabulario Jurídico),
NICETO ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO226 (em seu Cuestiones de Terminologia Procesal),
LOPES DA COSTA227 (em seu Direito processual civil brasileiro), ELIÉZER ROSA228 (em seu
Dicionário de Processo Civil), entre outros, percebendo as incongruências e incoerências da
dogmática jurídico-processual, decorrentes, em certa medida, das vacilações legislativas do
222 Cf. DINAMARCO. Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 138. 223 Cf. CARNELUTTI, Francesco. Diritto e processo. Nápoles: Morano, 1958; e CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de Frederico A. Paschoal. Campinas: Bookseller, 2002. 224 Cf. WACH, Adolf. Manual de derecho procesal civil. Trad: Tomás A. Branzhaf. Buenos Aires: EJEA, 1977. 225 Cf. COUTURE, Eduardo. Vocabulario Jurídico. Buenos Aires: Depalma, 1976. 226 Cf. ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, Niceto. Cuestiones de Terminologia Procesal. México: UNAM, 1972. 227 Cf. LOPES DA COSTA, Alfredo de Araújo. Direito processual civil brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959. 228 Cf. ROSA, ELIÉZER. Dicionário de Processo Civil. Rio de Janeiro: Editora de Direito, 1957.
3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.
3.1 – Cientificidade do Direito Processual: a imprescindibilidade das condições de validade método-epistemo-lógicas e a problemática da indiscernibilidade entre Litígio e Lide.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
direito positivo processual, se preocuparam em desenvolver estudos monográficos que
pudessem modificar ou, pelo menos, atenuar, esse quadro229 de imprecisão e inadequação
termino-metodológica. Isso porque, muitos desses autores, imbuídos do espírito cientificista
que se apoderou dos estudos processuais a partir da publicação da obra de BÜLLOW, em
1868, na Alemanha, e dos influxos da Escola Histórica230 – que já demonstrara uma certa
preocupação ou, pelo menos, correlação entre o direito (ciência) e a linguagem
(terminologia) – perceberam que não se poderia construir uma ciência processual a partir de
um amontoado de teorias231 onde o traço marcante era a equivocidade, a indiscernibilidade e
a sinonímia dos termos, conceitos, definições e institutos processuais.
Assim, nesta perspectiva de tentativa de superação, por parte da doutrina
processual, de tais imprecisões terminológicas, COUTURE, em seu Vocabulário Jurídico232,
escrevendo a respeito das relações entre ciência jurídica e linguagem, alerta-nos no sentido
de superarmos “nuestra habitual equivocidad”, assentindo mais que, na literatura processual
que se produzira até então, “rara vez utilizamos en nuestro lenguaje jurídico vocablos
unívocos”233. Segundo ele, ao contrário disso, a dogmática jurídico-processual, no processo
de construção dos conceitos, das definições, das instituições e dos institutos jurídico-
processuais, precisa se esforçar no sentido de utilizar uma terminologia precisa e apurada,
posto que, para ele, “ninguna ciencia puede jactarse de ser tal, si no trabaja con vocablos
unívocos, manejados com rigor y precisión de lenguaje”234. E, assim, exatamente nesta
229 Muito embora, é bem verdade, muitas dessas obras – como a de Eliézer Rosa, por exemplo – têm valor apenas pela carga de historicidade e conservação, em termos de onomatologia, da tradição jurídica; isto é, sem constituir em si um trabalho que apresente um rigor teórico-terminológico na consecução dos conceitos e definições jurídicas. 230 Neste sentido, Rafael Bielsa afirma que os juristas (Gustavo Hugo, por exemplo) da Escola Histórica, a partir do processo de “cientificização” que empreenderam, no século XIX, no direito, entenderam que “solamente um lenguaje adecuado, preciso, proprio, en suma, científico, puede expresar bien los conceptos de derecho. Es éste uno de los méritos de la Escuela Histórica.” (BIELSA, Rafael. Los conceptos jurídicos y su terminología. 3. ed. aum. Buenos Aires: Depalma, 1993, p. 15). 231 Lembremos, aqui, da confusão terminológica que os alemães e italianos faziam, na segunda metade do século XIX até o início do século XX, no uso – dogmático, zetético e legislativo – dos termos demanda, causa, lide, litígio, mérito, res in iudicium deductae, ação. 232 COUTURE, Eduardo. Vocabulario Jurídico. Buenos Aires: Depalma, 1976, p. 45. 233 Ibidem., p. 45. 234 Ibidem., p. 4.
3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.
3.1 – Cientificidade do Direito Processual: a imprescindibilidade das condições de validade método-epistemo-lógicas e a problemática da indiscernibilidade entre Litígio e Lide.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
perspectiva metodológica, ele constrói seu trabalho terminológico, buscando encontrar na
tradição jurídica e, principalmente, nas teorias terminológico-conceituais, elementos para a
formação de um vocabulário jurídico-processual que seja marcado, essencialmente, pelo
traço da univocidade semântico-conceitual.
Desse mesmo modo, CARNELUTTI, segundo ALCALÁ-ZAMORA y
CASTILLO235, um dos primeiros processualistas – e também, nesse sentido, mais importante
– a se preocupar com o problema da cientificidade do direito e da imprecisão terminológica,
assente que um dos maiores problemas enfrentados na construção dos conceitos jurídicos é
o da assimetria e heterogeneidade conceituais; problema, esse, conseqüência, no nosso
caso, da historicidade e tradição romano-germânica acrescida da falta de rigor terminológico
da linguagem forense236. Isso porque, para ele, para se evitar os perigos da equivocidade,
da dissociação conceito/imagem, da sinonímia, da tautologia conceitual, enfim, da
imprecisão terminológica – que leva à inadequação metodológica – a regra a ser utilizada
pelo cientista do direito na formação dos conceitos e definições é a da simetria conceitual.
No caso, CARNELUTTI entende como simetria conceitual o processo de formação de
conceitos no qual os caracteres e qualidades essenciais do definiendum são colocados em
uma ordem segundo a classe – gênero/espécie –, série e grupo de um modelo ou termo de
comparação preordenado teoricamente (o definiens). Tal processo levaria, assim, à formação
de uma terminologia caracterizada, sobretudo, pelo traço da homogeneidade e univocidade
dos termos.
235 ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, Niceto. Cuestiones de Terminologia Procesal. México: UNAM, 1972, p. 9. 236 Neste sentido, Lopes da Costa, sem seu Direito processual civil brasileiro, assim preceitua: “Não se pode negar que uma parte, não pequena, da grandeza dos juristas romanos foi a sua feliz intuição das palavras jurídicas, como também que uma parte não pequena do hodierno envelhecimento da linguagem forense é o pouco caso pela frase, a falta de correção e de precisão nas expressões do direito. Os verba iuris têm a sua história e a sua tradição. Conhecê-los bem e dêles bem usar é condição necessária para um bom raciocínio jurídico. De outro modo, continuaremos a ver freqüentemente o que Bacon chamava os idola fori, vale dizer, sofismas de linguagem, nos quais tropeça a prática forense, ou porque use de palavras ambíguas e mal definidas, ou porque atribua a uma idéia palavra diversa, sem perceber que, muitas vezes, cai numa tautologia de conceito, por não distinguir do significado comum o sentido técnico ou, ainda, por, de qualquer outra forma, não aprender a relação entre a palavra e a idéia.” (LOPES DA COSTA, Alfredo de Araújo. Direito processual civil brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959, p. 168/169).
3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.
3.1 – Cientificidade do Direito Processual: a imprescindibilidade das condições de validade método-epistemo-lógicas e a problemática da indiscernibilidade entre Litígio e Lide.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Tal viés terminológico e de cientificidade do direito processual foi tão
importante e fundamental, do ponto de vista metodológico, na obra de CARNELUTTI que,
como vimos na seção anterior, ele elaborou todo um Sistema teórico-conceptual baseado na
definição precisa, específica e unívoca do que ele denominou de Lide. Mas, como dissemos
anteriormente, naquele momento, o viés da precisão terminológica não era, ainda,
prioridade na formação dos sistemas normativos – e da própria dogmática jurídica. Tanto é
assim que o projeto de reforma do Código de Processo Civil italiano, datado de 1926, que
fora elaborado por CARNELUTTI e que tinha como traço marcante a precisão teórico-
terminológica, não fora adotado, in totum, pela dogmática jurídico-processual italiana.
NICETO ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, neste mesmo sentido de
imprescindibilidade de uma terminologia precisa, especifica e apurada, aliada a um
instrumental teórico-metodológico adequado, para se atingir, no processo de investigação e
de cognição do fenômeno jurídico e, principalmente, de formação das leis, a cientificidade do
direito, propõe requisitos mínimos para a construção de uma adequada linguagem jurídica.
Afirma ele, in verbis237:
Hay que acabar, portanto, com el caos, la fantasia y la arbitrariedad en la formulación terminológica de las normas de derecho, no por un prurito de perfeccionismo intrascedente, sino por motivo de utilidad indudable. 3) Veamos ahora cuáles serían esas exigencias mínimas del lenguaje jurídico. Ante todo, la expresividad, con objeto de que se manifieste desde el primer momento la perfecta correspondencia entre denominador y denominado. En segundo lugar, la accesibilidad del vocabulario: las idéias más profundas pueden y deben exteriorizarse con absoluta diafanidad, y con mayor motivo en los domínios del derecho, en los que faltan, o en los que sólo funcionan con alcance especial y restringido, métodos de concretización conceptual que en otras ramas del saber son de empleo decisivo y constante. Há de procurarse también, hasta donde sea posible, el empleo de palabras unívocas y no equívocas, así como habrá de evitarse com cuidado sumo el divorcio entre nombre y contenido, en la doblé direción de unidad del primero e diversidad del segundo, o vice-versa. Todavia, cuando lá penuria del léxico disponible obligue a la invención o la recepción de neologismos, ellos tendrán que a una elaboración efectuada con exquisito esmero, es decir, conforme a la más escrupulosa observancia de la trayetorias y singularidades del
237 ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, Niceto. Cuestiones de Terminologia Procesal. México: UNAM, 1972, p. 11-13.
3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.
3.1 – Cientificidade do Direito Processual: a imprescindibilidade das condições de validade método-epistemo-lógicas e a problemática da indiscernibilidade entre Litígio e Lide.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
proprio idioma, para no saturar éste de suprimibles y, más que bárbaros, salvajes barbarismos. [...] Por ultimo, en materia de traducciones, hay que salvar el escollo de brindar, arrastrados por la literalidad, una falsa sensación de identidad o de analogia entre instituciones que, pese a su semejanza nominativa, posean distinto alcance en él país de exportación y en el de importación (grifos nossos).
Tais requisitos mínimos estabelecidos pelo processualista espanhol foram,
inclusive, utilizados por ele para a tradução para o espanhol e castelhano da principal obra
de CARNELUTTI, qual seja, o Sistema de Direito Processual Civil, na qual, conforme já
informamos, o processualista italiano estabeleceu a sua teoria da Lide. A grande
preocupação e motivação de ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO era, justamente, a precisão
terminológica dos termos empregados no processo de tradução, para se evitar, assim,
possíveis equivocidades, ambigüidades e tautologias conceituais.
Um outro importante jurista, o argentino RAFAEL BIELSA, depois de
denunciar e demonstrar, em sua obra “Los conceptos jurídicos y su terminologia”, as
imprecisões e deformações terminológicas da linguagem jurídica utilizada na prática forense,
na lei e na doutrina238, preceitua – no sentido de corroborar, também, a imprescindibilidade
do atendimento das condições de validade método-epistemo-lógicas, no processo de
produção do conhecimento jurídico-científico, – que “las deficiones [precisas, específicas e
apuradas] son necesarias para compreender y diferenciar los conceptos, sobre todo esto
último. Es también uma exigência del método en el estudio del derecho”239. E acrescenta: “la
formación de los conceptos jurídicos es tarea esencial de la metodología del derecho”240.
DINAMARCO, por sua vez, também nesta mesma perspectiva de correlação
entre cientificidade, precisão terminológica e adequação metodológica, assente, de forma 238 Inclusive, quanto a essa – a dogmática jurídica –, afirma ele, falando a respeito de ideas generales sobre las tesis doctorales, que “outra de las fallas visibles en muchos de los egresados de las escuelas de derecho es la poca atención que ponen en los conceptos jurídicos y su terminología. E advertindo, quanto a isso, acrescenta ele: “Sin una terminología adecuada es impossible escribir, legislar, sentenciar bien em derecho. El autor de toda tesis, repetimos, debe estudiar bien los conceptos, su substancia, su ubicación institucional, su terminología”, sob pena de estar produzindo qualquer coisa – eu diria – menos ciência ((BIELSA, Rafael. Los conceptos jurídicos y su terminología. 3. ed. aum. Buenos Aires: Depalma, 1993, p. 242-243). 239 Ibidem., p. 25. 240 Ibidem., p. 25.
3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.
3.1 – Cientificidade do Direito Processual: a imprescindibilidade das condições de validade método-epistemo-lógicas e a problemática da indiscernibilidade entre Litígio e Lide.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
sintética e muito elucidativa, resumindo, assim, a idéia que estamos aqui a desenvolver, que,
in verbis241:
Mede-se o grau de desenvolvimento de uma ciencia pelo refinamento maior ou menor de seu vocabulário específico. Onde os conceitos estão mal definidos, os fenômenos ainda confusos e insatisfatoriamente isolados sem inclusão em uma estrutura adequada, onde o método não chegou ainda a tornar-se claro ao estudioso de determinada ciência, é natural que ali também seja pobre a linguagem e as palavras se usem sem grande precisão técnica.
Nessa mesma obra, DINAMARCO, depois de assentir que, a partir da
promulgação do Código de Processo Civil de 1973, o apuro terminológico passou a ser uma
das preocupações centrais da doutrina e do legislador brasileiro, afirma que, mesmo assim,
podemos encontrar, ainda, no sistema jurídico-processual brasileiro, como um todo, fruto do
uso inadequado dos termos da tradição romanística, diversas incoerências e incongruências
teórico-terminológicas. A mais séria delas, aponta ele (nós, inclusive, já fizemos alusão a
esta anteriormente), encontra-se no próprio Código de Processo Civil de 1973, quando
encontramos, no mesmo estatuto processual, dispositivos legais que se coadunam com a
teoria da Lide de CARNELUTTI e dispositivos legais que se coadunam, por sua vez, com a
teoria da ação de LIEBMAN. Afirma, assim, DINAMARCO: “esses conceitos são inconciliáveis,
eles revelam métodos diferentes, sendo desaconselhável que o mesmo Código oscile entre
um e outro”242.
A partir dessas constatações, o processualista paulista, também no sentido
de contribuir para o aprimoramento da terminologia jurídico-processual – e sabendo ele que
só assim construiremos um conhecimento jurídico-processual marcado pelo caractere da
cientificidade –, elabora um vocabulário de direito processual, apontando e reparando, desse
241 DINAMARCO. Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 136-137. 242 Ibidem., p. 143.
3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.
3.1 – Cientificidade do Direito Processual: a imprescindibilidade das condições de validade método-epistemo-lógicas e a problemática da indiscernibilidade entre Litígio e Lide.
160
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
modo, erros terminológicos do sistema normativo jurídico-processual e, também, da
dogmática jurídico-processual.
Assim, pelo que temos visto até então, no que diz respeito à
imprescindibilidade da precisão terminológica como requisito de cientificidade, evidencia-se
que, no estágio243 em que se encontra o pensamento jurídico-processual, é mais do que
premente e peremptória, a necessidade, para a consecução de um conhecimento jurídico-
processual que seja pautado no modelo teórico-científico – seja ele dogmático ou zetético –,
a observância, por parte do cientista do direito processual, das condições de validade
método-epistemo-lógicas.
E, assim, pautado em tais postulados de ordem metodológica, é que
estamos a tentar desenvolver a presente dissertação, principalmente no que diz respeito à
distinção terminológico-conceptual e empírico-crítica aqui estabelecida entre os termos Litígio
e Lide. Até porque, conforme já afirmamos, em se considerando tais termos como elementos
conceituais de mesma significação e referibilidade, como acontece ainda hoje na dogmática
jurídico-processual, encontramos, por conta disso, várias aporias e lacunas na teoria
processual. Implicações aporemáticas e lacunosas tanto de ordem teórico-conceptual,
quanto de ordem empírico-pragmática. A maior delas, sem dúvida, nós já apontamos
introdutoriamente, é a que diz respeito à teleologicidade processual e à problemática da
decidibilidade de conflitos, posto que ao contrário do que diz a doutrina processual, baseada
na teorização carneluttiana de Lide (=Litígio), a qual afirma que o objetivo da jurisdição – e,
por assim ser, do juiz – é a decidibilidade do conflito (do Litígio) que deu origem ao
processo, pelo que observamos, na realização da nossa pesquisa empírica, o objetivo real e
imediato da jurisdição é a decidibilidade da Lide, isto é, do processo e, tão somente, a
243 Sobre isso, entende Dinamarco que: “o refinamento de uma linguagem, mediante o uso de palavras distintas destinadas à designação sempre mais precisa de fenômenos afins, é sinal de uma maturidade cultural que em direito processual já temos em grau mais que suficiente” (Ibidem., p. 171).
3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.
3.1 – Cientificidade do Direito Processual: a imprescindibilidade das condições de validade método-epistemo-lógicas e a problemática da indiscernibilidade entre Litígio e Lide.
161
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
posteriori, sem isso constituir uma finalidade essencial do órgão julgador, a decidibilidade do
conflito – Litígio – que deu origem a tal processo.
Desse modo, a distinção que estamos a estabelecer entre os conceitos de
Litígio e Lide, nesta direção de observancia de tais condições de validade método-epistemo-
lógicas, serve-nos, por um lado, como um exemplo de aplicabilidade de tais pressupostos de
ordem metodológica, assim como também, por outro lado, como principio de formação de
uma terminologia jurídico-conceptual aplicada ao direito processual e que, em assim sendo,
leva à formação de um conhecimento jurídico-processual marcado pelos atributos da
cientificidade, isto é, leva à formação de uma Ciência Jurídico-Processual.
Pois bem. Apresentados os problemas apontados pela dogmática jurídico-
processual sobre o não atendimento do que nós denominamos de condições de validade
método-epistemo-lógicas e, desta maneira, por via oblíquoa, um dos porquês da distinção
entre Litígio e Lide que está sendo estabelecida, neste trabalho de pesquisa científica, por
nós, falemos, agora, um pouco sobre tais condições.
As condições de validade método-epistemo-lógicas:
Numa definição clássica do que vem a ser “ciência”, ou mesmo
“conhecimento científico”, apontam-nos os metodólogos que a Ciência seria uma forma de
conhecimento que tem como principal objetivo a formulação – através de uma linguagem
rigorosa e apropriada – de leis que regem os fenômenos e, em assim sendo, seria uma “uma
forma de conhecimento objetivo, racional, sistemático, geral, verificável e falível”244.
Do mesmo modo, historiográfica e classicamente, entende-se, também, na
metodologia cientifica, que “para que um conhecimento possa ser considerado científico,
torna-se necessário identificar as operações mentais e técnicas que possibilitam a sua
244 GIL, Antonio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo: Atlas, 1995, p. 21.
3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.
3.1 – Cientificidade do Direito Processual: a imprescindibilidade das condições de validade método-epistemo-lógicas e a problemática da indiscernibilidade entre Litígio e Lide.
162
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
verificação (...), em outras palavras, determinar o método que possibilitou chegar a esse
conhecimento”245. O método, então, nesta perspectiva de enquadramento, seria o
instrumental de caráter procedimental utilizado pelo sujeito cognoscente – o pesquisador –
para a consecução do estudo, científico, do objeto sub examen. Na definição de GIL246, o
método seria, em síntese, “o conjunto de procedimentos intelectuais e técnicos adotados
para se atingir o conhecimento”.
Assim, pelo que pudemos observar dessas definições clássicas, é
imperativo, para se fazer ciência (e aqui se enquadra a Ciência, dogmática ou zetética,
Jurídico-Processual), a utilização – a priori e a posteriori – por parte do sujeito cognoscente
(o processualista, por exemplo), de um método procedimental, também científico. No caso, é
uma condição de procedibilidade, essencial e de referibilidade intrínseca ao fenômeno de
cognição científica, isto é, uma condição de validade método-epistemo-lógica. E, em assim
sendo, a diferenciação, o elemento residual caracterizador e singular, que distingue o
conhecimento científico das demais formas de conhecimento – tais como, o conhecimento
vulgar, religioso e etc. – é a verificabilidade metodológica, isto é, “a posição epistemológica
segundo a qual o significado de uma proposição depende da possibilidade da sua verificação,
ou ainda do método escolhido para a sua verificação”247. Daí, também, a importância da
escolha da metodologia correta e adequada, na hora da consecução da produção cientifica,
para não ocorrer, como por exemplo, em algumas obras de autores da dogmática processual
nacional que, influenciados pela sistemática do atual Código de Processo Civil, de 1973,
fundamentam muitas de suas proposições, em dois pólos metodológicos distintos e
inconciliáveis: o fundado na teoria da Lide, de CARNELUTTI, e o fundado na teoria da ação,
de LIEBMAN.
245 Ibidem., p. 27. 246 Ibidem., p. 27. 247 Para um melhor entendimento ver: ENCICLOPÉDIA DE TERMOS LÓGICO-FILOSÓFICOS. Portugal. Sociedade Portuguesa de Filosofia. Disponível em: http://bd1.bn.pt/enci/. Acesso em: 18 set. 2000.
3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.
3.1 – Cientificidade do Direito Processual: a imprescindibilidade das condições de validade método-epistemo-lógicas e a problemática da indiscernibilidade entre Litígio e Lide.
163
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Por outro lado, também como uma condição de validade método-epistemo-
lógica – esta assentida e corroborada pela maioria dos processualistas –, a cientificidade de
um determinado conhecimento só é conferida com a observância peremptória – além da
utilização do instrumental teórico-metodológico – de uma terminologia específica, própria e
apurada, com acepção conceitual e caracteres científicos, sem ambivalência de significações,
polissemias, sinonímias ou tautologias conceituais. Em assim sendo, no que concerne à
Ciência do Direito – e, no nosso caso, mais precisamente no que concerne à Ciência Jurídico-
Processual – há a necessidade premente de estruturação e adoção de uma terminologia
jurídico-conceptual apurada, com delimitação precisa, sem ambivalência de significações nos
campos semânticos, sintáticos e pragmáticos dos conceitos jurídicos. Porque, conforme
temos exaustivamente assentido, a cientificidade das Ciências Jurídicas passa, a priori, como
condição de procedibilidade, pela formulação de conceitos jurídicos precisos. É, aliás, esse o
nosso grande leitmotiv, metodológico, na consecução da distinção teórico-conceptual e
empírico-crítica entre Lide e Litígio, aqui proposta.
Pois bem. Visto isso, as duas grandes questões que se nos apresentam,
então, seriam: como construir uma terminologia jurídico-conceptual específica, com
delimitação conceitual precisa, sem ambivalência de significações nos campos semânticos,
sintáticos e pragmáticos e como utilizar o instrumental teórico-metodológico correto e
adequado para a produção de um conhecimento jurídico-processual que atenda às condições
de validade método-epistemológicas da ciência?
Esse, por certo, não é o momento mais adequado para respondê-lo, posto
que, se fôssemos aqui pormenorizar, deixaríamos de estar fazendo, aqui nesta seção,
apenas uma digressão metodológica e estaríamos apresentando uma outra tese. Mas, de um
modo geral, a resposta para a primeira indagação seria: para a construção de uma
terminologia jurídico-processual precisa e apurada – e esse foi o recurso termino-
metodológico que utilizamos para a consecução da construção analítico-distintiva por nós
3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.
3.1 – Cientificidade do Direito Processual: a imprescindibilidade das condições de validade método-epistemo-lógicas e a problemática da indiscernibilidade entre Litígio e Lide.
164
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
proposta – deve-se utilizar os princípios e preceitos da Teoria Geral da Terminologia248 e da
Teoria do Conceito249, além dos princípios e preceitos da Lógica250. Já para a segunda
indagação, de um modo geral, a resposta seria: o instrumental teórico-metodológico que o
cientista do direito processual deve utilizar para a consecução de uma produção cientifica,
seja ela dogmática ou zetética, é o mesmo utilizado nas demais ciências sociais e aplicadas;
por exemplo, o método hipotético-dedutivo, o método dialético, o método fenomenológico
(métodos gerais) e, mais especificamente, o método experimental, observacional,
comparativo, estatístico, e etc., assim como também, os relativos, mais ainda precisamente,
à Ciência do Direito, como o método sociológico (pesquisa sócio-jurídica251), por exemplo.
Destarte, esse foi, também, o postulado, a orientação metodológica – conforme
apresentamos na introdução – que utilizamos para a consecução das nossas investigações.
Por fim, conforme temos defendido até aqui, cabe-nos, agora, neste
momento, apresentar, ainda como requisito de cientificidade da produção jurídico-
processual, as demais condições de validade método-epistemológicas do conhecimento
científico.
Tais condições dizem respeito, agora, aos atributos da neutralidade
axiológica, da asseptabilidade método-epistemológica, da assertibilidade do discurso e da
verdade. Em linhas gerais, esses atributos, por certo, são princípios direcionadores do
conhecimento científico e, assim também, condições de validade método-epistemo-lógicas
desse e, in casu, só são conferidos pela estrita observância de uma terminologia específica,
248 Para isso, conferir “Teoria Geral da Terminologia: a construção de Eugen Wüester” aplicada à Ciência Jurídica em: SANTOS, Uziel Santana. Terminologia Jurídico-Conceptual: uma condição de neutralidade, asseptabilidade, assertibilidade e verdade científica da Jurisprudenz. 2001. 31f. Monografia – Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, p. 07-19. 249 Do mesmo modo, conferir: “Teoria do Conceito: a construção de Ingetraut Dahlberg” aplicada à Ciência Jurídica em: Idem. Terminologia Jurídico-Conceptual: uma condição de neutralidade, asseptabilidade, assertibilidade e verdade científica da Jurisprudenz. 2001. 31f. Monografia – Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, p. 19-22. 250 Entre outros, conferir: ENCICLOPÉDIA DE TERMOS LÓGICO-FILOSÓFICOS. Portugal. Sociedade Portuguesa de Filosofia. Disponível em: http://bd1.bn.pt/enci/. Acesso em: 18 set. 2000. 251 Para um maior aprofundamento do método da pesquisa sócio-jurídica, conferir: SANTOS, Uziel Santana. Pesquisa Sócio-Jurídica: A imperatividade do instrumental teórico-metodológico como condição de neutralidade, asseptabilidade, assertibilidade e verdade científica. 2001. 23f. Monografia – Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, repro.
3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.
3.1 – Cientificidade do Direito Processual: a imprescindibilidade das condições de validade método-epistemo-lógicas e a problemática da indiscernibilidade entre Litígio e Lide.
165
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
precisa e apurada, posto que, como veremos a partir de agora, não há como se vislumbrar
tal objetividade e racionalidade – características essenciais desses atributos e do
conhecimento cientifico como um todo – em um contexto de construtos, termos, conceitos e
definições desordenados, sem coerência sistêmico-terminológica, eivados de
multirreferencialidade e indiscernibilidade teórico-conceitual.
Passemos, então, ao estudo de tais atributos.
3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.
3.2 – Neutralidade Axiológica. 166
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
3.2 – Neutralidade Axiológica.
Conforme assente LUCIANO OLIVEIRA252, muito se tem discutido253 sobre a
questão da neutralidade nas pesquisas empreendidas no âmbito das ciências sociais e
humanas; isto é, muito se tem discutido sobre a possibilidade – ou não possibilidade – de
consecução de uma pesquisa científica na qual o sujeito cognoscente, o pesquisador, possa
manejar o dado factual de um ponto de vista metodologicamente neutro. Para nós, que
estamos, no presente texto, tentando, dentro da Ciência Jurídico-Processual, produzir um
conhecimento que seja essencialmente caracterizado pelo caractere da cientificidade, o que
importa aqui sabermos, a respeito de tal discussão acadêmico-científica, são duas asserções
essenciais. Quais sejam: que, em primeiro lugar, a neutralidade axiológica, enquanto
caractere que condiciona o enquadramento da produção cognitiva como científica, só pode
ser alcançada pelo sujeito cognoscente – o pesquisador, para nós, o processualista – com a
utilização de um instrumental teórico-metodológico adequado e associado a um sistema
terminológico específico, preciso e apurado (no caso, uma terminologia jurídico-conceptual
aplicada, específica e univocamente, ao direito processual); em segundo lugar, o que
importa, também, sabermos é que tal neutralidade axiológica é imprescindível e
indispensável para a produção de resultados objetivos, racionais e de natureza cognitivo-
científica, tão-somente em determinados momentos da consecução da pesquisa.
A grande questão que é colocada pelos metodólogos das ciências sociais e
humanas é se em algum momento da consecução da pesquisa há a possibilidade fáctica do
pesquisador não ser influenciado por seu suporte teórico-axiológico. Para nós, conforme
temos defendido, tal possibilidade só pode ser, em tese, vislumbrada, no caso do
pesquisador utilizar-se dos preceitos e princípios do instrumental teórico-metodológico e de 252 Cf. OLIVEIRA, Luciano. “Neutros e Neutros”. In Revista Humanidades. Brasília: UnB, nº 19, 1988. 253 Desde as discussões entre os adeptos do historicismo alemão – como Dilthey, Simmel – e os marxistas, passando por Mannheim, Max Weber e, mais recentemente, Boaventura de Souza Santos e Michel Löwy.
3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.
3.2 – Neutralidade Axiológica. 167
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
um sistema terminológico-conceitual próprio, por serem estes caracterizados por elementos
ensejadores da objetividade e racionalidade da ciência. A tal proposição metodológica, por
exemplo, foi que tentamos seguir na consecução das teses aqui demonstradas.
Assim também, conforme assente, também, LUCIANO OLIVEIRA254, em um
determinado momento da apreensão investigativo-cognitiva, a neutralidade é essencial e
constitui condição de procedibilidade científica. Nesse sentido, afirma o sociólogo:
Na elaboração do saber científico, os pesquisadores, quais quer que sejam as suas visões sociais do mundo, submetem-se a regras objetivas. No instante de colher na realidade empírica o apoio factual sistematicamente controlado – e só nesse instante – o pesquisador deve adotar uma postura neutra, condição indispensável para que ele produza resultados objetivos.
De outro modo, pensando a pesquisa e o conhecimento científico em
termos genéricos, totais, podemos assentir que não há – pois, impossível de sê-lo –
neutralidade axiológica na relação sujeito cognoscente e objeto cognoscitivo – ressalvando-
se, contudo, que essa valoração deve ser, mesmo desse ponto de vista lato, onde não há
possibilidade de neutralidade, disciplinada por princípios metodológicos. Por exemplo, no
nosso caso, existiram várias razões, subjetivas, evidentemente – de várias ordens255 (de
ordem terminológico-conceptual, de ordem teórico-metodológica, de ordem jurídico-
processual), todas, é claro, fruto da nossa maior afeição, inclusive, axiológica, pela temática
jurídico-processual – que nos levaram à proposição das hipoteses aqui apresentadas; mas,
mesmo assim, no momento da apreensão e do manejo dos dados factuais que nos levaram
à comprovação de tais hipoteses, e, mesmo na formatação de tais razões que nos levaram à
formação de tais teses, utilizamos a principiologia metodológica, sobretudo, a metodologia
aplicada ao direito processual. Daí, porque, por exemplo, depois de consecutada a distinção
teórico-conceptual e empírico-crítica entre os institutos Litígio e Lide, aplicamos tal
254 Ibidem., p. 122. 255 Rever o Conspectus deste trabalho.
3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.
3.2 – Neutralidade Axiológica. 168
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
teorização na construção das demais instituições e institutos fundamentais da Teoria Geral
do Processo.
Por outro lado, pensando a pesquisa em termos específicos, subdividida em
fases procedimentais, temos que a questão da neutralidade é inelutável, imprescindível e
imperativa; ou seja, “não pode haver atividade de pesquisa que se pretenda científica se a
noção de neutralidade for totalmente descartada”256. Assim, na delimitação do objeto de
estudo, na formulação do problema de pesquisa e das hipóteses a serem trabalhadas, por
exemplo, sabemos que o sujeito cognoscente trás, em si, todo um suporte axiológico, todo
um background or bias, que o influencia na construção e consecução destes momentos da
pesquisa (como dissemos no caso das razões que nos levaram à escolha e formatação do
objeto de estudo e, conseqüente, das teses, aqui proposta). Agora, em determinados
instantes da pesquisa, como por exemplo, no manejo do método científico, na manipulação
da amostra representativa257, nos processos de inferência estatística, na análise conteúdo-
discursiva, é imprescindível que o pesquisador mantenha-se neutro, de modo que a
consecução da atividade de pesquisa deva seguir, tão-somente, a regras, pressupostos e
requisitos de caráter lógico, sistemático, objetivo e racional, sob pena de não estar se
fazendo episteme258 (ciência), mas apenas doxa (opinião). Por essa razão, LUCIANO
OLIVEIRA259 fala em neutros e neutros e em interpretação e factualidade demonstrada.
Nesse sentido, fundamentando em WEBER, arremata o autor260:
Método, para Weber, é basicamente o trabalho de construção dos conceitos auxiliares a serem utilizados na pesquisa, os famosos tipos-ideais. Ora, esses não correspondem rigorosamente a realidades empíricas, uma vez que são
256 Ibidem., p. 126. 257 Veja-se, por exemplo, o nosso suporte teorético-metodológico da pesquisa empírica consecutada com os membros da magistratura. Nesse momento, toda a carga axiológica tem que ser deixada de lado e a objetividade e racionalidade científicas tem que orientar o pesquisador na formatação das regras de manipulação, análise e interpretação dos dados factuais do objeto. 258 Doxa = saber do senso comum, da vida, do day-by-day, expresso em uma linguagem comum e aceito de um modo geral, espontaneamente ou por imposição da maioria. Ao contrário, Episteme = corpo de conhecimentos teóricos e verdadeiros cientificamente, obtidos através de um método. 259 Ibidem., p. 126. 260 Ibidem., p. 124.
3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.
3.2 – Neutralidade Axiológica. 169
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
construções prévias do pesquisador que deles se serve exatamente para ver até que ponto a realidade se afasta ou se aproxima desses quadros idealmente construídos. Ora, também aqui, diz Weber, ‘é o ‘ponto de vista’ dominante que (...) constitui o elemento determinante para a construção dos conceitos auxiliares’; mas, ‘no que diz respeito à maneira de utilizar os conceitos, o cientista aqui, como acontece em toda parte está evidentemente jungido às normas do nosso pensamento’. Ou seja, é apenas no momento de utilizar os conceitos na realidade empírica que o cientista está obrigado a abandonar o mundo dos valores e sujeitar-se às regras impessoais do pensamento lógico, por exemplo. É o instante da neutralidade axiológica.
Destarte, a neutralidade axiológica stricto sensu, como fundamento
principiológico da pesquisa e do conhecimento científico, isto é, como condição de
validade método-epistemo-lógica que é, é de observância imperativa e obrigatória, pois
constitui, em si, condição epistemológica de se fazer ciência; ou seja, constitui, em si, um
elemento residual ínsito e indispensável à atividade cognitiva da ciência e que, no caso, só
pode ser alcançada com a operacionalização do aparato teórico-metodológico associado a
um sistema terminológico-conceitual específico.
Agora, a esta noção de neutralidade axiológica, estão associados,
insitamente, outros três atributos, na verdade, princípios-fim da pesquisa e do
conhecimento científico, que são: a asseptabilidade método-epistemológica, a
assertibilidade do discurso jurídico-científica e a questão da verdade, como condição de
argumentação válida. Assim, em síntese: é utilizando-se o instrumental teórico-
metodológico associado a um sistema terminológico-conceitual próprio, de forma,
axiologicamente neutra, que a pesquisa e o conhecimento atingirão e seguirão os vetores
teleológicos (finalísticos) do conhecimento científico; isto é, em outras palavras, em assim
sendo, a pesquisa e o conhecimento serão assépticos, de acordo com as condições de
assertibilidade do discurso científico e caracterizados pelo traço precípuo e unívoco da
verdade científica. In casu, é isso que estamos a tentar desenvolver no presente estudo.
3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.
3.2 – Neutralidade Axiológica. 170
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Dito isso, vejamos, então, no que consistem estes princípios vetores, de
natureza teleológica, da pesquisa e, por conseguinte, do conhecimento científico; no caso,
do conhecimento jurídico-processual-científico.
3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.
3.3 – Asseptabilidade Método-epistemológica. 171
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
3.3 – Asseptabilidade Método-epistemológica.
Diz-se que uma pesquisa atingiu a asseptabilidade científica, quando, na
consecução, demonstração, exposição e discussão da proposição hipotética, o sujeito
cognoscente manteve-se, especificamente, centrado na área de conhecimento científico a
qual pertence o seu objeto de estudo e, quando das digressões e incursões epistemológicas,
fê-lo de modo a evitar antinomias, incoerências e incongruências teórico-conceituais.
Explicando melhor: numa pesquisa científico-jurídico-processual, como a
nossa, por exemplo, a asseptabilidade método-epistemológica resta caracterizada quando o
pesquisador se mantém, coerente e fiel, do ponto de vista da comparação externa e interna,
com as teorias e quadros de referência que fundamentam a Ciência Jurídico-Processual.
Isso, evidentemente, não quer, de maneira alguma, afastar a possibilidade de estudos
interdisciplinares, multidisciplinares ou transdisciplinares, pois, conforme se sabe, as
incursões e digressões em outros campos do conhecimento são sempre bem-vindas. Agora,
o que é necessário evidenciarmos é que tais incursões e digressões epistemológicas só serão
aceitáveis a partir do momento em que o pesquisador tem plena consciência do corte
epistemológico que está a realizar e saiba, assim, explicitar e manejar esses suportes
teóricos externos em concatenação com o suporte teórico da sua realidade epistemológica.
Do mesmo modo, do ponto de vista interno, o pesquisador, para cumprir o requisito da
asseptabilidade método-epistemológica, não pode utilizar, na fundamentação teórica do seu
estudo, teorias e quadros de referências que sejam antinômicos entre si. Nesse sentido,
lembremos da adoção inadequada, e, por assim ser, não asséptica, metodológica e
epistemologicamente, da teoria da Lide e da teoria da ação como fundamento de validade de
estudos jurídico-processuais.
3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.
3.3 – Asseptabilidade Método-epistemológica. 172
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
No caso do nosso estudo, essa foi uma das nossas preocupações
prementes e peremptórias, principalmente, no momento de fundamentação teórica das teses
aqui expostas.
No mais, é válido reforçarmos que, conforme temos assentido, o uso de
uma terminologia precisa e apurada – no caso, uma Terminologia Jurídico-conceptual – é
imprescindível para atingirmos tal requisito da asseptabilidade – posto que as definições,
termos e sistemas conceituais utilizados pelo sujeito cognoscente, pelo pesquisador, devem
ser de mesma natureza epistemológica e de mesma referibilidade terminológico-conceitual.
Em assim sendo, resta caracterizada, na produção do conhecimento jurídico-processual, a
asseptabilidade método-epistemológica; por conseguinte, a cientificidade do mesmo.
3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.
3.4 – Condições de Assertibilidade do discurso jurídico-científico. 173
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
3.4 – Condições de Assertibilidade do discurso jurídico-processual
científico.
Por sua vez, as condições de assertibilidade ou asseribilidade do discurso
científico são, também, imprescindíveis e de observância imperativa para a caracterização da
produção cognitiva como científica. E no que consistem, então, tais condições de
assertibilidade, no nosso caso, do discurso jurídico-processual científico? Vejamos.
Do ponto de vista da Lógica, condições de assertibilidade são as condições
que uma determinada elocução – proposição – tem de satisfazer para poder ser produzida
cientificamente. Assim, no caso da pesquisa científica, e do mesmo modo na pesquisa
jurídico-processual-científica, para uma determinada proposição – hipótese – ser considerada
demonstrada, ou seja, considerada tese, é necessária, na consecução de tal pesquisa, a
satisfação de certos requisitos e pressupostos que, neste caso, dizem respeito ao uso de um
instrumental teórico-metodológico associado a um sistema terminológico-conceitual próprio.
Assim, a utilização de um instrumental teórico-metodológico adequado – o
qual, como vimos, no caso da Ciência Jurídico-Processual, deve ser o mesmo adotado nas
demais ciências sociais e aplicadas – associado a um sistema terminológico-conceitual
específico, preciso e apurado – no caso, uma terminologia jurídico-conceptual própria para o
direito processual – constitui, em si, uma condição de assertibilidade do discurso jurídico-
processual cientifico, isto é, uma condição, indispensável, de produção de um conhecimento
jurídico-processual que seja marcado pelo caractere da cientificidade.
No caso da presente dissertação, também, é notório que, pelo menos,
tentamos enquadrar nossa produção cognitiva também nessa condição de validade método-
epistemo-lógica.
3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.
3.5 – A problemática da Verdade na Ciência Jurídico-Processual. 174
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
3.5 – A problemática da Verdade na Ciência Jurídico-Processual.
Do mesmo modo que as condições de assertibilidade, a verdade científica,
ou condições de verdade, do ponto de vista da Lógica, constitui um conjunto de condições
que uma proposição hipotética tem de satisfazer para ser considerada verdadeira (tética), do
ponto de vista epistemológico, isto é, científico.
No caso da pesquisa científica, da produção do conhecimento científico e,
em assim sendo, da Ciência Jurídico-Processual, tais condições de verdade dizem respeito,
por um lado, à observância de certos princípios e preceitos de ordem teórico-metodológica e,
por outro lado, ao enquadramento epistemológico que dá sentido e definibilidade aos
esquemas conceituais trabalhado pelo pesquisador, no nosso caso, pelo processualista.
Nesta perspectiva, o caráter de validade cognitivo-científica de uma
pesquisa jurídico-processual tem fundamento, metodológico, no procedimento teórico-
método-lógico adotado e desenvolvido pelo pesquisador e fundamento, epistemológico, no
esquema teórico-sistemático-conceitual no qual esteja inserida esta investigação científica.
Neste sentido, pensemos, no caso da presente investigação, que o caráter de validade
cognitivo-científica da nossa produção é verificado a partir do momento em que, para a
consecução da distinção teórico-conceptual e empírico-crítica entre Litígio e Lide, utilizamos
uma metodologia e um suporte epistemológico próprios, observando-se, inclusive, o
requisito da asseptabilidade método-epistemológica, do qual já falamos.
Assim, se este duplo fundamento – metodológico/epistemológico – não for
respeitado, a validade cognitivo-científica das proposições, aferidas como tese na pesquisa,
serão, no mínimo, questionáveis. Isso porque, em ciência, a verdade não constitui um
dogma, fechado em si mesmo e indemonstrável, mas, ao contrário disso, constitui um
3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.
3.5 – A problemática da Verdade na Ciência Jurídico-Processual. 175
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
conjunto de conhecimentos calcados no postulado popperiano261 da demonstrabilidade, da
falibilidade e da contingencialidade, daí porque a necessidade de demonstração e de
apresentação da regras de reconhecimento e manipulação do objeto de estudo.
De outro modo, agora não mais do ponto de vista da Lógica, mas do ponto
de vista filosófico, temos várias teorias que fundamentam a concepção de verdade. Desde as
teorias mais tradicionais sobre a questão da verdade, as chamadas teorias substantivas da
verdade262, até às mais modernas, as chamadas teorias minimalistas263 ou deflacionistas da
verdade. No caso do nosso estudo, nesta perspectiva classificatória, conforme assentimos na
introdução deste trabalho, a construção, por certo analítico-distintiva, terminológico-
conceptual e empírico-crítica dos institutos Lide e Litígio que estabelecemos não se tratou,
tão-somente, de uma questão de performance de linguagem tal como assentem os adeptos
das teorias deflacionistas de verdade como PAUL HORWICH e FRANK P. RAMSEY. Ao
contrário disso, se fundamentou, precipuamente, nas concepções teoréticas de verdade
substantiva, posto que a construção analítico-distintiva que realizamos a respeito dos
institutos do Litígio e da Lide tem, efetivamente, correspondência factual (teoria da
correspondência), coerência com o sistema de acepções (crenças) da dogmática jurídico-
processual (teoria da coerência) e, sobretudo, tem um alto grau de utilidade pragmática para
a tecnologia jurídica de decidibilidade de conflitos (teoria pragmatista), conforme veremos
adiante.
261 Cf. POPPER, Karl. La Lógica de la Investigaçión Científica. Madrid: Tecnos, 1973. 262 São elas: a teoria da correspondência, a teoria da coerência, a teoria pragmatista e a teoria da verificação ideal. Para um maior aprofundamento nas mesmas, conferir: (Filosofia – um guia de estudos. CEFA – Centro de Estudos em Filosofia Americana. Coordenação de Paulo Ghiraldelli Jr.. Apresenta textos sobre filosofia em geral, sobretudo filosofia pragmatista. Disponível em: <http//www.cefa.org.br/portal_filosofia/guia.html>. Acesso em 15 ago. 2003). 263 São elas: a teoria minimalista, a teoria deflacionista e a teoria da redundância. Do mesmo modo, para um maior aprofundamento nas mesmas, conferir: Ibidem.
3. – TERMINOLOGIA JURÍDICO-CONCEPTUAL: UMA CONDIÇÃO DE NEUTRALIDADE, ASSERTIBILIDADE, ASSEPTABILIDADE E VERDADE DA CIENCIA JURÍDICO-PROCESSUAL.
3.5 – A problemática da Verdade na Ciência Jurídico-Processual. 176
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Assim, vale dizer, no final dessa nossa indispensável digressão
metodológica, como forma de justificativa teórico-temática das asserções hipotéticas por nós
propostas no presente trabalho de pesquisa, que o conhecimento jurídico-processual que
estamos a tentar produzir nesta dissertação, pelo menos teoricamente, pretende-se pautado
e modelado pelos caracteres da neutralidade axiológica, da asseptabilidade método-
epistemológica, das condições de assertibilidade do discurso jurídico-processual cientifico e
da verdade científica, posto que, em assim sendo, restar-se-ia, peremptoriamente,
caracterizado que a nossa produção, por atender aos pressupostos e condições de validade
método-epistemo-lógica do conhecimento, é marcada pelo caractere da cientificidade.
Destarte, consecutada tal digressão metodológica e, por assim ser,
apresentada tal hipotese básica, mas incidental da nossa pesquisa, passemos, enfim, à
proposição, demonstração, argumentação, discussão e asserção das teses por nós propostas
em torno da distinção teórico-conceptual e empírico-crítica entre Litígio e Lide.
177
4 – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL.
Mede-se o grau de desenvolvimento de uma ciência pelo refinamento maior ou menor de seu vocabulário específico. Onde os conceitos estão mal definidos, os fenômenos ainda confusos e insatisfatoriamente isolados sem inclusão em uma estrutura adequada, onde o método não chegou ainda a tornar-se claro ao estudioso de determinada ciência, é natural que ali também seja pobre a linguagem e as palavras se usem sem grande precisão técnica.
CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO
Conforme apresentamos no intróito da presente dissertação, nosso
trabalho de pesquisa científica tem, a priori, como objetivo/hipótese principaliter de estudo
uma construção terminológico-conceptual, por certo analítica e distintiva, dos institutos
jurídico-processuais, Litígio e Lide, incluindo nesta perspectiva de investigação, apriorística,
evidente e eminentemente, teorética, uma análise empírico-crítica de tais termos, tendo em
vista os fenômenos da teleologicidade processual e da decidibilidade de conflitos. A
posteriori, com base na consecução de tal construção analítico-distintiva – primeiramente,
terminológico-conceptual e, depois, empírico-crítica –, ainda como desenvolvimento do
objeto principal do nosso estudo, apontamos as implicações e repercussões de ordem
teorético-conceptual-metodológica e de ordem tecnológico-pragmática que tal distinção traz
como corolário para a Ciência Jurídico-Processual, e suas instituições e institutos
fundamentais, para, em seguida, aplicar, também, tal proposição hipotética na resolução de
questões aparentemente aporemáticas da teoria jurídico-processual. Desse modo,
relembrando, este é o nosso objeto/problema de estudo.
Pois bem. O propósito da presente seção é de, justamente, seguindo a
nossa linha teórico-metodológica de proposição, demonstração, argumentação, discussão e
asserção das hipoteses básicas e secundárias da presente pesquisa científica, apresentar,
agora, em segundo lugar – depois de consecutada a digressão metodológica referente à
adoção de uma terminologia jurídico-conceptual específica e apurada aliada à observância
das condições de validade método-epistemo-lógicas como requisitos de cientificidade da
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL.
178
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
produção cognitiva – a construção, por certo, analítica e distintiva, dos termos Litígio e Lide,
no que diz respeito, neste momento, ao aspecto terminológico-conceptual264.
Tal construção terminológico-conceptual dos termos Litígio e Lide, é certo –
e nós já salientamos esse aspecto –, apresenta-se, na verdade, como uma possibilidade
teórica de superação de algumas incoerências e lacunas do sistema jurídico-processual de
normas e, por conseguinte, do conhecimento jurídico-processual-científico produzido a partir
deste. Assim também, esta construção terminológico-conceptual apresenta-se como uma
possibilidade de resolução de questões aparentemente aporemáticas da Teoria Geral do
Processo, frente a essas incoerências e incongruências do sistema e do conhecimento
jurídico-processuais. Tais são os casos, nós já enunciamos, da problemática da decidibilidade
de conflitos e da teleologicidade processual, da aferição do atributo da jurisdicionalidade na
chamada Jurisdição Voluntária e da Lide como elemento da res in iudicium deductae da
processualística penal, para ficarmos, tão-somente, em alguns exemplos.
Neste sentido, diferentemente da acepção dada pela quase que
unanimidade da dogmática jurídico-processual que, como vimos, pormenorizadamente, até
aqui, enuncia os termos Litígio e Lide como institutos jurídico-processuais de mesma
significação conceptual e fenomênica, nós assentiremos – inclusive, com base nos
postulados de ordem teórico-término-metodológica expostos na seção anterior e, por
conseguinte, na possibilidade de uma maior especificação terminológica e conseqüente
cientificidade do conhecimento jurídico-processual – que tais termos – Litígio e Lide – são,
em verdade, peremptória e decididamente, elementos terminológico-conceptuais de
natureza e significação diversas.
264 Isso porque, nas seções seguintes – cinco e seis –, procederemos à aplicação de tal construção terminológico-conceptual de Litígio e Lide na formatação dos conceitos de certas instituições e institutos jurídico-processuais, tentando elucidar, assim, algumas incongruências e incoerências da teoria processual para, em seguida, na última seção – a seção sete – consecutarmos a construção, analítico-distintiva, de Litígio e Lide, agora, sob o prisma empírico-crítico e enfocando, principalmente, os temários da decidibilidade de conflitos e da teleologicidade processual.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL.
179
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Certo é que tal proposição hipotética (depois, tética) dos termos Litígio e
Lide tem, dentro da teoria jurídico-processual, várias implicações e repercussões.
Implicações e repercussões essas – conforme pudemos observar, mesmo que en passant,
nas proposições propedêuticas deste trabalho e conforme veremos mais adiante, quando
aplicarmos esta construção terminológico-conceptual dos referidos elementos na formatação
e redimensionamento do conceito de certas instituições e institutos jurídico-processuais – de
várias ordens: teórica265, conceitual266, metodológica267 e, sobretudo, tecnológico-
pragmática268, todas no sentido de elidir certas aporias e lacunas existentes no sistema e no
conhecimento jurídico-processual por conta do problema da indiscernibilidade de identidade
entre Litígio e Lide. Daí, desse modo, a importância e relevância deste estudo para a Ciência
Jurídico-Processual – seja esta considerada pelo prisma dogmático ou pelo prisma zetético.
Destarte, a tese que estamos a defender aqui – e esta, na verdade, é a
hipotese básica principal da presente dissertação – é que: os termos sub examen, Lide e
Litígio, são elementos terminológico-conceptuais de natureza, significação e etimologia
diferentes, com bedeutung (referência), sinn (sentido) e atributividade também diferentes,
com estrutura de definiens/definiendum diversa e caracterizados pelos caracteres lógicos da
discernibilidade de identidade e da opacidade referencial. Litígio e Lide são, também,
metodologicamente falando, variáveis de ordem sócio-jurídico-processual que se relacionam
265 Porque, como já enunciamos, tal construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual além de contribuir no sentido de apresentar soluções a questões, aparentemente, aporemáticas verificadas em algumas instituições e institutos fundamentais da teoria jurídico-processual, contribui para o acoplamento estrutural e o fechamento organizacional – tendo em vista algumas lacunas conceptuais e metodológicas – do sistema. 266 Porque, tentando elucidar o problema da indiscernibilidade de identidade existente entre os conceitos de Lide e Litígio, contribui no sentido de dar uma nova formatação, principalmente, ao conceito de Lide formulado por Francesco Carnelutti e, em assim sendo, ressalvando-o das críticas que a dogmática jurídico-processual já fez a este, principalmente, por considerar que, na visão carneluttiana, o conceito de Lide era mais sociológico do que jurídico, desse modo, sem maior importância para a teoria processual. No caso, nós assentimos que, em verdade, Lide é um conceito jurídico-processual e Litígio, sim, é um conceito de ordem sociológica, protojurídica. 267 Porque, com a construção analítico-distintiva aqui estabelecida, busca-se afastar o conceito de Lide como pólo metodológico e, tão-somente, adequá-lo conceitualmente como mais um instituto jurídico-processual da Ciência Jurídico-Processual. Desse modo, o nosso objetivo não é colocar – ou como diria Cândido Rangel Dinamarco – salvar o conceito de Lide como pólo metodológico, tal como fez Carnelutti e seus seguidores. 268 Porque com a distinção estabelecida entre Litígio e Lide, fornecemos elementos para a teoria processual adequar os conceitos e funções da Jurisdição como mecanismo estatal de resolução de conflitos. Isso porque, conforme vimos, do modo como o sistema está estabelecido hoje, a preocupação e, por conseguinte, a atuação do julgador ao se deparar com o processo é no sentido de resolver a Lide e não, propriamente, o Litígio que deu origem ao processo.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL.
180
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
entre si – de modo interdependente – de forma coextensiva, seqüencial, contingente e
probabilista (estocástica). No caso, o Litígio é um instituto (conceito-categoria) protojurídico-
sociológico, um pressuposto processual, de natureza fáctico-causal-sociológica, de
referibilidade extrínseca, portanto, exoprocessual, de composicionalidade lógica
categoremática, constituindo em si um antecedente fáctico-causal e lógico do processo e
caracterizado pela contendere de sujeitos em face de uma pretensão – resistida ou
insatisfeita – vetorialmente contrária ao interesse da outra parte que, graficamente,
baseados na concepção romanística de actio e na Teoria Linear de JOSEF KÖHLER (aplicada
esta não à representação da relação processual, mas do conflito social – o Litígio, nos
termos em que estamos a assentir), num momento exo e pré-processual, poderíamos
representar do seguinte modo: L = Sc1 actio Sc2, onde L é litígio e Sc é sujeito
contendedor. Por sua vez, a Lide é um instituto (conceito-categoria) jurídico-processual, um
suposto processual, a partir do qual se identifica e se define o chamado meritum causae (ou
streitgegenstand) e o thema decidendum e, desse modo, uma conditio sine qua non do
processo, de natureza jurídico-processual stricto sensu, de referibilidade intrínseca, portanto,
endoprocessual, de composicionalidade lógica sincategoremática, constituindo em si um
conseqüente jurídico-processual necessário do conflito social deduzido em juízo (o Litígio) e
caracterizada por uma relação jurídico-processual sinalagmática entre parte(s) e o Estado-
juiz que, graficamente, baseados na concepção da Teoria Angular de KONRAD HELLWIG,
poderíamos representar do seguinte modo:
Estado-Juiz Lide
Autor Réu
Em síntese: a Lide, ao contrário do que enuncia a opinio communis
doctorum da dogmática jurídico-processual, seria não o correspondente sinonímico do Litígio,
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL.
181
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
mas o resultado da dedução quantitativa e qualitativa deste em juízo, nos termos em que
adiante, pormenorizadamente, explicitaremos.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).
182
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).
4.1.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas.
Da análise teórico-conceptual e histórico-descritiva dos institutos Litígio e
Lide que consecutamos, pudemos apreender, entre outros, que tais termos sub examen,
antes da formulação teorético-sistemática de CARNELUTTI não tinham uma maior
significação e importância semântica, sintática ou até mesmo pragmática para a Ciência
Jurídico-Processual. Eram, inclusive, termos que, lato sensu, tinham a mesma formatação de
definibilidade de outros institutos processuais. Aliás, conteudística, genérica e
referencialmente, Litígio e Lide tinham o mesmo conceito – ou, ao menos, uma proximidade
semântico-conceitual – de outros termos, tais como, demanda, causa, pretensão, conflito,
objeto do processo, meritum causae, ente outros. Daí o problema já apontado por nós da
indiscernibilidade de identidade.
Desta maneira, pelo que vimos, somente a partir da elaboração conceitual
de CARNELUTTI é que tais termos – que para o processualista italiano eram, inclusive,
sinônimos e referentes entre si – vão passar a ter significativa importância para a teoria
processual. Importância, esta, saliente-se, fundamental para a Ciência Jurídico-Processual,
posto que é a partir da definição de Lide/Litígio que CARNELUTTI vai elaborar todo um
sistema de conhecimento jurídico-processual que, por assim ser, será adotado269 pela
maioria dos processualistas da dogmática jurídico-processual.
269 Salientando-se aqui que tal adoção, muitas vezes, foi recebida com ressalvas pelos processualistas. Lembremos, nesse sentido, das críticas que processualistas importantes da dogmática processual fizeram ao conceito carneluttiano de Lide; processualistas como Giuseppe Chiovenda, Piero Calamandrei e Enrico Tullio Liebman – entre os italianos – e de Cândido Rangel Dinamarco, Alfredo Buzaid e Celso Neves, entre os brasileiros, para ficarmos tão-somente em alguns exemplos.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).
183
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
O grande objetivo, na verdade, de CARNELUTTI – e, nesse ponto,
conforme bem expressou LIEBMAN270, “não se pode negar que esta doutrina representa o
mais ousado esforço feito até hoje para procurar identificar o conteúdo material do
processo” – era estabelecer a base conteudística do fenômeno processual e, a partir desta, e
das dimensões que ele chama de estática e dinâmica271 do direito, montar todo um sistema
de conhecimento jurídico-processual, onde deveria imperar o caráter teórico-científico e
sistemático-metodológico da produção cognitiva, ao contrário do que se tinha, até então, na
dogmática processual, onde os estudos sobre o direito processual ainda eram eivados de
uma metodologia baseada, sobretudo, na práxis jurídica, sem uma maior profundidade ou,
ao menos, preocupação teórica na formulação dos conceitos das instituições e institutos
jurídico-processuais.
Mas, conforme vimos, quando da análise da construção teorético-
sistemática do processualista italiano, suas contribuições para a Teoria Geral do Processo e,
conseqüentemente, para a Ciência Jurídico-Processual, param por aí, posto que várias
objeções – e, por conseguinte, reparos – foram e podem ser feitos à sua teorização.
Principalmente, no que diz respeito ao conceito de Lide (Litígio)272 como sendo o conteúdo
material do processo, isto é, como sendo o meritum causae do processo e como categoria
jurídica e pólo metodológico da teoria processual.
LIEBMAN, neste sentido – nós vimos – afirma que “esta definição da lide,
como sendo o mérito da causa [...] e outras aplicações que faz Carnelutti de sua referida
270 LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o processo civil brasileiro. Araras: Bestbook, 2001, p. 95-96. 271 Dizia Carnelutti a respeito disso que: “[...] a ciência jurídica vai ordenada em dois capítulos, os quais, sem vacilação, se pode nomear estática e dinâmica do Direito. Quando distingui, por exemplo, a composição do desenvolvimento do processo como dois aspectos diversos de sua estrutura, não fiz mais que procurar multiplicar os fotogramas; a teoria das situações jurídicas e a teoria dos atos jurídicos não são senão o fruto de uma observação do dado, partindo de diferentes pontos de vista (do setor estrutural). Porém, por sua vez, mais que pontos de vista, a estática e a dinâmica são setores que se prestam a ser decompostos, pois cada uma das situações e cada um dos atos que resultam da observação são observados in se e em suas combinações.” (CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de Frederico A. Paschoal. Campinas: Bookseller, 2002, p. 53). 272 “Conflito intersubjetivo de interesses qualificado pela pretensão de um e pela resistência do outro”, diz Carnelutti.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).
184
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
doutrina pode ser aceita, a meu ver, só com alguns importantes reparos”273. E aí, afirma o
processualista da Universidade de Parma que, ao contrário do que preceitua CARNELUTTI,
na verdade, o conflito de interesses que ocorre na realidade social entre duas ou mais
pessoas só entra para o processo – e, por assim ser, define o seu conteúdo – na exata
medida em que ele é deduzido em juízo pelas partes, objetando, assim, principalmente, as
teses carneluttianas de processo integral e processo parcial274 e do conceito de Lide como
uma categoria jurídico-processual central.
Em assim sendo, prossegue LIEBMAN, o elemento que delimita, que define,
precisamente e em concreto, o meritum causae – o conteúdo objetivo e material do
processo – não é, portanto, o conflito existente entre as partes fora de tal processo, tal
como ele ocorrera, mas sim o pedido formulado pelo autor ao órgão judiciário em relação a
este conflito275. Dito isso, arremata, contundentemente, sua crítica, afastando, assim, o
conceito de Lide nos moldes em que CARNELUTTI o estabeleceu na teoria processual,
afirmando que com razão estava CALAMANDREI ao assentir que a Lide, tal como entende
CARNELUTTI, é conceito sociológico e não jurídico.
273 LIEBMAN, op. cit. p. 96. 274 E, neste sentido, Liebman faz, ao meu ver, uma duríssima crítica, do ponto de vista acadêmico-científico, a esta formulação de Carnelutti. Diz, ele, in verbis: “Tomamos do próprio Carnelutti o exemplo seguinte: quem pretende uma herança por dupla vocação, testamentária e legítima, pode pedir o reconhecimento de seu direito com fundamento em uma só delas ou em ambas; no segundo caso, diz ele, o processo é integral porque contém toda a lide existente; no primeiro, o processo é parcial, porque contém só uma parte dela. Carnelutti vê-se, assim, em face do problema da continência do processo com respeito à lide, que é a meu ver um falso problema. Para o processo, interessa o que for nele deduzido efetivamente e não importam os outros fatos que podem ocorrer pelo mundo a fora. Do ponto de vista imaginado por Carnelutti, nunca haveria, na verdade, processo integral, pois não há conflito de interesses que não apresente, ou possa apresentar, aspectos diferentes daquele que a imaginação do advogado conseguiu em cada caso concreto configurar, ou problemas colaterais,, secundários ou conseqüentes que as partes acharam mais conveniente ignorar.”. E arremata, perspicazmente: “Aliás, porque deveríamos deter-nos na consideração das duas figuras do processo integral e do parcial? Quantos são os conflitos de interesses que nunca foram nem serão levados perante o juiz? O quadro deveria, pois, ser completado com a hipótese do processo inexistente, e levar em consideração a série dos processos que não foram propostos e ficaram no limbo dos seres que não puderam nascer, o que representa a redução ao absurdo do problema imaginado (grifos nossos).” (Ibidem., p. 96-97). 275 Criticando, também, severamente, Francesco Carnelutti, neste sentido, afirma Liebman: “Desse modo, o conflito de interesses não entra para o processo tal como se manifestou na vida real, mas só indiretamente, na feição e configuração que lhe deu o autor em seu pedido. Por sua vez, o juiz não age diretamente sobre o conflito, não o compõe – como diz Carnelutti – pois que ele constitui uma realidade psicológica praticamente inatingível: o que o juiz faz é verificar a procedência do pedido que lhe foi feito para, conseqüentemente, conceder-lhe ou negar-lhe deferimento, em aplicação do que a lei manda e preceitua.” (Ibidem., p. 99).
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).
185
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
A partir disso, LIEBMAN, como vimos, formula o seu próprio conceito de
Lide (Litígio) dizendo que esta, na verdade, um pouco diferente da teorização carneluttiana,
é o conflito, efetivo ou virtual, de pedidos contraditórios sobre o qual o juiz é convocado a
decidir. Diz ele: “assim modificado, o conceito de lide torna-se perfeitamente aceitável na
teoria do processo e exprime satisfatoriamente o que se costumar chamar de mérito”276.
CALAMANDREI277, nesta mesma perspectiva identificada por LIEBMAN,
afirma que a Lide (Litígio), no momento em que se desenrola na concretude social, isto é,
ainda sem qualquer referência à tutela jurídica, é, por assim ser, indiferente ao mundo
processual e, por conseguinte, para a formação dos conceitos jurídico-processuais. Trata-se,
em verdade, de uma realidade fenomênica, pertencente, assim, ao mundo sociológico e não
jurídico (jurídico-processual).
A Lide (Litígio), para figurar no mundo jurídico-processual, afirma
CALAMANDREI, precisa ser apresentada – tecnicamente falando, deduzida – em juízo
através de um ato (demanda) de uma das partes; ato esse que é consubstanciado, por sua
vez, em um direito (facultas agendi), qual seja, o direito de ação. E nesse deduzir, o juiz, ao
tomar conhecimento da Lide (Litígio), não se encontra com a mesma, necessariamente, do
mesmo modo em que ela ocorrera na realidade social, mas do modo como esta fora
formulada e evidenciada pela parte autora, tudo isso através de um ato processual
denominado petição inicial. Daí porque CALAMANDREI “sustenta ser mais consentânea com
a realidade dos fenômenos processuais, a doutrina que considera a ação como objeto
imediato do processo”278 e não a da teoria carneluttiana da Lide (Litígio).
Com esses reparos, assim, a dogmática jurídico-processual tenta salvar o
conceito carneluttiano de Lide como conteúdo material do processo (objeto do processo).
Por outro lado, é muito importante salientarmos, ainda, que, mesmo nesta tentativa de
276 Ibidem., p. 103. 277 CALAMANDREI, Piero. Il concetto di “lite” nel pensiero di Francesco Carnelutti. In Rivista di diritto processuale civile. v. V. Padova: Cedam, 1928. 278 TEIXEIRA GIORGIS, José Carlos. A lide como categoria comum do processo. Porto Alegre: LeJur, 1991, p. 38.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).
186
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
reparação e adequação da tese carneluttiana, quanto ao conceito de Lide (Litígio) como
centro do sistema de conhecimento jurídico-processual, muitos outros processualistas279 – e
até mesmo o próprio PIERO CALAMANDREI – assentiram que a Lide, na verdade, como
conceito e fenômeno, não é tão essencial, assim, ao exercício da jurisdição, nem constante
em todo processo. Lembram, dessa maneira, tais doutrinadores, da chamada jurisdição
voluntária e do processo penal (para aqueles que consideram que não há Lide neste). Neste
sentido, CALAMANDREI280 – como dissemos – afirma que:
[...] parece que a existência da lide não pode ser considerada como condição necessária para o interesse de agir em todos os casos nos quais, mesmo se lide não existisse, nem por isso seria possível ao interessado conseguir extrajudicialmente, pelo consenso espontâneo da outra parte, aquilo que somente a sentença pode dar-lhe.
O fato é que, mesmo abstraindo-se tal advertência – por certo, contrária à
tese carneluttiana –, veja-se que o conceito de Lide (Litígio), tal como o re-elaboraram
CALAMANDREI, LIEBMAN e outros processualistas, fica totalmente desfigurado, tomando,
desse modo, um outro sentido, uma outra significação conceitual e referencial, diferente da
que CARNELUTTI propôs. Isso porque, como vimos, para CARNELUTTI, Lide, Litígio, conflito
– como se queira denominar – tal como ocorrera na realidade social, ou, até mesmo, tal
como fora levado a juízo pelas partes (daí a noção de Lide integral e Lide parcial),
constituiria em si o conteúdo do processo. Ou seja, aquele conflito de interesses qualificado
pela pretensão de um (o autor) e pela resistência do outro (o réu) é que seria objeto da
cognição do juiz, pouco importando aqui, a formulação peticional do autor, até porque, diria
CARNELUTTI, o processo jurisdicional – a Jurisdição – tem como principal objetivo, enfim, a
resolução justa dessa Lide (Litígio)281.
279 Tal como, por exemplo, Cortesia de Serego em: SEREGO, Cortesia de. Il processo senza lite. Pádua: Cedam, 1930. 280 CALAMANDREI, apud DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 56. 281 Daí estabelecer Carnelutti a distinção entre função processual e função jurisdicional.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).
187
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Em assim sendo, as indagações que se apresentariam para nós seriam: que
importância teria tal conceito de Lide (Litígio) – com esta nova acepção dada por alguns
processualistas – para a teoria processual já que, no mesmo sentido, sinonimicamente já
temos o instituto jurídico-processual denominado mérito da causa? E mais: esta nova
acepção, dada à teoria da Lide, contribuiria, assim, para elidir as objeções282, apontadas por
esses mesmos processualistas que construíram esse novo conceito de Lide (Litígio)? Isto é a
partir desta nova acepção, poderíamos considerar que a Lide também seria o conteúdo do
processo penal e dos processos de jurisdição voluntária? Mais ainda: em se considerando
esta nova acepção, qual, enfim, o grande telos da jurisdição e, por conseguinte, do
processo: a decidibilidade do conflito que deu origem a tal processo ou da Lide que o
compõe, como meritum causae? E por último: será que não é tão importante para o jurista –
o processualista, o juiz, enfim – conhecer, teórica e tecnicamente – além da Lide (nesta
acepção nova), o conflito (diríamos, o Litígio) que deu origem ao processo? Será que isolar o
conceito de Lide, para afastá-lo do dado sociológico, como disse CALAMANDREI e, depois,
LIEBMAN, afim de salvá-lo na teoria processual, é a melhor solução para a dogmática
jurídico-processual, enquanto ciência tecnológica que deve se preocupar, essencialmente,
com a decidibilidade de conflitos?
Todas essas questões serão equacionadas e redimensionadas a partir da
construção analítico-distintiva que ora elaboramos. No entanto, in limine, poderíamos
assentir que tal acepção se trata de mera sinonímia e equivocidade dos institutos. Sinonímia
e equivocidade essas, já aqui, neste trabalho, condenadas por nós, quanto à observância
dos requisitos de cientificidade. Isso porque comparar, tão-somente, Lide a meritum causae
não elidiria, em absoluto, nenhuma das incongruências e incoerências acima apontadas. No
máximo, constituir-se-ia uma nova teoria a respeito do objeto do processo
(streitgegenstand). Just it.
282 Questões que nós chamamos de aparentemente aporemáticas.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).
188
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Neste mesmo sentido, corroborando a nossa asserção, quanto a essa nova
formulação do conceito de Lide (Litígio) de CARNELUTTI, feita por processualistas como
CALAMANDREI, LIEBMAN – entre os italianos e CELSO NEVES283, ALFREDO BUZAID284 –
entre os brasileiros, parece-nos completamente acertada e bem postada a colocação do
eminente processualista brasileiro CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO285, in verbis:
No Brasil, o empenho em ‘salvar’ o conceito de lide e transportá-lo do mundo sociológico para o jurídico levou a tentativas que acabaram por distorcê-lo por completo e apresentá-lo completamente destituído de conteúdo útil. Trata-se de encontrar a substância do objeto do processo (Streitgegenstand), ou seja, de encontrar aquilo que constitui o meritum causae. Pois, na passagem do sociológico para o jurídico, os juristas definiram a lide como sendo, então, ‘conflito de interesses, na medida em que foi deduzido em juízo’ [...] [Liebman]; ‘pedido e contestação representam dois pedidos em conflito’ [...] [Liebman]. Ora, desconsiderando a lide existente antes do processo (‘a razão de ser, a causa remota’ [...] [Liebman]), esse modo de ver a lide do ponto de vista jurídico deixa-a sem aptidão a explicar alguma coisa. Se lide é o mérito e o mérito é a lide, segue-se que um dos dois vocábulos é supérfluo e o acréscimo do primeiro na linguagem do jurista constituiria uma excrescência. A sinonímia não seria nociva, se fosse mera sinonímia e não conduzisse à ilusão de poder fazer coabitar no mesmo diploma processual o método que tem a lide ao centro e o que tem a ação, como se eles não se repudiassem.
Na verdade, a grande problemática a ser enfrentada aqui é: elaborar um
conceito unívoco para a Lide (Litígio) a fim de que se possa colocá-la na teoria processual –
e, por conseguinte, na Ciência Jurídico-Processual – numa posição não, necessariamente,
central – nem metodológica nem epistemologicamente, posto que incompatível, no caso
brasileiro, com a teoria da ação –, mas tão-somente de enquadramento adequado, junto às
demais instituições e institutos jurídico-processuais. E é aqui que entra a nossa proposição
hipotética de distinção entre os conceitos de Lide e Litígio como tentativa de superação
283 Cf. NEVES, Celso. Estrutura fundamental do processo civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 223-224. 284 Lembrar aqui da exposição de motivos do Código de Processo Civil de 1973 feita pelo autor – então Ministro da Justiça e relator do projeto – e do seu estudo “Da Lide: estudo sobre o objeto litigioso” de 1980 (Cf. BUZAID, Alfredo. Estudos e Pareceres de Direito Processual Civil. Adaptação de Ada Pellegrini Grinover e Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 72-132). 285 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 56-57.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
dessas lacunas e incongruências apontadas pela dogmática jurídico-processual – e por nós –
frente à teoria da Lide de CARNELUTTI.
O que ocorre é que, para nós, aquilo que LIEBMAN, CALAMANDREI e
outros grandes processualistas – na esteira da teorização carneluttiana – denominam de Lide
– como conflito de interesses que o é, ou como aquilo que do conflito fora levado à juízo
pelas partes – na verdade, é o que nós denominamos de Litígio.
Desse modo, conforme veremos pormenorizadamente na próxima
subseção, o conflito que ocorre na realidade social – conflito esse caracterizado pela
pretensão e pela resistência das partes, como afirmara CARNELUTTI – peremptória e
decididamente, como bem assentiram CALAMANDREI, LIEBMAN, DINAMARCO e outros
processualistas, é um dado sociológico e não jurídico, mas que por importar à Ciência
Jurídico-Processual, enquanto tecnologia de decidibilidade de conflitos que é, deve ser,
assim, conhecido a fundo (o Litígio). Jurídico (processual), no entanto, só o é, a partir – e,
tão-somente, a partir – do momento em que tal conflito (Litígio) é deduzido em juízo. E,
assim, como afirmamos anteriormente, tal processo de dedução quantitativa e qualitativa do
Litígio em juízo leva à formação, agora, sim, de um conceito jurídico (processual),
denominado por nós de Lide.
Lide, portanto, é aquilo que do Litígio fora deduzido em juízo. Daí ser a
Lide um conceito (conceito-categoria, como veremos adiante) jurídico e o Litígio, por sua
vez, um conceito (também, conceito-categoria) sociológico, mas que, por importar ao Direito
– enquanto sistema de normas e de regulação de condutas sociais – também apresenta um
mínimo viés de juridicidade; daí porque assentimos que se trata de um conceito, também,
além de sociológico, protojurídico.
Encarados – Litígio e Lide – por esse prisma analítico-distintivo (nós
veremos isso quando da aplicação de tal construção na formatação de alguns conceitos
jurídico-processuais), elidiríamos, assim, tais incoerências e incongruências da teoria
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
processual, principalmente no que diz respeito ao atributo da jurisdicionalidade na jurisdição
voluntária e da Lide como conteúdo do processo penal.
No mesmo sentido dessa nossa proposição, nós vimos, embora sem se
deter a maiores explicações, assentiu o processualista da dogmática jurídico-processual
brasileira HÉLIO TORNAGHI286. Mesmo assim, de igual modo aos outros processualistas
(como LIEBMAN, CALAMANDREI, CELSO NEVES, BUZAID e etc.), depois de isolar do
contexto sociológico, o instituto da Lide, desprezou e cindiu, da teoria processual, todo o
dado conflituoso que dá origem aos processos judiciais, preocupando-se, apenas, em
resgatar tal conceito de Lide. Ora, indagaríamos: para que, então, serve a jurisdição estatal
e o processo judicial senão como meios de resolução de conflitos (litígios)? E: como resolver
os conflitos sociais, os Litígios, sem os conhecer a fundo287? Importa, efetivamente, para o
processualista, para o julgador, enfim, conhecer – inclusive, teórica e cientificamente – o
dado sociológico, isto é, o conflito (o Litígio) para poder, assim, tornar o processo um
instrumento de efetivação de justiça social. Esse, indubitavelmente, é o maior programa, na
atualidade, da teoria processual288. Daí, porque, no nosso estudo, Lide e Litígio são institutos
com a mesma importância teórico-conceitual, pois, na nossa perspectiva teórica e ideológica,
conhecer os elementos e caracteres não só da Lide processual, mas também do Litígio social
286 TORNAGHI, Hélio. A relação processual penal. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 1987. 287 E aqui, é válido destacarmos, a grande, importante e alvissareira contribuição teórica da obra de Francesco Carnelutti para a elaboração de uma teoria, jurídica, do conflito. Isso porque Carnelutti – dentro da dogmática jurídico-processual – foi um dos únicos processualistas preocupados com o dado sociológico ensejador das lides processuais e, por conseguinte, um dos únicos preocupados com a formação de uma teoria do litígio. Não sei, na verdade, se ele o fez de modo incidental e acidental, isto é, sem ter tal preocupação axiológica ou se fê-lo de modo consciente, sabendo da importância, para a Ciência Jurídico-Processual, enquanto tecnologia de decidibilidade de conflitos, de tal temário. O fato é que a sua teoria da Lide (Litígio) – e dos métodos de resolução da mesma – tem uma grande importância neste sentido. E observe que, justamente por causa disso, Carnelutti foi muito criticado pelos demais processualistas, pois esses afirmavam que, em verdade, a lide, enquanto conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida ou insatisfeita, interessava mais ao mundo sociológico (e desse modo às ciências sociais) do que ao mundo jurídico (e desse modo à Ciência Jurídico-Processual). 288 Neste sentido, conferir: Mauro Cappelletti em – CAPPELLETTI, Mauro. Processo e ideologie. Bologna: Il Mulino, 1969; Kazuo Watanabe em – WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. 2. ed. atual. Campinas: Bookseller, 2000); Luiz Guilherme Marinoni em – MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 4. ed. rev. ampla. São Paulo: Malheiros, 2000 e Cândido Rangel Dinamarco em – DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
é condição inelutável e indispensável para a constituição e o exercício de uma jurisdição
otimizante, não apenas satisfaciente.
Desse modo e em assim sendo, importa para o processualista e para o
jurista, em geral, enquanto integrante da jurisdição estatal, conhecer os conceitos de Lide e
Litígio de todos os prismas e matizes teóricos e empíricos possíveis. Até porque, conforme
estamos a afirmar e ver, teórica e empiricamente não há que existir dúvidas, quanto à
discernibilidade de tais elementos conceptuais.
4.1.2 – Litígio e Lide: noções etimo(lógicas).
Até mesmo do ponto de vista etimológico, lexicográfico e filológico, que
são, deveras, também, muito importante289 para a formulação das definições, conceituações
e denominações290 das instituições e institutos da teoria jurídico-processual – conforme bem
assinalou CARNELUTTI291 – Litígio e Lide são conceitos não-referenciais entre si e, por assim
ser, não sinonímicos.
289 Não o mais importante – tendo em vista os problemas da temporalidade, espacialidade e, por assim ser, da contingencialidade da formulação dos construtos –, como salientamos, em nota, na introdução, a observação do processualista uruguaio Eduardo Couture em seu Vocabulário Jurídico (COUTURE, Eduardo. Vocabulario Jurídico. Buenos Aires: Depalma, 1976.). 290 Fazendo uma importante distinção de tais termos (conceito, definição e denominação), assim preceitua Carnelutti que, como vimos, foi um dos poucos, e melhores, processualistas preocupados com o problema da indiscernibilidade de identidade e da equivocidade na formulação dos conceitos jurídico-processuais, in verbis: “O conceito, nascido e formado do pensamento, deve, até certo ponto, sair deste, transferindo-se a uma idéia e, assim, tornar sede diversa no homem. Não vejo, ao menos por hora [sic], outro meio para tal transferência que a linguagem. Assim, da formação interna se passa à formação externa do conceito; pudera dizer-se de sua formação à sua expressão. As fases da expressão do conceito são duas: a definição e a denominação. A definição, em substância, não é mais que a expressão verbal dos caracteres originários do conceito; pode-se dizer, exatamente, a fórmula do conceito. A definição é para o conceito como o modo para o conteúdo [...]. [...] Definir os objetos não quer dizer outra coisa que fabricar os conceitos. [...] Uma ciência sem definições é tão pouco concebível quanto uma ciência sem conceitos. Por outro lado, a definição não basta. Se os conceitos são instrumentos que têm de ser continuamente manejados, necessitam uma luva para colhê-los com a mão; não saberia expressar melhor a utilidade e a eficácia da denominação. A linguagem careceria de agilidade se em lugar dos nomes (comuns) usasse definições. Para usá-las, importa que sejam abreviadas ou concentradas; ou também que a cada definição e, ainda, a cada conceito corresponda um indício próprio, de modo que o segundo chame à primeira. Em suma, sobre a caixa, falta a etiqueta. Essa é a denominação.” (CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de Frederico A. Paschoal. Campinas: Bookseller, 2002, p. 68-69.). 291 Neste sentido, cf.: Ibidem., p. 68-73.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Assim, segundo a etimologia lexicográfica292 dos elementos terminológicos
Litígio e Lide, tais termos são de origem latina – e esse é o único traço em comum entre
ambos – e de morfologia e composicionalidade diferentes. Litígio, no caso, embora utilizado
no português medieval, por volta do século XIII, com uma acepção próxima à de Lide – daí o
termo lidear (século XIII), do latim litigare, de lis litis –, na verdade, deriva do latim litigium
ii, passando a ser usado, assim, a partir do século XV e derivando do verbo, da língua
portuguesa, litigar (século XV). Por sua vez, Lide, mais utilizado na terminologia jurídica (de
língua portuguesa) que Litígio, significando contenda, luta, querela, questão jurídica, a partir
do século XIII, deriva do latim lis litis o qual deu origem, na língua portuguesa, ao verbo
lidear, isto é, pleitear, questionar em juízo (século XIII) e a vários outros substantivos, de
semântica jurídica, tais como litisconsórcio (século XX), litisconsorte (1899), litiscontestação
(século XX), litispendência (1844), todos esses derivados do latim tardio do direito romano.
Sendo assim, Litígio e Lide, termos que, na língua portuguesa – e nas línguas latinas como
um todo –, têm origens etimológicas e lexicográficas diferentes.
Nesta mesma perspectiva de análise etimo-lexicográfica, o processualista
uruguaio EDUARDO COUTURE, em sua valiosa obra Vocabulário Jurídico, falando,
sintaticamente, a respeito da Lite/Litigio (Lide e Litígio, respectivamente, no italiano) de
CARNELUTTI, preceitua, no mesmo sentido de NICETO ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO. Isto
é, traduz a Lite carneluttiana para o espanhol, e para o castelhano, como Litigio, muito
embora também exista, nessas mesmas línguas, o vocábulo Lite, que coincide, inclusive,
letra a letra com a italiana Lite. A explicação, para tanto, é-nos dada pelo próprio “don
NICETO”293 em suas Cuestiones de terminologia procesal294 (texto esse que, inclusive, já
292 Para tal pesquisa, utilizamos o valioso e significativo trabalho de Antônio Geraldo da Cunha em: CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa. 2. ed. 9. reimp. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. 293 Como era carinhosamente chamado Niceto Alcalá-Zamora y Castillo entre os processualistas mexicanos, no período em que ele ficou exilado naquele país. 294 ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, Niceto. Cuestiones de terminologia procesal. México: UNAM, 1972, p. 122-123.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
reproduzimos aqui, mas que, por sua importância elucidativa, do ponto de vista etimológico,
neste momento, fazemo-lo de novo), in verbis:
Lite, ‘litis’, litigio. Prescindiendo de lid, que etimológica e historicamente podría traerse a colación, pero que en la actualidad está desusado em su acepción forense, tres palabras se ofrecen para la versión de lite, concepto clave del Sistema carneluttiano: la latina litis y las castellanas lite y litigio. La primera es utilizada en la ley o en la prática, en las expresiones litispendência, litis-contestatio, litis-consorcio y sus derivadas, litis-expensas, quota-litis curador ad litem, in limine litis. [Litis-denuntiatio, a su vez, es concepto empleado por los procesalistas españoles, pero no por la ley ni por los prácticos]. Sin embargo, habiendo prescindido Carnelutti de la voz latina y optado por la romance, he creído que en la traducción debería adaptarme a su critério. En cuanto a lite, que coincide letra a letra con el término italiano, carece, si no mi equivoco, de entrongue legal, y su uso forense en España es muy escaso. Por ello, y además por ser la unica con derivados directos, entiendo que debe escogerse litigio, aun cuando esta denominación no concuerde siempre (como tampoco ningula de las otras dos) con el significado peculiar que la lite da el autor. La ley de enjuiciamento civil, más aún que de litígio, se sirve de sus derivados: litigante y colitigante, litigar y litigioso (grifos nossos).
COUTURE afirma, ainda, em seu Vocabulario Jurídico295, nesta perspectiva
de análise etimo-lexicográfica, que, etimologicamente falando – assim como nós assentimos
anteriormente – Litigio (que para ele, também, era o termo que melhor traduzia a Lite
carneluttiana; no caso, Lite e Litigio eram termos sinônimos e de mesmo sentido296) derivava
da “voz culta, del latín litigium, ii, de igual significado, derivado del verbo litigo, -are”.
Por sua vez, traduzindo tal termo para a língua de outros países onde a
dogmática jurídico-processual atingiu um alto grau de desenvolvimento acadêmico-científico,
completa, ele: “Litigio. Traducción: Francés, Litige; Italiano, Lite, Litigio; Portugués, Litígio;
Inglés, Dispute, Lawsuit; Alemán, Rechtsstreit”297.
No caso da tradução para o português, equivocou-se o processualista
uruguaio – pelo menos no que diz respeito ao processualismo brasileiro – ao afirmar que o
termo Litígio é o que melhor corresponde à tradução de Lite, já que, entre nós, é mais
295 COUTURE, Eduardo. Vocabulario Jurídico. Buenos Aires: Depalma, 1976, p. 392. 296 “Conflicto de intereses caracterizado por la existencia de una pretensión jurídica resistida o insatisfecha” (Ibidem.,. p. 392). 297 Ibidem., p. 392.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
corrente (embora seja aceitável também o termo Litígio) o uso do termo Lide para
denominar a Lite carneluttiana. Veja-se, por exemplo, a respeito disso (além dos diversos
outros autores que mostramos, quando da análise teórico-conceptual e histórico-descritiva
de Litígio e Lide e da própria nomenclatura utilizada pelo atual Código de Processo Civil), em
trechos de três grandes dicionários jurídicos feitos por importantes processualistas nacionais,
qual a denominação é mais utilizada na dogmática jurídico-processual brasileira para
designar o termo Lite da doutrina carneluttiana:
ELIÉZER ROSA298. Até o aparecimento da obra carnelutiana, o vocábulo ‘lide’ não tinha um significado científico preciso; ora era empregado para designar o conflito de intêresses para cuja composição opera o processo; ora para designar o processo propriamente. CARNELUTTI, porém, compreendendo que a primeira condição do progresso científico é a pureza dos conceitos e a propriedade dos vocábulos, propôs definir a lide como o conflito de intêresses qualificado pela pretensão de um dos litigantes e pela resistência do outro. A lide é, portanto, o objeto fundamental do processo e nela se exprimem as aspirações em conflito de ambos os litigantes. Determinado que o mérito é, no sistema do Código, a lide, impõe-se considerá-la em suas relações com os conceitos de ação e de processo. PLÁCIDO E SILVA299. LIDE. Derivado do latim lis, litis, quer o vocábulo significar contenda, questão, luta. Na terminologia jurídica, designa a demanda ou a questão forense ou judiciária, em que as partes contendoras procuram mostrar e provar a verdade ou razão de seu direito. Embora, por vezes, seja o vocábulo aplicado em sentido equivalente a demanda, traz consigo significação mais ampla: lide é a demanda já contestada aquela em que a luta entre as partes está travada. É a formação já do litígio, nem sempre ocorrente em toda demanda, quando o réu não vem contestar nem se opor às pretensões do autor. CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO300. Logo à abertura da seção reservada a considerações sobre a terminologia do Projeto, cuida a Exposição de Motivos de apresentar o vocábulo lide como o primeiro objeto de suas preocupações, dizendo que ele só vem empregado, no Projeto e, portanto, no Código, ‘para designar o mérito da causa’. A Exposição de Motivos declara expressamente aceitar a conceituação de lide como ‘o conflito de interesses qualificado pela pretensão de um dos litigantes e pela resistência do outro’, para dizer finalmente: ‘lide é, portanto, o objeto fundamental do processo e nela se exprimem as aspirações em conflito de ambos os litigantes’. Logo, observa-se, contundentemente, que na dogmática jurídico-
processual brasileira há uma certa prevalência do termo Lide como designador do conceito
de Lite de CARNELUTTI, muito embora, é sempre válido destacarmos, Lide e Litígio, para a 298 ROSA, Eliézer. Dicionário de Processo Civil. Rio de Janeiro: Editora de Direito, 1957, p. 252. 299 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 23. ed. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 847. 300 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil moderno. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, t. I, p. 193.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
quase unanimidade de processualistas nacionais, são termos sinônimos e referenciais entre
si.
Por outro lado – um pouco diferente da proposta de tradução de
COUTURE, que, como se vê, não presa pela univocidade e simetria denominacional – no
caso das demais línguas dos países301 onde o conhecimento jurídico-processual galgou
patamares de cientificidade, e, sobretudo, tendo em vista a construção, analítico-distintiva,
terminológico-conceptual que ora estamos a estabelecer entre os termos Litígio e Lide,
vejamos, no quadro abaixo, as traduções302 que melhor expressariam a nossa proposição
hipotética de que Lide e Litígio são termos que designam realidades distintas, isto é, a Lide
sendo uma componente resultante do processo de dedução quantitativa e qualitativa do
Litígio em juízo:
LÍNGUA LITÍGIO LIDE Italiano303 Litigio Lite Espanhol304 Litigio Lite Francês305 Litige Poursuite
Alemão306 Streitsache Rechsstreit
301 Em ordem cronológica, tendo em vista o grau de cientificidade das produções cognitivo-jurídico-processuais consecutadas: Alemanha, Itália, Espanha, França e Inglaterra (e Estados Unidos). 302 No entanto, é válido ressaltarmos aqui que, mesmo nessa nossa tentativa de construção de uma denominação unívoca e precisa dos termos Litígio e Lide, algumas dessas denominações, nas suas línguas de origem, servem, também, na práxis jurídica, para designar conceitos de outras instituições e instituições processuais; fato esse que faz com que se prejudique, em certa medida, a univocidade e precisão aqui defendidas para a formulação dos conceitos e denominações jurídicas. Trata-se, como diria Couture, da “nuestra [velha] e habitual equivocidad”. Veja, neste sentido, por exemplo, o caso do termo Lawsuit que, em inglês, além de servir para designar aquilo que na nossa construção chamamos de Lide, serve, também, para indicar, denominacionalmente, a instituição Ação ou, até mesmo, o instituto da Demanda. Na verdade, o que importa aqui, para nós, é deixar claro – não importando tanto, desse modo, o denominador – que os referentes de tais termos são, peremptoriamente, diferentes. 303 Cf. LOGOS LANGUAGE SERVICE. The Logos Group. Italy. http://www.logos.net/. Acesso em: 01 de dezembro de 2003. 304 Cf.: RAE. NTLLE. REAL ACADEMIA ESPAÑOLA. NUEVO TESORO LEXICOGRÁFICO de la LENGUA ESPAÑOLA. España. Real Academia Española. Disponível em: http://buscon.rae.es/ntlle/jsp/azul.jsp. Acesso em: 21 nov. 2002. 305 Cf.: YOURDICTIONARY.COM LIBRARY. The Web of on-line dictionaries. Advisory Council of Exeperts. Disponível em: http://www.facstaff.bucknell.edu/rbeard/diction.html. Acesso em: 21 nov. 2002. E: XREFER. DICTIONARIES OF LAW. Oxford. Collins French Dictionary (2000). Disponível em: http://www.xreferplus.com/. Acesso em: 15 de dezembro de 2003. 306 Fonte: YOURDICTIONARY.COM LIBRARY. The Web of on-line dictionaries. Advisory Council of Exeperts. Disponível em: http://www.yourdictionary.com/languages/germanic.html#german. Acesso em: 21 nov 2001. E: XREFER. DICTIONARIES OF LAW. Oxford. Collins German Dictionary (2001). Disponível em: http://www.xreferplus.com/. Acesso em: 15 de dezembro de 2003.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).
196
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Inglês307 Dispute308 Lawsuit
Assim, em síntese, por tudo aqui visto, não só do ponto de vista da
construção teórico-conceptual que estamos a consecutar, terminológica, etimológica e
lexicograficamente, Litígio e Lide são termos distintos entre si.
Distintos, também porque, conforme assentimos teticamente antes, do
ponto de vista lógico, Litígio e Lide são elementos terminológico-conceptuais que possuem
bedeutung (referência) e sinn (sentido) diferentes, apresentando, assim, uma estrutura de
definiens/definiendum de atributividade diversa, com composicionalidade, também,
diferentes, sendo, deste modo, o Litígio uma expressão categoremática e a Lide, por sua
vez, sincategoremática, ambos caracterizados pelos caracteres, também lógicos, da
discernibilidade de identidade e da opacidade referencial e, dessa maneira,
metodologicamente falando, constituem-se, entre si, variáveis que se inter-relacionam de
forma coextensiva, seqüencial, contingente e probabilista (estocasticamente). Falemos,
então, um pouco dessa, também, diferenciação lógica e metodológica dos termos Litígio e
Lide.
Conforme vimos anteriormente, do ponto de vista lógico, a Bedeutung309
de uma expressão lingüística – entendendo-se essa como um termo, um predicado310 ou
uma frase – é a referência (o referente), isto é, o correlato, a correspondência (o
correspondente), de tal expressão lingüística no mundo factual. Desse modo, efetivamente,
pelas análises que temos consecutado, até então, a respeito dos elementos conceptuais
Litígio e Lide – como expressões lingüísticas que o são (no caso, são termos lingüísticos) –
307 Fonte: CAMBRIDGE DICTIONAIRES ON-LINE. England. Cambridge University Press 2004. Disponível em: http://dictionary.cambridge.org/. Acesso em: 21 nov. 2002. E: XREFER. DICTIONARIES OF LAW. Oxford. Peter Collin Publishing (2000), Wiley Dictionary of Conflict Resolution (2002), Collins Dictionary of Law (1996). Disponível em: http://www.xreferplus.com/. Acesso em: 15 de dezembro de 2003. 308 Poderíamos, também, ter Litigation como sinônimo de Litígio. 309 Cf. FREGE, Gottlob. Function and Concepts. Trad: P Geach e M. Black. Oxford: Blackwell, 1960. Também: DUMMETT, Michael. Philosophy of Language. Londres: Duckworth, 1981. E: ENCICLOPÉDIA DE TERMOS LÓGICO-FILOSÓFICOS. Portugal. Sociedade Portuguesa de Filosofia. Disponível em: http://bd1.bn.pt/enci/. Acesso em: 18 set. 2000. 310 “Trata-se aqui da noção de predicado em sentido lógico, e não no sentido da gramática tradicional ou mesmo generativa. Um predicado é uma expressão linguística de uma linguagem natural ou formal.” (ENCICLOPÉDIA DE TERMOS LÓGICO-FILOSÓFICOS. Portugal. Sociedade Portuguesa de Filosofia. Disponível em: http://bd1.bn.pt/enci/. Acesso em: 18 set. 2000.).
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).
197
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
trata-se, tais termos, de expressões denominacionais que designam realidades factuais
diferentes, de maneira que o correspondente referencial e factual do Litígio é o conflito
intersubjetivo de interesses qualificado pela pretensão resistida ou insatisfeita, enquanto
que, no caso da Lide, o seu correspondente, isto é, o seu correlato referencial e factual é o
conteúdo (para alguns o meritum causae ou streitgegenstand) do mecanismo judicial de
resolução de conflitos que se denomina processo, sendo assim, Litígio e Lide, termos de
bedeutung diferentes.
Deste mesmo modo e por assim ser – isto é, como corolário desta última
assertiva –, Litígio e Lide são, também, termos que possuem sinn311 diferentes, não-
coincidentes. Isso porque, em sendo o sinn (sentido) o modo de apresentação de um objeto
associado a um termo, temos que, no nosso caso, Litígio e Lide – por terem referentes
diferentes (bedeutung e, por conseguinte, objetos diferentes) – têm, também, sinn diversos,
sendo o Litígio o termo referente de uma realidade que chamamos de sociológico-
protojurídica e a Lide o termo referente de uma outra realidade que chamamos de jurídico-
processual.
Por sua vez, ainda do ponto de vista lógico, Litígio e Lide são elementos
conceptuais que têm uma estrutura de definiens/definiendum de atributividade, também,
diversa. De que forma? Vejamos.
Na linguagem lógico-linguística, Definiendum312 é uma expressão nova ou
símbolo que se vai conhecer ou definir a partir de um Definiens313, isto é, a partir de um
conceito anteriormente conhecido ou adquirido. Por sua vez, uma descrição (um conceito) é
usada, estruturalmente, de forma atributiva se o seu conteúdo descritivo for relevante para
estabelecer ou fixar o referente da descrição, caso em que a descrição ocorre
311 Cf. FREGE, op. cit. Também: ENCICLOPÉDIA DE TERMOS LÓGICO-FILOSÓFICOS. Portugal. Sociedade Portuguesa de Filosofia. Disponível em: http://bd1.bn.pt/enci/. Acesso em: 18 set. 2000. 312 Cf. TARSKI, Alfred. Introduction to Logic and to the Methodology of the Deductive Sciences. 4. ed. Oxford: Oxford University Press, 1994. Também: ENCICLOPÉDIA DE TERMOS LÓGICO-FILOSÓFICOS. Portugal. Sociedade Portuguesa de Filosofia. Disponível em: http://bd1.bn.pt/enci/. Acesso em: 18 set. 2000. 313 Ibidem..
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).
198
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
essencialmente. Além disso, num contexto de uso atributivo, uma descrição (um conceito) é
interpretada como identificando aquele único referente (termo) que satisfaz o seu conteúdo
descritivo, pois, se assim não for, se não houver exatamente o referente (termo) que a
satisfaça, isto é, se a condição de unicidade não for satisfeita, então, a descrição (o
conceito) não tem referência (referência imprópria) e em qualquer contexto lingüístico em
que ocorra é ou falsa ou está sendo usada, apenas referencialmente314, eivada, assim, de
equivocidade. No caso, aplicando tais assertivas aos elementos Litígio e Lide e seus
respectivos referentes conteudísticos, isto é, seus objetos de referência, temos que, na
formatação dos conceitos de tais termos, o definiens – e, por conseguinte, o definiendum –
que foi utilizado para o designador Litígio é diferente do usado para o designador Lide,
sendo o definiens daquele o conceito de conflito de interesses qualificado pela pretensão
resistida ou insatisfeita e o, deste, o conceito de conflito (Litígio), mas na exata medida em
que foi deduzido em juízo, consubstanciando assim o meritum causae ou streitgegenstand
do processo. Em assim sendo, e pelo que temos visto, tais termos – Litígio e Lide – dentro
da teoria jurídico-processual e, por conseguinte, da Ciência Jurídico-Processual, para se
evitarem os perigos da equivocidade e da sinonímia conceituais, devem ser usados de forma
atributiva e nunca referencial, posto que Lide e Litígio são designadores distintos.
De outra parte, falando ainda de um logical point of view, os termos Litígio
e Lide são elementos conceptuais caracterizados, também, por aquilo que na linguagem da
lógica e da linguística se denomina de opacidade referencial315 e de discernibilidade de
314 A respeito do uso referencial de uma descrição ou conceito, entenda-se: “uma descrição é usada referencialmente se a conformidade com o seu conteúdo descritivo não for uma condição necessária para a identificação do seu referente – isto é, se essa identificação se der, não através desse conteúdo descritivo, mas da verificação de condições contextuais que permitam tornar clara a intenção do locutor de se referir, por meio da descrição, a um indivíduo específico. Quando uma descrição está a ser usada referencialmente, portanto, ela não tem de satisfazer a condição de unicidade para que as frases em que ocorre possam ser verdadeiras; e o significado dessas frases seria preservado se a ocorrência da descrição nelas fosse substituída por qualquer outra maneira de designar o seu referente. A descrição, neste caso, é não mais do que um substituto lingüístico do gesto de apontar.”, em: Ibidem. 315 Cf. QUINE, W. V. Reference and Modality. From a Logical Point of View. Cambridge: Harvard University Press, 1953. E: ENCICLOPÉDIA DE TERMOS LÓGICO-FILOSÓFICOS. Portugal. Sociedade Portuguesa de Filosofia. Disponível em: http://bd1.bn.pt/enci/. Acesso em: 18 set. 2000.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).
199
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
identidade316. No caso, diz-se que há, num determinado contexto lingüístico, opacidade
referencial, quando não se pode ocorrer o principio lógico da substituição salva veritate, isto
é, quando não há possibilidade de substituição de um determinado termo por outro, posto
que tais termos não são referenciais entre si (como, na nossa perspectiva, Lide e Litígio).
Assim sendo, os contextos lingüísticos onde o princípio da substituição salva veritate não
pode ser aplicado são referencialmente opacos e, ao contrário, os contextos lingüísticos onde
tal princípio lógico pode ser aplicado são referencialmente transparentes. Por sua vez, a
indiscernibilidade de idênticos estabelece-se sempre que for possível a aplicação do princípio
da substituição salva veritate. Deste modo, dada uma afirmação de identidade verdadeira
qualquer dos seus termos pode ser substituído pelo outro. Por assim ser, no nosso caso,
Litígio e Lide são termos caracterizados não pela indiscernibilidade de identidade, mas pela
discernibilidade de identidade, posto que não-referenciais entre si, tendo cada um deles um
campo semântico, sintático e pragmático próprio.
Por fim, ainda sob o prisma lógico, Litígio e Lide são elementos
terminológico-conceptuais de composicionalidade diferentes, sendo um – o Litígio – de
composicionalidade categoremática e o outro – a Lide – de composicionalidade
sincategoremática. Explicando melhor: na lógica, quanto à classificação, mais precisamente
no que diz respeito à sua função, diz-se que um termo é categoremático quando, por si
mesmo, já significa algo, isto é, é uma categoria, como, no nosso caso, o Litígio o é, posto
que, em si, tem significado, já que se constitui numa realidade factual (sociológica)
independente. Ao contrário, na linguagem lógica, diz-se que um termo, quanto à sua
classificação funcional, é sincategoremático, quando, por si mesmo, não tem significado
conceptual. Em, assim sendo, só o terá, se associado a conectores lógicos, como no caso do
conceito de Lide que depende do conceito de relação jurídico-processual, de processo.
Assim, em síntese, o termo Litígio tem composicionalidade categoremática, posto que tem 316 Cf. KRIPE, S.. Naming and Necessity. Oxford: Blackwell, 1980. E: QUINE, W. V. Reference and Modality. From a Logical Point of View. Cambridge: Harvard University Press, 1953. Também: ENCICLOPÉDIA DE TERMOS LÓGICO-FILOSÓFICOS, op. cit.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).
200
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
sentido completo, independentemente do processo. Por sua vez, o termo Lide tem
composicionalidade sincategoremática, posto que tem sentido incompleto, só entendido,
assim, como tal, no âmbito processual.
Por último, no que diz respeito à relação método(lógica) que se pode
estabelecer entre os elementos terminológico-conceptuais sub examen, como mais uma
possibilidade atestativa da discernibilidade existente entre tais elementos, temos que Litígio
e Lide são variáveis (conceitos-categoria) da teoria jurídico-processual – sendo o Litígio uma
variável independente e a Lide, por sua vez, uma variável dependente317 – que se inter-
relacionam de forma recíproca e interveniente – posto que estabelecem uma relação de
causa e efeito, lógico, mas não-necessário, sendo, in casu, o Litígio o antecedente
crono/lógico e a condição sine qua non para a existência da Lide ; coextensiva – posto que
ocorrendo o Litígio, pode ocorrer a Lide; seqüencial – posto que a priori ocorre o Litígio e a
posteriori ocorre a Lide; contingente – posto que se ocorre o Litígio, então ocorrerá a Lide (o
processo) se os pressupostos e supostos processuais e as condições da ação estiverem
presentes; e probabilista ou estocástica – posto que dada a ocorrência do Litígio, então
provavelmente ocorrerá a Lide.
Assim – acrescentando tais argumentações ao que já enunciamos
assertivamente antes – em síntese, por tudo o que vimos nesta subseção, a construção,
analítico-distintiva, que estamos a consecutar entre Litígio e Lide é aferível, tanto do ponto
de vista terminológico, etimológico e lexicográfico, quanto, também, do ponto de vista
método(lógico).
Destarte, feito isso, passemos, agora, dentro desta nossa perspectiva
analítico-distintiva, à consecução, precisa, das definições e delimitações teórico-conceituais
dos institutos Litígio e Lide, já sabendo, até aqui, que, diferentemente das acepções dadas
pela dogmática jurídico-processual para tais elementos conceptuais, para nós, Litígio e Lide
317 Lembremos, aqui, do sentido de categoremático e sincategoremático para entendermos o porquê do Litígio ser uma variável independente e a Lide uma variável dependente.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.1 – Litígio e Lide: noções propedêuticas e etimo(lógicas).
201
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
são conceitos-categoria distintos entre si, sendo aquele – o Litígio – um conceito-categoria
de ordem sociológica e protojurídica e este – a Lide – um conceito-categoria de ordem
jurídico-processual, nos termos adiante explicitados.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.
202
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.
O Litígio, conforme estamos a enunciar, propor e demonstrar, teticamente,
aqui, do ponto de vista terminológico-conceptual318 e empírico-crítico319, difere do instituto
da Lide – que veremos a seguir.
Assim, o Litígio – nós assentimos – ao contrário do que enuncia e propõe –
sem nenhum respaldo de demonstrabilidade, é verdade, mas apenas de dogmatismo ou, ao
menos, de conformismo semântico e histórico – a opinio communis doctorum da dogmática
jurídico-processual, seja ela clássica ou moderna, estrangeira ou nacional, seria não o
correspondente sinonímico e referencial do instituto da Lide, mas, diferentemente, um
fenômeno de ordem, eminentemente, sociológica e protojurídica – com todos os caracteres
principiológicos e estruturantes que veremos adiante – a partir do qual ocorre a formação da
Lide, enquanto fenômeno jurídico-processual que o é.
In casu, como dissemos, tal Lide é formada a partir de um processo de
transformação e dedução, quantitativa e qualitativa, do Litígio social em juízo, sendo assim,
aquela, apenas um dos momentos sociológicos – o qual BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS320
denomina de domínio de judicialização oficial do Litígio – porque passam os conflitos
interindividuais ou grupais dentro da “trama social”321, conforme veremos nesta subseção.
Destarte, em síntese, o Litígio é, tética e conteudisticamente, um instituto
(conceito-categoria) protojurídico-sociológico, um verdadeiro pressuposto processual, de
natureza fáctico-causal-sociológica, de referibilidade extrínseca, portanto, exoprocessual, de
composicionalidade lógica categoremática (como vimos), constituindo em si um antecedente
318 E aqui se enquadram as noções distintivas de ordem etimológicas, lexicográficas, metodológicas, lógicas e teórico-conceptual que acabamos de ver. 319 Por sua vez, aqui se enquadrando mais, precipuamente, as noções distintivas de ordem teleológico-funcional. 320 SOUSA SANTOS, Boaventura de; LEITÃO MARQUES, Maria Manuel e PEDROSO, João. Os tribunais nas sociedades contemporâneas. In Revista Brasileira de Ciências Sociais. N. 30. 321 Ibidem.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.
203
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
fáctico-causal, e lógico, do processo judicial e caracterizado, essencialmente, pela
contendere (contenda) de sujeitos em face de uma pretensão – resistida ou insatisfeita –
vetorialmente contrária ao interesse da outra parte que, graficamente, baseados na
concepção romanística de actio e na Teoria Linear de JOSEF KÖHLER, num momento exo e
pré-processual, poderíamos representar da seguinte maneira:
Pretensão
L = Sc1 actio Sc2, onde L é litígio e Sc é sujeito contendedor.
Resistência
Assim, e do mesmo modo, diagraficamente, agora tendo em vista a
proposição tética acima enunciada e, sobretudo, tomando-se em consideração as variantes
relativas aos matizes teórico-conceptuais322 da definibilidade/conceituação, da
elementaridade constitutiva e da caracterização principiológico-estrutural, temos,
representativa e sinteticamente, o instituto do Litígio, nos seguintes termos:
322 Entendemos aqui – sob uma perspectiva lógica, terminológica e lingüística – como Matiz Teórico-conceptual as diversas variáveis – por certo, ponderáveis – de ordem epistêmica e cognoscitiva (por isso, teórico e conceitual) que delimitam, definem (daí o matiz definibilidade/conceituação), constituem (daí o matiz elementaridade constitutiva), caracterizam, principiam e estruturam (daí o matiz caracterização principiológico-estrutural) um determinado objeto de conhecimento. In casu, tais variáveis epistemo-cognoscitivas estão sendo aplicadas no processo de cognição (qualificação e quantificação) do objeto aqui denominado Litígio. Para um melhor entendimento de tais termos e associações, conferir: ENCICLOPÉDIA DE TERMOS LÓGICO-FILOSÓFICOS. Portugal. Sociedade Portuguesa de Filosofia. Disponível em: http://bd1.bn.pt/enci/. Acesso em: 18 set. 2000. Também: CAMPOS, Maria Luiza de Almeida. Linguagem Documentária: teorias que fundamentam sua elaboração. Rio de Janeiro: EdUFF, 2001. E ainda: DUBOIS, Jean, MATHEÉ, Giacomo et alii. Dicionário de Lingüística. 8. ed. São Paulo: Editora Cultrix, 2001.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.
204
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Matiz Teórico-Conceptual Litígio323
Definibilidade/Conceituação Conceito-categoria sociológico – uma construção social.
Elemento subjetivo: Indivíduo ou grupo. Elemento objetivo: Bem da vida. Elemento causal: Pretensão/Resistência. Elemento material: Conflito de interesses.
Elementaridade constitutiva
Elemento formal: Pretensão resistida ou insatisfeita.
Instituto sociológico-protojurídico. Pressuposto processual. Natureza fáctico-causal-sociológica. Referibilidade extrínseca. Exoprocessual. Antecedente fáctico-causal e lógico.
Caracterização principiológico-estrutural
Composicionalidade categoremática.
Representação Gráfica (Teoria Linear, Josef Köhler)
Pretensão L = Sc1 actio Sc2,
Resistência
onde L é litígio e Sc é sujeito contendedor.
Pois bem. Visto isso e em assim sendo, passemos a estudar, a partir de
agora, de forma eminentemente pormenorizada e objetiva, o instituto do Litígio, tomando-se
em consideração a proposição tética anteriormente enunciada – qual seja, a de que o Litígio
é, terminológico-conceptualmente, um instituto (conceito-categoria) protojurídico-
sociológico, um verdadeiro pressuposto processual, de natureza fáctico-causal-sociológica,
de referibilidade extrínseca, portanto, exoprocessual, de composicionalidade lógica 323 É importante ressaltarmos aqui que, do ponto de vista da terminologia sociológica, prefere-se utilizar, para designar aquilo que aqui denominamos de Litígio, o designador Conflito. Assim, os principais autores e trabalhos sociológicos utilizam o termo conflito para designar a situação de conflitualidade social e, desse modo, somente se esta chegar aos tribunais, é que a partir daí se erige uma nova categoria: a de Litígio. No caso do nosso estudo, a partir do momento em que o conflito (Litígio) é deduzido em Juízo, forma-se não o Litígio, mas a Lide. Parece-nos mais coerente e adequado, assim, tanto do ponto de vista terminológico-conceptual, quanto do ponto de vista da teoria jurídico-processual.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.
205
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
categoremática, constituindo em si um antecedente fáctico-causal, e lógico, do processo
judicial e caracterizado, essencialmente, pela contendere de sujeitos em face de uma
pretensão – resistida ou insatisfeita – vetorialmente contrária ao interesse da outra parte –
associada, agora, aos matizes teórico-conceptuais da definibilidade/conceituação,
elementaridade constitutiva e caracterização principiológico-estrutural, todos representados
no diagrama retro. Vejamos, então.
4.2.1 – Litígio: definibilidade e conceituação324.
O Litígio, enquanto dado sociológico que é325, deve ter o seu campo de
definibilidade e conceituação formatado não só pelo viés da teoria jurídico-processual –
como o faz a doutrina processual tradicional –, mas também e precipuamente, pelo viés da
teoria sociológica. Talvez esse seja, inclusive, um dos grandes erros e enganos da dogmática
jurídico-processual no caso dos institutos Lide/Litígio. Isso porque, como vimos, no processo
de definibilidade e conceituação de tais elementos – por certo, de natureza híbrida, posto
que, de um lado, jurídico-processual e, de outro, sociológica – procura esta (a dogmática
processual) tão-somente dentro da teoria jurídico-processual, sem se preocupar com a teoria
sociológica dos conflitos, os elementos, caracteres e critérios para delimitar o campo teórico-
termino-conceptual de tais institutos; daí a noção de Lide (Litígio) como sendo, apenas, o
meritum causae do processo – destituída, assim, de qualquer viés sociológico – levada a
324 Lembremos aqui da distinção entre definição e conceito já consecutada por nós neste trabalho, sendo este, em verdade, o conteúdo referencial daquela. Assim, através de processos de definibilidade – processos nos quais são utilizados certos critérios, como o de eliminabilidade, genus proximun e diferentia specifica, por exemplo – se chega à formatação – dentro de um determinado campo teórico – dos conceitos (Cf. CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de Frederico A. Paschoal. Campinas: Bookseller, 2002, p. 68-69. Também: BIELSA, Rafael. Los conceptos jurídicos y su terminologia. 3. ed. aum. Buenos Aires: Depalma, 1993, p. 24-25.). 325 Posto que, diferentemente do processo judicial que é um dado culturalmente estabelecido (cultura jurídica de resolução de conflitos), o Litígio é um elemento ínsito ao fenômeno social, independentemente da elaboração cultural dos indivíduos. Neste sentido, Miranda Rosa, afirma: “É elementar na teoria sociológica a afirmação de que a vida social envolve dois grandes tipos de processos de interação, uns tendentes a aglutinar ou acentuar a associação, e outros tendentes a afastar ou reduzir a interação grupal. Os mais importantes dos processos dissociativos, ou de afastamento, segundo os autores consagrados, são os processos de competição e conflito. [...] Em realidade, o processo de conflito é observável em todas as manifestações da vida social” (MIRANDA ROSA, F. A. de. Sociologia do Direito: o fenômeno jurídico como fato social. 7. ed. rev. acresc. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980, p. 78).
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.
206
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
cabo por processualistas como CALAMANDREI, LIEBMAN, ARRUDA ALVIM e CELSO NEVES e
ALFREDO BUZAID, entre os nossos.
Um erro crasso e grave com várias repercussões e implicações – tanto do
ponto de vista teórico-conceptual, quanto do ponto de vista da práxis jurídica – que não
contribuem, assim, conforme estamos a ver, para o acoplamento estrutural e conceitual do
sistema de conhecimento da Ciência Jurídico-Processual e para o aprimoramento do
processo judicial como instrumento de tecnologia de decidibilidade de conflitos.
Litígio, assim, fora desta perspectiva de definibilidade tradicional e
enquanto dado sociológico que é, e, por assim ser, definindo-o a partir de critérios não
apenas jurídicos, mas também sociológicos, como bem fê-lo CARNELUTTI a contrario
sensu326, inclusive, do pensamento de importantes processualistas da dogmática jurídico-
processual que o condenaram por elaborar um conceito que, desse modo, importava mais à
Sociologia do que ao Direito é, sim, peremptoriamente, um conflito de interesses qualificado
por uma pretensão resistida ou insatisfeita que ocorre no plano factual, fora, ainda, do plano
jurídico-processual.
Em assim sendo, trata-se de um conceito de ordem sociológica, mas que,
por importar, de forma contundente, incidental e peremptória para o Direito, enquanto
sistema oficial de regulação de condutas, é, também, um conceito de ordem jurídica, no
caso, protojurídica, na exata e mínima medida de fator ensejador das lides processuais. Daí
o porquê da terminologia “protojurídico”: isto é, no sentido de dado inicial (proto) – pelo
menos potencialmente – de formação do fenômeno da litigação ou lidegação (“lidegação” =
lide + ação) judicial – utilizando, aqui, um neologismo a partir da distinção proposta.
No caso, e mais ainda, o Litígio enquanto dado sociológico e protojurídico
que é, mais que um conceito, formatado a partir de critérios sócio-jurídicos, trata-se, pela
sua importância e posição fundamentais (embora não-central, claro) dentro da teoria 326 Embora, como dissemos anteriormente, não sabemos se o processualista italiano montou tal conceito de Lide/Litígio consciente de que se tratava de um conceito a ser elaborado, sobretudo, dentro de uma perspectiva sociológica.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.
207
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
processual e, por conseguinte, da Ciência Jurídico-Processual, de um conceito-categoria327.
Conceito-categoria este que, sociologicamente falando, segundo LEWIS A. COSER328, citado
por MIRANDA ROSA329, pode ser definido “como uma luta a respeito de valores ou
pretensões a posições, a poder ou a recursos que não estão ao alcance de todos, em que os
objetivos dos oponentes, ou ‘adversários’ são neutralizar, ferir ou eliminar os rivais”.
Do mesmo modo, definindo-o, ainda, segundo as teorias sociológicas,
EMILIO WILLEMS330, também citado por MIRANDA ROSA, afirma que se trata de um
processo conflituoso de “competição consciente entre indivíduos ou entre grupos, que visa à
sujeição ou à destruição do rival [intragrupal ou intergrupal]”331, e que se reveste de
diversas formas, tais como “a rivalidade, a discussão até o litígio [Lide], o duelo, a
sabotagem, a revolução, a guerra, compreendidas[os] nele, portanto, todas as formas de
lutas abertas ou não”332.
Neste mesmo sentido, BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, falando sobre o
fenômeno da litigiosidade (lidegiosidade) e da conflitualidade social e interindividual, na
nossa direção, assente que o Litígio, muito mais que um dado jurídico, que um conceito
jurídico – até porque, diz ele, o simples “comportamento lesivo de uma norma não é
suficiente para, por si só, desencadear o litígio”333, existindo, assim, diversos outros fatores
confluenciadores do mesmo – é uma construção social e, por assim ser, um conceito
sociológico “na medida em que o mesmo padrão de comportamento pode ser considerado
litigioso ou não consoante a sociedade, o grupo social ou o contexto de interações em que
ocorre”334.
327 Lembremos aqui da noção de categoria que já apontamos, isto é, categoria como unidade sistemática de conhecimento (instituição ou instituto) instituída no campo da Zetética Jurídica – rever p. 17/18, nota 2. 328 Cf. COSER, L. A. The Functions of Social Conflict. New York: The Free Press, 1956. 329 MIRANDA ROSA, F. A. de. Sociologia do Direito: o fenômeno jurídico como fato social. 7. ed. rev. acresc. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980, p. 77-78. 330 WILLENS, Emilio. Dictionnaire de Sociologie. Paris: Marcel Riviere et Cie, 1960. 331 MIRANDA ROSA, op. cit. 1980, p. 78. 332 Ibidem., p. 78. 333 Ibidem., p. 17-18. 334 Ibidem., p. 17.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Assim, continua ele, em verdade, o Litígio é uma construção nitidamente
de cunho sociológico sob a qual, de forma interativa e relacional, age um conjunto de
variáveis, de várias ordens (estrutural, conjuntural335, interpessoal, psicológica), todas
sociológicas – tais como, o nível de desenvolvimento econômico e social336, o tipo de cultura
jurídica337, o nível de percepção e avaliação do dano338, o tipo de domínio social onde estão
inseridos os sujeitos conflitantes (família, trabalho, igreja, vizinhança etc) e, por conseguinte,
de relação social339, o tipo de objetivos dos litigantes e, por fim, os mecanismos de
335 Porque, segundo ele, há uma nítida influência de fatores estruturais e conjunturais nos níveis e tipos de conflitualidade e litigação. Veja-se, por exemplo, que no período do Estado Liberal, por fatores estruturais e conjunturais conhecidos por nós, os litígios que eram levados aos tribunais eram tão-somente aqueles relativos à litigiosidade interindividual (microlitigiosidade), extravasando-se, assim, a chamada macrolitigiosidade social. Por sua vez, no período do Welfare State, surgiram, por conta também de fatores estruturais e conjunturais outros tipos de litígios, tais como, os relativos aos direitos de terceira geração (direito do consumidor, direito ambiental e etc). Assim ele resume: “uma análise sociológica do sistema judiciário não pode assim deixar de abordar as questões de periodização, do desempenho judicial de rotina ou de massa, e dos fatores sociais, econômicos, políticos e culturais que condicionam historicamente o âmbito e a natureza da judicialização da conflitualidade interindividual e social num dado país ou momento histórico” (Ibidem., p. 3). 336 Neste sentido, diz Boaventura de Sousa Santos: “O nível de desenvolvimento econômico e social afeta o desempenho dos tribunais [...]. [...] o nível de desenvolvimento condiciona [também] o tipo e o grau de litigiosidade social e, portanto, de litigiosidade judicial. Uma sociedade rural dominada por uma economia de subsistência não gera o mesmo tipo de litígio que uma sociedade fortemente urbanizada e com uma economia desenvolvida. [...] Acresce que o aumento do desenvolvimento socioeconômico não induz necessariamente ao aumento da litigação; em geral, pode induzir um aumento em certas áreas ou tipos de litigação ao mesmo tempo que induz uma diminuição noutras.” (Ibidem., p. 12,15). 337 Nesta perspectiva, Boaventura afirma, ainda, que a variável “nível de desenvolvimento socioeconômico” não pode explicar por si só o nível e o tipo de conflitualidade e de litigação interindividual e social. Assim, outros fatores, tal como a variável “cultura jurídica dominante” do país – associada à cultura política e, por assim ser, à cultura de cidadania – explicam tal tipologia de conflitualidade e litigação. Diz ele, explicando tal variável: “A cultura jurídica é o conjunto de orientações a valores e interesses que configuram um padrão de atitudes diante do direito e dos direitos e diante das instituições do Estado que produzem, aplicam, garantem ou violam o direito e os direitos. [...] A idéia [é] que a propensão a litigar é maior numas sociedades que noutras e que as variações estão, em parte pelo menos, ancoradas culturalmente, na medida em que a propensão a litigar não aumenta necessariamente na mesma medida do desenvolvimento econômico. Se em certas sociedades os indivíduos e as organizações mostram uma clara preferência por soluções consensuais dos litígios ou de todo modo obtidas fora do campo judicial, noutras a opção por litigar é tomada facilmente.” (Ibidem., p. 16). 338 Quanto a esta importante variável que determina o tipo e o grau de conflitualidade e litigiosidade social e judicial, Boaventura assente que a simples violação da norma – como citamos antes – não é por si só, em muitos casos, um elemento a partir do qual irá emergir o litígio. Isso só se dá quando há por parte do sujeito (indivíduo ou grupo) uma certa capacidade de identificação e avaliação dos danos produzidos. Acrescenta ele que, desse modo, níveis baixos de litigiosidade não indicam necessariamente baixa incidência de comportamentos injustamente lesivos. E resume: “As pessoas expõem-se a danos e são injustamente lesadas em muito mais situações do que aquelas de que têm consciência. Certos grupos sociais têm uma capacidade muito maior que outros para identificar os danos, avaliar a sua injustiça e reagir contra ela.” (Ibidem. p. 18). 339 Neste sentido, diz Boaventura: “Para além do fator de personalidade e das variáveis estruturais há ainda que contar com as variáveis interpessoais, ou seja, com a natureza das relações entre indivíduos, no contexto das quais surge uma situação potencialmente litigiosa. Por exemplo, o mesmo comportamento tido por um familiar íntimo ou por um estranho pode ter significados totalmente distintos. O tipo de domínio social em que se tecem as relações é igualmente decisivo. [Assim], a consistência, a multidirecionalidade, a profundidade e a duração da relação são fatores decisivos, consoante as circunstâncias, na criação ou no bloqueio de situações de litigiosidade.” (Ibidem., p. 18).
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
resolução340 de tal conflito – que formam entre si um complexo sistema de feedback que, em
assim sendo, influenciam e determinam todo o processo de emergência, transformação e
resolução do Litígio.
Fala-se, assim, em processo de emergência, transformação e resolução do
Litígio, porque, este fenômeno, a partir do momento em que é desencadeado na realidade
social – influenciado que é por todas essas variáveis de ordem sociológica apontadas por
BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS – não é o mesmo em toda a sua trajetória de vida na
trama social. Daí a importância que se tem de o jurista, o processualista e, principalmente, o
juiz, conhecer tal fenômeno do Litígio em suas múltiplas e variadas faces a fim de se fazer
cumprir os postulados da efetividade e eficácia do processo e da tutela jurisdicional,
enquanto instrumentos de promoção de justiça social e de uma jurisdição otimizante e não
meramente satisfaciente.
Desse modo, ao contrário do que pensam os processualistas da dogmática
jurídico-processual ao assentirem que o conflito (Litígio) tem a mesma forma em toda a sua
extensão até chegar aos tribunais, o Litígio passa, assim, por uma verdadeira trajetória de
mutação, tudo isso tendo em vista os fatores variantes já apontados e, principalmente,
tomando-se em consideração os objetivos e mecanismos utilizados pelas partes para a sua
resolução. De modo que, uma vez submetido a um determinado método de resolução –
qualquer que seja este341 – o Litígio é, substancialmente, transformado, tendo em vista,
agora, outras variáveis, tais como, poder de decisão de quem julga342, estilo da decisão343 e
340 Afirma Boaventura, a respeito destas variáveis: “Uma vez desencadeado o litígio, o seu âmbito pode variar enormemente, não só em função dos fatores ou variáveis de que falamos atrás, mas também dos objetivos dos litigantes e dos mecanismos que julgam ter à sua disposição para levar a cabo esses objetivos.” (Ibidem., p. 19). 341 E aqui vale salientar, segundo a teorização de Boaventura de Sousa Santos, que o processo de escolha dos mecanismos de resolução de conflitos – sejam estes oficiais ou não-oficiais – tem a ver, sobretudo, com os tipos de relações que existem entre as partes em Litígio, com a área social de litigação (domínio social), com os níveis de socialização de ambas as partes, com os mecanismos de resolução de que dispõem estes para realizar a sua escolha, além de outros fatores de ordem econômica, social e cultural, conforme vimos. 342 Quanto aos poderes de decisão de terceiros, as decisões, segundo Boaventura de Sousa Santos, podem ser de três tipos: mediação, arbitragem e adjudicação. Na mediação, o terceiro chamado não decide, nem sequer propõe uma decisão, limitando-se, tão-somente, a aproximar, progressivamente, as posições das partes em Litígio, até conseguir reduzir a zero as contradições ou diferenças entre elas. Por sua vez, na arbitragem, o terceiro é chamado pelas partes a proferir uma decisão, qualquer que seja ela, que será, inclusive, vinculativa entre as partes. Já na adjudicação, há, também, uma decisão vinculativa, sendo que, no caso desta, tal decisão
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
tipo de recurso normativo344, “antes mesmo de ser eventualmente resolvido por ele”. Daí
porque, da emergência e surgimento do fenômeno litigioso até a sua efetiva resolução por
parte da Jurisdição estatal – quando tal resolução não é feita por um meio alternativo –
peremptoriamente, o Litígio, enquanto fenômeno sociológico que é levado ao processo,
passa por um amplo processo de transformação345 qualitativa e quantitativa que, no âmbito
da teoria processual, denominamos de procedimento de dedução (da res in iudicium
deductae, dos italianos ou da gerichtlich verfolgbaren anspruch, dos alemães)346.
Neste sentido, falando sobre esse processo de transformação por que
passa o Litígio no seio social e, depois, perante as instâncias judiciais, BOAVENTURA DE
SOUSA SANTOS, assente, in verbis, apresentando, por fim, a sua chamada “Pirâmide de
Litigiosidade”, por certo, representativa deste fenômeno de transformação do Litígio, que:
Uma vez submetido a um dado mecanismo de resolução, qualquer que seja o seu tipo, o litígio é transformado pelos poderes, estilos e recursos normativos do mecanismo, antes mesmo de ser eventualmente resolvido por ele. O familiar, o terapeuta, o vizinho, a associação, a Igreja, cada um deles à sua maneira reformula, expande ou contrai o litígio à medida que toma notícia dele, de modo a adequá-lo ao tipo de solução que pode credívelmente proferir à luz dos seus poderes, estilos e recursos normativos. A resolução do litígio pode então ocorrer e ser aceita, caso em que a trajetória do litígio chega ao fim. E o mesmo sucede se a parte lesada se resigna perante a ausência de resolução ou perante uma resolução que, apesar de iníqua, não sente poder contestar. Se nenhuma dessas situações acontecer, o mecanismo de resolução terá falhado os seus propósitos e a trajetória do litígio prossegue e com um nível de polarização eventualmente ainda mais elevado. E pode prosseguir, quer para se submeter a outros mecanismos de resolução informal ou não oficial, quer para se submeter aos
não deriva de um contato interpartes, mas de um comando jurídico a que estão efetivamente sujeitas, por força do Direito, todas as partes envolvidas no Litígio. 343 Quanto ao estilo decisório e, é certo, vinculando tais estilos aos poderes de decisão de terceiros, temos que as decisões, segundo Boaventura de Sousa Santos – baseado nas classificações de Laura Nader e Phillip Gulliver, podem ser de dois tipos: decisão mini-max e decisão soma-zero. Na decisão do tipo mini-max, procura-se maximizar o compromisso entre as pretensões em oposição de maneira que a distância entre quem ganha e quem perde seja o mínimo possível, tendendo a nulo tal diferença. Por outro lado, na decisão do tipo soma-zero, as chamadas decisões de adjudicação, maximiza-se a distinção e a distância entre a pretensão acolhida e a pretensão rejeitada e, por assim ser, a distância entre quem ganha e quem perde. 344 Quanto aos recursos normativos de que se utiliza o terceiro para decidir o Litígio, estes podem ser, segundo Boaventura de Sousa Santos, de três tipos: de natureza jurídica, técnico-profissional, ou ética. 345 Nesta perspectiva, Boaventura, também, afirma que a transformação judicial a que é submetido o Litígio começa já com a simples consulta ao advogado. Diz ele que, neste momento, já se abre um leque de possibilidades para o Litígio, criando-se, assim, novas alternativas de resolução, algumas das quais com um alto grau de extrajudicialidade. 346 Perceba que esta assertiva está sendo fundamentada em uma pesquisa sociológica! Não é apenas uma enunciação teórico-conceptual.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
tribunais [domínio de judicialização oficial do litígio]. [...] o processo de transformação do litígio no seio dos mecanismos de resolução informais que eventualmente intervieram e falharam em momentos anteriores prossegue agora e com muito maior intensidade, dado o caráter especializado e profissionalizado da intervenção judicial (grifos e intercalações nossas).347 O conceito de pirâmide de litigiosidade tem vindo a ser utilizado para dar conta, por recurso a uma metáfora geométrica, do modo como são geridas socialmente as relações litigiosas num dada sociedade. Sabendo-se que as que chegam aos tribunais e, destas, as que chegam a julgamento, são a ponta da pirâmide, há que conhecer a trama social que intercede entre a ponta e a base da pirâmide.348
Pirâmide de Litigiosidade e de Métodos de Resolução.
(Boaventura de Sousa Santos)
Legenda Pirâmide dos Litígios e sua resolução
1 Relações sociais com potencialidades de lesão 2 Lesão com percepção e avaliação da lesão 3 Reclamação junto do responsável pela lesão 4 Polarização 5 Tentativa de resolução por terceira parte (resolução e não resignação) 6 Polarização 7 Recurso ao Tribunal (desistência e acordo) 8 Julgamento
347 Ibidem., p. 20-21. 348 Ibidem.. p. 17.
8
7
6
5
4
3
2
1
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Assim, analiticamente e em verdade, pelo que se observa de tal pirâmide
de litigiosidade – por certo representativa dos processos de emergência e transformação
porque passa o Litígio no seio social – a intervenção judicial, instante em que tal Litígio se
transforma em uma Lide processual, apesar de ser um momento crucial e determinante na
história de vida de um Litígio, não esgota a compreensão de tal fenômeno em toda a sua
riqueza e dimensão sociológicas. Isso porque, como se vê na base da pirâmide (figuras de 1
a 5), muitas das situações de conflitualidade interindividual e grupal, ocorridas na realidade
social, são resolvidas por mecanismos alternativos de justiça ou, simplesmente,
abandonadas – tendo em vista o conformismo e resignação das partes ou outros fatores
como o de avaliação do custo-benefício da formação de uma eventual Lide – sem que se
chegue, assim, tal Litígio, a uma instância judicial.
De igual modo, observa-se que a transformação dos Litígios sociais –
enquanto relações intergrupais ou intragrupais que emergem e se transformam segundo
dinâmicas sociológicas identificáveis – em Litígios judiciais (Lides), só ocorre em
determinadas situações específicas que, mesmo assim, não constituem, estas, na maioria
das vezes, situações primárias de resolução de conflitos, de forma que a instância judicial –
mesmo de primeiro grau – passa a ser, sociologicamente falando, mais uma instância
recursal, isto é, uma última possibilidade de resolução do conflito.
No mais, é de se destacar também, quanto aos elementos e caracteres que
devem ser, ainda, levados em conta para o processo de definibilidade e conceituação do
Litígio, que todas aquelas categorias, também de ordem teórico-sociológica (eu diria até, de
ordem teórica e psicossociológica349) que CARNELUTTI nos legou para chegar ao conceito,
por ele definido, de Lide (Litígio), são também muito importantes para a formatação e
delimitação conceitual do instituto do Litígio. Sobretudo, no que diz respeito à caracterização
349 Digo de ordem teórica e psicossociológica porque, em primeiro lugar, em contraposição às variáveis estudadas por Boaventura de Sousa Santos – todas, efetivamente, de ordem empírica – as de Carnelutti são variáveis eminentemente teóricas, verdadeiros tipos-ideais. Em segundo lugar, porque as variáveis trabalhadas por Carnelutti são variáveis que estão mais afetas ao campo de uma psicologia do Litígio do que de a uma sociologia do Litígio, como no caso das variáveis trabalhadas por Boaventura de Sousa Santos.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
das situações litigiosas realmente ocorridas – às quais nós chamamos de Litígio efetivo (ou
cinético) – e das situações litigiosas em potencial – às quais nós denominamos de Litígio em
potencial. Por quê? Porque a montagem dos caracteres da teoria carneluttiana nos denota
que toda a situação conflituosa – litigiosa – que ocorre no seio da sociedade, nasce de um
estado psicológico, em potencial, de carência, de necessidade e de interesse por um
determinado bem. Assim, o que queremos dizer com tal distinção – Litígio efetivo e Litígio
potencial – é que, existem, na “trama social” – eu diria até, na gênese da teia, por certo,
complexa, de relações sociais – determinadas situações (estados psicológicos) que não
caracterizam, em si, efetivamente, um Litígio, mas que, potencialmente (daí a importância
do viés teórico-psicológico da teoria de CARNELUTTI), devido ao alto grau de polarização
dos indivíduos, e da complexidade dos interesses envolvidos, tornam-se situações que, uma
vez não conduzidas, administradas e integradas pelo Estado, fatalmente ensejariam a
efetivação de Litígios e, conseqüentemente, de Lides processuais. Tal distinção é,
fundamentalmente, importante, quando pensamos nos casos – conforme veremos
pormenorizadamente adiante – em que o Estado exerce uma jurisdição tão-somente de
administração de negócios privados: tal a Jurisdição Voluntária.
Assim, voltando a CARNELUTTI, as noções de necessidade (situação de
carência, falta ou inexistência de algum elemento – ente), bem (ente apto a satisfazer uma
necessidade humana), utilidade (grau de aptidão de um ente para satisfazer uma
determinada necessidade), interesse (posição ou juízo favorável à satisfação de uma
determinada necessidade), conflito de interesses (conflito intersubjetivo), pretensão
(exigência de subordinação de um interesse alheio ao interesse próprio) e resistência (não-
adaptação à situação de subordinação do interesse próprio ao interesse alheio), conforme
vimos quando da análise da construção teorético-sistemática do processualista italiano, são,
deveras, fundamentais e essenciais, também, para a compreensão do fenômeno do Litígio
(em potencial, ou efetivamente) e, por conseguinte, para a formatação do seu conceito.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Destarte, em resumo, o Litígio, tendo em vista todas essas considerações
de ordem de definibilidade e conceituação, é um fenômeno social que, teórico-termino-
conceptualmente, segundo critérios e variáveis de ordem sócio-jurídica, fulcrado nas
teorizações de CARNELUTTI (teoria jurídico-processual) e de BOAVENTURA DE SOUSA
SANTOS (teoria sociológica), podemos defini-lo como sendo um conflito intersubjetivo de
interesses – potencial ou efetivo – qualificado pela pretensão de um dos sujeitos e pela
resistência do outro o qual emerge, desenvolve-se, transforma-se e, por fim, extingue-se, na
teia social de relações, tendo em vista certos fatores variantes de ordem sócio-psico-jurídico-
político-econômica e interpessoais, conforme vimos. Tal é o conceito de Litígio, por certo,
muito importante e com muitas implicações, nestes termos, para a teoria jurídico-processual
e, por assim ser, para a Ciência Jurídico-Processual, enquanto ciência tecnológica
preocupada com a decidibilidade de conflitos.
4.2.2 – Litígio: elementaridade constitutiva.
Por sua vez, sob o prisma teórico-conceptual da elementaridade
constitutiva, temos que o Litígio, enquanto instituto de ordem sociológica e protojurídica que
é, apresenta os seguintes elementos constitutivos: elemento subjetivo (sujeitos – individual
ou grupal – do conflito); elemento objetivo (bem da vida contendido); e o elemento causal
(pretensão e resistência). Assim, para que ocorra um Litígio, é necessário que existam dois
ou mais sujeitos – entendido estes como indivíduos ou grupos – que estejam em contenda
entre si, isto é, em conflito de interesses, em relação a um ente – denominado bem da vida
ou bem jurídico – onde um dos sujeitos exige ou pretende algo do outro, enquanto que este,
por sua vez, resiste a tal exigência ou pretensão. Tais são, assim, utilizando a terminologia
carneluttiana350, os elementos simples ou genéricos do Litígio.
350 CARNELUTTI, Francesco. Sistema de Direito Processual Civil. São Paulo: Classic Book, 2000.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Do mesmo modo, em sendo o Litígio, como nós vimos, um conflito
intersubjetivo de interesses qualificado pela pretensão de um pela resistência do outro,
temos, também, que tal conflito intersubjetivo de interesses constitui o denominado
elemento material do Litígio, enquanto que, por sua vez, os qualificativos da pretensão e da
resistência, constituem o denominado elemento formal deste. Tais são, assim, os elementos
considerados por CARNELUTTI351 como específicos do Litígio. Em que termos, estes e
aqueles? Vejamo-os.
a) Elemento subjetivo:
Evidentemente, por ser um conflito intersubjetivo de interesses, o Litígio
não pode existir sem dois sujeitos distintos. Sujeitos esses que, em verdade, tomando-se em
consideração a teoria jurídico-processual, são partes em sentido material.
Os sujeitos do Litígio tanto podem ser indivíduos, quanto grupos sociais.
Daí as noções de interesse individual e interesse coletivo e de sujeito simples e sujeito
complexo.
Por outro lado, diferentemente do elemento subjetivo da Lide – conforme
veremos adiante – e por, ainda, estar o Litígio num momento pré e exoprocessual, os
interesses em conflito tanto podem ser mais que dois, quanto podem ser, também, mais que
dois os sujeitos de tal Litígio. Isso porque, somente com o processo de dedução quantitativa
e qualitativa do Litígio em juízo, isto é, por causa das implicações de ordem jurídico-
processual que tal individuação enseja – como, por exemplo, para a caracterização dos
institutos da litispendência, da conexão, da continência, da res judicata entre outros –, é que
será necessária a individuação técnica, precisa e específica destes sujeitos em Litígio, posto
que, agora, componentes subjetivos (como partes) da Lide processual.
351 CARNELUTTI, op. cit.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Assim, no caso, a individuação do elemento subjetivo do Litígio tem, aqui,
tão-somente uma função de fornecimento de dados iniciais para uma possível resolução do
conflito, ainda no plano sociológico, isto é, pré-processual.
b) Elemento objetivo:
O elemento objetivo do Litígio, isto é, o objeto do interesse das partes em
Litígio é um ente352, denominado de bem da vida (utilizando aqui uma linguagem
chiovendiana353) ou bem jurídico, que está apto a satisfazer a necessidade das partes em
Litígio.
Esta noção de bem como elemento objetivo do Litígio é muito importante
para a teoria processual, posto que, como veremos mais adiante quando do estudo do
instituto da Lide, o objeto controvertido desta é, também, esse mesmo bem em Litígio, no
plano social. Assim, tudo se evidencia numa cadeia sucessiva de eventos de ordem
sociológico-jurídica, porque, em primeiro lugar, o objeto da relação jurídica (material) entre
as partes, no plano social, é o bem jurídico. Havendo quebra de tal relação jurídico-material,
surge o Litígio e o elemento objetivo deste, conseqüentemente, é o mesmo bem objeto da
relação jurídica. Por sua vez, se tal Litígio não for contornado, tendo em vista aqueles
fatores que interagem na pirâmide de litigiosidade, este é levado a juízo e, em assim sendo,
transformado em Lide processual. Pois bem, o elemento objetivo e controvertido desta Lide
diz respeito, também, por corolário, ao mesmo bem da relação jurídica material e do Litígio,
anteriores. In casu, conforme veremos pormenorizadamente adiante, na Lide, tal bem
jurídico passar a ser o objeto da pretensão processual (Rechtsschutzanspruch) e material
(anspruch) do autor da ação.
352 Lembremos da noção carneluttiana de que ente ou bem jurídico é tudo aquilo que está apto a satisfazer uma necessidade humana. Cf. CARNELUTTI, Francesco. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Lejus, 1999, p. 89. 353 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2000, p. 17.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
c) Elemento causal:
O elemento causal – que, inclusive, a posteriori, consubstanciará a causa
petendi e a causa excipiendi da Lide, caso a instância judicial seja acionada – do Litígio é
formado pela pretensão e pela resistência dos sujeitos em conflito. Isso porque, conforme já
assentimos, o simples conflito de interesses se converte em Litígio em virtude de uma
atitude específica de tais sujeitos em conflito, qual seja, o pretender, a exigência (pretensão)
de um e a oposição, a tal pretensão, por parte do outro (resistência).
Desse modo, a pretensão, é um ato, e não um poder (ou direito), de um
dos sujeitos que exige do outro que se subordine ao seu interesse. Por sua vez, a resistência
é também um ato (não um poder ou direito) de um dos sujeitos no sentido de não se
sujeitar à exigência de subordinação formulada pelo outro sujeito, conforme bem assentiu
CARNELUTTI.
No mais, é muito importante destacarmos, aqui também, que tais
elementos causais são, por certo, muito influenciados – e, por assim ser, o Litígio também o
é, daí o processo de transformação porque passa – por variáveis de ordem interpessoal,
como, por exemplo, pelo nível de percepção e avaliação do dano que os sujeitos têm no
conflito, pela natureza das relações interpessoais de tais sujeitos envolvidos no conflito, pelo
domínio social em que estes estão inseridos, pelo grau de conformismo e de resignação dos
contendores, entre outras, conforme pudemos ver quando da análise sociológica do conceito
de Litígio.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
d) Elemento material e elemento formal:
Dessas noções dos chamados elementos simples ou genéricos do Litígio,
decorrem os conceitos de elemento material e elemento formal, chamados que são, por sua
vez, de elementos específicos, isto é, caracterizadores e individualizadores do conflito.
Assim sendo, o elemento material do Litígio é formado pelo conflito de
interesses e o elemento formal deste pela pretensão e pela resistência. Tal ocorre porque,
em verdade, o Litígio não é apenas um conflito de interesses, porque, se assim fosse, os
conflitos intra-subjetivos entrariam nesta categoria; fato esse que seria absurdo e
irrelevante, tanto do ponto de vista sociológico, quanto, principalmente, do ponto de vista
jurídico-processual, só interessando, assim, à ciência da psicologia humana. Dessa maneira,
o Litígio, em verdade, é um conflito intersubjetivo de interesses, qualificado, assim (por ser
intersujeitos e não intra-sujeitos), pela pretensão e pela resistência dos contendores. São
esses elementos específicos que individualizam o conflito (o Litígio).
4.2.3 – Litígio: caracterização principiológico-estrutural.
Do mesmo modo, agora tendo em vista o matiz teórico-conceptual da
caracterização principiológico-estrutural, temos que o Litígio enquanto instituto de ordem
sociológica e protojurídica que é, conforme pudemos analisar, apresenta os seguintes
caracteres principiológicos estruturais: trata-se de um instituto sociológico-protojurídico,
assim como também, de um pressuposto processual, de natureza, conforme vimos, fáctico-
causal-sociológica, de referibilidade extrínseca, portanto, exoprocessual, de
composicionalidade categoremática – posto que se trata de um fenômeno de cuja existência
não depende de nenhum outro requisito – constituindo, assim, um antecedente fáctico-
causal e lógico do processo judicial, caracterizado, essencialmente, pela contendere
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
(contenda) de sujeitos em face de uma pretensão – resistida ou insatisfeita – vetorialmente
contrária ao interesse da outra parte, nos termos adiante explicitados.
a) Instituto sociológico-protojurídico:
O termo instituto, como vimos no intróito do presente trabalho, aparece
aqui para designar uma determinada unidade sistemática de conhecimento (unidade essa
micro ou macro) que é formulada – dentro de um certo sistema de conhecimento-científico,
como o sistema de conhecimento jurídico-processual, por exemplo – a partir de um processo
de generalização e categorização teórico-conceitual354.
Desse modo, o Litígio, enquanto dado sociológico e protojurídico que
interessa à teoria jurídico-processual e, por conseguinte, à Ciência Jurídico-Processual –
posto que esta tem como objetivo principal a construção de uma tecnologia eficaz e eficiente
de decidibilidade de conflitos – constitui em si uma unidade sistemática de conhecimento
inserida no âmbito de tal teoria processual.
No caso, como unidade sistemática de conhecimento que é para a teoria
jurídico-processual, o conceito de Litígio, trata-se de um conhecimento que tem como dado
de apreensão e cognição um objeto construído socialmente – daí ser um instituto sociológico
– e que, por interessar ao sistema jurídico, enquanto instância decisória de conflitos, é,
também, um conhecimento produzido a partir de um dado jurídico; no caso, pelas razões já
expostas por nós, protojurídico. Daí, em conclusão, ser o Litígio, enquanto unidade
sistemática de conhecimento – no caso uma unidade micro de conhecimento – um instituto
caracterizado por um dado, por um lado, sociológico e, por outro, protojurídico.
354 Neste sentido, rever, no intróito do presente trabalho (p. 17, nota 2) as noções distintivas por nós estabelecidas entre instituição jurídico-processual, instituto jurídico-processual e categoria jurídico-processual.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
b) Pressuposto processual:
Assim também, o Litígio, tendo em vista os postulados da teoria jurídico-
processual, concernentes mais especificamente ao processo judicial e seus requisitos de
admissibilidade355, é um pressuposto processual, posto que só existirá a formação deste –
isto é, do processo e, por conseguinte, da Lide – se, necessariamente, ocorrer,
preliminarmente – em potencial ou cineticamente –, no plano factual e pré-processual, um
conflito intersubjetivo de interesses qualificado por uma pretensão resistida ou insatisfeita
(Litígio) que, por assim ser e uma vez deduzido, quantitativa e qualitativamente, em juízo,
transformar-se-á em uma Lide, já no plano processual.
Potencial ou cineticamente, posto que, conforme assentimos
anteriormente, existem algumas relações sociais que carregam em si um alto grau de
situação conflituosa que ainda não se exteriorizou no seio social, mas que se não houver a
intervenção imediata e concreta de algum elemento da sociedade (o vizinho, o delegado, o
Estado-juiz, por exemplo), pode-se desembocar, efetivamente, o conflito interpartes. Daí
porque falamos em Litígio potencial e Litígio efetivo (cinético)356.
c) Natureza fáctico-causal-sociológica:
Em sendo o Litígio – como definimos – um conflito intersubjetivo de
interesses – potencial ou cinético – qualificado pela pretensão de um dos sujeitos e pela 355 E aqui, é decisivo, lembrarmos da distinção estabelecida por Celso Neves, e apresentada por nós na introdução deste trabalho, no que diz respeito à teoria quadrinômica da cognição do juiz, entre pressupostos e supostos processuais ” (NEVES, Celso. Estrutura fundamental do processo civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 189-191). Assim como também, a construção teorética inauguradora do processualismo cientifico, formulada pelo processualista alemão Oskar Von Büllow, em 1868 e denominada por ele de Teoria dos Pressupostos Processuais (Cf. BÜLLOW, Oskar Von. La Teoria de las Excepciones Procesales y los Presupuestos Procesales. Tradução de Miguel Angel Rosas Lichtschein. Buenos Aires: EJEA, 1964). 356 Justamente nessas relações em que há um Litígio em potencial é que o Estado reservou para si a intervenção, melhor dizendo, a administração, a integração dos interesses em foco, a fim de evitar a eclosão do conflito (Litígio efetivo). Tais, como dissemos, são os casos sujeitos à Jurisdição Voluntária, onde não há, anteriormente, um Litígio efetivo, mas uma situação que, se não administrada e integrada pelo Estado, pode vir a se tornar em Litígio efetivo e, por conseguinte, Lide processual.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
resistência do outro o qual emerge, desenvolve-se, transforma-se e, por fim, extingue-se, na
teia de relações sociais, tendo em vista certos fatores variantes de ordem sócio-psico-
jurídico-político-econômica e interpessoais e, por assim ser, uma relação jurídico-social
intersubjetiva e conflitante – trata-se de um instituto, evidentemente, de natureza357 fáctico-
causal-sociológica.
De natureza fáctica, porque se trata de um fenômeno e não só de um
“nômeno”; isto é, trata-se de um fato, por certo, social e concreto e não, apenas, de um
conceito, de um elemento de significação apenas intelectual.
Por sua vez, é de natureza causal, posto que constitui em si a causa
material e remota358 da eventual Lide processual que venha a se formar a partir do processo
de transformação e dedução, quantitativa e qualitativa, do mesmo em juízo.
E, por fim, é de natureza sociológica, porque, como vimos, é um fato da
vida social359, ou seja, é uma construção social.
357 Determina-se a natureza de um objeto através da identificação dos elementos essenciais e constitutivos desse. Isto é, através da identificação dos elementos que se requer para a configuração da existência, no plano factual ou teórico, de tal objeto. Assim, falar, na Teoria Geral do Direito, assim como também, na Teoria Geral do Processo, em natureza jurídica de alguma instituição ou instituto significa falar nos elementos essenciais e constitutivos que o identificam e que, por assim ser, o inserem num determinado esquema conceitual do sistema de conhecimento jurídico-científico. A propósito dessas noções, conferir: BIELSA, Rafael. Los conceptos jurídicos y su terminologia. 3. ed. aum. Buenos Aires: Depalma, 1993, p. 70 e CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de Frederico A. Paschoal. Campinas: Bookseller, 2002, p. 63/64. 358 A denominada Causa Petendi remota que, no dizer de Cruz e Tucci, segundo moderna doutrina, é: “locução que indica o fato ou conjunto de fatos que serve para fundamentar a pretensão (processual) do demandante: ex facto oritur ius – o fato gera o direito e impõe um juízo” (CRUZ E TUCCI, José Rogério. A Causa Petendi no processo civil. 2. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: RT, 2001, p. 24.).
359 E aqui, inclusive, podemos enquadrá-lo como um fato social na exata medida em que o define o sociólogo Émile Durkheim, isto é, como sendo um fato social por ser uma realidade dotada, tendo em vista o contexto social, de coercibilidade, de existência exterior, independente da vontade dos indivíduos que apenas se enquadram, quando nascem, através da coerção social, em tal contexto de padrão de conduta e que é marcado, essencialmente, pelo traço da generalidade, ou seja, é um fato que se repete e reflete na vida de todos os indivíduos. Neste sentido, conferir: DURKHEIM, Émile. De la division du travail social. 7. ed. Paris: PUF, 1960); Idem. Les règles de la méthode sociologique. Trad. de Maria Isaura Pereira de Queiroz. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1972; Idem. La science sociale et faction. Paris: PUF, 1970.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
d) Referibilidade extrínseca:
Do mesmo modo, o Litígio, em sendo um fenômeno da vida social, como
fato social que é, e tomando-se como ponto referencial a realidade processual, trata-se, é
evidente, de um elemento de referibilidade externa ao processo. Porque, muito embora tal
processo judicial tenha como objetivo a resolução desse conflito de interesses que se
desencadeou na realidade social, e, em assim sendo, se refira a este (daí a noção de res in
iudicium deductae), o Litígio, enquanto realidade conceitual, se refere não ao conflito que
fora deduzido qualitativa e quantitativamente em juízo, mas sim ao conflito na exata medida
em que este ocorreu na concretude social. Daí ser um instituto, um conceito, de
referibilidade extrínseca.
A propósito disso, lembremo-nos da noção lógica de referência e
correspondência, o denominado Bedeutung de uma determinada expressão lingüística. Ou
seja, o referente (o correspondente) de uma determinada expressão lingüística é o objeto
representativo desse no plano factual, material. Daí que o referente (Bedeutung) do Litígio é
o conflito de interesses do modo e nos exatos termos em que este ocorreu no mundo
sociológico e não do modo e nos exatos termos em que este ocorre no mundo jurídico
(processual), sendo, portanto, de referibilidade extrínseca.
e) Exoprocessual:
Evidentemente, como corolário do caractere da referibilidade extrínseca e
tomando-se, ainda, em consideração o processo como ponto referencial, o Litígio é um
fenômeno exoprocessual, isto é, que ocorre fora da realidade processual.
No caso, o que é importante aqui salientarmos é que, em verdade, o
Litígio, enquanto fenômeno sociológico, não só é um fenômeno exoprocessual, que ocorre
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.
223
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
fora do processo, como também um fenômeno que ocorre ou pode ocorrer em três
momentos distintos, quais sejam: num momento pré-processual – posto que, como vimos,
trata-se de um elemento desencadeador do processo (da Lide); num momento processual –
posto que mesmo existindo o processo judicial, enquanto instância de resolução do conflito
e, por conseguinte, mesmo formada a Lide, permanece, paralela e concorrentemente, no
plano factual, o Litígio pendente e que, por assim ser, continua afetando as relações sociais;
e, em alguns casos, num momento pós-processual – posto que, em muitas situações, como
veremos, quando da análise empírico-crítica, mesmo terminada a Lide, e, por conseguinte, o
processo, permanece imanente ou manifesto, na realidade social, tal Litígio. Tal assertiva é
bem fácil de ser demonstrada se lembrarmos da pirâmide de litigiosidade proposta por
BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, onde ele aponta os diversos processos de transformação
porque o passa o Litígio, no que ele denomina de trama social, até se chega a sua efetiva
resolução, seja no plano social, seja no plano jurídico-processual do Estado.
f) Antecedente fáctico-causal-lógico:
Um antecedente fáctico-causal-lógico, porque, como estamos a ver, a Lide
processual que eventualmente poderá ser formada, só o é se, necessariamente, de modo
potencial ou efetivo360, ocorrer o Litígio. Em resumo: não há a Lide, e, por conseguinte, o
processo, se não existir, anteriormente, potencial ou efetivamente, o Litígio. Ou mais: não há
Lide sem Litígio anterior que a defina e delimite.
Numa linguagem lógica: o conseqüente necessário (a Lide – que
denominamos de conseqüente jurídico-processual necessário) não ocorre se,
precedentemente, não ocorre o antecedente lógico (o Litígio, o qual, por sua vez,
denominamos de antecedente fáctico-causal-lógico). 360 Daí as noções de processo contencioso e processo voluntário, conforme veremos quando da aplicação da construção analítico-distintiva que estamos a consecutar entre Litígio e Lide como forma de elucidar a problemática da juridicidade ou não da chamada Jurisdição Voluntária.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
g) Composicionalidade categoremática:
Por fim, ainda sob o prisma da caracterização principiológico-estrutural do
Litígio, temos que se trata esse de um elemento terminológico-conceptual de
composicionalidade categoremática, nos seguintes termos: na lógica, quanto à classificação,
mais precisamente no que diz respeito à sua função, diz-se que um termo é categoremático
quando, por si mesmo, já significa algo, isto é, é uma categoria, como, no nosso caso, o
Litígio o é, posto que, em si só, tem significado, já que se constitui numa realidade factual
(sociológica) independente do plano jurídico-processual. Assim, em síntese, o termo Litígio
tem composicionalidade categoremática, posto que tem sentido completo, exauriente,
independentemente do processo.
• Representação gráfica do Litígio:
Por fim – segundo assentimos – graficamente, baseados na concepção
romanística de actio e nas concepções representativas da Teoria Linear de JOSEF KÖHLER,
num momento exo e pré-processual, poderíamos representar o Litígio do seguinte modo:
Pretensão
L = Sc1 actio Sc2, onde L é litígio e Sc é sujeito contendedor.
Resistência
Por que baseado na concepção romanística de Actio? Porque, conforme
vimos, quando da análise teórico-conceptual e histórico-descritiva, os romanos, no que diz
respeito ao que hoje denominamos direito de ação, afirmavam que esta, em verdade, ocorria
no plano factual, num verdadeiro duelo que travavam os sujeitos contendedores (Sc1 e
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.
225
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Sc2) em torno do objeto do conflito. Além do mais, a actio isto é, a pretensão de um sujeito
(Sc1) e, por sua vez, a resistência do outro sujeito (Sc2) não eram dirigidas contra o Estado
– como afirmaram, depois, os processualistas alemães, como WACH, WINDSCHEID,
MUTHER entre outros – mas, diretamente, isto é, interpartes, e de modo linear, como na
proposição gráfica (Sc1 versus Sc2).
Desse modo, estavam os litigantes – contendedores – numa posição de
linearidade ativa e passiva, onde, no caso, um pretendia algo de outrem e este, por sua vez,
resistia. Assim, somente se as partes envolvidas no Litígio não chegassem a uma conclusão
sobre o conflito é que o magistrado, já em uma fase eminentemente processual (angular) e
não linear, se pronunciaria, dando um veredicto.
Tal tese, quanto ao direito de ação, teve tanta repercussão que séculos
mais à frente influenciou o jurista alemão JOSEF KÖHLER que teorizou no sentido de assentir
que a relação jurídica que ocorre entre as partes envolvidas no Litígio, agora no processo,
era desse tipo, linear. No caso, ao nosso sentir, tal teoria de KÖHLER serve para explicarmos
o que acontece, no plano material, factual, entre os sujeitos contendedores do Litígio e não
para explicar o que ocorre, no plano da relação jurídico-processual, entre autor e réu. Nesse
plano, conforme veremos, quando da análise da Lide, as relações são sempre angulares, isto
é, por intermédio do juiz.
Assim, em síntese, no plano factual, o conflito de interesses, caracterizado
pela pretensão e pela resistência das partes, ocorre linearmente, mesmo que tal linearidade
venha a se apresentar num plano complexo, tendo em vista a multiplicidade dos sujeitos em
Litígio.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.2 – Litígio: um conceito-categoria sociológico e protojurídico.
226
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Muito bem. Visto o Litígio, do ponto de vista da proposição tético-distintiva
enunciada, associada, essa, aos seus diversos matizes teórico-conceptuais –
definibilidade/conceituação, elementaridade constitutiva e caracterização principiológico-
estrutural – passemos, agora, por sua vez, a estudar, continuando, a construção, analítico-
distintiva, terminológico-conceptual que estamos a consecutar, o instituto da Lide. Vejamo-o,
então.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
227
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
Pois bem. Visto que o Litígio é, diferentemente do que assente, enuncia e
propõe (Litígio = Lide) – por certo, “a-técnica” e “a-cientificamente” – a opinio communis
doctorum da dogmática jurídico-processual, um instituto, um conceito-categoria, de natureza
sociológica e protojurídica, um verdadeiro pressuposto processual e antecedente fáctico-
causal e lógico do processo, sendo ainda de natureza fáctico-causal-sociológica, de
referibilidade extrínseca, portanto, exoprocessual, e de composicionalidade categoremática,
e que podemos conceituar, agora, sim, técnica e cientificamente, como sendo um fenômeno
social que, teórico-termino-conceptualmente, segundo critérios e variáveis de ordem sócio-
jurídica, materializa-se em um conflito intersubjetivo de interesses – potencial ou efetivo –
qualificado pela pretensão de um dos sujeitos e pela resistência do outro o qual emerge,
desenvolve-se, transforma-se e, por fim, extingue-se, na teia social de relações, tendo em
vista certos fatores variantes de ordem sócio-psico-jurídico-político-econômica e
interpessoais, passemos, enfim, neste momento, à caracterização teórico-termino-
conceptual, agora, daquilo que denominamos de Lide.
Neste sentido e, in limine, é de se assentir que a Lide, enquanto elemento
de ordem jurídico-processual, conforme temos, categoricamente, afirmado até então, é, em
verdade, formada e delimitada a partir do processo de transformação e dedução,
quantitativa e qualitativa, de tal Litígio social em juízo. Desse modo, e como vimos
anteriormente, a Lide constitui, tão-somente, um dos momentos sociológicos – talvez até o
mais importante deles, o momento denominado pela sociologia jurídica de domínio de
judicialização oficial do Litígio361 – porque passam tais conflitos (Litígios) interindividuais ou
grupais dentro da sociedade. Por isso, destarte, ressaltamos a importância do conceito de tal
361 SOUSA SANTOS, Boaventura de; LEITÃO MARQUES, Maria Manuel e PEDROSO, João. Os tribunais nas sociedades contemporâneas. In Revista Brasileira de Ciências Sociais. N. 30.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
228
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
fenômeno, o Litígio, para a elaboração e definição do conceito do seu corolário lógico-
jurídico – não correspondente sinonímico – qual seja, a Lide.
Assim, tomada a Lide nesta perspectiva, seria ela, sinteticamente
assentindo, nada mais do que a resultante do processo de transformação e dedução,
qualitativa e quantitativa, do Litígio – que emergiu e se desenvolveu na trama social – em
juízo. Nas palavras de TORNAGHI362 (conforme vimos, o único processualista a assentir,
mesmo que un passant, sem um maior aprofundamento do temário, alguma distinção entre
os termos sub examine), a Lide “é aquela parte do litígio entre duas ou mais pessoas,
regulado pelo Direito Substantivo, e que é levada à decisão do juiz por uma das partes
conflitantes”. Em assim sendo, prossegue ele, “o conteúdo daquilo que se convencionou
chamar lide pode ser menor que o do litígio”, por isso “ainda que o juiz saiba que o litígio
versa sobre outros pontos, não pode conceder o que o autor não pediu. Tem que cingir-se
aos limites da lide”.
A Lide, por assim ser e conforme veremos pormenorizadamente nesta
subseção, constitui-se, em verdade – através de tal processo de transformação e dedução
quantitativa e qualitativa do Litígio em juízo – num dos componentes da relação jurídico-
processual que é formada a partir da demanda inicial e da conseqüente angularização que
ocorre com a citação da parte ex-adversa. Deste modo, seria ela, a Lide, o componente
objetivo e conteudístico de tal relação jurídico-processual e, enfim, do processo judicial
formado. Em assim sendo, seria, a Lide, um componente de fundamental e elementar
importância para a identificação, delimitação e definição daquilo que se convencionou
denominar, na dogmática processual moderna (sobretudo, na doutrina processual italiana, já
que os alemães preferem falar em objeto do processo - streitgegenstand), de meritum
causae – o objeto central da cognição e, conseqüente, decisão do juiz – que, ao fim do
processo, consubstanciará o thema decidendum do processo.
362 TORNAGHI, Hélio. A relação processual penal. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 243-244.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
229
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Por outro lado, falando nos termos da linguagem tradicional e clássica da
dogmática jurídico-processual, seria a Lide o componente objetivo da relação jurídico-
processual que é formatado a partir da dedução (através do ato processual denominado
demanda), quantitativa e qualitativa, em juízo, da chamada res in iudicium deductae, isto é,
da relação litigiosa, controvertida (relação jurídico-material), que ocorrera no plano factual
da realidade social e que fora levada a juízo. Assim, fazendo uma associação – ainda nesses
termos da linguagem da doutrina clássica e tradicional do processo – entre os conceitos de
Lide/Litígio com os tradicionais conceitos de Res Iudicium in deductae/Iudicium, o Litígio
conformaria a Res in iudicium deductae, assim como, por sua vez, a Lide, uma vez obtida a
partir da dedução do Litígio, conformaria o Iudicium (processo) e os seus elementos –
subjetivo, objetivo e causal, sem com ele (o Iudicium), e eles (elementos do Iudicium), se
confundir363.
Destarte, numa síntese inicial, sem partirmos ainda para uma definição
precisa e aprofundada do termo em análise, poderíamos assentir que a Lide é, tética e
conteudisticamente, um instituto (conceito-categoria) jurídico-processual, que se
consubstancia num verdadeiro requisito – conditio sine qua non – para a existência do
processo, ou seja, um suposto processual (utilizando aqui a terminologia do quadrinômio de
CELSO NEVES364), sendo, assim, de natureza jurídico-processual stricto sensu, de
referibilidade intrínseca ao fenômeno processual, portanto, endoprocessual, de
composicionalidade lógica sincategoremática (como vimos), constituindo, em si, um
conseqüente jurídico-processual lógico e necessário do Litígio deduzido em juízo, e
caracterizado, essencialmente, por uma relação sinalagmática entre parte e o Estado-Juiz ou
363 Neste sentido, é interessante, e correta, a lição de Celso Neves: “À determinação dos elementos objetivos do processo é indiferente, portanto, a res in iudicium deducta, a ele, preexistente, não obstante referir-se a essa a tutela processual pretendida. Por isso a determinação do objeto da relação jurídica deduzida em juízo não predetermina o objeto do processo, tal como os elementos subjetivos daquela não predeterminam os destes” (NEVES, Celso. Estrutura fundamental do processo civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 217). 364 Conforme bem explicitou Kazuo Watanabe, falando sobre o objeto do processo e os elementos da cognição do juiz, na visão do consagrado processualista da Escola de São Paulo, Celso Neves (WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. 2. ed. atual. Campinas: Bookseller, 2000, p. 100-103).
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
partes e o Estado-Juiz, que, graficamente, baseados na concepção da teoria angular da
relação jurídico-processual, formulada por Konrad Hellwig365, num momento
(endo)processual, poderíamos representar da seguinte maneira:
Estado-Juiz
Lide Autor Réu
Outrossim, e do mesmo modo, diagraficamente, agora tendo em vista a
proposição tética acima enunciada e, sobretudo, tomando-se em consideração aquelas
mesmas variantes366 estudadas anteriormente, quando da análise e construção do conceito
de Litígio, variáveis, essas, relativas aos matizes teórico-conceptuais da
definibilidade/conceituação, da elementaridade constitutiva e da caracterização
principiológico-estrutural, temos, também, representativa e sinteticamente, o instituto da
Lide, nos seguintes termos:
365 Formulada, em resposta à Teoria Triangular da Relação Jurídico-Processual, de Adolf Wach e Oskar Von Büllow, em 1905 e 1907, por Konrad Hellwig, em seus manuais “Klagrecht und Klagmöglichkeit” e “Lehrbuch”, respectivamente, conforme informa Celso Neves (NEVES, Celso. Estrutura fundamental do processo civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 212). 366 As mesmas variáveis de natureza epistemo-cognoscitiva que foram aplicadas no processo de cognição (qualificação e quantificação) do objeto Litígio, agora, serão aplicadas para o conhecimento do objeto Lide.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Matiz Teórico-Conceptual Lide
Definibilidade/Conceituação
Conceito-categoria jurídico-processual – uma construção da Teoria Geral do Processo. Elemento subjetivo: Partes.
Elemento objetivo:
Pretensão processual (Rechtsschutzanspruch) = pedido (Antrag) + causa de pedir (Sacherverhalt).
Elemento causal: Demanda (Klageantrag) Elemento material: Litígio
Elementaridade constitutiva
Elemento formal:
Ação em sentido positivo e negativo (Petitum/causa petendi versus Contestatio/causa defendendi ou excipiendi).
Instituto jurídico-processual.
Suposto processual: conditio sine qua non.
Natureza jurídico-processual stricto sensu.
Referibilidade intrínseca.
Endoprocessual.
Conseqüente jurídico-processual necessário.
Caracterização principiológico-estrutural
Composicionalidade sincategoremática.
Representação gráfica
(Teoria Angular, Konrad Hellwig)
Estado-Juiz
Lide Autor Réu
(Complexo de juridicidade: direitos, deveres, ônus, responsabilidades e faculdades.)
Pois bem. Visto isso e em assim sendo, passemos a estudar, a partir de
agora, de forma eminentemente pormenorizada e objetiva, o instituto da Lide, tomando-se
em consideração a proposição tética anteriormente enunciada – qual seja, a de que a Lide é,
terminológico-conceptualmente, um instituto (conceito-categoria) jurídico-processual, um
verdadeiro suposto processual, conditio sine qua non do processo, de natureza jurídico-
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
processual stricto sensu, de referibilidade intrínseca, portanto, endoprocessual, de
composicionalidade lógica sincategoremática, constituindo em si um conseqüente jurídico-
processual necessário e lógico do Litígio deduzido em juízo e caracterizado, essencialmente,
por uma relação sinalagmática entre parte e o Estado-Juiz ou partes e o Estado-Juiz, nos
exatos termos da concepção angular da relação jurídico-processual – associada, agora, aos
matizes teórico-conceptuais da definibilidade/conceituação, elementaridade constitutiva e
caracterização principiológico-estrutural, todos representados no diagrama retro. Vejamos,
então.
4.3.1 – Lide: definibilidade e conceituação.
Ao contrário do conceito de Litígio que teve, por sua natureza sociológica e
protojurídica, seu âmbito de validade e definibilidade teórico-termino-conceptual formatado
no suporte epistemológico – a partir de caracteres de ordem sócio-psico-jurídico-político-
econômica e interpessoais – mais das teorias sociológicas do que das teorias processuais, o
conceito de Lide, também, evidentemente, por sua natureza, agora, de ordem
eminentemente jurídico-processual, terá, aqui, o seu âmbito de validade e definibilidade
teórico-termino-conceptual formatado a partir de caracteres não mais sociológicos, mas,
essencialmente (eu diria até que exclusivamente), jurídico-processuais367 e, por conseguinte,
formatado a partir do suporte epistemológico das teorias processuais. Isso porque, trata-se,
a Lide, como estamos a ver, de um elemento de ordem e natureza jurídico-processual stricto
sensu e não mais, como o Litígio o é, de ordem e natureza sociológica e protojurídica. E é
exatamente, sob a égide dessa premissa metodológica, que iremos construir, terminológico-
367 Aliás, neste sentido, a Ciência Jurídico-Processual, no patamar em que se encontra, é bastante rica no processo de associação dos diversos termos que conformam as teorias processuais. Assim, construir o conceito de Lide a partir de caracteres essencialmente jurídico-processuais – como pretensão processual, meritum causae, thema decidendum, streitgegenstand, objeto do processo, ação, demanda, anspruch e etc – em princípio, parece ser, tarefa, mais simples para o cientista do processo do que construir o conceito representativo de um fenômeno sociológico, como o Litígio, a partir de caracteres e variáveis, subjetivamente definidas e muitas vezes imponderáveis, como no caso das variáveis de ordem sociológica (lato sensu).
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
233
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
conceptualmente, a partir do presente processo de definibilidade, o conceito do instituto da
Lide.
In casu, é de se ressaltar, inicialmente, também, que, do mesmo modo que
o Litígio, a Lide – enquanto dado jurídico-processual que é, formado, em juízo, a partir da
dedução do conflito social (Litígio) – mais que um conceito a ser definido e que, como
dissemos acima, deve ser formatado a partir de critérios essencialmente processuais (para
não incorrermos no mesmo erro de CARNELUTTI, muito embora a indiscernibilidade de
identidade por ele, e pela grande parte, dos processualistas, empregada), trata-se, também,
pela sua importância e posição singular – mas não central – dentro da teoria geral do
processo e, por conseguinte, da Ciência Jurídico-Processual, de um conceito-categoria. Não
que – conforme já ressaltamos anteriormente, quando das noções propedêuticas e
étimo(lógicas) sobre os termos sub examen – queiramos, assim como o fizeram
CARNELUTTI e seus seguidores, transformar a Lide em pedra angular e mais fundamental da
Ciência Jurídico-Processual ou mesmo do Sistema Jurídico-Processual. O que queremos,
apenas, é, dentro da construção analítico-distintiva – neste momento, terminológico-
conceptual – que estamos a consecutar entre Litígio e Lide e, sobretudo, tomando-se em
consideração a premissa metodológica do emprego de uma terminologia jurídico-conceptual
específica, pura e aplicada, como condição indispensável e imperativa de se fazer ciência,
conforme vimos na seção anterior, colocar a Lide, enquanto conceito-categoria da teoria
geral do processo, numa posição não necessariamente central – nem metodológica, nem
epistemologicamente, posto que incompatível com a teoria da ação e da relação processual
– mas, tão-somente, de enquadramento adequado, junto às demais instituições e institutos
da Ciência Jurídico-Processual. E por que isso? Com o objetivo, único e precípuo, de tentar
elucidar e, quiçá, resolver algumas questões de ordem teórico-conceitual-metodológica e
tecnológico-pragmática368, aparentemente, aporemáticas, da teoria processual e, por
368 Conforme explicitamos e demonstramos, em nota, na página 179.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
conseguinte, da Ciência Jurídico-Processual, as quais, nos termos em que se encontram, não
contribuem para o acoplamento e fechamento estrutural dos conceitos (instituições e
institutos) jurídico-processuais, dentro da ciência processual.
Pois bem. Antes de fazê-lo – a construção precisa, e dentro das premissas
retro afirmadas, do conceito de Lide – ainda é necessário destacarmos que não nos parece
de todo certo, conforme teorizaram LIEBMAN369, CALAMANDREI370 e outros grandes
processualistas371, simplesmente, tentando “salvar”372 o conceito carneluttiano de Lide,
identificar o conceito de Lide ao de meritum causae (como os autores italianos, em geral, o
fizeram) ou ao de objeto (litigioso) do processo (como alguns autores brasileiros, fulcrados
nos ensinamentos da doutrina processual alemã, o fizeram). Isso porque, conforme vimos e
assentimos em momento anterior, na esteira das lições do eminente processualista da Escola
de São Paulo, CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, que importância teria tal nova acepção de
Lide, tendo em vista que, no mesmo sentido semântico-jurídico, sinonimicamente, já temos
formatado e definido o instituto jurídico-processual denominado meritum causae? Se assim
assentíssemos estaríamos, inclusive, contrariando a premissa metodológica desta pesquisa
que é a tentativa de formação e adoção de uma terminologia jurídico-conceptual específica,
pura e aplicada, onde não há espaço para indiscernibilidades e polissemias. Além do que,
369 Como vimos, Liebman, neste sentido, reconstruindo o conceito carneluttiano de Lide, afirmou que o elemento que delimita, que define e que constitui o próprio mérito da causa não é o conflito existente entre as partes fora do processo, mas o conflito, efetivo ou virtual, de pedidos contraditórios sobre o qual o juiz é convocado a decidir. A Lide, assim considerada, diz ele, “torna-se perfeitamente aceitável na teoria do processo e exprime satisfatoriamente o que se costuma chamar de mérito” (LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o processo civil brasileiro. Araras: Bestbook, 2001, p. 103). 370 Calamandrei, por sua vez, e nesta mesma perspectiva, afirma que a Lide, tal como Carnelutti a concebeu, era conceito que se adequava mais ao mundo sociológico, do que ao jurídico. Isso porque, dizia ele, a Lide, para figurar no mundo jurídico-processual, precisar ser apresentada, deduzida, em juízo através da iniciativa do autor (demanda). Em assim sendo, continua ele, o juiz, ao tomar conhecimento da Lide, não se encontra com a mesma, do mesmo modo como ela ocorrera na realidade social, mas, ao contrário, nos exatos termos em que ela foi deduzida, em juízo, pelo autor. Desta maneira, sentencia ele, falar em Lide, nessa nova estrutura conceitual, é falar em mérito, em questão de fundo do processo (Cf. CALAMANDREI. Piero. Estudos de Direito Processual. Campinas: LZN Editora, 2003. E: Idem. Il concetto di “lite” nel pensiero di Francesco Carnelutti. In Rivista di diritto processualle civile. v. V. Padova. Cedam, 1928). 371 Como Alfredo Buzaid (Em: BUZAID, Alfredo. Do agravo de petição no sistema do Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1956), Arruda Alvim (Em: ALVIM, Arruda. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: RT, 1975, v. II), e vários outros autores da dogmática jurídico-processual brasileira. 372 Esse, inclusive, é o termo que o próprio Cândido Rangel Dinamarco utilizou para comentar as diversas teorias reformuladoras do conceito de Lide que foram elaboradas, no sentido de se buscar corrigir os erros da teoria de Carnelutti.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
conforme bem salientou DINAMARCO373, “(...) ora, esse modo de ver a lide do ponto de vista
jurídico deixa-a sem aptidão a explicar alguma coisa”. Por quê? Continua ele: “Se lide é o
mérito e o mérito é a lide, segue-se que um dos dois vocábulos é supérfluo e o acréscimo do
primeiro na linguagem do jurista constituiria uma excrescência”. Na verdade, DINAMARCO
diz isso (corretamente, pensamos), pois não admite que se possa coexistir, num mesmo
sistema jurídico-processual374 e, por assim ser, na Ciência Jurídico-Processual, teorias tão
antinômicas, quanto a teoria da Lide (nos termos em que CARNELUTTI a construiu ou
mesmo com as reformulações feitas por autores como LIEBMAN e CALAMANDREI) e a teoria
da ação375. Melhor dizendo, nas palavras do próprio DINAMARCO: “A sinonímia [lide =
mérito] não seria nociva, se fosse mera sinonímia e não conduzisse à ilusão de poder fazer
coabitar no mesmo diploma processual o método que tem a lide ao centro e o que tem a
ação, como se eles não se repudiassem”. Assim, diferentemente e a par de todas essas
questões e considerações, pensamos que o conceito de Lide não coincide com o de mérito
da causa, e muito menos com o conceito de objeto do processo ou, na linguagem de
ARRUDA ALVIM376, do objeto litigioso do processo. O que ocorre, tão-somente e em
verdade, é que é a partir do conceito de Lide – na acepção que estamos a construir – que se
definem tais conceitos, quais sejam, os conceito de meritum causae – ou objeto do processo
(streitgegenstand), na linguagem dos processualistas alemães – e do thema decidendum,
entre outros conceitos (institutos) processuais, como o de litispendência, de res judicata e
etc.
373 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 56-57. 374 No caso, no sistema jurídico-processual brasileiro é assim, conforme afirma Dinamarco, analisando as imprecisões terminológicas e teórico-conceptuais do Código de Processo Civil pátrio (Conferir em: Ibidem., p. 136-153). 375 Claro que, no nosso caso, entendendo o Litígio e a Lide nos exatos termos que estamos a construir, não há, por certo, antinomia ou incongruência nenhuma entre a Teoria da Lide e a Teoria da Ação. Aliás, muito pelo contrário, em verdade, como iremos demonstrar adiante, há um nítido e congruente eixo de simetria que interliga os conceitos e elementos da Teoria da Lide e do Litígio, tal como os entendemos, com os conceitos e elementos da Teoria da Ação e da Teoria do Processo (como relação jurídico-processual que o é). 376 Conforme vimos, Arruda Alvim identifica o conceito de lide ao de mérito da causa e ao de objeto litigioso do processo.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Em assim sendo, terminológico e conceptualmente, fundamentado na
premissa método-epistemológica de se construir um conceito unívoco e monoreferencial para
o termo Lide, e ainda tendo em vista as observações e advertências retro referidas, qual
seria o conceito que melhor representaria tal fenômeno que – já sabemos – é resultante do
processo de transformação e dedução, quantitativa e qualitativa, do Litígio em juízo?
Vejamo-lo, então.
Para nós, em verdade e peremptoriamente, a Lide nada mais seria que a
componente conteudística e objetiva da relação jurídico-processual que é resultante do
processo377 de transformação e dedução, quantitativa e qualitativa, do Litígio – potencial ou
efetivo – em juízo e a partir378 da qual se identifica, se delimita e se define o meritum
causae379 – ou o objeto litigioso do processo (streitgegenstand) ou a res in iudicium
deductae – e, por conseguinte, o thema decidendum do processo e objeto principaliter da
cognição do juiz, entre outros institutos (conceitos) processuais como o da res judicata, o da
litispendência, o de partes, e etc. Em que termos? Continuemos a construção.
O processo de transformação e dedução, quantitativa e qualitativa, do
Litígio em juízo, a partir do qual se forma e se consubstancia a Lide, ocorre,
processualmente falando, tendo em vista o direito de ação (o klagerecht, da doutrina alemã)
que o autor tem – digo, qualquer pessoa tem – de pedir ao Estado uma tutela jurisdicional;
vale dizer, de pedir ao Estado um pronunciamento jurisdicional sobre uma determinada
situação fáctico-jurídica vivenciada por ela. Tal é o fundamento e substrato jurídico380 desse
processo de transformação e dedução do Litígio em juízo, formando, assim, a Lide.
377 Cientificamente assentindo, eis aqui a sua causa (antecedente lógico). 378 Também, cientificamente assentido, eis aqui o seu efeito (conseqüente necessário). 379 Sem com ele se confundir, pois, em ciência, não se pode definir um determinado objeto pelos efeitos por ele produzidos, mas sim pelos seus elementos constitutivos. Neste sentido: DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, v. 1, p. 273. 380 Modernamente, a natureza jurídica desse direito – o direito de ação – encontra suporte no direito constitucional fundamental de petição, muito embora persistam algumas divergências dogmáticas sobre isso. Nesse sentido, assentem Eduardo Couture (COUTURE, Eduardo J. Estúdios de Derecho Procesual Civil. 3. ed. Buenos Aires: Depalma, 1989.) e Héctor Fix-Zamúdio (FIX-ZAMUDIO, Héctor. Constitución y Proceso Civil en Latinoamérica. México: UNAM, 1974). Por outro lado, é de se ter em vista, também, que, de modo estrito, tal processo de dedução do Litígio em juízo, formando a Lide, tem como fundamento o simples direito de demandar
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Esse direito de ação – direito público e subjetivo que qualquer pessoa tem
de pedir ao Estado uma tutela jurisdicional – é operacionalizado, inicialmente381, a partir de
um ato processual (o primeiro ato do processo, aliás) que é denominado pela dogmática
jurídico-processual tradicional de demanda382. A demanda que – conforme assentiremos
mais à frente, quando distinguirmos os conceitos ora formados de Litígio e Lide de outros
termos da dogmática jurídico-processual383 – muitos autores confundem com o próprio
direito de ação ou com o meritum causae ou o streitgegenstand do processo, ou a pretensão
processual (rechtsschutzanspruch) e material (anspruch). In casu, não há porque se
confundir, posto que ela, a demanda, como ato processual que é, nada mais é – e nesse
sentido é muito importante trazermos à baila as lições do processualista espanhol JAIME
GUASP384 – do que o veículo da pretensão do autor (tanto a pretensão processual – a
rechtsschutzanspruch, quanto a pretensão material – a anspruch). Por assim ser, a demanda
define e delimita o conteúdo subjetivo e objetivo da Lide e, por conseguinte, da relação
jurídico-processual, incluindo, nesta perspectiva, o mencionado meritum causae ou o
ou, como diria Botelho de Mesquita, o simples direito à administração da justiça. Essa distinção ocorre na doutrina processual, posto que, nos casos em que o pronunciamento não é de mérito – quando é caso de extinção sem julgamento do mérito – processo também houve, evidentemente, muito embora, em alguns situações dessas, a carência de ação. Nesses casos, a dedução é válida, muito embora o não conhecimento do juízo, por falta de condição de admissibilidade do julgamento da Lide. Em síntese, o que queremos dizer é que, stricto sensu, o fundamento do processo de transformação e dedução, quantitativa e qualitativa, do Litígio em juízo, formando a Lide é o simples direito de demandar, como diria Cândido Rangel Dinamarco, ou o simples direito à administração da justiça, como diria Botelho de Mesquita, e não o direito de ação, isto é, o direito ao pronunciamento, de mérito, sobre determinada situação jurídica. 381 Digo inicialmente, pois o direito de ação é um direito permanente na dialética da relação jurídico-processual. Isto é, o direito de ação não se exaure simplesmente e por si só no ato inicial da demanda. Muito pelo contrário, pois como diria Cândido Rangel Dinamarco, o direito de ação, analiticamente falando, “é a soma das posições jurídicas ativas do demandante no processo, tendo por objeto o provimento jurisdicional por ele pedido e devido pelo Estado” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, v. 1, p. 107). 382 Tal demanda, por sua vez, é materializada, formalizada, na Petição Inicial do autor. Como diria Dinamarco: “A petição inicial, como papel em que os termos da demanda estão escritos (art. 282), não é um ato mas a representação física de um ato – assim como a escritura instrumentalizadora de um contrato não é o contrato. Em alguns casos especialíssimos a lei admite demanda oral (LJE, art. 14) – e nesses casos a demanda não é instrumentalizada numa petição.” (Idem. Instituições de Direito Processual Civil. 4. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, V. II, p. 104.). 383 Subseção primária 4.4 (Litígio, Lide e outros termos: a indiscernibilidade conceitual). 384 Isso porque foi Jaime Guasp quem melhor definiu o conceito de Demanda, sobretudo, distinguindo-o dos conceitos de Ação e de Pretensão Processual. Nesse sentido dizia ele que “concedido pelo Estado o poder de dirigir-se aos Tribunais de Justiça para formular pretensões: direito de ação, o particular pode reclamar qualquer bem da vida, em face de outro sujeito distinto, de um órgão jurisdicional: pretensão processual, iniciando para isto, mediante um ato especifico: demanda, o correspondente processo, o qual terá como objeto aquela pretensão” [tradução nossa] (GUASP, JAIME. Derecho Procesal Civil. 3. ed. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1977, Tomo I, p. 216.).
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
streitgegenstand do processo, sem com eles se confundir semântica e referencialmente.
Neste sentido, afirma CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, in verbis385:
Não creio que a demanda seja o mérito da causa. Vejo nela, apenas, o veiculo de algo externo ao processo e anterior a ele, algo que é trazido ao juiz em busca do remédio que o demandante quer. A demanda é fato estritamente processual, pressuposto processual, é ato formal do processo, que com ele tem vida e nele se exaure. Ela é o veiculo da pretensão do demandante, que é uma sua aspiração a determinado bem ou a determinada situação jurídica que, sem o processo e sem a intercessão judicial,o sistema o impede de obter.
Em verdade, numa síntese objetiva e fundamental para a elaboração do
nosso conceito de Lide, poderíamos assentir que a demanda – como ato formal e
estritamente processual – é que consubstancia em si o tal processo de transformação e
dedução, quantitativa e qualitativa, do Litígio em juízo, formando a Lide. Isso porque,
conforme assente, também, CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO “é na demanda inicial que
residem os elementos determinantes do conteúdo e responsáveis pelos limites do
provimento a ser proferido pela autoridade jurisdicional. (...) A demanda [é] verdadeiro
projeto do provimento desejado”386. E quando falamos em transformação e dedução,
quantitativa e qualitativa, do Litígio, formando a Lide, tal se dá porque, como bem esclarece
o insigne processualista da Escola Processual de São Paulo, in verbis387:
É ajuizando a demanda que o sujeito traz à presença do juiz a situação a que pretende seja posto reparo e dele postula uma medida capaz de conduzir à solução que, por uma razão ou por outra, não lhe é dado obter pelos próprios meios. E a demanda, narrando fatos, conclui por colocar diante do juiz uma pretensão, veiculada no pedido de emissão de um provimento jurisdicional de determinada ordem, com o conteúdo que indica e referente ao bem da vida especificado (além, naturalmente, de identificar os sujeitos a serem envolvidos na imperatividade do provimento).
385 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, v. 1, p. 247. 386 Ibidem., p. 235. 387 Ibidem. p. 236.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Ou seja, em outras palavras, é com a demanda que se vai identificar,
delimitar e definir, subjetiva e objetivamente falando, todos os elementos (partes, causa de
pedir – o suporte fáctico-causal e jurídico – pretensão processual e material) que, a partir do
Litígio, vão formar e compor a Lide, agora, num plano, estritamente, jurídico-processual. E é
exatamente nisso que consiste a dedução388 quantitativa e qualitativa389 do Litígio formando
a Lide. Aliás, esse é um processo muito importante para a relação jurídico-processual a se
formar, sobretudo, tendo-se em vista o princípio processual da congruência que está
estabelecido, peremptoriamente, no sistema jurídico-processual brasileiro, nos artigos 128390
e 460391 do Código de Processo Civil. Porque, conforme estabelecem tais preceitos legais, o
juiz não pode conhecer aquilo que do Litígio não foi deduzido em juízo, formando a Lide,
mesmo que, materialmente, tal situação realmente tenha ocorrido no plano factual do
conflito (Litígio). Diz a dogmática jurídico-processual sobre isso que o juiz não pode julgar
nem citra, nem ultra e nem extra petita. E mais, conforme analisaremos mais adiante,
estabelece ainda o sistema processual civil que “passada em julgado a sentença de mérito,
reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor
assim ao acolhimento como à rejeição do pedido”392. Então, percebe-se da leitura desses
dispositivos legais, o quanto é importante e vital para as partes e para a dialética processual
em si, o processo inicial de dedução quantitativa e qualitativa do Litígio em juízo, formando a
Lide processual.
388 E, segundo nos ensina Cândido Rangel Dinamarco, em nota, “Deduzir é trazer (do latim de + ducere)” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 4. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, V. II, p. 104.). 389 Dedução quantitativa, porque, é a partir disso, que se vai determinar, objetiva e subjetivamente, os limites e elementos da rechtsschutzanspruch e da anspruch; por sua vez, dedução qualitativa, porque, também, se vai identificar a qualidade, digo a natureza, do bem da vida em Litígio, do direito que fundamenta a pretensão material e das partes em Lide. É por essa razão que se fala, por exemplo, em objeto (pedido) imediato e mediato do processo, isto é, tal distinção e identificação são obtidas e são conseqüência da quantificação e qualificação daquilo que é deduzido em juízo. 390 “O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte”. 391 “É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado”. 392 BRASIL. Código de Processo Civil. Pinto, Antonio Luiz; Windt, Márcia Cristina Vaz dos Santos e Céspedes, Lívia. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 101.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Do mesmo modo, e por outro lado, é necessário assentirmos, destacarmos
e demonstrarmos, ainda, que tal processo de transformação e dedução do Litígio em juízo,
dá-se, também (aliás, completa-se tão-somente), com a participação efetiva e essencial da
parte ex-adversa; isto é, com a participação do réu. Por que, conforme assente a moderna
dogmática jurídico-processual, baseada, sobretudo, nas lições de ELIO FAZZALARI393 e do
sociólogo do direito NIKLAS LUHMANN394, a Relação Jurídico-Processual nada mais é do que
a projeção jurídica da exigência política do contraditório. Aliás, é por essa razão que os
processualistas mais modernos – eu diria até pós-modernos – modificaram a conhecida
Trilogia Estrutural do Direito Processual (Jurisdição, Ação e Processo) sintetizada assim,
nestes termos, pelo processualista argentino, RAMIRO PODETTI395, acrescendo a esta, mais
um elemento (isto é, mais uma instituição jurídico-processual), qual seja, a Defesa396 (ou
Exceção) do réu. É por isso que podemos falar hoje em uma ação em sentido positivo
(formulada pelo autor) – que nós denominamos de demanda ativa – e em uma ação em
sentido negativo397 (formulada pelo réu) – que nós denominamos de demanda passiva. Em
que termos essa demanda passiva? Continuemos.
In casu, o réu participa, também, desse processo de transformação e
dedução, quantitativa e qualitativa, do Litígio em juízo, formando a Lide, sendo que, em
verdade, sua participação se circunscreve aos limites fixados pelo autor na sua demanda398.
393 Conferir em: FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale. Pádua: Cedam, 1975. 394 LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Trad. Maria da Conceição Corte-Real. Brasília: UNB, 1980. 395 PODETTI. J. Ramiro. Teoria y Técnica del Proceso Civil y Trilogia Estructural de la Ciencia del Proceso Civil. Buenos Aires: EDIAR, 1963, p. 335-340. 396 Neste sentido, afirma José Albuquerque Rocha: “Tradicionalmente, costuma-se usar o conceito de ação para designar apenas a situação jurídica do autor, ou seja, fala-se da ação somente em relação á parte que promove o processo. Isto, porém, não é correto. O réu é também titular de uma série de poderes, faculdades e até deveres, que lhe são conferidos pelo ordenamento jurídico para que concretize sua participação no processo e que configuram também um direito à tutela jurisdicional efetiva, ou seja, um direito de ação, só que de caráter negativo. É claro que os poderes, faculdades e deveres do réu não têm o mesmo conteúdo dos poderes, faculdades e deveres do autor. Assim, enquanto o autor tem o poder de pedir a prestação jurisdicional, ao réu cabe o poder de pedir sua rejeição. Mas a diversidade de conteúdo das duas situações jurídicas não nega a tese de que o réu é titular de uma situação jurídica paralela à do autor. Quanto à essência, a situação do réu não é diferente da do autor.” (ALBUQUERQUE ROCHA, José de. Teoria Geral do Processo. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2003, 167). 397 Sobre tais conceitos – ação em sentido positivo e ação em sentido negativo – falaremos mais à frente, quando falarmos, dentro da elementaridade constitutiva da Lide, do seu elemento formal. 398 Muito embora, saibamos que, no caso da reconvenção e do pedido contraposto (no caso dos procedimentos sumário e sumaríssimo e das ações de natureza dúplice), os limites são alterados com a dedução do réu, apesar
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
De qualquer modo, conforme estabelece o Sistema Jurídico-Processual brasileiro e a própria
doutrina processual, o réu, na oportunidade que tem, inicialmente, de demandar (demanda
passiva), traz, na sua resposta ao pedido (pretensão) do autor, à cognição do juízo –
integrando assim a Lide – todas as suas possibilidades de alegações e defesas – tanto a
defesa material, direta e indireta, quanto a defesa processual, dilatória e peremptória.
Nesses termos, consubstanciada está a Lide através da completude399 do processo de
dedução, quantitativa e qualitativa, do Litígio em juízo, formado, tal processo, a partir das
deduções do autor e do réu.
Ademais, conforme estamos a assentir e demonstrar aqui, é a partir de tal
processo de transformação e dedução, quantitativa e qualitativa, do Litígio em juízo,
formando a Lide, agora, no plano jurídico-processual, que se consubstanciam vários outros
importantes institutos – eu diria até institutos fundamentais – da Ciência Jurídico-Processual.
Tal é o caso dos institutos meritum causae – ou o streitgegenstand do processo – do thema
decidendum do juiz, da res judicata, da litispendência, entre outros. Nesse caso, veremos a
formatação de tais conceitos, a partir dessa nova acepção da Lide, mais à frente, quando da
construção teorético-conceptual das instituições e institutos fundamentais da Ciência
Jurídico-Processual a partir da análise distintiva consecutada entre Litígio e Lide. Por hora, é
preciso, apenas, entendermos a importância que tem a construção precisa e específica do
conceito de Lide para a teoria processual, a fim de se evitar as incoerências e congruências
por nós já apontadas na construção de tais institutos jurídico-processuais.
de que, num desses casos (na reconvenção), em verdade, o que ocorre é a formação de uma nova Lide, agora, agregada, à Lide anterior. 399 Neste sentido de completude da formação da Lide, a partir da participação efetiva do autor e do réu (o que chamamos aqui de demanda ativa e demanda passiva), é válido lembrarmos o conceito que Liebman deu à Lide, reformulando-o dos caracteres sociológicos que, segundo ele, Carnellutti empregou para a formação da sua teoria, in verbis: “Observamos já que o pedido que forma objeto dum processo de cognição admite necessariamente, pela própria essência de sua estrutura lógica, a possibilidade de dois resultados opostos. O juiz pode declarar procedente o pedido, dando ganho de causa ao autor; e pode, também, declará-lo improcedente, dando assim a vitória ao réu. Tudo depende dos resultados do estudo e do exame da causa. Naturalmente, a improcedência do pedido do autor equivale à procedência da contestação do réu, que pediu a rejeição da ação proposta. Pedido e contestação representam dois pedidos em conflito e a função do juiz consiste, justamente, em julgar qual dos dois é conforme ao direito, concedendo ou negando, em conseqüência, a medida requerida pelo autor. (...) Este conflito de interesses, qualificado pelos pedidos correspondentes, representa a lide, ou seja, o mérito da causa. A lide é aquele conflito, depois de moldado pelas partes, e vazado nos pedidos formulados ao juiz.” (LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o processo civil brasileiro. São Paulo: Bestbook, 2001, p. 101-102.)
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
242
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Por fim, fala-se em Lide como a componente conteudística e objetiva da
relação jurídico-processual resultante do processo de transformação e dedução, quantitativa
e qualitativa, do Litígio em Lide, posto que é nesta que reside a matéria principaliter que
será objeto de cognição e decisão do juízo. Daí ser ela, a Lide, o conteúdo e o objetivo
(finalidade) do processo, da relação jurídico-processual, numa verdadeira relação de
continência. Isso porque, conforme veremos adiante, a relação jurídico-processual forma um
complexo de juridicidade, onde existem elementos constitutivos subjetivos e objetivos400,
sendo a Lide, assim, a componente elementar objetiva desta relação que ocorre no plano
processual, entre autor, réu e juiz (o actus trium personarum).
Destarte, em síntese, por tudo o que vimos aqui, a Lide, tendo em vista
todas essas considerações de ordem de definibilidade e conceituação, é um conceito-
categoria jurídico-processual – uma construção da Teoria Geral do Processo e, por assim ser,
da Ciência Jurídico-Processual – que, teórico-termino-conceptualmente, segundo critérios e
variáveis de ordem, estritamente, jurídico-processual, podemos defini-la como sendo a
resultante conteudística e objetiva da relação jurídico-processual que é obtida a partir do
processo de transformação e dedução, quantitativa e qualitativa – numa palavra, da
demanda – do conflito intersubjetivo de interesses – potencial ou efetivo – qualificado pela
pretensão de um dos sujeitos e pela resistência do outro o qual emerge, desenvolve-se,
transforma-se e, por fim, extingue-se, na teia social de relações, tendo em vista certos
fatores variantes de ordem sócio-psico-jurídico-político-econômica e interpessoais que ocorre
na realidade, isto é, o Litígio, e partir da qual se identifica, se delimita e se define o meritum
causae – ou o objeto litigioso do processo (streitgegenstand) ou a res in iudicium deductae –
e, por conseguinte, o thema decidendum do processo e objeto principaliter da cognição do
juiz, entre outros institutos (conceitos) processuais como o da res judicata, o da
litispendência, o de partes, e etc. Tal é o conceito de Lide, por certo, muito importante e
400 Neste sentido, cf.: NEVES, Celso. Estrutura fundamental do processo civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 207-218.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
243
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
com muitas implicações, nestes termos, para a teoria jurídico-processual e, por assim ser,
para a Ciência Jurídico-Processual.
Visto isso, passemos, agora, à análise das variáveis da elementaridade
constitutiva da Lide.
4.3.2 – Lide: elementaridade constitutiva.
Por sua vez, agora sob o prisma teórico-conceptual da elementaridade
constitutiva, temos que a Lide, enquanto instituto (e conceito-categoria) de ordem,
estritamente, jurídico-processual que é, apresenta os seguintes elementos constitutivos, que,
por certo, delineiam e delimitam o seu campo de significação semântico e teórico-
conceptual: o elemento subjetivo (constituído pelas partes – sujeito ativo e sujeito passivo);
o elemento objetivo (constituído pela pretensão processual – Rechtsschutzanspruch –
consubstanciada no pedido – Antrag – e na causa de pedir – Sacherverhalt – que são
formuladas pelo autor); o elemento causal (constituído pela demanda – Klageantrag); o
elemento material (constituído pelo Litígio – efetivo ou potencial) e o elemento formal
(constituído pela Ação em sentido positivo – consubstanciada na causa petendi e no petitum
do autor – e pela Ação em sentido negativo – consubstanciada na causa excipiendi e na
contestatio do réu).
First of all, antes de iniciarmos o estudo da elementaridade constitutiva do
instituto da Lide, é necessário salientarmos ainda que muitos desses elementos constitutivos,
conforme veremos mais adiante, consubstanciam e formam os componentes da própria
relação jurídico-processual que se forma a partir do processo de dedução do Litígio em juízo,
formando a Lide. Assim, por exemplo, o elemento subjetivo da Lide – as partes – forma o
elemento subjetivo da própria relação jurídico-processual; por sua vez, o elemento causal da
Lide – a demanda – delimita e circunscreve o meritum causae e o objeto de cognição do
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
244
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
juízo, entre outros. Daí a importância, também, da definição e delimitação precisa, apurada e
específica do conceito de Lide. Aliás, como já afirmamos outrora, na verdade, há um nítido
eixo de congruência entre os elementos da teoria da ação, os elementos da teoria do
processo e os elementos da teoria da Lide e do Litígio, nos termos aqui consecutados.
Vejamos, então, os elementos constitutivos da Lide.
a) Elemento subjetivo:
In limine, é de se assentir, categoricamente, que o elemento subjetivo da
Lide é composto pelo que a dogmática jurídico-processual tradicional denomina de partes.
Partes essas que compõem, cada uma, um dos pólos ativo e passivo da relação jurídico-
processual que é formada a partir da dedução do Litígio em juízo, formando a Lide; daí se
falar em sujeito ativo – o autor da ação em sentido positivo – e em sujeito passivo – o réu,
demandante da ação em sentido negativo. Inobstante isso, conforme veremos agora, não há
uma necessária coincidência entre os sujeitos da relação litigiosa material e os sujeitos da
Lide que compõem, assim, os pólos ativo e passivo da relação jurídico-processual.
Na realidade, o que ocorre é que, por ser a Lide, deduzida e formada a
partir do Litígio que ocorrera na realidade social, muitas vezes os sujeitos contendedores –
que a doutrina chama de partes ou sujeitos em sentido material – do Litígio, coincidem com
os sujeitos da relação, agora, jurídico-processual. Aliás, quase sempre é assim, ou seja,
quase sempre há essa coincidência entre os sujeitos – os sujeitos do Litígio (indivíduo ou
grupo) e os sujeitos da Lide (as partes: autor e réu), muito embora essa coincidência não
seja necessária. Isso porque, conforme entende majoritariamente, hoje401, a dogmática
jurídico-processual, “o conceito processual de parte há de vincular-se, estritamente, à
estrutura subjetiva do processo, independentemente da existência da pertinência subjetiva 401 Digo hoje porque até se chegar a essa noção muitas discussões e polêmicas foram travadas na doutrina processual. No caso, como tal não é nosso objeto central de estudo, importa, neste momento, sabermos qual é hoje a definição exata que os processualistas têm do conceito de parte. E, no caso, essa, acima, é a definição.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
245
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
da relação de direito material, nele deduzida”402. Ou seja: é parte aquele que pede a
prestação da tutela jurídica processual e aquele em face de quem é ela demandada, não
sendo necessária, então, a coincidência entre os sujeitos da relação jurídico-material litigiosa
e os sujeitos da relação jurídico-processual403. Neste mesmo sentido e aludindo, também, à
não necessidade de coincidência dos elementos objetivos da relação jurídico-processual com
os elementos da relação material litigiosa que ocorrera no plano factual, complementa
CELSO NEVES, in verbis404:
À determinação dos elementos objetivos do processo é indiferente, portanto, a res in iudicium deductae, a ele preexistente, não obstante referir-se a essa a tutela processual pretendida. Por isso a determinação do objeto da relação jurídica deduzida em juízo não predetermina o objeto do processo, tal como os elementos subjetivos daquela não predeterminam os destes. Neste sentido, a relação direito-processo existe, pela instrumentalidade deste em relação àquele, mas não se confunde com a relação jurídica processual (grifos nossos).
PIERO CALAMANDREI, citado por DINAMARCO405, no mesmo sentido,
assim assente:
Confirma-se que a parte é sempre um sujeito do processo e a condição de sujeito do processo é, em si mesma, dado suficiente para qualificar a pessoa como parte. É a melhor doutrina que ‘’as partes como sujeitos da relação processual não devem ser confundidas nem com os sujeitos da relação substancial controvertida, nem com os sujeitos da ação: se freqüentemente essas três qualidades coincidem, na medida em que o processo se instaura precisamente entre os sujeitos da relação substancial controversa (legitimados a agir e a defender-se em relação a esta), pode acontecer que a demanda seja proposta por quem (ou contra quem) não seja na realidade interessado na relação substancial controversa ou não legitimado à ação ou à defesa’ (grifos nossos).
402 NEVES, Celso. Estrutura fundamental do processo civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 211. 403 Tanto é assim que, na nossa sistemática processual, temos vários exemplos onde o sujeito da relação jurídico-processual, na verdade, está em juízo representando o interesse do sujeito da relação jurídico-material litigiosa. Tais são, por exemplo, os casos em que o Ministério Público atua como parte, representando os interesses de outrem. Do mesmo modo, os sindicatos e associações que agem como “substitutos processuais”. 404 Ibidem., p. 217. 405 DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. 7. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 26.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Por outro lado, ainda com relação ao elemento subjetivo da Lide, é
importante destacarmos, também, que a dogmática jurídico-processual tradicional ainda
assente, categoricamente, que na relação jurídico-processual é necessário distinguirmos os
conceitos de parte do conceito de sujeitos do processo. As partes, como vimos, são autor
(aquele que pede em juízo proteção jurisdicional para o seu direito) e réu (aquele em face
de quem esta proteção jurisdicional é pleiteada). Mas tais partes não se encontram sozinhas
na relação jurídico-processual que se constitui a partir da dedução do Litígio em juízo. Ao
contrário, agem, elas, na dialética processual, sempre por intermédio da figura do juiz (por
isso a Teoria Angular de KONRAD HELLWIG) e daí que é nesse agir de partes mais juiz que
se consubstancia um complexo de juridicidade composto de deveres, poderes, faculdades,
ônus e responsabilidades recíprocos. É exatamente por isso que os romanos falavam que
“Iudicium est actus trium personarum: iudicis, actoris e rei”. Em assim sendo, autor, réu e
juiz constituem sim os sujeitos da relação jurídico-processual (do processo), sendo aqueles
dois – autor e réu – os sujeitos parciais (partes) e este, o juiz, o sujeito imparcial desta
relação406. Por último, alguns processualistas – como JOSÉ FREDERICO MARQUES407, por
exemplo – falam ainda em sujeitos secundários da relação jurídico-processual. Tais seriam
os auxiliares da justiça, o Ministério Público, os advogados, defensores, procuradores e
etc408.
406 Corroborando tudo isso, afirma-nos Celso Neves: “Do exposto resulta a distinção feita pela doutrina processual e pelas legislações entre subjetivação processual e o conceito de parte, aquela abrangente da figura do juiz, enquanto este alcance, apenas, as pessoas dos litigantes.” (NEVES, Celso. Estrutura fundamental do processo civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 215-216. 407 Cf. MARQUES, José Frederico. Instituições de Direito Processual Civil. rev. atual. compl. Campinas: Millenium, 1999, v. II, p. 89. 408 Resumindo tudo isso, assim afirma-nos Cândido Rangel Dinamarco, in verbis: “Sujeitos processuais são todas as pessoas que figuram como titulares das situações jurídicas ativas e passivas integrantes da relação jurídica processual. Ser sujeito do processo é ser titular dessas faculdades, ônus, poderes, deveres, autoridade ou sujeição. Só os sujeitos processuais, entre os quais o juiz, as partes e os auxiliares da Justiça, são legitimados a realizar os atos do processo, ao longo do procedimento. Há sujeitos processuais parciais (...) e que são as partes e os advogados; e sujeitos imparciais, que são os juízes (...) bem como todos os auxiliares da Justiça. (...) O juiz e as partes dizem-se sujeitos principais, porque são estas as pessoas envolvidas nos conflitos de interesses trazidos à Justiça e é aquele quem decide a respeito do conflito e dirige o processo. São sujeitos secundários o advogado, que representa as partes, e os auxiliares da Justiça, subordinados ao juiz” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 198.).
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Assim, por tudo visto, o elemento subjetivo da Lide é constituído pelas
partes em sentido processual (autor e réu) as quais, por sua vez, constituem os sujeitos
parciais da relação jurídico-processual. In casu, como já salientamos atrás, é muito
importante a definição e delimitação desses elementos subjetivos, posto que é sobre eles
que irão recair os efeitos do instituto da res judicata. Em assim sendo, ao contrário da
identificação dos elementos subjetivos do Litígio que tem como função, apenas, “o
fornecimento dos dados iniciais para uma possível resolução, sociológica, do conflito social”,
conforme afirmamos, a identificação dos elementos subjetivos da Lide – e, por conseguinte,
da relação jurídico-processual – tem uma função essencial dentro desta relação processual,
qual seja, a de delimitar o alcance subjetivo dos efeitos da decisão judicial e, por
conseguinte, da coisa julgada.
b) Elemento objetivo:
Por sua vez, como apresentamos no diagrama retro, o elemento objetivo
da Lide – isto é, o elemento que está diante das partes e do juiz e que faz nascer a Lide e
que, por assim ser, a compõe e delimita objetivamente – é constituído pelo que a moderna
dogmática jurídico-processual, a partir dos alemães – sobretudo de ADOLF WACH409 –
denominou de Pretensão Processual (ou Rechtsschutzanspruch).
A Pretensão Processual (sobre a qual nos deteremos,
pormenorizadamente, mais adiante, quando discorrermos sobre o meritum causae e o
streitgegenstand do processo) nada mais é do que a componente objetiva da Lide que se
delineia e se identifica a partir da dedução do conflito social em juízo; isto é, a partir da
dedução do conflito intersubjetivo de interesses, qualificado pela pretensão de um e pela
resistência do outro, tendo em vista um determinado bem jurídico, em juízo. Por quê?
Porque a pretensão processual é a exigência que o autor da demanda, no plano jurídico- 409 Cf. WACH, Adolf. Handbuch des deutschen Zivilprozessrechts. 1885.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
248
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
processual (não no plano da vontade, pois, se não, seria a pretensão material – a Anspruch)
faz a fim de que o seu interesse jurídico se sobreponha ao interesse jurídico da parte ex-
adversa. Em outras palavras, a Rechtsschutzanspruch é uma pretensão à tutela jurídica que
é formulada pelo autor, ou, em alguns casos, também pelo réu, a fim de que se conceda a
tutela jurídica processual para a resolução da situação jurídica por eles vivenciada. E é,
tendo em vista, tal polarização, entre autor e réu, que se configura a Lide.
Por assim ser, conforme se verá adiante, a Pretensão Processual, como
elemento objetivo da Lide que o é, constitui, em si, o próprio objeto litigioso da relação
jurídico-processual (isto é, do processo); ou seja, constitui em si, a pretensão processual, o
que os alemães chamam de streitgegenstand (objeto litigioso do processo) e o que os
italianos chamam de meritum causae (mérito da causa) e que será objeto, assim, da
cognição e decisão do juiz.
Sobre o conteúdo desta, apesar das grandes discussões e vacilações da
doutrina, tem-se que a Pretensão Processual é formada (e veiculada, eu diria) pelo pedido
do autor – o que os alemães chamam de Antrag – associado que é, este, ao suporte fáctico-
causal e jurídico da sua demanda – em outros termos, associado, tal pedido, ao que
denominamos de causa petendi remota e próxima ou, na linguagem alemã, ao
Sacherverhalt.
Por último, é de se destacar, também, que o bem jurídico objeto do Litígio
e que, como vimos, constitui o seu elemento objetivo, é de fundamental importância para a
definição do objeto da Lide, até porque a pretensão do autor se manifesta em dois planos,
quais sejam, no plano processual (a rechtsschutzanspruch) e no plano material (a anspruch)
e tem como objetivo específico a procedência do seu pleito com relação a tal bem jurídico.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
c) Elemento causal:
Com relação ao elemento causal da Lide, isto é, com relação ao elemento
que dá ensejo à formação e constituição da componente objetiva e conteudística da relação
processual – a Lide processual – temos que, pelo que foi visto até então, esta se forma a
partir do elemento que se denomina, tecno-processualmente, na dogmática jurídico-
processual, de demanda (o Klageantrag, da doutrina alemã). E esta, a demanda, conforme,
pormenorizadamente, já vimos e demonstramos, nada mais é do que o processo de
transformação e dedução, quantitativa e qualitativa, que ocorre para a formação da Lide
processual a partir do Litígio social.
Em assim sendo, a demanda é o elemento causal da Lide, pois esta, como
se demonstrou, somente é constituída, a partir do Litígio, se houver tal processo de dedução
em juízo, até porque, como sabemos da sistemática do direito processual brasileiro e da
maioria dos paises ocidentais, pelo principio da inércia da jurisdição, impede-se e é vedado
que o órgão judiciário ex officio instaure as Lides processuais. Daí os enunciados de base
romanista “Ne procedat judex ex officio” e “Nemo judex sine actore”.
Ademais, ainda sobre o elemento causal da Lide – a demanda – lembremo-
nos de que podemos vislumbrá-la sob dois prismas nitidamente distintos, porém
complementares, quais sejam: o prisma do autor – daí falarmos em demanda ativa – e o
prisma do réu – daí falarmos em demanda passiva. Isto é: a Lide se configura na ação do
autor e na reação do réu. Eis, aí, o seu elemento causal.
d) Elemento material e formal:
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Por último, ainda dentro dessa análise da elementaridade constitutiva do
instituto da Lide, falemos, agora, dos seus elementos material e formal. Vejamo-los: primeiro
o elemento material – o Litígio – e, depois, o elemento formal – a Ação em sentido positivo
(petitum/causa petendi) versus a Ação em sentido negativo (contestatio/causa excipiendi).
Pois bem. Por ser a Lide a resultante conteudística e objetiva do processo
de dedução, quantitativa e qualitativa, do Litígio em juízo, evidentemente, que, neste, está
configurada a sua elementaridade material e factual, pois, o Litígio, pelo que temos visto até
então, como conflito intersubjetivo que ocorrera no plano social, pré-processual, constitui o
suporte fáctico-causal e material da Lide, porque, ora, peremptoriamente, tudo o que ocorre
na dialética da relação jurídico-processual entre as partes nela envolvida, tem em vista,
mesmo que num plano estritamente formal e lógico-jurídico (com todas as ficções e
suposições inerentes ao sistema de normas), a materialidade dos fatos que ocorreram na
sociedade, no plano factual. Isso tanto no âmbito da processualística extrapenal, quanto no
âmbito da processualística penal. Assim, é a partir do Litígio que se deve buscar todos os
elementos e componentes do seu respectivo corolário em juízo, qual seja, a Lide.
Por sua vez e de outro modo, o elemento formal da Lide é composto pela
Ação em sentido positivo, deduzida pelo autor, e a Ação em sentido negativo, deduzida pelo
réu410. Isso porque, na relação jurídico-material que ocorrera no plano factual e a partir da
qual se originou o Litígio, os sujeitos contendedores atuam, em verdade, no plano da
vontade e, concretamente falando, um contra o outro. Daí porque se fala em conflito
intersubjetivo de interesses qualificado pela pretensão de um e pela resistência do outro. Daí
porque se fala, também, ainda na linguagem carneluttiana, em pretensão como sendo a
exigência de subordinação do interesse alheio ao interesse próprio e em resistência como
sendo a não-adaptação a esta exigência de subordinação de interesse. Pois bem. Com a
dedução de tal relação jurídico-material litigiosa (o Litígio) em juízo, formando-se, assim, a 410 Sobre tais conceitos – Ação em sentido positivo e Ação em sentido negativo – lembremo-nos da asserção de José Albuquerque da Rocha, por nós aqui já citada na página 240. Conferir também: ALBUQUERQUE ROCHA, José de. Teoria Geral do Processo. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2003, 167.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Lide, os sujeitos contendedores – agora, partes da Lide e, por conseguinte, da relação
processual – passam a atuar não no plano estritamente da vontade, mas no plano jurídico-
lógico-formal-processual. E, em assim sendo, essa atuação se faz, não mais por meios
aleatórios e factuais (como a simples exigência ou resistência do plano da vontade), mas por
meio do instrumental judiciário que a própria sistemática do processo estatui para que o juiz
possa, assim, dizer o direito no caso concreto. Por isso, a possibilidade de demanda do autor
– através do seu direito de ação (ação em sentido positivo) e, também, a possibilidade de
defesa do réu – através do seu direito de negativa à ação do autor (ação em sentido
negativo). Tudo isso num plano eminentemente formal, lógico e jurídico-processual. Daí
porque o autor, formalmente, através da sua Actio, pede, isto é, veicula a sua pretensão (tal
o petitum), fundamentado em um suporte fáctico-causal e jurídico (tal a causa petendi) e o
réu, por sua vez, também formalmente, defende-se, isto é, apresenta a sua Exceptio,
veiculada em sua contestatio e fundamentada na sua defesa material e processual (tal a
causa excipiendi). Eis, formalmente, constituída a Lide.
Muito bem, visto isso, vejamos, agora, a Lide sob o prisma da
caracterização principiológico-estrutural.
4.3.3 – Lide: caracterização principiológico-estrutural.
De acordo com o diagrama representativo da Lide que apresentamos
anteriormente, agora tendo em vista o matiz teórico-conceptual da caracterização
principiológico-estrutural, temos que a Lide enquanto instituto, conceito-categoria, de ordem
estritamente jurídico-processual que é, conforme pudemos analisar, apresenta os seguintes
caracteres principiológicos estruturais: trata-se de um instituto jurídico-processual, assim
como também, de um verdadeiro suposto processual, de natureza jurídico-processual stricto
sensu e referibilidade intrínseca ao fenômeno processual, e, por assim ser, um elemento
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
endoprocessual, de composicionalidade sincategoremática – posto que se trata de um
fenômeno cuja existência depende de um outro requisito, qual seja, a formação da relação
jurídico-processual – constituindo, assim, um conseqüente jurídico-processual necessário do
fenômeno litigioso que ocorrera na realidade social e que foi deduzido em juízo,
caracterizado, essencialmente, por uma relação sinalagmática entre parte e o Estado-Juiz ou
partes e o Estado-Juiz, nos exatos termos da concepção da Teoria Angular da relação
jurídico-processual, formulada por KONRAD HELLWIG, nos exatos e específicos termos
adiante explicitados. Vejamos, então.
a) Instituto jurídico-processual:
Conforme propomos e demonstramos na introdução do presente trabalho
de pesquisa científico-jurídica – e aliás, relembramos tal asserção, quando do estudo e
análise do instituto do Litígio – o termo instituto aparece aqui como designador
(denominador) de uma determinada unidade sistemática (micro) de conhecimento jurídico-
científico que é formatada a partir de um processo de generalização e categorização teórico-
conceitual e que pertence, por assim ser, a um determinado sistema de conhecimento
jurídico-cientifico. No nosso caso, estamos a estudar e analisar institutos do sistema de
conhecimento cientifico jurídico-processual, isto é, institutos da denominada Ciência
Dogmática Jurídico-Processual411.
Pois bem. Desse modo, a Lide, enquanto elemento de ordem estritamente
jurídico-processual que é obtido a partir da dedução do dado factual – o Litígio – em juízo e
que, por assim ser, pertence e interessa à teoria jurídico-processual e, por conseguinte, à
Ciência Dogmática Jurídico-Processual, constitui em si uma unidade sistema de
conhecimento inserida no âmbito de tal teoria e ciência do processo. 411 Para ficar bem claro as noções distintivas por nós estabelecidas entre instituição jurídico-processual, instituto jurídico-processual, categoria jurídico-processual, Ciência Zetética Jurídico-Processual e Ciência Dogmática Jurídico-Processual remetemos o leitor, mais uma vez, ao intróito do presente trabalho (cf. p. 17, notas 1 e 2).
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
In casu, do mesmo modo que o instituto do Litígio, o instituto da Lide,
como unidade sistemática de conhecimento que é para a teoria jurídico-processual e, por
conseguinte para a Ciência Dogmática Jurídico-Processual, trata-se de uma unidade micro de
conhecimento sobre o processo que tem como dado de apreensão e cognição para a sua
formatação teórica e conceitual o fenômeno litigioso (Lidegioso) que ocorre no plano
estritamente da relação jurídico-processual. Como vimos, tal dado se consubstancia no que
denominamos de objeto litigioso do processo (o streitgegenstand do processo), onde se
veicula a pretensão processual (rechtsschutzanspruch: antrag + sacherverhalt) e material
(anspruch) do autor da demanda.
Destarte, em conclusão, ser a Lide, enquanto unidade sistemática de
conhecimento, isto é, enquanto instituto, um instituto de ordem jurídico-processual.
b) Suposto Processual:
Assim também, a Lide, nesse mesmo prisma de caracterização
principiológico-estrutural, trata-se, segundo os postulados da teoria jurídico-processual dos
pressupostos processuais – sobretudo a partir das inovações que o processualista da Escola
Processual de São Paulo, CELSO NEVES412, consecutou na teorização do processualista
alemão OSKAR VON BÜLLOW, responsável pela elaboração de tal teoria dos pressupostos
processuais – de um suposto processual. Em que termos? Vejamos.
Segundo pudemos observar quando da análise teórico-conceptual e
histórico-descritiva dos termos sub examen, Litígio e Lide, o jurista alemão OSKAR VON
BÜLLOW, na sua obra inspiradora e inauguradora do denominado processualismo científico,
qual seja, a “Teoria das exceções processuais e os pressupostos processuais” – obra essa
que foi escrita e publicada no ano de 1868, quando o eminente processualista ensinava na
412 Cf. NEVES, Celso. Estrutura fundamental do processo civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Universidade de Giessen – expõe a revolucionária tese de que, com o ajuizamento da ação
(o Klagerecht, deles), através da demanda (Klageantrag), e a conseqüente formação do
processo, ao contrário do que se pensava e afirmava até em então, na dogmática jurídica
alemã, estabelecia-se uma nova relação jurídica – agora, entre as partes e o Estado-juiz –
independente e diferente da relação jurídica material que fora quebrada, no plano factual, e
que, portanto, deu origem ao conflito (Litígio), este, agora, deduzido em juízo (Lide). A tal
relação jurídica, BÜLLOW denominou de relação jurídico-processual e com isso – com a
adoção de tal tese pela dogmática jurídico-processual – passou-se a se dar o mesmo valor e
status jurídico às normas que disciplinavam tanto a relação que ocorria no plano factual e
social – a relação jurídico-material – quanto às normas que disciplinavam, agora, a relação
que ocorria no plano processual – isto é, a relação jurídico-processual.
Mas mais do que isso, a grande contribuição à ciência processual – que,
por certo, nascia naquele momento – que consecutou BÜLLOW, foi a de que o juiz, antes de
julgar a “materia litigiosa civil”413 (matéria essa que era objeto da relação que ocorrera no
plano social: a relação jurídico-material), deveria julgar, em primeiro plano, como uma
conditio sine qua non do processo que se formara a partir dela, não as matérias pertinentes
a tal relação jurídico-material, mas as matérias e conteúdos pertinentes, neste momento a
priori, à relação jurídica que se formara no novo plano, o plano processual; isto é,
pertinentes ao que ele denominou de relação jurídico-processual que, agora, formara-se com
a dedução daquela, a relação jurídico-material, em juízo. Em outros termos: o juiz,
primeiramente, deve julgar se estão presentes – na relação jurídico-processual – o que ele,
tecnicamente, e utilizando uma terminologia adequada414, denominou de pressupostos
413 BÜLLOW, Oskar Von. La Teoria de las Excepciones Procesales y los Presupuestos Procesales. Tradução de Miguel Angel Rosas Lichtschein. Buenos Aires: EJEA, 1964, p. 5. 414 Adequada porque preferiu utilizar a expressão pressupostos processuais à exceções processuais, posto que, para ele, as exceptio, em linhas gerais, tinham a mesma natureza jurídica que as actio. Vejamos o que ele diz, neste sentido: “A causa de la refutación de la teoría de las excepciones procesales se há ganado, ante todo, la seguridad de que la institución de la exceptio, lo mismo que la de la actio, pertenecen, por su contenido, al derecho material exclusivamente.” (Ibidem., p. 252).
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
processuais415, pois sem a existência e observância dos mesmos, o processo – a relação
jurídico-processual – não haveria de ter se constituído e desenvolvido de modo válido e
regular. Estava, assim, formada e delineada a teoria dos pressupostos processuais416.
A partir daí, tal teoria foi adotada e, evidentemente, aprimorada pela
dogmática jurídico-processual, de modo que, hoje, temos que o juiz só pode julgar o
meritum causae, o objeto litigioso do processo (streitgegenstand) se presentes tais
pressupostos417, até porque, sem a presença de alguns desses requisitos constitutivos, há
quem defenda que nem processo há, mas mero fato – por isso se fala em pressupostos de
existência e pressupostos de validade da relação jurídico-processual418.
In casu, embora a grande variação (e eu diria até, vacilação) da doutrina
em identificar e determinar o conteúdo dos pressupostos processuais419, temos que tais
415 Neste sentido, ele assim afirmou, in verbis: “Con los grupos mencionados de requisitos procesales – los presupuestos procesales – se añade a la relación litigiosa sustancial existente en el proceso (la llamada merita causae) una materia de debate más amplia y particular. El tribunal no solo debe decidir sobre la existência de la pretensión jurídica em pleito, sino que, para poder hacerlo, también debe cerciorarse si concurren las condiciones de existência del proceso mismo: además del supuesto de hecho de la relación jurídica privada litigiosa (de la res in iudicium deducta [cosa deducida em juicio (o llevada a juicio)]), tiene que comprobar si se da el supuesto de hecho de la relación jurídica procesal (del iudicium).” (Ibidem., p. 6-7). 416 Nestes termos, o processualista Carreira Alvim, assente, in verbis: “O processo como conceito pode existir na mente de qualquer um, mas, para que ele existe concretamente no mundo dos fatos impõe a lei o preenchimento de certos requisitos, sem os quais não existirá. A estes requisitos, a doutrina convencionou chamar de pressupostos processuais de existência. Embora existente o processo, pode acontecer que lhe faltem elementos indispensáveis à sua validade. Além de existir, o processo deverá ser válido e nele estarem presentes certos requisitos que lhe garantam eficácia. A estes requisitos, convencionou a doutrina chamar de pressupostos processuais de validade.” (CARREIRA ALVIM, J. E. Teoria Geral do Processo. 9. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 175-176). 417 Daí se falar em condições de admissibilidade do julgamento da lide (pressupostos processuais, mais as condições da ação), conforme veremos adiante. 418 Com este entendimento, afirma Carreira Alvim, in verbis: “Não é possível que exista um ‘processo’ sem a existência de um órgão estatal investido de jurisdição, incumbido de compor os conflitos de interesses. Da mesma forma, não é possível existir ‘processo’ sem a existência de partes (autor e réu). Não haverá processo se alguém não se dirigir a um órgão jurisdicional, pedindo a tutela do direito em face de outrem (nem iudex sine actore).” (Ibidem., p. 176). Inobstante isso, há quem defenda, como Ernane Fidélis dos Santos, que não existem pressupostos de existência do processo, mas, tão-somente, pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo. Vejamos o que ele nos diz, neste sentido, in verbis: “O juiz, para solucionar o litígio, em primeiro lugar, examina se o processo se formou validamente. A prestação jurisdicional propriamente dita só é alcançada através de processo válido. A validade do processo não se confunde com sua existência. Mesmo o processo inválido se forma e tem existência, a ponto de o juiz não estar isento de pronunciar a própria invalidade nele ocorrida. Existem, pois, pressupostos de validade do processo e não pressupostos de sua existência. Pressupostos processuais são, pois, requisitos necessários à constituição e desenvolvimento válidos e regulares do processo.” (SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil: Processo de Conhecimento. 10. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2003, v. I, p. 34-35). 419 Neste sentido, afirma-nos Kazuo Watanabe: “No tocante aos pressupostos processuais, Cintra, Grinover e Dinamarco sustentam concepção restritiva: ‘a doutrina mais autorizada – dizem eles – sintetiza esses requisitos nesta formula: uma correta propositura da ação, feita perante uma autoridade jurisdicional, por uma entidade capaz de ser parte em juízo’. Reduzem a apenas três os pressupostos processuais: a) um pedido; b) a capacidade de quem formula; c) a investidura do destinatário do pedido, ou seja, a qualidade de juiz. Acolhem, nessa
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
pressupostos, numa síntese bem elaborada por CARREIRA ALVIM420, revelam-se nos
seguintes termos:
a) Pressupostos Processuais de Existência:
a.1) Pressupostos Processuais de Existência Subjetivos: partes e juiz. Pois,
“não pode haver processo sem a existência de autor, juiz e réu, porque segundo a
concepção dominante, a relação jurídico-processual (processo) é um vínculo (no mínimo)
entre esses três sujeitos”421;
a.2) Pressupostos Processuais de Existência Objetivo: a Lide. Pois “o
processo existe para resolver a lide, para solucionar o conflito de interesses travado entre os
litigantes.”422.
b) Pressupostos Processuais de Validade:
b.1) Pressupostos Processuais de Validade quanto às partes: as partes têm
que ter capacidade de ser parte (capacidade de ser titular de direito), capacidade de estar
em juízo (capacidade processual – legitimatio ad processum – de praticar, por si só, atos
processuais) e capacidade postulatória (para postular em juízo).
b.2) Pressupostos Processuais de Validade quanto ao juiz: competência
(jurisdição) e imparcialidade (ausência de impedimento e suspeição)423.
colocação, a doutrina de Calmon de Passos, que é apoiada por Bueno Vidigal. Autores há, porém, que preferem ampliar o elenco dos pressupostos processuais, como ocorre com Galeno Lacerda, Moacyr Amaral Santos, Lopes da Costa, Waldemar Mariz de Oliveira Jr., Frederico Marques prefere falar, simplesmente, em ‘pressupostos para a composição da lide e entrega da prestação jurisdicional, visto que – sustenta o renomado publicista – ainda que faltem alguns desses pressupostos, nem por isso deixa o processo de caminhar para diante, ainda que sem atingir, muitas vezes, a sua fase final’, e diz que ‘todos eles, em última análise, não passam de pressupostos de admissibilidade da tutela jurisdicional para a composição da lide’. Botelho de Mesquita também opta por elenco mais amplo.” (WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2. ed. atual. Campinas: Bookseller, 2000, p. 75). 420 CARREIRA ALVIM, J. E. Teoria Geral do Processo. 9. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 181. 421 Ibidem., p. 176. 422 Ibidem, p. 177. 423 Na verdade, preferimos falar em pressupostos processuais quanto ao JUIZ e quanto ao JUÍZO, porque este há de ser competente, ter medida de jurisdição e aquele, por sua vez, há de ser imparcial, isto é, não pode ser nem impedido, nem suspeito. Fazemos essa distinção, pois, do ponto de vista lógico-jurídico, a competência é um
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
b.3) Pressupostos Processuais de Validade quanto à lide: originalidade, isto
é, ausência de litispendência e ausência de coisa julgada.
Pois bem. Esses são os pressupostos processuais nos termos em que a
dogmática jurídico-processual moderna assente. Mas, conforme chegamos a afirmar, a Lide,
nos termos da construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual, que estamos a
consecutar, trata-se de um suposto processual e não um pressuposto processual. Por que
isso, então? Em que termos, já que, como vimos acima, a teoria assente fala em
pressupostos do processo? Bem, vejamos.
O eminente processualista CELSO NEVES, analisando a teoria dos
pressupostos processuais formulada por OSKAR VON BÜLLOW, e adotando, a partir desta,
uma concepção singular dos requisitos necessários para a constituição e validação da relação
jurídico-processual, assente que, na verdade, existem os pressupostos de existência de tal
relação e o supostos de tal relação, esses, já, no plano da validade e não da existência da
mesma.
Assim, ele resume essa sua tese, in verbis424:
A cognição alcança, pois, desde o momento em que se estabelece a relação jurídica processual, questões atinentes à sua validade, aos requisitos que definem a propriedade da pretensão, em tese, e à solução da lide, segundo uma seqüência natural de prejudicialidade que tem sido enunciada mediante as figuras dos pressupostos processuais, das condições da ação e do meritum causae. Todavia, a nosso ver, pressuposto processual, no sentido próprio de, antecedente lógico-jurídico de que depende a existência da relação jurídica processual, é só o exercício do direito de ação. Com ele o processo passa a existir e os problemas atinentes à sua validade já pertencem ao plano da sua estrutura, não podendo ser considerados como pressupostos seus, mas, isto sim, como supostos de que depende o seu
atributo do órgão e não da persona do juiz. O juiz, apenas, como diria Pontes de Miranda, presenta o órgão, exprime a sua vontade. Se não fosse assim, toda vez que o magistrado fosse removido do órgão judiciário os processos jurisdicionais o acompanhariam, pois a competência seria dele e vincularia. Ora, tal não acontece, pois, peremptoriamente, a competência é do órgão (juízo ou tribunal). Já, por sua vez, os atributos da suspeição e do impedimento são sim inerentes à persona do juiz. Isso se evidencia, facilmente, com a leitura dos incisos dos arts. 134 e 135 do Código de Processo Civil (BRASIL. Código de Processo Civil. Pinto, Antonio Luiz; Windt, Márcia Cristina Vaz dos Santos e Céspedes, Lívia. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 44-45). 424 NEVES, Celso. Estrutura fundamental do processo civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 199.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
desenvolvimento ulterior. É no processo já existente que se dá a atividade do juiz tendente à verificar a sua própria competência, in casu, a legitimidade ad processum e da representação de quem exercitou o direito de ação e a inexistência de fatos que excluam a legitimidade desse exercício. Se esses supostos se verificam, volta-se a atividade do juiz para subseqüente ordem de questões, relativas à legitimatio ad causam das partes, à possibilidade jurídica do pedido e ao interesse de agir, já então no âmbito das chamadas condições da ação que, se existentes, abrem ensejo ao exame e solução da lide. A esse teor de considerações, no plano de classificação das questões que tocam ao juiz enfrentar, no processo civil, já não se pode falar em trinômio, mas em quadrinômio: pressuposto processual, supostos processuais, condições da ação e mérito da causa. Restrito o pressuposto processual ao exercício do direito de ação, sem o qual não pode ter existência a relação jurídica processual dispositiva, os supostos processuais envolveriam os requisitos de validade do processo, permanecendo as condições da ação no plano das circunstâncias que tornam possível o exame do mérito (Grifos nossos).
Em verdade, razão assiste a CELSO NEVES ao formular tal tese, posto que,
conforme já afirmara, muito antes (1956), o processualista LOPES DA COSTA, a expressão
pressuposto processual é inadequada semanticamente, pois “pressuposto de uma coisa, de
um fato, de um fenômeno, é uma circunstância prévia que lhe condiciona a existência. Ora,
as qualidades de que se deve revestir o processo não são prévias a ele, não lhe são
externas, mas internas a ele, inseparáveis. Não são pressupostos, são requisitos”425.
Pois bem, a partir dessas concepções – CELSO NEVES e LOPES DA COSTA
– é que nós, nos termos da construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual, que
estamos a consecutar, podemos afirmar que a Lide, destarte, trata-se de um suposto
processual e não um pressuposto processual. Isso porque, no nosso entendimento e como
estamos a demonstrar, a Lide é a componente objetiva e conteudística elementar da relação
jurídico-processual, numa palavra, do processo que é resultante do processo de dedução,
quantitativa e qualitativa, do Litígio em juízo. Assim, como tal, é um requisito, uma conditio
sine qua non, do processo, pois não há processo, isto é, não há relação jurídico-processual,
425 LOPES DA COSTA, Alfredo de Araújo. Manual Elementar de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1956, p. 199.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
sem Lide que a defina e delimite. Pressuposto, na verdade, seria, além do exercício da ação,
como disse CELSO NEVES – exercício esse, consubstanciado na demanda – o Litígio – efetivo
ou potencial – posto que, sem ele, não haveria o que ser deduzido, quantitativa e
qualitativamente, em juízo. Assim sendo, parece-nos superada a idéia que a doutrina coloca
de distinção entre pressupostos de existência e pressupostos de validade do processo. É
mais técnico, lógico e cientifico falarmos em pressuposto processual de existência e supostos
processuais de constituição e desenvolvimento válido e regular. Esses juntos às condições da
ação e o meritum causae (streitgegenstand) constituem o objeto da cognição do juiz,
conforme veremos adiante.
c) Natureza jurídico-processual stricto sensu:
Conforme sabemos e demonstramos quando do estudo e análise do
instituto do Litígio, determina-se a natureza de um objeto através da identificação dos seus
elementos essenciais e constitutivos; ou seja, através da identificação dos elementos que se
requer para a configuração da existência, no plano factual ou teórico, de tal objeto. Assim,
dizíamos: “falar na, na Teoria Geral do Direito, assim como também, na Teoria Geral do
Processo, em natureza jurídica de alguma instituição ou instituto significa falar nos
elementos essenciais e constitutivos que o identificam e que, por assim ser, o inserem num
determinado esquema conceitual do sistema de conhecimento jurídico-científico”426.
Em assim sendo, a Lide, por toda a análise teórico-conceptual que estamos
a consecutar e demonstrar, sobretudo tendo em vista a sua elementaridade conceitual e
constitutiva, isto é, por ser, ela, um conceito-categoria jurídico-processual – uma construção
da Teoria Geral do Processo e, por assim ser, da Ciência Jurídico-Processual – que, teórico-
426 Para um melhor entendimento sobre esses termos, remetemos novamente o leitor para as seguintes leituras, cf.: BIELSA, Rafael. Los conceptos jurídicos y su terminologia. 3. ed. aum. Buenos Aires: Depalma, 1993, p. 70 e CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de Frederico A. Paschoal. Campinas: Bookseller, 2002, p. 63/64.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
termino-conceptualmente, segundo critérios e variáveis de ordem, estritamente, jurídico-
processual, podemos defini-la como sendo a resultante conteudística e objetiva da relação
jurídico-processual que é obtida a partir do processo de transformação e dedução,
quantitativa e qualitativa – numa palavra, da demanda – do conflito intersubjetivo de
interesses – potencial ou efetivo – qualificado pela pretensão de um dos sujeitos e pela
resistência do outro o qual emerge, desenvolve-se, transforma-se e, por fim, extingue-se, na
teia social de relações, tendo em vista certos fatores variantes de ordem sócio-psico-jurídico-
político-econômica e interpessoais que ocorre na realidade, isto é, o Litígio, e partir da qual
se identifica, se delimita e se define o meritum causae – ou o objeto litigioso do processo
(streitgegenstand) ou a res in iudicium deductae – e, por conseguinte, o thema decidendum
do processo e objeto principaliter da cognição do juiz, entre outros institutos (conceitos)
processuais como o da res judicata, o da litispendência, o de partes, e etc., trata-se de um
instituto, evidentemente, de natureza jurídico-processual stricto sensu427.
d) Referibilidade intrínseca:
Quando da análise étimo(lógica) dos institutos da Lide e do Litígio, vimos
que ambos os termos, como expressões lingüísticas que o são, apresentam Bedeutung
(referência, correspondência, isto é, o correlato da expressão lingüística no mundo factual) e
Sinn (o modo, o sentido, de apresentação de um objeto associado a seu respectivo termo)
diferentes. No caso, vimos que Litígio e Lide são termos de expressões lingüísticas que
designam realidades factuais diferentes, de maneira que o correspondente referencial e
factual do Litígio é o conflito intersubjetivo de interesses qualificado pela pretensão resistida
427 O stricto sensu aparece aí para demonstrar categoricamente que a Lide pertence ao plano estritamente jurídico-processual. Não de modo amplo, mas de modo restrito mesmo. Porque, por exemplo, poderíamos assentir que, lato sensu, o Litígio também tem natureza jurídico-processual, posto que se liga diretamente, através do processo de dedução, ao fenômeno processual. Assim, para ficar bem claro o nosso posicionamento a Lide é de natureza estritamente jurídico-processual e o Litígio, por sua vez, de natureza fáctico-causal-sociológica.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
ou insatisfeita, enquanto que, no caso da Lide, o seu correspondente, isto é, o seu correlato
referencial e factual é a componente conteudística e objetiva (para alguns o meritum causae
ou streitgegenstand) do mecanismo judicial de resolução de conflitos que se denomina
processo, sendo assim, Litígio e Lide, termos de bedeutung diferentes.
Do mesmo modo, como corolário dessa assertiva, vimos, também, que
Litígio e Lide são termos que possuem sinn diferentes, isto é, não-coincidentes. Isso porque,
em sendo o sinn (sentido) o modo de apresentação de um objeto associado a um termo,
temos que, no caso do Litígio e da Lide – por terem, eles, referentes diferentes (bedeutung
e, por conseguinte, objetos diferentes) – têm, também, sinn diversos, sendo o Litígio o
termo referente de uma realidade a que chamamos de sociológico-protojurídica e a Lide o
termo referente de uma outra realidade a que chamamos de jurídico-processual.
Ora dessas considerações, deduzimos, logicamente, que a Lide é um
fenômeno de referência estritamente jurídico-processual e não de referência, como o Litígio
o é, sociológico-protojurídica. Em outros termos: a Lide é um fenômeno de referibilidade
intrínseca ao mecanismo jurídico-processual, posto que se refere, e se constitui na verdade,
na componente objetiva e conteudística da relação jurídico-processual.
e) Endoprocessual:
Por assim ser, como corolário do caractere da referibilidade intrínseca e
tomando-se, sobretudo, o processo judicial como ponto de referência, a Lide é um fenômeno
que acontece dentro e no plano da realidade jurídico-processual. Isto é, a Lide é um
fenômeno endoprocessual e não exoprocessual, como o Litígio o é.
No mais, é de se destacar, quanto a esse caractere, que a Lide, por
ocorrer, formalmente, no plano estritamente jurídico-processual, não exaure em si, todo o
fenômeno da litigância social. Tanto é assim que, conforme afirmamos, quando da análise do
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
instituto do Litígio, muitas vezes, enquanto ocorre a Lide no plano endoprocessual, no plano
exoprocessual, permanece o fenômeno do conflito. Aliás, falamos que este – o Litígio – tanto
pode ocorrer num momento pré-processual, como num momento, concomitantemente,
processual e, até mesmo, pós-processual. Isso tudo, porque a Lide é tão-somente, segundo
assente BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS428, um dos momentos porque passa e se reveste
o conflito social (Litígio).
f) Conseqüente jurídico-processual necessário:
Um conseqüente jurídico-processual necessário, posto que, como estamos
a propor e demonstrar, a Lide é o resultado da transformação e dedução, quantitativa e
qualitativa, do Litígio em juízo.
Aliás, quando da caracterização do Litígio como um antecedente fáctico-
causal e lógico da Lide, nós assentimos o seguinte: a Lide processual que eventualmente
poderá ser formada, só o é se, necessariamente, de modo potencial ou efetivo, ocorrer o
Litígio. Em resumo: não há a Lide, e, por conseguinte, o processo, se não existir,
anteriormente, potencial ou efetivamente, o Litígio. Ou mais: não há Lide sem Litígio anterior
que a defina e delimite. Numa linguagem lógica: o conseqüente necessário (a Lide – que
denominamos de conseqüente jurídico-processual necessário) não ocorre se,
precedentemente, não ocorre o antecedente lógico (o Litígio, o qual, por sua vez,
denominamos de antecedente fáctico-causal-lógico).
Assim também, assentimos, quando da análise étimo(lógica) que o Litígio e
a Lide, do ponto de vista método-lógico-jurídico, são variáveis (conceitos-categoria) da teoria
jurídico-processual – sendo o Litígio uma variável independente e a Lide, por sua vez, uma
variável dependente – que se inter-relacionam de forma recíproca e interveniente – posto
428 SOUSA SANTOS, Boaventura de; LEITÃO MARQUES, Maria Manuel e PEDROSO, João. Os tribunais nas sociedades contemporâneas. In Revista Brasileira de Ciências Sociais. N. 30.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
que estabelecem uma relação de causa e efeito, lógico, mas não-necessário, sendo, in casu,
o Litígio o antecedente crono/lógico e a condição sine qua non para a existência da Lide;
coextensiva – posto que ocorrendo o Litígio, pode ocorrer a Lide; seqüencial – posto que a
priori ocorre o Litígio e a posteriori ocorre a Lide; contingente – posto que se ocorre o Litígio,
então ocorrerá a Lide (o processo) se os pressupostos e supostos processuais e as condições
da ação estiverem presentes; e probabilista ou estocástica – posto que dada a ocorrência do
Litígio, então provavelmente ocorrerá a Lide.
Daí, porque ser a Lide o conseqüente jurídico-processual necessário do
Litígio.
g) Composicionalidade sincategoremática:
Por fim, ainda sob o prisma da caracterização principiológico-estrutural da
Lide, temos que se trata este de um elemento terminológico-conceptual de
composicionalidade sincategoremática, diferentemente do Litígio que, como vimos, é de
composicionalidade categoremática.
Assim, explicando melhor, a partir de um logical point of view (que, aliás,
já vimos e demonstramos), quanto à classificação, mais especificamente no que diz respeito
à sua função, diz-se que um termo é categoremático quando, por si mesmo, já significa algo,
isto é, é uma categoria, como, no nosso caso, o Litígio o é, posto que, em si, tem
significado, já que se constitui numa realidade factual (sociológica) independente do plano
jurídico-processual. Do mesmo modo e ao contrário, ainda do ponto de vista da linguagem
lógica, diz-se que um termo, quanto à sua classificação funcional, é sincategoremático,
quando, por si mesmo, não tem significado conceptual. Em assim sendo, só o terá, se
associado a conectores lógicos, como no caso do conceito de Lide que depende do conceito
de relação jurídico-processual, de processo. Assim, em síntese, o termo Litígio tem
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
composicionalidade categoremática, posto que tem sentido completo, independentemente
do processo e, por sua vez, o termo Lide tem composicionalidade sincategoremática, posto
que tem sentido incompleto, só entendido, assim, como tal, no âmbito da relação jurídico-
processual.
• Representação gráfica da Lide.
Por último, conforme assentimos anteriormente, do ponto de vista de uma
representação gráfica, baseado nas concepções da Teoria Angular da Relação Jurídico-
Processual formulada pelo processualista alemão KONRAD HELLWIG, num momento
estritamente endo-jurídico-processual, poderíamos representar a Lide, da seguinte maneira:
Estado-Juiz
Lide
Autor Réu
Tal se dá, pois, conforme se demonstrou até aqui, a Lide é a componente
objetiva e conteudística da relação jurídico-processual que se materializa no actus trium
personarum da doutrina romanista tradicional.
Desse modo, autor, réu e juiz, no plano da relação jurídico-processual,
estão, segundo assente JAMES GOLDSCHIMIDT, numa situação jurídico-processual – a qual
denomino de complexo de juridicidade – onde existem direitos, deveres, poderes, ônus,
faculdades e responsabilidades inerentes à participação de cada um na dialética processual.
Isto é, estão autor, réu e juiz numa situação jurídica – eu diria, num complexo de situações
jurídico-processuais – onde se estabelece uma relação sinalagmática de direitos, deveres,
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.3 – Lide: um conceito-categoria jurídico-processual.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
poderes, ônus, faculdades e responsabilidades recíprocas. E a Lide entre autor e réu se dá
exatamente, nos termos e com a participação efetiva do Estado-Juiz.
Assim, ao contrário do Litígio onde as relações que se estabelecem entre os
sujeitos contendedores são lineares e sem a observância de mecanismos reguladores
próprios do Estado, na Lide tais sujeitos contendedores – ora partes ou sujeitos principais
parciais da relação processual – estão sob a égide da Jurisdição Estatal, de modo tal que
somente através do magistrado se pode pretender e resistir, daí porque adotamos a
concepção da Teoria Angular de KONRAD HELLWIG e não a concepção da Teoria Triangular
de OSKAR VON BÜLLOW e ADOLF WACH. Aliás, sobre as diferenças entre essas duas
concepções nos deteremos mais adiante, quando do estudo e formatação do conceito de
Relação Jurídico-Processual, a partir da análise distintiva aqui consecutada entre Litígio e
Lide.
Destarte, em síntese, no plano jurídico-processual, a Lide enquanto
fenômeno estritamente processual, resultante do processo de transformação e dedução,
quantitativa e qualitativa, do Litígio em juízo, ocorre, na dialética da relação jurídico-
processual, entre autor e réu, de modo angular, onde tais sujeitos parciais participam das
atividades processuais de modo sinalagmático e sempre por intermédio da autoridade
judicial; nunca diretamente, como na linearidade do Litígio.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.4 – Litígio, Lide e outros termos: a peremptória discernibilidade conceitual.
266
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
4.4 – Litígio, Lide e outros termos: a peremptória discernibilidade
conceitual.
Bem, ex positis, pelo que vimos até aqui, desde a análise teórico-
conceptual e histórico-descritiva dos institutos jurídico-processuais sub examen, até a
proposição, demonstração, argumentação, discussão e asserção da hipotese básica e
principal do presente trabalho de pesquisa científico-jurídica – frente ao problema
apresentado da indiscernibilidade teórico-terminológico-conceitual e tecnológico-pragmática
entre os institutos em exame – tais termos, Litígio e Lide, peremptoriamente, ao contrário do
que assente a dogmática jurídico-processual clássica e moderna, constituem institutos que
teórico-término-método-lógico-conceptualmente são distintos e discerníveis entre si, sendo
um, o Litígio, como vimos, um pressuposto processual de natureza fáctico-causal-sociológica,
de referibilidade extrínseca, portanto, exoprocessual, caracterizado pela contendere de
sujeitos em face de uma pretensão – resistida ou insatisfeita – vetorialmente contrária ao
interesse da outra parte e que, em assim sendo, poderíamos definir como um fenômeno
social que, teórico-termino-conceptualmente, segundo critérios e variáveis de ordem sócio-
jurídica, fulcrado nas teorizações de CARNELUTTI (teoria jurídico-processual) e de
BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS (teoria sociológica), se consubstancia no conflito
intersubjetivo de interesses – potencial ou efetivo – qualificado pela pretensão de um dos
sujeitos e pela resistência do outro o qual emerge, desenvolve-se, transforma-se e, por fim,
extingue-se, na teia social de relações, tendo em vista certos fatores variantes de ordem
sócio-psico-jurídico-político-econômica e interpessoais; já a Lide, por sua vez, seria um
suposto processual – conditio sine qua non do processo – de natureza jurídico-processual
stricto sensu, de referibilidade intrínseca, portanto, endoprocessual, caracterizado por uma
relação jurídico-processual sinalagmática entre partes e o Estado-juiz que, em assim sendo,
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.4 – Litígio, Lide e outros termos: a peremptória discernibilidade conceitual.
267
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
poderíamos defini-la como sendo a resultante conteudística e objetiva da relação jurídico-
processual que é obtida a partir do processo de transformação e dedução, quantitativa e
qualitativa do Litígio – potencial ou efetivo – em juízo. Em síntese, como vimos, a Lide seria
a resultante do processo de transformação e dedução, quantitativa e qualitativa, em juízo do
Litígio. Daí a peremptória discernibilidade teórica e conceitual entre Litígio e Lide, tal a nossa
hipótese básica e principal, proposta, demonstrada, argumentada, discutida e afirmada aqui.
Pois bem. Aplicando tal construção hipotética na formatação teórica e
conceitual das demais instituições e institutos fundamentais da Ciência Jurídico-Processual,
com o objetivo-premissa de se tentar elucidar certas incoerências, incongruências e lacunas
do sistema jurídico-processual de normas e do sistema de conhecimento jurídico-científico429,
no manejo e adequação teórico-metodológica de alguns desses conceitos processuais, é de
se assentir e demonstrar, agora, a discernibilidade conceitual existente entre os termos
(conceitos-categoria) Litígio e Lide – na acepção tética aqui preposicionada – e tais
instituições e institutos fundamentais da Ciência Jurídico-Processual. Exatamente porque,
como afirmamos anteriormente, tal construção analítico-distintiva – nesse momento,
terminológico-conceptual – dos termos Litígio e Lide, foi consecutada430 como uma
429 Neste sentido, é conveniente citarmos, novamente, a nota que escrevemos sobre Cândido Rangel Dinamarco onde ele nos informa algo a esse respeito: “Cândido Dinamarco, em sua obra Fundamentos do Processo Civil moderno, aponta-nos diversas incoerências e incongruências termino-epistemológicas existentes no sistema normativo jurídico-processual e que foram, por descuido ou até mesmo acomodação da dogmática, incorporadas nas diversas obras dos processualistas nacionais. Neste sentido ele afirma: ‘O Código de Processo Civil de 1973, apesar das circunstâncias favoráveis em que foi editado, obviamente muita coisa encontrou diante de si para demolir, da velha estrutura representada pelo de 1939. [...] É compreensível, então, que do entulho aproveitado algum resíduo viesse a ficar aparente – resíduos que talvez imperceptivelmente foram aplicados nas colunas da edificação de 1973”. Desse modo, prossegue ele: “A doutrina brasileira do processo civil [...], embora criticando essas classificações tecnicamente incorretas, é obrigada a levá-las em conta, porque ‘legis habemus’ e todo trabalho dogmático há de ser construído sobre o que existe no direito positivo’ (cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil moderno. 5. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, t. I, p. 141 e 156.). Na verdade, data vênia ao mestre paulista, o papel exercido pelo processualista, mesmo do ponto de vista dogmático e, principalmente, do ponto de vista zetético, no caso, é de desconstrução dessas imprecisões e equivocidades terminológicas e não de perpetuação das mesmas, sob pena de estar produzindo qualquer tipo de conhecimento, mas não um conhecimento técnico-científico.”. 430 Além do que, conforme assentimos antes, tal construção analítico-distintiva entre Litígio e Lide tem implicações e repercussões, de várias ordens, dentro da teoria jurídico-processual, tais como, de ordem teórica – porque, como já enunciamos, tal construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual além de contribuir no sentido de apresentar soluções a questões, aparentemente, aporemáticas verificadas em algumas instituições e institutos fundamentais da teoria jurídico-processual, contribui para o acoplamento estrutural e o fechamento organizacional, tendo em vista algumas lacunas conceptuais e metodológicas, do sistema; de ordem conceitual – porque, tentando elucidar o problema da indiscernibilidade de identidade existente entre os conceitos de Lide e Litígio, contribui no sentido de dar uma nova formatação, principalmente, ao conceito de Lide formulado por
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.4 – Litígio, Lide e outros termos: a peremptória discernibilidade conceitual.
268
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
possibilidade teorética de superação de tais incoerências e lacunas do sistema jurídico-
processual de normas e, por conseguinte, do conhecimento jurídico-processual-científico
produzido a partir deste. Assim como também, esta construção terminológico-conceptual
apresenta-se, na verdade, como uma possibilidade de resolução de questões aparentemente
aporemáticas da Teoria Geral do Processo, frente a essas incoerências e incongruências do
sistema e do conhecimento jurídico-processuais. Tais são os casos, por exemplo (e nós já
enunciamos), da problemática da decidibilidade de conflitos e da teleologicidade processual,
da aferição do atributo da jurisdicionalidade na chamada Jurisdição Voluntária e da Lide
como elemento da res in iudicium deductae da processualística penal, além de outras,
apontadas recorrentemente pela doutrina, como a indiscernibilidade semântica e conceitual
entre o conceito de Lide e o de meritum causae.
Assim, ao contrário do que se afirma até então, na dogmática jurídico-
processual, os termos sub examen – Litígio e Lide – além de serem discerníveis entre si –
conforme propomos, demonstramos, argumentamos, discutimos e afirmamos – não se
confundem conteudística, semântica e conceptualmente com as demais instituições e
institutos jurídico-processuais da Teoria Geral do Processo. Isto é, a partir da construção
analítico-distintiva proposta, há um nítido e evidente prisma de discernibilidade entre os
conceitos de Litígio e Lide e os demais conceitos conformadores da Teoria Geral do Processo
e da Ciência Jurídico-Processual. Em assim sendo, não há que se confundir, teorética e
empiricamente (conforme veremos, quando da construção analítico-distintiva, sob o prisma
Francesco Carnelutti e, em assim sendo, ressalvando-o das críticas que a dogmática jurídico-processual já fez a este, principalmente, por considerar que, na visão carneluttiana, o conceito de Lide era mais sociológico do que jurídico, desse modo, sem maior importância para a teoria processual. No caso, nós assentimos que, em verdade, Lide é um conceito jurídico-processual e Litígio, sim, é um conceito de natureza sociológica, protojurídica; de ordem metodológica – porque, com a construção analítico-distintiva aqui estabelecida, busca-se afastar o conceito de Lide como pólo metodológico e, tão-somente, adequá-lo conceitualmente como mais um instituto jurídico-processual da Ciência Jurídico-Processual. Desse modo, o nosso objetivo não é colocar – ou como diria Cândido Rangel Dinamarco – salvar o conceito de Lide como pólo metodológico, tal como fez Carnelutti e seus seguidores; por fim, de ordem tecnológico-pragmática – porque com a distinção estabelecida entre Litígio e Lide, fornecemos elementos para a teoria processual adequar os conceitos e funções da Jurisdição como mecanismo estatal de resolução de conflitos. Isso porque, conforme vimos, do modo como o sistema está estabelecido hoje, a preocupação e, por conseguinte, a atuação do julgador ao se deparar com o processo é no sentido de resolver (melhor dizendo, decidir) a Lide e não, propriamente, o Litígio que deu origem ao processo.
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.4 – Litígio, Lide e outros termos: a peremptória discernibilidade conceitual.
269
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
empírico-crítico) os conceitos de Litígio e Lide com os conceitos de demanda, causa,
pretensão, conflito, objeto litigioso do processo, meritum causae, res in iudicium deductae,
relação jurídico-processual, ente outros, até porque, como asseveremos anteriormente, em
assim sendo, tal problemática de indiscernibilidade, sinonímia e equivocidade dos institutos
sub examen, levaria – juntamente com outras incongruências, por nós já apontadas,
também de ordem teórico-método-terminológica, do nosso sistema de conhecimento
jurídico-processual – à formação de uma teoria processual e, conseqüentemente, de um
conhecimento jurídico-processual que não atenderia, estritamente, aos pressupostos teórico-
metodológicos do conhecimento científico. Daí o problema também demonstrado por nós da
indiscernibilidade de identidade e da inadequação teórico-metodológica de certas teorias e
conceitos processuais, aos quais nos referimos no conspectus desse trabalho como sendo
pseudo e/ou folk conceitos e teorias.
Na verdade, o que ocorre é que, aplicando a construção analítico-distintiva
aqui consecutada, há, peremptoriamente falando, uma discernibilidade teórica e conceitual
entre os institutos do Litígio e da Lide e as demais instituições e institutos fundamentais da
Ciência Jurídico-Processual. De modo tal que, sinteticamente, é a partir da dedução,
quantitativa e qualitativa – através do direito de ação, materializado na demanda – do Litígio
em juízo, formando a Lide, que se irão consubstanciar os conceitos de relação jurídico-
processual – e de todos os seus elementos constitutivos: subjetivo, causal e objetivo; assim
como também, os conceitos de meritum causae ou streitgegenstand do processo e, por
conseguinte, do thema decidendum do juiz; da tutela jurisdicional e do seu respectivo
provimento; da pretensão processual e material do demandante; da causa petendi e
excipiendi da ação em sentido positivo e negativo, respectivamente; da res judicata, e dos
seus limites objetivos e subjetivos; do pedido imediato e mediato do processo; da res in
iudicium deductae e do iudicium; do objeto de cognição do juízo, consubstanciado que está
no quadrinômio processual, qual seja, pressuposto processual de existência, supostos
4. – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, TERMINOLÓGICO-CONCEPTUAL. 4.4 – Litígio, Lide e outros termos: a peremptória discernibilidade conceitual.
270
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
processuais, condições da ação e Lide; da litispendência, da conexão e continência, do
litisconsórcio, do cúmulo de ações e demandas, entre outros termos processuais431.
In casu, conforme anunciamos no intróito – aliás, esta é, inclusive, uma
das hipóteses secundárias dependentes do nosso trabalho de pesquisa científico-jurídica, em
verdade, uma aplicação da hipótese básica afirmada e demonstrada – todos esses conceitos
da Teoria Geral do Processo e, por conseguinte, da Ciência Jurídico-Processual, serão, agora,
objeto de equacionamento, (re)dimensionamento e (re)construção teorético-conceptual, a
partir da construção analítico-distintiva, terminológico-conceptual, consecutada aqui entre os
institutos do Litígio e da Lide. Tal é o objeto da próxima seção. Vejamo-a, então.
431 É exatamente neste mesmo sentido que os processualistas alemães buscaram encontrar e bem definir o objeto do processo (o que eles chamam de streitgegenstand e os italianos chamam de meritum causae), posto que, segundo eles, é a partir deste que se formam e compreendem os conceitos de cúmulo de demandas, modificação da demanda, litispendência, coisa julgada material, entre outros. No nosso caso, a partir do conceito de Litígio e Lide – sem se importa em fazer desses, conceitos centrais da Teoria Geral do Processo e da Ciência Jurídico-Processual – o que pretendemos é (re)dimensionar, (re)construir – ou simplesmente, melhor entender – os demais conceitos (instituições e institutos) da Ciência Jurídico-Processual.
271
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE
DISTINTIVA CONSECUTADA.
Os conceitos doutrinários não têm outra finalidade legítima senão exprimir e condensar, em ordem logicamente coerente, a realidade fenomênica do direito. Os conceitos jurídicos nada mais são do que hipóteses de trabalho, cuja exatidão deve ser constantemente verificada à luz do direito positivo, o único que ministra os dados, isto é, os materiais para a construção do sistema do direito.
ENRICO TULLIO LIEBMAN
Pois bem. Uma vez proposta e demonstrada a discernibilidade teórico-
termino-lógico-conceptual entre os institutos do Litígio e da Lide, o propósito, agora, de mais
esta seção, é o de equacionamento, (re)dimensionamento e (re)construção teorético-
conceptual das instituições e institutos fundamentais da Teoria Geral do Processo – e, por
conseguinte, da Ciência Jurídico-Processual – a partir da análise distintiva consecutada.
Destarte, o que se pretende consecutar e demonstrar agora aqui é que,
uma vez considerando a Lide não teórica e conceptualmente igual ao Litígio, mas como a
resultante conteudística do processo de transformação e dedução, quantitativa e qualitativa,
deste em juízo, há que se identificar, neste momento, as acepções teórico-conceptuais de
alguns432 dos elementos da Trilogia Estrutural da Ciência Jurídico-Processual433 – e seus
respectivos institutos fundamentais – que, a partir disso, melhor caracterizam e se
coadunam com tal proposição hipotética demonstrada, posto que, em assim sendo,
tentaremos desconstituir os problemas detectados e apresentados, outrora, de
indiscernibilidade teórico-conceptual e de aporias teórico-processuais encontrados no âmbito
teórico-epistemo-metodológico de tais conceitos processuais. Essa é, inclusive – foi o que
432 De alguns dos elementos da Trilogia Estrutural da Ciência Jurídico-processual, posto que, conforme assentimos antes, são nesses que encontramos, precipuamente, determinados problemas de ordem teórica, metodológica e conceitual que, por assim ser, necessitam de uma melhor compreensão e adequação epistemológica. Assim também, digo de alguns elementos, posto que, dada a abrangência e profusão de reflexos da nossa construção teorética, entre os termos Litígio e Lide, na Ciência Jurídico-Processual, seria demasiado genérico, impreciso e pretensioso da nossa parte, tentar, em um só trabalho de pesquisa, abranger todos os elementos da Teoria Processual, sob este novo prisma. Daí, também, o porquê da escolha de tão-somente alguns conceitos (instituições e institutos) da Teoria Geral do Processo e da Ciência Jurídico-Processual. 433 Consubstanciada, como já afirmamos, com base nos ensinamentos de Ramiro Podetti, nas instituições jurídico-processuais Jurisdição, Ação e Processo.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 272
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
dissemos no intróito deste trabalho – uma das aplicações secundárias e dependentes da
nossa proposição hipotética básica.
Assim, em outras palavras, há que se ident(mod)ificar agora, a partir desta
proposição tética e básica do nosso trabalho de pesquisa – Litígio ≠ Lide –, sobretudo, os
conceitos de Relação Jurídico-Processual (por certo, o elemento consubstanciador da
instituição jurídico-processual Processo), de direito de Ação (Klagerecht) e de demanda
(também, por certo, elementos consubstanciadores da instituição jurídico-processual Ação),
de Meritum causae (ou streitgegenstand, isto é, objeto litigioso do processo, como elemento
principaliter da cognição do juiz e que, como vimos, a dogmática insiste em coincidir com o
conceito de Lide), de Thema decidendum (objeto do provimento jurisdicional e aferido não a
partir do conceito de Litígio, como o faz a doutrina tradicional, mas do de Lide), de objeto de
cognição (consubstanciado não só na Lide ou no mérito, mas no denominado, por CELSO
NEVES, quadrinômio de questões processuais), de res judicata (sobretudo, conforme vimos
na introdução, tendo em vista as dificuldades de compreensão e hermenêutica dos arts. 128,
468 e 474 do Código de Processo Civil) e demais conceitos jurídico-processuais, a esses,
correlatos (como por exemplo, os conceitos de pretensão processual e material,
litispendência, litisconsórcio, cúmulo de ação, partes, sujeitos do processo, provimento,
tutela jurisdicional, condições da ação, pressuposto e supostos processuais, pedido,
questão/ponto/razão, e etc).
Ademais, in limine, para termos uma visão global e diagramática
representativa de todos os fenômenos, sociológicos e jurídico-processuais, que ocorrem
desde o desencadeamento do conflito social (Litígio) – ainda no plano pré-processual – até a
sua resolução judicial (Res judicata) – já no plano processual (no denominado, por
BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, domínio oficial de judicialização do Litígio) –
apresentamos, a seguir, um gráfico (diagrama) que bem representa a constituição e
desenvolvimento de tais principais elementos conceituais (instituições e institutos) da Teoria
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 273
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Geral do Processo e da Ciência Jurídico-Processual que serão, como dissemos, objeto de
(re)dimensionamento e (re)construção teorético-conceptual na presente seção434.
Vejamo-os, então – tais elementos conceituais – técnica, científica e
pormenorizadamente.
434 Sobre o gráfico (diagrama), o que ele, sintética e representativamente, apresenta-nos é que: a partir do Litígio (L= Sc1 versus Sc2) – que constitui em si a Relação Jurídico-Material Litigiosa, isto é, a Res in Judicium Deductae dos romanos – melhor dizendo, a partir da sua dedução em juízo, através do direito constitucional, subjetivo e público de Ação (o Klagerecht, da processualística alemã) do Autor e do Réu (daí se falar em Ação em sentido positivo e negativo, com todos os seus elementos constitutivos: subjetivo, causal e objetivo), materializado no ato processual denominado de Demanda (Klageantrag) – demanda ativa e passiva – se forma o Processo Judicial que, nada mais é, em sua natureza jurídica e segundo a doutrina processual moderna, que a Relação Jurídico-Processual (o Iudicium da doutrina romanística) – com todos os seus elementos conformadores: subjetivo, causal e objetivo) mais o procedimento. Tal Relação Jurídico-Processual consubstancia em si e tem como componente conteudística a Lide, que fora deduzida a partir do Litígio. A partir de tal Lide é que se constituirá o meritum causae ou streitgegenstand do processo, isto é, é a partir dela que se consubstanciará e se formará o Thema objeto de decisum do juiz (o Thema Decidendum), sendo este, o objeto principaliter – mas não único e exclusivo – de cognição do juiz. Não único e exclusivo, posto que além desse – como objeto litigioso do processo que é – também é objeto de cognição do juiz – inclusive, do ponto de vista (crono)lógico – os pressupostos e supostos processuais e as condições da ação que, juntos, formam as denominadas condições de admissibilidade do julgamento da Lide. E sobre essa Lide, então, como consubstanciadora do Meritum Causae que é, irá incidir o julgamento de mérito (a decisão) e, em assim sendo, o Provimento da Tutela Jurisdicional, assim como também, como corolário, os efeitos da res judicata .
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA CONSECUTADA.
274
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Litígio
L: Sc1 actio Sc2
Ação (Klagerecht)
Processo Judicial
Juiz
Lide Autor Réu
Demanda (Klageantrag) Relação Jurídico-Processual
(Iudicium)
Relação Jurídico-Material Litigiosa
(Res in Iudicium Deductae)
Objeto de Cognição do Processo: Quadrinômio de questões.
1. Pressupostos Processuais
2. Supostos Processuais (Prozessvoraussetzungen) 3. Condições da Ação (Klagvoraussetzungen)
4. Lide (Ação versus Defesa)
Thema Decidendum
Tutela Jurisdicional
Provimento
Ação em sentido positivo
1. Elemento subjetivo: Partes
2. Elemento causal:
Causa petendi remota (suporte fáctico-causal). Causa petendi próxima
(suporte jurídico).
3. Elemento objetivo: Petitum imediato. Petitum mediato.
Ação em sentido negativo Partes Causa Excipiendi Contestatio
Pretensão Processual(Rechtsschutzanspruch)
Pretensão Material (Anspruch)
Princípio da Congruência: simetria.
Processo (Relação Jurídico-Processual)
1. Elemento subjetivo:
Sujeitos processuais
2. Elemento causal: Demanda = Pretensão Processual e Material = petitum (antrag) + causa petendi (sacherverhalt). 3. Elemento Objetivo-Conteudístico:
Lide
Resolve: Questão de Mérito.
Decide: Mérito.
Res Judicata
Meritum Causae (Streitgegenstand)
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 275
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
5.1 – Relação Jurídico-Processual.
Segundo propomos e demonstramos teticamente, a Lide constitui em si a
componente conteudística e objetiva da relação jurídico-processual que é resultante do
processo de transformação e dedução, quantitativa e qualitativa, do Litígio em juízo. Em
assim sendo, é a partir dela – da Lide – que se deve aferir a matéria principaliter (o
streitgegenstand do processo) que será objeto de cognição e decisão do juízo, assim como
também, é a partir dela que se deve identificar o conteúdo – por isso falamos em relação de
continência – e o elemento objetivo da nova e diferente relação jurídica que agora se
estabelece, ato contínuo à dedução em juízo da relação jurídico-material litigiosa (a res in
iudicium deductae da doutrina tradicional), entre os sujeitos originários do Litígio. No caso,
tais sujeitos contendedores – agora, partes no sentido processual – junto ao representante
do Estado – o juiz – comporão o, chamado pela doutrina romanística, actus trium
personarum (autor, réu e juiz).
Ora, se tal se dá, podemos assentir, corolariamente, também, que é a
partir do conceito de Lide e de seus caracteres estruturantes – numa relação de causa/efeito
e de implicação concorrente e, sobretudo, de elementaridade constitutiva – que se deve
deduzir e aferir o conceito de Relação Jurídico-Processual, como elemento consubstanciador
que é, assim considerado, hoje, pela maioria da dogmática jurídico-processual, da natureza
jurídica do Processo Judicial, conjuntamente com o procedimento nele descrito, constituído e
desenvolvido435.
435 Dizemos isso, sem nos preocuparmos com outras teorizações a respeito da natureza jurídica do processo judicial – como a teoria da Instituição de Jaime Guasp, ou a teoria da Situação Jurídica de James Goldschimdt – tendo em vista o assentimento majoritário da dogmática jurídico-processual no sentido de considerar o processo judicial, hoje, como sendo, em sua natureza, uma relação jurídica, consubstanciada num procedimento. Tal é a tese de Büllow, um pouco reformulada pela doutrina processual moderna. Neste sentido e resumindo as diversas correntes existentes sobre a natureza jurídica do processo judicial, assim nos afirma Dinamarco, in verbis: “A teoria do processo como relação jurídica, formulada em 1868 por Oskar Von Büllow e vitoriosa em todos os quadrantes da doutrina continental européia – com notória repercussão na brasileira – jamais explicou como poderia o processo ser só uma relação processual, sem incluir em si mesmo um procedimento. Ela teve o mérito
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 276
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Dito isso, o que seria, então, conceitual, estrutural e elementarmente a
Relação Jurídico-Processual nesta nossa tética perspectiva? Vejamos.
De plano e in limine, podemos assentir que a Relação Jurídico-Processual,
sob o prisma da definibilidade, evidentemente nesta nossa (sin)tética perspectiva, seria,
então, o vínculo – ou sistema de vínculos – de ordem jurídica que se estabelece – uma vez
deduzido em juízo o Litígio – entre os sujeitos que passam a integrar o complexo de
juridicidade constitutivo do processo judicial e da Lide que o integra.
Explicando melhor: a relação jurídico-processual, nesta nossa perspectiva,
seria o vínculo – ou sistema de vínculos – de ordem jurídica, consubstanciador do complexo
– o qual, como já afirmamos anteriormente, denominamos de complexo de juridicidade – de
situações jurídico-processuais, ativas e passivas, vivenciadas pelos sujeitos componentes de
tal relação em todo o itere procedimental do processo judicial.
Em outras palavras e ainda no plano da definibilidade: a relação que ocorre
no plano do processo judicial constitui em si um verdadeiro sistema de vínculos relacionais e
de ordem jurídico-processual estabelecido entre os sujeitos envolvidos em tal processo, onde
existe inerente a este sistema de vínculos uma plêiade ou feixe de deveres, ônus, faculdades
e poderes que configuram um complexo de juridicidade e que, por assim ser, interligam tais
sujeitos, ditos, processuais.
Por outro lado, no plano da sua elementaridade constitutiva e característica
estrutural, trata-se, a relação jurídico-processual, de uma relação composta pelos seguintes
caracteres estruturais: é uma relação de natureza de direito público, procedimentalmente
de suplantar a arcaica visão do processo como pura seqüência de atos – ou seja, como mero procedimento, sem cogitações de um específico vínculo de direito entre seus sujeitos – mas por sua vez acabou sendo suplantada pela percepção de que procedimento e relação processual coexistem no conceito e na realidade do processo, sem que este pudesse ser o que é se lhe faltasse um desses dois elementos. São rejeitadas na doutrina moderna todas as muitas teorias que ao longo da história das instituições processuais procuraram explicar a natureza jurídica e a conceituação do processo. Mesmo a do processo como situação jurídica, muito respeitada em razão da autoridade e méritos de quem a formulou (James Goldschimdt), acabou por mostrar-se destoante da realidade (...). Houve também as teorias do processo como instituição, como entidade complexa ou como quase-contrato. No Brasil, foi muito louvada mas não teve seguidores de renome a teoria ontológica do processo, de Joao Mendes Júnior. De todos os modos pelos quais se encarou o processo, a teoria que se encontra sepultada em caráter mais categórico e definitivo é a do processo como contrato (...).” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2004, v. II, p. 27-28).
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 277
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
complexa, progressiva (ou evolutiva), unitária (ou sistemática), autônoma, mas também
relacional (pois é obtida a partir da res in iudicium deductae), e de estrutura lógico-formal
triádica (ou trinária) e angular, de caractere efectual, do tipo reflexiva e assimétrica, de
conexidade instrumental com a relação jurídico-material litigiosa a partir da qual teve
origem, cujos elementos constitutivos são: o elemento subjetivo – constituído pelos sujeitos
processuais (o actus trium personarum mais os denominados sujeitos secundários da
relação), o elemento causal – constituído pela demanda que é o veículo da pretensão e
resistência processual e material das partes – e o elemento objetivo-conteudístico –
constituído pela Lide, nos termos adiante explicitados. Continuemos a explicação.
Primeiramente, a relação jurídico-processual é um vínculo (ou sistema de
vínculos) de ordem jurídica, pois interliga, não apenas factualmente – como no Litígio que
ocorre no plano pré-processual –, mas, sobretudo, juridicamente, os vários sujeitos nela
envolvidos, isto é, os sujeitos processuais. Nesse relacionar, como dissemos, forma-se, em
verdade, um complexo sistema de deveres, faculdades, poderes e ônus recíprocos entre os
sujeitos componentes desta relação. E quem são tais sujeitos integrantes desta relação
jurídico-processual?
Pois bem. Diz a moderna doutrina processualística que tais integrantes da
relação que ocorre no plano do processo judicial – os denominados sujeitos processuais –
são todas as pessoas físicas ou jurídicas que, de algum modo, figuram como titulares das
diversas situações jurídico-processuais ativas e passivas consubstanciadoras e formatadoras
do que nós denominamos de complexo de juridicidade. Assim, de plano, já podemos
perceber e assentir que não são sujeitos processuais apenas436 o autor, o réu e o juiz, mas
também, da mesma forma, todos aqueles que de algum modo participam ou intervem, como
titulares de deveres, poderes, faculdades e/ou ônus, em tal relação jurídico-processual.
436 Inclusive, já assentimos isso, quando do estudo do elemento constitutivo subjetivo da Lide.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 278
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Nesse sentido, afirma-nos CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO437, in verbis,
que:
Ser sujeito do processo é ser titular dessas faculdades, ônus, poderes, deveres, autoridade ou sujeição. Só os sujeitos processuais, entre os quais o juiz, as partes [e seus respectivos advogados] e os auxiliares da Justiça, são legitimados a realizar os atos do processo, ao longo do procedimento (Intercalações nossas).
Em assim sendo, a dogmática, classificando de diversas maneiras os
sujeitos que atuam no plano do processo judicial, aponta-nos que na relação jurídico-
processual existem os sujeitos processuais ditos parciais, os sujeitos processuais dito
imparciais, os sujeitos processuais ditos principais e os sujeitos processuais ditos
secundários. Vejamo-os, então, começando por esses últimos.
Sujeitos processuais principais da relação jurídico-processual são autor, réu
e juiz – os formadores do actus trium personarum da doutrina romanística. Tais são assim
considerados os sujeitos processuais principais, evidentemente, porque “são estas as
pessoas envolvidas nos conflitos de interesse trazidos à Justiça e é aquele quem decide a
respeito do conflito e dirige o processo”438.
Por sua vez e como contraponto classificatório desses, são sujeitos
processuais secundários “o advogado, que representa as partes, e os auxiliares da Justiça,
subordinados ao Juiz”439. São secundários, exatamente, porque não exercem atividade de
dedução, qualitativa e quantitativa, de interesses conflituosos próprios em juízo, nem podem
conhecer ou decidir sobre os elementos processuais e materiais do processo judicial.
Por outro lado, como dissemos antes, existem, também, sob um outro
prisma classificatório, os sujeitos parciais e imparciais da relação processual. Assim, di-no a
dogmática processualística moderna que são sujeitos processuais parciais as partes e seus
437 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2004, v. II, p. 198). 438 Ibidem., p. 198. 439 Ibidem., p. 198.
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CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 279
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
respectivos advogados. Isso porque esses, de modo vetorialmente contrário, “estão no
processo em busca da satisfação de uma pretensão própria, ou alheia, ou mesmo de um
grupo ou da sociedade como um todo”440.
Por sua vez, di-no também a doutrina, são sujeitos processuais imparciais o
juiz e os auxiliares da Justiça, exatamente porque, ao contrário das partes, aquele – o juiz –
no exercício da Jurisdição, atua e exerce atividade na qualidade de um terceiro alheio ao
conflito de interesses deduzido em juízo, enquanto que, estes, os auxiliares, atuam
realizando atividades complementares e imparciais a fim de que a função jurisdicional seja
exercida de igual modo para todos aqueles que participam do processo.
Pois bem. A relação jurídico-processual, além de constituir-se em um
sistema de vínculos que interligam os cognominados sujeitos processuais, constitui, também
em si, como afirmamos anteriormente, um complexo de situações jurídico-processuais de
ordem ativa e passiva – as quais consubstanciam e formam o que denominamos de
complexo de juridicidade – onde, interna e reciprocamente, existe um conjunto de deveres,
faculdades, poderes e ônus ínsitos à participação de cada um dos sujeitos processuais. Em
assim sendo, a dogmática jurídico-processual, no sentido da nossa construção, assente que
“são ativas ou passivas as situações jurídicas em que sucessivamente se encontram os
sujeitos do processo”441, no complexo de juridicidade que forma a relação jurídico-
processual.
Sobre tal complexo de juridicidade, é necessário salientarmos que usamos
o termo “Complexo”, pois, como estamos a ver, não se trata de uma relação simples,
estática, de natureza bimembre ou binária – utilizando aqui uma linguagem lógica –, onde
cada sujeito ocupa uma única posição no itere procedimental. Muito pelo contrário. Na
verdade, cada sujeito na dialética da movimentação processual ocupa várias posições que se
sucedem de acordo com os momentos e fases da marcha procedimental. Por outro lado,
440 Ibidem., p. 198. 441 Ibidem., p. 201.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 280
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
falamos de “Juridicidade” (qualidade ou caractere daquilo que é jurídico), posto que nesse
sistema relacional de natureza complexa existem, formando-o, os elementos normativo-
jurídicos que, ordinariamente, caracterizam e integram uma relação de natureza jurídica442,
quais sejam, os deveres, as faculdades, os poderes e os ônus.
Assim, no sentido da nossa construção, discorrendo sobre as diversas
situações jurídicas ativas e passivas que ocorrem no plano do “Complexo de Juridicidade” da
relação processual, assim nos afirma a doutrina443, in verbis:
São situações processuais ativas as que permitem realizar atos processuais segundo a deliberação ou o interesse do seu titular, ou exigir de outro sujeito processual a prática de algum ato. Elas são sempre favoráveis ao titular, porque apontam à realização, por ele próprio ou por outrem, de um ato de seu interesse. As situações jurídicas ativas caracterizam-se como faculdades que a lei outorga às partes, ou poderes de que elas ou o juiz são titulares no processo. O juiz não tem faculdades no processo. Dizem-se passivas as situações jurídicas processuais que impelem o sujeito a um ato (deveres e ônus) ou lhe impõem a aceitação de um ato alheio. (...). Nenhuma das situações jurídicas que compõem a relação processual tem por objeto um bem material. O objeto de cada uma delas é sempre uma conduta – conduta permitida, com ou sem sanções pelo descumprimento (faculdades, ônus), conduta devida (deveres), conduta vedada (sujeição), mas sempre conduta e nunca bem material algum (Grifos nossos).
E mais:
Todas as situações jurídicas do juiz no processo remotam ao poder estatal que ele exerce como agente público – e por isso é que, em regime democrático de Estado-de-direito, a cada poder do juiz corresponde um dever, sendo cada um deles, na realidade, um poder-dever. As situações processuais ativas das partes têm por fundamento as garantias constitucionais do acesso à justiça, do contraditório e da ampla defesa – porque todas elas se resolvem na possibilidade de combater em busca de uma solução favorável; as situações passivas constituem limitações à vontade de cada uma delas, indispensáveis ao equilíbrio entre os litigantes e à boa ordem do processo.444
442 Neste sentido, lembremo-nos da construção do conceito de relação jurídica formulada por Savigny. 443 Ibidem., p. 201. 444 Ibidem., p. 202.
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CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 281
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Ademais, como estamos a ver, dentro do espectro desse complexo de
juridicidade, isto é, dessas diversas situações jurídico-processuais ativas e passivas
vivenciadas pelos sujeitos processuais – sobretudo, as vivenciadas pelos sujeitos principais
da relação: autor, réu e juiz – existe um conjunto de possibilidades de condutas ativas e
passivas que os sujeitos podem (ou devem) realizar no decorrer do itere procedimental. Tais
são, como vimos no trecho acima, os deveres, as faculdades, os poderes e os ônus próprios
do vínculo jurídico-processual. Sobre esse conjunto de possibilidades de condutas, quem
bem as definiu foi, indubitavelmente, explicando a sua teoria da situação jurídica, como
consubstanciadora da natureza jurídica do processo, o processualista alemão JAMES
GOLDSCHIMDT445.
Assim, a dogmática processual moderna, na esteira das lições do eminente
autor e processualista alemão, reformulando, é certo, de algum modo, tais elementos, dessa
maneira os definiu:
a) Dever: é um imperativo de conduta no interesse alheio. Em assim
sendo, uma vez não cumprido o dever, ato contínuo e por conseqüência, incorre em ilícito a
parte que o não cumpriu. Em havendo tal conduta ilícita, também por conseqüência, aplica-
se uma sanção. Neste sentido, a doutrina nos informa que: “descumprir imperativos de
conduta instituídos em benefício alheio é lesar o titular desse interesse. (...) Daí a reação da
ordem jurídica, que é do interesse geral do Estado.”446;
b) Faculdade: caracteriza a liberdade de conduta que os sujeitos têm no
plano processual, mas especificamente no plano das situações processuais ativas. Somente
as partes as têm. O juiz jamais. Classificam-se em faculdades puras – posto que com o
exercício ou não da faculdade não fica aumentada a carga de deveres do juiz perante a
parte, nem agravada ou favorecida a posição do adversário – e em faculdades impuras –
quando o exercício ou não da faculdade acresce vantagens ao sujeito que a exerce ou
445 GOLDSCHMIDT, James. Direito Processual Civil. Tradução de Ricardo Rodrigues Gama. Curitiba: Juruá, 2003. 446 Ibidem., p. 209-210.
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CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 282
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
deveres para o Poder Judiciário ou desvantagens para a parte adversa, ainda que indiretas
(é o caso dos ônus e dos poderes);
c) Poderes: é a capacidade que a parte tem de através de uma conduta
sua produzir efeitos sobre a esfera jurídica alheia. Trata-se, na verdade, de uma faculdade
impura, isto é, de uma faculdade que, uma vez exercida, gera uma conseqüência jurídica
para a outra parte ou juiz. Nesse ínterim, é bom salientarmos que os poderes das partes não
se confundem com os poderes do juiz, posto que esses são, na verdade, poderes-deveres.
Diz a doutrina sobre isso que: “os poderes do juiz não se confundem com os das partes. Os
destas têm por fundamento as garantias constitucionais inerentes à participação e à defesa,
enquanto aqueles constituem desdobramentos técnicos do próprio poder estatal”447;
d) Ônus: é um imperativo categórico do próprio interesse da parte. “É o
reverso de certas faculdades outorgadas às partes e caracteriza-se pelas conseqüências
desfavoráveis que a lei associa a algumas delas”448. Existe ônus, quando é necessário o
cumprimento de uma determinada faculdade ou quando, ao menos, é conveniente e
oportuno para a obtenção de uma certa vantagem ou para evitar uma certa situação
desvantajosa. “Os ônus não são impostos para o bem de outro sujeito, senão do próprio
sujeito a quem se dirigem”449. Classificam-se os ônus em absolutos e relativos. São ônus
absolutos “aqueles cujo não-cumprimento conduz inevitavelmente ao resultado
desfavorável”. Por sua vez, são ônus relativos aqueles que “não trazem conseqüências
inexoráveis”450. Isto é: uma vez descumprida a faculdade, seu titular corre o risco de ser
prejudicado, mas ainda é possível que tal risco não se consume, fato esse que se dará, tão-
somente, se ocorrer algum evento favorável.
Por fim, ainda sobre os elementos que compõem o complexo de
juridicidade conformador da relação jurídico-processual, é importante destacarmos que não
447 Ibidem., p. 206-207. 448 Ibidem., p. 205. 449 Ibidem., p. 205. 450 Ibidem., p. 206.
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CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 283
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
existem, implícita ou explicitamente nele (no complexo de juridicidade), conforme de modo
eminente técnico-científico, demonstrou CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, direitos subjetivos
e/ou obrigações de natureza e ordem processual; ou seja, os sujeitos envolvidos na relação
processual não têm, em suas respectivas esferas de possibilidades jurídicas, em nenhum
momento do itere procedimental, direitos subjetivos e/ou obrigações de natureza processual.
Por quê? Porque, exatamente, como vimos na afirmação de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO,
nenhuma das situações jurídicas que compõem o complexo de juridicidade da relação
processual tem por objeto um bem material. Em verdade, como acabamos de ver, o objeto
de cada uma dessas situações vivenciadas pelos sujeitos é sempre uma conduta – conduta
permitida, com ou sem sanções pelo descumprimento (tais as faculdades e os ônus),
conduta devida (tais os deveres), conduta vedada (tais as situações de sujeição) – mas
sempre conduta e nunca bem material algum.
Nesse mesmo sentido de inexistência de direitos subjetivos e obrigações de
ordem processual, de modo certeiro e profundamente correto, DINAMARCO nos ensina que,
in verbis451:
Direito subjetivo é uma situação jurídica de vantagem em relação a um bem. Obrigação, como contraposto negativo do direito subjetivo, é uma situação jurídica de desvantagem em relação ao mesmo bem. Ser titular de um direito significa receber da ordem jurídica a promessa de manutenção do bem ou a legítima expectativa de obtê-lo; ser titular de obrigação é ter o dever de entregá-lo ou de realizar o facere ou o nec facere exigido pela lei. O cumprimento da obrigação e correlativa satisfação do direito importam acréscimo ao patrimônio de quem recebe e diminuição daquele que fica privado do bem. Trata-se de um sacrifico segundo a lei e sua imposição é eticamente legitima, mas não deixa de ser um sacrifício. Mas o Estado-Juiz não se despoja de bens, nem se considera patrimonialmente diminuído ou sacrificado, quando realiza atos inerentes ao exercício jurisdicional. É do próprio interesse do Estado, que assume para si o encargo de outorgar tutela a quem tiver razão, que a justiça se faça e os conflitos se eliminem: interest rei publicae a pacificação social que pelo processo se promove. Daí ser impróprio falar em direitos e obrigações no processo, porque os deveres impostos aos seus sujeitos têm por objeto imediato a criação de situações processuais e não a obtenção de um bem da vida. Os deveres do juiz não visam a favorecer alguém mediante alguma suposta restrição dos interesses
451 Ibidem., p. 210-211.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 284
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
do Estado, que ele personifica no processo. Quando o juiz julga o mérito, reconhecendo que o autor tem o ‘direito’ de ação, isso para ele não é sacrifício, mas realização de uma das funções estatais. (...) Só por costume ou comodidade tolera-se o emprego do vocábulo direito, no processo. Fala-se em direito à prova, direito à sentença de mérito etc., como modos simplificados e mais práticos de aludir ao poder de exigir a produção de prova, ou de exigir a sentença etc. O ‘direito’ de ação não é um autentico direito subjetivo, mas o poder de criar condições para que o Estado possa decidir e, se for o caso, conceder a tutela jurisdicional ao autor (Grifos nossos).
Muito bem. Analisando, agora, a relação jurídico-processual no plano da
sua elementaridade constitutiva e característica estrutural, temos que, conforme assentimos
anteriormente, trata-se esta de uma relação composta pelos seguintes caracteres
estruturais: é uma relação de direito público; complexa; progressiva (ou evolutiva); unitária
(ou sistemática); autônoma, mas relacional; de estrutura lógico-formal triádica (ou trinária),
angular, efectual, irreflexiva, assimétrica, e de conexidade instrumental, nos seguintes
termos:
a) É uma relação de direito público, porque a simples presença do Estado,
como juiz, a indica. Diferentemente das concepções privatistas e romanistas, que entendiam
o processo judicial, a relação jurídico-processual, como um contrato ou quase-contrato,
modernamente, a partir de BÜLLOW, como vimos, é majoritário, para não dizer unânime, o
entendimento de que o processo, em sua natureza, é caracterizado por uma relação jurídica
de ordem pública e não privada, posto que as partes em Lide se submetem de modo
eminentemente cogente e inevitável à Jurisdição e ao poder do Estado;
b) É uma relação procedimental complexa, posto que se apresenta como
um sistema de vínculos e de situações ativas e passivas que se formam, desenvolvem-se e
se extinguem, sucessivamente, no itere procedimental. DINAMARCO452, neste sentido,
ensina-nos que “no processo, o cumprimento de um ato extingue uma situação jurídica mas
452 Ibidem., p. 199.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 285
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
de imediato cria outra, que por sua vez conduz a um novo ato, e o novo ato gera nova
situação jurídica – e assim, sucessivamente, até que o processo seja extinto (...)”;
c) É uma relação progressiva, exatamente, porque ela não permanece igual
em todo o itere procedimental. Na verdade, as diversas situações jurídicas que se sucedem
modificam, numa cadeia sucessória de eventos processuais, o seu status jurídico e de todos
os seus componentes, subjetivos e objetivos, constitutivos;
d) É uma relação unitária ou sistemática, porque, inobstante o complexo de
situações jurídicas ativas e passivas vivenciadas ao longo do itere procedimental, conforme
assente DINAMARCO453, “chega-se a sua unitariedade mediante a percepção de que
nenhuma das situações jurídicas que se sucedem conduz, isoladamente, à produção dos
resultados para os quais o processo existe”. Desse modo, complementa o eminente
processualista paulista, “a consciência teleológica do processo e do conjunto das efêmeras
situações jurídicas processuais que ele contem é o responsável pela unitariedade da relação
jurídica processual”454. Ademais, fala-se em relação sistemática porque, em verdade, cada
uma das situações jurídicas que se sucedem ao longo do itere procedimental constitui um
elemento desse sistema e, em assim sendo, todos esses elementos são coordenados e
dirigidos ao grande objetivo comum que é a prestação da tutela jurisdicional;
e) É uma relação autônoma, mas também relacional. É autônoma, porque,
conforme já demonstrou a dogmática processual moderna, não se confunde, subjetiva,
causal e objetivamente, com a relação jurídico-material litigiosa que ocorreu no plano factual
e pré-processual. Por outro lado, é relacional, posto que, inobstante a autonomia com
relação à res in iudicium deductae, é obtida a partir desta. Neste sentido, LOURIVAL
VILANOVA, analisando a relação que ocorre no plano do processo judicial, sob o prisma da
moderna dogmática processualística, assim afirma, in verbis455:
453 Ibidem., p. 200. 454 Ibidem., p. 200. 455 VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. 4. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 194.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 286
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Realmente, ainda que a teoria processual moderna tenha a segunda relação, a relação processual, como autônoma, abstrata, não é ela desligada da relação substantiva. Tanto que entre as condições da ação requer-se que o sujeito ativo deduza regularmente sua pretensão material, fundamente o pedido de tutela jurisdicional. A relação processual é instrumentalmente conexa com a relação material. Assim, entre as relações R’ e R’’ há a relação R’’’ (na teoria das relações, têm-se as relações-de-relações, como uma categoria, que se enche de concreção de acordo com os campos especificados de fatos e objetos) (Grifos nossos).
f) É de estrutura lógico-formal triádica ou trinária e angular, posto que se
estabelece entre três elementos (ou pólos) subjetivos: um que representa a posição do
autor, outro que representa a posição do réu e outro que representa a posição do Estado-
Juiz, sendo que, aqueles, autor e réu, nunca se relacionam linearmente, mas sempre
angularmente, através do Estado-Juiz.
Outra vez LOURIVAL VILANOVA, nesse sentido, analisando sob um prisma
eminentemente lógico-formal a relação jurídico-processual que se forma a partir da relação
jurídico-material litigiosa que foi deduzida em juízo (Litígio formando a Lide) e lembrando
que a angularização não é sempre necessária (veja, por exemplo, os casos da jurisdição
voluntária), assim nos afirma, in verbis456:
Para não incorrer na antijuridicidade do exercício da coação sobre o sujeito passivo inadimplente, o sujeito da relação R’ abre via da relação jurídica R’’, que não é bimembre, entre A e B. É relação trinária, como se denomina na teoria geral das relações: é entre A, B e C, i. e., entre autor, réu e juiz. Em rigor, não é uma relação linear, em série, por assim dizer horizontal. A relação processual – simbolicamente estabelecida na norma secundária – consta de duas relações, como é tese dominante na processualística moderna: é a relação entre A e C e a relação entre B e C; relação entre o sujeito processual ativo e o órgão jurisdicional; relação entre o sujeito processual passivo e o mesmo órgão jurisdicional. Temos, então, duas relações cujo termo comum de intersecção reside em C. São relações em ângulo, cujo ponto de confluência reside no órgão-juiz. Essa angularidade não é necessária, pondera Pontes de Miranda, levando em conta a relação processual em que o sujeito processual meramente pede que judicialmente se declare a existência ou inexistência de relação: de outra relação, que pode ser substantiva, ou
456 VILANOVA, op. cit. p. 195.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 287
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
mesmo de direito processual. Sem a contraparte processual, que lhe conteste o pedido, sem haver, pois, a contenciosidade (Grifos nossos).
Ademais, ainda analisando a estrutura lógico-formal triádica e angular da
relação processual, é de se ressaltar, também, tomando aqui partido, quanto às diversas
concepções teoréticas que caracterizaram, representativa e graficamente, a relação jurídico-
processual, ao longo da história da dogmática processual, que, indubitavelmente, a que a
melhor caracteriza é a Teoria Angular, formulada pelo processualista alemão KONRAD
HELLWIG entre os anos de 1905 e 1907.
Na verdade, como se sabe, ao longo da história da dogmática jurídico-
processual, surgiram três grandes teorias a respeito da relação que ocorre no plano do
processo judicial. Tais foram: a Teoria Linear de JOSEF KÖLHER, a Teoria Triangular de
ADOLF WACH e OSKAR VON BÜLLOW e a Teoria Angular, conforme já dissemos, de
KONRAD HELLWIG. Vejamo-as, então.
A primeira delas, a chamada Teoria Linear da Relação Jurídico-Processual
foi formulada pelo processualista alemão JOSEF KÖHLER, no final do século XIX. In casu,
KÖHLER entendia e afirmava que a relação que ocorria no plano do processo judicial era,
apesar de diferente e autônoma da relação jurídico-material litigiosa, como havia
demonstrado BÜLLOW em 1868, tão-somente estabelecida e constituída entre o Autor e o
Réu de modo direto e linear, sem a necessária angularização com o Estado-Juiz. Em
verdade, este, o Estado-Juiz, no caso, embora presente nesta relação processual, seria um
mero expectador no processo. Desse modo, gráfica e representativamente, sua teoria era
assim representada:
Autor Réu
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 288
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Claro que, por razões óbvias (pois, o juiz não é um mero expectador do
processo), tal teoria não vingou por muito tempo na dogmática jurídico-processual moderna.
Aliás, quando do estudo do instituto do Litígio, nós aproveitamos tal teorização do eminente
processualista germânico para assentir e demonstrar que o que ocorre linearmente, nos
exatos termos da formulação dele, é, no plano pré-processual, exoprocessual, o Litígio entre
os sujeitos contendedores (Sc1 versus Sc2) e não a Lide que a partir da dedução de tal
conflito em juízo, vem a se formar.
Por sua vez, em um segundo momento, a Teoria Triangular surgiu a partir
dos estudos de dois outros grandes processualistas alemães, quais sejam: OSKAR VON
BÜLLOW, o pai do processualismo científico e ADOLF WACH. Um, como já dissemos, foi o
criador da Teoria da Relação Jurídica. O outro, por sua vez, foi o criador do importante
conceito de Prozessanspruchrecht (Pretensão Processual), distinguindo-o, assim, do conceito
de pretensão material (anspruch), formulado por BERNARD WINDSCHEID anos antes.
Bem, segundo essa concepção, as relações que ocorrem no plano do
processo judicial, mais precisamente no âmbito da relação jurídico-processual, estabelecem-
se e constituem-se entre Autor-Juiz, Réu-Juiz e Autor-Réu, sempre linear e de modo
congruentemente angular, entre tais sujeitos. De modo que, tal relação poderia se
caracterizar, graficamente, como um triângulo eqüilátero, nestes termos gráficos:
Estado-Juiz
Autor Réu
Ora, conforme tem apontado a moderna processualística, é evidente que o
grande problema dessa teoria consiste em admitir que existem relações no plano processual
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 289
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
que ocorrem, direta e linearmente, entre Autor e Réu. Na verdade, teorética e
empiricamente, tal não ocorre, pois tudo que acontece neste plano processual, mesmo entre
as partes, é sempre por intermédio do Estado-Juiz. Desde um simples procedimento de
tomada de depoimento pessoal, onde os advogados formulam suas questões através do juiz,
até a constatação de que, mesmo na conciliação, judicial ou extrajudicial levada a juízo, tal
só vale, dando cabo à extinção do processo com julgamento do mérito, tão-somente se o
Estado-Juiz a homologar. Ou seja, todas as situações do complexo de juridicidade se
constituem, desenvolvem-se e extinguem-se sempre através do Estado-Juiz e nunca
linearmente entre as partes.
Outrossim, como nós vimos até aqui, o complexo de situações jurídicas,
onde se configuram os deveres, poderes, faculdades, e ônus processuais não existe de per
si, isto é, só existe em função do processo e, em assim sendo, mesmo havendo deveres
recíprocos, por exemplo, entre as partes, isso não caracteriza uma relação linear direta
entres eles, já que tais deveres só existem em função do processo e neste instrumento há
alguém que o preside e sempre angulariza as situações: este é o Estado-Juiz. Assim, sem
dúvida alguma, a melhor concepção que caracteriza a relação jurídico-processual não é a da
Teoria Triangular, mas sim é a da Teoria Angular457, sob a qual nos deteremos agora.
A Teoria Angular, conforme já assentimos, foi formulada por um outro
processualista alemão, KONRAD HELLWIG, entre 1905 e 1907 nas suas obras “Klagrecht und
Klagmöglichkeit” e “Lehrbuch”.
457 Carreira Alvim, analisando as três concepções teoréticas (sobretudo, as teorias triangular e angular), inclusive apontando na dogmática jurídico-processual brasileira, suas repercussões, assim assinala, in verbis: “Muitos têm sido os argumentos contrários à angularidade da relação jurídica processual e favoráveis à tese triangular. Assim, dizem os triangularistas: as partes têm o dever de lealdade processual recíproca, estão as partes sujeitas, ainda, ao pagamento das custas processuais; as partes podem convencionar a suspensão do processo e também podem transigir, quando a lide versa sobre interesses disponíveis. A estes argumentos, respondem os angularistas (Celso Agrícola Barbi) que não existe nenhuma relação entre o autor e o réu, pois tudo no processo se passa por intermédio do juiz.” (ALVIM, Carreira. Teoria Geral do Processo. 9. ed. rev. atual. ampl. Rio de Janeiro: Editora Forense, p. 174.). Bem, sobre essas colocações, já assentimos que, em verdade, a suspensão e os outros atos apontados pelos triangularistas, só ocorrem, quando o juiz homologa o ato. Assim, sempre ocorre a angularização, via Estado-Juiz.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 290
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Segundo esta teoria, que, na verdade, só se distingue da Teoria Triangular
sob um único aspecto, as relações que ocorrem no plano jurídico-processual entre os
sujeitos nele envolvidos nunca ocorrem direta e linearmente entre Autor e Réu, mas sempre,
angularmente, por intermédio do representante do Estado-Juiz. Tal é a distinção, com
relação aos triangularistas, que, como vimos, assentem no sentido dessa relação linear e
direta entre Autor e Réu. Em assim sendo, essa sim, como dissemos, parece ser a teoria que
melhor caracteriza e representa graficamente a relação que ocorre no plano processual,
entre Autor, Réu e Juiz.
Na verdade, como vimos no trecho do jurista pernambucano LOURIVAL
VILANOVA, no plano jurídico-processual, ocorrem, dialética e sinalagmaticamente (tendo em
vista a reciprocidade dos elementos ativos e passivos do complexo de juridicidade), duas
relações lineares que se angularizam, uma vez constituídas, na figura do Estado-Juiz.
Destarte, e ainda considerando, conforme vimos, quando da análise do instituto da Lide,
esta, a Lide, como a componente objetiva e conteudística de tal relação, eis a sua
representação gráfica458:
Estado-Juiz
Lide
Autor Réu
458 Na realidade, inobstante tudo isso, isto é, todas essas formulações teoréticas e diagramáticas sobre a relação jurídico-processual, acertada, parece-nos, as lições de Dinamarco, quando nos diz, in verbis, que: “Quando se diz que iudicium est actus trium personarum, judicis, actoris, rei e, na doutrina contemporânea, se salienta a estrutura tríplice da relação jurídica processual (angular? triangular?), é apenas um esquema mínimo que através dessas formulações se pretende apresentar. Esquema mínimo em que aparece o Estado (juiz) no exercício da jurisdição, poder do qual mantém o monopólio; o autor, exercendo a ação porque a autotutela lhe é vedada e porque o exercício da jurisdição não se faz espontaneamente (princípio da inércia da jurisdição, ou princípio da demanda); e o réu, finalmente, a quem é franqueada a defesa através da qual ele se ombreia ao autor em oportunidades, nesse palco da atividade dos três, que é o processo.” Na verdade, continua ele, in verbis: “Tal é, contudo, como já se advertiu, apenas um esquema mínimo, a ser alterado quando a complexidade de certas relações impõe ou possibilita a participação de mais que duas partes (pluralidade de partes) e sem considerar a indispensável atividade de certos sujeitos secundários (advogados, auxiliares da Justiça, representante das partes)” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 17, 19 e 28). Assim, as clássicas representações geométricas e diagramáticas com que a doutrina procura expressar a idéia da estrutura da relação jurídico-processual (autor, réu e juiz) constituem, apenas, um esquema mínimo que se refere, tão-somente, às situações jurídico-processuais vivenciadas pelos sujeitos mais importantes do processo judicial. No caso, trata-se de um esquema mínimo, como lembra Dinamarco, pois sem esses sujeitos – ditos principais – não se chegaria nem a constituir a relação jurídico-processual.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 291
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
g) Do mesmo modo, voltando agora à análise dos caracteres estruturais da
relação jurídico-processual, trata-se de uma relação efectual, posto que só se concretiza, só
se materializa com o acontecimento de um fato que repercute na ordem jurídica, isto é, com
a concretização do suporte fáctico-causal descrito na norma processual.
Nesse sentido, LOURIVAL VILANOVA, analisando a efectualidade no plano
jurídico, di-no, de modo brilhante, que o ser sujeito de direitos nada mais é do que o efeito
da incidência de uma norma jurídica sobre um determinado fato. Di-no ele, ainda neste
sentido, que inexiste a subjetividade como propriedade inata, originária, pois tal só se dá
com a concretude factual, isto é, com a ocorrência do fato descrito na hipótese de incidência
da norma. Assim, transportando tal idéia lógico-formal para a teoria da relação jurídico-
processual, ele assim nos afirma, in verbis459:
Há a abstrata e potencial titularidade ativa processual do sujeito, como há a abstrata e potencial titularidade passiva do Estado, através de seu órgão-juiz, da prestação de tutela jurisdicional. Nesse ponto, sem nenhum fato não surge relação jurídica processual. Ordinariamente, provém do sujeito titular da pretensão ativa a manifestação de vontade, que é justamente o exercício do direito subjetivo público de acionar. Encontrando-se com a manifestação de vontade do Estado-Juiz, aceito o pedido ou requerimento (a petição inicial), a potencialidade abstrata se converte em ato jurídico-processual. Satisfeitos os pressupostos e as condições do exercício do direito de agir, e pressupondo-se a competência do órgão, tem-se o suporte factual, do qual resulta o efeito: a relação jurídico-processual (Grifos nossos).
Deste modo, exatamente, por isso, a relação jurídico-processual é efectual.
E continua ele, em outra passagem, in verbis460:
Se o direito à tutela jurisdicional do Estado-Juiz, revestido de todos os requisitos e condições previstas na lei processual, e universalmente distribuído (a todo cidadão), não se exercita, inexiste subjetivação,
459 VILANOVA, Lourival. Causalidade e Relação no Direito. 4. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 201. 460 Ibidem., p. 202-203.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 292
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
direito subjetivo individualizado a requerer. E se a abstrata obrigação de prestar a tutela por parte do órgão judicante não vier a se compor – como correspectivo comportamento do Estado em face do autor -, então fato jurídico (fato com efeito jurídico – a relação processual) não se dá, por falta do pressuposto fáctico desse efeito de direito. Antes, a relação jurídica é subjetivamente indeterminada, como sublinha Ugo Rocco (Trattato di diritto processuale civile, cit., v. 1, p. 251-259), ainda não se concretizou com a determinação dos sujeitos da relação, e seu conteúdo. É certo, o pressuposto fáctico (o suporte fáctico) da relação jurídico-processual é, por sua vez, tomado em si mesmo, efeito da incidência de várias outras normas (Grifos nossos).
h) Por último, é uma relação, do ponto de vista lógico-formal, do tipo
reflexiva, assimétrica, e de conexidade instrumental.
In casu, é de se assentir e explicar que, do ponto de vista da teoria geral
das relações, uma relação é do tipo reflexiva, exatamente, quando vale entre o termo
referente e ele mesmo como termo relato. No nosso caso (da relação que ocorre no plano
do processo judicial), o que se observa é que há uma nítida coincidência dos elementos da
relação no plano estritamente formal e jurídico-processual, com os elementos desta mesma
relação no plano efectual e factual.
Por outro lado, é de se assentir e explicar, também, que, ainda do ponto
de vista lógico-jurídico, uma relação é do tipo simétrica e assimétrica, nos seguintes termos:
simétrica é uma relação que, se vale entre A e B, vale em sentido inverso. Assim, se “A igual
a B”, então “B igual A”. Por sua vez, a relação é do tipo assimétrica quando, se vale em
sentido direto, não vale em sentido inverso. Assim, “A maior que B” dá a conversa “B menor
que A”. Ora, no caso da relação jurídico-processual, evidentemente, esta é do tipo
assimétrica, tendo em vista, conforme já explicamos, o conjunto de situações jurídicas
vivenciadas por cada um dos sujeitos processuais no plano do complexo de juridicidade da
relação processual.
Por fim, é de conexidade instrumental, posto que esta, a relação jurídico-
processual, conforme apresentamos e demonstramos anteriormente, não está de todo
apartada da relação jurídico-material litigiosa que ocorreu no plano factual. Ao contrário, há
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 293
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
uma demonstrável e verificável relação entre elas – a relação jurídico-processual e a relação
jurídico-material litigiosa – inclusive, sob o ponto de vista dos elementos subjetivos, causais
e objetivos que as caracterizam. Neste sentido, afirma-nos LOURIVAL VILANOVA461, in
verbis, que:
Trata-se agora de saber que relação se dá (se existe) entre a relação processual e a relação de direito material. Esta ingressa no processo, como objeto sobre o qual incidirá a sentença, declarando-se certa, ou eliminando a controvérsia na titularidade ativa e passiva. (...) Tudo isso nos leva a pensar que se a relação processual não é indiferente à presença ou ausência da relação material, mas a leva em conta, entre as condições da ação, esta relação entra compondo o pressuposto fáctico para o exercício do direito de pedir a prestação jurisdicional. Não se insere como fato jurídico com eficácia de direito/deveres substantivos. A causalidade jurídica que interliga tal fato jurídico com tais efeitos é norma de direito substantivo, não norma de direito processual. E se a decisão vem a confirmar, modificar ou desconstituir esses efeitos, a eficácia advém do direito substantivo, que o direito processual tem em vista aplicar. Essa relação de aplicação é de conexidade instrumental, como anotou Liebman (Grifos nossos).
Outrossim e em última análise, agora já no plano da elementaridade
constitutiva da relação jurídico-processual, temos que esta é, conforme apresentamos,
constituída e formatada pelos seguintes elementos de natureza constitutiva:
a) o elemento subjetivo – constituído pelos sujeitos processuais, isto é, por
todos aqueles, pessoas físicas ou jurídicas que, de algum modo, figuram como titulares das
diversas situações jurídico-processuais ativas e passivas consubstanciadoras e formatadoras
do que nós denominamos de complexo de juridicidade (tais os sujeitos processuais principais
e secundários da relação, conforme vimos);
b) o elemento causal – constituído pelo ato jurídico-processual denominado
de demanda que, como ato formal que é, trata-se do veículo da pretensão e resistência
processual (Prozessanspruchrecht) e material (anspruch) das partes, além de ser o elemento
461 Ibidem., p. 206-207.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.1 – Relação Jurídico-Processual. 294
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
iniciador do fenômeno relacional que ocorre no plano processual. No caso, a demanda é o
ato formal que dá ensejo à formação da relação jurídico-processual – a partir da dedução do
Litígio em juízo – e que consubstancia e veicula em si o pedido (petitum ou antrag) e a
causa de pedir (causa petendi ou sacherverhalt) que serão objeto de cognição e decisão pelo
Estado-Juiz;
c) e o elemento objetivo-conteudístico – constituído pela Lide nos exatos
termos da construção analítico-distintiva já demonstrada por nós.
Em assim sendo, por tudo visto, tal é o conceito de Relação Jurídico-
Processual, sob o prisma do nosso enfoque tético e conteudístico462.
Vejamos, agora, sob este mesmo prisma método-epistemológico, a
instituição jurídico-processual Ação, seus elementos constitutivos, e alguns institutos
fundamentais a ela ligados.
462 Antes de passarmos adiante, falando ainda, em última análise, da relação jurídico-processual, um dado do processo judicial, muito interessante, que se apresenta para nós e que merece ser aqui, mesmo que en passante, em nota explicativa, sem um maior aprofundamento teórico (até porque não constitui objeto central das nossas preocupações) analisado. Qual seja: o fenômeno da pluralidade de partes e da intervenção de terceiros, diante da estrutura trinária e angular da relação jurídico-processual. Na verdade, as questões a serem abordadas são: nos fenômenos de cumulação subjetiva e de intervenção de terceiros que ocorrem nos processo judiciais, o que se forma ou acontece, em realidade, no plano processual? Ocorre uma pluralidade de Lides dentro de um mesmo processo? Ou uma pluralidade de relações processuais dentro de um mesmo processo? Ou, ainda, uma pluralidade de processos judiciais constantes de um mesmo instrumento formal que são os autos processuais?. Em nosso sentir, na verdade, quando tal ocorre – por exemplo, no caso do litisconsórcio, não importa a classificação dele – forma-se, ainda sim, uma única relação jurídico-processual, dentro de um mesmo processo judicial. Claro que, na realidade, tal relação se torna ainda mais complexa, tendo em vista as diversas situações jurídico-processuais vivenciadas pelos sujeitos, ainda mais aumentadas pela participação plurissubjetiva de partes. Mas não deixa de ser o mesmo complexo de juridicidade, formatador da relação jurídico-processual. Assim, não importa a quantidade de sujeitos processuais parciais, pois, sempre, temos uma mesma relação jurídico-processual, num só processo judicial. Por outro lado, quando ocorre o fenômeno da intervenção de terceiros, tudo depende do tipo de intervenção que ocorre. Isto é, é preciso saber se a intervenção é do tipo ad coadjuvandum – como a assistência o é; ou do tipo ad excludendum – como a nomeação à autoria o é; ou ainda como no caso da oposição, onde se deduz nova ação e nova Lide; ou ainda nos termos da denunciação da Lide e do chamamento ao processo. No caso, sem nos aprofundarmos muito nessas questões, em passante, parece-nos que a melhor solução seria a seguinte: se houver nova Lide – como no caso da denunciação da Lide e da oposição – com o estabelecimento de novo procedimento, paralelo ao da ação principal, nova relação há e, também, por conta do novo procedimento a ser observado, novo processo há (já que processo = relação jurídica + procedimento). Se não, trata-se tudo da mesma relação processual, dentro de um só processo judicial. Para um melhor entendimento, aprofundamento e posicionamento sobre essas questões, melhor conferir: DINAMARCO, Cândido Rangel. Litisconsórcio. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 15-37.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.2 – Ação. 295
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
5.2 – Ação.
A Ação – a despeito de seu conhecido prisma de definibilidade na
dogmática jurídico-processual moderna, entendida, assim, hoje, como sendo o direito
público subjetivo de natureza constitucional-fundamental que qualquer pessoa tem de pedir
ao Estado uma tutela jurisdicional, um pronunciamento sobre uma determinada situação por
ela vivenciada e, sobretudo, tendo em vista a construção analítico-distintiva, teórico-termino-
lógico, aqui proposta e demonstrada entre os institutos do Litígio e da Lide – nada mais
seria, nesta nossa tética perspectiva, do que o poder – ou a possibilidade jurídica – que
ambas as partes têm – autor e réu – de veicular em juízo, perante o Estado-Juiz, através de
um processo de transformação e dedução do conflito que ocorrera no plano da realidade
factual e pré-processual, suas pretensões e aspirações contraditórias (tal a Lide)463.
Isso porque, conforme vimos, quando da construção, nos termos da nossa
suposição hipotética, do instituto da Lide, o processo de transformação e dedução,
quantitativa e qualitativa, do Litígio em juízo, a partir do qual se forma e se consubstancia tal
Lide, ocorre (e só ocorre, na verdade), processualmente falando, tendo em vista,
exatamente, este chamado “direito” de ação (o klagerecht, da doutrina alemã) que as partes
têm de pedir, na forma legal-procedimental, ao Estado-Juiz, uma tutela jurisdicional, isto é,
um pronunciamento jurisdicional de mérito sobre uma determinada situação fáctico-jurídica
vivenciada por eles. Por isso, dizíamos que tal é – a Ação – o fundamento e suporte jurídico
desse processo de transformação e dedução do Litígio em juízo, formando, assim, a Lide, a
Relação Jurídico-Processual e, por conseguinte, o processo judicial.
Em outras palavras, há uma nítida relação de implicação lógica e derivativa
entre o Litígio, a Ação (materializada na demanda), a Lide, a Relação Jurídico-Processual e, 463 Neste sentido, já salientamos, Liebman falava em “conflito efetivo ou virtual de pedidos contraditórios, sobre o qual o juiz é convidado a decidir” (LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o processo civil brasileiro. Araras: Bestbook, 2001, p. 103.).
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.2 – Ação. 296
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
enfim, o Processo Judicial, posto que ela – a Ação –, na nossa tética perspectiva, é o
elemento desencadeador e formatador de tudo aquilo que acontece no plano jurídico-
processual. Neste sentido, assentimos anteriormente que, em verdade, a demanda – como
ato processual operador e materializador de tal direito (ou poder) de Ação – é o elemento
causal da Lide, pois esta, como se demonstrou, somente é constituída, a partir do Litígio, se
houver tal processo de dedução em juízo, até porque, como sabemos da sistemática do
direito processual brasileiro, pelo principio da inércia da jurisdição, impede-se que o órgão
judiciário, ex officio, instaure as Lides processuais464.
Em assim sendo, assentindo a Ação como o poder ou direito465 público e
subjetivo que as partes têm de formular em juízo as suas pretensões, temos que tal poder é,
conforme vimos anteriormente, operacionalizado inicialmente (inicialmente, pois, como já
assentimos, o direito de ação é um direito permanente na dialética da relação jurídico-
processual e que, por assim ser, não se exaure na omissão ou comissão de uma única
conduta processual, como é o caso da demanda)466, a partir de um ato processual – sendo
este, inclusive, o primeiro ato do processo – denominado pela dogmática jurídico-processual
tradicional de demanda (o que os alemães chamam de Klageantrag).
Tal ato processual (a demanda), por sua vez, conforme também frisamos,
constitui, em verdade, em si, o próprio processo de transformação e dedução, quantitativa e
qualitativa, do Litígio em juízo, formando a Lide e todos os demais elementos da relação
jurídico-processual agora formada. Seria, então, a demanda o elemento operador e
materializador do poder processual denominado Ação.
Destarte, não há que confundi-la (é o que temos assentido), a demanda,
como muitos autores já o fizeram (e continuam a fazer, na verdade) com o próprio direito
464 Daí os enunciados de base romanista “Ne procedat judex ex officio” e “Nemo judex sine actore”. 465 Lembremo-nos aqui da concepção afirmada por nós, na esteira das lições de Cândido Rangel Dinamarco, de que não existem, na acepção estrita do termo, direitos e obrigações de natureza processual. 466 Cândido Rangel Dinamarco, neste sentido, afirma-nos que o direito de ação, analiticamente falando, in verbis: “é a soma das posições jurídicas ativas do demandante no processo, tendo por objeto o provimento jurisdicional por ele pedido e devido pelo Estado” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, v. 1, p. 107).
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.2 – Ação. 297
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
(ou poder) de Ação ou com outros institutos, como o meritum causae ou o streitgegenstand
do processo, ou a pretensão processual (rechtsschutzanspruch) e material (anspruch) das
partes.
In casu, como vimos, não há porque se confundir tais institutos com a
demanda, posto que ela, como ato processual que é, nada mais é – conforme bem assentiu
JAIME GUASP467 e já salientamos isso – do que o ato processual que materializa e
instrumentaliza o direito (ou poder) de Ação, sendo assim, por via de conseqüência, tão-
somente o veículo da pretensão do autor (tanto a pretensão processual – a
rechtsschutzanspruch, quanto a pretensão material – a anspruch) e do réu (lembrando-se e
salientando-se aqui os conceitos, já vistos por nós, de demanda ativa e passiva).
Por assim ser, a demanda, como ato processual que materializa e
instrumentaliza o direito (ou poder) de Ação, sendo assim, por via de conseqüência, o
veículo do Litígio a ser levado a juízo, tão-somente define e delimita o conteúdo subjetivo e
objetivo da Lide e, por conseguinte, da relação jurídico-processual, incluindo, nesta definição
de elementos, o chamado meritum causae ou o streitgegenstand do processo, sem com eles
se confundir semântica e referencialmente468.
Desta maneira, conforme também demonstramos, quando do estudo do
instituto da Lide, numa síntese objetiva e fundamental, temos que a demanda – como ato
formal e estritamente processual que é – é que consubstancia em si o tal processo de
467 Cf. GUASP, JAIME. Derecho Procesal Civil. 3. ed. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1977, Tomo I, p. 216. 468 Neste sentido (já apresentamos), afirma-nos Cândido Rangel Dinamarco, em diversas passagens que, in verbis: “Não creio que a demanda seja o mérito da causa. Vejo nela, apenas, o veiculo de algo externo ao processo e anterior a ele, algo que é trazido ao juiz em busca do remédio que o demandante quer. A demanda é fato estritamente processual, pressuposto processual, é ato formal do processo, que com ele tem vida e nele se exaure. Ela é o veiculo da pretensão do demandante, que é uma sua aspiração a determinado bem ou a determinada situação jurídica que, sem o processo e sem a intercessão judicial,o sistema o impede de obter.”. Do mesmo modo, continua ele, in verbis: “é na demanda inicial que residem os elementos determinantes do conteúdo e responsáveis pelos limites do provimento a ser proferido pela autoridade jurisdicional. (...) A demanda [é] verdadeiro projeto do provimento desejado”. E mais: “É ajuizando a demanda que o sujeito traz à presença do juiz a situação a que pretende seja posto reparo e dele postula uma medida capaz de conduzir à solução que, por uma razão ou por outra, não lhe é dado obter pelos próprios meios. E a demanda, narrando fatos, conclui por colocar diante do juiz uma pretensão, veiculada no pedido de emissão de um provimento jurisdicional de determinada ordem, com o conteúdo que indica e referente ao bem da vida especificado (além, naturalmente, de identificar os sujeitos a serem envolvidos na imperatividade do provimento)”.(DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, v. 1, p. 247, 235 e 236).
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.2 – Ação. 298
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
transformação e dedução, quantitativa e qualitativa, do Litígio em juízo, formando a Lide e,
por assim ser, os demais elementos da relação jurídico-processual. Em outras palavras, é
com a demanda que se vai identificar, delimitar e definir, subjetiva e objetivamente falando,
todos os elementos (partes, causa de pedir – o suporte fáctico-causal e jurídico – pretensão
processual e material) que, a partir do Litígio, vão formar e compor a Lide, agora, no plano
da relação jurídico-processual.
Outrossim, é de se assentir, destacar e demonstrar mais uma vez que tal
processo de transformação e dedução do Litígio em juízo (a demanda), completa-se tão-
somente, com a participação efetiva e essencial da parte ex-adversa; isto é, com a
participação do réu. Por isso, temos colocado insistentemente que a Ação é o poder – ou a
possibilidade jurídica – que ambas as partes têm – autor e réu – de veicular em juízo,
perante o Estado-Juiz, suas pretensões e aspirações contraditórias. Exatamente, por que,
conforme assente peremptoriamente a processualística moderna, fulcrada, é certo – nós já
vimos –, nas teorizações do processualista italiano ELIO FAZZALARI469 e do sociólogo do
direito alemão NIKLAS LUHMANN470, a Relação Jurídico-Processual nada mais é do que a
projeção jurídica da exigência política do contraditório.
Em assim sendo, conforme já assentimos, é por essa razão e posição da
dogmática que os processualistas mais modernos modificaram a conhecida Trilogia Estrutural
da Ciência Jurídico-Processual (Jurisdição, Ação e Processo), acrescentando a esta, mais um
elemento processual (isto é, mais uma instituição jurídico-processual), a qual denominaram
de Defesa (ou Exceção) do réu. Neste sentido, ALBUQUERQUE ROCHA471, em certeira lição
nos assevera, in verbis, que:
Tradicionalmente, costuma-se usar o conceito de ação para designar apenas a situação jurídica do autor, ou seja, fala-se da ação somente em relação á
469 Cf. FAZZALARI, Elio. Istituzioni di diritto processuale. Pádua: Cedam, 1975. 470 Cf. LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Trad. Maria da Conceição Corte-Real. Brasília: UNB, 1980. 471 ALBUQUERQUE ROCHA, José de. Teoria Geral do Processo. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 167.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.2 – Ação. 299
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
parte que promove o processo. Isto, porém, não é correto. O réu é também titular de uma série de poderes, faculdades e até deveres, que lhe são conferidos pelo ordenamento jurídico para que concretize sua participação no processo e que configuram também um direito à tutela jurisdicional efetiva, ou seja, um direito de ação, só que de caráter negativo. É claro que os poderes, faculdades e deveres do réu não têm o mesmo conteúdo dos poderes, faculdades e deveres do autor. Assim, enquanto o autor tem o poder de pedir a prestação jurisdicional, ao réu cabe o poder de pedir sua rejeição. Mas a diversidade de conteúdo das duas situações jurídicas não nega a tese de que o réu é titular de uma situação jurídica paralela à do autor. Quanto à essência, a situação do réu não é diferente da do autor.
Exatamente por isso é que falamos em uma ação em sentido positivo –
formulada e deduzida em juízo pelo autor, através do ato processual que nós denominamos
de demanda ativa – e em uma ação em sentido negativo – formulada e deduzida em juízo
pelo réu, na oportunidade que lhe é dada para contestar a formulação peticional do autor,
através do ato processual que nós denominamos de demanda passiva – salientando, apenas,
que, no caso, o réu tem sua participação, nesse processo de transformação e dedução,
quantitativa e qualitativa, do Litígio em juízo, formando a Lide, circunscrita aos limites
fixados pelo autor na sua demanda inicial472.
De qualquer modo, conforme estabelece o Sistema Jurídico-Processual
brasileiro e a própria dogmática jurídico-processual, o réu, na oportunidade que tem,
inicialmente, de demandar (demanda passiva), traz, na sua resposta ao pedido (pretensão)
do autor, à cognição do juízo – integrando assim a Lide – todas as suas possibilidades de
alegações e defesas – tanto a defesa material, direta e indireta, quanto a defesa processual,
dilatória e peremptória. Nesses termos, consubstanciada está a Lide através da
completude473 do processo de dedução, quantitativa e qualitativa, do Litígio em juízo,
formado, assim, tal processo, a partir das deduções do autor e do réu.
In casu, neste sentido de completude da formação da Lide e da relação
jurídico-processual como um todo, a partir da participação efetiva tanto do autor, quanto do
472 Muito embora, é bom ressaltarmos mais uma vez que, no caso da reconvenção e do pedido contraposto (no caso dos procedimentos sumário e sumaríssimo e das ações de natureza dúplice), os limites são alterados com a dedução do réu, apesar de que, num desses casos (na reconvenção), em verdade, o que ocorre é a formação de uma nova Lide, agora, agregada, à Lide anterior. 473 (LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o processo civil brasileiro. São Paulo: Bestbook, 2001, p. 101-102.)
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.2 – Ação. 300
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
réu (através das suas respectivas ações – ação em sentido positivo e ação em sentido
negativo –, materializadas nas suas respectivas demandas – demanda ativa e demanda
passiva), é válido salientarmos mais uma vez, o conceito que o processualista italiano
ENRICO TULLIO LIEBMAN deu à Lide, reformulando-o dos caracteres sociológicos que,
segundo ele, CARNELLUTTI empregou para a formação da sua teoria. Di-no, ele, assim, in
verbis:
Observamos já que o pedido que forma objeto dum processo de cognição admite necessariamente, pela própria essência de sua estrutura lógica, a possibilidade de dois resultados opostos. O juiz pode declarar procedente o pedido, dando ganho de causa ao autor; e pode, também, declará-lo improcedente, dando assim a vitória ao réu. Tudo depende dos resultados do estudo e do exame da causa. Naturalmente, a improcedência do pedido do autor equivale à procedência da contestação do réu, que pediu a rejeição da ação proposta. Pedido e contestação representam dois pedidos em conflito e a função do juiz consiste, justamente, em julgar qual dos dois é conforme ao direito, concedendo ou negando, em conseqüência, a medida requerida pelo autor. (...) Este conflito de interesses, qualificado pelos pedidos correspondentes, representa a lide, ou seja, o mérito da causa. A lide é aquele conflito, depois de moldado pelas partes, e vazado nos pedidos formulados ao juiz.
Assim também, conforme vimos, nesta relação de implicação lógica e
derivativa entre a instituição Ação e o instituto da Lide, o elemento constitutivo formal deste
é composto, exatamente, pela Ação em sentido positivo, deduzida em juízo pelo autor, e a
Ação em sentido negativo, deduzida em juízo pelo réu. Isso porque, na relação jurídico-
material que ocorrera no plano factual e a partir da qual se originou o Litígio, os sujeitos
contendedores atuaram, em verdade, no plano da vontade e, concretamente falando, um
contra o outro (pretensão versus resistência). Daí porque se fala, na dogmática jurídico-
processual, a partir das lições de CARNELUTTI, em conflito intersubjetivo de interesses
qualificado pela pretensão de um e pela resistência do outro. Daí porque se fala, também,
ainda na linguagem carneluttiana, em pretensão como sendo a exigência de subordinação do
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.2 – Ação. 301
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
interesse alheio ao interesse próprio e em resistência como sendo a não-adaptação a esta
exigência de subordinação de interesse.
Assim, com a dedução de tal relação jurídico-material litigiosa (o Litígio ou
a res in iudicium deductae) em juízo, formando-se, assim, a Lide, os sujeitos contendedores
– agora, partes da Lide e, por conseguinte, da relação processual, conforme vimos – passam
a atuar não mais no plano estritamente da vontade, mas no plano jurídico-lógico-formal-
processual. E, em assim sendo, essa atuação se faz, como também vimos, não mais por
meios aleatórios e factuais (como a simples exigência ou resistência do plano da vontade),
mas por meio do instrumental judiciário que a própria sistemática do processo estatui para
que o Estado-Juiz possa, assim, dizer o direito no caso concreto em última instância. Por
isso, assim, a possibilidade de demanda do autor – através do seu direito de ação (ação em
sentido positivo) e, também, a possibilidade de defesa do réu – através do seu direito de
negativa à ação do autor (ação em sentido negativo). Tudo isso num plano, eminente e
estritamente lógico-formal e jurídico-processual. Daí porque o autor, formalmente, através
da sua Actio (ou Klagerecht), pede, isto é, veicula a sua pretensão (tal o petitum),
fundamentado em um suporte fáctico-causal e jurídico (tal a causa petendi) e o réu, por sua
vez, também formalmente, defende-se, isto é, apresenta a sua Exceptio, veiculada em sua
contestatio e fundamentada na sua defesa material e processual (tal a causa excipiendi). Eis,
formalmente, os elementos constitutivos da ação; eis, formalmente, como vimos, constituída
a Lide no plano do complexo de juridicidade da relação jurídico-processual.
Por fim, atentando-se agora para a elementaridade constitutiva da Ação,
temos que esta, conforme assente majoritariamente a dogmática processual, é formada
pelos seguintes elementos constitutivos:
a) Elemento Subjetivo: constituído pelas partes legitimadas para agir em
juízo, no caso, autor e réu (os sujeitos processuais parciais principais), sendo aquele, o
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.2 – Ação. 302
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
autor, o que deduz em juízo uma pretensão veiculada no petitum e este, o réu, o que, por
sua vez, resiste, em juízo, através da sua contestatio.
b) Elemento Causal: constituído pela causa petendi – próxima e remota –
do autor e pela causa excipiendi – próxima e remota – do réu. Fala-se em causa remota em
alusão ao que denominamos de suporte fáctico-causal da demanda – isto é, os fatos de
relevância jurídica que ocorreram no plano social – e, por sua vez, fala-se em causa próxima
em alusão ao que denominamos de suporte jurídico da demanda – isto é, a repercussão
jurídica dos fatos que ocorreram no plano social. Ademais, é de se ressaltar, quanto a isso,
que na sistemática do processo brasileiro se adotou a teoria da substanciação e não a teoria
da individuação da causa de pedir474;
c) Elemento Objetivo: constituído pelo pedido imediato e pelo pedido
mediato da ação. In casu, como se sabe, chama-se de pedido imediato o pedido veiculado
pelas partes no sentido de se obter uma específica tutela jurisdicional para a Lide. Por sua
vez, chama-se de pedido mediato o pedido veiculado pelas partes no sentido de se obter
uma prestação relativa ao bem jurídico que se quer que seja tutelado.
Em assim sendo, por tudo visto, tal é o conceito de Ação, sob o prisma do
nosso enfoque tético e conteudístico475.
Vejamos, agora, sob este mesmo prisma método-epistemológico, o
instituto jurídico-processual do Meritum Causae ou Streitgegenstand que, constitui, em si,
conforme se verá, o Thema Decidendum do processo.
474 Para maiores informações sobre tais teorias, conferir o importante ensaio de Cruz e Tucci: CRUZ e TUCCI, José Rogério. A causa petendi no processo civil. 2. ed. rev. atual. amp. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. 475 Sob o temário dos requisitos que devem ser observados – dentro da nossa tética perspectiva – para a consecução do direito (ou poder) de Ação – as chamadas condições da Ação – nos deteremos no item 5.4 desta seção, quando discorreremos sobre o objeto de cognição do juiz.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.3 – Meritum Causae, Streitgegenstand e Thema Decidendum do processo. 303
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
5.3 – Meritum Causae, Streitgegenstand e Thema Decidendum do
processo.
Atualmente, um dos temários mais emblemáticos e intrigantes – uma
verdadeira hard question ou vexata quaestio – da Teoria Geral do Processo – por
conseguinte, da Ciência Jurídico-Processual – e do Sistema Jurídico-Processual de normas, é,
indubitavelmente, o temário do mérito da causa e do objeto (litigioso) do processo. Isto é, a
grande questão que se coloca na doutrina é buscar encontrar, dentro da relação jurídico-
processual e do seu complexo de juridicidade, como vimos, aquilo que constitui o objeto
principaliter de cognição e decisão juiz. Isso porque tal temário tem várias implicações e
repercussões no âmbito dos demais elementos (institutos) que constituem tal relação
jurídico-processual. Veja-se, por exemplo, que é a partir da definição do conceito de mérito
da causa que, na nossa sistemática, se extingue o processo com ou sem o julgamento deste
(como dizem os arts. 267 e 269 do Código de Processo Civil) e, em assim sendo, se ocorre
ou não a formação da coisa julgada material e seus respectivos limites objetivos e se há ou
não, ainda, possibilidade de uma nova apreciação judicial sobre esta mesma Lide. Tal é,
então – e veremos ainda mais – a importância da definição e delimitação dos conceitos de
mérito da causa e do objeto do processo.
Em assim sendo, dada a magnitude e importância dos temários, vários
foram os grandes processualistas – sobretudo, italianos e alemães, locais onde tal discussão
mais se acentuou e se asseverou nas últimas décadas – que, na tentativa de se achar uma
adequada solução método-epistemológica e teórico-conceptual dentro da Ciência Jurídico-
Processual e do Sistema Jurídico-Processual de normas para tais temários, teorizaram sobre
os mesmos. Nesse sentido, lembremo-nos dos ensaios e obras476 de grandes autores
476 Inclusive já os comentamos e estudamos neste trabalho.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.3 – Meritum Causae, Streitgegenstand e Thema Decidendum do processo. 304
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
processualistas, tais como, KARL HEINZ SCHWAB (em seu Der Gegenstand im Zivilprozess,
de 1954), ARTHUR NIKISCH (em seu Der Streitgegenstand im Zivilprozess, de 1935)
FRIEDRICH LENT (em seu ensaio Zur Lehre Streitgegenstand, em Zeitschrift für Zivilprozess,
de 1953), WALTHER J. HABSCHEID (em seu Der Streitgegenstand im Zivilprozess, de 1956),
ARWED BLOMEYER (em seu Zivilprozessrecht, da década de 50), WOLFRAM HEIDELBERG
(em seu Parteilehre und Streitgegenstand im Zivilprozess, de 1961), ADOLF SCHÖNKE (em
seu Lehrbuch des Zivilprozessrechts, de 1940) e LEO ROSENBERG (em seu Zur Lehre vom
Streitgegenstand e Zeitschrift für Deutschen Zivilprozess, de 1932, e, mais à frente, em seu
manual Lehrbuch des Deutschen Zivilprozessrechts), entre os processualistas alemães;
assim como também, GARBAGNATI (em seu Questioni di merito e questioni pregudiziali, de
1976), FRANCESCO CARNELUTTI (em seu Instituzioni del processo civile italiano, de 1956),
ENRICO TULLIO LIEBMAN (em seu Manual de Direito Processual Civil, de 1983), GIUSEPPE
CHIOVENDA (em seu Principii di diritto processuale civile, de 1928), MONTESANO (em seu
Questioni preliminari e sentenze parziali di merito, de 1969), ELIO FAZZALARI (em seu
Instituzioni di diritto processuale, de 1975), ENRICO REDENTI (em seu Diritto processuale
civile, de 1960) e BETTI (em seu Ragione e Azione, de 1932), entre os processualistas
italianos. No Brasil, grandes autores processualistas nossos, na esteira das lições do
processualismo científico alemão e italiano, também produziram obras de grande importância
e contribuição científica sobre tais temas. Assim, por exemplo, ALFREDO BUZAID (em seu Do
agravo de petição no sistema do Código de Processo Civil), MOACYR AMARAL SANTOS (em
seu As condições da ação no despacho saneador), MACHADO GUIMARÃES (em seu Carência
de Ação), GALENO LACERDA (em seu Despacho Saneador), ELIÉZER ROSA (em seu Leituras
de processo civil) e, mais recentemente, CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, indubitavelmente,
o processualista brasileiro que produziu, cientificamente falando, o melhor ensaio sobre tais
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.3 – Meritum Causae, Streitgegenstand e Thema Decidendum do processo. 305
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
temários, em seu O conceito de mérito em processo civil, na sua obra Fundamentos do
Processo Civil Moderno477.
Pois bem. Sobre tais temas – o mérito da causa (ou o meritum causae, na
linguagem da dogmática processual tradicional italiana, fruto das concepções romanísticas) e
o objeto do processo (na linguagem dos processualistas alemães, o streitgegenstand do
processo) – DINAMARCO, aliás, de início, já nos leciona e demonstra, numa técnica e
científica argumentação, que, em verdade, buscar encontrar aquilo que constitui o objeto
principaliter de cognição e decisão do juiz e que, por assim ser, será o Thema Decidendum
do processo, é o mesmo que buscar encontrar o meritum causae ou streitgegenstand do
processo, sem haver, assim, nenhuma importante e fundamental distinção teórico-
conceptual entre tais termos (meritum causae e streitgegenstand). Di-no ele, desse modo,
que tal distinção terminológica e de nomenclatura ocorre tão-somente em função da
diversidade de matriz metodológica existente entre o processualismo alemão – que centra
suas teorias no método que tem a Relação Jurídico-Processual como cerne de todos os
demais conceitos processuais – e o processualismo italiano – que tem, na instituição Ação, o
seu grande pólo metodológico central.
Assim, neste sentido, assente-nos ele, in verbis478:
De tudo quanto se disse, fica fácil inferir também que o objeto do processo é, em outras palavras, o mérito da causa (meritum causae). Confrontando-se a linguagem tradicional, que fala no mérito, com a dos processualistas que investigam acerca do objeto do processo, ver-se-á que o problema é um só e a busca do objeto do processo outra coisa não é, senão a busca do conceito do mérito. [...] Na Alemanha, como disse, é que os estudos sobre o objeto do processo têm sido mais acurados. Os germânicos, a quem a ciência processual deve os primeiros trabalhos científicos sobre a ação; hoje não são afeitos a esta, tanto quantos são os italianos e somos nós brasileiros. [...] O streitgegenstand figura, na ciência processual alemã, na mesma posição ocupada pela lide, no sistema carneluttiano: mais do que
477 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. 478 Ibidem. p. 238, 263 e 267.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.3 – Meritum Causae, Streitgegenstand e Thema Decidendum do processo. 306
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
um conceito constantemente burilado e polido nas especulações dos doutrinadores, mais do que um considerável instituto na ciência do processo, ele constitui, entre os germânicos contemporâneos, um respeitável pólo metodológico, verdadeiro centro ao qual converge a disciplina de inúmeros institutos processuais. Entre os italianos, o interesse pelo objeto do processo é menor. Ligados por tradição bastante longeva ao método centrado na ação, eles a têm como centro de convergência. Mesmo os que se aplicam ao estudo do oggetto del processo, os autores peninsulares mostram-se ainda presos ao esquema da ação, de seus elementos, da teoria dos três eadem. São autores que, reconhecendo embora a necessidade de definir o objeto do processo, ou seja, de definir a natureza daquilo que se põe diante do juiz à espera do ato imperativo a ser emitido, fazem-no a partir de suas próprias concepções, sem se transportar ao clima metodológico em que a ciência processual germânica está medularmente inserida (grifos nossos).
Assim, em síntese, falar em meritum causae é falar, nos mesmos termos e
modos, em streitgegenstand do processo; ou seja, ambos os elementos constituem uma só
realidade fenomênico-processual: o objeto litigioso do processo e que, por assim ser, será
“objeto” principaliter de cognição e decisão do juiz479. Sobre este, inclusive – o objeto de
cognição –,deter-nos-emos na próxima seção.
Em assim sendo, isto é, em sendo o Meritum Causae, referencial e
semanticamente, o mesmo que o Streitgegenstand do processo, o grande problema que aqui
se nos apresenta é tentar encontrar um conceito unívoco e monorreferencial para tais
479 Sobre tais conceitos – meritum causae, streitgegenstand , objeto litigioso do processo e objeto de cognição do processo – importante é a afirmação de Dinamarco, comentando acerca de um ensaio de Arruda Alvim, onde este distingue o “Objeto do Processo” do “Objeto Litigioso do Processo”, na esteira das discussões sobre o que seria o meritum causae e o streitgegenstand do processo. Vejamos, o que ele nos diz neste sentido: “No Brasil, manifesta interesse pelo tema o processualista Arruda Alvim. Ele critica o emprego da locução objeto do processo para designar o fenômeno de que cuidamos, ou seja, o objeto que constitui alvo do provimento esperado. Para ele, esse é o objeto litigioso, conceito que coincide com o de mérito (afirma uma sinonímia entre objeto litigioso, lide e mérito). Objeto do Processo seria um conceito mais amplo, abrangendo o objeto litigioso do processo ‘mais as questões suscitadas pelo réu’. Objeto litigioso seria o ‘conflito de interesses qualificado pela pretensão do autor’, ou seja, a lide; objeto do processo, ‘as questões levantadas pelo réu somadas ao objeto litigioso (pretensão)’. Esse conjunto formaria ‘o objeto do processo sobre o qual incide toda a atividade jurisdicional’. Poder-se-ia até dar razão ao conceituadíssimo estudioso. Traduzir Streitgegenstand por objeto litigioso revela conhecimento do vocábulo traduzido (Streit = Lide) e fidelidade na tradução. Em abono ao autor, lembra-se ainda que a obra de Schwab, bastante conhecida e aqui citada, chama-se em alemão Der Streitgegenstand im Zivilprozess e seu tradutor argentino lhe deu publicidade com o título El Objeto Litigioso en el Proceso Civil. Essa fidelidade verbal não é contudo tão importante, nem conduz aos melhores resultados substanciais. Falando em oggetto del processo, ou oggetto del giudizio (giudizio = processo), os italianos dão bem a idéia do objeto de uma relação jurídica,a relação jurídica processual; ou seja, do objeto sobre o qual incidirão os efeitos principais do ato jurisdicional imperativo preparado ao longo do procedimento. Na realidade,o que Arruda Alvim prefere designar por objeto do processo outra coisa não é senão o conjunto de questões que constituem a matéria lógica a ser elaborada pelo juiz na preparação do julgamento da causa. Constitui em outras palavras, o que se chama objeto do conhecimento do juiz, a exemplo da preferência assim manifestada por Liebman.” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 265-266).
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.3 – Meritum Causae, Streitgegenstand e Thema Decidendum do processo. 307
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
elementos, sobretudo, porque, conforme também demonstra DINAMARCO, há uma
verdadeira confusão teórica e conceitual na definição do que viria a ser tal Meritum Causae
ou Streitgegenstand do processo; isto é, na definição daquilo que seria o objeto litigioso de
cognitio e decisum principaliter – o Thema Decidendum – do processo judicial. Tanto é assim
que, nós vimos, o nosso objetivo aqui nesta subseção é tentar desconfigurar a idéia
recorrente na dogmática jurídico-processual brasileira de que o conceito de meritum causae
(streitgegenstand) do processo é, semântica e jurídico-processualmente, o mesmo que o
conceito de Lide.
Neste sentido, afirma-nos a dogmática jurídico-processual que três
posições fundamentais se formaram e se desenvolveram ao longo dos tempos, sobretudo, a
partir da fase do processualismo científico moderno, iniciada com OSKAR VON BÜLLOW, na
Alemanha, em 1868, a respeito do conceito de meritum causae ou streitgegenstand do
processo. Assim, sintetizando tais posições, afirma-nos DINAMARCO480, in verbis, que:
Os autores que se detiveram um pouco na conceituação do mérito podem ser divididos em três posições fundamentais: a) os que o conceituam no plano das questões, ou complexo de questões referentes à demanda [como por exemplo, Liebman, Carnelutti e Garbagnati]; b) os que se valem da demanda ou de situações externas ao processo, trazidas a ele através da demanda [como por exemplo, Chiovenda e Montesano que acreditavam ser a demanda o mérito da causa, e Redenti, Fazzalari e Lent, que acreditavam constituir o mérito da causa a relação jurídico-material litigiosa, a res in iudicium deductae, da doutrina romanística]; c) especificamente, para os quais o mérito é a lide, tout court (Exposição de Motivos) [como por exemplo, Alfredo Buzaid, o autor do projeto do nosso atual Código de Processo Civil] (Grifos e intercalações, entre colchetes, nossas).
Todas essas posições, conforme bem esclarece DINAMARCO, em profunda
análise sobre as mesmas, podem ser contestadas e refutadas, pois de fato não representam,
específica e corretamente, o conceito de meritum causae ou, na linguagem alemã, do
streitgegenstand do processo. Sobretudo, quando se tenta colocar a Lide processual como
sendo um elemento coincidente e representativo do mérito da causa ou do objeto litigioso do 480 DINAMARCO, op. cit. p. 239.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.3 – Meritum Causae, Streitgegenstand e Thema Decidendum do processo. 308
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
processo. Tanto é assim que, por tudo o que vimos outrora, quando da nossa asserção e
proposição tética sobre tal instituto (a Lide), não há, em hipótese alguma, que se confundir
o mérito da causa com a Lide, enquanto elemento resultante do processo de dedução do
Litígio em juízo. Na verdade, o que realmente ocorre é que, conforme sempre assentimos e
demonstramos, é a partir dos elementos teórico-conceptuais da Lide que se define e se
delimita o conteúdo e o conceito do meritum causae ou streitgegenstand do processo, mas
sem haver essa coincidência teorética e conceitual entre tais termos. Foi isso o que dissemos
atrás481 e que podemos perceber, agora, neste equacionamento, (re)dimensionamento e
(re)construção do conceito de meritum causae ou streitgegenstand do processo.
Em assim sendo, diferentemente de tais concepções e acepções teórico-
conceptuais e ainda fulcrado, sobretudo, nas lições de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO,
entendemos que o meritum causae ou o streitgegenstand do processo se consubstancia e
reside não a partir e no complexo de questões materiais e processuais da Lide, ou, como
disseram outros, a partir da demanda ou da res in iudicium deductae, ou, ainda, a partir do
instituto da Lide (ou Litígio, já que quem afirma assim, não distingue tais conceitos)
481 Vejamos, novamente, o que dissemos neste sentido: “Antes de fazê-lo – a construção precisa, e dentro das premissas retro afirmadas, do conceito de Lide – ainda é necessário destacarmos que não nos parece de todo certo, conforme teorizaram Liebman, Calamandrei e outros grandes processualistas, simplesmente, tentando “salvar” o conceito carneluttiano de Lide, identificar o conceito de Lide ao de meritum causae (como os autores italianos, em geral, o fizeram) ou ao de objeto (litigioso) do processo (como alguns autores brasileiros, fulcrados nos ensinamentos da doutrina processual alemã, o fizeram). Isso porque, conforme vimos e assentimos em momento anterior, na esteira das lições do eminente processualista da Escola de São Paulo, Cândido Rangel Dinamarco, que importância teria tal nova acepção de Lide, tendo em vista que, no mesmo sentido semântico-jurídico, sinonimicamente, já temos formatado e definido o instituto jurídico-processual denominado meritum causae? Se assim assentíssemos estaríamos, inclusive, contrariando a premissa metodológica desta pesquisa que é a tentativa de formação e adoção de uma terminologia jurídico-conceptual específica, pura e aplicada, onde não há espaço para indiscernibilidades e polissemias. Além do que, conforme bem salientou Dinamarco, “(...) ora, esse modo de ver a lide do ponto de vista jurídico deixa-a sem aptidão a explicar alguma coisa”. Por quê? Continua ele: “Se lide é o mérito e o mérito é a lide, segue-se que um dos dois vocábulos é supérfluo e o acréscimo do primeiro na linguagem do jurista constituiria uma excrescência”. Na verdade, Dinamarco diz isso (corretamente, pensamos), pois não admite que se possa coexistir, num mesmo sistema jurídico-processual481 e, por assim ser, na Ciência Jurídico-Processual, teorias tão antinômicas, quanto a teoria da Lide (nos termos em que Carnelutti a construiu ou mesmo com as reformulações feitas por autores como Liebman e Calamandrei) e a teoria da ação481. Melhor dizendo, nas palavras do próprio Dinamarco: “A sinonímia [lide = mérito] não seria nociva, se fosse mera sinonímia e não conduzisse à ilusão de poder fazer coabitar no mesmo diploma processual o método que tem a lide ao centro e o que tem a ação, como se eles não se repudiassem”. Assim, diferentemente e a par de todas essas questões e considerações, pensamos que o conceito de Lide não coincide com o de mérito da causa, e muito menos com o conceito de objeto do processo ou, na linguagem de Arruda Alvim, do objeto litigioso do processo. O que ocorre, tão-somente e em verdade, é que é a partir do conceito de Lide – na acepção que estamos a construir – que se definem tais conceitos, quais sejam, os conceito de meritum causae – ou objeto do processo (streitgegenstand), na linguagem dos processualistas alemães – e do thema decidendum, entre outros conceitos (institutos) processuais, como o de litispendência, de res judicata e etc.”.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.3 – Meritum Causae, Streitgegenstand e Thema Decidendum do processo. 309
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
genericamente falando, mas, sim, a partir, tão-somente, do elemento constitutivo-objetivo
desta, ou seja, a partir da pretensão processual (Rechtsschutzanspruch) – consubstanciada
que é no pedido (Antrag) mais a causa de pedir (Sacherverhalt) – e material (anspruch),
pois esta é veiculada em juízo a partir daquela, do autor. Por quê? Exatamente porque é
sobre tal pretensão do autor que o Estado-Juiz vai, principaliter, conhecer e se manifestar
decidindo se ela é procedente ou improcedente. O réu, inobstante a sua participação
decisiva e precípua no plano da relação jurídico-processual e da constituição da própria Lide
(daí porque falamos atrás em ação em sentido negativo), não altera o espectro e o prisma
da cognitio do juiz, tanto é assim que, afirmamos outrora, a sua demanda passiva se
circunscreve – a não ser nas exceções previstas no ordenamento – aos limites da demanda
do autor (a demanda ativa). Assim, é sobre tal exigência – a pretensão processual e material
do autor – que o Estado-Juiz se pronunciará e decidirá. Em assim sendo, constitui essa – a
Rechtsschutzanspruch e a anspruch – o meritum causae ou o objeto litigioso (o
streitgegenstand da doutrina alemã) do processo.
Nesta nossa mesma perspectiva, inclusive trazendo uma importante
fundamentação etimológica sobre o termo meritum causae, ligando-o, assim, à pretensão
processual e material, afirma-nos DINAMARCO482, in verbis:
Mérito, meritum, provém do verbo latino mereo (merere), que, entre outros significados, tem o de pedir, pôr preço; tal é a mesma origem de meretriz e aqui também há a idéia do preço, exigência. Daí se entende que meritum causae (ou, na forma plural que entre os mais antigos era preferida, merita causae) é aquilo que alguém vem a juízo pedir, postular, exigir. O mérito, portanto, etimologicamente é a exigência que, através da demanda, uma pessoa apresenta ao juiz para exame. Ora, a partir das inovações trazidas por Carnelutti, a ciência do processo vai aceitando que a pretensão à satisfação de um interesse outra coisa não é que a exigência de subordinação de um interesse alheio. Quem pretende, manifestando exteriormente sua exigência, quer impelir o outro a uma conduta apta à satisfação desta ou quer, de alguma forma, obter o bem da vida ou situação jurídica que a satisfaça. Mais do que isso: falhando todas
482 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 254-255.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.3 – Meritum Causae, Streitgegenstand e Thema Decidendum do processo. 310
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
as demais tentativas de determinação do conceito de mérito (relação litigiosa, lide) e não sendo ele coincidente com as questões de mérito, a indicação da pretensão tem sido vitoriosa em doutrina e é satisfatória. É ela que constitui o elemento substancial da demanda, seu conteúdo socialmente relevante. Não há dúvida de que, como ato do processo, a demanda desempenha papel relevantíssimo ao romper a inércia imposta aos órgãos jurisdicionais (nemo judex sine actore). Ela não passa disso, porém, e não devemos ceder à ilusão do continente, desconsiderando seu conteúdo substancial. Em parte anterior, procurei expor como se comporta o demandante em juízo, dando dupla direção à pretensão que ostenta, para exigir do juiz o provimento que lhe seja útil e para acabar obtendo o bem da vida pretendido. Pois a pretensão que a pessoa vem expor ao juiz, sendo uma exigência, por isso mesmo vem ao encontro do conceito de mérito, o qual, como procurei demonstrar mediante substratos etimológicos, também é uma exigência. Por tudo quanto foi dito nos itens precedentes, fica portanto a certeza de que é a pretensão que consubstancia o mérito, de modo que prover sobre este significa estabelecer um preceito concreto em relação à situação trazida de fora do processo. O ato jurisdicional cumpre o escopo social do processo, ao remover as incertezas representadas pelas pretensões insatisfeitas (grifos nossos).
Outrossim, é de se ressaltar, também, que a grande importância dessa
definição dos exatos termos do meritum causae (ou streitgegenstand) do processo se dá
porque é a partir dele que se consubstanciam e se configuram alguns fundamentais
institutos da Ciência Jurídico-Processual e do Sistema Jurídico-Processual de normas, tais
como, o da incidência da res judicata – posto que é sobre a pretensão processual e material
que incide a coisa julgada material –, o da possibilidade do cúmulo de ações e demandas –
posto que esta, a demanda, é que, como vimos, veicula a pretensão processual e material –,
o da modificação de demanda – pela mesma razão –, o da perempção – posto que é a partir
da pretensão que se vai identificar sobre qual ação se operou a perempção –, o da carência
de ação, o da improcedência da pretensão e o da litispendência – posto que, é a partir da
pretensão, que se vão identificar os demais elementos da ação. Em verdade, de todos esses
institutos, do ponto de vista da sistemática processual civil, o que mais sofre influência da
formatação do conceito de meritum causae ou streitgegenstand do processo é o instituto da
res judicata, posto que os efeitos materiais dessa incidir-se-ão, exatamente, sobre tal objeto
litigioso do processo: qual seja, a pretensão.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.3 – Meritum Causae, Streitgegenstand e Thema Decidendum do processo. 311
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Por isso, uma vez definido e demonstrado, técnica e cientificamente, que o
meritum causae ou streitgegenstand do processo reside e se delimita a partir do elemento
constitutivo-objetivo da Lide, qual seja, a pretensão processual e material do autor, a grande
questão que se coloca, sobretudo, entre os processualistas alemães, é saber qual o conteúdo
e a natureza de tal pretensão; isto é, em que consiste e reside tal pretensão, sobretudo,
processual do autor: na simples afirmação de um direito material, como disseram
FRIEDRICH LENT, ARTHUR NIKISCH e ARWED BLOMEYER? ou se revela em fatores
exclusivamente processuais, isto é, consubstancia-se no pedido (antrag) conjuntamente com
a causa de pedir (sacherverhalt), como afirmou LEO ROSENBERG? Ou, ainda, tão-somente,
no pedido (antrag), como afirmou KARL HEINZ SCHWAB, muito embora com dúvidas sobre
tal afirmação? In casu, ao que se sabe da dogmática jurídico-processual, difícil tem sido a
resposta para todas essas indagações.
Em verdade, os processualistas alemães, segundo nos demonstra ALFREDO
BUZAID483 e DINAMARCO484, durante muito tempo travaram importantes e grandes
polêmicas a respeito dessas indagações, ou seja, a respeito de saber, corretamente, qual o
conteúdo e a natureza da pretensão que o autor deduz em juízo, sobretudo, tendo em vista
as repercussões que tal definição tem para os institutos da coisa julgada material e da
litispendência. Assim, sem querer adentrar muito em tais teorizações discursivas – até
porque esse não é o objetivo desta subseção – podemos, em síntese, resumir que,
modernamente, sem ainda haver uma unanimidade de posições, entende-se que a
pretensão processual do autor reside tão-somente no pedido (no que os alemães chamam
de antrag), sem vinculações com o Sacherverhalt (isto é, o estado de coisas que nós
denominamos de causa de pedir), conforme bem assentiram e demonstraram,
monograficamente, LEO ROSENBERG e SCHWAB, inobstante algumas críticas –
contundentes, saliente-se – que se podem fazer a tais afirmações. Neste sentido, só para 483 Cf. BUZAID, Alfredo. Estudos e Pareceres de Direito Processual Civil. Adaptação de Ada Pellegrini Grinover e Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. 484 Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.3 – Meritum Causae, Streitgegenstand e Thema Decidendum do processo. 312
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
termos uma noção mesmo que un passante de tais discussões, vejamos a síntese que
DINAMARCO485 faz delas, in verbis:
Não tendo resolvido satisfatoriamente e por inteiro toda a problemática da caracterização do Streitgegenstand, chegaram contudo os alemães a dois pontos fundamentais. O primeiro deles é a identificação do objeto do processo na pretensão, excluídas as questões de cujo deslinde e excluído também que a lide ou a própria demanda inicial é que consubstanciassem tal objeto. O segundo ponto alcançado é que a pretensão representativa do objeto do processo não é aquela mesma Anspruch referida no Bürgerliches Gesetzbuch. É pura pretensão processual, consistente na aspiração do demandante, veiculada pela demanda, devendo sobre ela prover o órgão jurisdicional. Não chegaram os germânicos, todavia, a pacificar-se sobre se a pretensão processual assim considerada coincide com o antrag (pedido) ou se é integrada por este, mais a Sacherverhalt (estado de coisas, ou causa de pedir). A posição assumida por Schwab, insatisfatória porque desprovida de unitariedade, peca também por inserir no conceito de Streitgegenstand elementos que não dizem respeito a ele próprio mas a uma de suas possíveis projeções – que seria a disciplina da coisa julgada. Não é metodologicamente correto, em ciência alguma, definir um fenômeno pelos seus efeitos – senão por seus próprios elementos constitutivos. Menos lícito ainda é afirmar que o objeto do processo tem uma configuração para certos efeitos e outra, para o fim de oferecer limites à coisa julgada. Nessa parte, e só nela, Schwab focaliza o Streitgegenstand a partir do modo como ele se projeta no instituto da coisa julgada material.
E, ainda comentando a posição de SCHWAB de que é somente no pedido
(antrag) que se encontram os limites conteudísticos da pretensão, assevera ainda ele, in
verbis486, que:
A posição de Schwab é precisamente essa. Na sua obra individual aqui tantas vezes citada, ele afirma que ‘o pedido ocupa posto-chave no litígio’ e ‘a fundamentação da demanda carece de significação para a definição do objeto do processo’. A exigência de fundamentação tem no processo outra finalidade e outra eficácia. E agora, ao projetar suas idéias sobre os quatro institutos que recebem o influxo do conceito e amplitude do objeto do processo (cúmulo de demandas, alteração da demanda, litispendência e coisa julgada material), Schwab acaba por encontrar uma dificuldade, que não conseguiu superar, quanto ao último deles. A prevalecer a opinião que sustenta, caracterizando-se o objeto do processo apenas pelo Antrag (pedido) porém não pelo Sacherverhalt (entre nós, causa de pedir), a autoridade da coisa julgada material teria efeito de exclusão sobre toda e qualquer demanda futura sobre o mesmo objeto, ainda que apoiada em fatos diferentes (outro estado de coisas).
485 DINAMARCO, op. cit. p. 273. 486 Ibidem., p. 272.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.3 – Meritum Causae, Streitgegenstand e Thema Decidendum do processo. 313
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Na verdade, a posição do próprio DINAMARCO sobre tal polêmica, isto é,
sobre o que viria a ser o conteúdo e a natureza da pretensão processual do autor, é no
sentido que esta reside, real e tão-somente, no pedido (antrag), sem vinculação alguma com
a causa de pedir (o sacherverhalt, da doutrina alemã). Di-no ele, nesse sentido, que a
objeção que fazem à teoria de SCHWAB – aliás, foi o próprio SCHWAB quem primeiro
colocou tal objeção à sua teoria – não encontra embasamento substancial na técnica
processual, posto que, absolutamente, assim como não incidem os efeitos da coisa julgada
material na motivação da sentença judicial, do mesmo e igual modo, não incidem tais efeitos
sobre o Sacherverhalt (causa de pedir) da ação. Assim sendo e respondendo à objeção
lançada pelo próprio SCHWAB de que “a prevalecer a opinião que sustenta, caracterizando-
se o objeto do processo apenas pelo Antrag (pedido) porém não pelo Sacherverhalt (entre
nós, causa de pedir), a autoridade da coisa julgada material teria efeito de exclusão sobre
toda e qualquer demanda futura sobre o mesmo objeto, ainda que apoiada em fatos
diferentes (outro estado de coisas)”, afirma-nos ele que a garantia da coisa julgada material
tem o objetivo único de afastar o que ele denomina de conflitos práticos entre julgados e
não conflitos teóricos de julgados. Portanto, resume ele, in verbis487, que:
A limitação do objeto do processo ao pedido não é portadora de qualquer incompatibilidade com a construção dogmática e conceitual da coisa julgada, porque são coisas diferentes a própria auctoritas rei judicatae e a sua capacidade de impedir novos julgamentos da mesma causa. Em si mesma, a coisa julgada é objetivamente limitada ao decisum, sendo notório e pacífico que não se estende aos motivos (CPC, art. 459): o que importa é imunizar os efeitos da sentença, a bem da estabilidade das relações jurídicas. Os §§ 1º a 3º do art. 301 do Código de Processo Civil apenas disciplinam a coisa julgada como fator impeditivo de novo julgamento da mesma demanda, mas não a sua dimensão como elemento estabilizador das relações jurídicas. Diante disso, não há a menor incompatibilidade entre (a) ter como objeto do processo somente o pedido e como objeto da coisa julgada somente os efeitos contidos na parte dispositiva da sentença e (b) reconhecer que a coisa julgada, como fator impeditivo de julgamento do mérito, só ocorrerá se, além de idêntico o pedido, também o forem as partes e a causa de pedir.
487 Ibidem., p. 276.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.3 – Meritum Causae, Streitgegenstand e Thema Decidendum do processo. 314
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Neste sentido, inclusive, ele nos diz que há um verdadeiro eixo de simetria,
que percorre toda a relação jurídico-processual, entre o pedido de provimento – e a causa
que o sustenta (a causa de pedir) –, passando pela contestatio e causa excipiendi do réu, e
o decisum que se encontra, tão-somente, no dispositivo da sentença e que se fundamenta
na motivação dada pelo órgão julgador. Vejamos o que ele ainda nos diz sobre isso, in
verbis488:
Há um eixo sistemático interligando a causa de pedir e a motivação da sentença, passando pelos fundamentos da defesa. Sobre o que cada uma das partes alega como fundamento de sua própria conclusão manifesta-se o juiz na segunda parte estrutural da sentença, ou seja, naquela em que soluciona questões (art. 485, inc. II). Assim como os fundamentos da demanda são essenciais para delimitar o alcance desta, os da sentença também o são – não porém como sede de preceitos, mas com o fito de legitimar o decisum. Este, sim, é ligado ao petitum por outro eixo sistemático – porque nele reside a resposta sim ou não ao que o autor pode. Por isso é que, assim como o núcleo da sentença está no decisório, o da demanda reside no pedido. É neste que o autor diz o que quer e com isso compõe o objeto do processo.
No mais, entendendo ser, como demonstramos aqui, o meritum causae ou
streitgegenstand do processo a pretensão processual e material do autor – a
Rechtsschutzanspruch e anspruch da doutrina alemã – é, exatamente, esta que constitui o
objeto central de cognição e decisão do juiz e, em assim sendo, constitui essa o Thema
Decidendum do processo judicial.
Ademais e por último, em sendo o mérito da causa ou o objeto litigioso do
processo definido a partir do elemento constitutivo-objetivo da Lide, isto é, a partir da
pretensão processual e material a ser conhecida, analisada e decidida pelo juiz, podemos
classificá-lo – o mérito –, nesta nossa tética perspectiva, de acordo com o tipo de Lide e de
processo existente, nos seguintes termos:
488 Ibidem., p. 274-275.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.3 – Meritum Causae, Streitgegenstand e Thema Decidendum do processo. 315
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
a) no processo de conhecimento e cautelar – onde temos
uma Lide deduzida, porém não decidida – temos a
Rechtsschutzanspruch que veicula uma pretensão
material resistida;
b) no processo de execução – onde temos uma Lide
deduzida e decidida – temos a Rechtsschutzanspruch
que veicula, agora, uma pretensão material
insatisfeita;
c) no processo voluntário – onde temos uma Lide
eventual, rarefeita ou imprópria, deduzida a partir do
Litígio potencial – temos, tão-somente, uma
Rechtsschutzanspruch que veicula uma pretensão
material que pode, ou não, vir a se tornar resistida.
Em assim sendo, por tudo visto, tal é o conceito de meritum causae ou
streitgegenstand do processo e de Thema decidendum, sob o prisma do nosso enfoque
tético e conteudístico.
Consecutado isso, vejamos, agora, sob este mesmo prisma método-
epistemológico, no que se constitui o objeto de cognição processo judicial.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.4 – Objeto de Cognição. 316
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
5.4 – Objeto de Cognição.
A razão de ser do processo judicial – isto é, o seu verdadeiro leitmotiv e
ratione materiae – está, exatamente, no poder-dever que o Estado tem de, conhecendo o
conflito social – seja na forma de Litígio (como melhor seria), seja na forma de Lide (como
ocorre de ordinário e como atesta, o nosso sistema jurídico-processual, que deve ser) – dizer
o direito, no caso concreto, em última instância. Tal o conceito de jurisdição, tal a idéia da
doutrina clássica – baseada nas concepções romanísticas, é certo – de jurisdição como sendo
um jurisdictio, isto é, um dizer o direito no caso concreto, atrelada que é, ela, a outros
elementos que a consubstanciam, como por exemplo, a notio (ou cognitio), a vocatio, a
coertio, o iudicium e a executio489.
E é exatamente nesse “conhecer para decidir” em que consiste e se
caracteriza, essencial e precipuamente, a função jurisdicional do Estado. Há quem afirme,
inclusive, nesta perspectiva, que a idéia de jurisdição – como jurisdictio que é – não
subsiste, em hipótese alguma, sob qualquer outra ratio ou paradigma legitimador de tal
poder de imperium do Estado, sem um mínimo viés de cognição; cognição ou conhecimento
de fatos que são relevantes juridicamente. Neste sentido, o processualista KAZUO
WATANABE490, um dos maiores pesquisadores do assunto, afirma-nos, in verbis, que:
“inexiste ação em que o juiz não exerça qualquer espécie de cognição; até mesmo na ação
de execução por título judicial, o juiz é seguidamente chamado a proferir juízos de valor” e,
489 Sobre tais elementos, assim nos escreve Carreira Alvim, in verbis: “Segundo a concepção clássica, a jurisdição compreende cinco elementos assim discriminados: Notio – é a faculdade de conhecer certa causa, ou de ser regularmente investido da faculdade de decidir uma controvérsia (...0; Vocatio – é a faculdade de fazer comparecer em juízo todos aqueles cuja presença seja útil à justiça e ao conhecimento da verdade; Coertio – é o direito de fazer-se respeitar e de reprimir as ofensas feitas ao magistrado no exercício de suas funções; Iudicium – é o direito de julgar e de pronunciar a sentença; Executio – é direito de em nome do poder soberano, tornar obrigatória e coativa a obediência às próprias decisões.” (CARREIRA ALVIM. J. E. Teoria Geral do Processo. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 65). 490 WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. 2. ed. atual. Campinas: Bookseller, 2000, p. 37.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.4 – Objeto de Cognição. 317
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
por isso, em assim sendo, ele propõe uma “relativização da dicotomia processo de
conhecimento – processo de execução”491.
Pois bem. Em sendo a cognitio492 o principal elemento que caracteriza e
fundamenta, assim, a jurisdição do Estado, a indagação que se nos coloca agora é: no que
consiste, técnica e cientificamente, tal conhecer, isto é, tal processo de cognição? E mais:
que elementos do conflito social devem e podem ser conhecidos pelo Estado-juiz, uma vez
constituído e desenvolvido o processo judicial? Em outras palavras: qual é e no que se
constitui, enfim, o Objeto de Cognição do Processo, sobretudo, tendo em vista o nosso
enfoque e prisma tético-conteudístico de que o elemento conteudístico-objetivo da relação
jurídico-processual, qual seja, a Lide, é constituído a partir da dedução, quantitativa e
qualitativa, do Litígio em juízo? Bem, a todas essas indagações tentaremos responder a
partir de agora. Vejamo-as, então.
Do ponto de vista etimológico, conforme bem nos demonstra DINAMARCO,
em seu “Fundamentos do Processo Civil Moderno”493, o vocábulo (ou termo) Objeto, in
verbis:
[...] resulta do encontro da preposição latina ob com o verbo jacio, dando o verbo composto objicio. Ora, ob significa diante, defronte, à vista; e jacio quer dizer lançar, atirar, arremessar. Daí o significado de objicio, que é propor (pro + pôr), ou seja, pôr diante de. E objeto, que é a fórmula vernácula do substantivo latino formado a partir desse verbo (objectus), serve para designar algo que se põe diante de uma pessoa, ou como alvo de alguma atividade sua (grifos nossos).
Desse modo, partindo deste prisma eminentemente terminológico, falar em
Objeto de Cognição do Processo, significa falar naquilo que se coloca diante do Estado-juiz –
como detentor do poder-dever de dizer o direito no caso concreto que é, isto é, como
detentor da função jurisdicional – a fim de que ele, o Estado, conheça o conflito social e se 491 WATANABE, op. cit. p. 47-52. 492 Sobre as origens históricas do conceito de “Cognição” (cognitio), conferir o já citado estudo de Kazuo Watanabe (Ibidem., p. 51-57.). 493 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 238.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.4 – Objeto de Cognição. 318
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
pronuncie, decidindo, através do denominado provimento jurisdicional494 que é sentenciado
no final do procedimento judicial com a prestação da tutela jurisdicional. Assim, diz
DINAMARCO, “é o objeto do processo, que se coloca diante do juiz, à espera do provimento
que ele proferirá a final”495. E: “por objeto do processo designa-se o conteúdo deste, posto
diante do juiz através do ato de iniciativa”496 e sobre ele “o juiz se considera autorizado e
obrigado a pronunciar-se (vedado o non liquet: CPC, art. 126)”497.
Muito bem. Em assim sendo, que elementos constituem tal Objeto de
Cognição do Processo? Isto é, o que dever se conhecido – e, uma vez conhecido, decidido –
pelo Estado-juiz, uma vez constituída a relação jurídico-processual, no plano do processo
judicial? Todo o Litígio? A Lide, nos termos da nossa tética perspectiva, isto é, como a
resultante conteudística da dedução em juízo do Litígio? O chamado meritum causae? O
streitgegenstand do processo? Os pressupostos processuais e as condições da ação? Ou
tudo isso concorrentemente?
Bem, primeiramente, antes de tentar responder a essas colocações, é de
se ressaltar, conforme já vimos, que, exatamente como bem assentiu ARRUDA ALVIM498,
não há que se confundir as expressões Objeto do Processo, Objeto Litigioso do Processo e
Objeto de Cognição do Processo. Isso porque, como vimos, constitui o objeto litigioso do
processo o chamado meritum causae ou streitgegenstand do processo, consubstanciando
que são na pretensão processual (rechtsschutzanspruch) e material (anspruch) do autor, nos
termos que explicitamos na subseção anterior. Assim, falar em objeto litigioso do processo é
o mesmo que falar em meritum causae ou em streitgegenstand do processo. Por outro lado,
constitui o objeto do processo – na proposição consecutada por ARRUDA ALVIM – o objeto
litigioso (vale dizer, a pretensão processual e material do autor) acrescido das questões
494 Sobre tal provimento jurisdicional, Kazuo Watanabe, assente que este “é o resultado da atividade cognitiva do juiz” (WATANABE, op. cit. p. 37). 495 Ibidem., p. 238. 496 Ibidem., p. 238. 497 Ibidem., p. 238. 498 ARRUDA ALVIM, Eduardo. Curso de direito processual civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 49, 387, 411.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.4 – Objeto de Cognição. 319
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
deduzidas e suscitadas em juízo pelo réu. Já, por sua vez, o objeto de cognição do processo
este é constituído nos exatos termos que iremos a partir de agora propor, demonstrar e
afirmar. Vejamos, então.
Na nossa tética perspectiva, conforme, inclusive, já apresentamos em
momento anterior, o objeto de cognição do processo é constituído pelo quadrinômio de
questões relativas: a) aos pressupostos processuais; b) aos supostos processuais; c) às
condições da ação; e d) à Lide.
Assentimos nesse sentido – do quadrinômio de questões – e não do
trinômio de questões – pressupostos processuais, condições da ação e mérito da causa –
como o faz a maioria da dogmática jurídico-processual, sem falar, assim, em suposto
processual, posto que, conforme demonstramos a partir dos ensinamentos de CELSO
NEVES499 e de LOPES DA COSTA500, pressuposto de um fenômeno é aquilo que tem que
ocorrer, previamente, para o fenômeno acontecer. Já o suposto ou requisito de um
fenômeno é algo que está intrínseca e concorrentemente ligado ao fenômeno para que ele
continue a existir. Ora, como vimos, para existir o processo e a relação nele deduzida – a
relação jurídico-processual – é preciso a ocorrência tanto de pressupostos, quanto de
supostos processuais. Por isso, então, falamos em quadrinômio e não em trinômio de
questões, pois desmembramos em pressupostos e supostos aquilo que a maioria insiste em
denominar – no nosso entender de modo equivocado – tão-somente de teoria dos
pressupostos processuais. Nas palavras de LOPES DA COSTA, novamente, explicando tal
distinção, ele nos diz que a expressão pressuposto processual é inadequada
semanticamente, pois “pressuposto de uma coisa, de um fato, de um fenômeno, é uma
circunstância prévia que lhe condiciona a existência. Ora, as qualidades de que se deve
499 NEVES, Celso. Estrutura fundamental do processo civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 85. 500 LOPES DA COSTA, Alfredo de Araújo. Manual Elementar de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1956.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.4 – Objeto de Cognição. 320
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
revestir o processo não são prévias a ele, não lhe são externas, mas internas a ele,
inseparáveis. Não são pressupostos, são requisitos”501.
Ademais e por outro lado, di-no KAZUO WATANABE, há quem defenda,
inclusive, além da teoria do trinômio e do quadrinômio de questões como objeto de cognição
do processo, um simples binômio de questões como elemento de cognição do juízo,
constituído nos seguintes termos, in verbis502:
A teoria do trinômio, informa Alfredo Buzaid, substituiu o binômio iudicium e res in iudicium deducta do primórdio da ciência processual e também o binômio pressupostos processuais e condições da ação da teoria da ação como direito concreto à sentença favorável. Pressupostos processuais, condições da ação e mérito da causa são elementos desse trinômio. É a teoria defendida por Liebman, que no Brasil formou inúmeros discípulos e continua ainda exercendo uma significativa influência (grifos nossos).
Em verdade, o que ocorre é que quem fala, ainda, em binômio de questões
como objeto de cognição do processo, fá-lo assentindo e considerando que falar em
condições da ação, sobretudo, quando se pensa nas condições da ação denominadas de
possibilidade jurídica do pedido e legitimatio ad causam, é o mesmo que falar no mérito da
causa503. Neste sentido, por exemplo, concordam os eminentes processualistas CALMON DE
501 LOPES DA COSTA, op. cit. p. 199. 502 WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. 2. ed. atual. Campinas: Bookseller, 2000, p. 72. 503 Há quem afirme, por exemplo – e os alemães dizem isso – que as condições da ação formam uma espécie de mérito secundário, enquanto que o meritum causae forma uma espécie de mérito principal. Neste sentido, Alfredo Buzaid, citando um importante estudo consecutado por Luis Machado Guimarães, com base no processualismo cientifico alemão sobre tal temática, assente que, in verbis: “(...) Uma parte da doutrina alemã estabelece uma distinção entre mérito (Sache) e mérito principal (Hauptsache), sendo o mérito principal a coisa (res) que constitui o objeto do processo (WACH,Handbuch des deutchen Zivilprozessrechts, vol. I, p. 292, nota 20). Entre nós adotou essa doutrina LUIS MACHADO GUIMARÃES, ‘Comentário’ (Revista de Crítica Judiciária, vol. 29, p. 179). ‘Há muitas questões referentes ao mérito que ao juiz cumpre decidir preliminarmente,. Daí a diferença necessária entre as questões referentes ao mérito principal (Hauptsache dos alemães) e questões referentes ao mérito (Sache), mas não ao mérito principal (p. 181).’ Distingue a seguir os pressupostos processuais das condições da ação e do mérito propriamente dito. Sustenta que as condições da ação se agrupam no domínio do mérito, mas o que constitui o mérito principal é a res in iudicium deducta e o seu julgamento importa na procedência, ou improcedência, da ação (p. 184).” (BUZAID, Alfredo. Estudos e Pareceres de Direito Processual Civil. Adaptação de Ada Pellegrini Grinover e Flávio Luiz Yarshell. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 115). Do mesmo modo, assente Celso Neves, in verbis, que: “Percebe-se que, nessa impostação, o problema das condições da ação aparece como fronteiriço, na linha de limite entre o processual e o material, porém mais dominado por este, enquanto relacionado à res in iudicium deductae. Sobre elas observa Machado Guimarães, reportando-se a Allorio, a ‘distinção entre os requisitos referentes ao mérito principal (Hauptsache) e pressupostos referentes ao mérito (Sache), mas não ao mérito principal. Deve o juiz, aceitando provisoriamente as afirmações feitas pelo autor – si vera sint exposita – apreciar preliminarmente a existência das
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.4 – Objeto de Cognição. 321
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
PASSOS504, OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA505 e FÁBIO LUIZ GOMES506, adeptos que são da
teoria abstrativista da ação. Na realidade, sobre isso, ao nosso sentir, razão assiste à KAZUO
WATANABE, quando, discorrendo sobre tal problemática das condições da ação e do mérito,
na esteira das discussões sobre a teoria eclética, concreta e abstrata da ação, assente, in
verbis507, que:
As condições da ação, entretanto, não são inconciliáveis com a teoria do direito abstrato de agir, que em nosso entender é a mais aceitável. Seriam “condições” para o julgamento do mérito da causa, impostas basicamente por razões de economia processual, e não condições para a existência da ação. Barbosa Moreira prefere falar em ‘condições do legítimo exercício do direito de ação’. O ponto nodal da problemática está em saber se as condições da ação (rectius: ‘condições para o julgamento de mérito’) devem ser aferidas segundo a afirmativa feita pelo autor na petição inicial (in statu assertionis) quanto às condições da ação (com a apresentação, evidentemente, das provas necessárias desde o início da ação, para se evitar o prosseguimento inútil do processo, como por exemplo a escritura de aquisição do imóvel na ação reivindicatória, o contrato escrito celebrado por aquele que pretende anulá-lo por vício de vontade, o ato constitutivo que demonstre a existência da associação civil por mais de 1 ano para a propositura da ação civil pública etc.) ou conforme seu elo efetivo com ‘a situação de fato contrária ao direito’, ou seja, com o objeto litigioso do processo, que vier a ser evidenciado pelas provas produzidas pelas partes. Somente se afigura compatível com a teoria abstratista a primeira opção. O exame das condições da ação deve ser feito ‘com abstração das possibilidades que, no juízo de mérito, vão deparar-se ao jogador: a de proclamar existente ou a de declarar inexistente a relação jurídica que constitui a res in iudicium deducta’; vale dizer, o órgão julgador, ao apreciá-las, ‘considera tal relação jurídica in statu assertionis, ou seja, à vista do que se afirmou’, raciocinando ele, ao estabelecer a cognição, ‘como que admita, por hipotese e em caráter provisório, a veracidade da narrativa, deixando para a ocasião própria (o juízo de mérito) a respectiva apuração, ante os elementos de convicção ministrados pela atividade instrutória’, como preleciona Barbosa Moreira (grifos nossos).
condições da ação, julgando, na ausência de uma delas, o autor carecedor da ação; só em seguida apreciará o mérito principal, isto é, a procedência ou improcedência da ação.” (NEVES, Celso. Estrutura fundamental do processo civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 124). 504 CALMON DE PASSOS, J. J. A ação no direito processual civil brasileiro. Bahia, 1960. 505 SILVA, Ovídio Baptista da. A ação cautelar inominada no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1979. 506 BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. e GOMES, Fábio. Teoria Geral do Processo Civil. 3. ed. rev. atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. 507 WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. 2. ed. atual. Campinas: Bookseller, 2000, p. 79-81.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.4 – Objeto de Cognição. 322
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Bem, inobstante tudo isso, conforme assentimos, o nosso entendimento é
o de que são quatro os elementos que constituem, cronológica e logicamente, a massa de
questões508 objeto de conhecimento do juiz, quais sejam: os pressupostos processuais que,
como vimos, consubstanciassem no Litígio – potencial ou efetivo – que, via direito de ação,
exercido através da demanda, será deduzido em juízo; os supostos processuais – relativo às
partes (capacidade de ser parte, capacidade processual e capacidade postulatória), relativo
ao juiz (imparcialidade aferida com a ausência de impedimento e suspeição) e ao juízo
(competência jurisdicional) e relativo à Lide (ausência de litispendência, coisa julgada,
perempção, convenção de arbitragem, e etc); as condições da ação – possibilidade jurídica
in abstrato do pedido, legitimidade para a causa e interesse processual; e a Lide, enquanto
resultante do processo de dedução, quantitativa e qualitativa, do Litígio em juízo e
formalizada no exercício, pelo autor, da ação em sentido positivo (causa petendi/petitum) e
da ação em sentido negativo (causa excipiendi/contestatio), pelo réu.
In casu, é de se salientar que falamos não em meritum causae ou
streitgegenstand do processo como um elemento do quadrinômio de cognição, posto que,
em verdade, não há que se confundir a cognitio com o decisum do processo. Ou seja,
conforme vimos, o Estado-juiz conhece o dado factual deduzido em juízo (Litígio deduzido
em Lide) para, assim, enfim, decidir. Então, pelo que já vimos, é fácil entendermos que o
juiz decide sobre o meritum causae ou streitgegenstand que está consubstanciado na
pretensão processual e material do autor, mas, para isso, conhece não só de tal mérito, mas
de toda a Lide, com todos os seus elementos constitutivos, isto é, conforme foi esta
subjetiva, causal e objetivamente509 deduzida em juízo, inclusive com a participação decisiva
508 Aqui é de se ressaltar que falamos de questão na perspectiva da teoria carneluttiana, isto é, como sendo uma questão processual um ponto de fato ou de direito controverso, pelas partes, em juízo. Nesse sentido, conferir: CARNELUTTI, Francesco. Istituzioni del Processo Civile Italiano. 5. ed., v. II, p. 13. 509 Como vimos, os elementos constitutivos da Lide são: a) elemento subjetivo: partes; b) elemento objetivo: pretensão processual (rechtsschutzanspruch) = pedido (antrag) + causa de pedir (Sachverhalt); c) elemento causal: demanda (klageantrag); d) elemento material: Litígio; e) elemento formal: ação em sentido positivo e negativo (Petitum/causa petendi versus Contestatio/causa excipiendi).
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.4 – Objeto de Cognição. 323
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
do réu. Por isso falamos, assim, em ação em sentido positivo – a demanda ativa do autor – e
em ação em sentido negativo – a demanda, por sua vez, passiva do réu.
Destarte, em síntese, a Lide constitui um dos elementos de cognição do
processo – o mais importante deles, é certo – e a sua componente conteudístico-objetiva – a
pretensão processual (rechtsschutzanspruch) e material (anspruch) do autor –,
consubstanciada no petitum, o elemento, principaliter, de decisão do processo. Tanto é,
assim, que o provimento jurisdicional o qual, como vimos, na acepção de KAZUO
WATANABE, é o resultado da cognição consecutada pelo juiz, é dado sobre a pretensão do
autor, isto é, sobre aquilo que a dogmática jurídico-processual convencionou denominar de
meritum cause ou streitgegenstand do processo, a partir de todo o processo de cognição
realizado no itere procedimental sobre a Lide deduzida em juízo.
Em assim sendo, por tudo visto, tais são os elementos consubstanciadores
do objeto de cognição do processo, sob o prisma do nosso enfoque tético e conteudístico.
Por fim, ainda nesta seção de construção teorético-conceptual das
instituições e institutos fundamentais da Teoria Geral do Processo a partir da análise
distintiva consecutada entre Litígio e Lide, vejamos, agora, sob este mesmo prisma método-
epistemológico, quais os elementos constitutivos da denominada res judicata, sobretudo, a
coisa julgada material.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.5 – Res Judicata. 324
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
5.5 – Res Judicata.
Conforme anunciamos no intróito do presente trabalho de pesquisa
científico-jurídica, em caráter, é certo, de proposição sinóptico-propedêutica, uma das mais
importantes e fundamentais aplicações de natureza teorético-conceptual da análise distintiva
por nós proposta, demonstrada e, enfim, teticamente afirmada, entre os institutos do Litígio
e da Lide, dá-se no que diz respeito ao âmbito de abrangência conceptual e material da
denominada “Res Judicata”. Sobretudo – como dizíamos – tendo em vista, especificamente,
o que preceituam e disciplinam os dispositivos legais constantes dos artigos 468 e 474 do
Código de Processo Civil brasileiro510, quando descrevem e prescrevem – de modo vacilante,
diga-se de passagem – a respeito da definição do que viria a ser “questões decididas”,
“questões da lide”, “julgamento parcial da lide” e presunção de dedução de toda e qualquer
matéria referente ao Litígio em juízo, conformando, assim, aquilo que entendemos ser a Lide
processual.
Pois bem. Nesta perspectiva, analisando tais dispositivos legais em face da
proposição tética por nós consecutada aqui neste trabalho de pesquisa no sentido de
distinguir, teorética e empiricamente, o instituto do Litígio do instituto da Lide, conforme já
apresentamos – e vale aqui salientarmos tal proposição observacional e valorativa outra vez
– o professor LUIZ GUILHERME MARINONI511, correspondeu-nos, in verbis:
Na linha da sua proposta (...), posta a distinção entre os conceitos de lide e litígio (e analisadas as doutrinas de Carnelutti e Liebman), também é interessante a análise dos arts. 468 e 474 do CPC. Em outras palavras: o art. 468 fala em julgamento parcial da lide. O problema é o de saber se tal dispositivo está falando da lide pré-processual [litígio] ou se está identificando lide e litígio? Mais: tal artigo fala em ‘questões decididas’. O conceito de questão, também
510 BRASIL. Código de Processo Civil. Pinto, Antonio Luiz; Windt, Márcia Cristina Vaz dos Santos e Céspedes, Lívia. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 100-101. 511 MARINONI, Luiz Guilherme. Publicação eletrônica [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]> em 05 agos. 2002.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.5 – Res Judicata. 325
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
ligado ao de lide, tem uma conceituação própria em Carnelutti. É importante definir o que é ‘questão da lide’. Por outro lado, como interpretar o art. 474? Este afirma que: ‘passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido’. Se o pedido conforma a lide, seria possível dizer que as alegações e defesas que não deram conformidade á lide (mas que fazem parte do litígio) estão acobertadas pela coisa julgada? (Grifos no texto do remetente e alterações, em colchetes, minhas).
Bem, como se vê, a grande questão, em verdade, que se apresenta aqui
para nós, tomando-se em consideração a preceituação firmada nos aludidos dispositivos
processuais, é saber de que modo podem ou devem ser interpretado tais dispositivos legais
referentes ao instituto da coisa julgada, sobretudo, tendo em vista a nossa tética perspectiva
de asserção da Lide como a componente objetiva e conteudística da relação jurídico-
processual que é formada a partir da dedução quantitativa e qualitativa do Litígio em juízo.
Em outras palavras: como deve ser melhor interpretado o art. 468 do Código de Processo
Civil brasileiro quando este nos diz, in verbis, que “a sentença, que julgar total ou
parcialmente a Lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas”. Do
mesmo modo, como deve ser melhor interpretado o art. 474 do aludido Código de Processo
Civil, quando este nos diz, também, in verbis, que “passada em julgado a sentença de
mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte
poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido”?.
O que ocorre, assim, é que, conforme nos interroga o professor LUIZ
GUILHERME MARINONI, há de se identificar, nos casos desses dispositivos do Estatuto
Processual Civil pátrio, se quando tais dispositivos falam em “julgar total ou parcialmente a
Lide”, “nos limites da lide e das questões decididas”, em presunção de dedução de “todas as
alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do
pedido” estão, na realidade, referindo-se, na nossa tética perspectiva, ao Litígio ou àquilo
que dele foi deduzido em juízo, isto é, numa palavra, à Lide. Essa é a questão a ser
equacionada, redimensionada e reconstruída aqui.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.5 – Res Judicata. 326
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Bem, mas antes de respondermos a tais colocações – colocações e
respostas estas que serão, por certo, consecutadas a partir da análise distintiva por nós
consecutada na presente pesquisa – é preciso falarmos um pouco, em primeiro lugar,
mesmo que de modo un passante, sobre o instituto da res judicata em seus prismas de
definibilidade e de elementaridade constitutiva, sempre tendo em vista a construção
analítico-distintiva aqui estatuída entre o Litígio e a Lide. Vejamos, então.
Do ponto de vista da Ciência Jurídico-Processual e do Sistema Jurídico-
Processual de normas, coisa julgada – ou, na linguagem romanística, res judicata – significa
imutabilidade e, como diria alguns processualistas, imunização processual e material do
decisum e tal só ocorre, conforme prescreve o sistema processual, com o trânsito em
julgado do ato processual que põe termo e extingue o processo, isto é, com o trânsito em
julgado da sentença. É isso que nos informa o art. 467 do Código de Processo Civil brasileiro,
muito embora sua má redação.
Não que com a simples prolatação da sentença não já se exalem os efeitos
ordinários decorrentes de tal prolatação, pois, conforme nos afirma LIEBMAN512, eficácia e
imutabilidade são conceitos que, embora aplicados de igual modo à decisão judicial, são
distintos entre si, do ponto de vista jurídico-processual. Além do que, conforme demonstra
LIEBMAN, a res judicata não constitui um efeito da sentença judicial prolatada513. Na
512 LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. Tradução de Cândido Rangel Dinamarco. Rio de Janeiro: Forense, 1984, v. I e Idem. Estudos sobre o Processo Civil Brasileiro. Araras: Bestbook Editora, 2001, p. 127-130. 513 Neste sentido, Dinamarco, em importante lição, com base nos estudos de Enrico Tullio Liebman, assim assente, in verbis: “Caracterizada como um estado de segurança jurídica quanto às relações entre os que litigaram no processo, a coisa julgada material incide sobre os efeitos da sentença de mérito mas não é, ela também, um efeito desta. Nos efeitos da sentença reside a fórmula de convivência não encontrada pelos sujeitos de modo amigável e pacífico, tanto que precisaram valer-se do processo e do exercício da jurisdição pelo Estado-juiz. A sentença estabelece essa fórmula, lançando-os para fora do processo e tendo uma natural tendência a impor-se na vida comum dos sujeitos (eficácia natural da sentença). A coisa julgada é somente uma capa protetora, que imuniza esses efeitos e protege-os contra as neutralizações que poderiam acontecer caso ela não existisse (...)”. E, criticando a redação do art. 467, complementa: “O art. 467 do Código de Processo Civil define a coisa julgada material como ‘a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário’. Seria melhor não falar em eficácia. Qual ato seria produtor dessa eficácia? A própria sentença, não. Nem algum outro ato, do juiz ou de quem que fosse, capaz de conferir-lhe imutabilidade. E, mais precisamente, a coisa julgada material incide sobre os efeitos da sentença, não sobre ela própria como ato jurídico-processual – a proteção desta é feita pela coisa julgada formal.”. E acrescenta: “A distinção entre a eficácia da sentença e a autoridade de seus efeitos é uma das mais elegantes conquistas da ciência processual no século das luzes processuais (Enrico Tullio Liebman) e a consciência de que se trata de dois fenômenos distintos
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.5 – Res Judicata. 327
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
realidade, o que acontece é que, conforme nos demonstra CÂNDIDO RANGEL
DINAMARCO514, in verbis:
Quando proferida a sentença, ela própria e seus efeitos ainda são mera proposta de solução do litígio [na nossa perspectiva, Lide] (sentenças de mérito), ou simplesmente proposta de extinção do processo (terminativas), uma vez que ainda é possível a substituição da sentença e a alteração do teor do julgamento, em caso de recurso interposto pela parte vencida. Uma decisão judiciária só fica imune a qualquer questionamento futuro quando já não comporta recurso (CPC, art. 467), embora em alguma medida a lei a libere para produzir seus efeitos, ou alguns deles, antes que isso aconteça: é prudente condicionar em tese a eficácia da sentença à sua imutabilidade, mas essa correspondência não é necessária nem constante porque há também razões para liberar a primeira, em alguns casos, antes que ocorra a segunda. Eficácia e imutabilidade são conceitos distintos [...] (grifos e comentários em colchetes nossos).
Por outro lado, como se sabe também da dogmática jurídico-processual, tal
imutabilidade é um fenômeno que além de decorrente da res judicata atua, projeta-se e se
consubstancia em dois planos nitidamente distintos – porém, concorrentes – da relação
jurídico-processual que se estabelece entre as partes envolvidas na Lide. Tais são os planos
formal e material e que dão ensejo à formação da coisa julgada formal e material,
respectivamente. Di-no, assim, a respeito disso, a doutrina, in verbis515:
Quando a sentença se limita a decidir sobre o processo, extinguindo-o sem julgamento do mérito, sua imutabilidade é fenômeno puramente processual, inerente e interno ao processo que se extingue, sem repercussões na vida das pessoas em suas relações exteriores a ele: simplesmente, aquele processo deixa de existir e provavelmente as partes ainda poderão voltar a juízo, com o mesmo conflito a ser apreciado pelo juiz (art. 268). Quando ela contém a decisão do mérito e assim projeta efeitos para fora do processo e sobre a vida das pessoas, já não se cuida apenas de preservá-la contra possíveis questionamentos no processo em que foi proferida, mas também de preservar os seus efeitos – de modo que o julgamento daquela pretensão, entre aquelas pessoas e por aquele fundamento fique perenemente imunizado e assim se implante uma situação de segurança quanto aos direitos, obrigações e deveres dos litigantes. Essa estabilidade e imunização, quando encarada em sentido bastante amplo, chama-se coisa julgada e atinge, conforme o caso, somente a
é a chave para a solução de muitos problemas teóricos e práticos relacionados com o instituto.”. (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 4. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2002, V. II, p. 303-304.). 514 Ibidem., p. 296. 515 Ibidem., p. 296.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.5 – Res Judicata. 328
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
sentença como ato processual ou ela própria e também os seus efeitos. A distinção entre coisa julgada formal e material revela somente que a imutabilidade é uma figura de duas faces, não institutos diferentes (Liebman).
Ademais, é de se salientar, também, que, sob um prisma eminentemente
teleológico-processual, o instituto da coisa julgada tem como função e finalidade precípua a
materialização do denominado princípio da segurança jurídica nas relações que ocorrem,
tanto do ponto de vista processual, quanto do ponto de vista material. Esse, sem dúvida, é o
grande escopo social e jurídico da res judicata. DINAMARCO516, fulcrado nas teorizações de
LIEBMAN, chega a assentir que “a imutabilidade da sentença e de seus efeitos é um dos
mais importantes pesos responsáveis pelo equilíbrio entre exigências opostas, inerente a
todo sistema processual”.
Por outro lado, quanto aos limites objetivos da coisa julgada material,
inobstante as complexas teorizações e discussões a respeito do tema, tem-se que está se
produz em relação ao objeto litigioso do processo que fora deduzido em juízo através da
pretensão processual (rechtsschutzanspruch) e material (anspruch) do autor e que, como
vimos, constitui o meritum causae ou streitgegenstand do processo. Ainda sobre isso é
válido salientarmos que, conforme insistentemente demonstra DINAMARCO517, “somente o
preceito concreto contido na parte dispositiva das sentenças de mérito fica protegido pela
autoridade da coisa julgada material, não os fundamentos em que ele se apóia”.
Por sua vez, quanto aos limites subjetivos da coisa julgada, tem-se que,
conforme estabelece o art. 472 do Código de Processo Civil brasileiro, fulcrado que é, é
certo, tal dispositivo legal, nos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa e
na técnica processual da legitimatio ad causam, a imutabilidade dos efeitos da sentença
vincula tão-somente os sujeitos que figuraram no processo como partes – isto é, como
sujeitos principais parciais – da relação jurídico-processual nele constituída e desenvolvida.
516 Ibidem., p. 296. 517 Ibidem., p. 313.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.5 – Res Judicata. 329
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Pois bem. Dito tudo isso, sob um prisma eminentemente de definibilidade e
elementaridade constitutiva do instituto da coisa julgada, passemos, enfim, neste momento,
à análise das indagações problemáticas que temos colocado a respeito da melhor
interpretação dos termos dos artigos 468 e 474 do Código de Processo Civil brasileiro.
Vejamos, então.
Conforme afirmamos anteriormente, as grandes questões ou indagações
que se colocam para nós é no sentido de como deve ser (melhor) interpretado o art. 468 do
Código de Processo Civil brasileiro quando este nos diz, in verbis, que “a sentença, que
julgar total ou parcialmente a Lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões
decididas” e, assim também e do mesmo modo, como deve ser (melhor) interpretado o art.
474, quando este nos diz, também, in verbis, que “passada em julgado a sentença de
mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte
poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido”, sobretudo, no sentido de se
tentar identificar, nos casos desses dispositivos do Estatuto Processual Civil pátrio, se estão
eles, na realidade, referindo-se, na nossa tética perspectiva, ao Litígio ou àquilo que dele foi
deduzido em juízo, isto é, numa palavra, à Lide. Como dissemos, essa é, precipuamente, a
questão a ser equacionada, redimensionada e reconstruída aqui.
Bem, para se responder a tais questionamentos é de se colocar,
inicialmente, que a disposição normativa do art. 468518 do atual Código de Processo Civil
brasileiro, conforme nos informa, numa profunda análise da temática, o processualista
OVÍDIO A. BAPTISTA519, é uma reprodução, por certo melhorada da disposição normativa
constante do art. 287 do Código de Processo Civil de 1939. Diz o processualista gaúcho ser
uma reprodução melhorada, posto que, diferentemente do art. 287 do CPC de 1939 onde
não figurava a palavra Lide na oração principal, figura hoje, no texto do atual art. 468, tal
518 O art. 468 assim preceitua, in verbis: “A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas.” (BRASIL. Código de Processo Civil. Pinto, Antonio Luiz; Windt, Márcia Cristina Vaz dos Santos e Céspedes, Lívia. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 100). 519 SILVA, Ovídio A. Baptista. Sentença e coisa julgada: ensaios e pareceres. 4. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 105-106.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.5 – Res Judicata. 330
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
palavra que, por certo, é de fundamental importância para a boa exegese do dispositivo. Na
verdade, o código de 1939, ao redigir o art. 287 copiara o art. 290 do projeto de Código de
Processo Civil elaborado pela comissão presidida pelo eminente processualista LUDOVICO
MORTARA, em 1926, para a Itália, suprimindo da sua redação, na tradução para o
português, a palavra Lide, na locução “há forza di legge nei limiti della lite e della questione
decisa”, de modo que o referido art. 287 do CPC de 1939 ficou redigido nos seguintes
termos: “A sentença que decidir total ou parcialmente a lide terá força de lei nos limites das
questões decididas”; e não, como no art. 468 do atual CPC, “nos limites da lide e das
questões decididas”.
Mais do que isso, conforme ainda nos leciona OVÍDIO BAPTISTA a respeito
das origens filológicas dos artigos sub examen (art. 468 e 474), in verbis520:
O legislador de 73, contudo, se permaneceu fiel á origem inspiradora do dispositivo contido no art. 468, traduzindo-o corretamente da versão italiana, ao mesmo tempo afastou-se do modelo, ao suprimir a segunda parte do art. 290 do chamado Projeto Mortara, que, ao contrário de agora, estava reproduzido integralmente no parágrafo único do art. 287 do Código revogado. A versão italiana era a seguinte: ‘’Si considera decisa, anche se non sia risoluta espressamente, ogni questione, la cui risoluzione constituisca una premessa necessária della disposizione contenuta nella sentenza’. O legislador de 39 recolheu essa regra, no parágrafo único do art. 287 assim: ‘Considerar-se-ão decididas todas as questões que constituem premissa necessária da conclusão’. O Código de 73 suprimiu o parágrafo único do art. 287 e, em seu lugar, introduziu duas disposições importantes, a do art. 469 e a disposta no art. 474, que vamos transcrever, para facilitar o raciocínio. ‘Art. 469. Não fazem coisa julgada: I – os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; II – a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença; III – a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentalmente no processo.’ Art. 474. Passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido. (grifos nossos).
Bom, mas a questão que, como vimos, se coloca para nós é o que são tais,
no caso do art. 468, questões decididas, e quais, nesse caso, os limites da Lide e o que viria 520 Ibidem., p. 105-106.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.5 – Res Judicata. 331
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
a ser decisão parcial da Lide, sobretudo, tendo em vista a técnica processual da nulidade do
julgamento citra petita e, no caso do art. 474, o que se deve entender quando este nos diz,
também, que “passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e
repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como
à rejeição do pedido.
Pois bem. Sem querer entrar no bojo das polêmicas e discussões que se
travaram ao longo dos anos sobre tais disposições constantes dos arts. 468, 469 e 474 do
atual Código de Processo Civil, e, sobretudo sem querer avançar na complexidade da
questão, dado não ser esse o nosso objeto principaliter de estudo aqui, é de se assentir que
quando o Código de Processo Civil fala, no aludido art. 468, em questões decididas e limites
da Lide devemos entender, de acordo com a moderna dogmática jurídico-processual, que,
inobstante o legislador, na esteira das lições de CARNELUTTI – pois, como sabemos, o termo
questão da Lide tem uma conotação teorética própria para ele521 – fale em questões
decididas está ele aí se referindo não às questões internas ou prejudiciais da Lide, mas ao
elemento processual que consubstancia, delineia e define o decisum do juiz; isto é, está ele
se referindo ao objeto litigioso da Lide que, como vimos, se consubstancia na pretensão do
autor (a rechtsschutzanspruch e anspruch), materializada, processualmente falando, no
521 Sobre isso, afirma Dinamarco, criticando, também, aqueles que entendem que o mérito da causa reside no complexo de questões da Lide que, in verbis: “Carnelutti prefere falar no mérito da lide. E diz: ‘mérito da lide significa, portanto, o complexo das questões materiais que a lide apresenta’. Esse trecho é precedido de algumas considerações sobre a distinção das razões e das questões, segundo o tipo das relações jurídicas às quais se referem (materiais ou processuais). O próprio conceito de questão, elaborado magistralmente por CArnelutti, torna difícil aceitar sua conceituação do mérito assim girando em torno das questões, da mesma forma que a idéia alvitrada por Liebman. Segundo ele, questão é a dúvida quanto a uma razão. Havendo dúvida em torno de alguma razão alegada em apoio da pretensão ou da contestação, diz ele, com isso surge a questão. E adverte que ‘a questão não é a lide’, dado que esta se apresenta como um conflito de interesses. Ora, daí há de decorrer o entendimento de que, para dar solução ao conflito de interesses manifestado entre as partes (ou para dar-lhe justa composição, como Carnelutti pregava), o juiz precisa antes resolver cada um desses pontos duvidosos que caracterizam as questões surgidas no processo.”. E prossegue explicando ainda com base na teoria carneluttiana: “Emprego agora, deliberadamente, o vocábulo pontos. Ponto é, em prestigiosa doutrina, aquele fundamento da demanda ou da defesa que haja permanecido incontroverso durante o processo, sem que as partes tenham levantado discussão a respeito – e sem que o juiz tenha, de ofício, posto em dúvida o fundamento. Discordes as partes, porém, i. é, havendo contestação de algum ponto por uma delas (ou, ainda, havendo o juiz suscitado a dúvida), o ponto se erige em questão. A questão é, portanto, o ponto duvidoso. Há questões de fato, correspondentes á dúvida quanto a uma assertiva de fato contidas nas razões de algumas das partes; e de direito, que correspondem á dúvida quanto á pertinência de alguma norma ao caso concreto, à interpretação de textos, legitimidade perante norma hierarquicamente superior etc.” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 240-241.).
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.5 – Res Judicata. 332
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
pedido (tal o meritum causae ou streitgegenstand do processo). Isso porque, conforme
demonstramos – e como o faz de ordinário a moderna dogmática processual – os limites da
Lide (o streitgegenstand do processo) se configura a partir, não do complexo de questões
internas ou prejudiciais da Lide que são deduzidas pelas partes em juízo, mas do elemento
objetivo e peticional do autor constante da sua demanda ativa. Tanto é assim que, a teor do
que prescreve o art. 469 do CPC, tais questões internas e prejudiciais não entram no âmbito
da coisa julgada (a não ser, no caso das questões prejudiciais, quando assim demandadas,
via ação declaratória incidental; é o que diz o art. 470).
Em assim sendo, agora do ponto de vista da nossa tética perspectiva que
distingue o instituto do Litígio do instituto da Lide, está o art. 468 ao falar em questões
decididas e limites da Lide a se referir não ao conflito social tal como ocorrera no plano pré-
processual, mas sim, evidente e logicamente, àquilo que dele – do Litígio – já no plano
processual, fora deduzido em juízo formando a Lide. Nesse ínterim, é de se destacar e
criticar mais uma vez a idéia de julgamento parcial da Lide (em verdade o artigo quis se
referir ao Litígio), posto que, conforme demonstrou LIEBMAN, em contundente análise crítica
da teoria da Lide de CARNELUTTI (e nós já apresentamos tal crítica aqui neste estudo), só
importa para o processo aquilo que foi realmente deduzido em juízo e não o que poderia ter
sido em hipótese deduzido a partir do Litígio, sobretudo no que diz respeito à pretensão
(rechtsschutzanspruch). Nesse sentido, nada de importante se pode extrair do art. 468,
quando este fala em julgamento total ou parcial da Lide a não ser que, conforme no diz
LIEBMAN522, in verbis:
“Tomamos do próprio Carnelutti o exemplo seguinte: quem pretende uma herança por dupla vocação, testamentária e legítima, pode pedir o reconhecimento de seu direito com fundamento em uma só delas ou em ambas; no segundo caso, diz ele, o processo é integral porque contém toda a lide [na nossa concepção: LITÍGIO] existente; no primeiro, o processo é parcial, porque contém só uma parte dela [do Litígio]. Carnelutti vê-se, assim, em face do problema da continência do processo
522 LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o processo civil brasileiro. Araras: Bestbook, 2001, p. 96-97.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.5 – Res Judicata. 333
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
com respeito à lide [ao Litígio], que é a meu ver um falso problema. Para o processo, interessa o que for nele deduzido efetivamente e não importam os outros fatos que podem ocorrer pelo mundo a fora. Do ponto de vista imaginado por Carnelutti, nunca haveria, na verdade, processo integral, pois não há conflito de interesses que não apresente, ou possa apresentar, aspectos diferentes daquele que a imaginação do advogado conseguiu em cada caso concreto configurar, ou problemas colaterais,, secundários ou conseqüentes que as partes acharam mais conveniente ignorar. [...] Aliás, porque deveríamos deter-nos na consideração das duas figuras do processo integral e do parcial? Quantos são os conflitos de interesses que nunca foram nem serão levados perante o juiz? O quadro deveria, pois, ser completado com a hipótese do processo inexistente, e levar em consideração a série dos processos que não foram propostos e ficaram no limbo dos seres que não puderam nascer, o que representa a redução ao absurdo do problema imaginado (grifos nossos).
Por outro lado, analisando as disposições constantes do art. 474, quando
este nos fala da presunção de dedução de toda e qualquer matéria referente ao Litígio em
juízo é de se assentir que, em verdade, conforme bem demonstra e concorda a moderna
dogmática jurídico-processual, está o código a falar do que se chama doutrinariamente de
efeito de exclusão da coisa julgada ou, na linguagem do processualista BARBOSA
MOREIRA523, de efeito preclusivo da coisa julgada sobre as questões dedutíveis e não
deduzidas. Assim, o que se quis dizer na redação do art. 474 – e essa é a sua melhor
interpretação – é que todas as alegações e defesas – tecnicamente falando a causa petendi
e excipiendi ou, como dizem os alemães, o sacherverhalt – que, essencial e logicamente524,
relacionam-se com as pretensões deduzidas em juízo através da formulação peticional, ainda
que não deduzidas e controvertidas em juízo pelas partes, obstarão o ajuizamento de uma
nova demanda sobre tais pretensões (rechtsschutzanspruch e anspruch), posto que, sobre
essas, incidem os efeitos de exclusão ou de preclusão da coisa julgada. In casu, trata o art.
523 MOREIRA, José Carlos B. A eficácia preclusiva da coisa julgada material no sistema do processo brasileiro. In Temas de Direito Processual. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 97. 524 Nesta mesma perspectiva, afirma Ovídio A. Baptista, in verbis: “No fundo, a questão é de essencialização de fatos jurídicos processuais, que no nosso direito positivo ressalta, ao orientar-se no sentido de só se terem por relevantes os fatos essenciais, para a identificação da demanda”. E mais à frente, sintetiza: “(...) mesmo assim, e por isso mesmo, as questões contidas implicitamente nesta lide hão de ser abrangidas, inexoravelmente, pela coisa julgada, se constituírem antecedente lógico necessário para a solução expressa da decisão final.” (SILVA, Ovídio A. Baptista. Sentença e coisa julgada: ensaios e pareceres. 4. ed. rev. amp. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 120-122.).
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.5 – Res Judicata. 334
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
474 do chamado julgamento implícito e dos denominados sucessos históricos525 que
caracterizam a causa petendi e excipiendi da Lide.
Nesse sentido, analisando todas essas problemáticas inerentes às
disposições dos arts. 468, 469 e 474 do CPC, assim afirma OVÍDIO BAPTISTA526, in verbis:
Depois do que ficou exposto, cremos estar mais próximos de poder distinguir as questões que serão abrangidas pela coisa julgada e que serão objeto do que a doutrina denomina, com alguma impropriedade, julgamento implícito (art. 474) e as questões que, sendo fundamento da decisão, ainda que importantes para entender-se o significado real da sentença, não fazem coisa julgada (art. 469), pois as questões decididas que entram no art. 474 e as que ficam fora da sentença, sejam motivos, ou questões prejudiciais, decididas incidentemente na causa (art. 469), terão de ser identificadas pelos critérios do art. 468. Isto, em última análise, nada mais é do que um regresso a nosso ponto de partida, pois a operação que o raciocínio nos impõe, para que possamos saber quais as questões decididas a que se refere o art. 468, mesmo implicitamente (art. 474), é a exigida para saber identificar uma determinada demanda, com rigor absoluto, pois a sentença não poderá, jamais, ultrapassar os limites da lide, tal como eles foram postos na inicial (art. 128).
E, fulcrado na Teoria de SCHWAB sobre a identificação do streitgegenstand
do processo como elemento fundamental e consubstanciador do instituto da coisa julgada,
assim arremata e sintetiza, a respeito das disposições normativas constantes dos artigos do
CPC em comento, in verbis527:
Segundo pensamos, o legislador disciplinou com muita segurança a questão dos limites objetivos da coisa julgada, absorvendo, excelentemente, o que há de mais moderno na doutrina sobre a tormentosa questão da identificação de ações, superando, realmente, os equívocos da teoria de Carnelutti e ensejando uma construção sistemática, cientificamente correta. Ao contrário, porém, do que se possa imaginar, nosso Código não se filia à corrente doutrinária da substanciação, como de resto não acolhe a doutrina contrária, radical, da individualização, mesmo porque, modernamente, as duas posições radicais são rejeitadas. Outra, aliás, não é a conclusão a que chega Schwab, em sua obra considerada clássica sobre o assunto, quando afirma que o efeito de exclusão causado pela coisa julgada atingirá toda a cadeia de fatos similares, mas não abrangerá os fatos que não guardem relação com o
525 Diz a doutrina que “sucessos históricos” é o conjunto de circunstancias, espacial e temporalmente individualizado, integrante da causa petendi (SILVA, op. cit. p. 129). 526 Ibidem., p. 123. 527 Ibidem., p. 134-136.
5. CONSTRUÇÃO TEORÉTICO-CONCEPTUAL DAS INSTITUIÇÕES E INSTITUTOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA GERAL DO PROCESSO A PARTIR DA ANÁLISE DISTINTIVA
CONSECUTADA. 5.5 – Res Judicata. 335
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
material do primeiro processo, vale dizer que correspondam a uma pretensão discrepante da exposta na primeira demanda, pois ‘o objeto litigioso é a petição de uma resolução designada no pedido. Essa petição necessita, contudo, em qualquer caso, ser fundamentada por fatos’. Para a doutrina de Schwab, que nos parece na essência correta e conforme à nossa lei – ao contrário do que seguidamente imaginam seus opositores – não é o pedido só que importa, mas o pedido convenientemente interpretado. E para interpretá-lo, diz o processualista de Nüremberg, deve recorrer-se aos fatos, ou ao que ele denomina ‘estado de coisas’, que abrange fatos e relações jurídicas deduzidas ou deduzíveis [sic]. [...] Essa é, sem dúvida, a fórmula correta para interpretar as regras, aparentemente antinômicas, dos arts. 468 e 474 do Código de Processo Civil. De tal sorte, quando afirmamos que o conceito de questão, na locução ‘questões decididas’, incluída no art. 468, deveria ser entendido a partir dos conceitos carneluttianos de lide e questão, queríamos significar que a origem do problema teria de ser descoberta na doutrina de Carnelutti, mas as conotações doutrinárias de tais conceitos haverão de submeter-se aos princípios gerais do sistema e às correções teóricas que a ciência posterior desenvolveu sobre eles.
Destarte, por tudo o visto, nestes termos, devemos entender o instituto da
res judicata à luz do que preceituam as disposições normativas constantes dos arts. 468 e
474 e sob a nossa perspectiva tética onde se distingue os conceitos de Litígio e Lide.
Muito bem. Consecutada a (re)construção teorético-conceptual de algumas
das instituições e institutos fundamentais da Teoria Geral do Processo – e, por conseguinte,
da Ciência Jurídico-Processual – a partir da proposição tética e distintiva consecutada entre
os institutos do Litígio e da Lide, passemos, neste momento, à proposição e demonstração
de uma outra aplicação teorético-conceptual da referida construção distintiva entre Litígio e
Lide, agora aplicando-a no âmbito da denominada Jurisdição Voluntária e da processualística
penal. Vejamos, então.
336
6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL.
Infelizmente a natureza não foi suficientemente amável para fazer as coisas tão simples como gostaríamos. Temos de enfrentar as complexidades.
T. DOBZHANSKY
Conforme apresentamos na introdução do presente trabalho de pesquisa
científico-jurídica, uma das possíveis aplicações da construção, analítico-distintiva,
terminológico-conceptual por nós aqui proposta e demonstrada entre os institutos do Litígio
e da Lide, inclusive – como afirmávamos até então – como uma possibilidade teorética de
superação de algumas questões dito aporemáticas pela dogmática – seria no que diz
respeito à asserção, tendo em vista essa nossa tética perspectiva distintiva entre Litígio e
Lide, do atributo da jurisdicionalidade na chamada Jurisdição Voluntária e da aplicação do
conceito de Lide como sendo, também, o conteúdo principaliter do processo penal.
Apresentávamos isso no intróito e afirmávamos categoricamente – embora
se tratasse, é claro, naquele momento, de uma hipótese528 de estudo do nosso projeto de
pesquisa científico-jurídica – que, sobre a denominada Jurisdição Voluntária, não há que
existir dúvida quanto à natureza processual e, por conseguinte, jurisdicional desta, posto
que, em se considerando a Lide diferentemente do Litígio, sendo aquela um fenômeno
endoprocessual e este um fenômeno exoprocessual, temos que, na Jurisdição Voluntária,
não há que se questionar o atributo da jurisdicionalidade, pois apesar de não haver Litígio,
há Lide; ou seja, não há um conflito intersubjetivo de interesses (litígio), mas há um pedido
formulado contra o Estado-Juiz (porque só a ele outorgou a lei a possibilidade de se
manifestar, decidindo, sobre isso), isto é, um mérito (aquilo sobre o que vai se pronunciar e
decidir o Estado-Juiz) e partes interessadas, o que caracteriza, destarte, a existência da Lide,
na nossa perspectiva, e, por conseguinte, do processo. E, do mesmo modo, afirmávamos,
ainda, hipoteticamente, que, quanto à processualística penal, da mesma maneira que no
528 Em verdade uma hipótese secundária dependente e decorrente da nossa hipótese básica.
6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL.
337
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
campo da processualística civil, evidencia-se a diferenciação entre Litígio e Lide, sendo esta
última também a componente conteudística e objetiva do processo penal e, assim,
caracterizada pelo dever cogente do Estado-Administração do exercício (pretensão) do jus
puniendi contra a liberdade do ora imputado réu. No caso da Lide penal, as relações
sinalagmáticas que ocorrem no plano da relação jurídico-processual, ocorrem,
ordinariamente, entre: o Estado-Administração (através do Ministério Público) e o Estado-
Juiz ou o réu e o Estado-Juiz, nos mesmos termos da formulação representativa e
diagramática de KONRAD HELLWIG.
Bem, em verdade, partindo destas duas hipóteses de pesquisa e chegando
até à nossa tética perspectiva de hoje sobre tais temários – depois de passar, é claro, por
todo um procedimento metodológico de estudo, análise, proposição, demonstração,
argumentação, discussão, interpretação e asserção – chegamos à conclusão de que sobre a
segunda hipótese – a da Lide como conteúdo do processo penal – esta é verificável,
demonstrável, aferível e teticamente assertível, conforme iremos ver nesta seção. Agora, por
outro lado, quanto à nossa primeira hipótese – a da asserção do atributo da
jurisdicionalidade, tendo em vista a nossa construção distintiva entre Litígio e Lide, no
âmbito da Jurisdição Voluntária – ainda não estamos seguros e cônscios de que ela – tal
hipótese – por este nosso fundamento, seja factível, demonstrável e assertível. Isso porque,
conforme demonstraremos, a temática da Jurisdição Voluntária é altamente intrigante,
vacilante, complexa e discutível seja do ponto de vista eminentemente dogmático, seja do
ponto de vista, mesmo, zetético.
Mas com isso – é de bom alvitre salientarmos – não queremos afirmar que
o atributo da processualística e da jurisdicionalidade não sejam factíveis, demonstráveis,
aferíveis e assertíveis no campo da Jurisdição Voluntária. Muito pelo contrário: o são. Agora,
não necessariamente por este nosso hipotético fundamento. Talvez por um outro, por
exemplo, pelo fundamento da existência da relação jurídico-processual e do procedimento
6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL.
338
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
como caracterizadores de todo e qualquer tipo de jurisdição, inclusive, a Jurisdição
Voluntária. Mas sobre isso veremos e falaremos, pormenorizadamente, adiante.
Dito isso, vejamos, então, esta nossa aplicação teorética dos conceitos
distintivos – Litígio e Lide – no âmbito teórico-conceptual da denominada Jurisdição
Voluntária e, de igual modo, no âmbito da processualística penal.
6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL. 6.1 – Jurisdição Voluntária.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
6.1 – Jurisdição Voluntária.
Numa das obras mais importantes e profundas já publicadas até hoje sobre
a temática – os “Ensaios sobre a Jurisdição Voluntária”529, publicada pela primeira vez no
ano de 1952, pelo eminente processualista JOSÉ FREDERICO MARQUES – o autor, de plano,
já nos adverte que, apesar dos estudos e conclusões doutrinárias já firmados e assentidos
até então sobre o assunto e, ainda, tendo em vista o viés de profundidade teórica tentado
por ele na análise do tema da Jurisdição Voluntária530 nesta sua obra, afirma, in verbis, que:
Verificamos, porém, que ainda há necessidade de mais pesquisas e especulações para que a obra perca o caráter de simples ‘ensaio’. A ‘jurisdição voluntária’, que tirou essa designação e ‘nomen iuris’ de um texto equívoco e discutidíssimo de MARCIANO, numa das passagens do ‘Digesto’, continua envolta em obscuridades e traduzida em conceitos ainda pouco claros. A caracterização de sua essência e natureza, como ato estatal, persiste controversa e entremeada de dissídios doutrinários. Nos seus aspectos particulares, não é menor a série de dificuldades que se apresentam; e na aplicação prática da vida forense também dominam as incertezas, vacilações e insegurança.
Assim, o que se observa na realidade é que, do ponto de vista acadêmico e
doutrinário – seja numa perspectiva zetética ou dogmática – as discussões a respeito de se a
Jurisdição Voluntária é ou não atividade jurisdicional estão longe de terminar.
Em verdade, o que se tem estabelecido de concreto em sede doutrinária a
respeito da temática é que a Jurisdição Voluntária não se trata de jurisdictio, isto é, de
Jurisdição propriamente dita, com todos os caracteres elementares que a constituem531,
posto que, essencialmente, não se trata ela de uma atividade estatal de resolução de
529 Cf. MARQUES, José Frederico. Ensaios sobre a Jurisdição Voluntária. Campinas: Millenium, 2000. 530 E, nesse sentido, o próprio Niceto Alcalá-Zamora y Castillo, um dos maiores processualistas do século XX, disse sobre a obra de José Frederico Marques que, in verbis: “Ensaio sobre a Jurisdição Voluntária (San Paolo, 1952), il lavoro più notevole apparso in America in torno a un concetto cosi difficile” (ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, Niceto. La Scuola Processuale di San Paolo del Brasile. In Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile. México: UNAM, 1956, p. 869.). 531 Sobre tais elementos constitutivos da Jurisdição, conferir: CARREIRA ALVIM, J. E. Teoria Geral do Processo. 9. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 65-66.
6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL. 6.1 – Jurisdição Voluntária.
340
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
conflitos de interesses ou, como diria CARNELUTTI, de resolução de uma Lide (Litígio, para
nós). Diz a dogmática jurídico-processual assim que, na Jurisdição Voluntária, não há uma
pretensão resistida ou insatisfeita. Em assim sendo, não se trata, nela, de dizer o direito em
última instância a partir da cognição de um dado factual conflituoso (o Litígio, na nossa
perspectiva) e, do mesmo modo, não se trata, então, de uma atividade jurisdicional
substitutiva das partes em conflito.
Pois bem. A designação terminológica Jurisdição Voluntária, segundo nos
demonstra a doutrina jurídico-processual, surge – muito embora, como vimos, a controvérsia
deste surgimento532 – em contraposição à designação terminológica Jurisdição Contenciosa.
Em realidade, segundo nos informa o processualista CARREIRA ALVIM533, trata-se de um dos
modos de classificação534 da jurisdição. Assim, trata-se de classificá-la – a jurisdição –
quanto à forma, nos seguintes termos: jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária. A
primeira, di-no o eminente processualista, é exercida em face de um Litígio, quando há uma
controvérsia do tipo inter nolentes, isto é, entre os que não querem, voluntariamente, o
exercício da função jurisdicional por parte do Estado. Já a segunda – a Voluntária – ocorre,
532 Sobre tal origem, escreve-nos José Frederico Marques, in verbis: “Poucas vezes uma construção jurídica de existência plurissecular, como a jurisdição voluntária, tem dado margem a tantas discussões e dúvidas. É o que diz ÁLCALA-ZAMORA, estranhando que uma insípida passagem de MARCIANO, onde pela primeira vez surge a dicotomia – a jurisdição voluntária e jurisdição contenciosa, tenha resistido às inclemências do tempo, engendrado tantas teorias e criado dificuldades sem conta. Resultou, de fato, de um trecho de MARCIANO, incluído na compilação de JUSTINIANO, a contraposição entre os atos de jurisdição contenciosa e os de jurisdição voluntária, segundo CHIOVENDA, no seguinte tópico: ‘A contraposição tradicional entre jurisdição voluntária e contenciosa é hoje imprópria: batizou-se com nome romano, na doutrina e prática medieval, àquele complexo de atos que os órgãos da jurisdição realizavam frente a um só interessado ou com base no acordo de mais interessados, in volentes’. SIRO SOLAZZI entende que a denominação de iurisdictio voluntaria, que se encontra nas fontes do direito romano, é pós-clássica e provem de interpolação.” (MARQUES, José Frederico. Ensaios sobre a Jurisdição Voluntária. Campinas: Millenium, 2000, p. 147-148.). 533 CARREIRA ALVIM, J. E. Teoria Geral do Processo. 9. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 71-72. 534 Segundo demonstra Carreira Alvim, baseado, é certo, no que assente a maioria da dogmática jurídico-processual, a Jurisdição, embora manifestação una do poder de soberania estatal, pode-se classificar do seguinte modo, in verbis: “a) Quanto à graduação (ou gradação) dos seus órgãos: jurisdição inferior e jurisdição superior [na verdade, no nosso entendimento, deve-se classificar, sob esta perspectiva, em jurisdição a quo e jurisdição ad quem, posto que, sob a ótica da função jurisdicional, não existe hierarquia entre os órgãos do Poder Judiciário e, em assim sendo, não haveria jurisdição superior e inferior] (...). b) Quanto ao objeto (ou matéria): jurisdição penal e jurisdição civil (...). c) Quanto à origem (ou proveniência): jurisdição legal (ou permanente) e jurisdição convencional (ou momentânea) (...) [também não concordamos com essa classificação, pois não acreditamos que a arbitragem seja uma forma de jurisdição. No máximo seria, como afirma Chiovenda, um equivalente jurisdicional]. d) Quanto aos organismos judiciários que a exercem: jurisdição comum (ou ordinária) e jurisdição especial (ou extraordinária) (...). e) Quanto à forma: jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária.” (Ibidem, p. 72-73.).
6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL. 6.1 – Jurisdição Voluntária.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
de modo contrário, quando a função do Estado-juiz se limita a homologar a vontade dos
interessados, ou quando o juiz decide, mas em face de interesses do tipo inter volentes, isto
é, entre os que querem o exercício da função jurisdicional no sentido de administrar ou
integrar um determinado negócio por eles vivenciados. Dito de outro modo: em uma – na
Jurisdição Contenciosa – o juiz conhece e decide sobre um conflito de interesses qualificado
pela pretensão de um e pela resistência do outro; por sua vez, na outra – na Jurisdição
Voluntária – o juiz também conhece e também decide, mas não sobre um conflito de
interesses, mas sim sobre uma situação vivenciada pelas partes (ou, como se chama, na
doutrina, pelos interessados) que o Estado, por entender ser tal situação de importância
crucial e fundamental para a sociedade e para a res publica, reservou para ele e não para as
partes, a administração e decisão sobre ela. Por isso se fala que na Jurisdição Voluntária o
que o ocorre é que o Estado-juiz, na verdade, administra ou gerencia – conhecendo e
decidindo, é claro – situações negociais de ordem privada, a fim de que a partir de tais
situações não venha a ocorrer um Litígio. Daí o célebre conceito proposto pela doutrina mais
clássica, in verbis535:
Os traços fundamentais de cada uma dessas atividades, inconfundíveis e heterogêneos, aparecem, no tocante à jurisdição voluntária, com os seguintes caracteres: antes de mais nada, é atividade resultante de negócio jurídico em que se exige um ato do Estado, para que o negócio em que se exige um ato do Estado, para que o negócio se realize ou complete. Como conseqüência, a atuação estatal é aí substancialmente constitutiva, devendo acrescentar-se que a lei a exige com o fim de prevenir lesões ou lides futuras, como bem salienta CARNELUTTI. Donde concluir-se que, na jurisdição voluntária, a atuação do magistrado traduz a pratica de ato estatal de administração de direitos individuais, que, além de sua natureza constitutiva, também apresenta caráter preventivo: o Estado intervém em certas relações jurídicas, para que o ato ou negócio jurídico se forme de maneira a evitar litígios posteriores e irregularidades ou deficiências que possam prejudicar, de futuro, algum dos interessados. REDENTI, caracterizando com muita exatidão a iurisdictio voluntaria, traçou, com mão de mestre, esses dois traços inconfundíveis de sua conceituação material:
a) com o exercício da jurisdição voluntária, o Estado concorre ‘al procedimento constitutivo o formativo di rapporti, di atti o talvolta
535 MARQUES, op. cit. p. 61-62.
6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL. 6.1 – Jurisdição Voluntária.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
anche di provvedimenti di autorità, di contenuto e di carattere giuridico’;
b) com essa participação em determinadas relações jurídicas, exerce o Estado sobre elas ‘a sua volta un controllo preventivo quasi di polizia giudiziaria, cioè di legalità o di legittimità e, non di rado, anche di utilitá o di moralità (quando il rispetto di ragioni di questo genere acquisti rievanza agli occhi della legge)’.
Exatamente por isso, na nossa hipotética perspectiva nós assentimos que,
na realidade, tais situações que o Estado reservou para o âmbito de atuação e aplicação da
cognitio e decisum do processo voluntário constituem situações, em verdade, de Litígio em
potencial536, posto que, em não bem administrada e gerida tal situação, pode-se
desencadear um Litígio efetivo e uma conseqüente Lide processual, nos termos da Jurisdição
Contenciosa. Desse modo, em assim sendo, na verdade, na Jurisdição Voluntária não há um
Litígio deduzido perante o Estado-Juiz, mas há um conteúdo deduzido a partir de tal situação
litigiosa em potencial que precisa ser conhecida e decidida (administrada). Na verdade, há o
que denominamos de uma Lide imprópria, como iremos demonstrar daqui a pouco.
Bom, mas nesse caso, pelo que afirmamos acima, restaria uma importante
dúvida: então, quer dizer, que a Jurisdição Voluntária tem sim o atributo constitutivo da
jurisdicionalidade, posto que, realmente, há uma situação litigiosa em potencial (o que
chamamos de Litígio potencial) sobre a qual o Estado reservou a sua administração e
integração, mas que ainda não se tornou, na nossa perspectiva distintiva, em Lide? Então,
536 Neste sentido, afirmamos outrora que, in verbis: “No mais, é de se destacar também, quanto aos elementos e caracteres que devem ser, ainda, levados em conta para o processo de definibilidade e conceituação do Litígio, que todas aquelas categorias, também de ordem teórico-sociológica (eu diria até, de ordem teórica e psicossociológica) que CARNELUTTI nos legou para chegar ao conceito, por ele definido, de Lide (Litígio), são também muito importantes para a formatação e delimitação conceitual do instituto do Litígio. Sobretudo, no que diz respeito à caracterização das situações litigiosas realmente ocorridas – às quais nós chamamos de Litígio efetivo (ou cinético) – e das situações litigiosas em potencial – às quais nós denominamos de Litígio em potencial. Por quê? Porque a montagem dos caracteres da teoria carneluttiana nos denota que toda a situação conflituosa – litigiosa – que ocorre no seio da sociedade, nasce de um estado psicológico, em potencial, de carência, de necessidade e de interesse por um determinado bem. Assim, o que queremos dizer com tal distinção – Litígio efetivo e Litígio potencial – é que, existem, na “trama social” – eu diria até, na gênese da teia, por certo, complexa, de relações sociais – determinadas situações (estados psicológicos) que não caracterizam, em si, efetivamente, um Litígio, mas que, potencialmente (daí a importância do viés teórico-psicológico da teoria de CARNELUTTI), devido ao alto grau de polarização dos indivíduos, e da complexidade dos interesses envolvidos, tornam-se situações que, uma vez não conduzidas, administradas e integradas pelo Estado, fatalmente ensejariam a efetivação de Litígios e, conseqüentemente, de Lides processuais. Tal distinção é, fundamentalmente, importante, quando pensamos nos casos – conforme veremos pormenorizadamente adiante – em que o Estado exerce uma jurisdição tão-somente de administração de negócios privados: tal a Jurisdição Voluntária.”.
6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL. 6.1 – Jurisdição Voluntária.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
quer dizer que na Jurisdição Voluntária há um processo sem Lide ou com uma Lide
imprópria? Bem, essa é uma hard question e como dissemos no intróito dessa seção não
temos ainda o espírito passivo quanto a essa hipotética assertiva. Mas continuemos a
construção do nosso raciocínio.
Na verdade, como afirmamos anteriormente, há, neste processo de
Jurisdição Voluntária, uma Lide do tipo que denominamos de eventual, rarefeita ou
imprópria. Isto é, explicando melhor: no plano pré-processual há uma situação
potencialmente litigiosa – o Litígio potencial – que o Estado, dada a sua importância social e
pública, reservou para si a sua administração e integração via processo judicial; pois bem,
em tal plano – o do processo judicial, este, claro, jurídico-processual – tal situação
potencialmente litigiosa uma vez deduzida em juízo forma, não uma Lide nos termos que
explicitamos e construímos, mas uma Lide que denominamos de eventual, rarefeita ou
imprópria. Eventual porque pode vir a nunca a se formar537 (e aí teríamos uma situação de
processo sem Lide, a qual não teríamos como responder, com esse nosso hipotético
fundamento, a respeito da jurisdicionalidade da Jurisdição Voluntária). Rarefeita porque a
situação vivenciada pelas partes no processo não tem a mesma densidade de conflitualidade
que existe, por exemplo, no processo contencioso538. E imprópria, posto que, efetivamente,
Lide, nos termos da nossa tética construção, sobretudo, tomando-se em consideração o
elemento formal dela (da Lide) – qual seja, ação em sentido positivo e negativo
(Petitum/causa petendi versus Contestatio/causa defendendi ou excipiendi) – não há, muito
embora, de qualquer modo, presentes estejam os seus elementos: a) subjetivo – as partes;
b) causal – porque há, sim, uma demanda, embora de via única; c) material – porque deriva
de uma situação litigiosa, mesmo que em potencial; e, sobretudo, seu elemento d) objetivo,
qual seja, a pretensão processual (Rechtsschutzanspruch), que se consubstancia no pedido
537 E essa possibilidade de vir a existir uma Lide efetiva há. Tanto é assim que o próprio Sistema Jurídico-Processual e, por certo, também, a dogmática jurídico-processual, assente que, uma vez vindo a existir contenciosidade no processo de Jurisdição Voluntária, esse se transmuda em processo de Jurisdição Contenciosa. 538 Sobre isso há quem diga que, inclusive, meras dissensões de opinião e valores não caracterizam uma situação de contenciosidade (MARQUES, op. cit. p. 218.).
6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL. 6.1 – Jurisdição Voluntária.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
(Antrag) mais a causa de pedir (Sacherverhalt). Uma pretensão? Uma exigência? Em que
termos? Vejamos.
Os processualistas também afirmam que a Jurisdição Voluntária não se
trata de uma jurisdição stricto sensu, posto que nesta, ao contrário da Jurisdição
Contenciosa, não há um conflito de interesses qualificado pela pretensão de um e pela
resistência do outro. Na verdade, o que, realmente, ocorre é que não há um conflito de
interesses entre os envolvidos – melhor dizendo, na nossa tética perspectiva, não há um
Litígio cinético ou efetivo – mas, peremptoriamente, há uma pretensão, mesmo que comum.
Assim, o que não há, na realidade, é uma pretensão material (a anspruch dos alemães),
posto que esta, como vimos, sempre é dirigida, no plano pré-processual, contra alguém e
ora, no caso da Jurisdição Voluntária, não há, efetivamente, um conflito interpartes.
Mas, inobstante isso, há, peremptoriamente, uma pretensão processual (a
rechtsschutzanspruch dos alemães), posto que como o Estado reservou de modo privativo e
exclusivo para o Judiciário a administração de tais situações, as partes nela envolvidas têm o
direito constitucional, público e subjetivo, de obter dele – do Estado – um pronunciamento
sobre isso, isto é, as parte têm direito de ação. Assim, não há que duvidar: essa é uma
exigência, ou seja, uma pretensão. In casu, a pretensão processual. Não há como negar
isso.
Por outro lado, dizem os processualistas – e essa é ao meu ver uma grande
dificuldade a ser superada, realmente, pela dogmática jurídico-processual – que a Jurisdição
Voluntária não tem o atributo da jurisdicionalidade, posto que sobre o decisum dos
processos que correm sob a égide das disposições que regem a Jurisdição Voluntária não se
operam os efeitos da coisa julgada, sobretudo, a coisa julgada material. Neste sentido,
afirma-nos FREDERICO MARQUES, com base nos postulados doutrinários e legais, que, in
verbis539:
539 MARQUES, op. cit. p. 312-313.
6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL. 6.1 – Jurisdição Voluntária.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Os procedimentos de jurisdição voluntária não produzem coisa julgada e a decisões neles proferidas também não podem ser objeto de ação rescisória. (...) JORGE AMERICANO diz que os atos de jurisdição voluntária não fazem coisa julgada, porque ‘não havendo litígio, há sempre como obter modificação da decisão, renovando-se o pedido, pois o critério da decisão é, em regra, de mera conveniência, ou proteção aos interesses que o juiz é chamado a resolver. O que ontem era inconveniente, amanhã será talvez útil, ou necessário. Essa é a orientação mais acertada, porque, se houvesse a coisa julgada formal, como pretende PONTES DE MIRANDA, o juiz não poderia atender a essas flutuações da conveniência ou oportunidade do negócio. Neste passo, o que prepondera, para a resolução do problema, é a natureza administrativa do pronunciamento judicial. Uma vez que o provimento de jurisdição voluntária tem caráter administrativo, revestido se acha ele de plena eficácia, como todo o ato estatal. No entanto, falta a seus efeitos aquela imutabilidade que só encontra no ato jurisdicional consubstanciado em sentença.
Bem, se considerarmos que o atributo da res judicata é, real e
peremptoriamente, o elemento essencial e característico que distingue os atos dito
jurisdicionais dos atos dito administrativos, então, assim, não teríamos como assentir o
atributo da jurisdicionalidade na Jurisdição Voluntária e, em assim sendo, tal seria mera
atividade administrativo-integrativa do Estado. E aqui, sim, encontramos uma questão
aporemática, isto é, de difícil solução para a doutrina. No caso, como o nosso objeto de
estudo nesta seção se circunscreve, tão-somente, à tentativa de aplicabilidade dos conceitos
distintivos do Litígio e da Lide no âmbito da Jurisdição Voluntária, não nos parece
conveniente e oportuno aprofundarmos a análise sobre a questão da coisa julgada na
processualística voluntária. Mas, só para acendermos o debate, usamos aqui um argumento
metodológico nosso que tem parecido ser, em qualquer ciência, infalível, qual seja: o de
que, na ciência, a exceção é uma regra. Assim, no caso da Jurisdição Voluntária, o único
atributo que poderia ensejar a não consideração dela como jurisdição propriamente dita
seria a ausência do elemento da res judicata em seus julgados, sendo assim, esta apenas
uma exceção da regra (a de que a jurisdição voluntária tem caráter processual e
jurisdicional) o que, destarte, não descaracterizaria a jurisdicionalidade dela.
6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL. 6.1 – Jurisdição Voluntária.
346
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Na verdade, como dissemos anteriormente, inobstante essa nossa
construção hipotética, ao longo da nossa pesquisa temos construído, paralelamente,
tentando ainda salvar a jurisdicionalidade e processualística da Jurisdição Voluntária, uma
outra hipótese de pesquisa que nos parece mais consistente e substancial. Qual seja: a de
que o atributo da jurisdicionalidade está presente em qualquer tipo de processo a partir da
constatação de que neste está consubstanciada uma relação jurídico-processual – sobretudo,
com a indispensável presença, em um dos pólos, do Estado-juiz – seu inerente complexo de
juridicidade e o procedimento estatuído em normas formais a partir do qual ela – a relação
jurídico-processual – constitui-se, desenvolve-se e se extingue, com ou sem julgamento do
meritum causae. Assim, uma vez presentes esses elementos, pode-se, categoricamente,
aferir, demonstrar e afirmar que se trata de um processo judicial e, em assim sendo, de
Jurisdição Estatal. Parece-nos que tal proposição hipotética é mais factível, aferível,
demonstrável e assertível do ponto de vista científico-jurídico do que a nossa hipótese inicial,
baseada na construção distintiva entre Litígio e Lide540.
Dito isso, vejamos, agora, a aplicabilidade desta nossa tética perspectiva
distintiva, agora, no plano da processualística penal.
540 Chegamos a essa ilação, a partir do estudo da causalidade que existe, segundo nos demonstra Lourival Vilanova, em sua obra “Causalidade e Relação no direito” (já citada aqui por nós), entre a relação que ocorre no plano pré-processual – a relação jurídico-material – e a relação que ocorre no plano processual – a relação jurídico-processual. Trata-se, no caso, da aplicação da tese liebmaniana da conexidade instrumental existente entre as duas relações. É isso que ocorre – isto é, essa conexidade – tanto na jurisdição contenciosa, quanto na jurisdição voluntária.
6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL.
6.2 – A Lide como conteúdo do processo penal. 347
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
6.2 – A Lide como conteúdo do processo penal.
Fazendo-se uma análise sistemática da dogmática jurídico-processual a
respeito da questão de se considerar ou não a Lide como o conteúdo objetivo e principaliter
do processo penal, temos que tal questão – também uma verdadeira hard question, é certo
–, na realidade, tem como substrato e, assim, reside, fundamentalmente, em dois
pressupostos teóricos sobre os quais a doutrina ainda não chegou a um entendimento
pacífico, quais sejam, o primeiro no sentido de se considerar ou não a admissibilidade da
construção de uma Teoria Geral do Processo que seja matriz e fundamento método-
epistemológico de todo e qualquer tipo de processo judicial (inclusive o penal) e, o segundo,
no entendimento de se considerar tal Lide que seria o conteúdo do processo penal, não nos
termos da nossa tética proposição, mas sim nos exatos termos da construção carneluttiana,
isto é, como conflito intersubjetivo de interesses qualificado pela pretensão de um e pela
resistência do outro (já que este autor, diferentemente de nós, não distingue Lide de Litígio).
Bem, sobre o primeiro pressuposto teórico, o que ocorre é que, para alguns
processualistas, não se deve admitir a construção de uma Teoria Geral do Processo que sirva
de fundamento metodológico e epistemológico tanto para o processo civil (extrapenal),
quanto para o processo penal, posto que, segundo assentem esses, o objeto de cognição e
decisão, os princípios informadores e orientadores e, sobretudo, os bens jurídicos em
consideração nesses dois tipos de processo, são distintos entre si e, por isso, precisam de
um regime jurídico próprio, diferenciado, para cada um dos tipos de situações processuais
vivenciadas pelas partes. Sobre tal distinção de elementos entre os processos de conteúdo
penal e extrapenal, dizem, por exemplo, que, no caso do processo civil (de conteúdo
extrapenal), há uma nítida dispositividade sobre o seu objeto litigioso que, no caso do
6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL.
6.2 – A Lide como conteúdo do processo penal. 348
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
processo penal, tendo em vista os bens jurídicos em apreço (o jus puniendi do Estado e o
jus libertatis do acusado), não há.
Assim, nesse sentido, corroborando a tese de impossibilidade de uma
Teoria Geral do Processo como fundamento, inclusive, do processo penal, o processualista
italiano EUGÊNIO FLORIAN citado por TEIXEIRA GIORGIS541, na esteira das lições, inclusive,
de outros grandes processualistas estrangeiros que também concordam com tal assertiva
(como por exemplo, GIUSEPPE BETTIOL542) , afirma-nos, in verbis, que:
Anota o professor de Turim, que é inadmissível a seu juízo, a identidade entre os dois processos, alinhando os seguintes argumentos: a) o objeto essencial do processo penal é uma relação de direito público,
por que nele se desenvolve uma relação de direito penal, enquanto no processo civil o objeto, quase sempre, é uma relação de direito privado, seja civil ou comercial, o que tem repercussão de grande importância sobre o conteúdo dos dois processos;
b) o processo penal é instrumento normalmente indispensável para a aplicação da lei penal, o que nem sempre ocorre na sede civil, para atuar as relações de direito privado;
c) o poder dispositivo das partes é muito restrito no processo penal, embora o seja para o juiz, diferindo do processo civil, em que é grande o poder das partes e mínimo o de juiz;
d) no processo civil o juízo está presidido por critérios jurídicos puros, com abstração da qualidade das pessoas, prescindindo-se de critérios e apreciações discricionárias, de eqüidade e éticas; ao contrário, no processo penal, o juiz tem que julgar um homem, e por isso deve inspirar-se em critérios éticos e sociais. Em resumo, o processo civil tem caráter estritamente jurídico e o penal, além, agrega um caráter ético, requerendo valorações psicológicas, antropológicas ou sociológicas, estendendo-se sobre a personalidade do acusado e de sua periculosidade.
Do mesmo modo, assentindo tal impossibilidade de construção de uma
Teoria Geral do Processo, o eminente processualista brasileiro ROGÉRIO LAURIA TUCCI –
também, na esteira de lições de outros grandes processualistas brasileiros que assentem tal
tese (como por exemplo, JACINTO NÉLSON DE MIRANDA COUTINHO543) – em um conhecido
541 TEIXEIRA GIORGIS, José Carlos. A lide como categoria comum do processo. Porto Alegre: LeJur, 1991, p. 68-69. 542 Cf. BETTIOL, Giuseppe. Instituições de Direito e Processo Penal. Coimbra: Coimbra Editora, 1974. 543 Cf. MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nélson de. A lide e o conteúdo do Processo Penal. Curitiba: Juruá, 1989.
6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL.
6.2 – A Lide como conteúdo do processo penal. 349
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
artigo seu sobre a temática – “Considerações acerca da inadmissibilidade de uma Teoria
Geral do Processo”544 – assente que, in verbis:
Notória, de sorte a tornar despiciendas mais alentadas considerações a respeito, mostrou-se, por muito tempo (mais de um milênio, quase dois), a relação de subsidiariedade do processo penal ao processo civil. Assim também que dela decorreu, em nosso entender negativamente, o equivocado alvitre da — tal o estreitamento entre esses ramos do Direito Processual, ou proclamada vinculação do penal ao civil — existência da denominada teoria geral do processo. Na realidade, contribuíram, para isso, precipuamente, a contemplação (ou confusão...) unívoca dos denominados princípios, regramentos e institutos de cada um deles, tendo-os, portanto, como se idênticos ou semelhantes fossem; e, simultaneamente, a versação destes, em larga escala, por processualistas civis, deslocados no mais das vezes ocasionalmente para o campo de abrangência exclusiva do Direito Processual Penal.
Pois bem. Sobre tal tese já nos pronunciamos anteriormente aqui neste
trabalho de pesquisa científico-jurídica no sentido de que adotamos a concepção unitarista
de direito processual545, considerando, destarte, a Teoria Geral Processo546 como o suporte
teórico-método-epistemológico que fundamenta a Ciência Jurídico-Processual a qual, por sua
vez, tem como objeto de estudo o sistema normativo jurídico-processual, qualquer que seja
o seu conteúdo, isto é, se composto de normas processuais que disciplinam o processo civil
544 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE RONDÔNIA. EMERON – Revista da Escola da Magistratura. Disponível em: http://www.tj.ro.gov.br/emeron/revistas/revista8/02.htm. Acesso em: 10 dez. 2004. 545 E sobre esta concepção, explicamos, pormenorizadamente, que: “A concepção unitarista – que pugna, por conseguinte, pela idéia de uma ciência processual – sustenta que o direito processual civil (entendamos aqui como civil tudo aquilo que não é penal, isto é, é extra-penal) e o direito processual penal são, em verdade, dois ramos jurídicos distintos da mesma ciência, que, no caso, é a Ciência Jurídico-Processual. O maior defensor da corrente unitarista foi o próprio Francesco Carnelutti que defendeu tal concepção em seu Sistema de Direito Processual Civil. Também, vários outros importantes processualistas defenderam tal tese como o uruguaio Eduardo Couture, o espanhol Niceto Alcalá-Zamora y Castillo, o italiano Giovanni Leone e outros mais. Por outro lado, assentiram na tese dualista, outros importantes processualistas tais como, por exemplo, Vicenzo Manzini e Eugenio Florian. No Brasil, o maior defensor da concepção unitarista foi, sem dúvida, José Frederico Marques e, mais recentemente, Fernando da Costa Tourinho Filho. Neste mesmo sentido, assim afirmam Cândido Rangel Dinamarco, Antonio Carlos de Araújo Cintra e Ada Pellegrini Grinover. Esta última, em sua obra O processo em evolução assim justifica a tese unitarista e a adoção de uma teoria geral do processo construída a partir da matriz normativo-constitucional: “os estudos de processo constitucional criaram clima metodológico para o desenvolvimento de uma teoria geral do processo, pois é na Constituição, antes de mais nada, que se encontra a plataforma comum às diversas disciplinas processuais” (GRINOVER, Ada Pellegrini. O processo em evolução. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998, p. 8).”. 546 E a propósito desta terminologia – Teoria Geral do Processo – bastante utilizada pela dogmática jurídico-processual, embora não tão especificamente explicado o sentido de o porquê “geral”, explicamos anteriormente que: “a teoria processual (entendida como o conjunto de teorias processuais), conforme já explicamos, é aqui denominada de geral porque, em sendo o suporte teórico-epistemológico da Ciência Jurídico-Processual, fundamenta, assim, qualquer tipo de processo, não importando a natureza da lide, se penal ou extra-penal (civil, administrativo, previdenciário, trabalhista e etc).”.
6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL.
6.2 – A Lide como conteúdo do processo penal. 350
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
(entendido como qualquer processo de conteúdo extrapenal) ou o processo penal, sem
maiores preocupações analítico-distintivas entre estes dois segmentos do direito processual,
posto que, conforme preceitua o processualista cearense ALBUQUERQUE ROCHA547, o direito
processual – não importando aqui se direito processual civil, penal, trabalhista e etc. – é o
objeto da Ciência Jurídico-Processual, ciência esta que, em verdade, trata-se de um
conhecimento qualificado e sistemático de tais normas que formam o chamado direito
processual, e que seria fundamentada, assim, em uma Teoria Geral do Processo
jurisdicional.
Dessa maneira, não concordamos com as – como bem denominou o
processualista LUCIANO MARQUES LEITE548 – teorias dualistas ou pluralistas do direito
processual “que negam, categoricamente, a construção de uma TGP, em vista da
diversidade de objeto de vários processos”, assim como também, não pactuamos com as
denominadas, também por ele, teorias ecléticas ou intermediárias do direito processual, que
“embora admitindo uma Teoria Geral, não abdicam da exigência de atender as
peculiaridades do fenômeno processual penal”. Na verdade, nesse ínterim de
posicionamentos teoréticos, filiamo-nos, como dissemos e explicamos outrora, às teorias
monistas ou unitárias do direito processual que “admitem a unidade, face a identidade da
função e fim” de todos os processos judiciais.
Mas, enfim, por que estamos a colocar esse problema da unidade ou
pluralidade do direito processual e, por assim ser, da formação, ou não, de uma Teoria
Geral do Processo que fundamente, metodológica e epistemologicamente, qualquer tipo de
processo judicial se o nosso objetivo aqui é tentar demonstrar se a Lide é ou não o objeto
conteudístico do processo penal?
Bem, na verdade, estamos a fazê-lo, posto que se percebe, no estudo dos
diversos autores da dogmática jurídico-processual que aqueles que não assentem com a tese 547 ALBUQUERQUE ROCHA, José de. Teoria Geral do Processo. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 36-37. 548 LEITE, Luciano Marques. A Teoria Geral e o Processo Penal. In Revista da Faculdade de Direito de Taubaté. Ano 3, nº 1, p. 27, passim.
6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL.
6.2 – A Lide como conteúdo do processo penal. 351
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
da Lide como conteúdo do processo penal o fazem, primeiramente – além dos conhecidos
argumentos contrários a tal tese – por não acreditar que se possa construir uma mesma
base teórico-conceptual e método-epistemológica tanto para o processo civil, quanto para o
processo penal. E, em assim sendo, dizem ser impossível estudar e analisar o processo penal
pelo prisma dos institutos e instituições do processo civil. Tal é o caso do conceito da Lide
carneluttiana que fora transportado, pelo próprio CARNELUTTI e por seus seguidores, da
sistemática do processo civil para a sistemática do processo penal.
Nessa perspectiva, em contundente afirmação de posição contrária à
relevância do conceito de Lide para o processo penal, assente-nos, outra vez, ROGÉRIO
LAURIA TUCCI549, depois de, como vimos, já ter criticado, veementemente, a construção e
adoção de uma Teoria Geral do Processo jurisdicional, em um texto, por certo longo, mas
que, por traduzir de modo brilhante o pensamento de todos aqueles que, como ele,
partilham de tal idéia, vale a pena inserirmos aqui, in verbis:
Isso, necessariamente, esclarecido, somos instados a reiterar, neste novo lavor, e com o devido respeito a eminentes processualistas cultores da nomeada teoria geral do processo, que se nos afigura grave o equívoco em que tem elaborado boa parte da doutrina processual, particularmente da brasileira, no trato desse (por que não dizer?) fascinante tema. Com efeito, ao contrário do que propagam, e repristinando posicionamento assumido já há cerca de vinte anos, temos como inadmissível a absorção, pelo processo penal, de diversificados regramentos e institutos, próprios do civil. E tal, principalmente, por entendermos, e enfaticamente asserirmos, ser excogitável a identificação, ou, mesmo, a assemelhação, de situações manifestamente díspares, tanto nas suas essencialidades como nas respectivas peculiaridades formais. Aliás, em abono dessa afirmação, exsurge oportuna e apropriada a relembrança, também, de ter sido o renomado processualista (marcadamente civil) peninsular Francesco Carnelutti o introdutor da concepção de lide no processo penal. Concebendo-a, a partir da verificação da exigência de subordinação de interesse de outrem ao de quem a efetiva, pontuou-lhe o significado, dizendo-a um ‘conflitto di interessi qualificato dalla pretesa di uno degli interessati e dalla resistenza dell’altro’ (...). Destaca-se, na definição transcrita, o vocábulo pretensão, que, na esteira desse magistério, temos como “uma declaração de vontade impositiva, formulada em face de outrem, a fim de obter-se a satisfação de um
549 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE RONDÔNIA. EMERON – Revista da Escola da Magistratura. Disponível em: http://www.tj.ro.gov.br/emeron/revistas/revista8/02.htm. Acesso em: 10 dez. 2004.
6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL.
6.2 – A Lide como conteúdo do processo penal. 352
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
interesse”(cf. nosso Do julgamento conforme o estado do processo, 3ª ed., São Paulo, 1988, p. 3) ; e que, segundo, já agora, aguda observação de Jacinto Nélson de Miranda Coutinho, A lide e o conteúdo do processo penal, Curitiba, 1989, pág. 29, ‘aparece como um dos conceitos mais importantes’, e representa, principalmente, ‘um dos momentos mais delicados na compreensão do sistema montado pelo autor para o direito processual’. Esse sistema foi, de tal modo, cultivado pelo mestre peninsular, que, no art. 87 de seu Progetto di Codice di Procedura Civile, como que extrapolando da noção inicialmente difundida, expressou: ‘Due persone sono in lite quando l’una pretente che il diritto tutele immediatamente il suo interesse in conflitto con un interesse dell’altra e questa contrasta la pretesa, o pur non contrastandola, non vi sodisfa’ (...). Mostra-se aí, outrossim, facilmente perceptível a adição que Carnelutti fizera à sua original proposição, estabelecendo, então, a distinção entre lide de pretensão resistida, pressuposto do processo civil de conhecimento, e lide de pretensão insatisfeita, pressuposto fático (segundo posterior ensinança de Liebman; e — aditamos nós — inexistente no penal) do processo civil de execução. Aliás, tanto isso é certo que, na Exposição de motivos do Projeto de Código de Processo Civil de 1973, seu ilustre autor, Alfredo Buzaid, deixou classificado no Capítulo III, n. II/6, que “...O projeto só usa a palavra ‘lide’ para designar o mérito da causa. Lide é, consoante a lição de Carnelutti, conflito de interesses qualificado pela pretensão de um dos litigantes e pela resistência do outro. O julgamento desse conflito de pretensões, mediante o qual o juiz, acolhendo ou rejeitando o pedido, dá razão a uma das partes e nega-a à outra, constitui uma sentença definitiva de mérito. A lide é, portanto, o objetivo principal do processo e nela se exprimem as aspirações em conflito de ambos os litigantes”. Essas idéias foram trasladadas (em nosso entendimento, inapropriadamente, com real e manifesta falha de percepção) para o âmbito do processo penal, entre nós, por José Frederico Marques (Elementos de direito processual penal, 2ª ed., Rio de Janeiro - São Paulo, l965, v. I, p. 11-3), asserindo, então, a existência de lide penal, decorrente de prática de crime ou contravenção, e ostensiva do ‘conflito entre o direito de punir do Estado e o direito de liberdade do réu. Mesmo porque — acrescenta — a ‘pretensão punitiva’ (rectius: intenção) encontra, ‘no direito de liberdade, a resistência necessária para qualificar esse conflito como litígio, visto que o Estado não pode fazer prevalecer, de plano, o seu interesse repressivo’. E, outrossim, vigorando o regramento nulla poena sine iudicio, o processo penal apresente-se, também — segundo a ensinança do mesmo autor —, como um processo de partes, cujos interesses, contrapostos, constituiriam a lide penal, em que se consubstanciaria o seu objeto litigioso, a res in iudicio deducta. Paradoxalmente que seja, todas essas afirmações prestam-se para evidenciar a irrelevância processual, ou do conceito de lide, em processo penal; tanto mais quanto se tenha na devida conta que a pretensão, tal como concebida, somente pode ser verificável concretamente, isto é, como fato da vida, ocorrente entre duas ou mais pessoas, com efetiva atuação (‘exigência de subordinação de interesse de outrem ao próprio’) de uma das partes, e negação explícita da outra (resistindo, portanto, ou — aduzindo, dada a complementação supramencionada, feita pelo citado Mestre italiano — não satisfazendo). Em suma, e inequivocamente, a lide é o pressuposto do processo civil; vale dizer, não há processo civil em lide.
6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL.
6.2 – A Lide como conteúdo do processo penal. 353
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Por assim ser, para quem desse modo entende teoreticamente, não
havendo a possibilidade metodológica de adoção de uma mesma teoria geral, não há,
também, por corolário, a possibilidade de se importar os elementos conceituais (instituições
e institutos) do direito processual civil para o direito processual penal. Esse é o caso da
teoria da Lide e por isso falamos, nesses termos, em tal pressuposto teórico como
impedimento de tal entendimento dela – a Lide – como, também, elemento conteudístico do
processo penal.
Por outro lado, o segundo pressuposto teórico a ser aqui considerado e
analisado para a afirmação da tese da Lide como conteúdo do processo penal, dá-se no
entendimento de se considerar tal Lide que seria o conteúdo do processo penal, não nos
termos da nossa tética proposição, mas sim nos exatos termos da construção
carneluttiana550, isto é, como conflito intersubjetivo de interesses qualificado pela pretensão
de um e pela resistência do outro.
Em outras palavras, o que queremos dizer com isso é que, na realidade, os
autores processualistas que não comungam com a tese da Lide como conteúdo do processo
penal, não o fazem, posto que detectam em tal construção teorética alguns problemas de
ordem lógica e conceitual na adoção pura e simples da tese carneluttiana de Lide no âmbito
do processo penal. Isso porque, como sabemos, CARNELUTTI – e os demais processualistas
que fizeram tal transposição do conceito de Lide para o processo penal – não distingue as
situações pré-processuais e processuais vivenciadas selos sujeitos do fato criminoso que
denominamos de Litígio e Lide. Por isso, em parte, concordamos com as críticas elencadas
pela dogmática jurídico-processual àqueles que adotam a tese da Lide como conteúdo,
também, do processo penal.
Na realidade, tal acontece, posto que, como dissemos, a inserção da Lide
como elemento conteudístico do processo penal tem sido feita sem um melhor entendimento
550 Já que este autor, como dissemos, diferentemente de nós, não distingue Lide de Litígio.
6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL.
6.2 – A Lide como conteúdo do processo penal. 354
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
das situações vivenciadas pelo ofendido, pelo réu e pelo Ministério Público – enquanto
agente do Estado e responsável pela persecução criminal em juízo (o dominus litis) –, nos
planos pré-processual e jurídico-processual. E é, exatamente, aqui é que entra a nossa tética
perspectiva distintiva entre o que ocorre na realidade social – no plano pré-processual –
entre o ofendido e o ofensor – o que denominamos de Litígio – e o que ocorre no processo
judicial – agora, no plano jurídico-processual – o que denominamos de Lide – entre o ora réu
e o Ministério Público.
Desse modo e em assim sendo, entendemos que, no que diz respeito à
existência, ou não, de uma Lide no processo penal, efetivamente, diante da nossa
proposição tética, há; pois, Lide, nestes termos, não seria o conflito intersubjetivo de
interesses qualificado pela pretensão de um (o ofensor) e pela resistência do outro (o
ofendido) que ocorrera no plano exoprocessual, como na fórmula carneluttiana. Na verdade,
tal conflito intersubjetivo de interesses, qualificado pela pretensão de um e pela resistência
do outro, seria, como já enunciamos, não a Lide, mas o Litígio – no caso, representaria esse,
em sede de processo penal, a conduta típica e antijurídica denominada de crime. A Lide, por
sua vez, também nesta nossa tética perspectiva, seria consubstanciada a partir de tal fato
criminoso, isto é, na nossa fórmula, a partir da dedução, quantitativa e qualitativa, de tal
Litígio (fato delituoso) em juízo e, assim, consubstanciaria o elemento objetivo e
conteudístico do processo penal. Além do que, nesta Lide, teríamos, assim, de um lado a
pretensão material e processual representadas pela pretensão punitiva e executória do
Estado (aqui presentado pelo órgão acusatório Ministério Público) – o denominado jus
puniendi – e do outro a resistência material e processual do réu representada pelo direito de
permanecer livre – o denominado jus libertatis. Em assim sendo, nesta nossa tética
perspectiva – o Litígio (crime) como elemento pré-processual e a Lide como elemento
processual –, não há que se obstar que o conteúdo do processo penal não é
consubstanciado e formatado numa Lide tal como ocorre de ordinário no processo civil.
6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL.
6.2 – A Lide como conteúdo do processo penal. 355
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Nem se venha aqui objetar que, no processo penal, por serem indisponíveis
os interesses e pretensões conflitantes e, por assim ser, o objetivo principal de tal processo
não é o de chegar a uma composição de tais interesses, mas sim a atuação da vontade
concreta do Estado a partir da observância da regras penais de conduta, não se trata de
uma Lide. Na verdade, assentiríamos assim, se corroborássemos a tese carneluttiana de Lide
como o conflito que ocorre no plano pré-processual. Não é o que estamos a afirmar. Assim,
a indisponibilidade dos interesses em Lide não é um elemento atestativo da impossibilidade
dessa ser o conteúdo do processo penal, mas, tão-somente, uma peculiaridade da Lide penal
que não a torna, em essência, diferente ou oposta à Lide que ocorre no plano do processo
civil.
Por outro lado, não há que se assentir com a crítica de que a Lide não seria
o objeto conteudístico do processo penal, posto que nele não há uma pretensão do ofendido
contra o ora réu. Em verdade, pelo que já vimos, tal, realmente, não há, porque a anspruch
ocorreu na realidade social, no momento da consecução do fato criminoso. Agora, no plano
do processo, como vimos, há sim uma pretensão esta agora, por serem interesses
indisponíveis e de ordem pública, representada pela pretensão punitiva e executória do
Estado contra o réu que, por sua vez, resiste a tal pretensão, como dissemos, via jus
libertatis.
Assim também, não se venha objetar que a Lide não seria o objeto
conteudístico do processo penal, posto que nele os sujeitos processuais são diferentes dos
sujeitos envolvidos no fato delituoso. Ora, na verdade, o que ocorre aí é que a pretensão do
ofendido de ver o ofensor preso, sendo apenado, é substituída pela pretensão maior da
sociedade de que isso ocorra. Na verdade, são pretensões similares, ocorrendo, apenas,
processualmente, uma substituição processual no pólo ativo da relação, de modo que o
Ministério Público é quem atuará em nome do ofendido e de toda a sociedade, isto é, em
nome do Estado, a fim de ver a pretensão punitiva do Estado e do ofendido julgada
6. APLICAÇÃO TEORÉTICA DOS CONCEITOS DISTINTIVOS – “LITÍGIO” E “LIDE” – NA JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA E NA PROCESSUALÍSTICA PENAL.
6.2 – A Lide como conteúdo do processo penal. 356
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
procedente. Desse modo, a Lide – diferentemente do Litígio (crime) que ocorrera no plano
social entre o ofendido e o ofensor – é, no plano jurídico-processual, materializada no
complexo de juridicidade vivenciado agora pelo ora réu e pelo Estado, presentado que é,
neste momento, pelo órgão do Ministério Público.
Ademais e em síntese, efetivamente o que ocorre no plano do processo
penal, mas especificamente, no plano da Lide penal, é que as relações jurídico-processuais,
do tipo sinalagmáticas, ocorrem, ordinariamente, entre o Estado-Administração (através do
Ministério Público) e o Estado-Juiz ou o réu e o Estado-Juiz, exatamente, nos termos da já
vista concepção da Teoria Angular de KONRAD HELLWIG.
Destarte, entendemos ser esta, como dissemos nas proposições
propedêuticas e sinópticas desta seção, mais uma tética aplicação da nossa hipótese básica
que considera o instituto do Litígio terminológica, teorética e conceptualmente, diferente do
instituto da Lide e, desse modo, pensamos estar contribuindo para a elucidação de mais uma
questão aparentemente aporemática da Ciência Jurídico-Processual.
Muito bem. Visto tudo isso em mais esta seção do nosso presente trabalho
de pesquisa científico-jurídica, passemos, enfim, nesta que será a última e talvez mais
importante parte dele, à construção analítico-distintiva dos institutos do Litígio e da Lide
agora sob a fundamental perspectiva empírico-crítica. Vejamos, então.
357
7 – LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO, ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA.
Sempre mantendo a convicção fundamental de que as análises abstratas, sem a mediação das ciências jurídicas dogmáticas, não alcançam minimamente o direito positivo, que se compõe dialeticamente de realidade social e de estruturas normativas – donde a normatividade do fáctico e a factualidade do normativo.
LOURIVAL VILANOVA A instrumentalidade do direito processual ao substancial e do processo à ordem social constitui uma diretriz a ser permanentemente lembrada pelo processualista e pelo profissional, para que não seja subvertida a ordem das coisas, nem feitas injustiças em nome de um injustificável culto à forma. A invocação desse fundamental princípio constitui seguro expediente metodológico, apto a conferir certeza aos resultados encontrados.
CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO
A construção analítico-distintiva que temos proposto, demonstrado,
argumentado, discutido e assertido, peremptoriamente, entre os institutos sócio-jurídico-
processuais do Litígio e da Lide, assim como também a aplicabilidade da mesma na
formatação dos conceitos e teorias das instituições e institutos fundamentais da denominada
Teoria Geral do Processo e, por via de conseqüência, da Ciência Jurídico-Processual, tem
sido consecutada, até o presente momento, sob um prisma, precípua e exclusivamente,
teorético-conceptual. Tal tem ocorrido, é certo, conforme apresentamos anteriormente,
tendo em vista que a nossa proposta de estudo, do ponto de vista metodológico, é
eminentemente híbrida, posto que, de um lado, nosso trabalho de pesquisa científico-jurídica
tem como objetivo/hipótese principaliter de estudo uma construção teórico-termino-lógico-
conceptual, por certo analítica e distintiva, dos referidos institutos (Litígio e Lide) e, do outro,
uma análise empírico-crítica de tais elementos conceptuais, tendo em vista, agora e
sobretudo, os fenômenos da teleologicidade processual, da decidibilidade de conflitos e da
ideologização da técnica jurídica de consecução de procedimentos.
Assim, visto até o presente momento, tal construção analítico-distintiva dos
institutos sócio-jurídico-processuais do Litígio e da Lide a partir de um prisma a priori e
eminentemente teorético-conceptual, o que faremos a partir desse instante é a continuação
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 358
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
dessa mesma construção analítico-distintiva entre os referidos elementos conceptuais só
que, agora, sob um prisma, eminentemente, empírico-crítico.
Em verdade, o que se vai tentar demonstrar aqui nesta nossa última seção,
a partir da investigação empírica por nós consecutada entre os membros da magistratura de
primeiro e segundo graus com atuação no Estado de Pernambuco, é que, no campo da
teleologicidade processual, como tecnologia jurídica fundamentada no princípio da
inegabilidade dos pontos de partidas, do non liquet e da decidibilidade de conflitos551,
tomando-se como referencial teórico esta construção distintiva entre os institutos do Litígio e
da Lide, chegamos à conclusão de que a objetividade jurídica do processo, isto é, o que
denominamos aqui de teleologicidade processual, é, ao contrário do que se possa imaginar e
assentir, a decidibilidade da Lide (do processo em si) e não, necessariamente, a
decidibilidade do Litígio, nos exatos termos em que este ocorreu no plano da realidade
social.
Tal hipotese de pesquisa foi investigada, no presente trabalho científico, na
práxis processual, e, conforme as observações e análises por nós consecutadas, em muitos
casos concretos, apesar da incidência de uma decisão judicial terminando, assim, a via
processual (na nossa terminologia: a Lide), no plano material, factual, permaneceu, mesmo
que latentemente (quando não manifesto), o conflito interpartes (na nossa terminologia: o
Litígio) que ensejou a formação da Lide processual. Mais que isso – e essa é a grande ilação
da pesquisa a que chegamos –, pelo que observamos da investigação empírica consecutada,
o que se constata no plano das relações sociais e jurídico-processuais é que a grande
preocupação, isto é, o grande leitmotiv justificador do sistema processual e do órgão
julgador – configurado na persona do juiz – é em, exatamente, decidir a Lide – isto é, o
processo – numa simples, lógica e hermenêutico-silogística intelecção e subsunção de um
551 Cf. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A ciência do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1991.
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 359
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
fato a uma norma e não, necessariamente, nos termos e anseios da sociedade e das partes
que vivem a situação conflituosa, o Litígio.
Por outro lado, através de tal investigação empírica por nós consecutada e
fulcrado, também, em incursões teoréticas que realizamos no sistema jurídico-processual de
normas, pudemos perceber ainda que, em verdade, quando o legislador estabelece, em
certos procedimentos, ditos especiais, algumas limitações à cognição do juiz, em muitos
casos, fica evidente que, ao contrário do que preceitua e propaga o discurso oficial que fala,
assim, em especialização do procedimento e instrumentalidade do processo para se atingir a
efetividade da tutela jurisdicional, o que se está estabelecendo, na realidade, é um
tratamento diferenciado e, no mais das vezes, privilegiado, para uma determinada categoria
de partes, atestando-se, assim, que na consecução legislativa dos procedimentos judiciais,
observa-se, decididamente, a influência de fatores ideológicos552 que consubstanciam a
estruturação e formatação das técnicas procedimentais de cognição, com ampla repercussão
e implicação – a partir de tal ideologização das técnicas procedimentais – na problemática do
acesso à justiça – posto que, evidencia-se, in claris, o impedimento da dedução de parte do
Litígio em juízo, constituindo-se tal fato, por certo, em um obstáculo que denominamos aqui
de obstáculo jurídico553 de acesso à Justiça – e, sobretudo, na (de)limitação teórica e
tecnológico-pragmática dos princípios da inafastabilidade do controle jurisdicional e da
congruência (ou dispositivo).
Assim sendo, e em síntese, as hipóteses que defenderemos aqui nesta
seção, a partir da nossa investigação empírico-crítica, é que, em primeiro lugar, pelo temos
552 Cf. BECKER, L. A. Contratos Bancários: execuções especiais (SFH – SFI – Alienação Fiduciária – Crédito Rural e Industrial). São Paulo: Malheiros, 2002. 553 Ou seja, além dos tradicionais obstáculos, apontados pela dogmática jurídico-processual moderna – obstáculos, por certo, de natureza material, como, por exemplo, o alto custo do processo judicial, a baixa capacidade econômica da maioria da sociedade, o desconhecimento dos direitos, entre outros – obstáculos esses que impedem o efetivo “Acesso à Justiça”, temos, ainda, pelo que estamos a demonstrar, na sistemática do processo, mais um tipo de obstáculo, o obstáculo de ordem jurídico-normativa, isto é, aquele que impede que parte do conflito (Litígio) seja deduzido em Juízo, formando, assim, a Lide. Sobre os obstáculos materiais, conferir Mauro Cappelletti, em seu “Acess to Justice: The worldwide movement to Make Rights Effective: A general reports” (CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: FABRIS, 1988.).
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 360
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
visto, a teleologicidade processual, isto é, a finalidade do processo, a priori, é a
decidibilidade da Lide e, tão-somente, a posteriori – sem isso constituir um telos necessário
– a decidibilidade do Litígio554; por outro lado e em segundo lugar, também pelo que temos
visto, no processo de estabelecimento e formatação dos procedimentos jurisdicionais
diferenciados – os ditos especiais – há uma nítida influência de ideologias político-sociais ao
se estabelecer tratamento especial a determinadas situações de direito substancial (Lide <
Litígio), com visíveis repercussões no direito de acesso à justiça – constituindo, tais
diferenciações jurídico-procedimentais, muitas vezes, em um obstáculo de ordem jurídica – e
nos princípios da inafastabilidade do controle jurisdicional e da congruência555.
Destarte, dito isso, passemos, enfim, à proposição, demonstração,
argumentação, discussão e asserção de tais teses por nós propostas em torno da distinção
entre os institutos sócio-jurídico-processuais do Litígio e da Lide, neste momento, sob um
prisma eminentemente empírico e crítico.
Antes, porém, teçamos algumas considerações, mesmo que sinóptica e
propedeuticamente, sobre o suporte teórico-metodológico da pesquisa empírica
consecutada. Vejamos, então.
554 Como vimos, trata-se, esta, de outra hipótese básica, decorrente da proposição problemática. 555 Como vimos, também, outra hipótese secundária independente, isto é, decorrente, tão-somente, da análise empírico-crítica proposta sem relação de interdependência com as hipóteses básicas.
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.1 – Suporte Teórico-metodológico da pesquisa empírica consecutada.
361
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
7.1 – Suporte Teórico-metodológico da pesquisa empírica
consecutada.
Conforme apresentamos nas proposições teórico-metodológicas deste
trabalho de pesquisa científico-jurídica, o problema/objeto do nosso estudo é de natureza
essencialmente híbrida, posto que o enfoque e o prisma da construção analítico-distintiva
aqui proposta entre os institutos sócio-jurídico-processuais do Litígio e da Lide, é, como
vimos, de um lado, de natureza teórico-conceptual e, de outro, de natureza empírico-crítica.
Por assim ser, para a consecução desta investigação teorético-empírica, conforme também
assentimos, demanda-se a escolha de métodos e procedimentos técnico-metodológicos de
abordagem eminentemente qualitativos, fundados, assim, em postulados de pesquisa ao
mesmo tempo conceitual e operativa com delineamento (design) de pesquisa, por um lado,
bibliográfica e documental, e, por outro, observacional e de estudo de campo, com aportes e
inserções procedimentais de estudo de casos.
Em assim sendo – afirmamos nestas mesmas proposições teórico-
metodológicas iniciais – que, para a construção da nova acepção terminológico-conceptual e
empírico-crítica das variáveis Litígio e Lide, nos termos anteriormente explicitados e
demonstrados, utilizamos a concepção metodológica de abordagem geral do método
hipotético-dedutivo e de abordagem específica do método observacional, consubstanciados
no modelo referencial e conceitual estruturalista, atentando-se, filosoficamente, e sem nunca
a perder de vista, para a idéia popperiana556 de conjecturação e falsificabilidade, tomando-se
em consideração, assim, o falibilismo do conhecimento e a contingência da ação daquilo que
teticamente estamos aqui a propor.
556 Cf. POPPER, Karl. Conjecturas e Refutaciones. Barcelona: Ediciones Paidos, s/d. Também: Conocimiento Objectivo. Tradução por C. Solis Santos, 2ª ed., Madrid, Tecnos, 1982.
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.1 – Suporte Teórico-metodológico da pesquisa empírica consecutada.
362
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Do mesmo modo, assentimos também que as proposições téticas aqui
formuladas e que foram objeto de verificação, proposição, demonstração, discussão,
argumentação e asserção, na consecução desta pesquisa científico-jurídica, são fruto, tão-
somente, da hermenêutica e da compreensibilidade do pesquisador, tal como MAX WEBER557
assente. Assim também, assentimos que, do ponto de vista jusfilosófico, a nossa construção,
analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica entre os institutos sócio-
jurídico-processuais Litígio e Lide que aqui se quis estabelecer, não se trata apenas de uma
mera questão de performance de linguagem, tal como assentem os teóricos adeptos das
teorias deflacionistas de verdade (como por exemplo, PAUL HORWICH e FRANK P.
RAMSEY). Em outras palavras: não se trata – tal proposição tético-distintiva que
estabelecemos entre os referidos elementos – de mera construção retórica. Ao contrário,
fundamenta-se, filosoficamente, na concepção teorética de verdade substantiva, posto que a
construção analítico-distintiva firmada entre tais elementos conceptuais (Lide e Litígio) tem,
como demonstramos, correspondência factual, coerência com o sistema de acepções
(crenças) da dogmática jurídico-processual e, sobretudo, tem um alto grau de utilidade
pragmática para a tecnologia jurídica de decidibilidade de conflitos.
Outrossim, assentimos ainda que, no que diz respeito à especificidade
classificatória da pesquisa científico-jurídica aqui desenvolvida, trata-se, esta, (a) quanto à
tipologia de trabalhos acadêmico-científicos, de uma dissertação científica, (b) quanto à
aplicabilidade, uma pesquisa – dialeticamente – teorético-empírica e, (c) quanto à
complexidade teórica, uma pesquisa descritivo-explicativa, com a utilização precípua de
hipóteses bivariadas.
Muito bem. Relembrando, tal é o contexto teórico-metodológico de
desenvolvimento e consecução dos objetivos do presente trabalho de pesquisa científico-
jurídica. Visto isso, vejamos, agora, em que termos método-procedimentais se desenvolveu a
557 Cf. WEBER, Max. Metodologia das Ciências Sociais. São Paulo: Cortez, 1981, v. 1.
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.1 – Suporte Teórico-metodológico da pesquisa empírica consecutada.
363
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
pesquisa empírica sobre Litígio e Lide, na perspectiva da teleologicidade processual e da
fenomenologia da decidibilidade de conflitos, por nós consecutada.
Para a consecução da análise empírico-crítica da teleologicidade do
processo e do fenômeno da decidibilidade de conflitos a partir da distinção proposta entre os
institutos do Litígio e da Lide, isto é, para sabermos se o juiz, ao se deparar com o processo
judicial e, sobretudo, se com a prolatação do decisum final, ocorre, categórica e realmente, a
decidibilidade do Litígio que ocorrera na realidade social no plano pré-processual, ou, tão-
somente, no plano eminentemente formal e jurídico-processual, a decidibilidade da Lide (isto
é, do processo), valemo-nos, conforme anunciamos anteriormente, dos métodos de
procedimento estatístico558, observacional559 e comparativo560.
In casu, o que fizemos foi, a partir da seleção de uma amostra, por certo,
qualitativa de magistrados com atuação em órgãos judiciários de 1º e 2º graus estabelecidos
no Estado de Pernambuco – não nos importando, tanto assim, a classificação judiciária do
órgão, até mesmo porque, como é notório, para a obtenção dos dados factuais que
queremos não é fundamental saber, ou mesmo levar em conta, a competência do órgão, já
que todos, de igual modo, exercem função jurisdicional, isto é, a função de dizer o direito no
caso concreto em última instância, como método oficial de resolução de conflitos que o
Estado adota – e de pessoas que foram partes (ou parente de partes) em processos
judiciais, investigamos, jurídica e sociologicamente, através de técnicas de observação direta
558 O qual, segundo nos ensina Antonio Carlos Gil, in verbis: “(...) fundamenta-se na aplicação da teoria estatística da probabilidade e constitui importante auxílio para a investigação em ciências sociais.” (GIL, Antonio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo: Atlas, 1995, pág. 36.). No nosso caso, utilizamo-o, porque a partir das constatações e ilações a que chegamos a respeito da investigação empírico-crítica sobre os elementos do Litígio e da Lide, podemos inferir, estatisticamente, que tais resultados representam uma realidade que se estende aos demais elementos do universo que não foram objeto de estudo. 559 Que, também, na concepção de Gil, in verbis: “é um dos mais utilizados nas ciências sociais (...) e difere do experimental em apenas um aspecto: nos experimentos o cientista toma providências para que alguma coisa ocorra, a fim de observar o que se segue, ao passo que no estudo por observação apenas observa algo que acontece ou já aconteceu” (Ibidem., p. 35). No nosso caso, utilizamo-o, também, posto que a investigação empírico-crítica sobre os elementos do Litígio e da Lide, as suas análises, processos de interpretação e resultado, deram-se, sobretudo, a partir das observações que realizamos no nosso corpus de estudo. 560 O qual, ainda segundo Gil, in verbis: “procede pela investigação de indivíduos, classes, fenômenos ou fatos, com vistas a ressaltar as diferenças e similaridades entre eles” (Ibidem., p. 35). No nosso caso, utilizamo-o, também, posto que no processo de investigação empírico-crítica sobre os elementos do Litígio e da Lide, sobretudo, nas análises e interpretações dos dados factuais, consecutamos diversos tipos de categorizações e comparações entre os dados encontrados nas entrevistas realizadas.
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.1 – Suporte Teórico-metodológico da pesquisa empírica consecutada.
364
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
intensiva561 – com entrevistas562 tópicas e semi-estruturadas563 – e de observação direta
extensiva564 (com aportes de análise de conteúdo, análise de discurso e pesquisa
documental), se, peremptória e efetivamente, na resolução dos processos, se dirime o
conflito – o que denominamos de Litígio – ou, tão-somente, como dissemos, se decide a Lide
processual (isto é, o processo judicial).
Assim, para a consecução de tal investigação empírica proposta, sobretudo
no que diz respeito à obtenção dos dados factuais, valemo-nos das seguintes fontes
primárias565:
uma amostra, por certo qualitativo-representativa566, do tipo
aleatória ou casual567, consubstanciada em entrevistas, como dissemos, tópicas e semi-
estruturadas, abrangendo, assim, um universo total de 105 magistrados atuantes em órgãos
judiciários do 1º e 2º graus no Estado de Pernambuco, nos seguintes termos:
561 Segundo a metodologia, consiste a técnica de observação direta intensiva em uma “técnica de coleta de dados para conseguir informações que utiliza os sentidos na obtenção de determinados aspectos da realidade” (MARCONI, M. A; LAKATOS, E. M. Técnicas de Pesquisa. São Paulo: Atlas, 1991.). 562 Ver “questionário” no apêndice deste trabalho. 563 Segundo assentem os metodólogos, entende-se por “Entrevista Tópica e Semi-Estruturada” aquela na qual o temário e as perguntas são feitas de forma seqüencial, lógica e de certa forma fechada, podendo-se, também, utilizar abordagens abertas, mas, nesse caso, sempre focalizada e dirigida ao temário em análise. Neste sentido, ver: BECKER, Howard. Métodos de Pesquisa em Ciências Sociais. Trad. Marco Estevão e Renato Aguiar. 3. ed. São Paulo: HUCITEC, 1997. 564 Segundo a metodologia, consiste a técnica de observação direta extensiva em uma técnica de coleta de dados onde as informações são obtidas a partir da utilização de instrumentos procedimentais, como formulários, questionários e outros tipos de documentos. (MARCONI e LAKATOS, op. cit.). 565 Segundo a metodologia, grosso modo, fontes primárias são aquelas produzidas por contemporâneos de um acontecimento (por exemplo, documentos oficiais, obras de arte, artefatos, diários, relatos de pessoas e etc.). Por sua vez, fontes secundárias são aquelas produzidas posteriormente aos acontecimentos. Como por exemplo, as referências bibliográficas, constantes de livros, revistas e etc. 566 Ainda segundo assentem os metodólogos, uma amostragem é qualitativa quando representa uma pequena percentagem do universo de estudo. Por sua vez, uma amostragem é quantitativa, quando representa uma grande percentagem do universo de estudo. 567 Diz se que uma amostragem é do tipo aleatória ou casual quando, sem critério objetivo ou subjetivo definido, selecionam-se os elementos de um determinado universo a serem estudados, como no nosso caso, onde a seleção dos magistrados e pessoas a serem entrevistadas não obedeceu a nenhum critério básico.
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.1 – Suporte Teórico-metodológico da pesquisa empírica consecutada.
365
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Órgão Judiciário Quantitativo % 1º Grau – Justiça Federal 9 8,50% 2º Grau – Justiça Federal 2 1,90% 1º Grau – Justiça Estadual 67 64% 2º Grau – Justiça Estadual 18 17% 1º Grau – Justiça Trabalhista 5 4,70% 2º Grau – Justiça Trabalhista 4 3,90% Total 105 100%
Do mesmo modo, uma amostra, por certo, também, qualitativo-
representativa, consubstanciada em entrevistas, também, tópicas e semi-estruturadas,
abrangendo, assim, um universo total de 51 pessoas – todas com capacidade civil plena –
que já foram partes – ou que, ao menos, vivenciaram tal situação jurídico-processual com
algum membro da família – em um processo judicial.
No caso, para a análise e interpretação dos dados factuais obtidos com as
entrevistas consecutadas com os magistrados, valemo-nos das técnicas método-
procedimentais da pesquisa observacional e documental, com alguma inserção nas técnicas
de análise de conteúdo e de análise de discurso568.
Por sua vez, para a análise e interpretação dos dados factuais obtidos com
as entrevistas consecutadas com as pessoas que já vivenciaram, direta ou indiretamente,
uma Lide processual, valemo-nos das técnicas método-procedimentais, não tão rigorosas – 568 Com, tão-somente, algumas inserções nas técnicas de análise de discurso e de análise de conteúdo, posto que o propósito da nossa investigação empírico-crítica não é a análise do discurso proferido pelos magistrados a respeito da teleologicidade processual e do fenômeno da decidibilidade de conflitos, mas sim, em essência, a interpretação que eles fazem do sistema processual a respeito da nossa tética perspectiva distintiva entre Litígio e Lide e, sobretudo, o seu modus procedendo no julgamento dos processos. In casu, trata-se, a análise de conteúdo e de discurso, segundo nos afirma Laurence Bardin, in verbis, de: “um conjunto de análise das comunicações visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens” (BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977, p. 42). Assim também, conforme nos ensina e orienta o professor Luciano Oliveira, do ponto de vista sociológico, pelo que se tem visto até então dos estudos consecutados, os resultados obtidos com a utilização do instrumental da análise de discurso ou de conteúdo não têm conseguido demonstrar, a contento, aquilo que se propõe em uma análise empírica como a nossa, exatamente, porque outros elementos de natureza sociológica (sócio-jurídica, na verdade) não são considerados e levados em conta na consecução das análises do tipo conteúdo-discursiva. Por isso, por opção metodológica, procedemos à análise e interpretação dos resultados da nossa investigação empírico-crítica apenas com um mínimo viés de inserção técnica neste tipo de análise.
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.1 – Suporte Teórico-metodológico da pesquisa empírica consecutada.
366
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
mas eficientes, tendo em vista o que nos propomos a realizar – da pesquisa do tipo estudo
de caso569.
Por fim, para a análise da técnica processual da limitação da cognição,
tendo em vista a impossibilidade legal de se deduzir em juízo determinada parcela do Litígio
(Lide ≤ Litígio), do mesmo modo que consecutamos, metodologicamente, as análises dos
demais pontos do presente trabalho, valemo-nos de fontes, eminentemente secundárias, e
de técnicas método-procedimentais da pesquisa do tipo bibliográfica e documental.
Destarte, apresentado o nosso suporte teórico-metodológico da pesquisa
empírica por nós consecutada, passemos, então, à construção, analítico-distintiva, dos
institutos sócio-jurídico-processuais do Litígio e da Lide, a partir de agora, sob tal prisma
empírico-crítico.
Vejamos, então.
569 Segundo a metodologia, consiste o “Estudo de Caso”, in verbis: “no estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira que permita seu amplo e detalhado conhecimento (...) e com diferentes propósitos, tais como (...) formular hipóteses ou desenvolver teorias e (...) explorar situações da vida real cujos limites não estão claramente definidos. A despeito de sua crescente utilização nas Ciências Sociais, encontram-se muitas objeções a sua aplicação. Uma delas refere-se á falta de rigor metodológico, pois, diferentemente do que ocorre com os experimentos e levantamentos, para a realização de estudos de caso não são definidos procedimentos metodológicos rígidos.” (GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 54.).
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 367
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual:
decidibilidade do Litígio ou decidibilidade da Lide?
Segundo o entendimento majoritário da dogmática jurídico-processual
moderna, do ponto de vista teorético e paradigmático, a Jurisdição é uma função – ou
poder-dever – do Estado através da qual este faz atuar o direito objetivo na composição dos
conflitos de interesses, com o fim precípuo de resguardar a paz social, o império da norma
de direito e a realização de justiça social no caso concreto. Mais ou menos nesses termos
convergem, quase à unanimidade, os processualistas, quanto ao telos, isto é, quanto à
finalidade ou escopos da função jurisdicional do Estado570.
Neste sentido, corroborando tal concepção teorético-conceptual, o
eminente processualista CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, depois de afirmar que os escopos
da jurisdição não devem se limitar, como a doutrina clássica o fazia, aos aspectos
eminentemente legais e jurídico-formais da relação processual – como por exemplo, se
afirmava, até então, que a grande finalidade da jurisdição era, tão-somente, a realização do
direito subjetivo das partes, como se a jurisdição estivesse à mercê de interesses apenas de
caráter individual – assente que, modernamente, tem-se entendido que, na realidade, de
três ordens são (ou, pelo menos, devem ser) os objetivos – na terminologia dele, escopos –
visados pelo Estado com o exercício da função jurisdicional, quais sejam: escopos sociais,
políticos e jurídicos571, sendo que a pacificação social e a consecução de justiça no caso
concreto continuam como ideais máximos a serem perseguidos. Assim, di-nos ele, in
verbis572, que:
570 Nesta perspectiva, cf.: CARREIRA ALVIM, J. E. Teoria Geral do Processo. 9. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 55. 571 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do Processo. 10. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. 572 ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos de; GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido R. Teoria Geral do Processo. 13. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 1997, p. 25.
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 368
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
A pacificação é o escopo magno da jurisdição e, por conseqüência, de todo o sistema processual (uma vez que todo ele pode ser definido como a disciplina jurídica da jurisdição e seu exercício). É um escopo social, uma vez que se relaciona com o resultado do exercício da jurisdição perante a sociedade e sobre a vida gregária dos seus membros e felicidade pessoal de cada um. A doutrina moderna aponta outros escopos do processo, a saber: a) educação para o exercício dos próprios direitos e respeito aos direitos alheios (escopo social); b) preservação do valor da liberdade, a oferta de meios de participação nos destinos da nação e do Estado e a preservação do ordenamento jurídico e da própria autoridade deste (escopos políticos); c) a atuação da vontade concreta do direito (escopo jurídico). É para a consecução dos objetivos da jurisdição e particularmente daquele relacionado com a pacificação com justiça, que o Estado institui o sistema processual, ditando normas a respeito (direito processual), criando órgãos jurisdicionais, fazendo despesas com isso e exercendo através dele o seu poder (grifos nossos).
Nesta mesma perspectiva, nós vimos que o grande processualista
FRANCESCO CARNELUTTI573, construiu todo um sistema teorético sobre o direito processual,
assentindo que o grande telos da jurisdição do Estado deve ser a justa composição do que
ele denominou de Lide com a conseqüente busca da paz social e realização do direito
objetivo e do ideal de justiça no caso concreto.
Do mesmo modo, PONTES DE MIRANDA574, falando a respeito da temática
da teleologicidade processual, assente que esta reside, precipuamente, na entrega da
prestação jurisdicional que satisfaz à tutela jurídica requerida, tendo, assim, uma função
imediatamente de realização do direito objetivo e, mediatamente, de pacificação social e
realização de justiça no caso concreto.
Pois bem. Por assim ser, como corolário de tal assertiva teleológica sobre a
função jurisdicional do Estado, assente, também, a dogmática jurídico-processual moderna
que o processo judicial, como instrumento de realização e materialização de tal função
jurisdicional do Estado, tem – e deve ter – como escopos precípuos e fundamentais não
573 Cf. CARNELUTTI, Francesco. Sistema de Direito Processual Civil. São Paulo: Classic Book, 2000, v.1. e CARNELUTTI, Francesco. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Lejus, 1999. 574 Cf. MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1996, t. I, prólogo.
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 369
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
mais, como outrora, tão-somente, a realização do direito objetivo no caso concreto ou como
instrumento de defesa dos direitos subjetivos das partes575, mas sim e, sobretudo, a
consecução social, política e jurídica dos objetivos da jurisdição do Estado. Tanto é assim
que a grande onda renovatória por que passa o processo hoje é classificada pela doutrina
processual como fase da instrumentalidade do processo576, onde se busca, como prima facie
e ratio, a efetividade da tutela jurisdicional prestada. Assim, conforme alerta-nos,
novamente, CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO577, in verbis:
A afirmação de que através da jurisdição o Estado procura a realização do direito material (escopo jurídico do processo), sendo muito pobre em si mesma, há de coordenar-se com a idéia superior de que os objetivos buscados são, antes de mais nada, objetivos sociais: trata-se de garantir que o direito objetivo material seja cumprido, o ordenamento jurídico preservado em sua autoridade e a paz e ordem na sociedade favorecidas pela imposição da vontade do Estado. O mais elevado interesse que satisfaz através do exercício da jurisdição é, pois, o interesse da própria sociedade (ou seja, do Estado enquanto comunidade) (grifos nossos).
575 Sobre tais posicionamentos teóricos, por certo, eminentemente ultrapassados, tendo em vista a atual concepção instrumentalista do processo, onde não se admite apenas que a função jurisdicional e seu instrumento – o processo – tenham, tão-somente, escopos de ordem técnica e jurídica, assim leciona o processualista Carreira Alvim, explicando-as, in verbis: “Alguns doutrinadores assinalam como escopo do processo a tutela dos direitos subjetivos (Hellwig, Jellinek, Weismann); outros sustentam que esse escopo é a atuação do direito objetivo (Büllow, Schönke, Chiovenda); e uma terceira posição procura conciliar essas duas tendências (Betti, Couture). [Assim] para a corrente subjetivista, o processo funciona como instrumento de defesa do direito subjetivo, violado ou ameaçado de violação. (...) A corrente objetivista, por seu turno, assinala como escopo do processo a atuação do direito objetivo. Assim pensa Chiovenda, para quem o processo visa ao escopo geral e objetivo de fazer atuar a lei. (...) A corrente objetivista-subjetivista assinala que, entre as duas formulações, não subsiste, no fundo, um real contraste de substância. [Assim], os direitos subjetivos e, mais genericamente, as posições jurídicas, não são algo que se possa separar e contrapor ao direito objetivo, mas produto de valorações jurídicas expressas pelo próprio direito objetivo e, neste sentido, identificam-se com ele. Nem é crer-se que o direito objetivo possa ser atuado, no processo, como norma geral e abstrata, porque faltaria o interesse de agir numa demanda em que se pedisse ao juiz a interpretação de uma norma jurídica na sua abstração e generalidade, fora de um caso concreto.” (CARREIRA ALVIM, J. E. Teoria Geral do Processo. 9. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 23-25.). 576 Neste sentido, afirma-nos, também, Dinamarco, com base nas teorizações do processualista italiano Mauro Cappelletti, que, in verbis: “Essa postura caracteriza uma nova fase metodológica na vida do direito processual, depois do profundo e irracional sincretismo das origens e do fecundo período autonomista que durou um século, fundado pela obra revolucionária de Oskar Von Büllow em 1868. A gradativa mudança de atitude veio envolvida, segundo a análise feita com autoridade por Mauro Cappelletti, em três movimentos (principiados em 1965) que ele denominou ondas renovatórias: uma voltada à assistência judiciária aos necessitados, a segunda empenhada na absorção de pretensões à tutela coletiva, a terceira caracterizada pela reforma interna da técnica processual segundo os objetivos do sistema e à luz da consciência de seus pontos sensíveis. Integra essa terceira onda renovatória a proposta de uma justiça mais acessível e participativa, atraindo a ela os membros dos grupos sociais e buscando a superação da excessiva burocratização” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, v. 1, p. 305.). 577 ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos de; GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido R. Teoria Geral do Processo. 13. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 1997, p. 131.
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 370
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Destarte, em síntese, tal é o discurso oficial propagado e aclamado pela
dogmática jurídico-processual a respeito do que denominamos aqui de teleologicidade
processual.
Bem, inobstante tudo isso – isto é, todas essas preocupações e colocações
de ordem eminentemente teleológica feitas pela doutrina sobre quais devem ser, realmente,
os escopos jurisdicionais e processuais a serem perseguidos pelo sistema jurídico-processual
de normas – em verdade, de acordo com a investigação empírico-crítica que realizamos a
fim de identificarmos os verdadeiros componentes objetivos da teleologicidade processual, o
que temos observado – e demonstraremos, isso, adiante, através das análises tabulares e
gráficas a que procederemos – é que tal tese consubstanciada no discurso oficial e
dogmático sobre a objetividade jurídica do processo (isto é, o telos ou escopo do processo),
como sendo um instrumento efetivo de resolução dos conflitos sociais, com a aplicação do
direito objetivo no caso concreto e a conseqüente obtenção da pacificação social e realização
de justiça entre as partes, deve ser melhor compreendida, posto que, pelo que pudemos
observar da nossa incursão empírica, o sistema processual, tal como ele está montado e
formatado hoje (sobretudo, tendo em vista o princípio da congruência) – muito embora
todas as inovações pelas quais vem este passando nos últimos anos578 –, oferece, tão-
somente, o instrumental para que o juiz decida e resolva, precípua e quase que
exclusivamente, a Lide (e as questões atinentes a ela), no plano jurídico-processual – por
certo, eminentemente formal – e não, necessariamente, o Litígio que ocorreu no plano da
realidade social – isto é, em outras palavras, o fato social conflituoso que ensejou a
formação do processo judicial, onde se consubstancia tal Lide processual. De tal modo que,
em muitos casos concretos observados por nós, constatamos que o juiz resolvera e decidira
578 Neste sentido, Marinoni e Dinamarco em, respectivamente: MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do Processo Civil. 4. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2000 e DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do Processo. 10. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002.
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 371
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
a Lide processual, mas permaneceu latente na sociedade o Litígio interpartes, mesmo após o
decisum final579.
Com isso não queremos dizer que o discurso oficial que fala hoje,
veemente e peremptoriamente, em instrumentalidade do processo, em efetividade da tutela
jurisdicional, em escopos sociais, políticos, culturais, e, é claro, jurídicos do processo, seja
vazio e não deva ser exaltado pela dogmática. Muito pelo contrário, pois uma das funções
precípuas da dogmática – segundo nos afirma TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR580 – é
exatamente a função pedagógica de transformação da realidade. Em verdade, o que
queremos apresentar é que, inobstante todos os avanços já alcançados nos últimos anos em
termos de instrumentalização jurídica dos processos judiciais – com a introdução de
institutos inovadores e que aperfeiçoaram, realmente, a técnica processual de prestação
jurisdicional, como a tutela antecipada, a tutela inibitória, a execução provisória, alguns
procedimentos especiais que diminuem o tempo da prestação jurisdicional em algumas
situações de direito substancial, por exemplo – ainda existe um grande campo a ser
conquistado para que a tutela jurisdicional do Estado venha a prover realmente o Litígio nos
termos em que ele ocorreu na realidade social e não somente a Lide, como se o processo
fosse um palco de diletantismo e ilações, tão-somente, silogísticas, intelectivas e
hermenêuticas.
Isso porque, evidentemente, os ideais teleológicos de resolução efetiva do
conflito social, com a conseqüente pacificação social e realização de justiça no caso concreto,
só se materializarão a partir do momento em que o juiz tiver a possibilidade jurídica, isto é,
os instrumentos jurídico-processuais aptos e necessários para a resolução não só daquilo
que foi levado a juízo pelo processo técnico de dedução quantitativa e qualitativa formando,
579 E aqui nos lembramos da Pirâmide de Litigiosidade proposta por Boaventura de Sousa Santos, onde ele nos demonstra que, em verdade, a realização da Lide processual é, tão-somente, um dos momentos pelos quais se materializa o Litígio. 580 Cf. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. A ciência do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1991.
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 372
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
assim, a Lide, mas, sobretudo, para a resolução do conflito do modo como ele ocorrera na
sociedade.
Sobre isso, nem se venha obstar aqui que, no caso do processo civil, por
exemplo, a dispositividade dos interesses em conflito impede que o juiz venha a conhecer de
parcela do Litígio, exatamente porque as partes assim entenderam e assentiram não a
deduzindo em juízo. Na verdade, num Estado onde o acesso à justiça é obstacularizado por
razões de ordem material – nos termos em que demonstra MAURO CAPPELLETTI581 – tal
premissa é falsa, posto que, em muitos casos, o que ocorre é que parcela do Litígio não é
deduzida em juízo, exatamente, por falta de conhecimento e de entendimento, pelas
pessoas, da situação jurídico-material por elas vivenciadas582.
Ademais, é de se ressaltar e salientar que a distinção que estamos a
estabelecer entre os institutos sócio-jurídico-processuais do Litígio e da Lide – seja pelo
prisma teórico-término-conceptual, seja, agora, pelo prisma empírico-crítico – não constitui
um fim em si mesmo, posto que o grande objetivo por nós colimado é no sentido de
contribuir técnica e cientificamente para que o sistema jurídico-processual de normas e, a
partir dele, a Ciência Jurídico-Processual, venha a dirimir, ou ao menos mitigar, os espaços
sociológicos e jurídico-processuais existentes entre o Litígio que ocorrera na realidade social
e a Lide estabelecida no plano processual, exatamente, porque o processo como método
oficial de resolução de conflitos instituído pelo Estado a partir do pacto social deve atender
aos anseios da sociedade.
581 CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: FABRIS, 1988, p. 15-29. 582 Neste sentido, assentimos, quando da construção do conceito de Litígio que muitas vezes as partes deixam de ir a juízo e se conformam com a situação por ela vivenciada, porque não tem noção da realidade jurídico-material na qual se encontra. Dissemos, in verbis, sobre isso que: “Quanto a esta importante variável [nível de percepção e avaliação do dano] que determina o tipo e o grau de conflitualidade e litigiosidade social e judicial, Boaventura assente que a simples violação da norma – como citamos antes – não é por si só, em muitos casos, um elemento a partir do qual irá emergir o litígio. Isso só se dá quando há por parte do sujeito (indivíduo ou grupo) uma certa capacidade de identificação e avaliação dos danos produzidos. Acrescenta ele que, desse modo, níveis baixos de litigiosidade não indicam necessariamente baixa incidência de comportamentos injustamente lesivos. E resume: “As pessoas expõem-se a danos e são injustamente lesadas em muito mais situações do que aquelas de que têm consciência. Certos grupos sociais têm uma capacidade muito maior que outros para identificar os danos, avaliar a sua injustiça e reagir contra ela.” (Ibidem., p. 18).”.
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 373
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Pois bem. Dito isso, passemos, agora, à análise da teleologicidade
processual a partir dos resultados obtidos com a consecução da investigação empírica.
Antes, é de se assentir que tal análise da teleologicidade processual
(decidibilidade do Litígio ou decidibilidade da Lide?) será consecutada, pari passu, por
intermédio das tabelas e gráficos que adiante se seguem, de acordo com cada
questionamento realizado aos magistrados e pessoas envolvidas, direta ou indiretamente,
em processos judiciais.
In casu, consecutaremos a análise, em primeiro lugar, a partir das
entrevistas realizadas com os magistrados, apresentando as questões formuladas a eles, os
objetivos colimados com a formulação de cada questão, e os resultados obtidos a partir da
indagação. Em segundo lugar, procederemos à análise aqui proposta a partir das entrevistas
realizadas com as pessoas que, direta ou indiretamente, estiveram envolvidas em processos
judiciais, apresentando, do mesmo modo que procedemos com os magistrados, as questões
formuladas a essas pessoas, os objetivos colimados com a formulação de cada questão, e os
resultados obtidos a partir da indagação.
Comecemos, então.
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 374
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Análise empírico-crítica da teleologicidade processual:
decidibilidade do Litígio ou decidibilidade da Lide? Resultado das Entrevistas Tópicas e Semi-Estruturadas com os Magistrados.
QUESTIONAMENTO 1
Historicamente, sabe-se que, para a resolução dos conflitos sociais, existiram diversos métodos. Primitivamente, tivemos a autodefesa ou defesa privada, onde imperava a lei do mais forte. Depois, tivemos a autocomposição, onde por meio de persuasão racional, pelo convencimento, as partes chegavam a uma solução para o litígio. Dessa autocomposição surgiram a mediação e a arbitragem. Hoje, o método por excelência, adotado pelo Estado, para a resolução dos conflitos sociais é a heteronomia, através do processo judicial; isto é, um terceiro, imparcial, que é o juiz, determina qual a solução a ser dada no caso concreto. Isso é a jurisdição estatal. Vossa Excelência acha que a heteronomia – isto é, a Jurisdição – é a melhor forma de resolução dos conflitos sociais? Se sim ou não, por quê? Sinteticamente: A heteronomia (jurisdição) é a melhor forma de resolução dos conflitos sociais?
Objetivo:
O objetivo a ser alcançado com este primeiro questionamento sobre se a
Jurisdição é, para o magistrado, a melhor forma de resolução de conflitos – tendo em vista
inclusive o fortalecimento e surgimento oficial583 de outros meios alternativos de resolução
do conflito, como a arbitragem, por exemplo – é o de saber o nível e grau de credibilidade e
confiabilidade que ele – o magistrado – tem, diante dos instrumentos que o Estado lhe 583 Oficial posto que, como sabemos a partir dos ensinamentos de Luciano Oliveira, do ponto de vista sociológico, outros meios alternativos, extra-oficiais, foram e são, diuturnamente, criados pela sociedade. Neste sentido, por exemplo, o referido autor aponta-nos que, durante muito tempo – e, aliás, essa ainda é uma realidade presente na nossa sociedade – a Polícia se tornou, em comunidades mais carentes, um meio alternativo de resolução de conflitos (Cf. OLIVEIRA, Luciano. Sua Excelência o Comissário e outros ensaios de sociologia jurídica. Rio de Janeiro: Letra Legal, 2004.).
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decidibilidade da Lide? 375
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
proporciona e assegura para o exercício da sua função, na Jurisdição como método – como
dissemos, melhor – de resolução dos conflitos sociais, isto é, do que denominamos de Litígio,
e, em assim sendo, quais as razões que o levam a pensar assim, afirmativa ou
negativamente.
Os resultados obtidos são os que se seguem adiante nas tabelas (TABELA
1, TABELA 2 e TABELA 3) e representação gráfica.
No caso, na TABELA 1 apresentamos, percentual e quantitativamente, os
dados factuais das respostas dadas.
Nas TABELAS 2 e 3, apresentamos, por sua vez, as razões afirmativas e
negativas584, respectivamente, que levaram o magistrado a responder ao nosso
questionamento de um – SIM – ou de outro modo – NÃO.
Ademais, sobre as análises e interpretações a que procederemos dos dados
factuais resultantes da nossa investigação, é de se destacar que tais análises e
interpretações serão consecutadas apenas sobre as razões – afirmativas ou negativas – que
julgamos mais importantes e fundamentais para o nosso estudo empírico-crítico dos
institutos do Litígio e da Lide, até mesmo porque seria demasiado cansativo e
metodologicamente incorreto analisar, uma a uma, todas as razões encontradas.
Vejamos, então, os resultados do nosso primeiro questionamento.
584 Só para esclarecermos metodologicamente como chegamos às razões de natureza afirmativa e negativa, constante das TABELAS 2 e 3, o que fizemos foi, a partir da análise textual e referencial (utilizando a técnica de Análise de Conteúdo e de Discurso) das respostas dadas ao questionamento, nós categorizamos, sinteticamente, tais respostas dadas em assertivas-matrizes (razão afirmativa ou razão negativa) nos exatos termos em que colocamos nas referidas tabelas. Assim, cada assertiva-matriz – seja ela razão afirmativa ou negativa – representa a idéia e o conteúdo transmitido pelo entrevistado, com relação ao questionamento que lhe foi consecutado. Isso vale, também, para as demais tabelas representativas das razões afirmativas e razões negativas, constantes dos demais questionamentos realizados.
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Resultados:
TABELA 1
Questionamento 1
A heteronomia (jurisdição) é a melhor forma de resolução dos conflitos sociais?
Resposta Quantitativo Freqüência (%)
SIM 80 76%
NÃO 25 24%
TOTAL 105 100%
REPRESENTAÇÃO GRÁFICA
24%
76%
0
10
20
30
40
50
Freqüência
Questionamento 1: A heteronomia (jurisdição) é a melhor forma de
resolução dos conflitos sociais?
SIMNÃO
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TABELA 2
Questionamento 1
A heteronomia (jurisdição) é a melhor forma de resolução dos conflitos sociais?
Razões afirmativas: é a melhor forma de resolução de conflitos porque (...) Quantitativo Freqüência
Possibilita o ajuste das relações sociais. 2 2,6%
Concretiza efetivamente a aplicação da lei. 2 2,5%
Decorre de uma conscientização social. 1 1,3%
Reflete a cultura jurídica positivista do nosso ordenamento. 5 6,2%
Possibilita a aplicação do devido processo legal. 7 8,8%
Agrega os princípios jurídicos da eficácia e da efetividade da tutela jurisdicional. 7 8,8%
É a manifestação concreta, coercitiva e de força do Estado. 17 21,3%
Garante à sociedade a paz social. 5 6,2%
Garante o princípio da isonomia entre as partes em juízo. 4 5,0%
Materializa o princípio da imparcialidade do juiz. 27 33,8%
Concretiza o princípio da isonomia entre as partes. 2 2,5%
Demonstra o comprometimento dos operadores do Poder Judiciário. 1 1,3%
TOTAL 80 100%
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TABELA 3
Questionamento 1
A heteronomia (jurisdição) é a melhor forma de resolução dos conflitos sociais?
Razões negativas: não é a melhor forma de resolução de conflitos porque (...) Quantitativo Freqüência
As formas procedimentais são facilmente manipuláveis pelos patronos das partes. 2 5,50%
Não garante através de seus processos a adequação social esperada pelo autor. 3 12%
Seus resultados não alcançam o ajuste necessário às relações sociais, sobretudo, a justiça no caso concreto. 9 36,5%
Inviabiliza a possibilidade de conciliação entre as partes. 2 8%
A sociedade brasileira desconhece os mecanismos de atuação jurídico-processual 2 8%
O excesso da demanda desestabiliza a relação Juizes x causas judiciais. 1 4,50%
O princípio da imparcialidade é uma utopia na sociedade brasileira. 1 4,50%
Reflete um modelo decadente com o método proposto pelo ordenamento jurídico-processual brasileiro. 1 4,50%
Não se associa peremptoriamente ao princípio da eficácia e da efetividade da prestação jurisdicional. 1 4,50%
Privilegia apenas uma categoria de partes: as pertencentes à classe dominante. 3 12%
TOTAL 25 100%
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Análise e interpretação dos dados:
A TABELA 1 e a REPRESENTAÇÃO GRÁFICA que lhe segue apresentam –
quantitativa e percentualmente – o grau de confiabilidade e credibilidade que o magistrado
entrevistado tem da função estatal que ele desempenha, isto é, a função jurisdicional.
Ao que se vê, a grande maioria (76%) dos magistrados entrevistados
acredita que a Jurisdição, apesar dos conhecidos problemas de ordem estrutural e legal –
citados, inclusive, por alguns, nas razões apontadas por eles para darem as suas respostas –
é, na avaliação que eles fazem, a melhor forma de resolução dos conflitos sociais. Tal
resultado reflete e se coaduna com o pensamento da própria dogmática jurídico-processual
que, como se sabe, comparando os diversos métodos de resolução de conflito, coloca a
Jurisdição como o método mais razoável de resolução dos conflitos sociais585. Assim
também, tal resultado se coaduna com a própria idéia máter, elementar e legitimadora da
concepção de Estado586.
Por sua vez, a TABELA 2 e a TABELA 3 apresentam – quantitativa e
percentualmente – as razões afirmativas e negativas, respectivamente, invocadas pelos
magistrados entrevistados para assentirem, ou não, com a proposição da Jurisdição como o
melhor método de resolução dos conflitos sociais.
Pelo que se observa dos resultados encontrados, para os que assentem a
Jurisdição como o melhor e mais racional método de resolução de conflitos (76% dos
entrevistados), a razão de tal asserção se encontra, precipuamente, fundada no valor
principiológico da imparcialidade do julgador. Assim, 33,8% dos entrevistados que assentem
a Jurisdição como o melhor método de resolução de conflitos, fazem-no por entender que
585 Neste sentido, assente Niceto Alcalá-Zamora y Castillo (Cf. ALCALÁ-ZAMORA y CASTILLO, Niceto. Proceso, Autocomposición y Autodefensa (contribución al estúdio de los fines del proceso). México: UNAM, 2000.). 586 Nesta perspectiva, assentem Darcy Azambuja (Cf. AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 28. ed. São Paulo: Editora Globo, 1990.) e Paulo Bonavides (Cf. BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1995).
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esta é o meio de resolução de conflitos onde a imparcialidade do julgador é manifesta,
perceptível e razoável. Em verdade, realmente, segundo a sistemática do nosso
ordenamento jurídico, o traço fundamental e legitimador do poder jurisdicional do Estado
encontra-se fundado nos princípios da independência do Poder Judiciário e da imparcialidade
do juiz. A respeito disso o que temos que ter em mente é que, não há que se confundir a
imparcialidade do juiz, com a sua neutralidade axiológica, posto que, conforme acreditamos,
baseados em estudos e teorias de cunho psicológico, sociológico e antropológico, a
imparcialidade do juiz é factível e objetivamente aferida, conforme apreendemos da
preceituação constante dos arts. 134 e 135 do Código de Processo Civil. Agora, não existe,
em relação ao juiz, neutralidade axiológica absoluta, porque, enfim, o julgamento dele
perpassa, mesmo que num mínimo viés, pelo sentir que ele tem em relação ao fato
conflituoso objeto de seu conhecimento e decisum587.
Do mesmo modo, ainda com relação aos que assentem a Jurisdição como o
melhor e mais racional método de resolução de conflitos, a segunda maior razão de tal
asserção se encontra, conforme podemos ver das tabelas sub examen, no poder de
imperium e de coerção que o Estado tem para fazer valer as suas decisões (21,3%). Tal
resultado nos leva a assentir que, em verdade, os próprios magistrados entrevistados
reconhecem que a Jurisdição é o melhor método de resolução de conflitos não porque
atinge, como veremos mais à frente, os proclamados ideais de justiça e paz social, mas sim
porque é o método mais possível de ser realizado, tendo em vista, é claro, o poder, inclusive
de polícia, que o Estado tem para dizer o direito no caso concreto.
Por sua vez, pelo que se observa da TABELA 3 – isto é, para aqueles que
não assentem com a tese de que a Jurisdição é a melhor forma de resolução de conflitos
587 É o que acontece de igual modo com o pesquisador com relação ao seu objeto de estudo. Assim, não existe neutralidade axiológica absoluta. Neste sentido, inclusive, já citamos bem construído texto do Professor Luciano Oliveira (Cf. OLIVEIRA, Luciano. “Neutros e Neutros”. In Revista Humanidades. Brasília: UnB, nº 19, 1988) falando-nos, no caso do pesquisador, da sua impossibilidade da neutralidade axiológica absoluta com relação ao objeto de investigação. Tais preciosas lições servem, do mesmo modo, mutatis mutandis, para a análise da neutralidade do juiz diante dos conflitos apresentados a ele em juízo.
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(24% dos magistrados entrevistados) – esta não o é, principalmente (36,5% assentem
assim), porque “seus resultados não alcançam o ajuste necessário às relações sociais,
sobretudo, a justiça no caso concreto”. Bem, duas importantes interpretações podemos fazer
de tais resultados: a primeira ocorre tendo em vista o surpreendente e alto índice de
integrantes do próprio judiciário que não entendem que a jurisdição é a melhor forma de
resolução de conflitos. Isso nos mostra, então, que, na avaliação dos próprios magistrados, o
poder judiciário passa, realmente, por uma crise de legitimidade588. Por outro lado, a
segunda interpretação que podemos fazer de tais dados – e essa é a que nos importa mais
nesta análise – é que, ora, se os próprios juízes entendem que a jurisdição não tem
alcançado os ajustes necessários a fim de que os ideais, sobretudo, de justiça sejam
atingidos na resolução dos conflitos é, porque, do ponto de vista da nossa análise empírico-
crítica e distintiva sobre os institutos do Litígio e da Lide, o que tem acontecido é que no
exercício da função jurisdicional se tem decidido não o Litígio, mas, tão-somente, a Lide.
Tanto é assim que um considerável número de magistrados entrevistados (12% deles)
entendem que o exercício da função jurisdicional do Estado “não garante através de seus
processos a adequação social esperada pelo autor” na resolução do caso concreto.
Por fim, com os resultados obtidos a partir do questionamento
consecutado, é de se concluir que o objetivo por nós colimado com o questionamento – no
caso, o objetivo de saber o nível e grau de credibilidade e confiabilidade que o magistrado
tem da Jurisdição como método melhor de resolução dos conflitos sociais – temos que, em
síntese, há um crescente descrédito, dentro da própria magistratura, da jurisdição como
método de resolução de conflitos. Não porque se queira adotar um outro método, mas
porque os meios e instrumentais que estão disponíveis para os juizes dizerem o direito no
caso concreto não tem sido suficientes para alcançar os escopos ansiados pela sociedade.
588 Neste sentido, cf.: CÁRCOVA, Carlos Maria. Direito, Política e Magistratura. Trad. Rogério Viola Coelho, Marcelo Ludwig Dorneles Coelho. São Paulo: LTr, 1996.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
QUESTIONAMENTO 2
Dentre as várias definições clássicas, formuladas pela dogmática jurídico-processual, uma delas diz que a Jurisdição é a função do Estado, pela qual este atua o direito objetivo na composição dos conflitos de interesses, com o fim de resguardar a paz social e o império da norma de direito, fazendo-se justiça no caso concreto e, desse modo, alcançando-se a referida pacificação social. No caso, Vossa Excelência acha que esse discurso que justifica o monopólio da jurisdição pelo Estado tem se realizado na prática, isto é, na resolução dos processos tem-se atingido esses ideais de paz e justiça sociais? Sinteticamente: Na resolução dos processos judiciais tem-se atingido os ideais de paz e justiças sociais?
Objetivo:
O objetivo a ser alcançado com este segundo questionamento é o de saber
se, na perspectiva de quem julga diuturnamente pessoas e fatos, os ideais colocados pela
dogmática jurídico-processual como fundamentais e legitimadores da função jurisdicional do
Estado tem sido real e efetivamente cumpridos, isto é, se se tem atingido os proclamados
ideais de pacificação social e justiça na resolução dos casos concretos e, em assim sendo, se
é legítima, ou não, a atuação do Estado-Juiz enquanto exercente da função jurisdicional,
como método oficial de resolução de conflitos que é.
Os resultados obtidos são os que se seguem adiante nas tabelas (TABELA
1, TABELA 2 e TABELA 3) e representação gráfica, nos mesmos termos metodológicos do
questionamento anterior. Assim também, com relação às análises e interpretações
consecutadas a partir dos dados factuais encontrados e apresentados.
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Resultados:
TABELA 1
Questionamento 2
Na resolução dos processos judiciais tem-se atingido os ideais de paz e justiças sociais?
Resposta Quantitativo Freqüência (%)
SIM 26 25%
NÃO 79 75%
TOTAL 105 100%
REPRESENTAÇÃO GRÁFICA
75%
25%
0
20
40
60
80
Freqüência
Questionamento 2: Na resolução dos processos judiciais tem-se atingido
os ideais de paz e justiças sociais?
SIMNÃO
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TABELA 2
Questionamento 2
Na resolução dos processos judiciais tem-se atingido os ideais de paz e justiças sociais?
Razões afirmativas: sim a solução dos processos judiciais tem atingido os ideais (...) Quantitativo Freqüência
Apesar do acesso limitado da sociedade ao Judiciário. 1 3,90%
Pela adequação da lei e senso de justiça dos operadores do direito. 1 3,90%
Pela perfeita adequação das leis e princípios existentes no ordenamento. 4 15,5%
Pela possibilidade de associação da aplicação das leis e princípios. 3 11,20%
Pela efetiva analise das provas constantes nos autos. 1 3,90%
Tendo em vista a observância do princípio da isonomia entre as partes. 1 3,90%
Tendo em vista a observância do princípio do devido processo legal. 1 3,90%
Pela garantia de acesso da parte perdedora ao duplo grau de jurisdição. 1 3,90%
Apesar dos quadros reduzidos de pessoal em detrimento ao excesso demanda. 3 11,6%
Apesar do reconhecimento que a Justiça social extrapola a esfera do Judiciário. 7 26,7%
Pelos resultados manifestados pela sociedade com obtenção de paz e justiça. 1 3,90%
Senão estaríamos vivenciando um verdadeiro caos social. 2 7,70%
TOTAL 26 100%
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
TABELA 3
Questionamento 2
Na resolução dos processos judiciais tem-se atingido os ideais de paz e justiças sociais?
Razões negativas: a solução dos processos judiciais não tem atingido os ideais (...) Quantitativo Freqüência
Devido aos obstáculos de acesso da população ao Judiciário. 5 6,40%
Descomprometimento dos operadores do direito em adequar as leis e princípios. 1 1,25%
Aplicação indevida das fontes do direito. 1 1,25%
Baixo senso crítico Magistratura para a aplicação das leis e princípios. 12 8,85%
Multiplicidade do conceito de Justiça pelo senso comum. 1 1,25%
Porque não promove a conciliação entre as partes. 1 1,25%
Está sujeito a falibilidade do juiz, comprometendo a satisfação com os resultados. 1 1,25%
Pela falta de celeridade no Poder Judiciário. 12 15,15%
Descrença da população pelo formalismo excessivo do Judiciário. 2 2,50%
Pelo desrespeito ao princípio da isonomia entre as partes. 1 1,25%
A responsabilidade pela justiça social extrapola a esfera do Judiciário. 42 53,25%
Tendo em vista certos privilégios de que gozam as partes integrantes das classes dominantes. 5 6,35%
TOTAL 79 100%
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Análise e interpretação dos dados:
A TABELA 1 e a REPRESENTAÇÃO GRÁFICA que lhe segue apresentam –
quantitativa e percentualmente – o entendimento que os magistrados entrevistados têm a
respeito do atendimento, ou não, na resolução dos processos judiciais, dos proclamados e
legitimadores ideais da função jurisdicional do Estado, quais sejam, os ideais de paz e justiça
social.
Pelo que se observa dos resultados encontrados a partir do
questionamento consecutado, a esmagadora maioria dos magistrados entrevistados (75%
deles) entendem, categoricamente, que no exercício da função jurisdicional não se tem
atingido os ideais colimados e legitimadores da Jurisdição. Ora, tal dado, por si só, já é
caracterizador e explicativo da tese por nós proposta entre os institutos do Litígio e da Lide.
Assim, confrontando-se os dados factuais obtidos a partir do questionamento 1 com os
dados, agora, apresentados do questionamento 2, temos que, inobstante se creia que a
Jurisdição é o melhor meio de resolução de conflitos – sobretudo, como se viu, pela
possibilidade que o Estado tem de fazer valer e cumprir as suas decisões – sabe-se que os
ideais justificadores de tal poder de imperium do Estado não estão sendo atingidos, de modo
que, na nossa tética perspectiva, o que se tem resolvido é, tão-somente, a Lide e não o
Litígio nos exatos termos em que este aconteceu, posto que, se assim ocorresse, em
absoluto os ideais de paz e justiça social seriam, mesmo que não num grau máximo,
atingidos.
Por sua vez, a TABELA 2 e a TABELA 3 apresentam – quantitativa e
percentualmente – as razões afirmativas e negativas, respectivamente, invocadas pelos
magistrados entrevistados para assentirem, ou não, com a proposição do atendimento, por
parte da Jurisdição, dos ideais de paz e justiça social.
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decidibilidade da Lide? 387
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Ora, pelo que se observa dos resultados encontrados, daqueles 25% que,
inobstante a realidade que se nos apresenta, acreditam que tais ideais de paz e justiça social
têm sido atingidos, uma considerável parcela desses (cerca de 27%) assentem que, mesmo
assim, o atendimento de tais ideais não é função precípua do Poder Judiciário o que nos faz
concluir (e tal conclusão se confirma, quando observamos, também, que 15,5% dos
entrevistados entendem que tais ideais são atingidos, tendo em vista, tão-somente, a
“perfeita adequação das leis e princípios existentes no ordenamento”) um certo
posicionamento eminentemente formalista de quem assim assente a contrário senso,
inclusive, do pensamento majoritário da dogmática jurídico-processual que, como vimos,
entende que tais escopos devem, sim, serem concretizados no momento da decisão
judicial589. E aí nos lembramos da critica que já colocamos de que o processo judicial não
deve ser, apenas, um palco de diletantismos e ilações silogísticas, intelectivas e
hermenêuticas.
Por outro lado, dos 75% que entendem que os ideais de paz e justiça
social não tem sido atingidos com o exercício da função jurisdicional do Estado, cerca de
54% deles afirma, conscientemente, que esse não atendimento não constitui em si um
problema fundamental do Poder Judiciário a ser solucionado, posto que, entendem esses,
que “a responsabilidade pela justiça social extrapola a esfera do Judiciário”. Outra vez aqui,
percebemos um posicionamento eminentemente formalista de quem assim assente e, então,
já antecipando a análise que procederemos adiante sobre o princípio da congruência, o que
podemos concluir é que, na verdade, para quem assim pensa e assente, o processo judicial
é, tão-somente, um instrumento de realização do direito objetivo de acordo com aquilo que
foi deduzido e pleiteado pelas partes, não cabendo, desse modo, ao juiz, ir além daquilo que
foi levado ao seu conhecimento.
589 Neste sentido, Cândido Rangel Dinamarco e Luiz Guilherme Marinoni (Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do Processo Civil. 4. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2000 e DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do Processo. 10. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002).
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 388
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Ademais, um considerável percentual de magistrados (15,5% deles)
entende que tais ideais de paz e justiça social não têm sido atingidos tendo em vista a
morosidade dos procedimentos judiciais o que, também, nos leva a intuir – e, veremos isso,
quando da análise das entrevistas realizadas com pessoas que já foram partes em processos
judiciais – que, por assim ser, ao mesmo tempo em que se desenrola a Lide processual,
concorrentemente e no plano exoprocessual, desenvolve-se, na teia de relações sociais, o
Litígio, de modo que muitas vezes, por essa morosidade excessiva do Poder Judiciário em
prestar a tutela jurisdicional, a resolução da Lide não faz extinguir o Litígio que, nesses
termos, já está num grau de desenvolvimento e complexidade muito maior que o do
momento da propositura da ação.
Por fim, com os resultados obtidos a partir do questionamento
consecutado, é de se concluir que o objetivo por nós proposto de tentar saber se, na
perspectiva de quem julga pessoas e fatos levados a juízo, os ideais colocados pela
dogmática jurídico-processual como fundamentais e legitimadores da função jurisdicional do
Estado tem sido real e efetivamente cumpridos e, em assim sendo, se tem sido legítima, ou
não, a atuação do Estado-Juiz enquanto exercente da função jurisdicional, em síntese, pelo
que vimos, peremptoriamente, tais ideais não tem sido atingidos e nem buscados pelos
juízes, posto que, conforme demonstramos, para uma parte considerável dos entrevistados,
tal não é a função precípua do Poder Judiciário. Ora, se assim não é, do ponto de vista
teorético e doutrinário, temos que a função jurisdicional, como prática, não é (ou não tem
sido) legítima.
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 389
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
QUESTIONAMENTO 3
Quando Vossa Excelência se depara com um processo, a preocupação do senhor é em decidir a Lide (penal ou cível) nos termos do pedido formulado pelo autor, julgando-o procedente ou improcedente, a partir da dialética processual? Existe alguma outra preocupação? Sinteticamente: A preocupação principal para decidir a Lide é com o pedido ou há outras?
Objetivo:
O objetivo a ser alcançado com este terceiro questionamento é o de tentar
identificar a partir da resposta formulada pelo magistrado se a preocupação dele ao se
deparar com um processo judicial é a de, tão-somente, de modo hermenêutico-silogístico,
fazer, de acordo com o pedido do autor, uma intelecção do fato apresentado a uma norma
constante do ordenamento jurídico, pouco importando se se faz, ou não, justiça e paz sociais
– ou, ao menos, no caso concreto – ou se a preocupação dele em julgar a Lide se estende a
outros fatores, notadamente, sociológicos, culturais, ideológicos, econômicos, políticos,
buscando, assim, os escopos da paz e da justiça social.
Os resultados obtidos são os que se seguem adiante nas tabelas (TABELA
1, TABELA 2 e TABELA 3) e representação gráfica, nos mesmos termos metodológicos do
questionamento anterior. Assim também, com relação às análises e interpretações
consecutadas a partir dos dados factuais encontrados e apresentados.
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 390
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Resultados:
TABELA 1
Questionamento 3
A preocupação principal para decidir a Lide é com o pedido (sim) ou há outras (não)?
Resposta Quantitativo Freqüência (%)
SIM 66 63%
NÃO 39 37%
TOTAL 105 100%
REPRESENTAÇÃO GRÁFICA
37%
63%
0
20
40
60
80
Freqüência
Questionamento 3: A preocupação principal para decidir a Lide é com o
pedido ou há outras?
SIMNÃO
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 391
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
TABELA 2
Questionamento 3
A preocupação principal para decidir a Lide é com o pedido (sim) ou há outras (não)?
Razões afirmativas: a preocupação principal para decidir a Lide e com o pedido (...) Quantitativo Freqüência
Porque assim se proporciona à sociedade a paz e o bem-estar social. 21 31,80%
Porque assim se analisa efetivamente a pretensão das partes. 2 3,0%
Porque assim se realiza um julgamento justo. 11 16,60%
Tendo em vista o princípio do devido processo legal e da congruência. 26 40,10%
Porque assim se observa o princípio da imparcialidade. 6 9,0%
TOTAL 66 100%
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 392
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
TABELA 3
Questionamento 3
A preocupação principal para decidir a Lide é com o pedido (sim) ou há outras (não)?
Razões negativas: outras preocupações para decidir a Lide (...) Quantitativo Freqüência
O atendimento dos anseios sociais e das partes. 1 2,60%
Desenvolver a aplicabilidade das leis e princípios legais. 2 5,00%
Efetivar a realização da Justiça. 12 31%
Efetivar o princípio do devido processo legal. 17 43,40%
Possibilitar as condições para a realização de julgamento imparcial. 1 2,60%
Observação específica e prioritária do principio da efetividade. 6 15,40%
TOTAL 39 100%
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 393
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Análise e interpretação dos dados:
A TABELA 1 e a REPRESENTAÇÃO GRÁFICA que lhe segue apresentam –
quantitativa e percentualmente – o resultado do entendimento que os magistrados
entrevistados têm a respeito de qual dever ser a preocupação principal – ou, numa
terminologia técnica, o objeto principaliter de cognição e decisão do juiz – do juiz ao se
deparar, ele, com o processo judicial, isto é, a Lide: se, tão-somente, se deve preocupar,
precipuamente, com o pedido formulado pelo autor ou, também, com outros matizes de
ordem jurídico-processual ou até mesmo de ordem social, como, por exemplo, o
atendimento dos ideais de pacificação e justiça social.
Bem, pelo que se observa dos resultados encontrados a partir do
questionamento que realizamos, a grande maioria dos magistrados entrevistados (cerca de
63% deles) entende que a principal preocupação do juiz ao se deparar com o processo
judicial deve ser, tão somente, em decidir o pedido que lhe foi formulado pelo autor, dado
esse que nos demonstra que, sob a perspectiva da nossa hipótese de investigação, o que
tem ocorrido é que o juiz ao se deparar com o processo tem se preocupado, tão-somente,
em decidir a Lide e não o Litígio.
Nessa perspectiva, a TABELA 2 e a TABELA 3 apresentam – quantitativa e
percentualmente – as razões afirmativas e negativas, respectivamente, invocadas pelos
magistrados entrevistados para assentirem, ou não, a respeito de qual deve ser a
preocupação principal do juiz ao se deparar com o processo judicial, se com o julgamento,
tão-somente, do pedido ou com outros matizes de ordem social e jurídico-processual.
Bem, dos que consideram que o objeto de preocupações centrais do juiz
deve ser, tão-somente, o pedido formulado pela parte autora, cerca de 41% deles entendem
que tal deve ocorrer, tendo em vista o que preceituam os princípios do devido processo legal
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 394
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
e da congruência. No mesmo sentido e com um fundamento bem próximo a esse, 9%
entende que tal deve ocorrer, tendo em vista o princípio da imparcialidade.
Ainda sobre os que entendem que o juiz deve focar sua cognição e
decisum tão-somente naquilo que lhe foi pleiteado, um dado interessante que se nos
apresenta é que cerca de 50% deles entendem que o juiz deve se ater apenas a julgar de
acordo com o pedido, sem ter qualquer outra preocupação central, posto que, em assim
sendo (notem só!), “se proporciona à sociedade a paz e o bem-estar social” (31,80%) e
“porque assim se realiza um julgamento justo.” (16,60%). O que podemos concluir disso é,
peremptoriamente, trata-se, pelo que estamos a ver, de um argumento sofismático e irreal.
Por outro lado, dos 37% que entendem que o juiz, ao se deparar com o
processo, deve ter como foco outras questões que não necessariamente se ligam ao pedido
formulado pela parte autora, a grande maioria – cerca de 43,40% - mesmo assim, entendem
que tais outras preocupações devem se ligar a questões, eminentemente, de ordem jurídico-
processual, como por exemplo, a efetivação do princípio do devido processo legal. Ainda
sobre esses, apenas cerca de 16% entendem que o juiz deve se preocupar, precipuamente,
com a efetividade da tutela jurisdicional, dado esse um tanto quanto alarmante para nós,
tendo em vista que, conforme assente a dogmática jurídico-processual moderna, vivemos
hoje uma fase da Ciência Jurídico-Processual, onde o foco mais importante das
preocupações dos processualistas é com a instrumentalidade do processo e a efetividade da
tutela jurisdicional a ser prestada às partes590.
Por último, com os resultados obtidos a partir do questionamento
consecutado, é de se concluir que, tendo em vista o objetivo por nós proposto de tentar
identificar a partir da resposta formulada pelo magistrado se a preocupação dele ao se
590 Neste sentido, Cândido Rangel Dinamarco (Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do Processo. 10. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002), Luiz Guilherme Marinoni (Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do Processo Civil. 4. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2000), Kazuo Watanabe (Cf. WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. 2. ed. atual. Campinas: Bookseller, 2000), todos na esteira das lições do processualista italiano Mauro Cappelletti (Cf. CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: FABRIS, 1988.).
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 395
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
deparar com um processo judicial é a de, tão-somente, de modo hermenêutico-silogístico,
fazer, de acordo com o pedido do autor, uma intelecção do fato apresentado a uma norma
constante do ordenamento jurídico, pouco importando se se faz, ou não, justiça e paz sociais
ou se, diferentemente, a preocupação dele em julgar a Lide se estende a outros fatores,
notadamente, sociológicos, culturais, ideológicos, econômicos, políticos, buscando, assim, os
escopos da paz e da justiça social, em síntese, pelo que vimos, peremptoriamente, a
preocupação que tem sido cerne da questão na resolução dos processos judiciais é de,
apenas, se resolver sobre o pedido formulado pelo autor, julgando-o procedente ou
improcedente. Em assim sendo, podemos intuir que a preocupação que se tem sido
observado é com a decidibilidade da Lide e não com a decidibilidade do Litígio.
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 396
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
QUESTIONAMENTO 4
O princípio da congruência diz que o juiz deve decidir a lide – o processo – nos limites em que ela foi proposta e, em assim sendo, deve-se ater exclusiva e peremptoriamente ao que existe, inclusive de provas, nos autos processuais. O que o senhor pensa sobre esse postulado principiológico da jurisdição? Sinteticamente: O princípio da congruência está inserido na decisão da Lide/Processo.
Objetivo:
O objetivo a ser alcançado com este quarto questionamento é o de, na
perspectiva da interrogação anterior, se entender qual o grau de importância que tem para o
magistrado o princípio estatuído de modo peremptório no sistema processual que assente
que o juiz decidirá a Lide tão-somente nos termos em que ela é proposta, não podendo,
assim, realizar julgamentos extra, citra ou ultra petita ou, menos que isso, conhecer de
dados factuais e jurídico-materiais que não foram deduzidos em juízo pelas partes. Isto é, o
denominado princípio da congruência (ou dispositivo, ou ainda, da demanda, para alguns).
Os resultados obtidos são os que se seguem adiante nas tabelas (TABELA
1, TABELA 2 e TABELA 3) e representação gráfica, nos mesmos termos metodológicos dos
questionamentos anteriores. Assim também, com relação às análises e interpretações
consecutadas a partir dos dados factuais encontrados e apresentados.
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 397
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Resultados:
TABELA 1
Questionamento 4
O princípio da congruência está inserido na decisão da Lide/Processo.
Resposta Quantitativo Freqüência (%)
SIM 73 69%
NÃO 32 31%
TOTAL 105 100%
REPRESENTAÇÃO GRÁFICA
31%
69%
0
20
40
60
80
Freqüência
Questionamento 4: O princípio da congruência está inserido na decisão da
Lide/Processo?
SIMNÃO
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 398
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
TABELA 2
Questionamento 4
O princípio da congruência está inserido na decisão da Lide/Processo?
Razões afirmativas: O princípio da congruência está inserido na decisão da Lide/Processo. Quantitativo Freqüência
Porque, através do atendimento dele, se atinge a paz e o bem-estar sociais. 1 1,40%
Aplicação efetiva das leis e princípios. 4 5,90%
Porque todo principio tem que ser, categoricamente, obedecido. 8 11%
Limitação da apreciação tão-somente das provas existentes no processo. 2 2,80%
Por causa do principio do devido processo legal. 28 38,40%
Porque assim se atende ao princípio da efetividade processual. 1 1,40%
Tendo em vista o atendimento do principio da imparcialidade. 7 9,10%
Por que é um princípio basilar e fundamental do sistema processual, inclusive como garantidor da segurança jurídica das relações entre os sujeitos processuais.
22 30,40%
TOTAL 73 100%
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 399
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
TABELA 3
Questionamento 4
O princípio da congruência está inserido na decisão da Lide/Processo?
Razões negativas: O princípio da congruência não está inserido na decisão da Lide. (...) Quantitativo Freqüência
Porque o atendimento único e exclusivo de tal princípio resultaria em julgamentos eminentemente formais. 4 12,50%
Deve-se buscar a aplicação de outros princípios processuais objetivando uma melhor decisão quanto à Lide.
4 12,50%
Por que o Princípio do devido processo legal não se consubstancia apenas no princípio da congruência. 3 9,40%
Porque precipuamente deve-se buscar a efetividade da tutela jurisdicional. 1 3,12%
Mas é um princípio necessário para a garantia da segurança jurídica das partes. 20 56,24%
TOTAL 32 100%
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 400
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Análise e interpretação dos dados:
A TABELA 1 e a REPRESENTAÇÃO GRÁFICA que lhe segue apresentam –
quantitativa e percentualmente – o resultado do entendimento que os magistrados
entrevistados têm a respeito do grau de importância que se tem do princípio estatuído no
sistema processual – o denominado princípio da congruência – que assente que o juiz deve
decidir a Lide, tão-somente, nos termos em que ela é proposta, não podendo, assim, realizar
julgamentos extra, citra ou ultra petita ou, menos que isso, conhecer de dados factuais e
jurídico-materiais que não foram deduzidos em juízo pelas partes.
Pelo que se observa dos resultados encontrados a partir do
questionamento que consecutamos aqui, do mesmo modo que na indagação anterior onde
vimos que a grande maioria dos magistrados entrevistados entende que a principal
preocupação do juiz ao se deparar com o processo judicial deve ser, tão somente, em decidir
o pedido que lhe foi formulado pelo autor, a maioria – 69% – dos magistrados entrevistados
entendem que se deve observar, peremptoriamente, na resolução dos processos judiciais, o
princípio da congruência, enquanto que, apenas, 31% entende que tal princípio não deve ser
observado de modo irrestrito. Não que, como veremos aqui, esses 31% entendam que o juiz
deva, na nossa perspectiva, ir, em seu âmbito de cognitio e decisum, além do que lhe foi
pedido, julgando, assim, não só a Lide, mas, sobretudo, o Litígio. Não. Decididamente, não é
essa a razão que levou a um assentimento contrário aos que entendem categoricamente que
o principio da congruência deve ser de modo irrestrito observado. Outras foram as razões, e
veremo-as agora.
Nesse ínterim, a TABELA 2 e a TABELA 3 apresentam – quantitativa e
percentualmente – as razões afirmativas e negativas, respectivamente, invocadas pelos
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 401
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
magistrados entrevistados para assentirem, ou não, com o atendimento precípuo e irrestrito
do princípio da congruência no âmbito de resolução dos processos judiciais.
Bem, pelo que se observa dos que entendem que o princípio da
congruência deve ser atendido irrestritamente, cerca de 31% desses assim entendem, posto
que, segundo esses, o principio da congruência é “um princípio basilar e fundamental do
sistema processual, inclusive como garantidor da segurança jurídica das relações entre os
sujeitos processuais.”. Do mesmo modo, cerca de 39%, assim, entende, posto que, segundo
esses, o princípio em epígrafe é um princípio fundamental corolário do “principio do devido
processo legal.”.
Ora, o que podemos concluir a partir desses dados factuais resultantes é
que, decididamente, como estamos a perceber dessa investigação empírico-crítica, a
tendência dos magistrados é de, fulcrado em razões de ordem eminentemente formal e de
segurança jurídica, privilegiar o denominado princípio da congruência em detrimento,
inclusive, do atendimento dos ideais basilares e fundamentais da função jurisdicional
consubstanciados que são na pacificação social e na consecução de justiça no caso concreto.
Em assim sendo, ora, a teleologicidade processual a ser observada é a decidibilidade da Lide
ou a decidibilidade do Litígio? Evidentemente, pelo que estamos a ver, a decidibilidade da
Lide.
Por outro lado, agora analisando e interpretando o resultado daqueles que
entendem que o princípio da congruência não deve ser atendido de modo irrestrito, temos
que, mesmo para os que assentem desse modo, tal princípio constitui em si um elemento
indispensável do sistema jurídico-processual de normas. Tanto é assim que cerca de 57%
desses magistrados afirmaram que, inobstante a tese por eles defendida, este princípio é
indispensável, fundamental e “necessário para a garantia da segurança jurídica das partes.”
E, dessa maneira, apenas 12,5% desses magistrados afirmaram que “o atendimento único e
exclusivo de tal princípio resultaria em julgamentos eminentemente formais.”.
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 402
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Destarte, o que podemos continuar a intuir desses resultados é que a
preocupação eminente de se atender ao postulado principiológico da congruência leva-nos a
aferir que a decidibilidade da Lide e não necessariamente do Litígio que deu origem a ela é o
objeto central da dialética processual, nos termos em que o nosso sistema está montado.
Isso porque, como sabemos, é o próprio sistema jurídico-processual que estatui de modo
peremptório e cabal que o magistrado, na forma dos arts. 128 e 460 do Código de Processo
Civil não pode julgar – ou sequer conhecer – de questões não suscitadas e deduzidas em
juízo pelas partes.
Assim sendo e por fim, com os resultados obtidos a partir de mais este
questionamento consecutado, é de se concluir que – tendo em vista o objetivo por nós
proposto aqui de se tentar entender qual o grau de importância que tem para o magistrado
o princípio estatuído de modo peremptório no sistema processual que assente que o juiz
decidirá a Lide tão-somente nos termos em que ela é proposta, não podendo, assim, realizar
julgamentos extra, citra ou ultra petita ou, menos que isso, conhecer de dados factuais e
jurídico-materiais que não foram deduzidos em juízo pelas partes – em síntese, pelo que
vimos, peremptoriamente, aqui, tendo em vista o elevado grau de importância que se dá ao
princípio da congruência, até mesmo porque o próprio sistema assim de modo categórico e
cogente estatui, a teleologicidade processual reside não na decidibilidade do Litígio, mas sim
na decidibilidade da Lide.
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 403
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
QUESTIONAMENTO 5
O objetivo do juiz, ao se deparar com o processo, é em decidir a Lide, o processo, ou é em decidir o Litígio que deu origem ao processo? Sinteticamente: O objetivo do Juiz é decidir a Lide (S591) ou o Litígio (N592) que deu origem ao processo?
Objetivo:
O objetivo a ser alcançado com este último questionamento é o de, em
síntese, tentar se buscar do magistrado qual efetivamente a preocupação, anseios e
objetivos dele ao decidir um processo judicial. Se apenas a decisão daquilo que foi deduzido,
quantitativa e qualitativamente, em juízo, pelas partes – sobretudo a parte autora, com a
dedução da sua pretensão processual e material – o que denominamos de Lide – ou se,
efetivamente, o conflito – o qual denominamos de Litígio – nos exatos termos em que ele
ocorreu na realidade social.
Os resultados obtidos são os que se seguem adiante nas tabelas (TABELA
1, TABELA 2 e TABELA 3) e representação gráfica, nos mesmos termos metodológicos dos
questionamentos consecutados anteriormente. Assim também, com relação às análises e
interpretações consecutadas a partir dos dados factuais encontrados e apresentados.
591 S = Sim. 592 N = Não.
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 404
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Resultados:
TABELA 1
Questionamento 5
O objetivo do Juiz é decidir a Lide (S) ou o Litígio (N) que deu origem ao processo?
Resposta Quantitativo Freqüência (%)
SIM 47 44,5%
NÃO 58 55,5%
TOTAL 105 100%
REPRESENTAÇÃO GRÁFICA
56%
45%
0
10
20
30
40
50
Freqüência
Questionamento 5: O objetivo do Juiz é decidir a Lide (S) ou o Litígio (N)
que deu origem ao processo?
SIMNÃO
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 405
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
TABELA 2
Questionamento 5
O objetivo do Juiz é decidir a Lide (S) ou o Litígio (N) que deu origem ao processo?
Razões afirmativas: a Lide como objetivo da decisão do juiz. Quantitativo Freqüência
Tendo em vista o princípio do devido processo legal. 4 8,50%
Esta decisão garante a paz social. 1 2,12%
Tendo em vista o princípio da congruência. 22 46,84%
Porque esse é um requisito legal para a garantia da imparcialidade dos julgamentos. 3 6,36%
Porque o objetivo do Estado-juiz é resolver aquilo que foi deduzido em juízo. 2 4,24%
A resolução de um – a Lide – implica a resolução do outro – o Litígio. 15 31,94%
TOTAL 47 100%
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 406
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
TABELA 3
Questionamento 5
O objetivo do Juiz é decidir a Lide (S) ou o Litígio (N) que deu origem ao processo?
Razões negativas: o Litígio como objetivo da decisão do juiz. Quantitativo Freqüência
Adequação da sentença com as aspirações da sociedade. 4 7,0%
Para cumprimento do requisito do devido processo legal. 1 1,20%
Porque a decisão do Litígio implica a garantia da paz social. 5 8,50%
Porque assim se atenderá ao principio da efetividade da tutela jurisdicional. 24 41,50%
Porque se deve buscar a resolução tanto da Lide como do Litígio. 24 41,80%
TOTAL 58 100%
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 407
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Análise e interpretação dos dados:
A TABELA 1 e a REPRESENTAÇÃO GRÁFICA que lhe segue apresentam –
quantitativa e percentualmente – o resultado do entendimento que os magistrados
entrevistados têm a respeito do que, realmente, deve ser decidido e resolvido com o
julgamento dos processos judiciais, isto é, se, tão-somente, aquilo que foi deduzido,
quantitativa e qualitativamente, em juízo, pelas partes – mormente a parte autora, com a
dedução da sua pretensão processual e material – o que denominamos de Lide – ou se,
efetivamente, o conflito – o qual denominamos de Litígio – nos exatos termos em que ele
ocorreu na realidade social.
Os dados obtidos demonstram-nos que, ao que parece, há uma nítida
indiscernibilidade conceitual entre os magistrados a respeito dos elementos conceptuais sub
examen. Tanto é assim que quase metade dos entrevistados entendem que o juiz deve ter
como preocupação e objetivo maior, no momento da decisão judicial dos processos, a
resolução da Lide e, por outro lado, a outra metade, entende que o objetivo e preocupações
centrais da cognição e decisão do juiz, deve-se ater à resolução do Litígio. Inclusive, como
mostraremos abaixo, as razões afirmativas e negativas que os levam a assim assentirem
convergem para a tese de que, resolvendo um, resolve-se, como corolário, o outro. Ora,
pelo que estamos a construir aqui não é bem assim que as coisas funcionam e ocorrem no
plano da concretude dos fatos, posto que se a resolução do Litígio implica, por conseguinte e
por via de conseqüência, a resolução da Lide, a hipótese contrária não pode ser assertida
necessariamente.
Pois bem. A TABELA 2 e a TABELA 3, por sua vez, apresentam –
quantitativa e percentualmente – as razões afirmativas e negativas, respectivamente,
invocadas pelos magistrados entrevistados para assentirem, ou não, com o entendimento
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 408
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
que eles têm a respeito do que, realmente, deve ser decidido e resolvido com o julgamento
dos processos judiciais se, apenas, aquilo que foi deduzido, quantitativa e qualitativamente,
em juízo, pelas partes– o que denominamos de Lide – ou se, realmente, o conflito – o qual
denominamos de Litígio – nos exatos termos em que ele ocorreu na realidade social.
Bem, pelo que se observa dos resultados obtidos, os que entendem que a
Lide é que deve constituir o objeto central das preocupações e objetivos do magistrado ao
dizer o direito no caso concreto, fazem-no, exatamente como já temos visto nos outros
questionamentos, tendo em vista, fundamentalmente, o princípio da congruência (cerca de
47% desses, assim entende). Por outro lado, como já afirmamos aqui, uma grande parte
desses (cerca de 32%) magistrados, entende que a Lide deve constituir o objeto central da
cognição e decisão do juiz, posto que, segundo eles, resolvendo-se a Lide, de modo
corolário, resolve-se o Litígio que deu origem a ela como componente objetivo-conteudística
do processo judicial que é. Em verdade, da análise que estamos aqui a consecutar, tal não
consiste em uma tese com correspondência factual, posto que, como veremos na análise das
entrevistas realizadas com as pessoas que já foram partes em um processo judicial, na
maioria dos casos, a simples resolução da Lide não leva, de modo necessário, à resolução do
conflito que deu ensejo à sua formação. Isso porque outros elementos de caráter sociológico
devem ser levados em consideração no momento da decisão judicial que não apenas os
elementos meramente técnico-formais do decisum judicial.
Por outro lado, agora analisando e interpretando o resultado daqueles que
entendem que o Litígio é que deve constituir o objeto central das preocupações e objetivos
do magistrado ao dizer o direito no caso concreto, temos que cerca de 42% desses assim o
fazem por entender que o prestigiado, modernamente, principio da efetividade da tutela
jurisdicional é que deve constituir-se no cerne das preocupações e anseios do magistrado no
exercício da função jurisdicional. Inobstante tal dado factual resultante, o que pudemos
perceber, a partir das observações consecutadas, é que, em verdade, o que tem ocorrido em
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 409
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
muitos casos é que tal idéia adotada constitui-se em mera retórica retumbante do julgador,
posto que, efetivamente, diante, inclusive, dos infindáveis problemas estruturais do Poder
Judiciário (alta demanda e pouca oferta, morosidade e etc) e das lacunas e problemas de
subsunção e interpretação apresentados a partir da intelecção das normas materiais
constantes do ordenamento jurídico pátrio, o que tem ocorrido é que o princípio da
efetividade da tutela jurisdicional não tem sido materializado na concretude processual e, por
assim ser, mesmo assentindo que a preocupação maior deve ser com a resolução do Litígio,
no plano da pragmática processual, tal não tem ocorrido593.
Outrossim, conforme assentimos anteriormente, ainda com relação aos
magistrados que entendem que o Litígio é que deve constituir o objeto central das
preocupações, anseios e objetivos do magistrado, tal acontece porque, segundo atestam
eles (cerca de 42% o fazem), “se deve buscar a resolução tanto da Lide como do Litígio”.
Em outras palavras, inobstante se adote, discursivamente, nesse caso, que o Litígio é que se
constitui no objeto principaliter da decisão judicial, em verdade, pelo que pudemos observar
das entrevistas consecutadas, o que, na realidade acontece é que, no mesmo sentido que
vimos apresentando até aqui nesta análise empírico-crítica, os magistrados não entendem
que existe um vácuo sociológico entre as decisões judiciais e a resolução efetiva dos Litígios
sociais. Mesmo para os que entendem que tal Litígio deve ser o centro das preocupações e
anseios do juiz, fazem-no, na verdade, sem perder de vista a tese de que resolver o Litígio é
o mesmo que resolver a Lide. Nota-se, assim, um forte viés formalista e positivista nas
concepções teleológicas dos magistrados entrevistados.
Destarte, o que podemos concluir a partir desses resultados obtidos é que,
em verdade, o que se tem procurado resolver com a prolatação da decisão judicial não é o
593 Neste sentido, assente José Rogério Cruz e Tucci (Cf. CRUZ e TUCCI, José Rogério. Tempo e Processo: uma análise empírica das repercussões do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). 2. ed. rev. atual. amp. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997), Ovídio A. Baptista da Silva (Cf. SILVA, Ovídio A. Baptista. Processo e ideologia: o paradigma racionalista. Rio de Janeiro: Forense, 2004) e Celso Fernandes Campilongo (Cf. CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, Sistema Jurídico e Decisão Judicial. São Paulo: Max Limonad, 2002).
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 410
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Litígio que ensejou a formação da Lide processual, mas sim, tão-somente, hermenêutico e
silogísticamente, esta.
Assim sendo e por fim, com os resultados obtidos a partir deste último
questionamento consecutado com os membros da magistratura atuantes no primeiro e
segundo graus das justiças sediadas no Estado de Pernambuco, é de se concluir que – tendo
em vista o objetivo por nós proposto aqui de se tentar entender o que, realmente, deve ser
decidido e resolvido com o julgamento dos processos judiciais se, apenas, aquilo que foi
deduzido, quantitativa e qualitativamente, em juízo, pelas partes – sobretudo a parte autora,
com a dedução da sua pretensão processual e material – o que denominamos de Lide – ou
se, efetivamente, o conflito (o qual denominamos de Litígio) nos exatos termos em que ele
ocorreu na realidade social – em síntese, pelo que vimos, peremptoriamente, aqui, a
teleologicidade processual, na práxis e vivência forense, tem se consubstanciado não na
decidibilidade do Litígio, mas sim, e tão-somente, na decidibilidade da Lide.
Desse modo, como conclusão da análise empírico-crítica da teleologicidade
processual a partir das observações direta, intensiva e extensiva, realizada com os membros
da magistratura e, tendo em vista, sobretudo, os dados factuais resultantes dos
questionamentos ora apresentados, o que podemos intuir é que, na nossa perspectiva tética
e distintiva entre os institutos sócio-jurídico-processuais do Litígio e da Lide, o que temos é
que tal construção analítico-distintiva se observa não só do ponto de vista dos conceitos e
teorias da Ciência Jurídico-Processual, mas também, do ponto de vista da pragmática
processual, dado esse que nos deixa alarmados, posto que, em assim sendo, os ideais e
escopos legitimadores da atuação da função jurisdicional do Estado não têm sido,
precipuamente, materializados o que, cabalmente, poderíamos, a partir disso, em síntese,
afirmar que temos um Poder Judiciário que não corresponde aos anseios da sociedade ou,
de modo mais contundente, um Poder Judiciário ilegítimo.
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decidibilidade da Lide? 411
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Visto isso, continuemos a nossa análise da teleologicidade processual a
partir agora das entrevistas consecutadas com as pessoas que já foram partes num processo
judicial.
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 412
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Análise empírico-crítica da teleologicidade processual:
decidibilidade do Litígio ou decidibilidade da Lide? Resultado das Entrevistas Tópicas e Semi-Estruturadas com as Partes.
QUESTIONAMENTO ÚNICO E SEQÜENCIAL.
No processo judicial vivenciado por você (ou parente seu), o juiz ao sentenciar, você acha que ele agiu com justiça? Se sim ou não, por quê? A sentença que ele deu na sua causa lhe foi favorável (ou ao seu parente)? Você (ou seu parente) ficou satisfeito com a decisão, isto é, você acha que ele resolveu, realmente, o seu problema, o seu conflito?
Objetivo:
O objetivo a ser alcançado com esses questionamentos consecutados com
as pessoas que já viveram, direta ou indiretamente, alguma situação de Lide processual é o
de tentar se identificar a partir dos elementos factuais, por certo, qualitativos, apresentados
nas respostas dessas pessoas entrevistadas, se, efetivamente, nos processos judiciais em
que participaram, o juiz, decidindo-o, na visão delas, resolveu o Litígio ou a Lide594.
594 É importante lembrarmos aqui do que explicitamos no suporte teórico-metodológico do presente trabalho de pesquisa científico-jurídica no sentido de que a abordagem método-procedimental específica de que nos valemos, neste item, para a consecução do objetivo proposto é a da pesquisa de estudo de caso. Assim sendo, como característica metodológica dessa os resultados a que chegamos e, principalmente, as análises e interpretações a que procedemos são marcadas, essencialmente, pela subjetividade e compreensibilidade do pesquisador.
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 413
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Resultados:
Como resultado do primeiro questionamento que formulamos aos
entrevistados no sentido de saber, se no processo judicial vivenciado por eles o juiz, ao
sentenciar, decidiu o processo com justiça tivemos que, uma grande parte das pessoas
entrevistadas – cerca de 40% delas – assentiram que o juiz, no caso deles, “agiu com
justiça”. Os outros 60% dos entrevistados assentiram, de modo contrário, que o juiz, na
situação processual vivenciada por eles, “não agiu com justiça”.
Por outro lado, dentre esses (40%) que assentiram que o juiz agiu com
justiça ao decidir o processo judicial, 76% deles afirmaram que a sentença que foi prolatada
foi favorável ao seu pleito. Os outros 24% inobstante terem sido vencidos na Lide processual
consideraram que a decisão foi a mais justa possível.
Por sua vez, dentre os que assentiram que o juiz não agiu com justiça ao
decidir o processo judicial por eles vivenciados (os outros 60%), cerca de 80% deles
afirmaram que a sentença que foi prolatada pelo magistrado não foi favorável ao seu pleito.
Os 20% restante afirmaram que sentença lhes foi favorável.
Por fim, dentre os entrevistados, no que diz respeito ao questionamento
que fizemos de se ele ficou satisfeito com a decisão proferida e se ela resolveu, realmente, o
conflito social, temos que dos 60% que haviam afirmado que o juiz não agiu com justiça ao
decidir o proceso, cerca de 75% assentiram a sua insatisfação com a decisão, dizendo que,
no plano concreto, o conflito em si não foi solucionado. Por outro lado, dos 40% que
assentiram que o juiz agiu com justiça ao decidir o processo, 60% afirmaram a sua
satisfação com a decisão, assentido, ainda, que se não se resolveu por completo o conflito
social ocorrido e existente, deu uma solução a ele.
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 414
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Análise e interpretação dos dados:
Pois bem. Os dados factuais resultantes apresentados anteriormente nos
abre um prisma grande de possíveis interpretações e compreensões. Não dá, evidentemente,
para se chegar, categoricamente, a uma única ilação, posto que dos elementos que
encontramos, quando dessa investigação empírica, várias são as possíveis combinações de
resultados.
Mas, inobstante esse dificuldade metodológica de interpretação dos
resultados, algumas conclusões apresentam-se, in claris, para nós, como por exemplo, de
que há uma visível interdependência entre o entendimento de que o juiz agiu com justiça, ou
não, no caso concreto, com a prolatação de uma sentença que lhe foi favorável ou não. Os
dados nos mostram isso e, desse modo, as conclusões a que podemos chegar com isso não
são as mais certas e claras possíveis.
Do mesmo modo, uma outra conclusão a que chegamos a partir dos dados
obtidos – e essa, também, apresenta-se como uma conclusão nítida – é a de que o conceito
de justiça se apresenta ligado ao fato de se ter recebido, ou não, uma sentença favorável, o
que nos faz entender as preocupações – e diríamos até, reclamações – dos magistrados no
sentido do quanto é difícil se mensurar os ideais de justiça e paz social – colimados pela
dogmática jurídico-processual como os mais essenciais ideais legitimadores da função
jurisdicional do Estado – no caso concreto.
A despeito disso tudo, os dados factuais resultantes que se apresentam
mais importantes para a análise do que propomos aqui – a análise da teleologicidade
processual, no sentido de tentar encontrar se, na prática processual, ocorre a decidibilidade
da Lide ou a decidibilidade do Litígio – são os obtidos com o último questionamento, isto é, o
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 415
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
de saber se a parte ficou satisfeita com a decisão proferida pelo magistrado e se ela
resolveu, realmente, o conflito social.
In casu, os dados obtidos com tal questionamento revelam-nos que 60%
das pessoas entrevistadas que haviam afirmado que o juiz não agiu com justiça ao decidir o
proceso, cerca de 75% delas assentiram a sua insatisfação com a decisão, dizendo que, no
plano concreto, o conflito em si não foi solucionado e, por outro lado, dos 40% que
assentiram que o juiz agiu com justiça ao decidir o processo, 60% afirmaram a sua
satisfação com a decisão, assentido, ainda, que se não se resolveu por completo o conflito
social ocorrido, foi dada uma solução a ele.
Ora, pelo que se observa de tais dados, mesmo para os que entendem que
o juiz agiu com justiça no caso concreto – 40% assim afirmaram – o mais importante da
decisão judicial não foi o conteúdo da mesma, ou seja, o julgamento da pretensão autoral,
mas sim, porque, enfim, uma decisão foi dada e, pela força do Estado, coercitivamente
cumprida. Em assim sendo, mesmo que tal decisão não tenha resolvido por completo o
conflito – disseram alguns – o importante é que algum tipo de solução foi dada ao conflito.
Bem, o que podemos entender disso tudo – e aqui nos lembremos,
novamente, da pirâmide de litigiosidade proposta por BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS595,
onde ele nos demonstra as instâncias sociais de resolução de conflitos porque passam, no
decorrer da trama social, os Litígios até se chegar ao que ele denomina de domínio de
judicialização oficial do Litígio – é que, em verdade, apesar de, como se percebeu da análise
das entrevistas consecutadas com os magistrados, o juiz, ao decidir os processos judiciais,
muitas vezes, decidir e resolver somente a Lide e não o Litígio que deu origem a ela, pelo
que pudemos observar das entrevistas consecutadas com as pessoas que já foram partes em
um processo judicial, há um contentamento, ou melhor dizendo, um sentimento de
595 Cf. SOUSA SANTOS, Boaventura de; LEITÃO MARQUES, Maria Manuel e PEDROSO, João. Os tribunais nas sociedades contemporâneas. In Revista Brasileira de Ciências Sociais. N. 30.
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 416
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
resignação com relação á função jurisdicional do Estado, no sentido de se pensar que o
Poder Judiciário, como disseram alguns dos entrevistados, “é um mal necessário”.
Ademais, pelo que pudemos observar das incursões empíricas realizadas
com as pessoas entrevistadas, na realidade, conforme já havíamos assentido anteriormente,
quando da construção teórico-término-lógico-conceptual dos institutos do Litígio e da Lide596,
em muitos casos que nós vimos e analisamos, o que ocorre é – que embora instaurada a
Lide no plano da relação endo-jurídico-processual – no plano exoprocessual – num momento
pré, concomitante e pós-processual, porque, como assente BOAVENTURA DE SOUSA
SANTOS597, a Lide é, tão-somente, um dos momentos porque passa e se reveste o conflito
social – permanece o fenômeno do Litígio.
Em assim sendo, como conclusão dessa análise fruto das nossas
observações dos estudos de casos, podemos assentir que, embora os caracteres
essencialmente subjetivos encontrados nos dados factuais resultantes da investigação, o
que, realmente, tem ocorrido com a decisão dos processos judiciais é a decidibilidade da
Lide e não, necessariamente, do Litígio, até porque, como vimos, o próprio sistema impede
que o juiz venha a conhecer de parcela do Litígio que, embora importante para a resolução
justa da Lide, não pode levá-la em conta, tendo em vista o princípio da congruência. Aliás,
nesse sentido, o sistema jurídico-processual de normas, impede, inclusive que, em algumas
situações de direito substancial vivenciadas por certas categorias de partes, mesmo assim
desejando, as partes venham a deduzir determinados tipos de pretensões processuais e
596 Neste sentido, havíamos afirmado, in verbis, que: “em verdade, o Litígio, enquanto fenômeno sociológico que o é, não só é um fenômeno exoprocessual, que ocorre fora do processo, como também um fenômeno que ocorre ou pode ocorrer em três momentos distintos, quais sejam: num momento pré-processual – posto que, como vimos, trata-se de um elemento desencadeador do processo (da Lide); num momento processual – posto que mesmo existindo o processo judicial, enquanto instância de resolução do conflito e, por conseguinte, mesmo formada a Lide, permanece, paralela e concorrentemente, no plano factual, o Litígio pendente e que, por assim ser, continua afetando as relações sociais; e, em alguns casos, num momento pós-processual – posto que, em muitas situações, como veremos, quando da análise empírico-crítica, mesmo terminada a Lide, e, por conseguinte, o processo, permanece imanente ou manifesto, na realidade social, tal Litígio. Tal assertiva é bem fácil de ser demonstrada se lembrarmos da pirâmide de litigiosidade proposta por BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, onde ele aponta os diversos processos de transformação porque o passa o Litígio, no que ele denomina de trama social, até se chega a sua efetiva resolução, seja no plano social, seja no plano jurídico-processual do Estado.”. 597 Cf. SOUSA SANTOS, LEITÃO MARQUES e PEDROSO, op. cit.
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.2 – Análise empírico-crítica da teleologicidade processual: decidibilidade do Litígio ou
decidibilidade da Lide? 417
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
materiais. É o caso, por exemplo, dos processos de desapropriação, onde, em alguns casos,
o próprio sistema veda que a parte expropriada venha a discutir em juízo qualquer outro tipo
de defesa material a não ser a referente ao preço pago pela indenização. Ora, como se pode
decidir o Litígio, então, em situações extremas como essa? Bem, é sobre isso que
discutiremos na nossa próxima e última subseção que trata, como nesse caso do exemplo,
da “Análise da técnica processual de limitação da cognição (Lide ≤ Litígio) como reflexo da
ideologia procedimental”.
Vejamo-a, então.
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.3 – Análise empírico-crítica da técnica processual da limitação da cognição (Lide ≤ Litígio)
como reflexo da ideologia procedimental. 418
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
7.3 – Análise empírico-crítica da técnica processual de limitação
da cognição (Lide ≤ Litígio) como reflexo da ideologia procedimental.
Conforme apresentamos – de modo sinóptico e propedêutico, é certo – no
intróito do presente trabalho de pesquisa científico-jurídica, fazendo-se uma análise da
técnica processual de cognição598 e de construção dos procedimentos judiciais, a partir das
observações teoréticas da dogmática jurídico-processual e das incursões empíricas que
consecutamos, segundo pudemos observar – e essa é a tese599 a ser defendida aqui nesta
última subseção – quando o legislador estabelece, em certos procedimentos, ditos especiais,
algumas limitações à cognição do juiz, na verdade, em muitos casos, é evidente e
peremptório que, ao contrário do que assente o discurso oficial que fala, assim, em
especialização do procedimento para se atingir a efetividade da tutela jurisdicional, o que se
tem estabelecido, em algumas situações, é um tratamento diferenciado e privilegiado para
uma determinada categoria de partes, atestando-se, assim, que na consecução legislativa
dos procedimentos judiciais, observa-se, decididamente, a influência de fatores ideológicos600
– notadamente, ligados aos grupos sociais de maior poderio econômico e político – que
consubstanciam a estruturação e formatação das técnicas procedimentais de cognição.
Assim, neste sentido, corroborando e analisando a tese acima descrita, o
Professor LUIZ GUILHERME MARINONI601 correspondeu-nos, nos termos que – por seus
598 E, quanto a esta análise, conforme já assentimos, os referenciais teóricos utilizados por nós foram: Mauro Cappelletti (Cf. CAPPELLETTI, Mauro. Processo e ideologie. Bologna: Il Mulino, 1969), Kazuo Watanabe (Cf. WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. 2. ed. atual. Campinas: Bookseller, 2000), Luiz Guilherme Marinoni (Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 4. ed. rev. ampla. São Paulo: Malheiros, 2000) e Cândido Rangel Dinamarco (Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2002). 599 E esta, na verdade, é mais uma hipótese secundária independente – isto é, decorrente, tão-somente, da análise empírico-crítica proposta sem relação de interdependência com as hipóteses básicas – do presente trabalho de pesquisa. 600 Neste mesmo sentido, assente: BECKER, L. A. Contratos Bancários: execuções especiais (SFH – SFI – Alienação Fiduciária – Crédito Rural e Industrial). São Paulo: Malheiros, 2002. 601 MARINONI, Luiz Guilherme. Publicação eletrônica [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]> em 05 agos. 2002.
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.3 – Análise empírico-crítica da técnica processual da limitação da cognição (Lide ≤ Litígio)
como reflexo da ideologia procedimental. 419
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
caracteres bastante elucidativos e concludentes – é importante apresentarmos mais uma
vez, in verbis:
Na linha da sua proposta(...), estabelecendo-se a diferença entre lide e litígio, no sentido de que a lide é aquilo que, do litígio, é levado ao conhecimento do juiz, e assim delimitado pelo pedido contido na petição inicial, a lei, ao construir procedimentos diferenciados (ou especiais), permite que o investigador vislumbre o tratamento especial conferido a determinadas situações de direito substancial. Por exemplo: na ação de busca e apreensão, fundada no Decreto-Lei 911/69, o legislador desejou, em princípio, impedir que o réu pudesse alegar, em sua defesa, contrariedade à lei ou ao contrato; o réu somente poderia alegar o cumprimento da sua obrigação. Um procedimento deste tipo, como é evidente, limita a cognição do juiz, abreviando o tempo para a prestação da tutela jurisdicional, interessando apenas a alguns. É por isso que se pensa na técnica da cognição, como técnica de construção de procedimentos especiais, por meio da qual exclui-se a possibilidade das partes alegarem e discutirem determinada parcela da lide [litígio], definindo-se que somente algumas questões da lide [litígio] podem ser enfrentadas, e estas é que vão conformar o litígio [lide] a ser definido pelo juiz. Nesta linha, seria possível analisar a ideologia dos procedimentos, ou seja, as razões que estão por detrás dos procedimentos que tratam de forma especial determinadas situações de direito substancial e algumas posições sociais, excluindo a possibilidade de debate de determinada porção da lide [litígio] (Grifos no texto do remetente e alterações, em colchetes, minhas).
Em assim sendo, o que ocorre é que tal ideologização das técnicas
procedimentais de limitação do âmbito de cognição do juiz, tem, conforme já assentimos,
ampla repercussão e implicação na problemática do acesso à justiça – posto que, evidencia-
se, assim, in claris, o impedimento da dedução de parte do Litígio em juízo, constituindo-se
tal fato, por certo, naquilo que convencionamos denominar de um obstáculo jurídico602 de
acesso à Justiça e, sobretudo, de (de)limitação teórica e tecnológico-pragmática dos
602 Isto é, além dos tradicionais obstáculos, apontados pela dogmática jurídico-processual moderna – obstáculos, por certo, de natureza material, como, por exemplo, o alto custo do processo judicial, a baixa capacidade econômica da maioria da sociedade, o desconhecimento dos direitos, entre outros – obstáculos esses que impedem o efetivo “Acesso à Justiça”, temos, ainda, pelo que estamos a demonstrar, na sistemática do processo, mais um tipo de obstáculo, o obstáculo de ordem jurídico-normativa, isto é, aquele que impede que parte do conflito (Litígio) seja deduzido em Juízo, formando, assim, a Lide. Sobre os obstáculos materiais, conferir Mauro Cappelletti, em seu “Acess to Justice: The worldwide movement to Make Rights Effective: A general reports” (CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: FABRIS, 1988.) e Luiz Guilherme Marinoni (MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 4. ed. rev. ampla. São Paulo: Malheiros, 2000).
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.3 – Análise empírico-crítica da técnica processual da limitação da cognição (Lide ≤ Litígio)
como reflexo da ideologia procedimental. 420
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
princípios da inafastabilidade do controle jurisdicional e da congruência (ou dispositivo), nos
termos que iremos, a partir deste momento, explicitar.
Muito bem. Como se sabe da dogmática jurídico-processual moderna,
sobretudo a partir dos estudos realizados pelo processualista italiano MAURO CAPPELLETTI –
que a muitos processualistas, sobretudo, nas Américas, influenciou de modo cabal e
determinante no processo de formação de uma conscientização democrático-social da
doutrina processual a respeito de tais assuntos –, um dos temários mais importantes da
moderna Teoria Geral do Processo e, por conseguinte, da Ciência Jurídico-Processual, é o
temário relativo aos princípios do acesso à justiça, da inafastabilidade do controle
jurisdicional e da efetividade da tutela jurisdicional. Isso porque, conforme nos afirma LUIZ
GUILHERME MARINONI603 “a exigência de tornar a justiça acessível a todos é uma
importante faceta de uma tendência que marcou os sistemas jurídicos mais modernos do
nosso século”, fruto de uma concepção de Estado onde os valores da democracia e da
justiça social604 são valores imperativos e categóricos. Do mesmo modo, KAZUO
WATANABE605 nos afirma de modo bastante elucidativo que, in verbis:
Uma das vertentes mais significativas das preocupações dos processualistas contemporâneos é a da efetividade do processo como instrumento da tutela de direitos. Do conceptualismos e das abstrações dogmáticas que caracterizam a ciência processual e que lhe deram foros de ciência autônoma, partem hoje os processualistas para a busca de um instrumentalismo mais efetivo do processo, dentro de uma ótica mais abrangente e mais penetrante de toda a problemática sócio-jurídica. Não se trata de negar os resultados alcançados pela ciência processual até esta data. O que se pretende é fazer dessas conquistas doutrinárias e de seus melhores resultados um sólido patamar para, com uma visão crítica e mais ampla da utilidade do processo, proceder ao melhor estudo dos institutos processuais – prestigiando ou adaptando ou reformulando institutos tradicionais, ou concebendo institutos novos – sempre com a preocupação de fazer com que o processo tenha plena e total
603 MARINONI, op. cit. p. 24. 604 Neste sentido, é importante destacarmos aqui uma tese que temos – e formulamo-a a partir de discussões em sala de aula com o hoje ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto – a respeito dos valores do Estado de Direito, na qual, assentimos que não basta, para a efetivação dos valores da justiça social e dos escopos que se buscam com essa nova onda renovatória do processo, termos um Estado Democrático de Direito, mas, sobretudo, um Estado de Direitos Democráticos, isto é, um Estado onde os direitos preconizados, teoreticamente, no ordenamento jurídico são, realmente, acessíveis a todos os cidadãos. 605 WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. 2. ed. atual. Campinas: Bookseller, 2000, p. 19-21.
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.3 – Análise empírico-crítica da técnica processual da limitação da cognição (Lide ≤ Litígio)
como reflexo da ideologia procedimental. 421
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
aderência à realidade sócio-jurídica a que se destina, cumprindo sua primordial vocação que é a de servir de instrumento à efetiva realização dos direitos. É a tendência ao instrumentalismo que se denominaria substancial em contraposição ao instrumentalismo meramente nominal ou formal.
Ocorre que, conforme nos demonstra também a doutrina, inobstante todas
essas idéias que fervilham nas academias e no âmbito das discussões doutrinárias a respeito
de se buscar um efetivo acesso à justiça e uma tutela jurisdicional eficiente, o que tem
ocorrido é que, tendo em vista certos obstáculos, sobretudo, de ordem material, tais
princípios privilegiados na órbita doutrinária – e, também, legal – não têm sido, na práxis
processual, efetivados.
MARINONI, neste sentido e na esteira das lições de MAURO CAPPELLETTI,
assente que as dificuldades para uma possibilidade efetiva de acesso à ordem jurídica justa
se dá, do ponto vista material, tendo em vista, sobretudo, os seguintes fatores:
a) o alto custo dos processos judiciais;
b) a morosidade da prestação jurisdicional, assentida na duração dos
processos judiciais606;
c) o problema cultural do reconhecimento dos direitos.
d) A questão psicológica607;
e) A questão da disparidade existente entre os denominados litigantes
habituais608 e os litigantes eventuais609.
606 Nesta perspectiva, José Rogério Cruz e Tucci em uma importante obra sua a respeito da temática da duração dos processos judiciais assim afirma-nos, in verbis: “um julgamento tardio ira perdendo progressivamente seu sentido reparador, na medida em que se postergue o momento do reconhecimento judicial dos direitos; e, transcorrido o tempo razoável para resolver a causa, qualquer solução será, de modo inexorável injusta [...]” (TUCCI, José Rogério Cruz. Tempo e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p.65). 607 Posto que, segundo afirma ele, in verbis: “O pobre, por uma série de motivos, sente-se intimidado diante de determinadas formas de manifestação de poder” (MARINONI, op. cit. p. 66). 608 Os que, recorrentemente, tendo em vista o seu poderia econômico, político e cultural, ingressam em juízo para deduzir pretensões: é o caso dos empresários e dos componentes dos grupos sociais mais privilegiados da sociedade. 609 Os que, somente, em último caso, recorrem ao judiciário para resolver seus conflitos: é o caso dos cidadãos mais carentes da sociedade (como nos informa Luciano Oliveira em seu ensaio, já aqui citado, Sua Excelência o Comissário).
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.3 – Análise empírico-crítica da técnica processual da limitação da cognição (Lide ≤ Litígio)
como reflexo da ideologia procedimental. 422
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Do mesmo modo, o mesmo MARINONI, no sentido da nossa perspectiva
terminológica de construção de uma teoria de obstáculos jurídicos de acesso à justiça,
apresenta-nos que, no próprio ordenamento jurídico-processual, podemos encontrar,
também, fatores que impedem e obstacularizam, sob um prisma eminentemente formal, um
efetivo acesso à justiça, posto que, como assente a mais moderna doutrina, o direito
principiológico de acesso à justiça não é um direito que se exaure e se consubstancia, tão-
somente, na simples possibilidade de se demandar em juízo, mas, sobretudo e
principalmente, é um direito que, em sua esfera conceitual e técnica, compreende-se, além
da simples possibilidade de se demandar, a possibilidade de se ter uma prestação
jurisdicional efetiva, célere e com um menor custo possível para as partes.
Assim sendo e nesta perspectiva, o processualista paranaense nos afirma
que constituem (ou constituíam, já que, alguns desses fatores, com as reformas processuais
ocorridas nos últimos anos, foram mitigados ou mesmo dirimidos) fatores impeditivos – isto
é, obstáculos jurídicos – que impedem um efetivo acesso à justiça:
a) as premissas processuais constantes da estrutura
arcaica do denominado processo comum610;
b) a indiferença pela desigualdade das pessoas e dos
bens e a uniformidade de procedimentos;
c) a uniformidade de procedimentos como resultante da
confusão entre instrumentalidade do processo e
neutralidade do processo em relação ao direito
substancial;
610 Muito embora as transformações alvissareiras e importantes que este tem sofrido, nos últimos anos, com a introdução de mecanismos que favorecem o implemento de uma prestação jurisdicional efetiva, como por exemplo, a introdução do instituto da tutela antecipada, da execução provisória, do procedimento monitório – entre outros procedimentos especiais – e a fundamental tutela inibitória que, de modo contrário aos tradicionais tipos de tutela, atua com o objetivo de se impedir o dano.
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como reflexo da ideologia procedimental. 423
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
d) o papel atribuído ao juiz pelo direito liberal, onde, por
assim ser, o juiz perdeu grande parte do seu poder
jurisdicional, limitando-se, tão-somente, a proferir
juízos formais611;
e) A proibição, tendo em vista o procedimento ordinário
clássico e o principio da nulla executio sine titulo, dos
juízos de verossimilhança;
f) O princípio da unidade e da unicidade do julgamento
como impediente do fracionamento do julgamento de
mérito.
Por outro lado, analisando agora as perspectivas de superação de tais
obstáculos materiais e jurídicos que impedem um efetivo acesso à justiça, depois de elencar
uma série de inovações612 que tem ocorrido, nos últimos anos, no âmbito do sistema
jurídico-processual de normas e que, segundo ele, tem conseguido atenuar os problemas
referentes ao efetivo acesso à justiça e à prestação de uma tutela jurisdicional eficiente,
assente MARINONI que uma grande inovação que tem ocorrido, ultimamente, nos sistemas
processuais dos países é a introdução das denominadas tutelas jurisdicionais diferenciadas
como corolário do emergente e fundamental, segundo ele, direito à tutela adequada ao
plano do direito material. Assim, assente ele, in verbis, que613:
611 Como no caso da nossa tética perspectiva onde, na análise empírico-crítica que empreendemos, pudemos observar que, entre outros, o juiz, tendo em vista o estabelecido no sistema jurídico-processual, fica à mercê do principio da congruência. 612 Tais como por exemplo, a implementação dos juizados especiais e dos juízos universitários, a incrementação da assistência judiciária gratuita, a melhor informação e orientação acerca dos direitos, o aperfeiçoamento da organização judiciária, a efetivação da tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, a adoção mais contundente do princípio da oralidade, a instrumentalidade do processo no sentido negativo, a participação efetiva do juiz no processo, a importância da participação do Ministério Público, a implementação de novos institutos processuais, como a tutela antecipada, a execução provisória e a tutela inibitória e etc. (Cf. MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 4. ed. rev. ampla. São Paulo: Malheiros, 2000). 613 Ibidem., p. 165-167.
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.3 – Análise empírico-crítica da técnica processual da limitação da cognição (Lide ≤ Litígio)
como reflexo da ideologia procedimental. 424
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
De grande importância para a efetividade do processo é o estudo das chamadas ‘tutelas jurisdicionais diferenciadas’. As tutelas diferenciadas são necessárias para assegurar o exercício do direito à adequada tutela jurisdicional. O processo, por ser a contrapartida que o Estado oferece aos cidadãos diante da proibição da autotutela, deve traduzir-se na disposição prévia dos meios de tutela jurisdicional (de procedimentos, provimentos e meios executórios) adequados às necessidades de tutela de cada uma das situações de direito substancial. Para que seja assegurada a tutela jurisdicional de uma determinada situação de vantagem não é suficiente que seja previamente disposto um procedimento qualquer, mas é necessário que o titular da situação de vantagem violada, ou ameaçada de violação, tenha ao seu dispor um procedimento estruturado de modo a lhe fornecer uma tutela efetiva, e não meramente formal ou abstrata, do seu direito. O procedimento, portanto, deve ser adequado às peculiaridades da pretensão de direito material, falando-se, então, em diferentes tipos de procedimento, tendo em vista, as diferentes formas de tutela jurisdicional que se apresentam em função de lides estruturalmente diversas, isto é, que traduzem combinações de situações subjetivas inconfundíveis, quanto à necessidade de tutela a que aspiram (grifos nossos).
Assim, conclui o eminente processualista paranaense, in verbis, que “a toda
afirmação de direito deve corresponder uma tutela jurisdicional adequada”614 e específica. E
complementa: “falamos em ‘ação adequada’ para explicar a necessidade de procedimento,
cognição, provimento e meios executórios adequados às peculiaridades da pretensão de
direito material”. É, exatamente, aqui que entra a nossa análise crítica sobre tal técnica
processual de implementação das tutelas jurisdicionais diferenciadas. Vejamos, então.
O que acontece é que, inobstante todas essas importantes inovações e
aperfeiçoamentos que, por certo e evidente, tais tutelas jurisdicionais diferenciadas têm
implementado no sistema jurídico-processual de normas e, por conseguinte, na práxis
processual, um outro fenômeno conseqüente de tal implementação que tem, também,
acontecido – um efeito colateral, diríamos – é que o legislador – fulcrado nesse discurso de
implementação do principio da efetividade da tutela jurisdicional – de modo temerário e
inescrupuloso, tem estabelecido e formatado no sistema processual procedimentos judiciais
onde, por um lado, privilegia-se (diga-se de passagem: sem razão ordenada alguma) uma
determinada categoria de partes em detrimento de outras e, por outro, limita-se o espectro
614 Ibidem., p. 215.
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.3 – Análise empírico-crítica da técnica processual da limitação da cognição (Lide ≤ Litígio)
como reflexo da ideologia procedimental. 425
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
de cognição do juiz, de modo que se impede que parte do Litígio que ocorreu no plano
factual e exoprocessual, seja deduzido em juízo, formando, assim, a Lide, tudo isso, como
dissemos, em nome do principio da efetividade da tutela jurisdicional e do direito (por certo,
emergente) a uma adequada tutela.
Ora, evidentemente, tal não parece ser a razão que levou a doutrina a criar
a teoria das tutelas jurisdicionais diferenciadas. O certo é que, o legislador, aproveitando-se
de tal técnica processual de construção de procedimentos – fundada, claro, em uma
ideologia, por certo, correta e consentânea com os ideais virtuosos de um Estado onde se
tem uma estrutura não apenas de Estado Democrático de Direito, mas também e sobretudo,
de Estado de Direitos Democráticos – tem enxertado o nosso sistema jurídico-processual de
procedimentos judiciais nos termos adiante explicitados.
O mais grave disso tudo, e aqui temos que ter em vista a nossa tética
proposição distintiva entre os institutos do Litígio e da Lide, é que, em assim acontecendo,
os problemas que, como já vimos na análise empírico-crítica da teleologicidade processual, já
eram enormes, tendo em vista a impossibilidade jurídica de o juiz, em certas situações, não
poder ir além do que lhe foi demandado (como preceituam os arts. 128 e 460 do CPC),
julgando, assim, muitas vezes, tão-somente a Lide e não, necessariamente, o Litígio,
agravam-se mais ainda, posto que, o próprio procedimento estatuído na lei impede já, de
plano e legalmente, que parte do Litígio seja deduzido em juízo. O interessante dessa
situação que temos vivenciado no plano da constituição dos procedimentos ditos especiais é
que isso tem acontecido de modo a privilegiar, sobretudo, os grupos e setores mais
importantes da sociedade, como no caso, diz LAÉRCIO A. BECKER615, dos contratos e demais
relações jurídico-materiais que envolvem as instituições financeiras. Vemos, assim, neste
exemplo, nitidamente, um cunho – por certo, ideológico – neoliberal e individualista na
utilização de tais técnicas processuais de limitação da cognição.
615 Cf. BECKER, L. A. Contratos Bancários: execuções especiais (SFH – SFI – Alienação Fiduciária – Crédito Rural e Industrial). São Paulo: Malheiros, 2002.
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como reflexo da ideologia procedimental. 426
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
Neste sentido, condenando tais práticas legislativas, assim, afirma-nos,
MARINONI616, in verbis:
O procedimento de cognição parcial privilegia os valores ‘certeza’ e ‘celeridade’ – ao permitir o surgimento de uma sentença com força de coisa julgada material em um tempo inferior àquele que seria necessário ao exame de toda a extensão da situação litigiosa –, mas deixa de lado o valor justiça material. O que deve ser verificado, portanto, em cada hipótese específica, e a quem interessa a limitação da cognição no sentido horizontal ou, em outros termos, a tutela jurisdicional célere e imunizada pela coisa julgada material em detrimento da cognição das exceções reservadas. O que importa saber, quando há limitação do direito de defesa, é em nome do quê o legislador construiu o procedimento especial. É necessário indagar, em outras palavras, se a situação de direito material privilegiada pelo legislador merece, de fato, tratamento diferenciado em face dos valores constitucionais e da própria peculiaridade do direito material a ser tutelado. Não basta a simples e óbvia resposta de que o procedimento foi construído para propiciar a celeridade da justiça ou a efetividade do processo. Em nome da celeridade da justiça e da efetividade do processo não poucas injustiças podem ser cometidas. É necessário saber se o procedimento está de acordo com o due process of law no sentido substantivo. Não há justificativa, por exemplo, para a limitação da defesa no caso do Decreto-lei 911/69, nem muito menos, para a execução privada do Decreto-lei 70/66.
E conclui, in verbis617:
O conceito de processo de cognição parcial permite a visualização dos valores contidos nos procedimentos especiais e, além disso, demonstra a insuficiência da análise de princípios, como o da ampla defesa, a partir de um ângulo que não considere as necessidades do direito material. Ora, pouco adianta constatar que o réu, no caso do Decreto-lei 70/66, tem a possibilidade de propor uma ação para discutir a matéria que não pode ser abordada na execução privada. Se for assim, ou seja, se basta dar ao réu oportunidade para discutir em outra via o ponto litigioso afastado, sempre será possível a construção de procedimentos que limitem a defesa. Mas serão construídos para quem? Obviamente, para aqueles que podem patrocinar o lobby. É preciso, assim, que a doutrina acorde para o fato de que o procedimento, no Estado social, tem de assumir a sua cor, não podendo permanecer neutro em relação às necessidades do direito substancial e aos valores constitucionais. Os procedimentos que foram construídos para privilegiar determinados grupos econômicos e os seus direitos não têm mais lugar no atual Estado Democrático de Direito.
Destarte, o que podemos concluir a partir disso é que, em assim
acontecendo, vários princípios processuais deixam de ser atendidos como, por exemplo, os
616 MARINONI, op. cit. p. 234. 617 Ibidem., p. 235.
7. LITÍGIO E LIDE: A CONSTRUÇÃO , ANALÍTICO-DISTINTIVA, EMPÍRICO-CRÍTICA. 7.3 – Análise empírico-crítica da técnica processual da limitação da cognição (Lide ≤ Litígio)
como reflexo da ideologia procedimental. 427
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
princípios do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal – como assinalou
MARINONI – e, sobretudo, o principio da inafastabilidade do controle jurisdicional que, na
visão da dogmática mais moderna, não se exaure apenas na idéia de juiz natural e direito de
ação, mas sim, também, e sobretudo, nos postulados da cognição adequada e abrangente
de todos os matizes conformadores do Litígio que ocorreu na realidade social.
428
8 – CONCLUSÃO
No meu fim está o meu começo.
T. S. ELIOT
... Fazer por toda parte enumerações tão completas e exames tão gerais que eu estivesse certo de nada omitir.
DESCARTES
Destarte, por tudo visto, fazendo, neste momento, tão-somente, uma
apresentação e análise geral, sistemática e final do problema/objeto leitmotiv do presente
trabalho de pesquisa científico-jurídica618 chegamos, concludente e sinteticamente, a partir
das investigações, proposições, demonstrações, argumentações, discussões e asserções, de
caráter teórico-término-lógico e empírico-crítico, consecutadas, tendo em vista a construção,
analítico-distintiva, dos institutos sócio-jurídico-processuais do Litígio e da Lide, às ilações –
agora não mais hipotéticas, mas téticas – que adiante se seguem:
1.ª) O Litígio e a Lide, tendo em vista a construção analítico-distintiva por
nós proposta e demonstrada, são, peremptoriamente, sob os prismas teorético-conceptual e
empírico-crítico – ao contrário do que vem preceituando, como vimos, de longa data, a
dogmática jurídico-processual – elementos término-lógico-conceptuais de natureza e
significação diferente, coextensiva, necessária e seqüencial. Assim, como assentimos, o
Litígio é um instituto, um conceito-categoria, de natureza sociológica e protojurídica, um
verdadeiro pressuposto processual e antecedente fáctico-causal e lógico do processo, de
natureza fáctico-causal-sociológica, de composicionalidade categoremática, de referibilidade
extrínseca, e, portanto, exoprocessual, e que podemos conceituar, agora, sim, técnica e
cientificamente, como sendo um fenômeno social que, teórico-termino-conceptualmente,
618 Do mesmo modo que Luiz Guilherme Marinoni, “pensamos que não é o caso de reprisar [para não sermos repetitivos] as várias conclusões a que chegamos no curso do trabalho, mas sim de reafirmar, através de uma tarefa de síntese, as principais propostas” da presente dissertação (MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória (individual e coletiva). 3. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: RT, 2003, p. 477).
8 – CONCLUSÃO. 429
segundo critérios e variáveis de ordem sócio-jurídica, materializa-se em um conflito
intersubjetivo de interesses – potencial ou efetivo –, qualificado pela pretensão de um dos
sujeitos e pela resistência do outro, o qual emerge, desenvolve-se, transforma-se e, por fim,
extingue-se, na teia social de relações, tendo em vista certos fatores variantes de ordem
sócio-psico-jurídico-político-econômica e interpessoais que, baseados na concepção
romanística de actio e nas concepções gráfico-representativas da Teoria Linear de JOSEF
KÖHLER, num momento exo e pré-processual, poderíamos representar do seguinte modo:
Pretensão
L = Sc1 actio Sc2, onde L é litígio e Sc é sujeito contendedor.
Resistência
Por sua vez, a Lide, diferentemente, como demonstramos, é, tética e
conteudisticamente, um instituto (também conceito-categoria) jurídico-processual – uma
construção da Teoria Geral do Processo e, por assim ser, da Ciência Jurídico-Processual –
que se consubstancia num verdadeiro requisito – conditio sine qua non – para a existência
do processo, ou seja, um suposto processual, sendo, assim, de natureza jurídico-processual
stricto sensu, de referibilidade intrínseca ao fenômeno processual, portanto, endoprocessual,
de composicionalidade lógica sincategoremática, constituindo, em si, um conseqüente
jurídico-processual lógico e necessário do Litígio deduzido em juízo que, teórico-termino-
conceptualmente, segundo critérios e variáveis de ordem, estritamente, jurídico-processual,
podemos defini-la nos seguintes termos: trata-se da resultante conteudística e objetiva da
relação jurídico-processual que é obtida a partir do processo de transformação e dedução,
quantitativa e qualitativa – numa palavra, da demanda – do Litígio em juízo, e a partir da
qual se identifica, se delimita e se define o meritum causae – ou o objeto litigioso do
processo (streitgegenstand) ou a res in iudicium deductae – e, por conseguinte, o thema
decidendum do processo e objeto principaliter da cognição do juiz, entre outros institutos
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
8 – CONCLUSÃO. 430
(conceitos) processuais como o da res judicata, o da litispendência, o de partes, e etc., que,
baseado nas concepções gráfico-representativas da Teoria Angular da Relação Jurídico-
Processual formulada pelo processualista alemão KONRAD HELLWIG, num momento
estritamente endo-jurídico-processual, poderíamos representar, da seguinte maneira:
Estado-Juiz
Lide
Autor Réu
Em assim sendo, ao contrário da opinio communis doctorum, por tudo o
que vimos e tentamos demonstrar são institutos (conceitos-categoria) distintos entre si.
2.ª) Por sua vez, como vimos e demonstramos também, os por nós
denominados atributos da neutralidade axiológica, da asseptabilidade método-
epistemológica, da assertibilidade do discurso cientifico e da verdade – por certo
principiológicos e direcionadores do conhecimento científico e que, em assim sendo, dão
cientificidade a um determinado conhecimento – só são conferidos pela estrita observância –
como um imperativo categórico – de uma terminologia, precisa e apurada, com acepção
conceitual e caracteres científicos, sem ambivalência de significações, polissemias ou
sinonímias – como tentamos desse modo desenvolver, neste trabalho dissertativo, na
asserção, demonstração, discussão e comprovação das teses aqui propostas sobre Litígio e
Lide. Destarte, in casu, pelo que apresentamos, não há que se falar em Ciência Jurídica (e,
por conseguinte, em Ciência Jurídico-Processual) – com todos os atributos acima elencados –
sem a observância de um sistema conceitual e terminológico preciso e apurado, aliado a um
instrumental teórico-metodológico adequado. Tais são, assim, o que denominamos de as
condições de validade método-epistemo-lógica de um sistema de conhecimento científico.
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
8 – CONCLUSÃO. 431
3.ª) Do mesmo modo, aplicando tal construção hipotética na formatação
teórica e conceitual das demais instituições e institutos fundamentais da Ciência Jurídico-
Processual, com o objetivo-premissa de se tentar elucidar certas incoerências,
incongruências e lacunas detectadas no sistema jurídico-processual de normas e no sistema
de conhecimento jurídico-científico, no manejo e adequação teórico-metodológica de alguns
desses conceitos processuais, temos que, ao contrário do que se afirma até então, na
dogmática jurídico-processual, os termos sub examen – Litígio e Lide – além de serem
discerníveis entre si – conforme propomos, demonstramos, argumentamos, discutimos e
afirmamos – não se confundem conteudística, semântica e conceptualmente com as demais
instituições e institutos jurídico-processuais da Teoria Geral do Processo.
Isto é, a partir da construção analítico-distintiva por nós proposta, há um
nítido e evidente prisma de discernibilidade entre os conceitos de Litígio e Lide e os demais
conceitos conformadores da Teoria Geral do Processo e da Ciência Jurídico-Processual. Em
assim sendo, não há que se confundir, teorética e empiricamente os conceitos de Litígio e
Lide com os conceitos de demanda, causa, pretensão, conflito, objeto litigioso do processo,
meritum causae, res in iudicium deductae, relação jurídico-processual, ente outros, até
porque, como assentimos com base na nossa segunda proposição tética (na verdade um
pressuposto metodológico do nosso trabalho), em assim sendo, tal problemática de
indiscernibilidade, sinonímia e equivocidade dos institutos sub examen, levaria – juntamente
com outras incongruências, por nós já apontadas, também de ordem teórico-método-
terminológica, do nosso sistema de conhecimento jurídico-processual – à formação de uma
teoria processual e, conseqüentemente, de um conhecimento jurídico-processual que não
atenderia, estritamente, aos pressupostos teórico-metodológicos do conhecimento científico.
Destarte, o que ocorre é que, aplicando a nossa construção analítico-
distintiva consecutada, há, peremptoriamente falando, uma discernibilidade teórica e
conceitual entre os institutos do Litígio e da Lide e as demais instituições e institutos
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
8 – CONCLUSÃO. 432
fundamentais da Ciência Jurídico-Processual, de modo tal que, sinteticamente, é a partir da
dedução, quantitativa e qualitativa – através do direito de ação, materializado na demanda –
do Litígio em juízo, formando a Lide, que se irão consubstanciar os conceitos de relação
jurídico-processual – e de todos os seus elementos constitutivos: subjetivo, causal e
objetivo; assim como também, os conceitos de meritum causae ou streitgegenstand do
processo e, por conseguinte, do thema decidendum do juiz; da tutela jurisdicional e do seu
respectivo provimento; da pretensão processual e material do demandante; da causa
petendi e excipiendi da ação em sentido positivo e negativo, respectivamente; da res
judicata, e dos seus limites objetivos e subjetivos; do pedido imediato e mediato do
processo; da res in iudicium deductae e do iudicium; do objeto de cognição do juízo,
consubstanciado que está no quadrinômio processual, qual seja, pressuposto processual de
existência, supostos processuais, condições da ação e Lide; da litispendência, da conexão e
continência, do litisconsórcio, do cúmulo de ações e demandas, entre outros termos
processuais que analisamos anteriormente.
4.ª) Assim também, aplicando a nossa construção analítico-distintiva entre
os institutos do Litígio e da Lide, agora no âmbito da denominada Jurisdição Voluntária,
temos que, apesar de ainda não estarmos seguros e cônscios de que ela – tal hipótese – por
este nosso fundamento, seja factível, demonstrável e assertível (exatamente, por conta da
complexidade que a temática apresenta), não há que existir dúvida quanto à natureza
processual e, por conseguinte, jurisdicional, da Jurisdição Voluntária, posto que, em se
considerando a Lide diferentemente do Litígio, sendo aquela um fenômeno endoprocessual e
este um fenômeno exoprocessual, temos que, na Jurisdição Voluntária, não há que se
questionar o atributo da jurisdicionalidade, pois apesar de não haver Litígio, há Lide (seja ela
eventual, rarefeita ou imprópria); isto é, não há um conflito intersubjetivo de interesses
(litígio), mas há um pedido formulado contra o Estado-Juiz, isto é, um mérito (aquilo sobre o
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
8 – CONCLUSÃO. 433
que vai se pronunciar e decidir o Estado-Juiz) e partes interessadas, o que caracteriza,
destarte, a existência da Lide e, por conseguinte, do processo jurisdicional619.
5.ª) Da mesma maneira, aplicando agora a nossa construção analítico-
distintiva entre os institutos do Litígio e da Lide no âmbito da processualística penal temos
que, no que diz respeito à existência, ou não, de uma Lide no processo penal, efetivamente,
diante da nossa proposição tética, há; pois, Lide, nestes termos, não seria o conflito
intersubjetivo de interesses qualificado pela pretensão de um (o ofensor) e pela resistência
do outro (o ofendido) que ocorrera no plano exoprocessual, como na fórmula carneluttiana.
Na verdade, tal conflito intersubjetivo de interesses, qualificado pela pretensão de um e pela
resistência do outro, seria, como já enunciamos, não a Lide, mas o Litígio – no caso,
representaria esse, em sede de processo penal, a conduta típica e antijurídica denominada
de crime. A Lide, por sua vez, também nesta nossa tética perspectiva, seria consubstanciada
a partir de tal fato criminoso, isto é, na nossa fórmula, a partir da dedução, quantitativa e
qualitativa, de tal Litígio (fato delituoso) em juízo e, assim, consubstanciaria o elemento
objetivo e conteudístico do processo penal. Além do que, nesta Lide, teríamos, assim, de um
lado a pretensão material e processual representadas pela pretensão punitiva e executória
do Estado (aqui presentado pelo órgão acusatório Ministério Público) – o denominado jus
puniendi – e do outro a resistência material e processual do réu representada pelo direito de
permanecer livre – o denominado jus libertatis.
619 Na verdade, como dissemos anteriormente, inobstante essa nossa construção hipotética, ao longo da nossa pesquisa temos construído, paralelamente, tentando ainda salvar a jurisdicionalidade e processualística da Jurisdição Voluntária, uma outra hipótese de pesquisa que nos parece mais consistente e substancial. Qual seja: a de que o atributo da jurisdicionalidade está presente em qualquer tipo de processo a partir da constatação de que neste está consubstanciada uma relação jurídico-processual – sobretudo, com a indispensável presença, em um dos pólos, do Estado-juiz – seu inerente complexo de juridicidade e o procedimento estatuído em normas formais a partir do qual ela – a relação jurídico-processual – constitui-se, desenvolve-se e se extingue, com ou sem julgamento do meritum causae. Assim, uma vez presentes esses elementos, pode-se, categoricamente, aferir, demonstrar e afirmar que se trata de um processo judicial e, em assim sendo, de Jurisdição Estatal. Parece-nos que tal proposição hipotética é mais factível, aferível, demonstrável e assertível do ponto de vista científico-jurídico do que a nossa hipótese inicial, baseada na construção distintiva entre Litígio e Lide.
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
8 – CONCLUSÃO. 434
Em assim sendo, nesta nossa tética perspectiva – o Litígio (crime) como
elemento pré-processual e a Lide como elemento processual –, não há que se obstar que o
conteúdo do processo penal não é consubstanciado e formatado numa Lide, tal como ocorre
de ordinário no processo civil, inobstante as importantes objeções apresentadas,
ordinariamente, pela dogmática jurídico-processual, conforme vimos.
6.ª) Ademais, a partir das investigações de ordem empírico-crítica que
consecutamos a respeito da construção analítico-distintiva entre os elementos conceptuais
do Litígio e da Lide, chegamos à conclusão de que, peremptoriamente, a teleologicidade
processual, a priori, é a decidibilidade da Lide e, tão-somente, a posteriori – sem isso
constituir um telos necessário – a decidibilidade do Litígio. Tal hipotese de pesquisa, como
vimos, foi investigada na práxis processual, e, conforme as observações e análises por nós
consecutadas, em muitos casos concretos, apesar da incidência de uma decisão judicial
terminando, assim, a via processual (na nossa terminologia: a Lide), no plano material,
factual, permaneceu, mesmo que latentemente (quando não manifesto), o conflito
interpartes (na nossa terminologia: o Litígio) que ensejou a formação da Lide processual.
Mais que isso – e essa é a grande ilação da pesquisa a que chegamos –, pelo que
observamos da investigação empírica consecutada, o que se constata no plano das relações
sociais e jurídico-processuais é que a grande preocupação, isto é, o grande leitmotiv
justificador do sistema processual e do órgão julgador – configurado na persona do juiz – é
em, exatamente, decidir a Lide – isto é, o processo – numa simples, lógica e hermenêutico-
silogística intelecção e subsunção de um fato a uma norma e não, necessariamente, nos
termos e anseios da sociedade e das partes que vivem a situação conflituosa, o Litígio.
7.ª) Por fim, através de tal investigação empírica por nós consecutada e
fulcrado, também, em incursões teoréticas que realizamos no sistema jurídico-processual de
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
8 – CONCLUSÃO. 435
normas, pudemos perceber que, em verdade, quando o legislador estabelece, em certos
procedimentos, ditos especiais, algumas limitações à cognição do juiz, em muitos casos, fica
evidente que, ao contrário do que preceitua e propaga o discurso oficial que fala, assim, em
especialização do procedimento e instrumentalidade do processo para se atingir a efetividade
da tutela jurisdicional, o que se está estabelecendo, na realidade, é um tratamento
diferenciado e, no mais das vezes, privilegiado, para uma determinada categoria de partes,
atestando-se, assim, que, na consecução legislativa dos procedimentos judiciais, observa-se,
decididamente, a influência de fatores ideológicos que consubstanciam a estruturação e
formatação das técnicas procedimentais de cognição, com ampla repercussão e implicação –
a partir de tal ideologização das técnicas procedimentais – na problemática do acesso à
justiça – posto que, evidencia-se, in claris, o impedimento da dedução de parte do Litígio em
juízo, constituindo-se tal fato, por certo, em um obstáculo jurídico de acesso à Justiça – e,
sobretudo, na (de)limitação teórica e tecnológico-pragmática dos princípios da
inafastabilidade do controle jurisdicional e da congruência (ou dispositivo).
Destarte, tais são as nossas proposições téticas que tentamos demonstrar,
a contento, ao longo deste trabalho de natureza dissertativa. No mais, cabe aqui
ressaltarmos e salientarmos, por último e mais uma vez, que tais proposições téticas aqui
afirmadas e que foram objeto de constante verificação e demonstração na consecução deste
trabalho de investigação científica são fruto, como dissemos, tão-somente, da hermenêutica
e da compreensibilidade do seu autor, de modo que fulcrado nos postulados popperianos de
conjecturação, falibilismo e contingência do conhecimento que propomos, pensamos estar
dando, tão-somente, a nossa simples contribuição para o desenvolvimento da Teoria Geral
do Processo e da Ciência Jurídico-Processual, assim como também, para a elucidação dos
problemas teorético-conceptuais e método-epistemológicos identificados a partir da análise
do nosso Sistema Jurídico-Processual de normas.
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 448
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Bookseller, 2000. 165) WEBER, Max. Metodologia das Ciências Sociais. São Paulo: Cortez, 1981, v. 1. 166) WILLENS, Emilio. Dictionnaire de Sociologie. Paris: Marcel Riviere et Cie, 1960. 167) XREFER. DICTIONARIES OF LAW. Oxford. Collins French Dictionary (2000).
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LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
449
ÍNDICE REMISSIVO
A
Ação:
49; 58; 61; 63; 71-91; 98; 101-109; 114; 115; 120; 123; 125-127; 130-134; 139-141;
146; 157; 160; 169; 182; 185; 191; 197; 203; 214; 222; 228; 230; 232; 233; 237; 240-
242; 246-248; 254-256; 260; 266; 267; 269; 282; 284; 291-297; 299; 300; 302-304;
307; 308; 311; 314; 316; 320.
Ação em Sentido Positivo:
228; 237; 240; 246; 247; 248; 266; 271; 297; 298; 299; 320; 321; 341.
Acesso a Justiça:
103; 104; 105; 278; 357; 370.
Actio:
58; 59; 60; 51; 62; 64; 72-75; 78; 90; 131; 132; 178; 200; 201; 221; 222; 248; 299.
Anspruch:
48; 73; 74; 76; 80; 81; 85; 87; 88; 207; 214; 234; 245; 250; 286; 292; 295; 307; 310;
312; 316; 321; 326; 330; 331; 342; 353.
Antrag:
228; 240; 245; 250; 271; 292; 307; 309; 310; 311; 320; 342.
Aporemática:
343; 353.
Asseptabilidade:
149; 150; 151; 162; 167; 169; 170; 172; 174.
Asseptabilidade Método-Epistemológica:
162; 167; 169; 170; 172.
ÍNDICE REMISSIVO 450
Autor:
56; 59; 63; 79; 81-85; 87; 88; 90-94; 96; 98; 99; 101; 102; 104; 106; 107; 109; 112; 114; 115; 117; 121; 124; 126; 128; 131; 134; 136; 138; 139; 141; 143; 145; 147; 166; 181; 183; 191; 214; 222; 225; 233; 234; 237-241; 243-248; 250; 253; 261; 262; 273; 275; 276; 279; 282; 284; 290; 293; 295; 296-305; 307; 309; 311; 312; 316; 317; 319; 320; 321; 326; 330; 337; 345; 350; 375; 380.
C
Caracterização Principiológico-Estrutural:
200 -202; 215; 221; 223; 227-229; 248; 250; 260.
Categoria:
43; 48; 49; 62; 64; 71; 75; 77; 82; 93; 107; 126; 135; 137; 143; 150; 177; 178; 180;
181; 186; 196; 197-199; 201; 204; 210; 215; 221; 224; 226; 228; 230; 239; 240; 248;
256; 259; 260; 264; 284; 357; 275.
Causa de Pedir:
93; 94; 228; 236; 240; 292; 296; 300; 307; 309-312; 322; 342.
Cognição:
187; 226; 271; 314-316; 318; 319.
Cognitio:
58; 61; 62; 305; 307; 314; 315; 320; 340.
Composicionalidade Categoremática:
196; 197; 216; 221; 224; 260.
Condições de Admissibilidade do Julgamento da Lide:
123; 139; 252; 270.
Condições de Assertibilidade:
167; 171; 174.
Condições de Validade:
150; 151; 152; 156; 158; 159; 161; 162; 174; 175.
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ÍNDICE REMISSIVO 451
Conflito:
199; 201-203; 206; 209; 211-220; 222; 224; 230; 236; 239; 244; 247; 252; 253; 257-259; 263; 265; 266; 269; 276; 277; 281; 286; 293; 298; 311; 314-316; 325; 330; 331; 334; 337-339; 342; 345; 350-353; 356; 360-362; 365; 368; 369; 370; 372-376; 386; 390.
Conflito de Interesses:
50; 53-55; 63; 92; 93;101; 102; 106; 111; 113; 129; 133-138; 142-144; 146; 180; 181;
183; 185; 186; 187; 191; 195; 201; 203; 211; 214; 215; 219; 222; 238; 253; 277; 298;
304; 329; 331; 339; 342; 350.
Conseqüente Jurídico-Processual Necessário:
178; 220; 228; 229; 248; 259; 260.
Construção Analítico-Distintiva:
145; 161; 170; 171; 173; 175; 184; 220; 230; 264; 265; 267; 292; 293; 324; 354; 355;
359; 360.
Construção Terminológico-Conceptual:
45; 175; 176; 265.
Contestatio:
228; 271; 341.
D
Decidibilidade da Lide:
71; 158; 159; 173; 175; 176; 184; 186; 203; 211; 216; 265; 355; 356; 357; 360; 361; 365;
Decidibilidade do Litígio:
71; 158; 159; 173; 175; 176; 186; 203; 265; 355; 356; 360; 361.
Dedução:
03.
Defesa:
237; 296; 271; 390.
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ÍNDICE REMISSIVO 452
Demanda (Klageantrag):
85; 228; 240; 246; 250; 294
Dever:
84; 94-96; 107; 131; 139; 278; 279; 281; 314-316; 335; 365.
Devido Processo Legal:
374; 378; 382; 385; 388.
Dispute:
190; 192.
Dogmática Jurídico-Processual:
48; 117; 249.
E
Efetividade:
95; 104; 144; 206; 357; 369; 374; 375; 382; 385; 388.
Elemento Causal:
02; 177; 199; 201; 212; 214-216; 218; 222; 226; 236; 240; 245; 248; 271.
Elemento Formal:
237; 320; 344.
Elemento Material:
199; 212; 215; 216; 222; 244; 272; 357; 382.
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ÍNDICE REMISSIVO 453
I
Ideologia Procedimental:
105; 391.
Imparcialidade:
253; 320; 374; 375; 382; 385; 388.
Indivíduo ou Grupo:
53; 115; 195; 201; 202; 204; 205; 210; 212; 218; 241; 340; 361; 370.
Instituições:
52; 55; 90; 107; 213; 234; 236; 243; 274; 276; 325; 346.
Institutos:
63; 64; 110; 201; 216; 228; 249.
J
Juiz:
121; 140; 178; 226; 227; 229; 249; 261; 271; 276; 281; 285; 289; 290; 293; 296; 299;
334; 386; 387.
Jurisdição:
71; 176; 183; 207; 210; 237; 262; 265; 277; 282; 296; 333; 335-338; 340-344; 365;
372; 376.
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ÍNDICE REMISSIVO 454
L
Lawsuit:
190; 192.
Lide:
43; 50; 54-58; 60; 61; 68-73; 75-79; 81-90; 92-94; 98; 99; 101; 102-105; 106-111; 113; 120; 121-129; 158; 159; 173; 175; 176; 183; 195; 184; 186; 203; 211; 216; 265; 355; 356; 357; 360; 361; 365.
Litige:
190; 192.
Litígio:
43; 50; 54-58; 60; 61; 68-73; 71; 75-79; 81-90; 92-94; 98; 99; 101; 102-105; 106-111; 113; 120; 121-129; 158; 159; 173; 175; 176; 183; 186; 203; 265; 355; 356; 360; 361;195; 184; 186; 203; 211; 216; 265; 355; 356; 357; 360; 361; 365.
M
Mérito:
48; 61; 62; 71; 74; 83; 86; 91; 98; 100-106; 117; 120-124; 128; 130-134; 136; 140;
142; 182; 184; 185; 191; 232; 235; 236; 245; 255; 269; 271; 282; 293; 301-305; 306;
308; 313; 325; 328; 334; 350.
Meritum Causae:
48; 98; 101; 126; 130; 132; 134; 135; 138; 142; 178; 181; 184; 194; 195; 202; 225;
231-235; 238-242; 245; 252; 254; 256; 266; 269; 295-301; 304; 305; 309; 312; 3113;
316; 320; 326; 344.
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ÍNDICE REMISSIVO 455
Método:
44; 70; 105; 117; 124; 133; 134; 148; 150; 152; 156-167; 169-172; 174; 185; 197; 206;
208; 232; 233; 259; 263; 266; 292; 300; 301-304; 313; 321; 345; 347; 349; 359; 360-
364; 370-373; 376.
O
Objeto de Cognição:
83; 93; 101; 102; 131; 138; 135; 160; 183; 216; 225; 233; 239 ; 245; 249; 254-256;
266; 269; 273; 292; 297; 301; 312-317; 326; 332; 345; 356; 357; 364; 391.
Ônus:
84; 95; 228; 243; 261; 274-281; 287.
P
Partes:
59; 61; 69; 71; 76; 93; 96-98; 104; 115; 121; 123; 127; 129; 133; 135; 140; 146; 181-
185; 187; 191; 206; 209; 212; 213; 217; 222; 225; 227; 229; 233; 236; 239-244; 247;
249; 250; 253; 255; 257; 263; 269; 273-276; 278-282; 287; 292; 296; 298; 299; 300;
312; 319; 320; 325; 327; 330; 331; 334; 338; 339; 341; 342; 345; 346; 350; 356; 357;
361; 363; 365; 367-370; 372; 374; 375; 378; 379; 382; 385; 386.
Paz Social:
365; 366; 374; 376; 388.
Pretensão:
48; 50; 53; 54; 73; 79; 81-87; 89; 92; 93; 96; 99; 101; 106-109; 111; 117; 124; 126; 129; 131; 133; 135; 136; 138; 140; 143; 145; 148; 178; 179; 183; 186; 191; 194; 200; 202; 203; 211; 212; 214-218; 222; 224; 234-240; 248; 250; 254; 257; 263; 275; 284; 286; 289; 291; 295; 297; 303-307; 312-316; 320; 321; 325; 326; 330; 333; 335; 339; 341-345; 349; 350-354; 389.
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ÍNDICE REMISSIVO 456
Pesquisa Empírica:
158; 166; 358; 359; 360; 364.
Petitum:
62; 140; 228; 246; 248; 271; 292; 299; 300; 312; 320; 321; 341.
Poursuite:
192.
Pragmático:
161; 196.
Pressuposto Processual:
70; 76; 77; 86; 105; 106; 113; 131; 140; 217; 250-254; 271; 317; 318; 320.
Pretensão Material:
48; 50; 53; 54; 73; 74; 76; 78; 79. 85; 191; 194; 200-203; 214; 216; 350; 352; 382;
386.
Pretensão Processual:
85; 87; 88; 89; 92; 101; 106; 109; 111; 117; 124; 126; 133; 136; 140-145; 147; 178;
179; 183; 186; 349; 350-353; 382.
Pretensão Resistida/insatisfeita:
93; 96; 99; 107; 108; 117; 124; 133; 186; 194-198; 224; 228; 234-236; 238; 239; 339;
341; 342; 345; 349; 382; 386.
Pretensão Resistência:
286; 289; 291; 295-300; 307; 309-314; 316; 317; 320-323; 325; 326; 330; 333; 335;
338; 339; 341; 342; 343; 345; 349.
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ÍNDICE REMISSIVO 457
Princípio da Congruência:
271; 368; 383; 384; 385; 388.
Principio da Inafastabilidade:
357; 358.
Princípios da Procedibilidade:
117; 160; 161; 165.
Processo Penal:
45; 57; 64; 119; 120; 135; 143; 145; 183; 184; 186; 334; 335; 345; 350; 352; 353; 354.
Processualismo Científico:
46; 70.
R
Resistência:
50; 53-55; 76; 84; 88; 92; 99; 101; 108; 11; 117; 124; 130; 135; 136; 144; 145; 147;
183; 186; 191; 200; 202; 214; 215; 218; 221; 222; 224; 239; 244; 247; 257; 263; 275;
291; 298; 342; 345; 350; 352.
Rechsstreit:
192.
Rechtsschutzanspruch:
80; 81; 88; 214; 228; 234; 235; 240; 244; 245; 250; 295; 307; 312; 313; 316; 320; 321;
326; 330; 331; 341; 342;
Referibilidade Extrínseca:
177; 199; 201; 215; 219; 224; 263.
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ÍNDICE REMISSIVO 458
Referibilidade Intrínseca:
160; 178; 226; 228; 229; 248; 257; 258; 263.
Relação Jurídico-Material:
776-78; 213; 226; 242; 247; 251; 271; 273; 275; 283-285; 291; 298; 299; 305.
Relação Jurídico-Processual:
59; 61; 69; 71; 76; 93; 96-98; 104; 115; 121; 123; 127; 129; 133; 135; 140; 146; 181-
185; 187; 191; 206; 209; 212; 213; 217; 222; 225; 227; 229; 233; 236; 239-244; 247;
249; 250; 253; 255; 257; 263; 269; 273-276; 278-282; 287.
Res In Iudicium Deductae:
62; 140; 228; 246; 248; 271; 292; 299; 300; 312; 320; 321; 341.
Res Judicata:
21; 32; 45; 48; 52; 85; 96; 97; 98; 102; 105; 108; 110; 115; 120; 250; 287; 295; 320;
352; 400.
Responsabilidade:
83; 93; 101; 102; 131; 138; 135; 160; 183; 216; 225; 233; 239 ; 245; 249; 254-256;
266; 269; 273; 292; 297; 301; 312-317; 326; 332; 345; 356; 357; 364; 391.
Réu:
59; 61; 69; 71; 76; 93; 96-98; 104; 115; 121; 123; 127; 129; 133; 135; 140; 146; 181-
185; 187; 191; 206; 209; 212; 213; 217; 222; 225; 227; 229; 233; 236; 239-244; 247;
249; 250; 253; 255; 257; 263; 269; 273-276; 278-282; 287; 292; 296; 298; 299; 300;
312; 319; 320; 325; 327; 330; 331; 334; 338; 339; 341; 342; 345; 346; 350; 356; 357.
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
ÍNDICE REMISSIVO 459
S
Sachverhalt:
83; 228; 240; 245; 250; 292; 307; 309; 310; 311; 342.
Segurança Jurídica:
326; 385.
Semântico:
199; 240.
Sentença:
78; 79; 84-87; 96; 97; 121-123; 127; 129; 131; 138; 141; 144; 183; 236; 282; 291; 311;
312; 318; 323-329; 332.
Simetria:
154; 192; 312.
Streitgegenstand :
48; 195; 234; 235; 238; 244; 245; 250; 266; 273; 295; 300-307; 309; 310; 312; 313;
316; 320; 321; 326; 330; 332.
Streitsache:
192.
T
Técnica Processual:
326; 329; 364; 369; 391.
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
ÍNDICE REMISSIVO 460
Teleologicidade Processual:
158; 175; 176; 265; 355-357; 360; 365; 366; 368; 371; 372; 390.
Teoria Angular:
81; 178; 227; 228; 243; 249; 261; 262; 285; 287; 354.
Teoria Geral Do Processo:
96; 97; 139; 149; 166; 176; 180; 228; 230; 239; 2565-269; 301; 321; 333; 345-349;
355.
Teoria Linear:
81; 178; 200; 201; 221; 285.
Terminologia Jurídico-Conceptual:
117; 149; 159; 161; 164; 170; 171; 175; 230; 231.
Trilogia Estrutural do Direito Processual:
237.
U
Utilidade:
50-52; 173; 211; 360.
Z
Zetética:
160; 162; 337.
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
461
ÍNDICE ONOMÁSTICO
A
ALVIM, J. E. Carreira – 21; 30; 31; 51; 52; 55; 68; 69; 71; 139; 206; 235;256; 318;
340.
ALCALÁ -ZAMORA Y CASTILLO, Niceto – 29; 47; 66; 67; 69; 97; 110; 111; 117; 125;
154; 156; 157; 192; 339; 349; 379.
ALSINA, Hugo – 73.
ALMEIDA, Estevam de – 126.
ALVIM, Eduardo Arruda – 139; 206; 235; 306; 308; 318.
ARENHART, Sérgio Cruz – 143.
B
BIELSA, Rafael – 19; 155; 158; 205, 221; 259.
BECKER, Laércio Alfredo – 23; 359; 418; 425.
BÜLLOW Oskar Von – 27; 31; 67; 71; 72; 73; 77; 78; 81; 96; 98; 111; 126; 133;
155; 253; 254; 257; 267; 284; 287; 288; 307.
BAPTISTA DA SILVA, Ovídio – 46; 62; 64; 139; 140; 321; 329; 330; 334.
BUZAID, Alfredo – 63; 73; 75; 81; 83; 85; 86; 89; 88; 89; 110; 120; 124; 128; 129;
130; 133; 134; 140; 143; 188; 190; 206; 304; 307; 311; 320; 352.
BLOMEYER, Arwed – 83; 86; 87; 304; 311.
BAPTISTA, Francisco de Paula – 126; 127.
BUENO , Pimenta – 126.
BETTIOL, Giuseppe – 348.
BECKER, Howard – 364.
BARDIN, Laurence – 365.
C
CARNELUTTI, Francesco – 18; 25; 27; 28; 33; 43; 44; 48; 49; 50; 51; 52; 53; 54;
55; 56; 57; 58; 72; 76; 77; 84; 88; 91; 92; 93; 94; 96; 97; 99; 101; 105; 106; 107;
108; 110; 111; 114; 115; 116; 117; 125; 133; 135; 137; 142; 147; 152; 154; 155;
ÍNDICE ONOMÁSTICO 462
156; 157; 160; 179; 180; 181; 183; 185; 188; 189; 191; 202; 203; 210; 211; 212;
213; 214; 218; 230; 232; 238; 256; 263; 298; 302; 320; 329; 330; 339; 340; 349;
351; 366.
CINTRA Antonio Carlos Araújo – 20; 30; 44; 98; 133; 135 ; 365; 367; 368.
CAPPELLETTI, Mauro – 21,22; 23; 27; 29; 103; 104; 357; 370.
CHIOVENDA, Giuseppe – 27; 28; 31; 49; 52; 59; 71; 72; 75; 79; 89; 90; 92; 93; 115;
179; 213; 302.
CALAMANDREI, Piero – 24; 28; 34; 49; 56; 89; 91; 92; 93; 94; 101; 106; 115; 130;
133; 147; 179; 181; 182; 183; 184; 185; 186; 187; 203; 231; 232; 30.
COUTURE, Eduardo – 29; 34; 44; 72; 78; 113; 114; 115; 152; 153; 189; 190; 192;
233; 242.
CRUZ e TUCCI, José Rogério – 62; 142; 218; 300.
CARPZOV, Benedikt – 6.
CARAVANTES, José de Vicente y – 69.
CASTRO, Pietro – 108.
CASTRO, Almícar – 125.
COSTA, Lopes – 125 ; 256.
CUNHA, Antônio Geraldo da – 188.
CALMON DE PASSOS, J. J. – 318.
D
DINAMARCO, Cândido Rangel – 20; 22; 24; 28; 30; 31; 33; 44; 72; 91; 93; 98; 99;
125; 128; 133; 134; 135; 149; 152; 156; 158; 179; 185; 186; 231; 232; 233; 234;
235; 236; 242; 243; 264; 274; 275; 276; 280; 288; 292; 294; 295; 302; 303; 304;
305; 306; 307; 309; 310; 311; 314; 315; 316; 324; 325; 329; 365; 367.
DUMMETT, Michael – 26.
DAVID, René – 45.
DURANTI, Guilherme – 67.
DURKHEIM, Émile – 218.
E
ESPÍNOLA FILHO, Eduardo – 144.
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
ÍNDICE ONOMÁSTICO 463
F
FERRAZ, Tércio Sampaio Junior - 17; 19; 32; 35; 64; 150; 356; 369.
FREGE, Gottlob – 26.
FLORIAN, Eugenio – 44; 345.
FALLAZARI, Elio – 97; 98; 99; 237; 296; 302.
FIX - ZAMÚDIO, Héctor – 110; 115; 116; 233.
FERRER MAC-GREGOR, Eduardo – 115.
FIDÉLIS, Ernane – 140.
G
GRINOVER, Ada Pellegrini – 20; 30; 44; 74; 99; 100; 125; 128; 133; 135; 348; 367.
GUASP, Jaime – 29; 106; 107; 108; 234; 295.
GIORGIS, José Carlos Teixeira – 48; 49;56; 182; 345.
GIL, Antonio Carlos – 39; 40; 159; 361; 364.
GHIRALDELLI, Paulo Jr. – 42; 43; 173.
GOMES, Fábio – 45;61;63; 139; 140.
GILISSEN, John – 45.
GOLDSCHMIDT, James – 94; 95; 96; 97; 261; 279.
GALANTER, Marc – 105.
GUIMARÃES, Machado – 125; 302.
GRECO, Vicente Filho – 140; 141.
H
HELLWIG, Konrad – 34; 36;37; 227; 243; 262; 285; 286; 335; 354.
HÉLIE, Faustino – 69.
HELLWIG Konrad – 79; 81; 188; 249.
HABSCHEID, Walter J. – 81; 82; 302.
HORWICH, Paul – 173; 360.
HEIDELBERG, Wolfram – 302.
J
JUSTO, Antonio dos Santos – 60.
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
ÍNDICE ONOMÁSTICO 464
K
KUHN, Thomas - 42;46.
KLEIN, Franz – 65.
KÖHLER, Josef – 79; 81; 221; 222; 285.
HABSCHEID, Walter J. – 87; 88.
L
LIEBAMN, Enrico Tullio – 24; 25; 26; 29; 31; 34; 93; 99; 100; 101; 102; 110; 117;
120; 124; 125; 127; 130; 132; 133; 134; 135; 139; 141; 142; 147; 157; 160; 179;
180; 183; 184; 185; 186; 231; 232; 238; 289; 293; 297; 298; 302; 306; 324; 326;
330.
LAKATOS, Eva Maria – 39; 362.
LEONE, Giovanni – 44.
LEITE, Luciano Marques – 57; 348.
LENT, Friedrich – 81; 83; 86; 309.
LACERDA, Galeno – 135; 252; 302.
LOPES DA COSTA, Alfredo de Araújo – 152; 255; 317; 318.
LÖWY, Michel – 164.
LEITÃO MARQUES, Maria Manuel – 205; 224.
LUHMANN, Niklas – 237; 296.
M
MARINONI, Luiz Guilherme – 22; 23; 25; 142; 322; 323; 368.
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de – 30;31; 33; 61; 72; 130; 131; 253; 342;
366.
MOREIRA DE PAULA, Jônatas Luiz – 29; 45; 46; 60; 62; 118; 125.
MARQUES, José Frederico – 30; 107; 119; 127; 128; 129; 130; 243; 337; 339; 340;
342.
MARCONI, Marina de Andrade – 39.
MANZINI, Vicenzo – 44.
MUTHER, Theodor – 72; 75; 76; 79; 222.
MORTARA, Ludovico – 90; 93; 328.
MONTEIRO, João – 125.
MENDES, João Junior – 125.
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
ÍNDICE ONOMÁSTICO 465
MOREIRA, Jose Carlos Barbosa – 132; 331.
MIRANDA ROSA, F. A. de. – 203; 204.
MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nélson de. – 346.
N
NEVES, Celso – 32; 61; 72; 74; 75; 80; 127; 128; 130; 179; 185; 187; 203; 218;
226; 227; 238; 242; 243; 250; 252; 254; 255; 256; 269; 317.
NÓBREGA, Vandik – 59; 60.
NIKISCH, Arthur -81;.82; 84; 85; 86; 302; 309.
O
OLIVEIRA, Luciano – 164; 165; 166; 372.
P
PODETTI. J. Ramiro – 24; 72; 237; 268.
POPPER, Karl – 40; 172; 359.
PUGLIESE, Giovanne – 74.
PACHECO, Jose da Silva – 118.
PEDROSO, João – 205; 224.
Q
QUINE, Willard Von – 26; 27; 43.
R
ROCCO, Ugo - 28; 50; 99; 100.
RAMSEY, Frank Plunptom – 42; 173; 360.
RORTY, Richard – 43.
RÁO, Vicente – 45.
ROCHA, José de Albuquerque – 44; 237; 247; 296; 347.
REDENTI, Enrico – 49; 89; 91; 302.
ROSENBERG, Leo – 81; 82; 83; 86; 88; 302; 309; 310.
REIS, José Alberto dos – 105.
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
ÍNDICE ONOMÁSTICO 466
REZENDE, Gabriel Filho – 125.
ROSA, ELIÉZER – 152; 153; 191; 302.
S
SANTOS, Uziel Santana – 19, 162.
STRAUSS, Levy – 39.
SALOMON, Décio Vieira – 40.
SCHÖNKE, Adolf – 81; 82; 83; 86; 302.
SCHWAB, Karl Heinz – 81; 82; 86; 87; 88; 302; 309; 310; 311; 332.
SAVIGNY, Karl Von – 82.
SIQUEIRA, Galdino – 125.
SANTOS, Moacyr Amaral – 135; 136; 302.
SANTOS, Ernane Fidélis dos – 140; 252.
SANTOS, Boaventura de Souza – 164; 199; 204; 205; 206; 207; 208; 210; 211; 220.
224; 259; 263; 269; 319.
SILVA, de Plácido – 191.
T
TARSKI, Alfred – 32.
TOURINHO, Fernando da Costa Filho – 44; 144; 145.
TORNAGHI, Hélio – 30; 145; 186; 187; 225.
THEODORO, Humberto – 140; 141.
TUCCI, Rogério Lauria – 142; 349.
V
VIEHWEG, Theodor – 32.
VIDIGAL, Luis Eulálio de Bueno – 125; 127; 128; 129; 133; 252.
VILANOVA, Lourival – 283; 284; 288; 289; 291.
W
WARAT, Luis Alberto – 19.
WATANABE, Kazuo – 22; 225; 252; 253; 314; 315; 316; 318; 319.
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
ÍNDICE ONOMÁSTICO 467
WACH, Adolf – 31; 34; 79, 80; 82; 131; 152; 222; 227; 244; 262; 285; 286.
WEBER, Max – 40; 164; 166; 360.
WINDSCHEID, Bernhard – 72; 73; 74; 75; 76; 82; 131; 132; 222; 286.
WILLENS, Emilio – 207.
Y
YARSHELL, Flavio Luiz – 63; 74; 82; 129; 188; 311; 320.
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
468
APÊNDICE A
QUESTIONÁRIO DA PESQUISA EMPÍRICA – MAGISTRADOS.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE Programa de Pós-Graduação em Direito
ROTEIRO: PESQUISA EMPÍRICA (Entrevista)
JUÍZO OU TRIBUNAL NOME DO MAGISTRADO
QUESTIONAMENTOS
1. Historicamente, sabe-se que, para a resolução dos conflitos sociais, existiram
diversos métodos. Primitivamente, tivemos a autodefesa ou defesa privada, onde imperava a lei do mais forte. Depois, tivemos a autocomposição, onde por meio de persuasão racional, pelo convencimento, as partes chegavam a uma solução para o litígio. Dessa autocomposição surgiram a mediação e a arbitragem. Hoje, o método por excelência, adotado pelo Estado, para a resolução dos conflitos sociais é a heteronomia, através do processo judicial; isto é, um terceiro, imparcial, que é o juiz, determina qual a solução a ser dada no caso concreto. Isso é a jurisdição estatal. O senhor acha que a heteronomia – isto é, a Jurisdição – é a melhor forma de resolução dos conflitos sociais? Se sim ou não, por quê?
2. Dentre as várias definições clássicas, formuladas pela dogmática jurídico-processual,
uma delas diz que a Jurisdição é a função do Estado, pela qual este atua o direito objetivo na composição dos conflitos de interesses, com o fim de resguardar a paz social e o império da norma de direito, fazendo-se justiça no caso concreto e, desse modo, alcançando-se a referida pacificação social. No caso, Vossa Excelência acha que esse discurso que justifica o monopólio da jurisdição pelo Estado tem se realizado na prática, isto é, na resolução dos processos tem-se atingido esses ideais de paz e justiça sociais?
APÊNDICE 469
3. Quando Vossa Excelência se depara com um processo, a preocupação do senhor é em decidir a lide (penal ou cível) nos termos do pedido formulado pelo autor, julgando-o procedente ou improcedente, a partir da dialética processual? Existe alguma outra preocupação?
4. O princípio da congruência diz que o juiz deve decidir a lide – o processo – nos
limites em que ela foi proposta e, em assim sendo, deve-se ater exclusiva e peremptoriamente ao que existe, inclusive de provas, nos autos processuais. O que o senhor pensa sobre esse postulado principiológico da jurisdição?
5. O objetivo do juiz, ao se deparar com o processo, é em decidir a lide, o processo, ou
é em decidir o litígio que deu origem ao processo?
LITÍGIO E LIDE: uma construção, analítico-distintiva, terminológico-conceptual e empírico-crítica.
470
APÊNDICE B
QUESTIONÁRIO DA PESQUISA EMPÍRICA – PARTES.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE Programa de Pós-Graduação em Direito
ROTEIRO: PESQUISA EMPÍRICA (Entrevista)
NOME DO ENTREVISTADO:
JUÍZO OU TRIBUNAL DO JULGAMENTO. NOME DO MAGISTRADO.
QUESTIONAMENTOS
1. Você (ou parente seu) já foi parte em um processo judicial? Conte, por favor, sua
história de vida neste sentido. 2. No processo judicial vivenciado por você (ou parente seu), o juiz ao sentenciar, você
acha que ele agiu com justiça? Se sim ou não, por quê?
3. A sentença que ele deu na sua causa lhe foi favorável (ou ao seu parente)?
4. Você (ou seu parente) ficou satisfeito com a decisão, isto é, você acha que ele resolveu, realmente, o seu problema, o seu conflito?
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