UNIVERSIDADE DE LISBOA
INSTITUTO DA EDUCAÇÃO
A LITERATURA INFANTIL COMO ESTRATÉGIA DE
DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA INTERCULTURAL
NA EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR
Ariana Miriam Silva da Fonseca
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
Área de especialização em Educação Intercultural
Dissertação orientada pelas Profª. Doutoras Ana Paula Viana Caetano e
Ana Sofia Reis de Castro e Pinho
2018
Todos os livros possuem alma. A alma de quem o escreveu, e a alma
dos que o leram, que viveram e sonharam com ele. Cada vez que um
livro muda de mãos, cada vez que alguém desliza o olhar pelas suas
páginas, o seu espírito cresce e torna-se forte.
Carlos Ruiz Zafón
Se és diferente de mim, meu irmão, em vez de me prejudicares, enriqueces-me.
Antoine de Saint-Exúpery
AGRADECIMENTOS
Começo por agradecer à Prof. Dra. Ana Paula Caetano e à Prof. Dra. Ana Sofia
Pinho, pela disponibilidade que sempre revelaram, pela atenção dispensada, pela
exigência, pelas críticas, correções e inúmeras sugestões feitas ao longo do processo de
orientação. Tenho a agradecer-vos por me terem ajudado a crescer quer a nível
académico, quer a nível profissional e pessoal. Obrigada por me acompanharem neste
processo de partilha, reflexão e aprendizagem.
Às crianças do grupo, que deram vida e voz ao projeto, transformando-o num
veículo de emoções, compreensão e conhecimento. E aos seus pais, que colaboraram
ativamente na vida escolar dos filhos quando lhes era solicitado.
À Bela e à Vera, minhas colegas de sala, por me apoiarem nesta etapa, por
assumirem o trabalho e a responsabilidade do grupo em todas as minhas ausências
académicas.
À minha mãe e à minha avó Custódia, simplesmente por serem quem são. Pelo
seu amor, pela sua atenção e presença constante e por estarem sempre prontas a amparar
qualquer tombo.
Ao Vítor, companheiro incontornável, apoio incondicional e porto de abrigo. Por
me apoiar desde o primeiro minuto desta caminhada, por sempre me motivar e acreditar
nas minhas capacidades e ambições, por compreender as minhas ausências em vários
momentos, pelas conversas e gargalhadas reconfortantes que me deram ímpeto para
nunca desistir. Pela presença constante e pela sua visão positiva e revigorante da vida e
de todas as situações, por me encorajar a prosseguir, quando algo me impossibilitava de
avançar. E sobretudo pela garantia que… “no final, a história termina sempre bem”.
RESUMO
As questões ligadas à diversidade cultural constituem cada vez mais um desafio
ao ato educativo. A educação intercultural emerge como uma estratégia diferenciada que
visa a valorização e integração de todas as culturas e a promoção da interação pacífica
entre povos.
A educação pré-escolar constitui um espaço singular para a exploração da
literatura infantil, um veículo para fomentar a perspetiva intercultural, a familiarização
com a diversidade e o contato com o outro.
Esta investigação pretendeu constituir-se como uma metodologia participativa,
em que as vozes das crianças se manifestassem e em que estas fossem perspetivadas como
intervenientes ativos do seu processo de ensino-aprendizagem. Enquadrados numa
dinâmica relacional, a interação entre as crianças, a ação da educadora e a participação
dos pais promoveram experiências e aprendizagens interculturais, realizadas através de
processos dialógicos, reflexivos e fortemente empáticos.
O projeto desenvolveu-se numa sala de jardim de infância, da rede privada, e teve
como finalidade compreender o processo de desenvolvimento da consciência intercultural
de crianças em idade pré-escolar, através do trabalho pedagógico com narrativas
multiculturais. O estudo é composto por duas partes, a primeira concerne à dimensão
teórica que integra a educação intercultural na educação pré-escolar, através de dinâmicas
participativas e utilizando a literatura infantil como estratégia para a promoção de
competências no domínio da interculturalidade. A segunda corresponde à componente
empírica da investigação-ação, recorrendo à recolha de dados através de observação
participante e notas de campo.
Os dados recolhidos revelaram como se constituiu o processo contínuo de
aprendizagem, através do qual as crianças se apropriaram do trabalho educativo com as
narrativas, para alicerçarem aprendizagens significativas e desenvolverem competência
intercultural.
Palavras-Chave: Educação Intercultural; Educação Pré-Escolar; Competência
Intercultural; Literatura Infantil; Participação.
i
ABSTRACT
The issues of cultural diversity, are an increasing challenge to the educational
action. Intercultural education emerges as a differentiated strategy aimed at enhancing
and integrating all cultures and promoting the peaceful interaction among peoples.
Pre-school education is a unique space for exploring children's literature, which
constitutes a vehicle for fostering an intercultural perspective, familiarity with diversity
and contact with others.
This research was conceived as a participatory methodology, in which the
children's voices were heard and in which children were seen as active participants in
their teaching-learning process. Based on relational dynamics, the interaction between the
children, the educator's action and the parents' participation, promoted intercultural
experiences and learning, carried out through dialogic, reflexive and strongly empathic
processes.
The project was developed with a kindergarten class of the private school
network and aimed to understand the process of developing intercultural awareness in
pre-school children, through pedagogical work with multicultural narratives. The study
is composed of two parts, the first one concerns the theoretical dimension that integrates
intercultural education in pre-school education, through participatory dynamics and using
children's literature as a strategy to promote competences in the field of interculturality.
The second corresponds to the empirical component of action research, using data
collection through participant observation and field notes.
The collected data revealed how the continuous learning process was developed,
whereby children used the educational work with narratives, to build meaningful learning
experiences and develop intercultural competence.
Key-words: Intercultural Education; Preschool Education; Intercultural Competence;
Children’s Literature; Participation.
ii
ÍNDICE GERAL
Agradecimentos
Resumo
Abstract
Índice de Figuras
Índice de Gráficos
Índice de Quadros
Índice de Anexos (Anexos em CD ROM)
Lista de Siglas Usadas
Introdução
Parte I: Fundamentação Teórica da Investigação
1. A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
1.1.A importância da Educação Pré-Escolar no quadro de uma educação
para a cidadania
1.2.A Educação Intercultural
1.2.1. Conceções e finalidades
1.2.2. Abordagens educativas
1.2.3. Competência(s) intercultural(ais)
1.3.A Educação Intercultural em Portugal: das linhas orientadoras às
Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar
2. Os projetos participativos
2.1. A pedagogia em participação: o papel da criança e do educador
2.2. O trabalho de projeto e a relação escola-família
3. A literatura infantil
3.1. A importância da literatura infantil na Educação Pré-Escolar
3.2. A promoção da Educação Intercultural através da literatura infantil:
A utilização pedagógica de materiais literários numa perspetiva intercultural
Síntese
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iii
Parte II: Estudo empírico
4. Metodologia de Investigação
4.1. Problemática da investigação: questões e objetivos do estudo
4.2. Introdução à investigação-ação: características e finalidades
4.3. Modalidades e modelos da investigação-ação
4.4. Técnicas de investigação associadas à investigação-ação
4.5. Técnicas e instrumentos de recolha de dados
4.5.1. Observação direta
4.5.1.1.Observação participante
4.5.1.2. Notas de campo
4.5.1.3. Produções das crianças
4.5.2. Meios audiovisuais
5. Contexto e Participantes do Estudo
5.1. Caracterização do Colégio Missão
5.1.1. Localização e meio envolvente
5.1.2. Princípios educativos
5.1.3. Instalações
5.1.4. Recursos humanos
5.1.5. Organização institucional
5.2.O grupo de crianças
5.2.1. Contexto sociofamiliar
5.2.2. Caracterização do grupo
5.2.3. O espaço educativo - sala dos 4 anos
5.2.4. Rotina diária
6. Plano e desenvolvimento da intervenção pedagógica
7. Análise e interpretação de dados
Considerações finais
Referências Bibliográficas
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99
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iv
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1 - Modelo de competência intercultural de Deardorff
Figura 2 - Modelo de competência intercultural de Byram
Figura 3 - Organização das Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar
Figura 4 - Áreas de Aprendizagem da Pedagogia em Participação
Figura 5 - Ciclo da Investigação-Ação
Figura 6 - Modelo de Investigação-Ação de Lewin
Figura 7 - Modelo de Investigação-Ação de Kemmis
Figura 8 - Organograma do Colégio “Missão”
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109
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v
ÍNDICE DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Nível socioeconómico das famílias
Gráfico 2 - Habilitações académicas dos pais
Gráfico 3 - Número de filhos por casal
127
127
128
vi
ÍNDICE DE QUADROS
Quadro 1 - Tipos de Investigação-Ação e as suas características
Quadro 2 - Técnicas de Investigação Associadas à Investigação-Ação
Quadro 3 - Dados sociofamiliares do grupo
Quadro 4 - Constituição do grupo
Quadro 5 - Rotinas diárias
Quadro 6 - Organização Geral dos Blocos de Intervenção
Quadro 7 - Organização do Bloco de Intervenção A
Quadro 8 - Trabalho de Projeto A
Quadro 9 - Organização do Bloco de Intervenção B
Quadro 10 - Trabalho de Projeto B
Quadro 11 - Canção ‘Jan Pierewiet’ (versão original e versão traduzida)
Quadro 12 - Organização do Bloco de Intervenção C
Quadro 13 - Trabalho de projeto C
Quadro 14 - Registo das conclusões: Experiência dos ovos
Quadro 15 - Organização do Bloco de Intervenção D
Quadro 16 - Trabalho de projeto D
Quadro 17 - Organização do Bloco de Intervenção E
Quadro 18 - Registo das conclusões: Experiência das maçãs
Quadro 19 - Trabalho de projeto E
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188
vii
ÍNDICE DE ANEXOS
Anexo 1 - Histórias utilizadas no projeto de intervenção
Anexo 2 - Organização curricular por histórias
Anexo 3 - Trabalhos realizados pelas crianças no âmbito do projeto
Anexo 4 - Termo de consentimento enviado aos encarregados de educação
Anexo 5 - Planta da sala dos 4 anos
Anexo 6 - Notas de campo
viii
LISTA DE SIGLAS USADAS
CCI - Competência de Comunicação Intercultural
DGE - Direção Geral da Educação
I-A - Investigação-Ação
NC - Notas de Campo
OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico
OCEPE - Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar
ix
1
INTRODUÇÃO
Atualmente o mundo heterogéneo em que vivemos, experiencia processos de
transformação a todos os níveis - cultural, social, político e religioso. Este contexto
multicultural salienta a necessidade de processos de transformação, compreensão e
comunicação, que promovam o diálogo intercultural e valorizem a diversidade.
A interculturalidade sustenta uma estratégia dinâmica de correlação entre pessoas
e culturas (Vilar, 2009; Oliveira e Sequeira, 2012). Perspetiva uma componente de
mudança na educação, que como base do processo educativo, deve fazer refletir sobre a
sociedade atual. Assim, a escola assume uma função integradora que promove a
convivência com a diversidade, o conhecimento do outro e a igualdade de oportunidades.
É imperativo que o processo educativo contribua para o desenvolvimento de uma
sociedade democrática, reconhecendo e aceitando a individualidade de cada um, criando
espaços dialógicos e de interação, onde todos possam participar, ser ouvidos e ter voz. A
Lei de Bases do Sistema Educativo contempla a educação pré-escolar como um espaço
de promoção do desenvolvimento integral do indivíduo, tendo como base a educação para
a cidadania, numa perspetiva de consciencialização do outro, através de experiências de
natureza intercultural que possibilitem a compreensão de diferentes culturas (Silva et al,
2016). O jardim de infância emerge assim como um espaço de inserção social, onde as
crianças são estimuladas a desenvolver competências e valores inerentes à vida em
sociedade.
De acordo com as “Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar”, este
nível de ensino “é um preditor de sucesso na escolaridade e na qualidade de vida dos
jovens e dos adultos”, tal como relata Costa (2016:4) no preâmbulo do documento. A
ação educativa é centrada numa perspetiva globalizante, onde se integram a
intencionalidade educativa, a organização do ambiente educativo e as áreas de conteúdo
preconizadas para o pré-escolar. Sabendo que através da participação na vida do grupo,
as crianças vão constituir-se como “sujeito[s] e agente[s] do processo educativo” (Silva
et al, 2016:31), o trabalho cooperativo entre crianças e adultos contribuiu para o
desenvolvimento das relações interpessoais, pois ambas as partes se envolveram
mutuamente, influenciando-se. Em contexto de grupo, os princípios democráticos
contribuem para a compreensão do respeito mútuo e da importância do diálogo (Conselho
da Europa, 2008), promovendo a adaptação do ensino, às transformações patentes nas
sociedades. Deste modo, o desenvolvimento da competência intercultural vai permitir
interações sociais adequadas e harmoniosas nos vários contextos de diversidade
(Deardorff, 2006; Spitzberg e Changnon, 2009), fomentando experiências de alteridade,
consciencialização cultural e competências no domínio da cidadania (Ramos, 2007).
Sabendo que as histórias enredam formas de expressão e comunicação, estas vão
constituir-se como um dispositivo pedagógico (Stoer e Cortesão, 1996), para que a
criança descubra o mundo envolvente e usufrua de um contacto precoce com a
diversidade, que lhe vai permitir reconhecer e valorizar o outro (Leite e Rodrigues, 2000;
Balça 2003). Assim, as histórias constituem-se como um veículo incontornável para
fomentar a educação intercultural (Dolan, 2014).
O estudo relaciona-se com o projeto ‘ConverCidade - Convergir na diversidade:
participação das crianças e jovens na Cidade’, do Instituto da Educação da Universidade
de Lisboa. A investigação pautou-se numa componente participativa, que focou o grupo
como entidade social e cooperativa, sendo o processo acompanhado pela
educadora/investigadora.
Constitui uma investigação-ação, que pretende compreender como se processam
as dinâmicas que levam ao desenvolvimento da consciência e competência intercultural
em crianças do pré-escolar. Utilizando como estratégia, narrativas infantis, pretendeu-se
fomentar hábitos de reflexão conjunta, através da ação participada das crianças no seu
processo de ensino-aprendizagem.
Esta investigação encontra-se organizada em duas partes: a fundamentação teórica
da investigação e o estudo empírico. A primeira parte está dividida em três capítulos. No
capítulo 1 descrevem-se os quadros teóricos que sustentam a educação intercultural e a
educação pré-escolar, assim como a relação entre ambas, no quadro de uma educação
para a cidadania. São ainda referenciadas as dimensões necessárias para o
desenvolvimento da competência intercultural. No capítulo 2, são descritos os projetos
participativos nos quais se envolveram os diferentes agentes educativos: crianças,
educadora e famílias. No capítulo 3 é evidenciada a importância da literatura infantil no
pré-escolar, assim como a promoção da educação intercultural através das narrativas.
A segunda parte é constituída por quatro capítulos. Inicia-se com o capítulo 4,
onde são apresentadas as questões e objetivos do estudo, a descrição da metodologia de
investigação, o tipo de estudo realizado e os procedimentos de recolha de dados -
observação participante com recurso a notas de campo. Prossegue com o capítulo 5, onde
é caracterizado o contexto onde a investigação teve lugar, assim como os participantes
desta. No capítulo 6, encontra-se enquadrado o plano de intervenção pedagógica, assim
2
como uma descrição detalhada das dinâmicas realizadas. Engloba ainda o capítulo 7, em
que são analisados e interpretados os dados, de acordo com os objetivos da investigação.
Seguem-se as considerações finais, onde se apresenta uma análise reflexiva do processo
e as conclusões.
Por fim, as referências bibliográficas, assim como alguns anexos considerados
pertinentes para a investigação. Todos os anexos encontram-se em suporte informático.
3
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
_____________________________________________________________________
5
CAPÍTULO 1
A EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR E A EDUCAÇÃO INTERCULTURAL
“A educação deve visar a plena expansão da personalidade humana e o reforço dos direitos do
Homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas
as nações e todos os grupos raciais ou religiosos bem como o desenvolvimento das atividades das Nações
Unidas para a manutenção da paz” (Declaração Universal dos Direitos Humanos, Artigo 26º, 1948).
Ao longo do século XX, a educação de infância em Portugal foi-se desenvolvendo
de acordo com as políticas económicas, sociais e culturais. O primeiro jardim de infância
foi fundado em Lisboa em 1882. Entre 1910 e 1926 criou-se o ensino infantil oficial,
destinado a crianças entre os 4 e os 7 anos e realizaram-se as primeiras formações de
professores especializados em educação infantil. A educação infantil teve uma fraca
expansão, sendo extinta em 1926, o que levou ao desenvolvimento de uma rede de
educação pré-escolar privada.
Nos anos de 1970, criou-se um sistema público de educação pré-escolar e foi
decretado o Estatuto dos Jardins de Infância. Assim, emergiu de forma progressiva uma
rede pública de educação pré-escolar e, com ela, a necessidade de desenvolver linhas
orientadoras para os jardins de infância públicos, que inicialmente eram orientados por
guias curriculares (Vasconcelos, 2012).
Foi em 1997 que o Ministério da Educação aprovou o documento denominado
“Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar” (OCEPE), através de um projeto
de construção participada, documento esse revisto em 2016. Segundo Silva, Marques,
Mata e Rosa (2016), a faixa etária compreendida entre os 3 e os 6 anos de idade é de suma
importância para o desenvolvimento de aprendizagens fundamentais e para fomentar
atitudes e valores que sejam a base de futuras aprendizagens. Assim, a educação pré-
escolar é o primeiro patamar educativo que a criança integra, já que estes anos são
“decisivos na sedimentação de valores e atitudes e na construção de um processo
identitário eivado de respeito pelo outro” (Silva, Araújo, Luís, Rodrigues, Alves &
Tavares, 2005:5). Deste modo, sendo a primeira etapa da educação básica, a educação
pré-escolar torna-se “alicerce e suporte de uma educação ao longo da vida” (Vasconcelos,
1999:101).
Segundo Sacristán (2003), a educação tem uma função aglutinadora e
socializadora, cabendo-lhe o papel de propor um projeto partilhado por todos, que crie
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
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vínculos sociais e culturais, respeitando as especificidades de cada sujeito, através de
práticas educativas diversificadas, diferenciadas e integradoras. Assim, as políticas
educativas devem dar resposta à crescente diversidade cultural, tendo como foco o
princípio da igualdade de oportunidades no ensino, sendo que este deve:
Estimular o interesse ativo ‘pelos outros’ que provêm ou pertencem a culturas diferentes,
próximas ou mais distantes, analisando o que partilhamos com eles e o que, dada a sua
especificidade, enriquece a diversidade da humanidade (…). A procura de igualdade deve ser
um referente essencial de toda e qualquer política educativa, e de todas as práticas
pedagógicas, tendo em conta a igualdade com base nos parâmetros culturais, de género,
classe social, etc. (Sacristán, 2003:391).
O reconhecimento desta heterogeneidade quer social, quer cultural, implica que
esta diversidade se manifeste na educação, que detém “a major role to play in promoting
social cohesion and peaceful coexistence”, de acordo com a Unesco (2006:8). Segundo o
Relatório Mundial da Unesco (2009), os contatos interculturais dão lugar a novas formas
de diversidade cultural e práticas linguísticas.
Desse modo, contrariamente a procurar-se preservar a identidade em todas as suas formas,
deveria instar-se pela conceção de novas estratégias que levem em conta essas mudanças e
permitam ao mesmo tempo que as populações vulneráveis respondam mais eficazmente à
mudança cultural (p.6).
A diversidade cultural é reconhecida pela Unesco (2006, 2009) como uma
característica inerente à humanidade, um património comum, fonte de um mundo mais
rico e diversificado, que vai alargar as escolhas e fortalecer as capacidades e os valores
da humanidade. Deste modo, a necessidade de aceitação da diferença tornou-se uma
prioridade na educação. O reconhecimento da diversidade cultural é cada vez mais
necessário, assim como o desenvolvimento de estratégias que promovam a aceitação do
Outro, através de interações cooperativas. Leite e Rodrigues (2001) advogam que estas
questões devem assumir interesse particular na educação formal, pois vão requerer a
participação ativa das crianças na defesa dos direitos humanos, evitando a assimilação de
estereótipos.
É neste campo que a educação pré-escolar vai assumir um papel fundamental no
desenvolvimento pessoal e social das crianças. Assim, é essencial que, nas primeiras
etapas da educação, as crianças se familiarizem com conceitos importantes, que as vão
ajudar a desenvolver as competências necessárias para se relacionarem com os seus pares,
numa dimensão de respeito e complementaridade, “independentemente da presença ou
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
_____________________________________________________________________
7
não da diversidade étnica ou cultural na sala ou instituição, porque o objetivo é formar
cidadãos para uma sociedade aberta e plural” (Borges e Silva, 2000: 2).
1.1. A importância da Educação Pré-Escolar no quadro de uma educação para a
cidadania
Para Oliveira e Sequeira (2012), a educação é uma ação orientada de forma direta
ou indireta, por valores socialmente enquadrados, de forma a influenciar cada individuo.
A tarefa da educação é a de preparar os indivíduos para entrar na sociedade.
Em Portugal, na sequência dos princípios definidos na Lei de Bases do Sistema
Educativo, de acordo com a Lei-Quadro (Lei n.º 5/97, de 10 de fevereiro), a educação
pré-escolar tem como objetivos: (i) promover o desenvolvimento pessoal e social da
criança com base em experiências de vida democrática numa perspetiva de educação para
a cidadania; (ii) fomentar a inserção da criança em grupos sociais diversos, no respeito
pela pluralidade das culturas, favorecendo uma progressiva consciência do seu papel
como membro da sociedade; (iii) contribuir para a igualdade de oportunidades no acesso
à escola e para o sucesso da aprendizagem. De acordo como o mesmo documento, a
educação pré-escolar estabelece como princípio geral que é “a primeira etapa da educação
básica no processo de educação ao longo da vida (…) favorecendo a formação e o
desenvolvimento equilibrado da criança, tendo em vista a sua plena inserção na sociedade
como ser autónomo, livre e solidário” (p.670).
Atualmente, o sistema educativo tem vindo a reconhecer a importância da educação
pré-escolar como um espaço de aprendizagem fundamental na vida das crianças,
assumindo-se claramente que esta é um preditor de sucesso na escolaridade e na qualidade
de vida. Estas ideias mostram estar em conformidade com os princípios gerais e os
objetivos mencionados na Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 103/III/90), tais
como:
Hoje em dia ninguém questiona a importância e o papel da educação da infância no
desenvolvimento e aprendizagem das crianças e no contributo para o seu sucesso escolar
futuro. A preparação de uma transição sem ruturas entre o nível pré-escolar e a escolaridade
básica, com a criação de condições favoráveis para uma igualdade de oportunidades, leva à
sua inclusão como uma primeira e fundamental etapa da educação (1990: 7).
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
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8
Oliveira-Formosinho, Formosinho, Lino e Niza (2013) esclarecem a importância do
ensino pré-escolar, pois é através deste que as crianças vão desenvolver competências,
interiorizar normas e valores inerentes à vida em sociedade, promovendo atitudes
essenciais à sua inserção social, quer na escola na escola, quer na vida. As OCEPE
instituem que “este período é crítico para o desenvolvimento de aprendizagens
fundamentais, bem como para o desenvolvimento de atitudes e valores estruturantes para
aprendizagens futuras” (2016:4).
Vasconcelos (2007), defende que o jardim de infância, como organização social
participada que é, deve proporcionar às crianças as suas primeiras experiências, ao nível
da vida democrática. Só desta forma, a criança vai deixar de ter uma visão centrada em
si, para ser parte de um do grupo, aprendendo a trabalhar de forma cooperativa,
desenvolvendo a sua autonomia. Silva et al (2005) explicam que nesta fase o processo de
aprendizagem social das crianças é desencadeado aquando da integração num grupo
social mais alargado, com características diferenciadas da família nuclear.
Deste modo, a educação para a cidadania fomenta nas crianças atitudes e valores
alusivos à aceitação/respeito pelas diferenças, à interiorização de regras de convivência
social e de comportamentos e valores fundamentais à vida em sociedade, sendo “a escola
um locus fundamental de educação para a cidadania”, segundo Vasconcelos (2007: 111).
Assim, esta área contribui para o processo de desenvolvimento de componentes como a
identidade, a autoestima, a autonomia, a consciencialização de si e a aceitação das
perspetivas dos outros, imprescindíveis à cidadania e à vida em sociedade. Encerra as
conceções referidas anteriormente, tais como: educação para os valores e reconhecimento
e aceitação das características individuais.
De acordo com a Direção-Geral da Educação (DGE) (2013:2-6), a educação para a
cidadania compreende várias dimensões, sendo elas:
(i) Educação Rodoviária - Um processo formativo que tem como objetivo
fomentar “comportamentos cívicos e mudar hábitos sociais, de forma
a reduzir a sinistralidade rodoviária”.
(ii) Educação para o Desenvolvimento - Pretende desencadear processos
de consciencialização para as disparidades locais/mundiais num
contexto de globalização. Pretende promover o desenvolvimento
sustentável.
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
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(iii) Educação para a Igualdade de Género - De acordo com Cardona
(2015), a distinção de género vai derivar primeiramente das
construções sociais e das especificidades de cada cultura, pois estas
variam no espaço e no tempo e são sujeitas a readaptações de acordo
vários fatores. Pode-se inferir que “o género deve ser encarado como
um dos princípios organizadores da construção do percurso individual
de cada cidadã ou cidadão, na formação das respetivas competências
para o exercício pleno da cidadania” (Cardona et al, 2015: 18). Assim,
é categórico falar de género quando se fala de cidadania.
(iv) Educação Financeira - Possibilita aos jovens a aprendizagem de
competências essenciais na área das finanças pessoais, consumo e
contextos financeiros.
(v) Educação para a Segurança e Defesa Nacional - Visa demonstrar o
contributo “dos órgãos e estruturas de defesa para a afirmação e
preservação dos direitos e liberdades civis, bem como a natureza e
finalidades da sua atividade em tempo de paz”. Pretende ainda
consciencializar para a importância do património cultural e para a
“tradição universal de interdependência e solidariedade entre os povos
do Mundo.”
(vi) Educação Ambiental/Desenvolvimento Sustentável - pretende
desenvolver processos de promoção da conservação ambiental,
“promoção de valores, de mudança de atitudes e de comportamentos
face ao ambiente, de forma a preparar os alunos para o exercício de
uma cidadania consciente, dinâmica e informada face às problemáticas
ambientais atuais.”
(vii) Educação para a Saúde/Sexualidade - Mobiliza conhecimentos nas
crianças/jovens, para fomentar atitudes e valores que os remetam para
decisões adequadas à sua “saúde, bem-estar físico, social e mental”.
(viii) Educação para o Empreendedorismo - Visa a edificação de
conhecimentos que fomentem o desenvolvimento da capacidade de
mudança iniciativa e inovação.
(ix) Educação do Consumidor - Faculta informação no sentido de sustentar
as ações que contribuem para comportamentos “solidários e
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
_____________________________________________________________________
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responsáveis do aluno enquanto consumidor (…) face ao
desenvolvimento sustentável e ao bem comum.”
(x) Educação Intercultural - Difunde o reconhecimento e a valorização da
diversidade cultural como “fonte de aprendizagem para todos, no
respeito pela multiculturalidade das sociedades atuais. Pretende-se
desenvolver a capacidade de comunicar e incentivar a interação social,
criadora de identidades e de sentido de pertença comum à
humanidade.”
(xi) Educação para os Media - Incentiva as crianças/jovens a utilizar as
tecnologias de informação e comunicação, como forma de
conhecimento e incentivando atitudes de uma utilização cuidadosa da
internet.
(xii) Promoção do Voluntariado - Visa envolver as crianças/jovens nesta
prática de forma precoce e ativa para fomentar a promoção da coesão
social.
(xiii) Dimensão Europeia da Educação - fomenta o envolvimento dos alunos
em projetos de âmbito europeu, visando a promoção da identidade
europeia.
Estas dimensões são transversais aos vários níveis de ensino, sendo adaptadas a cada
um deles através de estratégias delineadas para o efeito. No entanto, é notório que as
OCEPE (2016) cruzam algumas destas dimensões, promovendo e fomentado, nas áreas
de conteúdo, comportamentos, atitudes e valores compatíveis com os mencionados nas
linhas orientadoras da DGE.
O sistema educativo é por isso, um elemento fundamental na promoção da
educação para a cidadania e para a formação de futuros cidadãos:
que participem ativamente e de modo crítico na construção de uma sociedade mais justa e
solidária, colocando como valores fundamentais a democracia, os direitos humanos, a
tolerância, ...e a escola é reconhecida como um local de aprendizagem e convivência social
(…) um espaço democrático de cidadania, um espaço relacional, de convívio, de cooperação
e de resolução de conflitos” (Araújo, 2008: 89).
Assim, assume-se a educação para a cidadania como o espaço onde serão promovidas
situações de valorização pessoal e de respeito mútuo, fomentando uma educação
orientada para princípios democráticos. De acordo com as ideias de Leite e Rodrigues
(2001), a educação para a cidadania promove interações em contextos comuns, sendo a
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
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instituição escolar um dos vários locais onde essas interações podem ter lugar. As autoras
defendem que “os valores vivem-se. Não se adquirem através de conceitos abstratos”
(p.35).
A publicação “Global Citizenship Education”, da Unesco (2014), refere que a
educação para a cidadania global destaca as funções essenciais da educação,
especialmente aquelas que se relacionam com a formação da cidadania, relacionando-a
com a globalização. Deste modo:
It is directly related to the civic, social and political socialization function of education, and
ultimately to the contribution of education in preparing children and young people to deal
with the challenges of today’s increasingly interconnected and interdependent world. There
are also overlapping and mutually reinforcing objectives, approaches and learning outcomes
with these and other education programmes, such as intercultural education (…) (p.15).
O documento estabelece três objetivos principais: (i) educar os alunos para a
cidadania e direitos humanos, através da compreensão dos princípios fundamentais da sua
constituição; (ii) ser capaz de exercer o chamado sentido crítico; (iii) adquirir um sentido
de individualidade e de responsabilidades comunitárias.
Uma educação para a cidadania pressupõe a vivência de situações que promovam
uma participação ativa na escola, na relação com os pares e com a família. Este ponto de
vista é defendido por Leite, Fernandes e Silva (2013:36), que afirmam que:
a educação para a cidadania não se pode limitar, de modo algum, à aquisição de uma
informação e que, ao contrário, tem de passar pela vivência de situações onde ocorram o
debate e a consciencialização da vivência da condição humana e social.
Assim, a educação para a cidadania baseia-se numa educação para o respeito, a
escolha e a autonomia e constitui:
Uma plataforma de mediação, com propriedades de inspiração de novas práticas e
envolvimentos que assentam num diálogo entre sujeitos educativos e o coletivo social. (…)
Desenvolve novas competências essenciais na complexidade do mundo contemporâneo,
ensinando o indivíduo a posicionar-se perante um problema, fazer escolhas e tomar uma
decisão (Leite, Fernandes e Silva, 2013:39-40).
Araújo (2008) defende a cidadania como um direito social, como um estatuto de
universal de igualdade para todos, pois todos são considerados cidadãos iguais, com os
mesmos direitos e deveres. Afirma também que é no contexto atual, onde surgem
propostas de uma educação multicultural, que devemos dar espaço às diferenças culturais
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
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no espaço escolar, para que possamos edificar uma cidadania fundamentada na
democracia participativa. Mas para que tal mudança possa ocorrer de forma efetiva, as
escolas necessitam de um esforço educativo premeditado e constante, ao longo da vida
escolar dos alunos, para que todos possam participar na vida da sociedade.
O Conselho da Europa (2008) institui que a educação para uma cidadania democrática
é imperativa para que o pleno funcionamento de uma sociedade justa, tolerante, livre,
inclusiva, com compreensão recíproca, solidariedade, coesão social, diálogo intercultural
e igualdade de todos. Reforça a importância da educação, como veículo que permite ao
indivíduo tornar-se num cidadão responsável e respeitador dos outros, através de
abordagens pluridisciplinares que fomentem a aquisição de um rol de comportamentos e
competências, tais como a capacidade de reflexão e autocrítica, necessárias para viver
numa sociedade onde se evidencia a diversidade cultural. Então, educar para a cidadania
engloba a criação de oportunidades para desenvolver autoestima, autoconhecimento,
conhecimento e respeito pelo ‘outro’ nos alunos (Araújo, 2008: 92).
Desta forma, o objetivo da educação para a cidadania é a participação responsável
e consciente dos cidadãos na vida coletiva. Para que tal seja possível, os sujeitos têm que
deter um conjunto de conhecimentos, competências e capacidades de intervenção, que a
escola deve desenvolver ao longo de todo o percurso escolar. A educação escolar:
tem assim uma grande responsabilidade no desenvolvimento dessas competências e
capacidades cívicas através dos procedimentos da prática da vida escolar, com recurso a
metodologias activas e da intervenção não apenas ao nível do currículo explícito, mas
também ao nível do currículo oculto (…) (Araújo, 2008: 89).
Para compreender o papel da educação pré-escolar e a sua articulação com a educação
para a cidadania, deve explicitar-se que a grande finalidade da Educação Pré-escolar é o
desenvolvimento pessoal e social da criança, num quadro de cidadania democrática,
“assegurando uma formação efetiva que propicie o conhecimento profundo do
desenvolvimento da criança e dos modos de a integrar e fazer aprender os valores da
democracia” (Marchão e Henriques, 2015:83).
As OCEPE (2016) enfatizam particularmente a educação para a cidadania, ao nível
da organização do ambiente educativo, afirmando que o quotidiano do jardim de infância
deve estar organizado para promover o respeito por outras culturas, vivências
democráticas, dinâmicas de participação e de equidade, para promover processos de
igualdade cultural e de género. Cardona et al (2015) afirmam igualmente que na educação
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
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pré-escolar devem criar-se espaços educativos facilitadores, que se relacionem com a
participação democrática do grupo, para que todos participem nas tarefas e decisões a
tomar, pois “para aprender a ser pessoa a criança precisa de estar integrada em contextos
que respondam às suas necessidades e também interesses” (Marchão & Bento, 2012: 12).
A organização do grupo vai permitir a explicitação e aceitação dos diferentes pontos
de vista, dando à criança a oportunidade de se expressar, de escolher e decidir. Esta
estratégia irá inevitavelmente favorecer a discussão de diferentes pontos de vista e a
resolução conjunta do problema, para que as crianças comecem, assim, a usufruir de
experiências de vida democráticas, através do “questionamento das atitudes e situações
observadas ou vividas em grupo – oportunidades que não poderão ser negligenciadas
quando se pretende educar para ‘viver juntos e viver com os outros’ (…) para descobrir
o que existe de comum e, só a partir daí, o que existe de diverso” (Leite e Rodrigues,
2001:28). Deste modo, as dinâmicas de interação com adultos e crianças levam a criança
a interiorizar valores e a consciencializar-se de si e dos outros, num processo de educação
para os valores e para uma vivência democrática. O jardim de infância é, desta forma, um
contexto favorável à “tomada de consciência de perspetivas e valores diferentes, que
facilitam a compreensão do ponto de vista do outro e promovem atitudes de tolerância,
compreensão e respeito pela diferença” (Silva et al, 2016:39).
Desde tenra idade, as crianças devem mover-se num ambiente escolar/educativo que
fomente boas práticas de cidadania ativa e democrática. O jardim de infância deve
assumir-se como um espaço de cooperação, partilha e respeito pela diversidade, opondo-
se a qualquer tipo de discriminação, para que cada criança cresça superando estereótipos
e preconceitos. De acordo com o Guião de Educação, Género e Cidadania: Pré-Escolar
(2015:8):
uma cidadania ativa numa sociedade cada vez mais plural implica a aceitação do valor da
igualdade dos direitos e dos deveres para todos e todas, implica um compromisso genuíno
com a sociedade na sua diversidade, o respeito crítico pelas culturas, crenças, religiões etc.,
e implica também abertura à solidariedade pela diferença (…).
O jardim de infância é um espaço de vivências precoces de cidadania e vai assumir-
se como um contexto educativo para a aprendizagem e o exercício da cidadania:
(…) formando as crianças a nível pessoal e social, educando o seu sentido ético e estético,
prepara-as para uma efetiva prática de cidadania: aprendem a importância do respeito, como
é difícil negociar diferentes pontos de vista mantendo a amizade, aprendem acerca da
diversidade e da igualdade de oportunidades, da paridade entre os sexos, da diversidade de
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
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culturas, da importância de cuidar do ambiente e da saúde, interiorizando um sentido de
responsabilidade social. (Vasconcelos, 2007:113)
Espera-se, portanto, que o jardim de infância eduque as crianças no sentido de as
preparar para uma prática de cidadania baseada na compreensão do Outro e de pontos de
vista diferentes do seu.
Segundo Fontoura (2005), a formação da identidade social vai requerer um
reconhecimento positivo dos traços fundamentais dos sujeitos, assumindo que a
diversidade cultural destes - se aplicada e rentabilizada nesse sentido - vai promover uma
educação multicultural. A autora advoga também que a escola e a aprendizagem escolar
ocupam um lugar chave nas relações sociais e no processo de construção identitário, pela
“relação que estabelecem com o outro, quer pela formação em si mesmo que se vai
construindo nessa relação e na experimentação das suas capacidades e competências
como ator, entre êxitos e fracassos” (Ibidem, p.52).
Na Constituição da República Portuguesa (2005:17), artigo 73º, assume-se nos
“Direitos e Deveres Culturais” que se pretende que a educação escolar:
contribua para a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas,
sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de
compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a
participação democrática na vida coletiva.
Então, a resposta a uma sociedade eminentemente multicultural e a uma educação
para todos reside no conceito de cidadania, sendo a escola um local de “aprendizagem da
igualdade de todos os alunos, quaisquer que sejam as suas origens e as suas religiões”
(Ferreira, 2003:51).
Assim, a educação pré-escolar é o primeiro local de contato social, um lugar
privilegiado da relação social e por isso promotora da cidadania e da consciência cívica.
Desta forma, a participação ativa dos sujeitos é essencial para que desenvolvam
competências, no âmbito de uma educação para a cidadania. Esta perspetiva está acordo
com Zêzere (2003), que estabelece que o percurso escolar só faz sentido se for um
instrumento promotor do desenvolvimento pessoal e social e um veículo facilitador da
inserção social, promovendo sentimentos de competência, de eficácia, de bem-estar e a
melhoria da qualidade de vida.
De acordo com as ideias de Cardoso (1998:100), “não há educação para a cidadania
que não seja educação intercultural”. Preconiza ainda que ambas:
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
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passam sobretudo pelo desenvolvimento e interiorização, em liberdade de consciência, de
atitudes e valores democráticos. Estas aprendizagens são promovidas, principalmente,
através da forma como é organizado o processo educativo, do papel que nele é reservado aos
alunos e das experiências que lhes são proporcionadas. Os conteúdos, intencionais e
criteriosamente selecionados, devem suscitar aprendizagens dinâmicas promotoras de
valores e atitudes essenciais para o exercício futuro de cidadanias em contextos cada vez mais
interculturais” (Ibidem).
O autor afirma que a educação para a cidadania visa estimular as interações, a
compreensão mútua e o respeito entre os alunos de variadas origens, mas visa
particularmente preparar os futuros cidadãos na promoção da justiça social e na
eliminação da exclusão em todas as suas formas. Pretende, por isso, contribuir para a
igualdade de oportunidades na sociedade, iniciando-a no domínio da educação. Desta
forma, é notório que a educação para a cidadania e a educação intercultural estão
profundamente relacionadas, e pode-se afirmar que a educação intercultural é uma
resposta pedagógica para preparar futuros cidadãos, “tendo em vista o seu
desenvolvimento numa sociedade pluralista e culturalmente diversificada” (Araújo,
2008:72). Assim, em Portugal, espera-se que quer a educação, quer a cultura
desempenhem um papel vital na construção e também na manutenção de uma sociedade
democrática (Stoer e Araújo, 2000).
Deste modo, para uma educação que prepare os indivíduos para o mundo globalizado
em que vivemos, Byram (2008) defende a importância da reflexão e das interações
sociais, essenciais no processo educativo, para uma educação para a cidadania
intercultural. Esta perspetiva pretende ‘transformar’ o indivíduo, promovendo o
conhecimento do Outro e da sua cultura, habilitando-o para reconhecer e respeitar as
especificidades de outros grupos ou culturas. Este processo implica uma capacidade de
descentração e a consciencialização de outras realidades culturais, com outras crenças e
valores. Pretende-se ajudar os sujeitos a pensar, agir e comunicar interculturalmente.
Assim, os intervenientes educativos devem desenvolver estratégias e atitudes que
fomentem o desenvolvimento da competência intercultural. Estes aspetos interculturais
serão abordados nos subcapítulos subsequentes.
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
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1.2.A Educação Intercultural
1.2.1. Conceções e finalidades
“If we accept diversity, the way towards tolerance will be shorter and easier.”
(Febles, 2007:338)
Sabemos que, devido a fenómenos migratórios e à intensa globalização, as
sociedades atuais são cada vez mais complexas e eminentemente multiculturais. O
aumento das correntes migratórias fez aumentar os contatos culturais, sendo que as
sociedades revelam heterogeneidade social e pluralismo cultural. Este último agrega:
princípios que visam o reconhecimento de diferenças, nomeadamente identitárias e
socioculturais, aspirando a uma sociedade na qual os diversos grupos podem coexistir em
plena liberdade, mantendo as suas respetivas identidades culturais e tendo direito equitativo
a uma participação social, política e económica (Oliveira e Sequeira, 2012:19).
É neste contexto que a diversidade cultural emerge, sendo observável em pessoas
e/ou grupos de diferentes origens culturais na mesma sociedade. Todas estas culturas
possuem traços distintivos e um capital social rico, diferenciado e singular. Todos temos
uma carga cultural e capacidade de aprender a conviver com outros.
A cultura é fundamental para o desenvolvimento do ser humano e expressa a
identidade social de um grupo. Segundo Cuche (1999), o ser humano é um produto da
cultura, pois esta vai permitir-lhe adaptar-se ao meio envolvente. A Declaração Universal
sobre a Diversidade Cultural (2002:13) afirma que:
A cultura adquire formas diversas através do tempo e do espaço. Essa diversidade manifesta-
se na originalidade e na pluralidade de identidades que caracterizam os grupos e as sociedades
que compõem a humanidade. Fonte de intercâmbios, de inovação e de criatividade, a
diversidade cultural é, para o género humano, tão necessária como a diversidade biológica
para a natureza. Nesse sentido, constitui o património comum da humanidade e deve ser
reconhecida e consolidada em benefício das gerações presentes e futuras.
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (2004) faz também várias
referências neste âmbito. Este relatório defende o respeito pela diversidade, pelas
tradições, valores, culturas e modos de vida das sociedades multiculturais atuais e a
necessidade de sociedades mais inclusivas e de políticas multiculturais, que reconheçam
as individualidades e as diferenças culturais observáveis no mundo.
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
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Com estas mudanças sociais, surge a necessidade de nos relacionarmos
verdadeiramente uns com os outros, eliminando as barreiras de comunicação e interação.
Retornamos então à valorização da diversidade cultural e à necessidade de superar
estereótipos, preconceitos e hierarquização cultural. Neste âmbito, emergem ainda dois
conceitos intrinsecamente ligados: a multiculturalidade, que se refere à diversidade
cultural das sociedades, “assente em valores e normas com coesão entre si” (Silva,
2008:38), e a interculturalidade, que coloca “énfasis en el terreno de la interaccíon entre
los sujetos o entidades culturalmente diferenciados (...) buscará las convergencias sobre
las quales establecer vínculos y puntos en común” (Giménez Romero,
2003:13),“impulsiona a convivência e a coadjuvação entre pessoas distintas” (Fontoura,
2005: 15) e “expressa o contato entre culturas numa sociedade multicultural” (Silva,
2008:37).
O fenómeno designado como multiculturalidade foi explorado a partir de quatro
perspetivas: (i) postura assimilacionista: a diversidade e a diferença são percebidas como
ameaças à coesão da sociedade, que pretende manter a sua homogeneidade cultural; (ii)
postura integracionista: declara a igualdade de direitos para todos os cidadãos; (iii)
postura pluralista: respeita a diferença cultural, promovendo o reconhecimento e respeito
pelas diferenças culturais, no contexto da sociedade de acolhimento; (iv) postura
interculturalista: possibilita aceitar e valorizar a diferença e defende a comunicação, a
afirmação e o diálogo (Ferreira, 2003; Araújo, 2008). Esta perspetiva:
Promove a relação dinâmica entre as culturas, ou seja, valoriza a diferença e esforça-se por
encontrar pontos comuns entre pessoas e culturas. Trata-se da construção de uma sociedade
aberta, que apesar de consciente do choque de culturas encontra-se recetiva ao exercício de
crítica e da postura ética, na defesa de princípios valores humanos que respeitem a alteridade”
(Araújo, 2008:57-58).
Devemos por isso transformar a sociedade multicultural numa sociedade
intercultural e ao invés de um:
somatório ou justaposição de culturas que se confrontam ou se ‘toleram’ num mesmo espaço,
viver o cruzamento de culturas em transformação mútua, numa sociedade de direitos reais e
efetivos - desde os direitos cívicos e políticos aos direitos económicos, sociais e culturais.”
(Cochito, 2004: 11).
Neste contexto surge a necessidade de uma “nova abordagem na educação
alicerçada na mudança de mentalidades” (Oliveira e Sequeira, 2012:12). Para estas
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
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autoras a educação intercultural apresenta-se como uma estratégia educativa que vai
contribuir para procurar as razões de agir do outro, promovendo o respeito para com o
diferente, alargando a realidade dos sujeitos e facilitando “uma leitura positiva da
pluralidade social e cultural” (Ibidem).
Oliveira e Sequeira (2012:8) consideram a interculturalidade como uma estratégia
defensiva da diversidade “que implica a interdependência de pessoas e culturas e é
condição de existência social e sustentabilidade.” Assim, urge a implementação desta
perspetiva, através da qual as várias culturas se “inter-relacionem verdadeiramente”
(Ibidem).
Araújo (2008) vê a perspetiva intercultural através de dois pontos de vista: (i)
sociológica: o interculturalismo como uma atitude humanista, que deseja o diálogo, o
respeito pelas diferenças e a compreensão mútua; (ii) educacional: “o interculturalismo
fundamenta-se nos processos educativos reflexivamente concebidos, promotores de
pluralismo e da igualdade de oportunidades educativas e sociais” (p.58). Já o termo
intercultural determina a função de inter-relação entre modos de sentir e de compreender
a realidade (Morgado, 2010b), sendo que a sua ênfase não são os conteúdos, mas sim os
processos, diferenciando-a assim de outras perspetivas. A finalidade da educação
intercultural é então contribuir para manter a unidade, valorizando as culturas, culturas
que se vão modificando quando estão em contacto entre elas (Abdallah-Pretceille ,1996).
Santiago, Akkari e Marques (2013) afirmam que a diversidade se faz sentir dentro
de uma mesma cultura, de acordo com a singularidade dos seus integrantes e, se assim é,
torna-se imperativa a construção de relações interculturais na educação. Silva (2008)
descreve o interculturalismo como o veículo de um esforço consciente para aceitar a
diferença. Fontoura (2005) remete-nos para a reflexão da interculturalidade, com uma
visão de sociedade que aposta na integração das diferenças, para que cada um possa
participar ativamente na vida em sociedade. Acrescenta ainda que a interculturalidade
promove dinâmicas relacionais, sendo considerada um “projeto educativo que valoriza a
diversidade sócio-cultural e luta contra os estereótipos, os preconceitos, a xenofobia e
qualquer forma de discriminação” (p.56). Para Vilar (2009), a interculturalidade é uma
estratégia inovadora de conviver com a diversidade cultural e étnica nas sociedades atuais.
Desta forma:
para que ela possa ser uma realidade, é suposto reconhecer que a convivialidade não é
pacífica, nem um dado imediato, que é sempre tensional, comporta conflitos, é dinâmica e
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
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exige uma construção permanente e diária. De algum modo, [a interculturalidade] é o estado
mais evoluído da democracia (p.52).
Neste panorama, a escola depara-se com um cenário de diversidade cultural e
linguística dos alunos. Estes alunos frequentam um sistema educativo onde a
heterogeneidade cultural é muitas vezes vista como uma barreira às aprendizagens
escolares, ao invés de a reconhecer, promovendo processos educativos integradores e
diferenciados, educando na diversidade e com a colaboração de toda a comunidade
escolar. Ramos (2007:233) defende que:
A educação oferece às crianças e jovens oportunidades de adquirirem capacitação,
desenvolverem sentido crítico e auto confiança, à medida que vivenciam a experiência da
diversidade e obtêm um conjunto de conhecimentos, aptidões, atitudes e valores
fundamentais para negociarem igualdade de oportunidades na sociedade e desenvolverem
práticas de cidadania.
É imperativo que através da diversidade se criem estratégias, oportunidades de
enriquecimento e aprendizagem, partilhando costumes e saberes. De acordo Ramos
(2007), a abordagem intercultural implica múltiplas constatações e perspetivas, são elas:
(i) uma constatação de ordem sociológica, pois a maioria das nossas sociedades são cada
vez mais multiculturais; (ii) uma opção de ordem ideológica, já que a
multi/interculturalidade é, potencialmente, uma riqueza para a sociedade; (iii) uma visão
estratégica, pois torna-se necessário promover a relação entre as culturas, sem anular a
identidade de cada uma delas; (iv) uma perspetiva interdisciplinar pluridimensional; (v)
uma perspetiva sistémica e multidimensional, indispensável a uma visão global e
interaccionista das diferentes problemáticas e à construção de um pluralismo comum; (vi)
um processo dinâmico e dialético, onde o intercultural implica a tomada de consciência
da alteridade, da diversidade e das interações; (vii) uma perspetiva psicossocial e
pedagógica, pois as problemáticas interculturais implicam o desenvolvimento de
competências que promovam a consciencialização cultural, a comunicação, o diálogo
intercultural e o funcionamento democrático da sociedade; (viii) uma perspetiva sócio-
política, dado que o interculturalismo promove a coesão social, o exercício da cidadania,
a igualdade de oportunidades e uma integração adequada das minorias.
Desta forma, a implementação da educação intercultural como transversal aos
currículos educativos, dará origem a projetos que promovem a formação integral dos
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
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sujeitos educativos, articulando todas as áreas curriculares, assim como os percursos
curriculares alternativos (Oliveira e Sequeira, 2012).
A educação intercultural visa então a valorização das culturas e do diferente, das
suas interações, dos seus valores e da solidariedade através de um esforço conjunto entre
pessoas e países. De acordo com Díaz-Aguado (2000) e Fontoura (2005), os seus
princípios incidem: (i) no direito à diferença; (ii) na igualdade na diversidade; (iii) na
valorização das várias identidades culturais; (iv) na justiça face às desigualdades a todos
os níveis; (v) no respeito entre todas as culturas, como meio de superar discriminações;
(vi) o respeito pelos direitos humanos. Díaz-Aguado (2000) defende ainda que os
objetivos da educação intercultural devem sofrer mudanças qualitativas, ao nível do
modelo de interação educativa e na forma de transmitir e produzir o conhecimento.
A Unesco (2006) instituiu três grandes princípios para esta educação, são eles: (i)
respeitar a identidade cultural do aluno, mediante a oferta de uma educação de qualidade
para todos e culturalmente relevante; (ii) desenvolver em cada aluno o conhecimento
cultural, as atitudes e as competências necessárias a uma participação ativa na vida da
sociedade (Díaz-Aguado, 2000); (iii) garantir a todos os alunos a aquisição dos
conhecimentos, atitudes e competências (Morgado e Pires, 2010) que os capacite a
contribuir para o respeito, a compreensão e a solidariedade entre indivíduos, grupos
étnicos, sociais e religiosos, e nações. Tendo em vista a concretização destes princípios,
a Unesco traçou ainda cinco objetivos: (i) a redução de todas as formas de exclusão; (ii)
o aprofundamento da integração e do sucesso educativo; (iii) a promoção do respeito pela
diversidade cultural; (iv) o desenvolvimento da compreensão do outro; (v) o fomento da
compreensão internacional.
De acordo com Ouellet (1991, citado por Morgado e Pires, 2010: 64), a educação
intercultural pode definir-se como:
A formação sistemática que visa desenvolver, quer nos grupos maioritários, quer nos
minoritários, atitudes, comportamentos e competências de compreensão de outras culturas e
maior interação comunicativa e social, criadora de identidades e de sentido de pertença
comum à humanidade.
Carneiro (2009:156) descreve-a como “conquistar para a descoberta
extraordinária do outro, pelo exercício sistemático da escuta e pela procura do sentido do
universal que pode habitar no diferente.” Morgado e Pires (2010:61) preconizam-na como
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
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a “interação e diálogo positivo entre grupos culturais em sociedades multiculturais”
[ênfase no original].
Para Ferreira (2003:15) o seu objetivo final da educação intercultural é o de
“conciliar a unidade com a diversidade”. Para a autora, a finalidade da educação
intercultural é contribuir para manter a unidade, valorizando todas as culturas nela
presente, tendo em conta que estas se vão modificar, quando estiverem em contato umas
com as outras. Defende ainda que a pedagogia intercultural é destinada a todos e deve
decorrer de políticas educativas à escala nacional, aplicando-se no decorrer da
escolaridade, tendo sempre em atenção o desenvolvimento afetivo e cognitivo dos
sujeitos educativos. Já Ramos (2011) define que o objetivo da interculturalidade não é a
separação do universal e do particular, mas “a organização de um contexto social e
relacional integrativo que tenha em conta um processo dialético ligando o Eu e o Outro,
a abertura ao mundo e o reconhecimento das identidades e da alteridade” (p. 198).
1.2.2. Abordagens educativas
Para Cotrim et al (1995), a pedagogia intercultural coloca no centro das suas
metodologias o sistema relacional dos alunos, sendo que a finalidade desta é permitir uma
interação com o igual e o diferente, de forma harmoniosa. A educação intercultural
promove assim, uma pedagogia de relação humana, em que:
a criança descobre a alteridade como uma relação com o outro, seu igual, simultaneamente
semelhante e diferente, numa situação de interdependência e conflitualidade latente. (…)
Produz [nela] uma capacidade de agir em matéria de direitos do homem, e integrar na
formação da sua personalidade, nas etapas do seu crescimento, o sentido do combate contra
qualquer forma de discriminação” (pp. 15-17).
Uma escola intercultural é o local em que a teoria e a prática se articulam. Esta,
difunde a aprendizagem numa perspetiva de participação social, inserida na comunidade,
gerida de forma democrática e participada. Nesta perspetiva, a escola deve ter como
objeto central o processo de aprendizagem individual de cada aluno, conhecendo as suas
identidades culturais e refletindo-as nas aprendizagens a fomentar. Torna-se uma
estratégia para potenciar o encontro e o diálogo intercultural, sendo a escola um espaço
de interação das diferenças. Uma escola que leva os alunos a aprendem de forma conjunta
e a tirarem partido da complementaridade entre pessoas intrinsecamente diferentes e que
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
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se empenham em contribuir para uma sociedade de cidadãos iguais, a nível de direitos e
deveres. Assim:
a visão de escola que apenas reproduz uma dada cultura e formas de organização hegemônica
fica superada por outra que reflete sobre a complexidade das relações estabelecidas nesse
espaço. Para que se permita a afirmação das diferentes subjetividades e, ao mesmo tempo, a
construção de relações interculturais democráticas entre a própria cultura escolher e o espaço
cultural da comunidade, bem como das produções de significados trazidas pelos alunos e
alunas em convívio nessa comunidade (Santiago, Akkari e Marques, 2013:180-190).
Numa visão educacional, a interculturalidade fundamenta-se nos processos
educativos, promotores do pluralismo e da igualdade de oportunidades, quer educativas,
quer sociais. Assim, a inclusão da educação intercultural no sistema educativo pretende
dar respostas adequadas às especificidades de cada aluno, tendo em conta uma educação
para os valores e para a cidadania, fomentando o espírito crítico, competências essenciais
à vida em sociedade. Intervenções educacionais integradoras devem ter em conta a
compreensão, o ponto de vista do outro, o reconhecimento da diversidade e espaço social
de cada um dos intervenientes. Para Giménez Romero (2003:20), “el interculturalismo
educativo implica saber distinguir, relacionar y manejar”.
Mas a integração de conteúdos interculturais nos currículos não é suficiente para
atingir os objetivos traçados e referidos anteriormente. Guijarro (2005:27) defende que a
“educación ha de tener un enfoque de derechos humanos y una visión intercultural de
forma que los aprendizajes sean significativos y pertinentes para todos y no sólo para
aquellos de las clases y culturas predominantes.” É necessário desenvolver materiais que
compreendam e respeitem as características de outras culturas, reconhecendo o seu valor
e que desenvolvam uma identidade pautada no respeito pelos direitos humanos, pela
diversidade cultural e pela tolerância (Díaz-Aguado, 2000). A mesma autora advoga
ainda que os estudos publicados no âmbito da dificuldade da integração prática da
educação intercultural são consensuais ao referirem como barreiras à sua inclusão: a
conceptualização inadequada que os professores detém desta e a falta de recursos e
preparação para concretização prática da mesma.
Como tal, as seguintes condições poderão diminuir a distância entre os objetivos
de uma educação intercultural e a sua aplicação prática em contexto escolar: (i) adaptar o
estilo de ensino-aprendizagem e o modelo de interação educativa à diversidade dos
alunos; (ii) ensinar de forma explícita como se constrói o conhecimento (Banks e Banks,
1994), normas e expetativas da cultura escolar, recorrendo aos alunos na sua construção;
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
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(iii) ultrapassar os modelos etnocêntricos; e (iv) superar a propensão para a procura de
certezas absolutas. Para tornar esta realidade possível, os alunos devem ter algum controlo
sobre as atividades, partilhando o ato educativo com os professores e trabalhando de
forma cooperativa, para que “possam aceitar outros pontos de vista, diferentes perspetivas
e diferentes atividades de resolução dos problemas” (Fontes e Freixo, 2004), sendo que a
aceitação do outro é uma competência que se adquire com a prática (Unesco, 2009).
Ferreira (2003) advoga que para a prática da educação intercultural é
indispensável: (i) organizar a estrutura escolar, tendo em conta a diversidade de culturas;
(ii) adaptar o currículo nacional aos diferentes contextos; (iii) recorrer a práticas letivas
que invoquem a cooperação e valorizem diferentes aptidões, saberes e capacidades, tais
como a aprendizagem cooperativa social (Ferreira, 2003; Ainscow, Caldeira, Paes,
Micaelo e Vitorino, 2004; Cochito, 2004; Fontes e Freixo, 2004; Lopes e Silva, 2008;
Azevedo, 2009); (iv) focar a língua materna do país de acolhimento, pois esta irá
condicionar todas as aprendizagens (e se necessário ensiná-la como língua secundária).
Os docentes terão que “ be aware of the emerging knowledge and feelings about other
countries, including the ones which may be associated with the specific language being
taught (…)” (Byram, 2008: 80) ; (v) promover o desenvolvimento pessoal, social e moral,
através da resolução de conflitos; (vi) celebrar a unidade e a diferença.
Complementando esta visão, Morgado e Pires (2010) salientam que as abordagens
multiculturais/interculturais deveriam enfatizar os seguintes pontos: (i) ensinar/aprender
aquilo que é culturalmente diferente; (ii) promover relações humanas positivas, entre
diferentes grupos culturais; (iii) inserir novas perspetivas e experiências nos currículos
escolares; (iv) realizar estudos a grupos geralmente considerados marginais; (v) impelir
a transformação social, através de práticas reflexivas.
Uma pedagogia intercultural, que seja baseada na compreensão, no respeito e no
reconhecimento do Outro, deve ajudar os indivíduos a refletir sobre as suas próprias
representações e sistemas de valores. Deverá ainda:
ajudar a identificar as representações, preconceitos, estereótipos e sistemas de valores dos
outros indivíduos e grupos, constituindo um meio de aprendizagem de si mesmo e do Outro,
de compreensão intercultural, de luta contra o etnocentrismo, a discriminação e a xenofobia
(Ramos, 2011: 195).
De acordo com Ribeiro, Cavalcanti e Cruz (2010), a educação intercultural é um
dos pilares para a efetivação da educação inclusiva, promovendo um currículo
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
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contrahegemónico e assente na diferenciação pedagógica. A educação intercultural
estabelece então a inclusão dos alunos culturalmente diferentes, da cultura hegemónica
da sociedade ou com necessidades educativas especiais, numa perspetiva de ‘escola para
todos’. As mudanças na sociedade acarretam sempre novos desafios para a educação,
especialmente ao nível da procura de respostas educativas para todos os alunos, em
particular para aqueles que estão mais vulneráveis à marginalização. Para responder à
diversidade dos alunos, a escola terá que trabalhar numa perspetiva inclusiva. Pois:
a definição de uma estratégia de promoção da inclusão implica um exame detalhado do
funcionamento da escola que, continuamente, oriente e monitorize o estabelecimento de
prioridades e os esforços de melhoria no desenvolvimento das práticas educativas. (Ainscow
et al, 2004: 31)
Assim, a educação intercultural visa que a qualidade das aprendizagens e está
relacionada com a valorização das diferentes experiências e práticas de todos os
envolvidos no processo educativo. A promoção desta perspetiva vai envolver a aptidão
de cada escola para refletir acerca de si, reestruturando os seus métodos, práticas
pedagógicas e estratégias de apoio à participação e aprendizagem de todos, tal como
advoga Silva et al (2005) que reconhece este processo, assim como a promoção de uma
pedagogia assente na igualdade de oportunidades. Cada vez mais o conceito de escola
inclusiva emerge nos sistemas educativos, sendo que “a diversidade deve ser integrada e
positivamente valorizada” (p.8). De acordo com Guijarro (2005: 17) a educação
inclusiva:
implica una visión diferente de la educación común basada en la heterogeneidad y no en la
homogeneidad, considerando que cada alumno tiene sus propias capacidades, intereses,
motivaciones y una experiencia personal única, es decir, las diferencias son inherentes a los
seres humanos y, por lo tanto, están dentro de lo normal. Desde esta concepción, el énfasis
está en desarrollar una educación que valore y respete las diferencias, viéndolas como una
oportunidad para optimizar el desarrollo personal y social y para enriquecer los procesos de
enseñanza y aprendizaje.
De acordo a Declaração de Salamanca (Unesco, 1994), a escola inclusiva debate-
se com o desenvolvimento de uma pedagogia centrada nas crianças, suscetível de educar
a todas com sucesso, quaisquer que sejam as suas diferenças (físicas, emocionais ou
sociais). Ou seja, vem, também, defender o direito de todos os alunos desenvolverem e
concretizarem as suas potencialidades, bem como de apropriarem as competências que
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
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lhes permitam exercer o seu direito de cidadania, através de uma educação de qualidade,
que foi talhada tendo em conta as suas necessidades, interesses e características” (Freire,
2008:5).
Numa perspetiva intercultural, a escola inclusiva vai relacionar-se com noções
como grupos sociais, compreensão, adequação curricular ou diversidade cultural. A
inclusão é então “una continuación de la integración, basada en los princípios y valores
de respeto y tolerância, de cooperación, de solidaridad y de aceptación de la diversidade”
(Torre, 2001:248). Ortega e Fuentes (2014:50) advogam que:
la escuela inclusiva es algo más que una escuela organizada de manera diferente a la
tradicional, es la escuela de la diversidad. (…) La diversidad es un rasgo consustancial e
inherente a la propia naturaleza humana. Aceptar las diferencias y respetar la heterogeneidad
de las personas es un paso imprescindible para construir una escuela de calidad para todos.
(…) la escuela inclusiva representa la búsqueda incesante de una educación basada en la
justicia y en la ausencia de desigualdade (…).
Assim, a escola inclusiva e a interculturalidade caminham lado a lado, num
pressuposto de igualdade de oportunidades. Educar na diversidade é ensinar a conviver
com os outros, a viver em sociedade, a desenvolver atitudes mais tolerantes, face ao
pluralismo cultural. De acordo com Torre (2001), algumas das práticas educativas da
interculturalidade que cruzam a inclusão são: (i) educação multicultural no sentido de
reconhecimento da diversidade cultural; (ii) justiça social; (iii) responsabilização da
educação enquanto estrutura que deverá desenvolver aprendizagens culturais; (iv)
aprendizagem construtivista; (v) currículo adequado e interdisciplinar; (vi) modelos de
aprendizagem cooperativa, ou seja, trabalhar de acordo com as necessidades educativas
de cada grupo, valorizando a diversidade; (vii) a heterogeneidade dos alunos (em termos
de género, idade, competências, etc.), dando lugar a práticas diferenciadas e adequadas a
cada criança.
Uma escola inclusiva propõe que todos aprendam juntos, quaisquer que sejam as
suas especificidades, visto que a ação educativa se centra na diferenciação curricular
inclusiva. Esta diferenciação deve ser edificada de acordo com os contextos em que cada
criança está inserida, dando resposta à diversidade social e cultural. A inclusão pretende
que todos os alunos, independentemente das suas características e diferenças, tenham
acesso a uma educação de qualidade e vivam experiências significativas. A educação
intercultural advoga as mesmas ideias, tendo como foco principal a diversidade social e
cultural, podendo-se afirmar que a ação de uma é complementar à ação da outra, pois
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
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“buscam promover a superação de barreiras à participação e à aprendizagem” (Santiago,
Akkari e Marques (2013:98). Segundo os autores ambas promovem um ambiente
benéfico à aprendizagem das crianças, à inclusão social e à autonomia.
1.2.3. Competência(s) intercultural(ais)
A diversidade cultural e o contato intercultural são situações visíveis nas
sociedades modernas, tornando a competência intercultural e as competências
interculturais que a constituem, numa resposta necessária. Na visão da Unesco (2009),
tendo em conta as sociedades multiculturais complexas, a educação deve levar-nos a
adquirir competências interculturais “que nos permitam conviver com as nossas
diferenças culturais e não apesar delas” (p.15). Então, desenvolver competências
interculturais concorrerá para relações e interações de maior qualidade entre indivíduos
de várias origens culturais.
Estas competências interculturais são definidas como:
sobretudo linguísticas, comunicacionais e pedagógicas, que facilitem, por um lado, a
comunicação intercultural e a consciencialização cultural e, por outro, que promovam
práticas e intervenções interculturalmente competentes e inclusivas, bem como profissionais
e cidadãos culturalmente sensíveis e implicados (Ramos, 2013:353).
A perspetiva intercultural cria condições para a comunicação intercultural, definida
como um “processo dialógico” entre indivíduos com ‘filtros’ sociais e culturais distintos.
A compreensão desses ‘filtros’ é uma condição fundamental para uma “(inter)relação
recíproca” reconhecendo o outro e a sua cultura. Isto vai permitir a tomada de consciência
do eu e da sua própria cultura, assim como das diferenças entre os participantes dessa
mesma comunicação (Oliveira e Sequeira. 2012: 21). Para desenvolver estas
competências, é necessário que o sujeito tenha uma perspetiva descentrada, sendo capaz
de considerar e entender outros pontos de vista.
Segundo a Unesco (2013:5) as competências interculturais são:
abilities to adeptly navigate complex environments marked by a growing diversity of peoples,
cultures and lifestyles. (…) Intercultural competences aim at freeing people from their own
logic and cultural idioms in order to engage with others and listen to their ideas, which may
involve belonging to one or more cultural systems, particularly if they are not valued or
recognized in a given sociopolitical context.
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Esta organização descreve competência como capacidade ou conhecimento,
suficientes para permitir um comportamento apropriado nos diversos contextos. A
competência inclui: (i) componentes cognitivos (conhecimento); (ii) funcionais
(aplicação do conhecimento); (iii) pessoais (comportamento); (iv) éticos (princípios de
comportamento orientador).
De acordo com Ramos (2011, 2013), para desenvolver estas competências no
domínio da interculturalidade e na comunicação entre pessoas, grupos e/ou culturas, são
necessárias várias componentes, entre elas: (i) aprender a conhecer-se a si mesmo e à sua
própria cultura e tomar consciência da sua própria identidade cultural; (ii) aprender a
conhecer e a compreender as normas e valores, os quadros de referência do outro e os
códigos culturais respetivos e tomar consciência das diferenças e especificidades
culturais; (iii) desenvolver atitudes como abertura de espírito, cooperação, confiança,
curiosidade e interesse pela cultura, costumes e tradições do outro; (iv) lutar contra o
etnocentrismo, ou seja, a tendência a interpretar a realidade a partir dos nossos próprios
critérios e modelos culturais; (v) colocar-se no lugar do outro, tentando compreender
outros pontos de vista, permitindo a descentração; (vi) desenvolver a empatia, o que
implica a capacidade de se colocar no lugar do outro, assim como reconhecê-lo e aceitá-
lo na sua individualidade e singularidade; (vii) desenvolver estratégias e intervenções
psicossociais e educativas interculturais, dentro de um espaço educacional; (viii) respeitar
a diversidade linguística.
Ramos (2007) reforça que as problemáticas do domínio intercultural são complexas
e carecem de competências de cariz psicológico, cultural, social, pedagógico e
comunicacional, alicerçadas na experiência da alteridade e da diversidade. Estas
problemáticas implicam o desenvolvimento de competências individuais que possibilitem
a prática de interações sociais harmoniosas, que promovam uma atitude de descentração
e o desenvolvimento de competências interculturais - sobretudo linguísticas e
pedagógicas - que facilitem: (i) a comunicação intercultural e a consciencialização
cultural; (ii) promovam uma educação e um ensino interculturalmente competentes e
educadores culturalmente sensíveis; (iii) o desenvolvimento de competências de
cidadania, que promovam o funcionamento democrático das sociedades e das escolas.
Já segundo Spitzberg e Changnon (2009:7) a competência intercultural é entendida
como:
the appropriate and effective management of interaction between people who, to some degree
or another, represent different or divergent affective, cognitive and behavioral orientations to
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
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the world. These orientations will most commonly be reflected in such normative categories
as nationality, race, ethnicity, tribe, religion or region.
Com esta perspetiva, Deardorff (2006) descreve que indivíduos com diferentes
heranças culturais podem coexistir e cooperar com alguém étnica ou culturalmente
diferente de si. Spitzberg e Changnon (2009) advogam um modelo de competência
intercultural piramidal, que incorpora elementos motivacionais (requisitos ao nível das
atitudes) e cognitivos (conhecimentos e compreensão; skills). Os níveis seguintes
incorporam os resultados externos (visíveis) resultantes do comportamento interno. As
competências desenvolvidas pelo individuo refletem-se nos resultados externos, que se
referem ao comportamento observável e aos estilos de comunicação deste, tornando-o
interculturalmente competente.
A figura seguinte demonstra as dinâmicas entre os vários elementos da competência
intercultural, sendo que os níveis inferiores suportam e impulsionam o desenvolvimento
dos níveis superiores. As várias componentes estão articuladas da forma ilustrada na
figura 1:
Figura 1 – Modelo de competência intercultural de Deardorff
Fonte: Spitzberg e Changnon (2009: 13)
Os autores salientam que para adquirir a competência intercultural é necessário:
respeito, auto-consciência; saber ouvir, capacidade de adaptação, criação de relações e
humildade cultural (relação que combina o respeito com a auto-consciência). Reforça
ainda que a competência intercultural não pode ser adquirida num curto espaço de tempo,
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
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pois é um processo que se desenvolve ao longo da vida (Deardorff, 2006; Conselho da
Europa, 2008).
Byram (1997, 2008) é mencionado em documentos orientadores do Conselho da
Europa e da Unesco para o desenvolvimento da educação intercultural. Para este autor, a
competência intercultural integra quatro dimensões (atitudes, conhecimento, skills e
consciência cultural crítica) interdependentes, que interagem entre si quando se verifica
um encontro intercultural, como é observável na figura 2.
Figura 2 – Modelo de competência intercultural de Byram
Fonte: Byram (1997: 34)
Neste modelo são integrados cinco elementos: (a) as atitudes, que correspondem
às disposições do sujeito (integram atitudes de curiosidade, disponibilidade, abertura e
respeito para com a cultura do outro); (b) o conhecimento, que se reporta ao saber sobre
a cultura do outro e sobre os processos de interação com a alteridade, e também ao
autoconhecimento; (c) as skills para: (i) a interpretação e a relação (capacidade do sujeito
mobilizar conhecimentos adquiridos previamente, para interpretar factos e
acontecimentos que ocorram durante as interações); (ii) descoberta e interação
(capacidade de reconhecer um fenómeno num contexto estranho, compreendendo o seu
significado); (d) a consciência crítica cultural (capacidade de avaliar diferentes
perspetivas, práticas da sua cultura e de outras de forma crítica) (Byram, 1997, Bastos,
2014).
A competência intercultural surge assim relacionada com outras competências
- a linguística, a sociolinguística e a discursiva (como uma das dimensões da competência
de comunicação intercultural [CCI]), articulando-se com as outras três aquando da
interação intercultural. De acordo com Byram (1997), o sujeito detentor de uma CCI vai
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
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rentabilizar os seus conhecimentos linguísticos e culturais, sempre que interagir com
sujeitos de outras culturas. Em suma, um sujeito com competência intercultural adquirida
é alguém consciente e capaz de mediar interações entre culturas. O autor acrescenta ainda
que as competências interculturais podem ser desenvolvidas em vários contextos, não se
confinando apenas ao meio escolar.
De acordo com a Unesco (2013), estas competências estão intimamente ligadas à
aprendizagem para saber fazer e saber ser. Mendonça (1994) defende um ponto de vista
semelhante, refletindo acerca da especificidades da educação de infância na valorização
do saber-ser, sendo que este reflete também o saber-fazer. Aprender a conhecer os outros
é o primeiro passo no desenvolvimento de competências interculturais. Aprender a saber
fazer leva o sujeito a interagir com outros, diferentes de si e através destas interações,
aplicar o conhecimento adquirido, aprendendo com as interações, aprendendo a saber ser.
Esta é a base para o diálogo intercultural, um processo de troca de ideias, aberto, num
espírito de compreensão e respeito mútuos.
Neste âmbito, Byram (2008), reflete acerca do alcance do desenvolvimento da
competência intercultural em crianças na fase pré-escolar. Barrett (2007, citado por
Byram, 2008) descreve alguns fatores, como relevantes para o ensino destas
competências, entre eles: (i) os conhecimentos que as crianças possuem acerca do seu e
de outros países aos 5-6 anos de idade, assim como o orgulho demonstrado pelas suas
raízes culturais (os níveis de orgulho são variáveis de acordo com o país e o género); (ii)
a relação entre os conhecimentos que possuem e os seus sentimentos acerca de outros
países; (iii) os manuais escolares, por vezes etnocentricamente tendenciosos, influenciam
as crianças através de narrativas históricas acerca do seu país de origem; (iv) os
estereótipos que as crianças tem acerca de outros países; (v) as atitudes e sentimentos de
favoritismo para com determinados grupos sociais (as atitudes/sentimentos são variáveis
de acordo com o contexto); (vi) a perceção das crianças acerca da sua identidade nacional.
Estes fatores vão influenciar os conhecimentos, os sentimentos e as crenças das crianças,
sendo que irão consequentemente influenciar o desenvolvimento da competência
intercultural ao longo do seu crescimento.
Assim, as experiências e as atividades a implementar no âmbito intercultural,
devem estar cognitivamente de acordo com o estado de desenvolvimento das crianças, de
acordo com a perspetiva de Byram (2008). Estes aspetos são preponderantes pois na idade
pré-escolar, as crianças:
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
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“have not yet fully absorved the assumptions of their own cultural enviroment, and do not
yet perceive the cultural as natural. (…) [the intercultural attitude] is best developed through
experiential learning where immersion in experience is followed by reflection upon it, under
the guidance of the teacher (Ibidem, p.82)”
Deste modo, as competências interculturais desempenham um papel fundamental
na aprendizagem de convivência democrática. A educação tem um importante papel no
desenvolvimento das competências interculturais, através do diálogo e dos domínios do
saber: saber estar, saber saber, saber fazer e saber ser. Assim, do ponto de vista
pedagógico e em idades mais precoces, é possível explorar e ensinar o conhecimento dos
outros, fomentando uma atitude de respeito pelas crenças e valores dos outros.
Essencialmente, o reconhecimento das diferenças vai servir como ponto de partida
fundamental para a compreensão das implicações da diferença.
Em última análise, é necessário fomentar competências que permitam interações
bem sucedidas, com indivíduos provenientes de diferentes culturas através da CCI, pois
através do diálogo intercultural:
the process of holding conversations among members of different cultural groups whereby
individuals listen to and learn from one another, serves as the essential starting point.(…).
Individuals are not born interculturally competent, they become competent through education
and life experiences (Unesco, 2013:38).
Em suma, a educação intercultural desponta como uma hipótese de
desenvolvermos a sensibilidade para a complexidade de valores culturais. (Santiago et al,
2013). Conjetura que a educação intercultural, em contexto escolar, deve articular os
conteúdos com objetivos coerentes no processo de ensino-aprendizagem, para ambos os
sujeitos – professores e alunos – estejam em consonância com a sua situação social real
(Díaz-Aguado, 2000; Santiago et al, 2013). Deste modo, contribui para a igualdade de
oportunidades no acesso à escolaridade, assim como para a valorização das culturas nos
diferentes contextos (escolar, comunitário, etc.).
Visto que a nossa sociedade experiencia mudanças intensas a vários níveis, a
educação deve acompanhá-la com políticas educativas que fomentem mecanismos de
integração e processos inclusivos, que façam frente a estas transformações. À educação
está reservado o papel de proporcionar um espaço de aprendizagens, diálogo, respeito,
aceitação das diferenças, conhecimento mútuo, competências e trabalho cooperativo. É
imperativo que a diversidade e as relações interculturais sejam uma oportunidade de
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
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enriquecimento e de cidadania, numa sociedade aberta, plural, partilhando tradições,
competências, recursos e espaços, desde a idade pré-escolar. Sendo que a educação
intercultural se ‘transmite’ através do sistema educativo, mas também através de outros
agentes de socialização (como a família, os amigos, etc.), a perspetiva intercultural deverá
estar no centro do processo educativo e do desenvolvimento humano e social.
É fundamental que o sistema educativo português desenvolva estratégias, e
intervenções socioeducativas a implementar desde o jardim de infância, para que
profissionais e cidadãos possam reagir de forma crítica, flexível e refletida, às
diversidades individuais e culturais que encontram no seio da comunidade e noutras
instituições. Assim, o desenvolvimento de competência intercultural é uma finalidade
importante da educação intercultural de crianças, jovens e adultos, para fazer frente à
diversidade que carateriza as sociedades multiculturais atuais.
1.3.A Educação Intercultural em Portugal: das linhas orientadoras às Orientações
Curriculares para a Educação Pré-Escolar
A cultura e a educação tem assumido diferentes facetas na sociedade, à medida
que vão surgindo novos desafios e conflitos relacionados com questões políticas,
económicas e sociais e especialmente à imposição de crenças e valores.
Em Portugal, nos anos 1960, embora tal não acontecesse, sentia-se a necessidade
de explicitar a nível político, social e educacional, através de vários meios, que fazíamos
parte de um país considerado “um todo idêntico que se distribuía pelos diferentes
continentes, com uma mesma língua, uma mesma cultura, uma história comum e uma
‘universalidade de espírito’” (Cortesão e Pacheco, 1991:37). Nos anos 1970, Portugal
viveu um fenómeno migratório de pessoas oriundas de ex-colónias portuguesas, tendo
levado a que a heterogeneidade cultural e linguística se tornassem traços característicos
da nossa sociedade. Ergueu-se uma maior discriminação social, associada ao racismo,
sendo que no sistema educativo se verificavam vários casos de “falta de integração
cultural”, o que dificultava a inclusão dos alunos na escola e os rotulava como casos com
dificuldades de aprendizagem.
Estes acontecimentos impeliram a escola a construir legislação que permitisse o
reconhecimento da diversidade cultural na escola, ativando mecanismos que
operacionalizassem a educação intercultural. Então, no final dos anos 1980, início dos
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
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anos 1990, o Ministério da Educação motiva vários discursos de igualdade de
oportunidades e de respeito pela diversidade cultural, ambos orientados para a
compreensão do fenómeno do multiculturalismo e para uma intervenção educativa
adequada à nova realidade multicultural da sociedade e às características plurais
verificadas nos alunos. Assim, em 1988, através da Portaria 243/88 de 19 de abril, surge
a designação de “Currículos Alternativos”. Estes eram destinados a grupos específicos da
população, que frequentavam até então um sistema educativo que se relevava inadequado,
discriminatório e que levava ao insucesso escolar. Este foi um dos passos para o
reconhecimento das culturas dos alunos.
Ainda nesta época, foi aprovada a Lei de Bases do Sistema Educativo, com
princípios orientadores contra as metodologias da escola tradicional e advogando uma
‘escola para todos’. Acompanhando estas tendências: (i) em 1991 foi criado o
Secretariado Coordenador dos Programas de Educação Multicultural – sucedido pelo
Secretariado Entreculturas em 2001; (ii) em 1993 foi lançado o projeto de Educação
Intercultural (PREDI); (iii) entre os anos de 1994 e 1997, foi promovido pelo
Departamento da Educação Básica, um curso de formação de mediadores culturais com
o nome de “Projeto ir à Escola”, com o intuito de apoiar o percurso escolar de crianças
de etnia cigana; (iv) em 1996 foi criado o cargo de Alto Comissariado para a Imigração e
Minorias Étnicas. Foi ainda publicado o Despacho nº147 –B/ME/96, de 8 de julho,
definindo o enquadramento legal de constituição de Territórios Educativos de Intervenção
Prioritária (TEIP); (v) no final dos anos 90, reconheceu-se a língua gestual portuguesa e
o mirandês como línguas oficiais da república portuguesa; (vi) foi reconhecida a educação
inter/multicultural como uma área de formação prioritária nas candidaturas, ao abrigo do
Regulamento de Equiparação a Bolseiro; (vii) constitui-se um grupo de trabalho, para
estudar as medidas a implementar no sistema escolar e para criar oportunidades de
igualdade e inserção dos ciganos (Cochito, 2004; Araújo, 2008).
De salientar dois projetos promovidos por organizações oficiais:
(a) “A Escola na Dimensão Intercultural” [inserido no projeto de
Educação Intercultural (PREDI)], desenvolvido em escolas do 1º
ciclo do ensino básico, localizadas em bairros pobres da capital
com crianças de origem africana e cigana, cujos objetivos incidiam
em: (i) contrariar o etnocentrismo da cultura escolar e legitimar a
presença de outras culturas na instituição escolar; (ii) experimentar
estratégias de ensino-aprendizagem promotoras da continuidade
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cultural escola-família; (iii) desenvolver competências de
comunicação oral e escrita nos alunos; (iv) desenvolver estratégias
de discriminação positiva e banir o preconceito; (v) criar condições
pedagógicas que fomentem a igualdade de oportunidades e acesso
e sucesso escolar; (vi) desenvolver estratégias de intervenção
generalizáveis.
(b) Projeto de Educação Intercultural do Secretariado
Entreculturas, desenvolvido em escolas de 1º, 2º e 3º ciclos em
Lisboa, Porto e Faro, para responder às necessidades das escolas
portuguesas e à crescente multiculturalidade populacional discente.
A sua finalidade era a resolução de conflitos étnicos nas escolas e
os objetivos definidos foram: (i) melhorar a qualidade da ação
educativa nas escolas; (ii) promover uma educação intercultural a
partir dos projetos apresentados pelas escolas; (iii) favorecer a
integração escolar e comunitária dos alunos de grupos minoritários,
para favorecer a promoção de igualdade de oportunidades; (iv)
promover a criação de relações harmoniosas escola-comunidade.
Foram ainda criados programas para estudar os problemas enfrentados pelas
minorias nas escolas portuguesas e, posteriormente, com esses resultados, criados
projetos e medidas no sistema educativo português, com a intenção de promover
igualdade de oportunidades através das propostas educativas. O objetivo destes
programas foi a identificação de dispositivos pedagógicos, para posteriormente se
elaborarem atividades de ensino-aprendizagem aliciantes e interessantes para as crianças
(Araújo, 2008).
Mais recentemente, o Alto Comissariado Para a Imigração e Diálogo Intercultural
(ACIDI) introduziu, no Plano para a Integração dos Imigrantes 2010-2013, publicado em
Diário da República (2010), algumas medidas tendo em vista o desenvolvimento de
políticas e iniciativas, que vão incidir sobre várias áreas de intervenção, nomeadamente:
questões da língua, cultura, diálogo intercultural, combate ao racismo e à discriminação
e promoção da diversidade e da interculturalidade. Algumas dessas medidas foram: (i)
Programa Português para Todos (dirigido à população imigrante) e que fomenta o
conhecimento da língua portuguesa como fator de integração; (ii) reforço da expressão
da diversidade cultural em todos os domínios e atividades, como a área da cultura, tendo
em vista a promoção do diálogo intercultural e a multiculturalidade; (iii) formação para a
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interculturalidade na formação contínua dos professores; (iv) apoio ao acolhimento e
integração de estudantes estrangeiros e descendentes de imigrantes em Portugal; (v)
medidas legislativas, divulgação e formação no combate à discriminação racial; (vi)
sensibilização e capacitação para a interculturalidade e diálogo inter-religioso no
acolhimento e apoio à integração dos imigrantes. Mesmo com todas estas medidas, foi
notório o atraso de Portugal ao nível da educação. Também o Alto Comissariado para as
Migrações (ACM), publicou em 2014 o documento “Monitorizar a integração de
imigrantes em Portugal: relatório estatístico decenal”, inserido no mesmo âmbito.
Vivemos numa sociedade pluralista, quer a nível político, quer a nível religioso e
moral. Segundo o Relatório Mundial da Unesco (2009:15), habitualmente a educação é
considerada sob uma perspectiva de:
transmissão de conhecimentos e do desenvolvimento de conceitos, muitas vezes
uniformizados, das competências sociais e comportamentais, a educação é também uma
questão de transmissão de valores – na mesma geração, entre gerações e entre culturas. As
políticas educacionais têm uma repercussão decisiva no florescimento ou no declínio da
diversidade cultural e devem promover a educação pela e para a diversidade. Assim se
garante o direito à educação, ao mesmo tempo em que se reconhece a diversidade das
necessidades dos educandos (especialmente daqueles que pertencem a grupos minoritários,
indígenas ou nômades) e a variedade dos métodos e conteúdos conexos.
O quadro legal e as políticas educativas valorizavam a educação intercultural,
como um dos fatores preventivos dos fenómenos de exclusão, mas na prática foram pouco
operacionalizadas. Organizações como a Unesco, o Conselho da Europa ou a
Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económico (OCDE), têm fornecido
espaços e instrumentos a nível europeu e mundial, com o intuito de promover a igualdade
de oportunidades, a inserção das minorias étnicas, a interação de diferentes culturas e as
implicações pedagógicas de uma didática da interculturalidade.
O Ministério da Educação e Ciência (2015) propõe várias ações de
informação/sensibilização, com temas relacionados com a interculturalidade em contexto
escolar, sendo estas dirigidas aos vários elementos da cultura escolar. Evidencia-se no
Plano Estratégico para as Migrações (2015:2) que:
é necessário consolidar o trabalho de acolhimento e de integração social e, sobretudo,
redobrar esforços na correta inclusão das segundas e terceiras gerações daqueles que,
descendendo de imigrantes, já são novos cidadãos portugueses, através de mais ações de
integração em escola, formação e emprego e de mais boas práticas que inculquem nos jovens
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
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uma cultura de responsabilidade, participação e confiança em si e na sociedade de que fazem
parte.
Embora existam vários movimentos e projetos em curso e, observando o contexto
sociohistórico da escola portuguesa, esta continua a manifestar dificuldades em tornar-se
orientada para o respeito, a valorização e a rentabilização das culturas minoritárias no
processo educativo. Por isso, “a escola toma parte no aumento das caraterísticas
hegemónicas da cultura dominante e, por conseguinte, no esmagamento simbólico
(coletivo) das culturas minoritárias” (Cortesão e Pacheco, 1991:35).
Atualmente há escolas em Portugal que incluem, nos seus projetos educativos
objetivos ligados à educação intercultural, mas é necessário colocá-los efetivamente em
prática, a nível nacional, promovendo o conhecimento mútuo, a convivência com a
diferença e a educação cívica desde idades precoces, iniciando esta formação na educação
pré-escolar.
Pinho e Moreira (2012:20) advogam a importância de projetos nacionais que se
assumam como “portals to the development of a plurilingual and intercultural education.”
Salientam ainda a implementação deste tipo de dinâmicas em contexto escolar, pois a
integração curricular “of plurilingual and intercultural education is deeply intertwined
with [their] professional knowledge about the topic and [their] representations about
[their] teaching” (Ibidem), alterando a perspetiva dos docentes em relação à educação
intercultural. Assim, é imperativo recorrer a metodologias com adequação
multidisciplinar do currículo, trabalhos de projeto com parcerias nacionais/internacionais
e sobretudo formação profissional adequada para todos os intervenientes no processo
educativo, fundamentalmente educadores e professores, para que estes possam contribuir
para o desenvolvimento de uma escola democraticamente mais funcional.
Então, para que seja possível implementar políticas interculturais, é necessário
tornar o educador e/ou professor, em alguém disponível para facilitar a construção e
aquisição de conhecimentos e valores culturais dos alunos, recorrendo a estratégias
colaborativas, como sugere Díaz-Aguado (2000). Uma mudança social envolve “uma
transformação da relação de poder entre as culturas; implica o reconhecimento da
ilegitimidade da submissão de uma cultura” (Silva, 2008:44).
É neste âmbito que Ferreira (2003) afirma que as práticas interculturais deveriam
estender-se a todos os níveis de ensino, através da integração da educação intercultural
na educação formal. Assim, deveriam ser explorados conteúdos e integradas práticas
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
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pedagógicas que promovam a compreensão das realidades sociais que surgem das
mudanças das sociedades, com objetivo de formar as futuras gerações para a aceitação da
diversidade cultural, o que será “um passo na integração das minorias, mas não deve ser
o único se quisermos formar uma sociedade democrática e plural (…)” (Marques e
Borges, 2012:73). Guijarro (2005:27) defende um ponto de vista semelhante, advogando
que:
El desarrollo de curricula para este nivel educativo es un aspecto importante para avanzar
hacia una mayor calidad (…) Es preciso, sin embargo, que una mayor intencionalidad no se
interprete como una mera preparación a la educación primaria. Los curricula en esta etapa
han de ser sumamente abiertos y flexibles para adecuarlos a las diferencias de los niños y de
los contextos en los que se desenvuelven, pero también han de considerar el desarrollo de
todo tipo de capacidades; cognitivas, motoras, sociales y emocionales.
Assim, o processo educativo poderia transforma-se, abrindo possibilidades de
relacionamento positivo, a nível de aprendizagem, interação com as diferenças e
construção social, numa “perspetiva do reconhecimento do caráter intercultural da
educação escolar que deve promover a articulação entre as diferenças que favoreçam o
exercício da cidadania em contexto de diversidade cultural” (Santiago et al, 2013:191).
O currículo da educação pré-escolar foi concretizado através das OCEPE,
consequência natural da integração no sistema nacional de educação. Foram editadas em
1997 pelo Ministério da Educação, sendo que todo o processo de elaboração, negociação
e implementação que as envolveu foi destacado pela OCDE. Em 2016 as OCEPE foram
revistas e atualizadas, após 19 anos de aplicação prática em contexto institucional. Este
referencial assume-se como conjunto de referências comum a todos os educadores de
infância, centrado na intervenção educativa através de áreas de conteúdo, destinado a
apoiá-los na sua prática pedagógica, a nível de organização, intervenção e experiências a
implementar com as crianças, destacando essencialmente a continuidade e a
intencionalidade educativa.
As suas linhas curriculares preconizam a formação de crianças plenas e socialmente
despertas para o exercício da cidadania, tendo em vista “uma educação rica e geradora de
indivíduos equipados com ferramentas para aprender e querer aprender”, segundo
descreve Costa (2016:4) nesse documento. Esclarece ainda a importância da “educação
para os valores”, do “reconhecimento das características individuais” e da “educação para
a cidadania” (2016: 33-39), para o desenvolvimento de cidadãos conscientes. O esquema
da figura 3 ilustra a organização geral das OCEPE.
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
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Figura 3 – Organização das Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar
Fonte: (Silva et al, 2016:7)
É importante salientar que cada criança é um ser único, com competências,
características e interesses distintos, que aprende de forma própria no decorrer do seu
processo de desenvolvimento, sendo que o desenvolvimento e a aprendizagem da criança
vão construir-se numa conjuntura de interação social com o meio envolvente. Assim, este
documento encontra-se organizado em diferentes dimensões: (i) observar, registar e
documentar; (ii) planear; (iii) agir; (iv) articular; (v) comunicar e articular.
A sua ação educativa é centrada numa perspetiva globalizante, onde se integram
as três áreas de conteúdo da educação pré-escolar. De acordo com Vasconcelos (2012),
esta conceptualização foi inovadora, demonstrando ser uma alternativa à tradicional
divisão de “áreas de desenvolvimento” a que os educadores estavam acostumados. De
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
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acordo com a mesma autora, as áreas de conteúdo representam uma forma de os
educadores pensarem e organizarem a sua intervenção educativa com o grupo, assim
como o leque de experiências que proporcionam às crianças. Esta planificação por áreas
decorre de acordo com dois princípios orientadores: (i) continuidade educativa, “o ponto
de partida é aquilo que as crianças já sabem, criando condições para posteriores
aprendizagens (Ibidem, p. 26); (ii) intencionalidade educativa, “resultado do processo de
observação, planificação, ação e avaliação, assumido pelo educador com o objetivo de
fazer coincidir as propostas educativas com as necessidades da crianças” (Ibidem).
Existem pontos de vista, nomeadamente Gaspar (1998, citado em Vasconcelos,
2012) que defendem que esta divisão por áreas de conteúdo patente nas OCEPE vai ao
encontro da perspetiva sócioconstrutivista de Lev Vygotsky, pois são baseadas:
no princípio de que, só através das relações com os outros (área de desenvolvimento pessoal
e social) se pode formar uma identidade pessoal como membro do mundo físico e social (área
de conhecimento do mundo). Para encontrar o sentido desse Mundo é necessário o uso de
sistemas simbólico-culturais (área de expressão-comunicação). (Ibidem, p. 27).
Desta forma, são descritas as linhas descritivas das áreas de conteúdo para a
educação pré-escolar, são elas:
(a) Área de formação pessoal e social: é considerada uma área
transversal ao trabalho educativo no pré-escolar e vai incidir no
desenvolvimento de atitudes e valores, que permitam à criança vir a tornar-
se num cidadão civicamente consciente;
(b) Área de expressão e comunicação: abrange diferentes formas
de linguagens, imprescindíveis para a interação da criança com os outros.
Estas vão permitir à criança dar sentido e representar o mundo envolvente.
Esta área comporta diferentes domínios: (1) domínio da educação física;
(2) domínio da educação artística - bastante específico devido às diferentes
linguagens artísticas que vão corresponder a subdomínios: (2.1.) artes
visuais; (2.2.) jogo dramático/teatro; (2.3.) música e dança; (2.4.) domínio
da linguagem oral e abordagem à escrita; (2.5.) domínio da matemática;
(c) Área de conhecimento do mundo que preconiza a abordagem de
diferentes ciências, de modo articulado, num processo de observação,
questionamento, registo e conclusão, que permite à criança compreender o
meio que a rodeia.
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
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As OCEPE defendem a diversificação de atividades, indo ao encontro da
perspetiva da Unesco (2009), que estabelece que o ensino das artes e humanidades, as
atividades multimédia ou os passeios a diversos locais, ajudam as crianças a
desenvolverem as “capacidades críticas indispensáveis para contrapor pontos de vista
unilaterais, facilitam a adaptação a um ambiente social e culturalmente diversificado e
oferecem uma resposta aos desafios do diálogo intercultural” (p.16).
Sendo áreas articuladas, para permitirem uma abordagem integrada e globalizante,
elas salientam dimensões fundamentais no desenvolvimento e formação das crianças,
enquanto seres sociais, ou seja, as áreas de conteúdo:
têm subjacente uma determinada mensagem cultural, na medida em que apontam para
aspetos centrados na criança e para uma abertura ao mundo real, apreendido através dos
processos de interação que estabelece com os diversos sistemas em que está inserida (Leite,
2000:59).
As OCEPE descrevem estas ‘áreas’ de acordo com uma perspetiva holística, como
“âmbitos de saber, com uma estrutura própria e com pertinência sociocultural, que
incluem diferentes tipos de aprendizagem, não apenas conhecimentos, mas também
atitudes, disposições e saberes-fazer” (Silva et al, 2016:31). Pretende-se que a criança
realize aprendizagens com sentido, pois só assim será capaz de as interiorizar e utilizar
noutras situações.
Nestas aprendizagens está contemplado o ato de brincar, pois é através deste que
as crianças comunicam e é através do envolvimento ativo no mesmo que a aprendizagem
vai acontecendo, sendo importante para oportunidades de desenvolvimento da auto-
confiança, autonomia, iniciativa, empatia e confiança no outro (Hohmann e Weikart,
2004), assim como de diversos tipos de conhecimentos, como a matemática ou a ciência.
Existe assim uma complementaridade entre o brincar e as diversas aprendizagens a
efetuar nas três áreas de conteúdo, pois, de acordo com Vasconcelos (2012), a atividade
lúdica não apresenta uma oposição às propostas curriculares, que se apresentam com
intencionalidade educativa e por isso deve integrar e dinamizar essas mesmas propostas.
Vai ser no contexto da educação pré-escolar que a criança vai despertar para as interações
sociais, iniciando a construção do seu processo de aprendizagem.
É de referir que a designação dada às áreas de conteúdo apresenta similaridades
com outros níveis de ensino, facilitando assim a continuidade educativa e articulação com
o 1º ciclo do ensino básico.
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
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Como instrumento regulador da educação pré-escolar, as OCEPE são um
instrumento notável para promover uma educação pré-escolar de qualidade e
“positivamente estimula[m] aprendizagens para viver num mundo multicultural” (Leite,
2000:59). A mesma autora revela que existem “mensagens culturais” através das linhas
expositivas das OCEPE. É evidenciada:
(i) a ausência de processos de assimilação e homogeneização cultural, conforme
se salienta no documento:
todas as crianças, independentemente da sua nacionalidade, língua materna, cultura, religião,
etnia, orientação sexual de membro da família, das suas diferenças a nível cognitivo, motor
ou sensorial, etc., participam na vida do grupo, sendo a diversidade encarada como um meio
privilegiado para enriquecer as experiências e oportunidades de aprendizagem de cada
criança (Silva et al, 2016:10).
(ii) o conceito de educação para o bilinguismo cultural, tendo em conta as várias
culturas, criando condições para a aquisição e saberes de outras culturas. As OCEPE
preconizam aprendizagens a desenvolver neste âmbito, tais como:
(a) Conhecer e aceitar as suas características pessoais e a sua identidade social e cultural,
situando-as em relação às de outros; (b) Reconhecer e valorizar laços de pertença social e
cultural; (c) Conhecer e respeitar a diversidade cultural.” (Ibidem, pp.42-95).
(iii) o respeito pela criança e pelo seu desenvolvimento social, visível na
atribuição da importância dada à ação da criança na organização da sala, na tomada de
decisões e na aprendizagem de vivências democráticas, tal como podemos perceber nas
afirmações seguintes:
(a) ao participarem no planeamento e avaliação, as crianças estão a colaborar na construção
do seu processo de aprendizagem; (b) Na educação pré-escolar, o grupo proporciona o
contexto imediato de interação social e de socialização através da relação entre crianças,
crianças e adultos e entre adultos. Esta dimensão relacional constitui a base do processo
educativo; (Ibidem, pp. 24-26).
(iv) o conceito de cultura, enquanto um processo dinâmico, em que a criança
participa, dando como exemplo a apologia da valorização da experiência das crianças e
do seu meio e o reconhecimento do espaço exterior da instituição, com espaço educativo,
avançando que se devem:
(a) Estabelecer relações entre o presente e o passado da sua família e comunidade,
associando-as a objetos, situações de vida e práticas culturais; (b) O espaço exterior é
igualmente um espaço educativo pelas suas potencialidades e pelas oportunidades
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
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educativas que pode oferecer (…) é um local privilegiado para atividades da iniciativa
das crianças que, ao brincar, têm a possibilidade de desenvolver diversas formas de
interação social e de contacto e exploração de materiais naturais. (Ibidem, pp. 27-95).
(v) o exercício da cidadania, desenvolvido como um tema transversal, tal como fica
expresso:
a participação das crianças no processo educativo através de oportunidades de decisão em
comum, de regras coletivas indispensáveis à vida social e à distribuição de tarefas necessárias
à organização do grupo constituem experiências de vida democrática que permitem tomar
consciência dos seus direitos e deveres (Ibidem, p. 25).
Desta forma, numa perspetiva “intermulticultural” (Vasconcelos, 2012), não
devemos esquecer que o jardim de infância é, por excelência, um espaço de cruzamento
de culturas e saberes, devido maioritariamente à globalização e à diversidade cultural das
famílias. A autora advoga que na educação de infância as aprendizagens devem ser
integradas através de projetos com “sentido cultural, estético e ético, que conduzam as
crianças e adultos a novos patamares do conhecimento, incluindo competências
sofisticadas e a qualidade das interações humanas” (Ibidem, p. 39). A Unesco (2013)
salienta também que os educadores devem disseminar as ideias relacionadas com a
pluralidade intercultural, a diversidade e os direitos humanos mais amplamente.
A educação pré-escolar promove, assim, a existência de um ambiente educativo
aberto à inclusão e à diversidade presente na sala e/ou grupo, focando-se no
desenvolvimento de uma intervenção educativa de qualidade. Sendo que os pressupostos
pedagógicos da educação intercultural vão impreterivelmente buscar respostas educativas
para a diversidade cultural observável atualmente nas sociedades e para a convivência
entre seres humanos, a educação pré-escolar deve gerar estratégias para ir ao encontro
destas necessidades, o que implicará uma reflexão ponderada acerca das práticas
educativas empregues em contexto de sala. Estas práticas deverão ter como base as
OCEPE e os seus pressupostos educativos, que se identificam com as conceções da
educação intercultural. Tal como escreve Giménez Romero (2003:21):
El educador sabrá ver semejanzas y diferencias y no confundirlas com las igualdades y
desigualdades. Finalmente esos alunos y alumnas han sido socializados en el ámbito de una
determinada cultura, o en varias en interacción, y tiene formas de ser, pensar, sentir, decir y
actuar que está pautadas culturalmente. También en este tercer reino identificará
convergencias, divergencias, etc. La maestra o maestro interculturalista sabrá distinguir entre
lo personal, lo situacional y lo cultural, y prestará atención a cómo se interrlacionam.
Capítulo 1 - A Educação Pré-Escolar e a Educação Intercultural
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No jardim de infância, a existência de grupos com idades diferentes, vai acentuar
a diversidade, enriquecendo assim as interações no seio do grupo e fomentando diversas
ocasiões de aprendizagem criança-criança, mas também adulto-criança (Silva et al,
2016).
Devemos olhar para as crianças como sujeitos educativos, tendo em atenção as
“suas singularidades e não somente a partir dos padrões homogéneos e
desenvolvimentistas, valorizando a sua ação e autonomia e não somente a sua submissão
ao conhecimento adulto” (Tomás e Fernandes, 2013:209). Cameron (2001:185) defende
que “the use of choice points contributes to children’s capacities for self-directed learning
by giving them supported practice in making decisions as learning proceeds.” Este
processo contribui para a aprendizagem de todos, na medida em que vai permitir
aprendizagens e trabalho cooperativo, o que constitui uma excelente oportunidade para
desenvolver competências ao nível sociorelacional.
Capítulo 2 - Os projetos participativos
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CAPÍTULO 2
OS PROJETOS PARTICIPATIVOS
“O modo como se aprende tem influência na construção pessoal, social, cívica e cognitiva de quem
aprende.” (Oliveira-Formosinho, Gambôa, Formosinho e Costa, 2011: 26)
Santiago et al (2013) expõem a visão de conceber a escola como um espaço onde
são construídas formas de relação não hierarquizadas, contrariando a visão tradicional
que “evidencia uma lógica homogeneizante do conhecimento, na qual se exerce o poder
hegemônico dos professores e professoras sobre os alunos” (p.184). Salienta ainda a
existência de estruturas disciplinares elaboradas a partir de conceções estereotipadas, não
tendo em conta a escola como local de encontro entre diferentes identidades e culturas.
A pedagogia tem como objeto de situação de estudo os ideais da educação,
acompanhando as suas premissas, métodos e estratégias. Deve saber “criar, recriar,
inovar, transformar, definir, especificar segundo a realidade educativa” (Mendonça,
1994:88). Organiza-se de acordo com saberes, saberes esses que se vão construir pautados
na articulação entre teoria, crenças e ação pedagógica. Com efeito, “convocar crenças,
valores e princípios, analisar práticas e usar saberes e teorias constitui um movimento
triangular da pedagogia” (Oliveira-Formosinho et al, 2011:13).
Assim, o cerne da pedagogia está assente no pilar da democracia, o que conduz
impreterivelmente à igualdade de oportunidades e à inclusão, tendo em conta todas as
formas de diversidade, pois esta “avança porque ajuda os indivíduos a identificarem-se
com a sociedade em que vivem e porque ela garante o exercício de poder e a tomada de
decisões legítimos” (Conselho da Europa, 2008:23). Para Cortesão e Stoer (1996:75), “a
grande aposta para o desenvolvimento da escola joga-se, pois, na criação de culturas de
colaboração e cooperação.” Neste âmbito, surge o seu segundo pilar, as interações, ou
seja, a participação das crianças no processo educativo, a oportunidade de decisão em
comum, de regras coletivas fundamentais à vida social e de distribuição de tarefas a fim
de organizar o grupo. Todas elas constituem experiências de vida democrática que
permitem tomar consciência dos seus direitos e deveres, indo ao encontro de princípios
que Silva et al (2016) defendem nas OCEPE.
Oliveira-Formosinho et al (2009, 2011) apoiaram a definição dos princípios
democráticos acima mencionados, nas pedagogias de Piaget, Dewey, Freinet, Malaguzzi
Capítulo 2 - Os projetos participativos
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e Vygotsky, pois acreditam que todos somos “seres livres e colaborativos e com
capacidade para pensamento e ação reflexiva e inteligente” (Ibidem, 2011: 17).
Esta premissa democrática é o ponto de partida para que todos, desde idades
precoces, comecem a compreender e a interiorizar a importância do respeito por todos e
do diálogo intercultural (Conselho da Europa, 2008) entre indivíduos e grupos
intervenientes no processo educativo, da aprendizagem cooperativa e da procura de
sucesso educativo, num contexto de respeito pelos direitos humanos e de respeito pelos
direitos da criança (Ibidem; Unesco, 2009).
2.1. A pedagogia em participação: o papel da criança e do educador
Para Oliveira-Formosinho et al (2011), a pedagogia concentra-se em dois modos
fundamentais: o modo de transmissão e o modo de participação. O primeiro centra-se no
conhecimento que se pretende transmitir. Esta pedagogia:
“define um conjunto mínimo de informações essenciais perenes de cuja transmissão faz
depender a sobrevivência de uma cultura e de cada indivíduo nessa cultura. A essência deste
modo de transmissão é a passagem deste património cultural ao nível de cada geração e de
cada indivíduo” (Ibidem, p. 14).
Neste, o educador/professor é visto como um mero transmissor de conhecimento
e o processo de ensino-aprendizagem é baseado na memorização de conteúdos, sendo um
modo standard de transmissão de saberes. Como é lógico este método tem um índice de
interações adulto-criança muito reduzido.
O segundo modo, de participação, vai focar-se nos atores, que vão ajudar a
construir o conhecimento através da participação nos processos de aprendizagem e na
documentação que deles decorrer. A tarefa de responder eficientemente à crescente
diversidade de alunos, todos eles com igual direito a uma escolaridade e a um ensino de
qualidade é a aprendizagem colaborativa (Cortesão e Stoer, 1996). Esta preconiza a
criança como um ser competente, que colabora no quotidiano educativo, um “sujeito e
agente do processo educativo” (Silva et al, 2016:9), “competente e participativo tem
influência no modo de aprender, nos conteúdos do aprender e na estabilidade das
aprendizagens” (Oliveira-Formosinho et al, 2011:26).
Capítulo 2 - Os projetos participativos
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Assim, o educador/professor funciona como organizador do ambiente educativo,
observando a criança e guiando-a neste processo. Deve documentar a participação das
crianças, fomentando a observação, a análise e a compreensão do mundo, de modo a que
as crianças possam transformar aprendizagens experienciais em aprendizagens
significativas. Então, a pedagogia em participação pode ser definida como:
a criação de espaços e tempos pedagógicos onde a ética das relações e interações permite
desenvolver atividades e projetos que valorizam a experiência, os saberes e as culturas das
crianças em diálogo com os saberes e culturas dos adultos. Uma pedagogia de infância
participativa é, na essência, a criação de espaços-tempo pedagógicos onde as interações e
relações sustentam atividades e projetos que permitem às crianças co-construir a sua própria
aprendizagem e celebrar as suas realizações (Oliveira-Formosinho, Costa e Azevedo, 2009:7-
8).
Esta pedagogia tem como objetivos: (i) apoiar o envolvimento da criança, através
de uma continuidade experiencial da vida democrática; (ii) viver a ‘experiência’; (iii) dar
significado à ‘experiência’; (iv) construção de aprendizagem através das experiências
interativas e contínuas; (v) promover o desenvolvimento. A atividade das crianças é
exercida quer em colaboração com os pares, quer em colaboração com os educadores,
“numa epistemologia de natureza construtiva, interativa e colaborativa” (Oliveira-
Formosinho et al, 2011:18).
Na pedagogia em participação a intencionalidade educativa é sustentada por eixos
pedagógicos interdependentes, que pretendem que o processo educativo contribua para o
desenvolvimento das identidades sócio-histórico-culturais dos sujeitos. São eles: (1.º)
eixo ser-estar: explora a pedagogia do ‘ser’ de forma intencional, cultivando identidades
para fazer emergir aprendizagens; (2.º) eixo pertencer-participar: explora as relações,
iniciadas no sentimento de pertença à família e progressivamente alargado à sua cultura,
à comunidade envolvente, ao jardim de infância, etc. A participação adquire sentido no
contexto dos laços de pertença desenvolvidos; (3.º) eixo explorar-comunicar: define uma
pedagogia de aprendizagem experiencial, ou seja, experimentar continuamente e
interativamente, refletindo e comunicando durante o processo de aprendizagem; (4.º) eixo
da narrativa das jornadas de aprendizagem: aprender com a experiência e posteriormente
transmitir oralmente o que aprendeu.
Nos quatro eixos a aprendizagem é realizada através da construção das identidades
dos sujeitos, realizadas no âmbito das relações que sustentam o reconhecimento das
Capítulo 2 - Os projetos participativos
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semelhanças e diferenças dos sujeitos e intervenientes educativos, sendo que existe entre
eles uma “interconcectividade e interatividade” (Oliveira-Formosinho et al, 2011:21).
Os autores destacam ainda quatro áreas de aprendizagem experiencial, decorrentes
dos eixos pedagógicos, esquematizadas no diagrama da figura 4:
Figura 4 – Áreas de Aprendizagem da Pedagogia em Participação
Fonte: (Oliveira-Formosinho et al, 2011:24)
As duas primeiras áreas de aprendizagem - identidades e relações - surgem do
cruzamento dos eixos - ser-estar e pertencer-participar. Estas são áreas essenciais para
explorar, daí que o educador deva promover experiências neste âmbito. As outras duas
áreas - linguagens e significados- surgem do cruzamento dos eixos - explorar-comunicar
e narrativa das jornadas de aprendizagem - as experiências nas diferentes áreas de
conteúdo a nível de aprendizagens cognitivas, psicológicas e sociais são o meio de
aprendizagem da criança. Importante salientar que a aprendizagem dos “instrumentos
culturais” está presente em aprendizagens como a linguagem oral e escrita, pois ao narrar
o que aprendeu, a criança desencadeia um processo de significação do mundo.
Oliveira-Formosinho e Araújo (2011:233) reforçam que esta perspetiva pedagógica
considera que:
from birth, pedagogical environments need to offer each child the opportunity to respect and
appreciate all differences present: diversities in families, diversities in peers, diversity in
community, culture and nature. Through early supported explorations, in collaborative
Capítulo 2 - Os projetos participativos
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journeys, children became aware of diversities, learn about diversities and celebrate them, in
a daily process of cultivating respect for others and oneself.
Assim, para desenvolver uma pedagogia em participação, os responsáveis
educativos devem ter em atenção a organização do ambiente educativo nas suas múltiplas
dimensões:
(i) o espaço pedagógico [ênfase adicionado]; (ii) o tempo pedagógico [ênfase
adicionado]; (iii) as interações e relações pedagógicas [ênfase adicionado]; (iv) os
materiais pedagógicos; (v) a organização de grupos; (vi) a observação; (vii) a planificação
e avaliação; (viii) projetos e atividades, o que vai ao encontro das orientações curriculares
estabelecidas para a educação pré-escolar (Silva et al, 2016). Documentar e refletir é
essencial para o educador (Pereira, 2004), pois o ciclo reflexivo engloba a reflexão acerca
do “conteúdo do que ensina, o contexto, a competência didática e as finalidades do
ensino”(p.102), promovendo a construção do conhecimento das crianças, com base na
experiência educativa.
De acordo com Oliveira-Formosinho et al (2009), para desenvolver uma
pedagogia participativa, são três os elementos essenciais - já mencionados acima - que
influenciam a qualidade do quotidiano e estruturam a organização do trabalho na
educação pré-escolar: (1) o espaço pedagógico deve ser organizado para a aprendizagem,
aberto às vivências e interesses das crianças e comunidades, plural, diverso, lúdico e
cultural. O espaço físico vai exercer um papel ativo no processo educativo, devendo o
educador ter a responsabilidade de criar um ambiente adequado, “rico e estimulante que
permita, e potencie, o desenvolvimento global das crianças” (Zabalza, 1998:123), sendo
que “a[s] própria[s] criança[s] se converte[m] em protagonista[s]” (Ibidem, p.157) ; (2)
o tempo pedagógico que organiza a rotina diária, que respeita os ritmos das crianças e as
suas aprendizagens, integrando uma dinâmica participativa num contexto de ensino-
aprendizagem. Pretende-se construir “uma unidade de tempo semelhante à que cada
criança vive no universo das suas relações pessoais” (Mendonça, 1994:52); (3) as
interações e relações pedagógicas que concretizam esta pedagogia. O desenvolvimento
da identidade pessoal da criança vai-se desenvolvendo ao longo das interações que vai
experienciando (Hohmann e Weikart, 1995). Assim:
desenvolver as interações, refleti-las, pensá-las, reconstruí-las é uma experiência
profissional incontornável. A pedagogia participativa é uma proposta que honra as
identidades relacionais e as relações identitárias como condição prévia de aprendizagem
experiencial. (Ibidem, p.9).
Capítulo 2 - Os projetos participativos
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Desta forma, a identidade vai construir-se a partir das interações sociais (Fontoura,
2005). É essencial reforçar o papel das interações na pedagogia participativa, pois estas
são o foco da concretização desta pedagogia. Então:
el desarrollo humano, tanto a nivel individual como social, involucra dos procesos
simultáneos que han de promoverse através de la educación: la socialización y la
individuación. La socialización implica que las nuevas generaciones se apropien de los
contenidos de la cultura y adquieran las competencias necesarias para ser miembros activos
en dicha cultura. (Guijarro, 2005: 13)
Desta forma, salienta-se o papel do contexto socio-pedagógico, assim como a sua
importância para sustentar e promover a “co-construção” das aprendizagens, assim como
o tempo de pequeno/grande grupo e as interações estabelecidas, visto que estas serão
“mediadores centrais do experienciar, refletir, aprender através de atividades e projetos”
(Oliveira-Formosinho et al, 2011:27). Devido ao facto de as interações serem o núcleo da
pedagogia em participação, serão focados aspetos diretamente relacionados com o papel
do adulto e da criança neste processo.
A relação adulto-criança é especialmente importante, pois deve promover a
aprendizagem experiencial participativa e transformativa. Para Lopes e Silva (2008), esta
relação é determinante na vida escolar da criança, tendo o educador que ajudar a criança
a compreender que esta, é um ator das suas próprias aprendizagens. Trata-se de um:
processo marcadamente interativo, através do qual o aprendente vai-se apropriando do
objetivo e do procedimento da tarefa, e para tal quem ensina deve-se ir apropriando das
respostas (…), dotando-as de um significado ao integrá-las na sua própria compreensão da
tarefa” (Díaz-Aguado, 2000:137).
Assim, nesta pedagogia, a partilha de controlo do tempo pedagógico vai permitir ao
educador realizar novas atividades, estimulando processos de explicação, questionamento
e avaliação, que por si mesmos vão melhorar a interação entre os alunos, assim como a
qualidade pedagógica (Hohmann e Weikart, 1995; Díaz-Aguado, 2000; Formosinho,
Katz, McClellan e Lino, 2001). Na educação pré-escolar são muitos os momentos de
partilha: partilha do espaço, de afetos, de situações, de ideias, de decisões, de problemas,
de soluções, etc. Estes momentos apelam à reciprocidade e ao desenvolvimento social,
estabelecendo o direito de participação (Hohmann e Weikart, 1995; Formosinho et al,
2001), o que “constrói uma textura social básica propiciadora de que a criança faça uma
Capítulo 2 - Os projetos participativos
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50
progressiva construção de equilíbrios entre direitos e deveres” (Formosinho et al, 2001:
63).
O educador deve, assim, articular as temáticas com os objetivos gerais previstos
para o ano letivo, assim como estabelecer quais os conteúdos que vão ser trabalhados,
sempre numa ótica de estimular o desenvolvimento mental da criança (Barbosa e Horn,
2008). Então, através de uma reflexão sobre as finalidades da sua prática e de um processo
pedagógico estruturado, o educador vai procurar planear a sua ação, tendo em conta o
grau de desenvolvimento e o ritmo individual de cada criança, tendo como objetivo o
desenvolvimento integral da criança e como princípio pedagógico o “reconhecimento da
capacidade da criança para construir o seu desenvolvimento e aprendizagem (…)
encarando-a como sujeito e agente do processo educativo (…)” (Silva et al, 2016: 8). A
dimensão multicultural implica que os educadores se consciencializem desta
problemática tão emergente. Envolve “uma permanente articulação entre os conteúdos,
os processos de ensino/aprendizagem e a realidade sociocultural envolvente” (Marques e
Borges, 2012:99).
Díaz-Aguado (2000) sugere estratégias para favorecer a adaptação à diversidade na
pedagogia participativa, tais como: (i) estudar a diversidade existente no grupo para
formar equipas; (ii) selecionar tarefas que estimulem a construção do conhecimento em
cada grupo; (iii) ensinar a cooperar e a resolver conflitos de forma positiva; (iv) observar
as interações, tendo atenção a todos os sujeitos educativos; (v) explicar os critérios de
avaliação, para que todos os compreendam e os considerem justo; (vi) distribuir as
oportunidades de protagonismo; (vii) proporcionar oportunidades e reconhecimento para
comprovar o progresso de todos os alunos. Formosinho et al (2001) defendem que o
educador pode ajudar a aproximar crianças de culturas diferentes, fazendo respeitar as
normas culturais, assim como os valores das relações sociais que a criança traz do seio
familiar, ajudando a integrá-la na escola e na cultura escolar.
Este ‘jogo’ educativo permite que o educador assuma o papel de mediador cultural
junto das crianças, facilitando os processos de interação, levando os seus alunos a
conhecer-se, a descobrir formas de conversar, de pensar e de ver o mundo, diminuindo
assim a distância entre este e as crianças e melhorando as relações. O educador é, então,
um agente educativo que possui autonomia pedagógica para criar espaços e condições
para a igualdade de oportunidades a nível educativo, “adequando o currículo formal à
heterogeneidade étnica e cultural dos seus discentes” (Oliveira e Sequeira, 2012:8). A
exigência de respostas a todas as crianças vai pressupor uma pedagogia diferenciada,
Capítulo 2 - Os projetos participativos
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51
centrada na cooperação, sendo que cada criança vai beneficiar dos processos educativos
desenvolvidos com o grupo, o que vai ao encontro de uma pedagogia de aprendizagem
cooperativa, tal como sustentado pelas OCEPE. Assim, o educador deve adequar o
currículo, promovendo atividades dirigidas individuais e atividades de interação
cooperativa de grupo de forma equilibrada.
Candau (2008, citado por Santiago et al, 2013:181) defende os educadores como
propulsores de uma prática pedagógica baseada na negociação cultural e na necessidade
de compreender a escola como um espaço crítico de produção cultural. Ou seja, o
educador parte do contexto e das experiências de cada criança, promovendo a partilha de
diferentes perspetivas, reconhecendo a existência de vários contextos socioculturais e a
particularidade de cada um deles, através da promoção de interações entre os
intervenientes.
Atentemos que, para além de aluno, a criança assume outros papéis na sociedade,
papéis esses que decorrem das:
relações heterogéneas estabelecidas no tecido social onde se movimenta: com a família; com
os amigos; com uma heterogeneidade de outros atores sociais que com maior ou menor
expressão vão influenciar e (serem influenciados) o seu posicionamento nas diversas
estruturas sociais que habita (…) a participação das crianças apresenta-se, assim, como um
instrumento emancipatório e radical para a reconstrução de uma cidadania compósita, que
entenda a criança como um actor social, activo no exercício concreto da ação social e, por
isso mesmo, também na construção da sua identidade pessoal, social e política (Tomás e
Fernandes, 2013:210-212).
Os mesmos autores promovem a implementação de lógicas de ação nas escolas,
com o intuito de mobilizar os contributos das crianças e dos adultos na construção
democrática das suas vidas.
Quando a relação com os pares é adequada, esta vai proporcionar um contexto
estimulante para adquirir competências sociais, tais como a cooperação, a negociação,
comunicação ou a capacidade de empatia, essenciais à vida em sociedade e a uma
cidadania plena, e também competências cognitivas (Formosinho et al, 2001; Lopes e
Silva, 2008). Tal como defendem Ellis e Brewster (2014:52) num ambiente de
aprendizagem inclusivo, as crianças vão desenvolver “empathy and an understanding of
differences as well as a positive understanding of themselves and others.” De acordo
como Díaz-Aguado (2000), ao darmos às crianças protagonismo na sua própria
aprendizagem, vamos alterar o processo de construção do conhecimento, a motivação
Capítulo 2 - Os projetos participativos
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geral pela aprendizagem e aumentar o seu reportório social. Zabalza (1998) estabelece
que existem sentimentos que estão na base da inteligência das crianças. Sentimentos
como, eficiência e competência vão motivar as crianças e dar sentido às suas ações, assim,
“a criança está em desenvolvimento e o caminho a percorrer é o da aprendizagem” (Lopes
e Silva, 2008:34).
Barbosa e Horn (2008) tem uma perspetiva semelhante, perspetiva essa que vai ao
encontro da visão de Vygotsky, que realça o caráter social da aprendizagem e advoga que
as atividades com ênfase nesta aprendizagem têm como objetivo promover a realização
pessoal, fazendo com que os membros do grupo se sintam responsáveis pelos seu sucesso
e pelo dos outros. A cooperação é essencial para a compreensão da escola como:
“promotora do pensamento crítico, criativo e de valores que intensificam o sentido da
aprendizagem e das relações humanas. Desta forma, os conflitos, as oposições e a
diversidades dos vários pontos de vista, constituem a trama de fundo da cooperação (…).
Esta aprendizagem promove a autonomia, porque faz com que os intervenientes se sintam
resposáveis por si próprios e pelas construção e aquisição de conhecimentos, em cooperação
com os demais elementos envolvidos no processo, alargando estas conduta ao quotidiano
letivo ” (Ibidem, p.60-63).
A relação de pares deve ser vista numa perspetiva sociocolaborativa, valorizando
durante a rotina diária “modos de participação e envolvimento das crianças na co-
construção da aprendizagem experiencial – individualmente, em pares, em pequenos
grupos, em grande grupo” (Oliveira-Formosinho et al, 2011:32). Para Lopes e Silva
(2008), o elemento que faz com que os membros do grupo trabalhem juntos e de forma
ativa - a interdependência positiva - é o núcleo da aprendizagem cooperativa. Assim, ao
partilharem materiais, subdividirem tarefas/atividades ou atribuindo papéis aos elementos
do grupo, as crianças vão integrar esta capacidade e tendo em conta “o mundo complexo
e superpovoado em que vivemos é essencial reconhecer o valor no trabalho de grupo”
(p.6). Referem ainda que para o processo de aprendizagem melhore significativamente,
as crianças devem avaliar as suas ações e tomar decisões acerca das suas condutas, o que
também vai fortalecer o desenvolvimento das competências interpessoais.
Díaz-Aguado (2000) defende que na aprendizagem cooperativa, a aquisição dos
processos cognitivos superiores se vai gerar através de atividades sociais, nas quais cada
sujeito participa. Assim, cada educador deve proporcionar “sistemas de interação social”,
para aumentar a quantidade, assim como a qualidade das interações. Assim, um dos
grandes objetivos desta perspetiva é permitir que cada criança se transforme num
Capítulo 2 - Os projetos participativos
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indivíduo consciente dos seus direitos e também das suas responsabilidades (Fontes e
Freixo, 2004). Para Barbosa e Horn (2008), os conhecimentos adquiridos através da vida
cooperativa e coletiva alargam o conhecimento em geral, “enriquecendo o espírito e
oferece significação mais profunda à vida” (p.88).
Desta forma, podemos inferir que, no contexto da pedagogia participativa, a
atividade do adulto é organizar o ambiente, escutar, observar, documentar, avaliar e
promover estratégias lúdicas e pedagógicas, que potenciem a aquisição de competências
fundamentais, através de um ambiente determinante para a educação, a todos os níveis.
As crianças têm com atividade, questionar e cooperar na planificação das atividades ou
projetos a implementar (Malavasi e Zoccatelli, 2013). Deste modo, a pedagogia em
participação é “uma proposta que incorpora a coconstrução da aprendizagem no fluir das
interações pedagógicas” (Oliveira-Formosinho et al, 2011:31), pois estas interações terão
grande influência na construção do conhecimento e nas aprendizagens da criança.
Entendemos, assim, que no pré-escolar a “conceção de igualdade predominante
no contexto escolar incorre em um processo de padronização, orientando à formação de
uma cultura comum a todos” (Santiago et al, 2013:99). A perspetiva leva a que o educador
se posicione em relação ao seu grupo, aos seus saberes e também à diversidade cultural,
assumindo a diferença, mas também valorizando o comum. É fundamental que o trabalho
pedagógico seja “voltado para as diferenças enquanto oportunidade e enriquecimento no
processo de ensino-aprendizagem. A articulação dos conceitos de diferenças, identidades
e igualdade se faz no cotidiano escolar que busca o desafio de práticas interculturais”
(Ibidem, pp. 45-46).
Santiago et al (2013) advogam que as relações interculturais são essenciais na
promoção da convivência entre grupos, permitindo a construção de novas aprendizagens
“numa teia complexa de significações diversas” (p. 185). Díaz-Aguado (2000) preconiza
que a aprendizagem cooperativa em equipas heterogéneas proporciona novas formas de
definir o papel dos alunos, o que origina mudanças no papel dos professores e a resolução
dos problemas dos métodos tradicionais de ensino. Assim, este método é eficaz para
adaptar o ensino às mudanças atuais das sociedades e ao objetivo primordial da perspetiva
intercultural: a defesa da igualdade num contexto de diversidade.
Os sistemas sociais implicam relações de interdependência entre pessoas e/ou
grupos (Fontoura, 2005). Assim sendo, o desenvolvimento da confiança nos outros, da
autonomia, da capacidade de iniciativa, da empatia e da autoconfiança vão fornecer a base
para a socialização da vida - quer em criança, quer em adulto - ou seja, os alicerces das
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relações humanas. Estas capacidades vão ser facilitadas e desenvolver-se “num contexto
de aprendizagem que apoie o desenvolvimento das relações sociais positivas” (Hohmann
e Weikart, 1995:65), pois quanto mais novas forem as crianças, maiores serão as
probabilidades de que a interação facilite a aprendizagem (Katz e Chard, 1997). Para
Formosinho et al (2001) os alicerces para que a aprendizagem funcione de forma correta,
eficaz e com uma base sólida nos contextos sociais, está assente nos primeiros seis anos
de vida. Sendo que as crianças passam grande parte do seu dia no jardim de infância, em
contexto de grupo, os adultos detêm aqui uma oportunidade única para contribuírem “para
os processos de construção de uma sólida base para a aprendizagem social das crianças”
(p.47). O trabalho de equipa é um processo interativo e vai promover o envolvimento das
crianças numa comunidade ativa e participante.
Promover a interculturalidade só é possível com a participação ativa de todos os
intervenientes no processo educativo, sendo que os educadores/professores tem uma
importância particular. Nesta ótica, o educador deve ainda considerar a importância dos
pais no processo educativo dos filhos, estimulando a colaboração ativa destes, propondo-
lhes que realizem atividades motivantes para os seus educandos, dando continuidade ao
trabalho desenvolvido no jardim de infância e envolvendo-os neste. Desta forma os pais
podem também compreender a utilidade das aprendizagens feitas pelos filhos no jardim
de infância. “ Cooperar [ênfase no original] é a palavra-chave nas relações pais-escola.
Os pais devem ser a ponte entre a escola e a vida.” (Lopes e Silva, 2008:5)
2.2. O trabalho de projeto e a relação escola-família
A palavra projeto está ligada à previsão de algo que se pretende efetuar.
Corresponde “ao esboço de uma visão de futuro que se pretende atingir” (Katz, Ruivo,
Silva e Vasconcelos, 1998: 91), a um estudo profundo de um tópico, desenvolvido por
uma ou mais crianças (Katz e Chard, 1997). De acordo com Boutinet (1996:104), “o
conceito de projeto permite aos indivíduos, chegados a um certo estádio do seu percurso,
antecipar a sequência seguinte. Ele serve, pois, para definir as condições de escolha e de
orientação que se colocam nas etapas-chave da existência (…).” Este autor defende que
o projeto está presente em todas as fases da nossa vida, sendo a sociedade em si vista
como o produto de um projeto e regida por projetos, assim, este é encontrado nas situações
quotidianas da existência humana. Nas palavras de Capucha (2008:7):
Capítulo 2 - Os projetos participativos
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atuar na lógica de projeto consiste, resumidamente, em operar com base na mobilização de
conhecimento para identificar as ações necessárias à projeção estruturada e organizada de
uma mudança face a uma situação diagnosticada que se pretende alterar dentro de um prazo
definido e mobilizando um conjunto determinado de recursos.
Para elaborar um projeto, existe um processo a seguir, com etapas definidas, de
acordo com Katz et al (1998) serão: (i) porquê? Um ponto de partida, um problema para
resolver, uma curiosidade que desencadeia o processo e traduz a razão da sua existência;
(ii) para quê? A antecipação de um ponto de chegada, ou seja, ter uma ideia de quais as
formas de encontrar uma resposta para o problema/questão, e que explica o sentido do
desenvolvimento do projeto; (iii) como? Prevê o processo para chegar atingir o objetivo
pretendido. A realização de um projeto pressupõe a elaboração de planos, ou seja, os
meios para desenvolver o projeto, definir quem faz o quê, quando e quais são os recursos
a utilizar.
No caso da educação, visto que o projeto é partilhado por um grupo, é
indispensável articular vários “projetos pessoais que ganham uma outra dimensão ao
integrarem-se no projeto coletivo” (Katz et al, 1998:95), possibilitando ao grupo
momentos de autonomia e de dependência, de cooperação e de liberdade, invidualidade
e sociabilidade, interesse e esforço, assim como “momentos de jogo e de trabalho como
fatores que expressam a complexidade do fato educativo” (Barbosa e Horn, 2008:31).
Assim, o projeto vai surgir ligado a algumas características relevantes em educação: (i)
globalização, um conjunto de ações que são necessariamente coerentes com a finalidade
do projeto; (ii) autonomia, sendo os participantes agentes de mudança, com liberdade e
poder, para decidir e influenciar o futuro; (iii) participação, pois vai existir uma
contribuição de diferentes sujeitos, tornando o projeto numa construção interativa e
coletiva.
Especificamente no caso da educação pré-escolar, vão ser visados projetos
educativo-pedagógicos promovidos pelo educador que visam fomentar o
desenvolvimento, assim como a aprendizagem do grupo de crianças, tendo como
participantes o educador, as crianças e eventualmente, os pais e outros elementos da
comunidade educativa, que possam vir a contribuir para o processo de ensino-
aprendizagem. Na visão de Katz et al (1998), este tipo de projetos pedagógicos visa o
desenvolvimento dos alunos, integrando um leque diversificado de atividades
pedagógicas e a abordagem das áreas de conteúdo da educação pré-escolar, “numa
Capítulo 2 - Os projetos participativos
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finalidade comum, que liga os diferentes momentos de decisão, planeamento, realização,
avaliação e comunicação”(p. 99). Todo este processo terá em conta as curiosidades e
interesses das crianças, assim como o plano de ação que o educador pretende desenvolver
com o grupo. Através da articulação de ambos, o projeto irá ser desenvolvido
cooperativamente, permitindo uma partilha de poder, para que as crianças possam
introduzir mudanças. Para Barbosa e Horn (2008), os projetos em educação assinalam
uma ação intencional, que é planeada de forma coletiva, com valor educativo e estratégias
concretas e conscientes.
O trabalho de projeto está intimamente relacionado com a pedagogia em
participação, sendo “um meio, um caminho, para a autonomia, para a participação”
(Oliveira-Formosinho et al, 2011:50). É uma perspetiva flexível e inovadora, que vai ao
encontro dos interesses das crianças e é capaz de promover propostas de qualidade para
a educação pré-escolar, assim como “o desenvolvimento intelectual de crianças e,
simultaneamente, dos seus educadores ou professores” (Vasconcelos et al, 2012:11). Esta
metodologia centra-se no destaque dado ao desenvolvimento das competências sociais
das crianças e, à aprendizagem através das interações e das suas experiências pessoais
(Katz e Chard, 1997). As mesmas autoras reforçam o facto de que, no contexto pré-
escolar, o trabalho de projeto e a brincadeira espontânea estão interligados, sendo que um
dá sentido ao outro. Nesta metodologia, as aprendizagens ocorrem a partir de situações
concretas e das interações desenvolvidas num “processo contínuo e dinâmico” (Barbosa
e Horn, 2008:42).
É importante referir que o educador deve refletir em que medida estes projetos
poderão contribuir para alargar os conhecimentos das crianças, levando-as a refletir sobre
o que já sabem sobre o assunto, colocando questões para ajudarem a resolver o problema,
proporcionando-lhes momentos de recolha de informação que alargue os seus
conhecimentos e crie momentos de clima democrático. Deve “locate the representations
of other cultures in the enviroment of the children and use them as starting points for
intercultural information and experience” (Byram, 2008: 81). Então, deve existir um
paralelismo entre o projeto pedagógico de sala e os projetos de investigação a realizar,
tendo finalidades comuns. Deste modo, o trabalho de projeto pode “complementar e
intensificar aquilo que as crianças aprendem com outras partes do currículo” (Katz e
Chard, 1997).
Sendo a primeira infância um momento fundamental para a formação da criança,
vai ser fundamental atender às necessidades e curiosidades e motivações da criança,
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tornando-a numa participante ativa na construção do projeto. Nesta ótica o trabalho de
projeto possibilita a abertura a diferentes linguagens, pois todas elas são importantes no
desenvolvimento global (Barbosa e Horn, 2008; Malavasi e Zoccatelli, 2013). Assim,
embora um projeto possa iniciar-se de várias formas, normalmente inicia-se quando uma
ou mais crianças demonstram interesse por um tópico específico, sendo esta (i) a primeira
fase do projeto, em que terá que ser estabelecida uma base comum entre as crianças, com
partilha de informações, troca de ideias e experiências acerca do tema; (ii) posteriormente,
terá lugar o desenvolvimento do projeto, em que o educador terá o papel de incentivar as
crianças a trabalharem de forma mais independente, utilizando as competências que já
adquiriram (observação, comunicação, escrita, desenho, etc.); (iii) finalmente será a fase
das reflexões e conclusões, em que se irá resumir o que se aprendeu, partilhando as
descobertas realizadas (Katz e Chard, 1997). Já para Vasconcelos et al (2012), as fases
de desenvolvimento do trabalho de projeto são: (1) definição do problema; (2)
planificação e desenvolvimento do trabalho, em que se faz uma previsão do possível
desenvolvimento do projeto; (3) execução, em que as crianças vão partir das suas
experiências diretas, para descobrirem o que pretendem saber/fazer; (4)
divulgação/avaliação das descobertas efetuadas. A autora salienta ainda que estas fases
estão interrelacionadas de forma sistémica.
A abordagem por projetos é centrada em problemas, que pretende construir o
conhecimento a partir de uma perspetiva holística e democrática, encarando a criança
como um ser competente, capaz de resolver problemas e de gerir o seu processo de
aprendizagem, com o apoio do adulto. Assim, permite à criança ser ouvida, pois esta tem
“uma voz legítima, com credibilidade científica e pedagógica (…) [com] capacidade
como construtora de conhecimento, capaz de coparticipar na sua aprendizagem”
(Oliveira-Formosinho et al, 2011:72).
Como foi referido anteriormente, esta abordagem pretende que as crianças
interajam com outras crianças e com adultos da sua comunidade, nomeadamente os pais,
avós e/ou outros familiares, que possam contribuir de alguma forma para diferenciar as
trocas de informação e alargar os conhecimentos das crianças, pois cabe ao educador
“encontrar formas de comunicação e estratégias que promovam esse envolvimento e
facilitem a articulação entre os diversos contextos de vida da criança” (Silva et al,
2016:13). Na visão destas autoras, sendo os pais os principais responsáveis pela educação
dos filhos, estes têm o direito de participar e ser integrados no desenvolvimento do seu
percurso pedagógico, sendo-lhes permitido dar “contributos que enriqueçam o
Capítulo 2 - Os projetos participativos
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planeamento e a avaliação da prática educativa” (Ibidem, p.16), enriquecendo assim o
processo educativo. Temos que atentar no facto de que a família é o meio natural onde a
criança cresce, sendo através das relações familiares que esta vai conhecer o meio
envolvente. Assim, o processo educativo vai iniciar-se na família (Hohmann e Weikart,
2004; Lopes e Silva, 2008; Silva et al, 2016) e é através da compreensão desta que as
crianças se vão ver a elas próprias (e aos outros) como membros participantes na
sociedade (Hohmann e Weikart, 2004).
A interação escola-família é um tema cada vez mais emergente e que se tem vindo
a intensificar no seio das políticas educativas. Estabelecer conexões entre a educação
escolar e educação familiar significa para Silva (2003:21):
entender como esta lógica de funcionamento da escola (enquanto instância simultaneamente
veiculadora e legitimadora da cultura socialmente dominante) se configura numa relação de
continuidade ou de descontinuidade com a cultura das famílias dos diferentes grupos sociais.
(…) significa entender a relação escola-família como uma relação entre culturas.
De acordo com Carneiro (2009), a família e escola são as duas estruturas sociais
que mais podem contribuir para o capital social de uma comunidade, pois:
enquanto na primeira prevalecem as aprendizagens do coração, isto é baseadas no afeto e na
cumplicidade, na segunda, têm lugar as aprendizagens da mente, que aliam cognição a
estabilidade emocional. Uma e outra são indispensáveis, proporcionando desenvolvimento
da personalidade humana, ou seja, a uma educação integral da pessoa (p. 141).
Segundo Guijarro (2005), é nas idades mais precoces que a família tem uma
influência mais decisiva, sendo por isso importante que os educadores integrem os pais
nos processos educativos. O autor assume que a participação da família pode ser
concretizada através da execução de materiais, da tomada de decisões nos projetos onde
os filhos estão envolvidos, ou através da participação/colaboração em atividades
promovidas pela instituição educativa. Considera importante relacionar e fortalecer a
articulação entre os diferentes contextos educativos da vida da criança, a família, a escola
e a comunidade, de forma a apoiar e contextualizar as aprendizagens das crianças. Assim:
La participación de los padres no sólo favorece una mayor coherencia entre el hogar y la
institución o programa educativo, sino que mejora la calidad de las relaciones con sus hijos
y les permite tener un mayor conocimiento de los mismos. El trabajo colaborativo con los
padres requiere que las educadoras y los profesionales reconozcan y valoren los
conocimientos de las familias, ya que los padres conocen muy bien a sus hijos y pueden
aportar dicho conocimiento para optimizar los procesos educativos (p. 27).
Capítulo 2 - Os projetos participativos
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Assim, nesta relação atuam distâncias sociais e distâncias culturais que “nem
sempre se correspondem mutuamente, nem sempre coexistem pacificamente”, segundo
Stoer e Silva (2005:20). Estes autores salientam ainda que a escola exerce um papel
homogeneizador, neste contexto de heterogeneidade.
Politicamente falando, Stoer e Silva (2005), estabelecem que a participação parental
não é assumida como uma participação democrática. Silva (2003) e Silva e Stoer (2005)
encaram a relação escola-família como uma vaga de “parentocracia”, uma tríade em que:
(1) a escola e os professores são vistos como produtores e (2) os pais como consumidores
de um produto que se destina (3) ao aluno. No entanto há um “aparente maior poder dos
pais”, sendo que a “legislação favorece o poder parental nas escolas” (Stoer e Silva,
2005:15-16). Na verdade, para estes autores, o poder político criou um mecanismo que
mantém os pais afastados da escola, ‘permitindo’ a entrada destes em atividades de cariz
pedagógico. Concluem que ‘escola aberta’ é um conceito com diferente significado para
diferentes pessoas, pois para os autores falamos do interesse de professores e pais para
atingirem os seus interesses na participação parental na escola. Assim, salientam a
necessidade de uma ‘reconfiguração’ das políticas educativas, criando uma mudança
social, que irá reconfigurar cidadania e posteriormente a relação escola-família.
Com o passar do tempo e a mudança das mentalidades, a esfera escolar e a esfera
familiar tem vindo a relacionar-se numa ótica de participação. Diogo (1998) estabelece
seis tipos de implicação parental na escola: (i) comunicação indireta, que ocorre nas trocas
estabelecidas entre escola e família, por intermédio das crianças; (ii) envolvimento na
educação escolar da criança, práticas de participação indireta, sendo a criança
acompanhada pelos pais, no seu trabalho escolar; (iii) os contatos pais-escola que são
formas de contato direto, em que os pais vão efetivamente à escola (receber informações),
mas não intervêm na tomada de decisões (pseudo-participação); (iv) colaboração nas
atividades da escola, que pretende a intervenção familiar na escola – atividades
pedagógicas e extracurriculares - sem qualquer influência destes na vida escolar
(participação parcial); (v) participação total na tomada de decisões, influenciando os
acontecimentos escolares; (vi) associativismo dos pais, uma forma particular de interação
direta escola-família, surgindo da iniciativa exclusiva das famílias, em que estas detêm
poder para influenciar as decisões da escola.
Neste âmbito, “a welcoming and inclusive school will encourage parental
involvement and establish a partnership of mutual understanding between teachers and
parents” (Ellis e Brewster,2014: 28). Smit, Driessen, Sluiter e Sleegers (2007) realizaram
Capítulo 2 - Os projetos participativos
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um estudo em que concluíram que os pais “are accustomed to having a say in school
matters”, sendo que, quando solicitados, participam “in activities on the behalf of the
school within the boundaries established by the school team” (p.49). Silva e Martins
(2002) advogam que o envolvimento parental na escola está diretamente relacionado com
os resultados escolares dos filhos, melhorando a motivação escolar destes e
consequentemente a relação escola-família.
Esta complexa ligação constitui uma relação entre culturas, ou seja, uma relação
entre a cultura escolar e as culturas de que os alunos são portadores. Desta forma,
podemos compreender como a diversidade tem um cunho profundo na relação escola-
família. É através do conhecimento de outras culturas, que se conseguem edificar pontes
para que possamos passar do multicultural ao intercultural. Assim, “teachers provide
opportunities for learners to share knowledge about their own cultural background with
their classmates” (Dolan, 2014:103). Estreitar as relações entre a família, a escola e
também com as respetivas comunidades:
significa defendermos a construção de uma escola intercultural. Uma escola onde as
diferentes culturas não estejam apenas formalmente presentes, lado a lado, com paredes
estanques entre si ou permeáveis num só sentido, mas onde se verifique comunicação, onde
se registem influências recíprocas. (…) A construção de uma escola intercultural – processo
difícil, lento e pouco linear – significa encarar todas as culturas ali presentes como iguais em
direitos (Silva e Martins, 2002:366).
Na instituição escolar, é de suma importância que no seu espaço se assuma a
valorização de todas as culturas presentes, para que aos poucos, a sociedade se comece a
‘transformar’ numa perspetiva intercultural, pois:
não se trata, pois, de esperar que primeiro mude a sociedade para depois mudar a escola(…)
para a passagem do multi ao intercultural não basta admitir a existência de várias culturas. É
preciso saber o que e como fazer com elas.” (Silva e Martins, 2002:370).
Tal como referem Cortesão e Stoer (1996), não basta apenas o reconhecimento da
presença do “arco-íris cultural” nas escolas, é necessário também não ceder ao
“daltonismo cultural”. Assim, a escola, valorizando o contexto familiar, social e cultural
das famílias, vai estabelecer elementos fundamentais “da nova cultura educativa que se
pretende partilhada” (Fontoura, 2005:50). Para Silva (2003), a utopia seria a construção
de uma escola transcultural, onde a interpenetração das várias culturas levasse a uma
única cultura, diferente de cada uma delas e onde todas elas se sentissem
Capítulo 2 - Os projetos participativos
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convenientemente representadas. O autor defende, assim, a visão da relação escola-
família “enquanto relação entre culturas” (p.371). Advoga também que promover um
diálogo entre culturas, significa lutar pela justiça social, por uma cidadania para todos
(Conselho da Europa, 2008), “por uma sociedade onde democracia representativa e
participativa se articulem” (p. 371).
Na visão de Sarmento (2005), as práticas pedagógicas não devem descurar a
seleção de materiais e abordagens tendo em conta cada família, sendo que a
“multiplicidade cultural” presente atualmente nas escolas deve ser respeitada. Assim, para
a autora, é notório que as condições políticas e sociais favorecem novos conceitos de
cidadania e práticas de participação, dando ênfase à importância da interação escola-
família e à “consciencialização dos Direitos das Crianças [que] obriga a novos processos
de interação, entendendo as crianças como seres ativos e mobilizadores no seu processo
educativo” (p. 61) (Hohmann e Weikart, 1995; Zabalza, 1998; Formosinho et al, 2001;
Lopes e Silva, 2008; Oliveira-Formosinho et al, 2011; Silva et al, 2016).
Silva (2003) defende que os professores devem valorizar as competências
educativas dos pais, de forma a permitir que a escola “entre” em casa. O conhecimento
da cultura das crianças do seu grupo, assim como um contato habitual com as famílias,
pode tornar-se num dispositivo pedagógico vantajoso. Cortesão e Stoer (1996) descrevem
os dispositivos pedagógicos como propostas educativas, com o objetivo de criar uma
ligação escola-comunidade (em que os alunos estão inseridos). No entanto, referem que
para ‘construir’ tais dispositivos, o educador/professor tem que ter consciência da
diversidade cultural dos seus alunos, “consciência essa que exige uma atitude e práticas
investigativas necessárias à identificação e compreensão do ‘arco-íris’ cultural ao qual
tem que oferecer propostas educativas adequadas” (p.41).
As escolas e principalmente os educadores e professores têm um papel
fundamental na promoção do diálogo intercultural:
pela sua tripla presença à cultura socialmente dominante, à cultura organizacional escolar e
à cultura profissional docente, eles conhecem, melhor que ninguém, “por dentro”, o meio
escolar ao mesmo tempo que detêm (ou deveriam deter) uma competência comunicacional
intercultural (Silva, 2003:376).
Assim, estes devem promover o envolvimento das famílias, com propostas
pedagógicas aliciantes e contextualizadas, quer em casa, quer em contexto escolar,
‘tornando’ os pais “num modo de construção de pontes” (Ibidem, p. 375) escola-pais-
Capítulo 2 - Os projetos participativos
_____________________________________________________________________
62
comunidade. Defende ainda que as relações entre pais e educadores não devem apenas
ocorrer no espaço físico da escola, devem sim transcendê-lo. Considera duas díades: (1)
vertentes escola e lar. Na vertente escola considera todas atividades, orientadas na escola,
por iniciativas dos pais ou pessoal docente, sendo a face visível da relação escola-família.
Na vertente lar estão subjacentes as atividades relacionadas com a escola, executadas em
casa pelos alunos e/ou pelos pais; (2) dimensões de atuação individual e coletiva. A
dimensão individual vai abranger as atividades levadas a cabo por docentes, pais e/ou
alunos, no âmbito da relação em causa, enquanto a dimensão coletiva diz respeito à
dimensão de atuação organizada, a nível da atuação docente.
Com a entrada no jardim de infância, os pais vão delegar o papel educativo do
seus filhos, no entanto deveriam complementar esse papel, através da colaboração nas
tarefas educativas. O educador deve planear atividades específicas para os pais realizarem
em casa, com a ajuda dos filhos, para os motivar a aplicar aquilo que aprendem
diariamente no jardim de infância. (Lopes e Silva, 2008), tendo em conta que “that tasks
are designed to take the at school experience into the home (…) [this] allow children to
take their story-based experiences into the home and share them with their family” (Ellis
e Brewster, 2014:28).
Na visão destes autores, cooperar é a palavra-chave na relação escola-família,
pois isto vai envolver que os pais realizem, em conjunto com os filhos, “atividades
específicas que permitam dar continuidade ao que estes vão aprendendo no jardim de
infância, tornando-se mediadores das suas aprendizagens” (p.159). Assim, este
protagonismo dos pais é fundamental, para ensinar as crianças em idades precoces a
pensarem na utilidade das aprendizagens que realizaram em contexto de jardim de
infância, sendo que os pais vão servir de estimuladores da aprendizagem. Azevedo (2009)
e Ellis e Brewster (2014) defendem um contato ativo com textos e objetos culturais das
suas comunidades, sendo esta mais uma forma de os pais participarem na vida escolar.
Atividades como ajudar a cozinhar ou a colocar a mesa, que são rotinas diárias,
vão pôr em prática os conhecimentos que as crianças adquiriram, potenciando o seu
processo maturativo. Desta forma, os pais vão ainda estimular a partilha de experiências
de natureza cooperativa, onde as crianças poderão fazer uso dos conhecimentos realizados
no âmbito das relações sociais do trabalho de projeto, sendo que “quando há continuidade
entre as suas experiências pré-escolares e familiares, as crianças estão desejosas para que
comece o dia de escola” (Hohmann e Weikart, 2004:101).
Capítulo 2 - Os projetos participativos
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Os autores defendem que se educadores e pais desempenharem corretamente os
seus papéis, estes levarão as crianças a compreender as suas famílias e a aprender através
das famílias das outras crianças, incentivando o sentido de responsabilidade, para que a
criança compreenda que “o resultado das escolhas e das decisões que fizerem sobre elas
próprias” (p. 100). Encorajam ainda que o educador utilize materiais vindos de casa das
crianças, em contexto de sala, utilizando as suas vivências pessoais (fomentando o
pensamento independente) (Ellis e Brewster, 2014). Para estes autores os resultados da
valorização da família passa por: (i) as crianças falarem abertamente sobre as suas
famílias e o que nelas se passa; (ii) explorar e apreciar as diferenças entre as famílias; (iii)
quando os adultos valorizam os talentos das crianças, as outras crianças irão
automaticamente reconhecê-los; (iv) fomenta um clima de apoio em que “as crianças
encontram semelhanças e diferenças entre as suas casas e os seus ambientes educativos”
(Ibidem, p. 109).
Para Barbosa e Horn (2008) esta é uma parceria importante em todos os sentidos.
Não só para que os pais acompanhem o trabalho feito no jardim de infância, mas também
para que possam participar ativamente no envio de materiais e na partilha de saberes. Para
Ellis e Brewster (2014:28) “parents enjoy being invited to a school to see examples of
work produced by their children such as a presentation of a story or project work.”
McDermott (2008) defende que os educadores devem orientar os pais e dar-lhes materiais,
para que possam dar continuidade às atividades escolares, em casa, de forma autónoma.
Salienta que os educadores do pré-escolar compreendem melhor as necessidades dos pais
(conhecimentos acerca das características das crianças nas diferentes faixas etárias,
estratégias de aprendizagem, etc.), necessidades a que devem tentar dar resposta. A autora
discorre acerca do tema, defendendo que:
we need to transform schools and communities into places that develop teachers and parents
by discovering how to focus on them as whole person as well. (…) teachers need to learn
about adult development as well as child development in their training (p. 92).
Para McDermott (2008) um ensino eficaz, assim como um apoio apropriado às
famílias, passa por tentar entender o contexto cultural dos pais/famílias, “while at the
same time not denying the uniqueness ofthat person or group. The goal is cultural
pluralismo (…)”(p.100). Enfatiza ainda que “everyone must learn what parents
involvement means in different cultures, because in some, active work in schools with
teachers is not expected of parents” (p.132). Considera que as visitas dos pais à escola
Capítulo 2 - Os projetos participativos
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são uma poderosa ferramenta de aprendizagem. Além de legitimarem o papel dos pais na
escola, levam as crianças a perceber a importância dos pais e dos educadores e a
estabelecer uma relação com a comunidade. Ellis e Bewster (2014) defendem que uma
escola inclusiva estimula o envolvimento parental, estabelecendo parcerias de
entendimento mútuo entre pais e docentes.
Então, é notório que na relação escola-família, tanto educadores e professores,
como pais devem aprender uns com os outros, pois a ambos são “reconhecidas
competências educacionais específicas que podem (e devem) ser partilhadas para
benefício dos educandos” (Silva, 2003:56). A colaboração entre ambos trará com toda a
certeza benefícios para todos os protagonistas envolvidos na esfera educativa. Desta
forma, o educador deverá assumir a prática de trabalho de projeto como um sistema aberto
e promotor de conhecimentos novos, sendo assumidamente transdisciplinar. Neste
âmbito, para Vasconcelos et al (2012:18), a criança deve ser encarada como:
uma criança-cidadã, membro de uma sociedade democrática, que aprende a gostar de
aprender desde que nasce até ao fim da sua existência. O grande desafio para os profissionais
de educação será, então, o de tornarem as suas práticas pedagógicas estimulantes sob o ponto
de vista intelectual para servir uma criança-cidadã que quer aprender ao longo da vida.
No contexto do trabalho de projeto é desenvolvida e aprendida, a capacidade de
trabalhar com os outros, designada pelos autores como “agência relacional”. Nesta
relação as crianças aprendem a trabalhar cooperativamente, tornando-se o recurso umas
das outras, sendo que o próprio educador se torna também um recurso, orientando o grupo
“no sentido de encontrarem outros recursos de que necessitam para a prossecução dos
seus projetos” (Ibidem, p.13). Assim:
A apropriação do saber, a reconstrução ou reinvenção do significado, só são possíveis numa
aprendizagem que faz do sujeito ator, agente com capacidade e direito a pesquisar, pensar
por si mesmo num processo de cooperação com os seus pares. (Oliveira-Formosinho et al,
2011:72)
É nesta “agência relacional”, num contexto social e relacional da vida quotidiana,
com pares e adultos, que as crianças vão experienciar, socializar, aprender e construir o
seu Eu. Num ambiente colaborativo, todos os intervenientes vão ter um papel preeminente
no desenvolvimento mútuo. Desta forma, as aprendizagens que as crianças realizam no
jardim de infância, tem influência na relação familiar, pois o que a criança transmite em
casa, irá resultar em diálogos, facilitando as relações familiares e, consequentemente
Capítulo 2 - Os projetos participativos
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65
contribuindo para o interesse da família e para a sua participação na vida escolar (Silva
et al, 2016).
Num ambiente cooperativo, também as crianças podem funcionar como mediadoras
entre a escola e a família, facilitando a aproximação, comunicação, interação e a
colaboração entre as duas ‘instituições’, quer de forma direta, quer indireta. Este processo
é benéfico para todos os intervenientes no processo educativo e ajuda as crianças a
desenvolverem as suas competências sociais, a sentirem-se capazes na justificação das
suas escolhas pessoais e na tomada de decisões.
Para concretizar este processo em pleno é necessário articular a participação
familiar dentro do espaço escolar, assumindo os pais como parceiros educativos, que
ajudam a desenvolver e a fomentar aprendizagens, dando continuidade em casa, ao
trabalho realizado no jardim de infância. Aprofundar esta relação significa romper com
as regras e alterar as relações sociais tradicionais, nomeadamente as “relações de poder”,
tendo em conta uma visão ampla e democrática, que leve a uma cidadania plena.
Tendo em conta que as histórias são um veículo para os educadores concretizarem
a sua ação pedagógica, estas serão também:
a teacher’s road to ‘discovery’ of what is they do as teachers and why. (…) can provide
teachers with ideas about what their own theories of good teaching and parenting are. It
becomes importante data they can use to develop theories of how children learn best and how
teachers and parents can help (McDermott, 2008: 208).
Esta e outras ideias serão desenvolvidas no capítulo seguinte, onde se dará
continuidade à temática da educação intercultural, no contexto da literatura infantil.
Capítulo 3 - A Literatura Infantil
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CAPÍTULO 3
A LITERATURA INFANTIL
"O Universo é feito de histórias, não de átomos." (Rukeyser, 1968)
Ao longo dos tempos é indiscutível a presença das histórias nos percursos da
humanidade. Através de transmissão oral, de leitura, do teatro ou do cinema, as narrativas
estão presentes, assumindo uma relevância reforçada durante a infância. Febles
(2007:338) sublinha que “literature has been one of the creative expressions of the
different peoples in the world, and with their own identity has been reinforced”. Na
literatura infantil (e na literatura em geral) conseguimos perceber como nos organizamos
enquanto sociedade (Azevedo, 2006), assim como os mitos dominantes na vida em
sociedade (Morgado e Pires, 2010). Os seus aspetos positivos na educação das crianças
são realçados por várias áreas científicas, nomeadamente a psicologia e a pedagogia.
Desde que nascem, as crianças aprendem a relacionar-se com os outros através da
linguagem. Ellis e Brewster (2014:2-3) afirmam que:
the telling of stories has been a vital mecanism ever since humans developed language -
perhaps the most vital transfering knowledge of all sorts (…) the technique of story telling
create rich and naturally contextualised learning conditions that enable teaching and language
learning to be developed spontaneously and creatively in a whole curriculum approach.
Sendo que as narrativas envolvem possibilidades comunicativas e expressivas,
estas serão um veículo para a criança descobrir o mundo envolvente. As crianças são
grandes admiradoras do simbolismo das narrativas e estas têm um papel de relevo no
imaginário infantil. Quando exploradas na infância, detêm a possibilidade de transmissão
de conceitos, mensagens e emoções, contribuindo para a abertura ao conhecimento de
outras realidades e expandindo o desenvolvimento linguístico e emocional das crianças.
Existe, assim, uma interação social, da qual a linguagem é a expressão fundamental, sendo
utilizada para “inferir, generalizar, predizer, avaliar, tudo isto em contexto social, político
e económico” (Chaves, 2007:157), tornando o leitor capaz de atuar e criar mudanças no
mundo.
Desta forma, a literatura infantil pode constituir “um espaço de representação da
diversidade cultural que nos rodeia (…) [e] reflete inevitavelmente um tempo e um lugar,
sendo parte constituinte de uma mais vasta geografia intelectual que a do seu autor ou o
contexto imediatamente circundante” (Morgado e Pires, 2010:13-14).
Capítulo 3 - A Literatura Infantil
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Este género literário é com toda a certeza uma “forma de leitura privilegiada”
(Macedo e Soeiro, 2009: 50) utilizada na idade pré-escolar. ‘Inseridas’ no universo das
narrativas, as crianças vão vivenciar práticas sociais de leitura, tais como a leitura de
símbolos, a leitura de histórias através de imagens ou a construção de narrativas orais,
que vão posteriormente, na opinião de Azevedo (2006), contribuir ativamente para
melhorar o panorama negativo das práticas de leitura na infância.
Assim, o livro de histórias deve ser visto como uma ponte aglutinadora para as
aprendizagens na infância, sendo o trabalho com a literatura infantil relevante, quer ao
nível cultural, quer social, enredando inúmeras possibilidades de exploração em contexto
educativo. Deste modo, a leitura de histórias, potenciada para tal, pode constituir uma
ferramenta pedagógica relevante para a ação educativa dos educadores de infância.
3.1. A importância da literatura infantil na Educação Pré-Escolar
Os livros infantis são janelas [ênfase no original] que se abrem sobre os modos de vida de outras
pessoas. São portas [ênfase no original] que permitem entrar em, e sair de, quotidianos de experiência e
que permitem interagir com outras pessoas, ou passar de uma organização social para outra. São pontes
[ênfase no original] que permitem ao leitor imaginativamente atravessar de uma cultura para outra ou
colocar-se no meio entre as duas, num espaço que alguns autores clamam de interseção cultural (…)
(Morgado e Pires, 2010)
Segundo a cultura popular, “uma imagem vale mais que mil palavras”, mas, para
Lopes e Silva (2008) numa visão cognitiva, “uma história/conto vale mais que mil
imagens, porque permite vivenciar mais ricamente as experiências, factos ou
acontecimentos que ficariam limitados ao ver apenas uma imagem” (p. 161).
Na atualidade, a literatura infantil é amplamente divulgada e é-lhe conferida uma
importância acrescida pelo Plano Nacional de Leitura, projeto que promove o
desenvolvimento de hábitos e competências de leitura desde idades precoces. Pretende
assim, aumentar hábitos de leitura, com o intuito de promover a formação dos leitores e
contribuir para o sucesso escolar (Costa, Pegado, Ávila e Coelho, 2011). Tendo esta
premissa em vista, uma das principais funções da escola é a formação do indivíduo leitor,
tornando-se num espaço privilegiado de acesso ao mundo da escrita, em todas as idades.
Desta forma, desde idades precoces, as crianças devem experienciar um ambiente escolar
reflexivo e comunicativo, onde sejam estimuladas a refletir e a debater sobre os seus
Capítulo 3 - A Literatura Infantil
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68
modos de agir/pensar, sobre si próprias, sobre o outro e sobre as interações realizadas
(Hohmann e Weikart, 1995; Silva et al, 2016).
Neste contexto, as histórias são consideradas uma ferramenta social e cultural
fundamental (Azevedo, 2006), permitindo ao recetor a hipótese de refletir sobre o mundo
e construir as suas interpretações. A leitura das histórias gera prazer estético, intelectual
e cultural, o que irá fomentar o conhecimento da leitura e a competência literária (Ibidem,
2006a) - ampliando o pensamento crítico e criativo (Colomer, 1999; Pereira, 2007).
As suas possibilidades pedagógicas incluem uma pluralidade de perspetivas que
se estendem ao nível da educação emocional, afetiva, cognitiva, linguística, social e
cultural, favorecendo o desenvolvimento da imaginação, da capacidade de observação e
de memorização, associados a momentos de fruição, o que valoriza, o seu papel como
instrumento pedagógico e educativo. Tal como defende Pires (2000:315):
os bons livros infantis são meios através dos quais os pequenos leitores, devido ao
desenvolvimento da imaginação e às emoções que a leitura neles provoca, estabelecem
formas de relação e de participação no mundo bastante diferentes das suas.
O potencial educativo das histórias radica-se, pois, na possibilidade de estabelecer
uma visão distinta do mundo, da interrogação acerca da humanidade, atendendo ao
imaginário da criança, o que vai permitir a incorporação do conhecimento humano,
ajudando na construção da personalidade (Colomer, 1999).
A literatura pode também enredar recursos ficcionais, que remetam para uma
realidade quotidiana do leitor. Existe, assim, uma coincidência entre o mundo
representado no texto e o contexto do leitor, criando uma relação emergente entre si e a
narrativa (Chaves, 2007). Uma das questões apresentadas na literatura, para ajudar a
criança a identificar-se com o mundo da fantasia, é inserir o contexto familiar, como
reflexo do quotidiano real desta, pois “the power of narrative lies in the connections it
makes for its listeners” (McNamee, 2015:99). Para Paiva (2008) a criança reconhece os
cenários comuns ao seu quotidiano, reconhecendo-se na história, fazendo associações e
“ampliando significados e representações sobre o tema narrado” (p. 46). A autora explica
que existem narrativas infantis que fogem a estereótipos. Estas, por norma utilizam:
estratégias metafóricas, com amplo grau de abertura, como um recurso de caráter psicológico
oferecido à criança, como alternativa para que ela, interiormente, justificar acontecimentos
que ainda não compreende totalmente, que conduzem o leitor ao complexo mundo das
relações familiares, que contribuem para fortalecer e construir nossa identidade como seres
humanos. (p. 47-48)
Capítulo 3 - A Literatura Infantil
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Devido às suas características, a leitura de histórias é fortemente recomendada nas
práticas pedagógicas praticadas na educação pré-escolar atual. A par da atuação do
educador, é um dos maiores veículos de socialização no jardim de infância (Silva et al,
2005). Esta predominância está relacionada com a importância da fantasia, durante o
período da infância. As OCEPE atribuem uma importância primária à promoção da
educação para a cidadania, estando contemplada na área de formação pessoal e social,
uma área transversal ao currículo da educação pré-escolar. Soares (2008) afirma que as
crianças dos zero aos seis anos devem ter acesso a livros, pois isso simboliza o
reconhecimento da presença do livro e da leitura de histórias no processo educativo da
criança.
Conti e Souza (2010) relacionam a tarefa lúdica de ouvir histórias com o ato de
brincar - que, por sua vez, se relaciona com a fantasia. Assim:
a condição de simbolizar, outrora desenvolvida por intermédio da possibilidade de se brincar
e de diferenciar o que é realidade do que é fantasia, é passível de ser observada por meio
dessa atividade lúdica, isto é, por meio do próprio ato de contar histórias. Seria nesse
momento de brincar contando histórias que a fantasia ou a concretude se tornariam
modalidades diagnósticas plausíveis para se escutar o inconsciente e para observar suas vias
de expressão (p.112).
Estas ideias vão ao encontro das ideias expressas pelas autoras das OCEPE.
Explanam que brincar é a atividade natural da criança, sendo a forma mais estimulante e
holística de esta aprender, pois “promove o desenvolvimento e a aprendizagem e se
caracteriza pelo elevado envolvimento da criança, demonstrado através de sinais como
prazer, concentração, persistência e empenhamento” (Silva et al, 2016:11). Também
Santos (2003) reforça que é através do brincar, do faz de conta e da personificação, que a
criança cria o seu pensamento, “faz emergir o símbolo, e dá significação aos significantes
do mundo real, criando a ponte entre o mundo exterior, o real, o quotidiano e o interior
(…)” (p.123).
Tudo isto permite à criança aceder ao conhecimento sobre as relações humanas, nas
suas várias vertentes (conflito, sentimentos, etc.). Estas vertentes são descritas de forma
simplificada “coherente y comprensible que la que se percebe en la complejidad de la
vida real.” (Colomer, 1999:116), situando a ficção como um marco semelhante ao vivido
pelos leitores. Desta forma, pode revelar-se como “uma atividade estimulante da sua vida
e como janela aberta sobre o mundo e sobre os outros” (Mesquita, 2007:146). A leitura
Capítulo 3 - A Literatura Infantil
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amplia os horizontes da criança, impelindo-a a progredir, a desenvolver as suas
competências, para se tornar um “verdadeiro cidadão” (Ibidem; Pereira, 2007).
Mas o que se entende por literatura infantil? De acordo com Morgado e Pires (2010)
a literatura infantil é um meio transmissor de conhecimentos que deve ser articulado com
os processos individuais e também subjetivos dos alunos de diversos contextos, sendo
utilizada para “revelar a complexidade, a ambiguidade e a subjetividade no centro das
aprendizagens” (p.82). Colomer (1999:9) entende-a como “la iniciación de las nuevas
generaciones al diálogo cultural establecido en cualquier sociedad a través de la
comunicación literária.” Encabo (2007) descreve-a como o conjunto de textos com
determinadas qualidades artísticas, que partilha aspetos com outros tipos de textos
literários. Morgado (2010a:10) encara-a como transmissora de “conhecimento que
precisa de ser articulado com os processos individuais e subjetivos de alunos situados em
contextos muito diversos.”
Morgado (2010a) advoga que uma das funções principais da literatura infantil é
aceder ao imaginário coletivo do ser humano. Embora as histórias infantis se situem no
mundo imaginário, estas transmitem uma ordem social determinada, assim como valores
morais, comportamentos e “atitudes padronizados por referência a determinado contexto
cultural” (Leite e Rodrigues, 2000:13), sendo que nelas existe um:
instrumento potente de reprodução das estruturas de pensamento e comportamento de
autores adultos, mas também um meio de a criança poder questionar a sociedade e a ficção
que para ela é produzida. ” (Morgado e Pires, 2010:39).
Mesquita (2007) defende que a literatura infantil tem como finalidade primordial,
a de promover na criança o gosto pela beleza da palavra e pela ficção imaginativa, sendo
de acordo com este ponto de vista “um conjunto de manifestações e de atividades que têm
como a base a palavra (com finalidade artística) que interessa à criança” (p.146). O livro
é, então, um produto da imaginação. Segundo Pereira (2007) a literatura tem a função de
permitir ao leitor emergente compreender o mundo e atribuir um sentido à escrita. Assim,
as histórias serão “objetos transacionais, substituindo o objeto real na sua ausência”
(p.567).
Outros autores destacam, entre essas funções, a aprendizagem de modelos
narrativos, que permitem o conhecimento de si e do outro (Azevedo, 2006), a formação
ética e estética da criança (Rolo, 2003; Mesquita, 2007) e a socialização cultural,
problematizada por meio da ficção, estimulando, assim, o conhecimento de culturas
Capítulo 3 - A Literatura Infantil
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variadas, a partir do contato com o mundo imaginativo. A socialização cultural é vista
por Colomer (1999) como uma “agência educativa”, no mesmo sentido que a família ou
a escola, partindo do princípio de que “cualquier persona puede hacer uma opción social
a partir de sus características individuales y no por el hecho de ser hombre o mujer” (p.61).
Deste modo, o jardim de infância deve abrir a escola, quer à comunidade, quer às suas
famílias, assumindo-as como “recursos culturais e como parceiros educativos” e como
uma possibilidade de demonstrar outros modos de vida (Oliveira e Sequeira, 2012). Deve
acreditar no papel da família como fomentadora da leitura do seu educando, orientando-
a sempre que necessário e potenciando a sua participação na vida escolar. De salientar
que os educadores e os pais têm um papel fundamental, pois vão funcionar como
“primeiros recetores do texto literário, originam, pela sua ação, a transformação de
crianças em segundos recetores desses textos” (Azevedo, 2006:20).
Para Paiva (2008), a função da literatura infantil é constituir-se como um recurso
de aprendizagem de valores e conteúdos. Silva e Couto (2013) defendem que a literatura
pretende desenvolver a competência discursiva do aluno e constituir-se como uma área
articuladora de vários aspetos do conhecimento, promovendo a interdisciplinaridade.
Segundo Rolo (2003), a literatura surge ligada às necessidades mais profundas da
condição humana. Para a autora estas narrativas tem como finalidade a promoção do
desenvolvimento linguístico global, o equilíbrio emocional da criança, assim como a
aceleração do processo de decifração da escrita, pois “um texto bem conhecido
oralmente e eleito efetivamente favorece a adequação das hipóteses que a criança
levanta quanto ao sentido das palavras escritas que o compõem [ênfase no original]”
(p.109).
Por sua vez, as histórias tradicionais foram escritas - e são interpretadas - à luz dos
problemas sociais e morais de cada momento histórico, o que permite ao leitor projetar
as suas próprias representações (Silva et al, 2005; Ellis e Brewster, 2014). Seguindo a
tendência da época, também a educação pela cidadania e valores, veiculada pelas histórias
tradicionais, se altera à medida que os tempos mudam. Assim, atualmente, a criança vê-
se confrontada com novas questões socioculturais, novos temas e novas correntes
artísticas. A criança acede, assim, à forma verbal da cultura e “inicia su possibilidade de
compartir los referentes y formas expressivas que eles incorporan al diálogo com la
cultura” (Colomer, 1999:18). Desta forma:
Capítulo 3 - A Literatura Infantil
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children have the ability to grasp meaning even if they do not understand all the words; clues
from intonation, mime gestures, the context and visual support help them to decode the
meaning of what they have heard (Ellis e Brewster, 2014:14).
De acordo com estas ideias, pode estabelecer-se que o livro de histórias possui
algumas especificidades: (i) é uma construção sociocultural (Azevedo, 2006); (ii) induz
ao maravilhoso (Cerrillo, 2003), sendo que a distinção entre as polaridades fantasia-
realidade dar-se-á através da ouvir/contar histórias (Conti e Souza, 2010); (iii) possui uma
componente icónica “que dialoga e interage significativamente com o texto verbal (…)
supõe uma leitura intelectual e emocional” (Conti e Souza, 2010:13), auxiliando o leitor
a participar no texto e transformá-lo de acordo com as suas experiências pessoais. Assim,
fertiliza o imaginário infantil, para o conhecimento de “representações culturalmente
codificadas” (Ibidem; Ellis e Brewster, 2014); (iv) a literatura infantil possui
bitextualidade, ou seja, “a articulação semiótica entre dois modos de representação e de
significação da realidade que se interpenetram e complementam (…)” (Mergulhão,
2007:333); (v) têm sequencialidade, temporalidade e espacialidade, fatores que facilitam
às crianças a ‘entrada’ no mundo da narrativa; (vi) a ilustração fomenta a capacidade de
imaginação e a pré-leitura; (vii) tem uma carga afetiva elevada (Cerrillo, 2003).
Ainda neste âmbito, a ilustração é um dos componentes da narrativa infantil,
salientado por diversos autores, no sentido de promover a educação moral, estética e
linguística e de evidenciar aspetos da narrativa textual (Morgado e Pires, 2010).
Classificada como “um elemento de indubitável valor para a formação estética da
criança” (Pires, 2003:135), é atribuída à ilustração um papel fundamental no primeiro
contato das crianças com o livro. Para Maia (2003:149), as crianças “lêem as imagens
intercaladas (…)”, à medida que a ilustração “desenrola palavras indecifráveis (e imagens
intensas) e esconde a verdade por dizer”, sendo um recurso construtivo da história, que
complementa o texto, especialmente nas narrativas mais complexas (Colomer, 1999).
Para Macedo e Soeiro (2009), a articulação retórica entre a palavra e a ilustração
ajuda a criança na produção de sentidos. Ouvir histórias e ter acesso às suas imagens vai
treinar o desenvolvimento de todo um rol de competências, de entre outros. Alguns
exemplos são: (a) o desenvolvimento da compreensão e a expressão oral; (b) a aquisição
de vocabulário novo; (c) o desenvolvimento de espírito crítico e cívico (Cerrillo, 2003);
(d) o desenvolvimento da escrita e da leitura; e (e) a criação de laços de afeto com outras
línguas (Sardinha e Rato, 2009). As últimas autoras advogam que ouvir histórias e ver as
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suas imagens vai desenvolver a capacidade de memorização e compreensão, assim como
a afetividade, a lógica do pensamento e uma atitude otimizada perante a língua que se
pretende aprender. As imagens são um meio importante para aprender a comunicar num
mundo intensamente globalizado, fomentando competências de observação e de atenção
ao detalhe (Ellis e Brewster, 2014).
Indo ao encontro de algumas destas perspetivas, Ellis e Brewster (2014) salientam
que são inúmeras as competências que podem ser exploradas com as histórias, pois, os
conteúdos destas, expostos com coerência e através de uma visão múltipla e aberta do
mundo é algo imprescindível numa sociedade multicultural (Cerrillo, 2003). Algumas
dessas competências são: conceitos e linguagem nova, relação entre as áreas curriculares
e ainda o desenvolvimento da consciência intercultural e cívica. Desta forma, de acordo
com Leite e Rodrigues (2000, 2001) e Sardinha e Rato (2006), é possível promover o
exercício da cidadania e dos valores através de várias formas de ação, tendo o educador
um papel elementar na desconstrução das mensagens que as histórias vão transmitir e na
sua recontextualização, transformando este recurso num dispositivo pedagógico, que “dê
voz às crianças e estimule uma reflexividade crítica orientada para a produção autónoma
de opiniões e para a mudança social positiva” (2000:25). As ideias de Soares (2008) são
semelhantes, sendo que esta advoga que a literatura infantil deve ser vista como um
instrumento pedagógico, tendo um valor em si mesma, e sendo uma fonte de prazer e
vivências estéticas. Na opinião de Cerrillo (2003),a literatura infantil é uma manifestação
literária plena:
(…) su aportación a la infancia y a la adolescência es essencial, no sólo porque es el primer
contacto del niño com la creación literaria escrita y culta, sino también porque es un bien
recurso para el desarrollo de la personalidade, de la creatividad y del espíritu crítico (p. 81).
Também Cortesão e Stoer (1996) descrevem o trabalho a partir de histórias como
um dispositivo pedagógico eficiente. Para os autores, existem princípios que enquadram
a concretização do trabalho através do recurso à literatura infantil, sendo eles: (i)
vivenciar situações que promovam a aprendizagem da cidadania, nomeadamente saber
ouvir, aceitar e participar na elaboração de regras que orientam a vida em sociedade; (ii)
promover o desenvolvimento da criança, no âmbito de atitudes de cooperação, alteridade,
conhecimento e valorização das culturas; (iii) educar para uma participação ativa na
escola (Leite, Fernandes e Silva, 2013), no seio familiar, com os pares e na sociedade;
(iv) aprender a “viver juntos e viver com os outros”, partindo do que é comum, e só a
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partir daí para o que é diverso (salientando a diversidade cultural). Desta forma, a
educação através da literatura infantil cria meios para a criança:
desocultar as mensagens e os princípios, que os atravessam, de os recontextualizar, quer ao
nível das situações que proporciona, de reconhecimento e confrontação da criança com
mensagens e contextos diversos (Leite e Rodrigues, 2001:16).
Desenvolver o gosto pela leitura nas crianças implica familiarizá-las desde cedo,
com uma variedade de textos literários, para que estas tenham oportunidades para
conhecer vários suportes de literatura infantil. Assim, poderão ter contato com diferentes
temas e géneros, sendo particularmente importante o contacto com textos estimulantes,
culturalmente ricos, diferentes da sua realidade e especialmente cativantes. O vasto leque
de textos que fazem parte da literatura para a infância são recursos e oportunidades
excelentes para estimular, desenvolver, adquirir e consolidar competências linguísticas.
De forma sintetizada, dentro da temática da literatura infantil, podemos encontrar:
a) histórias, contos, lendas, fábulas ou mitos, narrativas
específicas que possuem “uma visão inusitada dos eventos e
frequentemente transgressora dos limites impostos pela
racionalidade ou pelo conhecimento dos quadros de referência
do mundo empírico e histórico-factual” (Azevedo,2006:33).
Através delas é possível explorar a relação do ‘eu’ com o Outro,
criando um estímulo cooperativo, baseada no maravilhoso.
Neste âmbito, a escrita para a infância explora a possibilidade
de superação de limites, através da capacidade imaginativa de
cada recetor;
b) literatura de tradição oral é baseada em saberes tradicionais,
que “interconectando-se intimamente com os códigos culturais
de uma comunidade, enfaticamente sublinham verdades
axiológicas e/ou simbólicas (…) frequentemente com fatores
de ordem mágica (…)” (Ibidem, p.32);
c) rimas, trava-línguas, lengalengas ou aliterações, com
“elementos textuais que, procedendo a associações inusitadas e
inesperadas de vocábulos, transgridem frequentemente o
semantismo de usos utilitários da língua” (Ibidem), utilizando
a língua com uma dimensão ludicopedagógica, que concretiza
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a presença do Outro, com recurso ao humor e à imaginação da
criança. Soares (2008) defende especialmente as rimas e os
poemas, pois considera-os como “a porta de entrada para a
apreciação estética e a sensibilidade literária”(p.28),
salientando que os mesmos são fundamentais para o
desenvolvimento da consciência fonológica (essencial para o
processo de iniciação à leitura).
A interação com as narrativas literárias certifica que a criança aceda ao uso da
língua de forma mais elaborada. Colomer (1999) e Encabo (2007) advogam que a
literatura infantil contribui para a familiarização da criança com os códigos da linguagem
literária. Assim, a literatura “allows to acquire communicative competence, to study all
the curriculum areas and understand many aspects of life” (Encabo, 2007:555). Então, as
competências literárias da criança vão aumentando progressivamente durante a infância,
sendo importante trabalhá-las na fase pré-escolar. Os aspetos contributivos das narrativas
infantis são: (i) a relação com estímulos sonoros e motores, tais como voz, melodia, ritmo
ou movimento; (ii) o vínculo afetivo jogo-descoberta, referente a repetições, recriações
ou memorizações; (iii) o contentamento que resulta da interação lúdica com os outros,
dos vínculos sociais da fruição do domínio da palavras, assim como da fruição da
transgressão de determinadas normas sociais e/ou de configuração do mundo. De acordo
com Ellis e Brewster (2014), os livros são o recurso ideal para todo um rol de necessidades
pedagógicas, tendo em conta que cada criança irá responder de acordo com o seu
desenvolvimento cognitivo e linguístico.
É ainda importante que os educadores (e professores) explorem o ensino da língua
portuguesa, quer no formato oral, como no formato escrito, para que a criança entenda o
funcionamento de ambas. Azevedo (2006) refere que a língua materna tem um papel
primordial na definição do sujeito como pessoa social, pois esta vai ajudá-lo a
compreender o mundo, considerando-a um elemento mediador, que realça a dimensão
social, cultural e lúdica, promovendo o gosto por falar, ouvir, ler ou escrever. Para Dolan
(2014:92-93) os livros podem ser usados para ensinar “a range of intercultural issues (…)
[and] facilitate the development of language learning: linguistic abilities and
communication skills.”
As características da narrativa infantil vão promover o desenvolvimento global,
permitindo à criança aceder a “usos linguísticos de maior complexidade e menos
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infantilidade” (Pereira, 2007), ou seja, a um capital cultural mais rico. Ouvir uma história,
vai influenciar a construção de novos significados, assim, uma nova leitura da história
será condicionada pelo conhecimento da língua e pela vivência pessoal que caracteriza a
criança até àquele momento. A literatura infantil é uma ponte, que faz a ligação das letras
“ao sentido, à análise, à interpretação, à realidade, ao sonho” (Chaves, 2007:160). Chaves
(2007) defende ainda que este tipo de texto é visto como ‘uma viagem’ entre este e o
leitor, que vai possibilitar a interpretação de ideias, situações e sentimentos, para que
todos possam partilhar o que é um direito de todos - a leitura e a escrita.
Quando colocamos a criança em contato com livros, esta vai compreender o
funcionamento da escrita, antes do período de alfabetização, o que é benéfico para a fase
seguinte - o primeiro ciclo do ensino básico. Quando as crianças trazem os seus livros
para o jardim de infância e contam as histórias ao educador e/ou pares, “they freely
engage in disciplined verbal and logical thinking” (McNamee, 2015:99), sendo frequente
que, após esta atividade, a criança demonstre interesse em:
seeking out the written word to glean new insights and perspetives (…) their command of
different ways of using language in print, their different voices as writers, and their
willingness to experiment with different literary genres long before they read and write
indepentedently” (Ibidem).
A literatura potencia então a capacidade da criança para o sucesso no domínio da
leitura, através da exploração da dimensão lúdica que “abre portas à interpretação
cooperativa e imaginativa e à leitura voluntária” (Ibidem, p.61). Assim, o contato ativo
com narrativas, possibilita a quem com elas interage - ouvinte ou leitor - o acesso ao
conhecimento da sua cultura, entendida “quer numa perspetiva de bens simbólicos, quer
numa perspetiva de ferramentas de conhecimento e ação” (Azevedo, 2006:27) tornando-
se relevantes cultural e socialmente. Silva et al (2016) reforçam também que, no jardim
de infância, o contato primordial com a escrita tem como instrumento fundamental o livro
e que as funções da linguagem escrita passam por:
dar prazer e desenvolver a sensibilidade estética, partilhar sentimentos e emoções, sonhos e
fantasias, este é também um meio de informação, de transmissão do saber e da cultura, um
instrumento para planificar e representar a realização de projetos e atividades.” (Ibidem,
p.66).
No jardim de infância, a criança vai vivenciar experiências aglutinadoras que
fomentem o seu desenvolvimento global enquanto:
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ser lúcido, ativo e participante na sociedade a partir do que aprende na escola e fora dela;
cuja experiência de vida e de leitura importa; que pode encontrar na leitura, ao nível dos
títulos e formas de ler, sugestões de posicionamento crítico e mesmo de transformação social
da realidade (Morgado e Pires, 2010: 47).
Paiva (2008) advoga que na escola, no que diz respeito ao trabalho com a literatura,
continua a prevalecer a intenção educativa e pedagógica. Desta forma, no jardim de
infância, pretende-se que a criança realize um contato precoce com o livro e a leitura,
sendo que neste processo o educador é uma peça preponderante. Deve ler e explorar a
história de forma a que as crianças se apropriem do conteúdo do livro, tornando-o um
ponto aglutinador para outras abordagens multidisciplinares (Macedo e Soeiro, 2009).
Os seres humanos buscam a razão para as palavras, pois a nossa experiência
organiza-se em narrativa, através de processo de compreensão e de
interpretação/explicação reflexiva. As crianças pensam em forma narrativa. Quando o
educador as questiona acerca das atividades realizadas durante o fim de semana, por
exemplo, elas sequenciam esses eventos em narrações (Cruz, 2003). Para McNamee
(2015), ouvir uma história pode acontecer em diferentes momentos da rotina educativa:
a conversar, enquanto a criança encarna um papel no jogo dramático, ao recontar uma
história ao educador ou aos pares. Para a autora:
reading and writing helps us capture every facet of human knowledge to represent it to
ourselves in a way that help us notice, think about, and change how we interact with the world
around us (…) Using what others tell them in combination with what they imagine, children
are creating narratives in their minds about who they are and what is happening in the world
around them (p. 85).
McNamee (2015) valida o valor de ler diariamente para as crianças. Além de a
compreensão e o vocabulário aumentarem consideravelmente, as crianças vão
construindo um reportório de imagens culturais, padrões de palavras ou frases simples
e/ou complexas. A partir das narrativas lidas, as crianças devem realizar dramatizações
(Couto, 2003; Rolo, 2003), um “group behaviour that relies solely on words and pyschical
movement (…) where every word is brought to act with the help of others” (p.89-90). A
autora defende que o movimento é a linguagem das crianças em idade pré-escolar e
potencia o espírito de cooperação e interação entre pares (Couto, 2003). McNamee refere,
ainda, que ouvir histórias leva as crianças a explorar sentimentos de amizade e expressões
de humor, levando-as a “advance their growth as a group of friends not just as individuals.
(…) storytelling with one another, and as they listen to the stories the teacher reads and
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tells each day” (p.99). Couto (2003) e Silva et al (2016) salientam o papel das expressões
artísticas, onde se insere a dramatização, para a criança tomar consciência de si a partir
da ação e da exploração do mundo que a rodeia. As expressões – plástica, dramática,
musical, visual e motora – permitem à criança favorecer o relacionamento com o Outro,
assim como expressar-se através de interações verbais, tendo em conta diferentes
contextos e processos de comunicação (Couto, 2003).
Para Macedo e Soeiro (2009), de acordo com as idades em questão, o educador
deve usar como critérios para a seleção de materiais literários multiculturais: (i) conteúdo
do livro; (ii) objetivos pedagógicos; (iii) relação que o livro estabelece com o
conhecimento do mundo; (iv) ser propiciador de novas aprendizagens; (v) características
e nível de interesse do grupo (Cerrillo, 2006); (vi) ilustrações; (vii) potencial educativo;
(viii) motivação e valores transmitidos; (ix) linguagem (Ellis e Brewster, 2014); (ix)
situações/problemáticas apresentadas (Balça, 2006). Também Dolan (2014) identifica
alguns dos critérios que “can be used by teachers to compare two or more of the selected
picturebooks”. Assim: (a) capa do livro; (b) representações presentes na capa; (c) contexto
da ação; (d) tipo de ilustrações; (e) páginas finais; (f) capa mole do livro (em alguns
casos); e (g) folha de rosto. De acordo com Balça (2006), estes critérios vão contribuir
para a reflexão crítica acerca de questões relacionadas com multiculturalidade,
diversidade, identidade ou alteridade. Deve referir-se que a criança também deve ter
liberdade de escolha na seleção das suas leituras, o que também contribui para promover
o espírito crítico, a autonomia e a independência.
Balça (2003) propõe algumas estratégias pedagógicas, para explorar o livro em si,
assim como a leitura, a saber: (i) leitura do texto, seguida de uma conversa entre educador
e crianças, o que vai propiciar a partilha das múltiplas leituras sobre a história; (ii)
expressão escrita de forma lúdico-expressiva para apropriação de técnicas e modelos de
escrita (no caso do pré-escolar poderia recorrer-se a registos ou desenhos); (iii)
exploração do texto através de expressões não-verbais (Couto, 2003; McNamee, 2015),
revelando os sentidos plurais que a leitura do texto proporcionou. (iv) recurso às novas
tecnologia. A autora reforça que a utilização de textos literários para o público infanto-
juvenil é um recurso pedagógico de suma importância para a promoção de uma educação
multicultural, revelando as mensagens transmitidas nestes como pertinentes e atuais.
Também Rolo (2003) propõe algumas estratégias específicas para orientar o
trabalho com a literatura em idades precoces, sendo elas: (a) ouvir histórias contadas pelos
mais diversos sujeitos da comunidade educativa; (b) realizar jogos orais ou escritos de
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antecipação do sentido (em função da competência de escrita e/ou leitura); (c) ‘traduzir’
textos ouvidos para outras linguagens – dramática, plástica, musical, etc.; (d) reconhecer
palavras-chave do texto, palavra ou frase acompanhada de ilustração; (e) identificar
excertos curtos, ilustrados ou não (de acordo com a idade da criança); (f) ordenar
conjuntos de imagens de modo a reconstruir o texto; (g) refletir sobre o processo de escrita
a partir dos registos realizados, desde o pré-escolar; (h) participar em animações,
recorrendo a dramatização da história, com diferentes suportes (fantoches, sombras, etc.)
Pereira (2003) estabelece que os educadores devem estruturar atividades que
permitam às crianças prever os conteúdos a partir do título ou da sequência de
acontecimentos já relatada durante a leitura da história, visando a identificação de
personagens e a reconstrução da informação narrativa. Estas estratégias irão potenciar a
emergência da competência leitora.
A leitura de histórias torna-se ainda um recurso pedagógico para os educadores,
pois possui valores literários, estéticos e sociais, o que vai permitir à criança, ver o mundo
de uma forma plural. Previnem as crianças para as questões socioculturais do meio
envolvente e para a qualidade de vida das pessoas, fazendo a ponte para uma educação
ambiental. Além disso, as narrativas também intervém no desenvolvimento de
capacidades de compreensão e antecipação. Nesta perspetiva, de acordo com Balça
(2007), a educação para a cidadania pode ser desenvolvida através da leitura de histórias,
desde idades precoces. Algumas narrativas desenvolvem temáticas que promovem o
desenvolvimento da consciência cívica nas crianças, o que lhes vai permitir tornarem-se
cidadãos conscientes de um mundo globalizado.
Balça (2007) propõe aos educadores/professores a exploração de um conjunto de
histórias infantis, que fomentam a educação multicultural, a educação para a democracia
e a educação ambiental. Explica que as mensagens transmitidas nas histórias são atuais e
promovem uma educação para a cidadania, contexto em que as crianças se
consciencializam que são membros da sociedade, com responsabilidades partilhadas. No
caso da educação para democracia, pretende que a leitura das histórias e o
desenvolvimento de um projeto neste âmbito leve as crianças a tomarem consciência das
liberdades civis e dos direitos humanos.
Desta forma, é irrefutável que os livros, no espaço escolar, vão conferir à criança
uma forma multifacetada de acesso ao saber, sendo – excetuando a ação do educador –
“um dos grandes veículos de socialização do espaço pré-escolar (Silva et al, 2005:18;
Ellis e Brewster, 2014). Pode-se afirmar que “a leitura é a ferramenta essencial para a
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compreensão e a realidade da comunicação do homem em sociedade” (Moreno,
2007:640). Em suma, a leitura das narrativas em contexto pré-escolar vai constituir:
um recurso pedagógico capital, para que os educadores e os professores possam desenvolver
com as crianças um projeto educativo onde se promova uma educação para a cidadania,
construída de forma segura, através da troca de conhecimentos, de experiências e de
vivências entre todos os intervenientes (p. 485).
Então, o relacionamento com a literatura é indispensável para a formação plena do
ser humano, tendo uma influência vital e decisiva. Ouvir histórias tem benefícios afetivos,
cognitivos e linguísticos, desenvolve a afetividade, a cognição, assim como a imaginação,
o vocabulário e o pensamento crítico. Permite à criança sonhar, enfrentar medos, vencer
angústias, conhecer outros mundos, países ou civilizações, vivendo a vida de outros,
formar o sentido crítico, dando acesso a parte da herança cultural da humanidade
(Moreno, 2007). Para o autor, o livro:
deveria estar incorporado na vida das pessoas, assim como a prática de respirar, que é tão
natural e essencial à vida (…) contar histórias é como semear sementes, onde só algumas
ficarão implantadas na mente da criança. Algumas dessas sementes trabalharão na mente de
imediato, outros estimularão processos no inconsciente da criança (…) as sementes que
caírem no solo certo se transformarão em belas flores, dando validade a importantes
sentimentos, perceções internas, esperanças e reduzirá ansiedades, enriquecendo a vida da
criança no ontem, hoje e no amanhã (p. 643).
De acordo com Carneiro (2009:153) a educação tem como função “transmitir
conhecimentos sobre a diversidade da espécie humana e (…) levar as pessoas a tomar
consciência das semelhanças e da interdependência entre todos os seres humanos do
Planeta”, ou seja, deve visar a descoberta e compreensão do Outro, através do
desenvolvimento de competências empáticas, estimulando, assim, uma educação para a
cidadania e para os valores, respeitando a diferença e a pluralidade e consequentemente
promover a interculturalidade. Uma das estratégias a utilizar será certamente a literatura
infantil e devemos ter em mente que “shared experiences, conversations, and storytelling
are among the ways in which members of a diverse group can come to understand one
another” (Unesco, 2013:17).
Cortesão e Stoer (1996) descrevem as histórias como um dispositivo pedagógico,
sendo que a sua intencionalidade é o de “contribuir para o desenvolvimento reflexivo e
para a consciencialização dos direitos dos alunos” (p.42). Ao ouvirem as histórias e
trabalharem a partir destas, as crianças vão também contribuir para:
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estimular um auto-conhecimento reflexivo, que inclui também o conhecimento do seu grupo
de pertença, uma valorização, um respeito pelas suas próprias raízes culturais, ao mesmo
tempo que as aprendizagens, curricularmente consideradas como importantes, vão sendo
adquiridas com mais facilidade e sobretudo com mais prazer (Ibidem).
Assim, as histórias são apropriadas para o desenvolvimento da compreensão histórica,
mas são especialmente “preciosas para a compreensão do mundo social atual, um mundo
em que a multiculturalidade não pode ser ignorada” (Freitas, 2009:309). Em suma,
promover uma educação multicultural vai pressupor:
um projeto com as crianças, onde progressivamente elas conheçam e tomem consciência da
sua cultura e da cultura do outro, para que possam desenvolver atitudes de alteridade para
com os seus pares (Balça, 2007:480)
3.2. A promoção da Educação Intercultural através da literatura infantil: a
utilização pedagógica de materiais literários numa perspetiva intercultural
A criança convive diariamente com diversas culturas na sociedade. A sua
valorização, assim como o reconhecimento de que todas tem igual valor vai,
inevitavelmente, ser um dos grandes desafios da educação. Leite e Rodrigues (2000)
assumem que a sociedade atual exige uma escola em que o ensino, assim como os seus
conteúdos e estratégias educativas, possam ser recontextualizadas, para que seja possível
reconhecer e valorizar a pluralidade cultural. Para Sardinha e Rato (2009), tanto as
crianças de outras culturas, como as crianças da cultura dominante devem aprender a lidar
com outras palavras, outras línguas e outros modos de viver, desenvolvendo assim a
competência bilingue e plurilingue, sendo que esta interação vai constituir-se como um
fator de enriquecimento cultural.
A Lei de Bases do Sistema Educativo contempla, nos seus princípios, premissas
fundamentais que garantem o direito à diferença, tais como a igualdade de oportunidades
para ambos os sexos ou a valorização das diferentes culturas, reforçando desta forma, o
fomento da educação para a cidadania. Na educação pré-escolar é fundamental a
promoção de uma educação multi/intercultural, pois quanto mais cedo for promovida
entre crianças, mais rapidamente estas desenvolvem “a sua identidade, em interação com
o outro, tomando consciência da diversidade, aprendendo a conviver com ela, a valorizá-
la e a respeitá-la” (Balça, 2003:233). Aquando da entrada no 1º ciclo, o professor deve
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ter noção do trabalho realizado na valência de jardim de infância - recorrendo à literatura
infantil - dando-lhe continuidade, pois de acordo com a autora, através da leitura e
exploração de narrativas em contexto pedagógico, pode fomentar-se esta perspetiva
educativa.
Com efeito, a educação intercultural consiste num conjunto de práticas
pedagógicas que visam dar respostas educativas à diversidade cultural, ou seja, “aims to
enable the child to develop as a social being through living and co-operating with others,
thus contributing to the development of a cohesive multicultural society” (Dolan,
2014:93). A premissa de que a criança deve ser educada como um ser autónomo, crítico,
solidário e respeitando as diferenças, faz parte da aquisição de valores, para que a criança
se torne num sujeito consciente e participativo na sociedade. Marques e Borges (2012:82)
defendem que:
observar e compreender como são socializadas as crianças no jardim de infância no que diz
respeito aos outros povos e culturas implica necessariamente uma reflexão acerca das
alternativas disponíveis aos processos que hoje se utilizam.
As crianças nascem sem preconceitos raciais. Fatores como a televisão, a família
e até a educação, serão responsáveis pela criação de preconceitos, ao longo da vida. Do
ponto de vista pedagógico e intercultural, é imperativo que as crianças conheçam e
valorizem as suas raízes, a sua cultura para que possam entender outras culturas e iniciar
a comunicação com o Outro. É importante “become aware of the differences and
similarities in order to accept them and face the possible conflicts that may derive from
the coexistence” (Febles, 2007:339).
Nas suas investigações, Morgado e Pires (2010), nomearam diversos estudos
corroborantes da importância do potencial educativo da literatura infantil para: (i)
consciencialização crítica sobre o mundo envolvente; (ii) promoção do diálogo
intercultural; (iii) promoção de tolerância face à diferença; (iv) promoção da
solidariedade para com os marginalizados. Assim este subsistema literário demonstra
potencial para transformação social e cultural da sociedade, podendo “derrubar as
barreiras [ênfase no original] construídas nas nossas cabeças (preconceitos, pré-juízos,
fundamentalismos e racismos), que são as mais resistentes à mudança” (p.18).
A literatura para crianças traça assim um papel essencial, promovendo a aquisição
de saberes relacionados com outras culturas e novos valores, levando a criança a construir
um sentido de compreensão para com a diversidade cultural (Balça, 2003). Na perspetiva
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intercultural, as crianças vão identificar-se com as personagens da narrativa, personagens
que tomam vida em diversos contextos, com diferentes valores e comportamentos
distintos (Leite e Rodrigues, 2000). Também Short (2009:4-6) defende um ponto de vista
semelhante:
“although intercultural understanding is grounded in awareness of one’s own cultural
perspective, students need to consider points of view beyond their own, so they come to
recognize that their perspective is one of many ways to view the world. (…) Students come
to deeper understandings about their own cultures and perspectives when they encounter
alternative possibilities for thinking about the world.”
Assim, o leitor vai desenvolver competências de respeito pelo Outro e pela
diversidade cultural. As dicotomias entre personagens e os espaços registados nas
histórias vão tornar possível o desenvolvimento de atitudes positivas ou negativas, por
parte do pequeno leitor (Morgado e Pires, 2010).
As histórias “educate children in handling overthrows, but at the same time in
accepting intercultural values that do not change in time and place (…) help children to
familiarize with the ‘other’ discover cultural diversity around them (…)” (Magos, 2009:1-
2). Se rentabilizadas para tal, as histórias podem ser um veículo para promoção da
consciência cívica nas crianças. Numa perspetiva intercultural, a literatura vai constituir-
se como um espaço cultural e educativo de textos infantis. Em relação ao contexto cultural
da criança, representa uma forma de educação estética e para os valores. (Morgado e
Pires, 2010). As mesmas autoras advogam que a literatura infantil é amplamente utilizada
para “desenvolver relações interpessoais e intergrupais (de diálogo intercultural) ou de
saber comunicar com grupos diferentes e tomada de consciência sobre o viver atual como
o de identidades multiculturais e multiétnicas” (p.84).
De acordo com Dolan (2014:92) os livros infantis devem ser considerados como “a
powerful vehicle in the classroom in terms of intercultural education for all learners (…).”
Desta forma, o uso de literatura multicultural constrói pontes, derrubando barreiras e
atravessando fronteiras entre pessoas e culturas. As histórias possuem um referencial
simbólico, necessário para a criança aprender a agir e a interagir de forma comunitária.
No seu texto a criança vai encontrar “lugares para uma indicação à ludicidade do
estranhamento e da surpresa” (Azevedo, 2006:29). Desta forma, é possível adaptar as
histórias ao estádio de desenvolvimento da criança/grupo, explorando-as da forma mais
adequadas pedagogicamente, tendo em conta os objetivos preconizados para o grupo
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(Byram, 2008). Algumas narrativas infantis poderão até “configurar novas formas de
transformação social ao projetar para a criança o futuro da humanidade como a
conhecemos ou a transformação social idealizada” (Morgado e Pires, 2010:17).
Desta forma, em contexto escolar, os livros infantis são considerados motivadores
para a inclusão de crianças e de comunidades desfavorecidas, pois valorizam a cultura do
Outro. De acordo com Marques e Borges (2012), os livros para a infância transmitem
visões do mundo e com recurso ao livro e especialmente à imagem, irão proporcionar-se
os primeiros contactos com a alteridade, em contexto de jardim de infância. De acordo
com o estudo que efetuaram, os autores perceberam, que a leitura de livros infantis e o
recurso a canções são as duas atividades/estratégias mais utilizadas pelos educadores de
infância quando exploram os temas multi/interculturalidade. Apesar da literatura
utilizada, valorizar as características diferenciais da alteridade, os autores concluíram que
esta não estava isenta de imagens tipificadas e de estereótipos ligados aos diferentes
modos de existir.
Assim, é necessário esclarecer que não existem histórias interculturais, existem sim,
histórias multiculturais com potencial para promover o entendimento intercultural (Leite
e Rodrigues, 2000; Morgado e Pires, 2010; Morgado 2010c), isto é, histórias que
promovam a reflexão sobre o Outro, sobre a convivência em comum, que favoreçam os
processos relacionais, expandindo o reconhecimento cultural e a aceitação das diferenças.
Leite e Rodrigues (2000) referem que este tipo de texto literário vai revelar ponderação
na valorização da diversidade de culturas, tendo intenções pedagógicas bastante frisadas.
Morgado e Pires (2010) enunciam alguns critérios de classificação, para enquadrar
estas histórias. Alguns temas possíveis são: (i) culturas diferentes; (ii) grupos étnicos; (iii)
que descentram pontos de vista de culturas dominantes; (iv) moral e valores; (v) diferentes
modos de vida. Para a autora:
a literatura multicultural tem sido caraterizada como aquela que representa a diversidade
cultural e étnica de uma dada sociedade, a partir de uma revisão do cânone literário (…) é
uma literatura social e politicamente comprometida com uma postura crítica face ao que é
produzido, publicado e consumido, em nome da equidade social, política e cultural numa
sociedade em que existe uma desigual distribuição do poder e em que existem grupos
dominantes e grupos social e historicamente oprimidos, desfavorecidos ou dominados (…)
o que noção do ‘intercultural’ acrescenta ao ‘multicultural’ é a noção de influências
recíprocas de grupos diversos em contextos de interação social e cultural positiva. Onde o
‘multicultural’ aparece estático, preso à noção de culturas em paralelo, o ‘intercultural’ recria
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e reconstrói valores e muda atitudes para construir uma sociedade mais integrada e inclusiva
(Ibidem, p.41-42).
De acordo com Balça (2007), o direito à diferença é um dos temas presentes nas
narrativas de cariz multicultural, para que a criança perceba que todos devem ser
respeitados, independentemente das suas decisões, pois estas podem não estar de acordo
com as regras vigentes na comunidade.Assim, é notório que as narrativas promovem o
“respeito pelo indivíduo” e pelas suas qualidades interiores, desvalorizando o aspeto
exterior. Fomentam ainda que o leitor descubra “their own power through the ability to
make choices, assert an opinion and ask questions” (Dolan, 2014:103).
Colomer (1999:111) defende a existência de outra temática: “la lucha contra la
discriminación de raza o género, la defensa de la própria manera de ser o la búsqueda de
relaciones tolerantes y pacíficas se plasmaron en una literatura progresista.”
Recentemente as narrativas para a infância incluem temas como as conceções de famílias
atuais, tais como: famílias monoparentais, mães solteiras ou pais divorciados,
promovendo a aceitação das diferenças, a integração cultural e de todos os modos de vida.
A literatura infantil atual parece particularmente sensível “a los valores culturales (…).
Los libros infantiles ponen mucho énfasis, precisamente, en el trepaso de este legado
cultural a las nuevas generaciones (p.119).
Existem vários textos literários dirigidos ao público infantil, que exploram - de
formas mais ou menos evidenciadas - “political or ideological position” (Dolan,
2014:102), conceitos de identidade cultural, diversidade cultural ou alteridade, o que de
certa forma, vão de encontro às transformações sociais vividas um pouco por todo o
mundo. A presença da alteridade nas histórias questiona:
a possibilidade de compreensão da pessoa humana como um ser exclusivamente
unidimensional, desafiando concomitantemente o sujeito que interage com os seus textos a
assumir um grau de cooperação interpretativa. (Azevedo, 2006:35)
Neste âmbito, Dolan (2014:103) propõe um modelo para a abordagem da literatura
numa perspetiva intercultural, denominado “Respect-Understanding-Action”. Neste, os
leitores estruturam as suas respostas, de acordo com os temas apresentados na literatura
multicultural. Este modelo tem como finalidade criar um clima de empatia e respeito pela
diversidade, através da audição das experiências dos pares. Para esta autora:
Through understanding, teachers move from celebrating diversity to an exploration of how diversity
has impacted on different groups of people. Learners are exposed to issues related to the history of racism,
Capítulo 3 - A Literatura Infantil
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86
sexism, classism, homophobia and religious intolerance, and how these forms of oppression have affected
different communities. (…) Finally, through action, teachers and learners work on concrete actions which
they can deliver in response to an issue discussed in a picturebook. Opportunities are provided for learners
to teach others about global and justice issues. This allows them to become advocates by raising awareness
amongst peers, teachers, family and community members.
Desta forma, compreendemos o impacto profundo que as histórias podem ter no
desenvolvimento psíquico, psicológico, afetivo, social e relacional da criança, que projeta
no universo fantástico da literatura, as suas conceções da realidade. Oliveira e Sequeira
(2012) reforçam a relevância de um trabalho com narrativas na promoção da educação
intercultural, como forma de conhecer o Eu e reconhecer o Outro. Estas histórias de
caráter pedagógico são uma forma de comunicação e também de:
reprodução socia[l], como permitem cimentar a identidade cultural de um povo (…) é
facilitadora por excelência da construção da identidade, quer em termos pessoais, quer
coletivos, com calaras associações à herança cultural da comunidade em que o indivíduo está
socialmente inserido (…) (Rodrigues, 2007:278).
De acordo com Morgado (2010c:41), o trabalho como histórias “pode servir para
acompanhar questões atuais do debate intercultural”. Reforça ainda que a literatura
infantil deve “promover alguns dos temas mais prementes da nossa contemporaneidade”
(p. 38), tais como: (i) imigração e a deslocação de pessoas; (ii) a transformação de
sociedades monoculturais em sociedades multiculturais; (iii) a existência de visões
diferentes sobre a mobilidade, ou seja, repercussões positivas e negativas da presença no
mesmo espaço e tempo de diversidade cultural
Ainda neste âmbito, Paiva (2008) advoga a literatura infantil deve ter maior
presença de personagens negras, para que traduza a importância da integração racial. Este
tipo de narrativas estimula mecanismos de identificação positiva no seu leitor, ou seja,
fortalece a sua identidade cultural. Para a autora é importante que os textos representem
uma “reivindicação da diferença, preenchendo lacunas, denunciando e desconstruindo os
estereótipos (…) [com] uma estética de identidade a fum de que os indivíduos se
reconheçam como iguais em suas diferenças” (p.59-60). Paiva (2008) salienta ainda que
as narrativas constroem o mundo imaginário, “permitindo que dentro dele as identidades
sejam articuladas (…) articulando e fortalecendo uma estética positiva de identidade
étnico-racial (…)” (p.65).
Capítulo 3 - A Literatura Infantil
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Segundo Leite e Rodrigues (2000), para fomentar uma educação intercultural
devem ser utilizados livros multiculturais, obras que revelam alguma atenção no que diz
respeito ao respeito pela diversidade das culturas, tendo de acordo com as autoras
intenções pedagógicas claras e mensagens de caráter multicultural subjacentes (Balça,
2003). A autora revela que a utilização desta literatura leva a criança a valorizar a
diversidade, e a consciencializar-se que “o mundo é composto pela diferença e de que
todas as pessoas fazem parte de um todo, que interage harmoniosamente” (p. 427).
Conclui que para formar leitor multicultural se deve “promover o conhecimento do outro,
se dê visibilidade ao outro e se reconheça o outro, como diferente, mas também como
igual a nós” (Ibidem), potenciando assim uma educação intercultural e fomentando a
convivência numa sociedade plural.
De um ponto de vista de educação intercultural, ao educador cabe o papel de
compreender que embora alguns contos ou histórias veiculem situações que fomentem
temas como o diálogo intercultural ou a justiça social, “eles pode ser úteis para salientar
a importância de justapor problemas e soluções idênticos e diferentes para melhor
entender a variabilidade de respostas e a reflexão que deve[m] estar na sua base”
(Morgado e Pires, 2012:12). Desta forma, o educador funciona como uma figura
mediadora entre os livros e os leitores emergentes. O seu papel é de primeiro recetor do
texto, sendo o leitor infantil o segundo recetor, um ser em desenvolvimento “algo que só
ocorre na literatura infantil porque é uma literatura que, recordemo-lo, se dirige a leitores
específicos” (Cerrillo, 2003:35).
Este tipo de literatura possui uma natureza de caráter recetivo. Lida com sujeitos
com pouca experiência de vida e cujos saberes acerca dos textos, assim como dos seus
processos de funcionamento ainda estão em desenvolvimento. Os materiais literários tem
um papel fundamental na construção dos significados, atos simples como:
recontar e ouvir implica a apreensão de estruturas narrativas, símbolos, experiências e
moralidades comuns ou distintas entre ‘estórias’ de origens diversas e propicia a comparação
entre diferentes tradições culturais (…) para além de proporcionar o (re)conhecimento de
diversos universos socioculturais vivenciados pelos alunos, nomeadamente silenciados quer
nos materiais curriculares quer nas práticas escolares, e o desenvolvimento de competências
comunicativas em contexto escolar” (Oliveira e Sequeira, 2012:29).
Assim, do ponto de vista pedagógico deve ter-se o cuidado de escolher um bom
texto “em termos de adequação simbólica e factual, ao seu público-leitor”, tal como
defende Azevedo (2006:26). Neste âmbito, o educador terá uma tarefa preponderante,
Capítulo 3 - A Literatura Infantil
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88
selecionando criticamente livros adequados, dando às crianças a oportunidade de ter
contato com narrativas que lhe vão abrir horizontes, contribuindo para a formação de
seres críticos, conscientes e livres. Existe ainda a possibilidade de o educador utilizar as
narrativas infantis de forma mais geral, no trabalho pedagógico de outras temáticas mais
abrangentes. A seleção prévia requer análise crítica para identificação de estereótipos,
quer no texto verbal como na ilustração (Balça, 2003).
Deste modo é importante referir os parâmetros para a seleção de histórias de
literatura infantil multicultural, entre eles: (i) valor e função pedagógica do livro,
incluindo a sua adequação a comunidades linguístico-culturais diferentes; (ii) relação
entre sistema cultural e sistema educativo; (iii) histórias que valorizem a diversidade; (iv)
temáticas multiculturais e sociais, tais como democracia, migração, igualdade de género
ou marginalização; (Morgado e Pires, 2010). Dolan (2014: 92) valida esta perspetiva,
advogando que “critical multicultural analysis of [these] picturebooks examines the
complex web of power in our society, the interconnected systems of race, class and gender
and how they work together.”
Na escolha de materiais literários, especificamente na categoria de histórias
multiculturais, Leite e Rodrigues (2001) identificaram três tipos: (a) livros simbólicos
sobre multiculturalismo/sobre o conceito de diferença; (b) livros de conhecimento geral,
apresentando outras culturas, realçando aspetos como: língua, costumes ou tradições; (c)
livros de narrativa ou contos, que apresentam temas de multiculturalidade como tema
principal. Byram (2008) salienta três tipos de representações a ter em conta para fomentar
o desenvolvimento de consciência intercultural nas crianças: (a) símbolos culturais; (b)
produtos culturais (nos quais se destaca a dimensão lúdica da aprendizagem através de
histórias); (c) práticas culturais.
Para explorar conceitos como a cidadania, consciencialização para a diversidade e
para a interculturalidade, compreensão de direitos e responsabilidades, equidade de
oportunidades e valores e atitudes democráticas com as crianças, são necessários dois
tipos de livros. Tal como explicam Ellis e Brewster (2014): (a) histórias cujo conteúdo,
tem foco na cidadania e diversidade; (b) histórias com foco implícito na diversidade.
As estratégias pedagógicas para promover a educação intercultural através da
literatura infantil “baseia[m]-se na análise do conteúdo das obras e no diálogo sobre ele
que pode assumir a forma de troca de ideias, de análise colaborativa ou de atividades
performativas”, tais como reescrever uma história, encená-la, ilustrá-la, etc., (Morgado e
Capítulo 3 - A Literatura Infantil
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Pires, 2010; Morgado, 2010a: 9), o que vai de encontro às conceções de McNamee (2015)
referidas no capítulo anterior.
De acordo com Morgado e Pires (2010) e Morgado (2010a), para ativar os
conteúdos presentes nas histórias infantis, numa perspetiva intercultural, o
educador/professor devem focar os aspetos seguintes: (i) procurar pontos em
comum/diferenças no que é diverso; (ii) explorar enfoques temáticos como experiências
de racismo e exclusão social, de tolerância, resolução de conflitos interculturais, aceitação
positiva da diversidade, etc.; (iii) ter consciência da receção de textos em forma de
tradução e de texto bilingue ou multilingue; (iv) explorar o diálogo e a troca de
experiências, de alunos situados em comunidades linguísticas e culturais diferentes sobre
um mesmo texto; (v) compreender outras culturas, através do recurso a comparações de
textos e imagens; (vi) examinar de forma crítica representações de estereótipos e
preconceitos nos textos.
Na utilização de materiais literários no contexto da educação intercultural é de suma
importância, a forma como estes são apresentados à criança, ou seja, o educador deve
refletir sobre como os lê. De acordo com Morgado (2010b: 27):
para cumprir o projeto de promoção da educação intercultural é preciso ler a literatura
infantil (multicultural ou sobre diversidade cultural) de forma crítica (…) de forma a
contribuir para um processo de conhecimento e de transformação social.
Dolan (2014:108) defende que:
it is important for educators to choose books with maximum potential for exploring
global and justice perspectives. They need to be well-versed themselves in the complexities
of these perspectives and the political frameworks underpinning these concepts.
Assim, as histórias devem ser lidas criticamente, de forma a posteriormente, isso se
refletir quando se dialogar sobre o texto, o que vai contribuir para (i) o conhecimentos da
diversidade de realidades sociais; (ii) colocar a ênfase na competência para questionar o
texto, o que levará a criança a compreender construção dos textos e as mensagens que
estes transmitem; (iii) desocultar as ideologias dominantes” (Morgado, 2010a, 2010b);
(iv) transformação social (Morgado e Pires, 2010). Nesta perspetiva crítica, o educador
deverá seguir uma linha de questões acerca do texto, para aprofundar o “como, para quê,
porquê, para quem (…) só assim é que as crianças poderão entender que os modos de
construção dos textos acarretam consequências para quem os lê, usa e produz.” (Morgado,
2010b: 32-33).
Capítulo 3 - A Literatura Infantil
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90
A receção de uma obra multicultural por parte das crianças é condicionada pela
experiência social da criança. Assim, é necessário acompanhar as leituras, para quer a
criança se interrogue sobre o que lhe parece óbvio, que aceite o que lhe parece estranho
e que não resista ao incompreensível, pois “quando a incompreensão gera sentimentos de
estranheza, de não pertença a um mundo, que não existem discursos prontos para
classificar e comentar uma experiência social, abrem-se possibilidades novas de
representação e compreensão” (Morgado, 2010b:25).
Assim, a escolha das histórias a explorar deve ter em conta objetivos educativos
que promovam a consciencialização sobre a importância da diversidade cultural e
linguística. Para Morgado (2010b) é importante que os educadores escolham as histórias
criteriosamente e as trabalhem com as crianças, tendo em conta as potencialidades
pedagógicas de valorização da diversidade cultural e explorando a mobilidade e a
deslocação forçada, relacionando o que acontece nas histórias “com experiências que
descrevem a chegada de alguém a um território e a uma cultura novas, a sensação de
estranheza e de desenraizamento que causam os novos ambientes” (Ibidem, p. 44). Desta
forma, Morgado (2010c) sublinha como objetivos educativos: (i) o combate ao racismo e
aos preconceitos; (ii) reforçar o sentido de cidadania democrática, promovendo uma
atitude de valorização e respeito respeito pelas diferentes culturas.
Magos (2009:2) realça que a utilização das histórias como “different types of
critical stroytelling in order to combat racist perceptions and attitudes, in combination
with the intercultural communication (…).” A literatura contribui para quebrar com “uma
visão construída sobre o pilar da desigualdade étnica e se solidifiquem sobre uma base de
valorização da diversidade” (Debus, 2007:263). As narrativas são construídas com
elementos do real, o que levará o leitor a refletir sobre o seu papel na sociedade,
contribuindo também para a afirmação da sua identidade étnica. Rodrigues (2007)
defende o posicionamento das personagens face à realidade, no contexto da história,
permite ao leitor fazer leituras das visões de vida, tornando-se estas num “espelho
refletor”, que vai contribuir para a construção da sua personalidade.
Assim, a literatura infantil multicultural visa promover a educação e a cidadania
interculturais. Byram (2008) e Morgado (2013) referem o conceito de ‘cidadania
intercultural’, pois este enreda (i) uma necessidade de convivência e coesão social num
mundo globalizado; (ii) responde a solicitações para desenvolver competências
plurilingues de comunicação/interação à escala global; (iii) abertura a outros modos de
vida. De acordo com Azevedo (2009:227), a aprendizagem é gerada como “um processo
Capítulo 3 - A Literatura Infantil
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91
de revisão e de construção de esquemas de conhecimento sobre os conteúdos (escolares
e não escolares) ”, ou seja, os alunos utilizam os pré-conhecimentos ao interagirem com
o texto. A educação formal deve integrar conteúdos e práticas pedagógicas que suportem:
a tomada de consciência e a compreensão das realidades sociais que emergem das mudanças
das nossas sociedades, do desenvolvimento tecnológico e dos mercados de emprego, mas
também que tenham como objetivo alcançar uma sociedade consensual e tolerante, com uma
nova atitude de aceitação face à diversidade cultural” (Marques e Borges, 2012:99).
Então, a promoção de uma pedagogia que vise a relação intercultural, numa
perspetiva de intervenção educativa integradora, deverá ser baseada na compreensão, no
respeito mútuo e, acima de tudo no reconhecimento do Outro e da diversidade, o que irá
levá-la a desenvolver atitudes de alteridade, para compreender o Outro e a sua perspetiva
(Fontoura, 2005), os seus comportamentos, os elementos caracterizadores da sua cultura
e pertinentes para a sociedade globalizada em que vivemos (Balça, 2007), pois, tal como
defende a autora o ser humano “é igual, independentemente da cor de pele (…) que
diferença faz a cor, se em tudo o resto somos iguais?” (p.489). Ou seja:
o conhecimento do Outro, da sua cultura, dos seus costumes, das suas regras de conduta, das
suas opções religiosas e sexuais, permit[e] que elas ignorem diferenças e tenham atitudes de
respeito para com o outro (Balça, 2007:480).
Para que esta pedagogia se concretize e seja um meio de aprendizagem e
compreensão intercultural, o sujeito educativo deve ser orientado, para que consiga ajudar
a identificar as representações, sistema de valores, estereótipos e preconceitos de outros
indivíduos e/ou grupos (Ramos, 2011). Deste modo, “intercultural literacy, which might
be glossed as all the knowledge and skills necessary to the practice of intercultural
competences, has become an essential tool for modern life (…)” (Unesco, 2013:17).
Marques e Borges (2012) salientam que para que tal aconteça, deverão existir
mudanças ao nível pré-escolar, através de uma tomada de consciência dos educadores
relativamente à problemática do inter/multicultural, tendo em conta as linhas orientadoras
das OCEPE. Assim, os educadores deverão contemplar: (i) a articulação de conteúdos;
(ii) os processos de ensino-aprendizagem; (iii) a realidade sociocultural envolvente.
O universo literário infantil tem um enorme potencial criador, que leva a criança a
descobrir que ela também pode criar histórias. Neste âmbito as histórias assumem-se
como “material passível de reconstrução” (Silva et al, 2005:20). Os mesmos autores
advogam que deste modo, o educador poderá promover estratégias e/ou atividades que
Capítulo 3 - A Literatura Infantil
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92
visem a desconstrução/reconstrução das narrativas, de forma a diversificar os modelos
com que as crianças são confrontadas, promovendo o trabalho cooperativo adulto-criança,
em pequenos grupos, para promover a existência de visões alternativas das realidades.
Estas premissas vão de encontro à opinião de Azevedo (2006), que preconiza que as
assimetrias na relação adulto-criança originam processos de manipulação e
reconfiguração de símbolos do texto, para os leitores ainda em processo de
desenvolvimento. O autor explica que:
a literatura infantil mesmo quando concretiza espaços de questionamento e para a emergência
do Outro, para a presença do fragmentário, do carnavalesco e do emancipatório, não parece
deixar de criar e fomentar determinados modelos de configuração ética para os seus leitores
menos experientes (p.24).
Ao educador cabe o papel de criar oportunidade para as crianças colocarem
perguntas, para que seja percetível como estas estão a interiorizar a informação presente
nas histórias (Moreno, 2007). O educador poderá intervir como “agente de narrativização
do quotidiano infantil”, (Silva et al, 2005:16) ou seja, deve selecionar as obras
multiculturais, partindo de materiais literários, cultural e linguisticamente
enriquecedores, que vão de encontro aos interesses do seu grupo e que promovam
experiências de aprendizagem significativas.
Então, “multicultural literature in the classroom has the potential to promote
intercultural competencies and to equip students to live in an increasingly diverse society”
(Dolan, 2012:94).
Síntese
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93
Síntese
As sociedades europeias têm atualmente uma nova realidade social multicultural,
que influencia de forma significativa o domínio educativo. Esta realidade leva-nos
indiscutivelmente à necessidade de uma perspetiva diferenciada. Uma educação de todos
e para todos, que promova a unidade, no atual contexto de diversidade. Tal como
perspetivaram Cortesão e Stoer (1996), para que esta mudança se verifique é necessário
o reconhecimento do ato educativo como ato social e o reconhecimento da escola como
uma organização, que irá promover verdadeiras mudanças sociais. É nesta esfera que a
educação intercultural emerge, como um “processo em (re) construção permanente”
(Silva, 2003:368), conjeturando uma abordagem baseada no respeito mútuo e igualdade,
concentrando-se no desenvolvimento de “capacidades dirigidas para a compreensão de
diferentes modos de pensar e viver” (Oliveira e Sequeira, 2012:86).
Quando inserida em contexto escolar, articula um currículo adaptado às origens e
necessidades dos alunos, valorizando as suas culturas de origem, num processo de ensino-
aprendizagem coeso e coerente, de acordo com o contexto de cada aluno. Esta perspetiva
é por isso pautada em processos de inclusão, proporcionado um espaço aberto, onde se
partilham aprendizagens e diálogos e onde se desenvolvem competências de igualdade,
tolerância, respeito e cooperação. Deste modo pretende-se que os alunos, desde as idades
mais precoces, partilhem oportunidades de convivência social onde possam vivenciar
experiências educativas significativas para desenvolverem e alicerçarem estas
competências.
Será através da educação pré-escolar que as crianças irão alargar o seu reportório
cognitivo, afetivo, social e relacional, aprendendo com as interações com crianças e
adultos, através de práticas pedagógicas que fomentem o desenvolvimento de atitudes e
valores morais, que vão constituir a base para que cresça e se torne num adulto autónomo,
responsável, consciente, cívico, democrático e solidário. É por isso essencial que as
crianças desenvolvam competência intercultural, para que possam lidar correta e
civicamente, com a diversidade que caracteriza as nossas sociedades, relacionando
diferentes culturas.
As interações realizadas pelas crianças neste período serão os alicerces das
relações humanas e “um eixo fundamental da situação educativa” (Oliveira-Formosinho
et al, 2011:72). Neste âmbito, o trabalho de equipa entre adulto-criança e criança-criança,
vai funcionar como processo interativo, que vai promover o envolvimento das crianças,
Síntese
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94
sendo que é “em participação, pela participação, que a criança aprende a exercer os seus
direitos e deveres como ser social” (Ibidem). Assim, a pedagogia em participação,
promove a liberdade e a cooperação, levando a criança a participar na sua construção,
tornando as aprendizagens realmente significativas. Esta vai interligar-se com o trabalho
de projeto, assumidamente um “meio promissor de estimular predisposições que
permanecerão durante toda a vida” (Katz e Chard, 1997: 267), dando aos educadores a
oportunidade para estimular o desenvolvimento quer social, quer intelectual das crianças.
O envolvimento ativo dos pais neste processo educativo, dará continuidade ao trabalho
realizado diariamente no jardim de infância, promovendo a participação de todos e
promoção da igualdade de direitos, numa perspetiva democrática, cultural, social e cívica.
Assim, pode dizer-se que o espaço escolar se vai constituir como “um caminho da
democracia, um caminho que se faz caminhando” (Oliveira-Formosinho et al, 2011:52)
Desta forma, o jardim de infância vai assumir-se como um espaço onde se
desenvolve uma articulação plena das aprendizagens. Assim, conclui-se que:
a educação é vida: cria condições para que cada sujeito, pela comunicação com os outros,
adquira e mobilize um conjunto de hábitos e atitudes que lhe permitam viver condignamente,
e, acima de tudo, aprender a continuar a aprender pela experiencia (Ibidem, p. 53).
O jardim de infância é também um local privilegiado para a exploração da
literatura infantil. Esta tem uma importância fundamental na educação desde as idades
mais precoces. Desempenha um papel essencial para fomentar a educação intercultural,
pois as mensagens transmitadas através do seu texto promovem a aquisição de novos
saberes acerca de outros povos, culturas e tradições, dando à criança um panorama acerca
de realidades diferentes. O contacto com outros valores e com o Outro levam a criança a
compreender a diversidade do mundo onde está inserida. Assim, as histórias vão permitir
“que a criança se identifique com múltiplas personagens que interagem em diferentes
contextos, tem diferentes personalidades e manifestam diferentes comportamentos”
(Leite e Rodrigues, 2001:40), aprendendo a lidar com uma realidade plural e
consciencializando-se para o exercício da cidadania, num mundo global.
Desta forma, o recurso a materiais literários constitui-se como um dispositivo
pedagógico na educação intercultural. Neste âmbito, o educador deve ter consciência das
mensagens veiculadas pelas narrativas, sublinhando as dimensões que se relacionam com
a diversidade e tendo em conta o seu valor educacional para o desenvolvimento de
competências do foro intercultural. Com efeito, o uso de literatura multicultural na
Síntese
______________________________________________________________________
95
educação pré-escolar promove o desenvolvimento de “critical thinking skills,
intercultural understanding and lead to a more nuanced understanding of the power
relations underpinning our society” (Dolan, 2014: 102).
Capítulo 4 - Metodologia de Investigação
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97
CAPÍTULO 4
METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO
4.1. Problemática da investigação: questões e objetivos do estudo
Na atualidade, a diversidade é uma constante no quotidiano escolar, sendo visível
desde o jardim de infância. A educação de infância deve por isso, fomentar o
desenvolvimento de competências sociais e relacionais, pois o desenvolvimento destas
irá imiscuir-se no relacionamento com o Outro. Desta forma, a aprendizagem socio-
relacional e o desenvolvimento de competências interculturais, devem ter um papel
relevante nas aprendizagens desde as idades mais precoces.
A proliferação de estudos, que se centram nos conteúdos culturais transmitidos às
crianças através de diversos meios, denota uma consciencialização gradual das
repercussões destes no desenvolvimento integral das crianças. A temática da diversidade
cultural, no contexto da literatura infantil é evidente em diversas investigações (Colomer,
1999; Leite e Rodrigues, 2000; Balça, 2003, 2006, 2007; Magos, 2009; Morgado, 2010a,
2010b, 2010c; Morgado e Pires, 2010, 2012; Marques e Borges, 2012; Dolan, 2014; Ellis
e Brewster, 2014), que salientam o papel da literatura na infância.
Atualmente podemos encontrar vários materiais literários, que evidenciam temas
sociais emergentes como a multiculturalidade, o racismo ou a igualdade de género. Neles,
são frequentemente retratadas personagens que evidenciam e exploram, assuntos e
valores universais, nem sempre aceites por todos. São também ressalvados estereótipos e
preconceitos, visíveis no quotidiano. Tudo isto torna o livro infantil numa ferramenta
cultural essencial, para apoiar a criança no conhecimento e relacionamento com o mundo
envolvente, ajudando-a a compreender as relações entre as pessoas (Azevedo, 2006),
promovendo a emergência de pensamentos críticos acerca da realidade (Colomer, 1999;
Pires, 2000; Pereira, 2007; Morgado e Pires, 2010) e permitindo à criança conhecer-se a
si e ao Outro (Azevedo, 2006), para que possa determinar as suas próprias representações.
Desta forma, através das personagens e da sua forma de atuar e/ou de resolver
conflitos/problemas que surjam, a criança irá regular a sua conduta. Então, o livro infantil
constitui-se como uma ponte para o mundo social e diverso.
A educação intercultural tem um papel determinante na educação ao longo da
vida, sendo que as competências sociais e de interação com o diverso se realizam de forma
Capítulo 4 - Metodologia de Investigação
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98
natural, integradas nas rotinas de sala e nas atividades pedagógicas desenvolvidas. As
OCEPE dão especial relevância à promoção de contexto de vida democrático, onde todas
as crianças tem o seu papel e podem participar, aprendendo assim a respeitar o Outro e as
diferentes culturas. De acordo com Silva et al (2016: 39):
a vida no jardim de infância deverá organizar-se como um contexto de vida
democrática, em que as crianças exercem o seu direito de participar, e em que a diferença de
género, social, física, cognitiva, religiosa e étnica é aceite numa perspetiva de equidade, num
processo educativo que contribui para uma maior igualdade de oportunidades entre mulheres
e homens, entre indivíduos de diferentes classes sociais, com capacidades diversas e de
diferentes etnias. Esta diversidade é entendida como forma de educação intercultural, em que
as diferentes maneiras de ser e de saber contribuem para o enriquecimento da vida do grupo,
para dar sentido à aquisição de novos saberes e à compreensão de diferentes culturas.
Foi definida como problemática do estudo a compreensão do contributo do trabalho
pedagógico com base na literatura infantil, para o desenvolvimento da interculturalidade
por parte de um grupo de crianças. Neste âmbito definiu-se o ponto de partida que
motivou esta investigação, assim como as suas questões principais, as quais se
desdobraram em sub-questões. São elas:
(1) Que experiências de educação intercultural emergem no relacionamento das
crianças com os outros e com as histórias de literatura infantil?
(1.1) Como é que as crianças se apropriam do trabalho pedagógico com as
histórias para fazerem a mediação escola-família no desenvolvimento da
interculturalidade?
(2) Que aprendizagens interculturais são evidentes nos comportamentos das crianças
e identificadas pelos adultos?
(2.1) Qual o papel das histórias no desenvolvimento de um sentido de conexão
com as raízes culturais e com o mundo envolvente?
A partir das questões anteriormente referidas, foram definidos como objetivos
desta investigação:
Capítulo 4 - Metodologia de Investigação
______________________________________________________________________
99
- Compreender as experiências interculturais de exploração de literatura infantil, patentes
nas relações sociais das crianças com pares e adultos e na sua perceção do mundo
envolvente;
- Compreender as aprendizagens interculturais patentes no comportamento das crianças;
- Fomentar o desenvolvimento da competência intercultural nas crianças;
O estudo organizou-se num processo de investigação-ação, onde a educadora
assumiu o papel de investigadora, tendo como base as ações pedagógicas que desenvolve
com os alunos e a produção de conhecimentos que vai obter através destes (Stoer e
Cortesão, 1997).
4.2. Introdução à investigação-ação: características e finalidades
A origem da metodologia de investigação-ação (I-A) reporta a 1940, tendo como
base o contributo de autores oriundos de diferentes ciências sociais.
Kurt Lewin, investigador de origem judaica e cientista na área de filosofia da
ciência é considerado o fundador desta metodologia. Implementou projetos que visavam
a integração e justiça social, tendo concebido as linhas gerais que sustentam a I-A,
nomeadamente os conceitos estruturantes associados aos níveis de participação, às
dinâmicas de grupo e ao conceito do professor-investigador, onde os atores reconhecem
objetivos comuns acerca de um problema que os afeta, buscando a mudança através de
um sistema democrático de intervenção (Mesquita-Pires, 2010). Neste contexto, é ainda
relevante referir John Dewey, figura ligada à área da psicologia e filosofia, assim como à
investigação científica em educação. Este autor contribuiu para a compreensão dos
fundamentos essenciais da I-A, defendendo o programa educacional centrado na criança
e no trabalho cooperativo, como condição necessária ao progresso na educação.
Existem três paradigmas distintos para a compreensão de uma investigação:
interpretativo, positivista, e sociocrítico (Coutinho, 2014). O presente estudo insere-se no
paradigma interpretativo, paradigma que valoriza a compreensão de fenómenos,
procurando interpretar e compreender as perceções dos sujeitos em diferentes contextos,
Capítulo 4 - Metodologia de Investigação
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100
mas também se enquadra no paradigma sociocrítico, na medida em que se vai desenvolver
num ambiente de colaboração, preconizando uma mudança.
A I-A situa-se numa abordagem de natureza qualitativa. Para Bogdan e Biklen
(1994), Tuckman (1994) e ainda Carmo e Ferreira (2008), esta investigação possui
algumas características. Estas serão apresentadas de modo breve, são elas: (i) conjetura o
contacto direto entre o investigador e o ambiente, como fonte dos dados; (ii) é descritiva;
(iii) os investigadores focam especificamente o processo, ao invés dos resultados; (iv) os
investigadores analisam os dados de forma indutiva; (v) busca o significado, pois este “é
de importância vital” (Bogdan e Biklen; 1994:50). No entanto, estes autores salientam,
que apesar desta classificação, é possível depararmo-nos com estudos desta natureza que
sejam “totalmente desprovidos de uma ou mais das caraterísticas” (Ibidem, p.47).
No caso do presente estudo, a abordagem qualitativa foi escolhida por se adaptar
às necessidades deste, favorecendo a colaboração/interação entre o investigador e o grupo
de participantes da investigação.
Com efeito, uma investigação pressupõe a formulação de perguntas, para que seja
possível dar resposta a um determinado fenómeno de compreensão. Na visão de Tuckman
(1994:5) a investigação tradicional é “uma perspetiva sistémica de atribuição de respostas
às questões”, sendo que o investigador vai encontrar os factos e formular “uma
generalização baseada na interpretação dos mesmos” (Ibidem). Coutinho (2014:4)
descreve-a como “uma atividade de natureza cognitiva que consiste num processo
sistemático, flexível e objetivo de indagação e que contribui para explicar e compreender
os fenómenos sociais”. A autora realça ainda que é através da investigação que os
problemas provenientes da prática vão ser alvo de reflexão e problematização.
Deste modo, a I-A é considerada uma forma de investigação de carácter social que
“decorre da procura de resposta para o fosso intransponível existente entre o
conhecimento teórico produzidos pela investigação tradicional e as necessidades da
prática” (Máximo-Esteves, 2008:15), sendo mais adequada quando existe a necessidade
de conhecer de forma profunda, temas específicos e resolver problemas em situações
sociais particularizadas. Para a autora a I-A indica “a colaboração dos intervenientes na
investigação como uma forma de articular a teoria e a prática” (p.19).
Várias são as definições que tem sido atribuídas à I-A ao longo dos tempos. Estas
advém de uma pluralidade de estudos, não sendo possível atribuir-lhe uma definição
Capítulo 4 - Metodologia de Investigação
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101
única, pois a sua pluralidade conceptual deriva das várias aceções e práticas enunciadas
(Latorre, 2003; Mesquita-Pires, 2010). Para Máximo-Esteves (2008:18):
a definição de um conceito é sempre redutora, isto é, nunca esgota as caraterísticas que o
compõem, todavia, permite revelar as suas qualidades essenciais. Neste caso, porém, a tarefa
é particularmente complexa, por várias razões, de entre as quais sobressaem: a recentidade
do tema, a vastidão de áreas de aplicação, a variedade de perspetivas filosóficas que procuram
sustentar este conceito e as correspondentes vias metodológicas que são propostas (…)”.
Segundo Bogdan e Biklen (1994:11), a I-A é “uma metodologia de investigação
que enfatiza a descrição, a indução, a teoria fundamentada e o estudo das perceções
pessoais”, “valorizando o papel do investigador/construtor do conhecimento” (Coutinho,
2014:16). Bogdan e Biklen realçam que (1994:292) “consiste na recolha de informações
sistemáticas com o objetivo de promover mudanças sociais.” Reiteram ainda que “pode
servir como estratégia organizativa para agregar as pessoas ativamente face a questões
particulares. A própria investigação constitui uma forma de ação” (Ibidem, p.297).
McNiff e Whitehead (2006:7) defendem que a I-A é “a form of enquiry that enables
practitioners everywhere to investigate and evaluete their work.” Koshy (2005) tem uma
perspetiva semelhante, definindo-a como uma técnica que vem reforçar a prática,
assegurando que as descobertas emergentes desta vão contribuir para o desenvolvimento
contínuo profissional do investigador. Segundo esta autora, a I-A “creates new knowledge
based on enquires conducted whitin specific contexts. (…) the purpose of action-research
is to learn through action leading to personal or professional development.”
Máximo-Esteves (2008:82) defende que esta metodologia se assume como “um
processo dinâmico, interativo e aberto aos emergentes e necessários reajustes,
provenientes da análise das circunstâncias e dos fenómenos em estudo.” Coutinho et al
(2009) descreve-a como uma família de metodologias de investigação que abrangem a
ação - mudança - e a investigação - compreensão - tendo como base um processo cíclico,
que intercala ação e reflexão crítica, enquanto Amado e Cardoso (2013) advogam que
esta visa a construção de conhecimentos. Já MacNaughton e Hughes (2009) defendem
que retrata um ciclo de pesquisa, que gera mudança, pois o investigador pensa naquilo
que realizou, efetua algo para criar essa mudança, voltando a repensar o que realizou e
quais as suas repercussões. Assim, concretiza-se numa espiral que os autores relatam
como “think - do - think”. Este processo em espiral acontece pois “as soon as we reach a
provisional point where we feel things are satisfactory, that point itself raises new
Capítulo 4 - Metodologia de Investigação
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questions and it is time to begin again” (McNiff e Whitehead, 2006:9). Para o seu
fundador, Lewin (1946: 38), a I-A “proceeds in a spiral each of which is composed of a
circle of planning, action, and fact-finding about the result of the action”. Na figura 5,
pode observar-se um ciclo da I-A.
Figura 5 – Ciclo da Investigação-Ação
Fonte: McNiff e Whitehead (2006: 9)
A I-A debruça-se sobre a natureza do processo de aprendizagem, assim como, sobre
a ligação entre reflexão e prática e sobre a relação entre experiências particulares e ideias
gerais (Winter, 1996). Para o autor é uma forma de:
investigating professional experience whick link pratice and the analysis of practice into a
single productive and continuously developing sequence, and which link researchers and
research participants into a single community (…)” (p.14).
Segundo Latorre (2003), o termo I-A faz referência a uma série de estratégias
levadas a cabo para aperfeiçoar o sistema socioeducativo. Defini-a como uma
“indagación práctica realizada por el profesorado, de forma colaborativa, con la finalidad
de mejorar su práctica educativa a través de ciclos de acción y reflexión” (p.24). Caetano
(2004:99) descreve-a como:
um dispositivo onde os processos de ação educativa e investigação se produzem mutuamente,
pelo que a investigação acompanha a ação e a ação surge como um dos processos de
investigação para a construção de uma compreensão/conhecimento sobre a ação e contextos,
sendo este conhecimento reinvestido na própria ação, pois visa a sua
regulação/transformação. Trata-se, pois, de um processo de investigação na ação, pela ação
Capítulo 4 - Metodologia de Investigação
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103
e para a ação, onde os próprios atores/autores da ação participam ativamente na pesquisa
desde a sua fase de conceção até à fase de síntese/formalização.
A I-A é uma abordagem de investigação sistemática que permite aos investigadores
encontrar soluções efetivas, para os problemas que surgem na vida quotidiana, permitindo
assim a produção de saberes práticos (Silva, 1996; Stringer, 2007) e meios para melhorar
a sua eficácia profissional, tenha esta lugar em escolas, empresas ou comunidades. Assim,
“assists them in working through the sometimes puzzling complexity of the issues they
confront to make their work more meaningful and fulfilling” (Stringer, 2007:1). Salienta
ainda que “enacts localized, pragmatic approaches to research, investigating particular
issues and problems in particular sites at particular moments in lives of interacting
individuals and groups (Ibidem, p. 210). Em suma, o seu objetivo é “generate living
theories about how learning has improved practice and is informing new practices
(McNiff e Whitehead, 2006:13). Este método é adequado “whenever specific knowledge
is required for a specific problem in a specific situation; or when a new approach is to be
grafted onto an existing system” (Cohen e Manion, 1994:194).
A I-A é uma metodologia de investigação que recorre à pesquisa prática e
aplicada, orientando-se pela necessidade de resolver problemas reais (Coutinho et al,
2009). Deve ser usada fundamentalmente para: (i) melhorar o conhecimento acerca de
um tema específico; (ii) desenvolver as aprendizagens do investigador; (iii) influenciar o
comportamento/aprendizagens de terceiros (McNiff e Whitehead, 2006). Deste forma,
articula a teoria e a prática, sendo que a relação entre investigação e prática tem implícitas
“formas de integração entre conhecimentos e valores. Ambos necessários para orientar a
ação” (Silva, 1996:265).
Existem princípios que são essenciais para caracterizar o processo desta
metodologia, é nomeadamente: (i) participativa - implica todos os intervenientes no
processo; (ii) colaborativa - realizada em conjunto pelos participantes no processo, sendo
que todos os pontos de vista são tidos em conta para “clarify their problemas and
formulate new ways of envisioning their situations” (Stringer, 2007:204); (iii) prática -
intervêm diretamente na realidade; (iv) interventiva - no sentido em que a ação deve estar
vinculada à mudança e ser deliberada; (v) crítica - cria comunidades críticas de
participantes que colaboram nas várias fases do processo, atuando como agentes de
mudança; (vi) cíclica - constitui-se como uma espiral de ciclos - planificação, ação,
observação e reflexão - em que o novo ciclo dá continuidade ao anterior; (vii) auto-
Capítulo 4 - Metodologia de Investigação
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avaliativa - no sentido em que as mudanças são constantemente avaliadas, com o objetivo
de melhorar as práticas. Esta auto-avaliação pressupõe práticas auto-reflexivas (Cohen e
Manion 1994; Silva, 1996; Winter 1996; Latorre 2003; Koshy, 2005; McNiff e
Whitehead, 2006; Coutinho et al, 2009, Amado e Cardoso, 2013); (viii) constitui um
processo sistemático de aprendizagens, orientado para a ação; (ix) conduz a mudanças
gradualmente maiores (Latorre, 2003); (x) induz à teorização acerca das práticas (Latorre,
2003; Winter, 1996); (xi) possui uma componente de auto-transformação; (xii) possui
uma componente de criatividade, que contribui para a sua sustentabilidade enquanto
método investigativo (McNiff e Whitehead, 2006).
Então, formalmente, a I-A é um fenómeno que se foca nos participantes, nas
experiências vividas, interpretando os atos, práticas e atividades desenvolvidas,
possuindo especificidades hermenêuticas, ou seja, interpretando o sentido das ações
quotidianas. Esta característica hermenêutica é fundamental, pois requer que os
participantes trabalhem em conjunto com o objetivo de garantir uma resolução efetiva
para as suas questões/problemas (Stringer, 2007; Carmo e Ferreira, 2008; Máximo-
Esteves, 2008; Coutinho, 2014).
De salientar que a implementação prática da I-A tem uma vertente de
participação/colaboração bastante vincada (Zuber-Skerrit, 1996; Latorre, 2003; Koshy,
2005; Coutinho et al, 2009). Esta visão participativa pressupõe um sentido de ‘igualdade’
entre o investigador e os participantes, pois embora o investigador seja um elemento
central da mudança e assuma um papel ativo no processo de ensino-aprendizagem, os
participantes são peças essenciais no caminho para melhorar a prática profissional. Com
efeito, o educador/professor enquanto investigador qualitativo questiona os participantes,
com o propósito de compreender “aquilo que eles experimentam, o modo como eles
interpretam as suas experiências e o modo como eles próprios estruturam o mundo social
em que vivem” (Bogdan e Biklen, 1994: 51). Como ator, pode ainda tomar a iniciativa,
produzindo conhecimento sobre as suas práticas de apoio à mudança, possibilitando que
este processo leve os restantes participantes a questionarem a sua própria prática,
aprofundando os seus conhecimentos (Silva, 1996).
Sintetizando, consideram-se, então, que as principais vantagens da I-A são: (a)
melhoria da prática; (b) compreensão da prática; (c) melhoria da situação onde ocorre a
prática (Latorre, 2003; Coutinho et al, 2009). Para Latorre (2003:26), esta “se propone
Capítulo 4 - Metodologia de Investigação
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mejorar la educación a través del cambio y aprender a partir de las consecuencias de los
câmbios.
No que diz respeito à finalidade do processo de I-A, não é o de criar conhecimento,
mas sim, o de questionar as práticas sociais e os valores que as integram, com a finalidade
de os esclarecer (Latorre, 2003; McNiff e Whitehead, 2006). Stringer (2007:208-210)
defende que “change is an intended outcome of action research (…). Its purpose is to
provide participants with new understadings of an issue they have defined as significant
and the means for taking corrective action.” Desta forma, esta metodologia assume-se
como “un poderoso instrumento para reconstruir las prácticas (…) Conlleva la
comprobación de ideas en la práctica como medio de mejorar las condiciones sociales e
incrementar el conocimiento” (Latorre, 2003:27).
Os estudos acerca do desenvolvimento profissional (Zuber-Skerrit, 1996; McNiff
e Whitehead, 2006; Máximo-Esteves, 2008; Mesquita-Pires; 2010), demonstram que a
escolha pela metodologia de I-A, na área da educação fornece:
bases conceptuais e metodológicas que ajudam o professor a compreender a ação educativa
que desenvolve, a questioná-la, a investigar novas possibilidades, promovendo mudanças que
se refletem na aprendizagem dos alunos. Os projetos sustentados, numa linha metodológica
de investigação-ação, que assumem a complexidade educativa, são entendidos numa aceção
mais profunda, envolvendo metas imediatas, que se articulam com compromissos
educacionais e sociais, a longo prazo. É neste sentido que os profissionais necessitam de
construir conhecimentos, competências, disposições e práticas que se constituam como uma
mais-valia na ação que desenvolvem. (Mesquita-Pires, 2010: 72).
4.3. Modalidades e modelos da investigação-ação
A I-A apresenta-se sob variadas configurações. Assim, as suas modalidades
baseiam-se nos seguintes critérios: objetivos, papel do investigador e relação entre
investigador e participantes. São três as modalidades da I-A: (1) técnica; (2) prática; (3)
emancipatória (ou crítica).
Com base na classificação realizada por Carr e Kemmis (1986), elaborou-se um
quadro síntese dos diferentes tipos de I-A, os quais se encontram sistematizados no
quadro 1:
Capítulo 4 - Metodologia de Investigação
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Quadro 1 - Tipos de Investigação-Ação e as suas características
Fontes: Zuber-Skerritt (1996:4); Latorre (2003: 31), tradução livre.
Na I-A técnica, o investigador é um especialista externo que define os objetivos,
assim como os procedimentos metodológicos. Os participantes do processo dependem do
investigador, estabelecendo-se uma relação de cooptação “profundamente assimétrica”
(Máximo-Esteves, 2008:58).
No caso da I-A prática, os docentes tem um protagonismo ativo e autónomo, tendo
o papel de conduzir a investigação. Nesta modalidade a relação mantida entre os
participantes e o investigador é de natureza cooperativa, ajudando-os a detetar problemas,
a planear estratégias e a refletir sobre as mudanças. O investigador assume por isso, um
papel socrático, não intervindo no processo, existindo uma “assimetria menor nas
relações de papéis” (Máximo-Esteves, 2008:59).
A modalidade de I-A emancipatória “vai para além da ação pedagógica, intervindo
na transformação do próprio sistema, procurando facilitar a implementação de soluções
que promovam a melhoria da ação” (Coutinho et al, 2009:365). Converte-se desta forma,
num processo crítico ao nível da intervenção, organização e reflexão das práticas
educativas. Ocorre através de “um processo igualitário de colaboração e partilha de
decisões e responsabilidades” (Máximo-Esteves, 2008:59), desenvolvendo um ambiente
Tipos de
investigação-ação
Objetivos
Papel do investigador
Relação entre
investigador e
participantes
1. Técnica - Melhorar a prática educativa
- Desenvolvimento profissional
‘Especialista’ externo Cooptação
2. Prática
- Como em 1.
- Compreensão dos participantes
- Transformação da consciência dos
participantes
Papel socrático,
encorajando a
participação e a
auto-reflexão
Cooperação
3. Emancipatória
- Como em 2.
- Emancipação dos participantes em
relação aos ditames tradicionais, à auto-
deceção e coerção
- Crítica dos participantes à
sistematização burocrática
- Transformação da organização e do
sistema educativo
Moderador do processo
(responsabilidade
partilhada igualmente
pelos participantes)
Colaboração
Capítulo 4 - Metodologia de Investigação
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de maior colaboração social e procura a mudança de forma mais intencional (Coutinho et
al, 2009).
Zuber-Skerritt (1996) advoga que a I-A reflete a mudança, como um ciclo
contínuo, que afeta os participantes, os investigadores, assim como as aprendizagens de
ambos. Assim, todas as modalidades descritas anteriormente tem como suporte um
processo cíclico, havendo uma repetição encadeada das fases anteriores. É ainda de
salientar que as três modalidades de I-A tem objetivos comuns, nomeadamente ao nível
da melhoria da prática educativa e do desenvolvimento profissional (Zuber-Skerritt,
1996; Latorre, 2003).
Latorre (2003: 33) afirma que a I-A se conceptualiza como “un ‘proyecto de
acción’ formado por ‘estrategias de acción’, vinculadas a las necesidades del profesorado
investigador y/o equipos de investigación”. Desta dialógica entre teoria e ação, brota o
carácter cíclico da I-A, um “ ‘vaivén’ -espiral dialéctica- entre la acción y la reflexión, de
manera que ambos momentos quedan integrados y se complementan” (Latorre, 2003: 32).
Segundo Silva (1996), os modelos construídos a partir da metodologia de I-A
destacam a coerência entre a teoria e prática. Para Latorre (2003: 34) “la existencia de
concepciones diversas del processo [de I-A] ha dado lugar a diversas representaciones o
modelos de investigación.” Os modelos são semelhantes, quer a nível da estrutura, quer
a nível do processo, pois todos foram baseados na matriz concebida por Lewin.
De seguida, são apresentados de forma breve, o modelo de Lewin, assim como o
de Kemmis, que apoiam o design desta investigação.
Modelo de Lewin
Lewin preconizou a I-A como ciclos de ação reflexiva, ou seja, uma série de fases,
que se sucedem e se desenvolvem de forma contínua e sequencial - planificação, ação e
avaliação da ação. Estes procedimentos, que funcionam em movimento circular, irão
iniciar um novo ciclo que vai desencadear novas espirais de experiências de ação
reflexiva, ou seja, “se hace un reconocimiento del plan, sus posíbilidades y limitaciones,
se lleva a cabo el primer paso de acción y se evalúa su resultado” (Latorre, 2003:35). De
salientar que esta sequência é repetitiva.
Neste estudo, assumiu-se a necessidade do investigador para analisar o conjunto
de interações que ocorrem durante o processo, reajustando o plano da investigação,
Capítulo 4 - Metodologia de Investigação
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através da planificação da fase seguinte, tal como foi preconizado pelo autor e que pode
ser observado na figura 6. Tal como refere Stringer (2007:65) “continuing research cycles
enable evaluation, reformulation, and redevelopment of actions, leading to increasingly
effective solutions to the problem at the heart of the research project.”
Figura 6 – Modelo de Investigação-Ação de Lewin
Fonte: Coutinho et al (2009:368)
Modelo de Kemmis
Este modelo implica quatro fases interligadas: a planificação, a ação, a observação
e a reflexão. Estas organizam-se em dois eixos: (i) eixo estratégico - ação e reflexão; (ii)
eixo organizativo - planificação e observação. A interação destes fatores vai permitir a
resolução de problemas e uma melhor e maior compreensão das práticas educativas, assim
como um “olhar retrospetivo e prospetivo, gerando uma espiral autorreflexiva de
conhecimento e ação” (Coutinho et al, 2009: 368).
De acordo com os autores, as fases cíclicas do processo de I-A vão ocorrer de
acordo com uma sequência de quatro fases: (1) desenvolvimento de um plano de ação,
cuja finalidade é a de alterar aspetos da prática educativa; (2) aplicar o plano de ação na
prática; (3) a observação, que tem como propósito a recolha de dados da ação; (4) reflexão
acerca dos resultados, interpretando a prática educativa e se necessário reformular o
Capítulo 4 - Metodologia de Investigação
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plano, o que irá iniciar um novo ciclo espiralado. O esquema que ilustra o modelo, está
esquematizado na figura 7.
Figura 7 – Modelo de Investigação-Ação de Kemmis
Fonte: Coutinho et al (2009:369)
4.4. Técnicas de investigação associadas à investigação-ação
Sempre que é desenvolvida uma investigação, existe a necessidade de recolha de
informação. No caso da I-A, o docente, no papel de investigador vai recolher dados que
reportam à sua prática pedagógica, para a analisar. Para Stringer (2007:65-67):
the first cycle of an action research process is therefore qualitative in nature, requiring
researchers to gather information about participants experiences and perspectives and to
define the problema/issue in terms that ‘make sense’ in their own terms. (…). Participants,
especially the primary stakeholders, are therefore consciously engaged in the process of
describing the nature of the problem and gathering information. (…) Data gathering becomes
an ongoing process that emerges as the investigation proceeds.
De acordo com as perspetivas de McNiff e Whitehead (2006), dados, são as
informações reunidas acerca do que o investigador e os participantes estão a fazer e a
aprender.
Máximo-Esteves (2008) esclarece que quando o investigador analisa um contexto,
no qual é participante quotidianamente, vão existir alguns métodos que se adequam
Capítulo 4 - Metodologia de Investigação
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melhor à sua condição de docente-investigador. Existe uma enorme diversidade de
instrumentos e técnicas, passíveis de serem utilizadas para recolher dados e para ajudarem
o investigador a perceber se os dados recolhidos são indicativos de mudanças e/ou
aprendizagens.
Latorre (2003) advoga a existência de uma categorização, dividida em: (i)
técnicas baseadas na observação; (ii) técnicas baseadas na conversação; (iii) análise de
documentos. Existe ainda referência a (iv) meios audiovisuais (Máximo-Esteves, 2008;
Coutinho et al, 2009).
De seguida serão apresentadas, as técnicas e os instrumentos, mais utilizadas no
contexto de uma I-A, através do quadro 2, elaborado de forma a sistematizar e compilar
as perspetivas de diversos autores.
Quadro 2 - Técnicas de Investigação Associadas à Investigação-Ação
Fontes: Latorre (2003); McNiff e Whitehead (2006); Máximo-Esteves (2008); Coutinho et al (2009)
Nesta investigação, a educadora/investigadora utilizou técnicas baseadas na
observação, nomeadamente a observação participante, devido ao facto de estar
ativamente implicada na sala/grupo, interagindo com este enquanto educadora de
infância, técnica que foi complementada por notas de campo (NC), com o intuito de
estudar a prática pedagógica no seu contexto.
Técnicas baseadas na
observação
Técnicas baseadas na
conversação
Análise de documentos Meios audiovisuais
- Observação
participante
- Notas de campo
- Diário do
investigador
- Escalas de medida
- Questionário
- Entrevista
1) Entrevista informal
2) Entrevista formal
2.1) Entrevista em
profundidade
2.2) Entrevista semi-
estruturada
2.3) Entrevista focus
group
- Documentos oficiais
(artigos científicos,
legislação, etc.)
- Documentos pessoais
(método biográfico
narrativo e histórias de
vida)
1) Documentos
naturais
2) Documentos
sugeridos pelo
investigador
(nomeadamente, o
diário do investigador)
- Fotografia
- Vídeo
- Gravação de áudio
Capítulo 4 - Metodologia de Investigação
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Através da observação das interações/comportamentos das crianças - a nível
individual e de grupo, quer com os pares, quer com os adultos (educadora de infância,
auxiliar de ação educativa, pais, etc.) - e das notas de campo recolhidas no decorrer das
sessões como participante ativa, a investigadora irá tentar compreender o impacto das
atividades pedagógicas desenvolvidas a partir da literatura infantil, apurando quais as
aprendizagens e/ou experiências interculturais evidentes nos comportamentos das
crianças, no desenvolvimento da interculturalidade.
A descrição das técnicas e instrumentos de recolha de dados, utilizados no decurso
desta investigação serão apresentados e fundamentados no subcapítulo seguinte.
4.5.Técnicas e instrumentos de recolha de dados
O processo de recolha de dados para esta investigação decorreu de setembro a maio,
do ano letivo 2016/2017, ao longo do qual foi desenvolvido um projeto
pedagógico/investigação com um grupo de 24 crianças, com idades compreendidas entre
4 e os 5 anos de idade. Esta recolha adveio do uso das seguintes técnicas: observação
direta e meios audiovisuais.
Na recolha de dados para este estudo foi utilizada primordialmente a observação
direta e outras técnicas de observação que dela derivam, nomeadamente a observação
participante e as notas de campo.
4.5.1. Observação direta
A maior parte da informação que recolhemos do meio envolvente é através da
observação. O objetivo da observação consiste em observar intencionalmente uma
situação, para recolher dados da mesma, possibilitando ao investigador, o acesso às
interações sociais.
No contexto da educação de infância “observar o que as crianças fazem, dizem e
como interagem e aprendem constitui uma estratégia fundamental de recolha de
informação” (Silva et al, 2016:13). As OCEPE salientam a importância da observação e
definem quatro etapas que se complementam: (i) observar, registar e documentar; (ii)
planear; (iii) agir; (iv) avaliar. Estas etapas vão caracterizar:
Capítulo 4 - Metodologia de Investigação
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a intencionalidade do/a educador/a, que caracteriza a sua intervenção profissional, exige-lhe
que reflita sobre as conceções e valores subjacentes às finalidades da sua prática (…). Esta
intencionalidade permite-lhe atribuir sentido à sua ação, ter um propósito, saber o porquê do
que faz e o que pretende alcançar (Ibidem).
Assim, a observação pode considerar-se como a primeira fonte de obtenção de
dados (Máximo-Esteves, 2008). A autora defende que “a observação permite o
conhecimento direto dos fenómenos tal como eles acontecem num determinado contexto”
(Ibidem, p.87). Ou seja, permite a compreensão dos contextos, das pessoas que nele
atuam, assim como das suas interações. Angrosino e Rosenberg (2011:151) advogam que
na investigação qualitativa “observations typically take place in settings that are the
natural loci of activity.” Guest, Namey e Mitchell (2013:75), defendem que esta técnica
“is primarily a quantitative technique in which the observer is explicitly counting the
frequency and/or intensity of specific behaviors or events or mapping the social
composition and action of a particular scene”.
Tal como advogam Simpson e Tuson (1995:16), “ the major strength of observing
is the direct access which it gives you to the events or interactions which are the focus of
your research”. Assim, a observação direta é um meio para que o investigador recolha
dados, no espaço onde decorre a ação, permitindo-lhe capturar as interações entre os
intervenientes.
No presente estudo foi realizada observação do tipo participante, em que a
investigadora/educadora observou e interagiu diariamente com o grupo de crianças.
4.5.1.1. Observação participante
De acordo como Jorgensen (1989:14) a observação participante é apropriada, para
todos os tipos de estudo, especialmente para contextos escolares. O autor advoga que esta
“aims to generate practical and theoretical truths about human life grounded in the
realities of daily existence.” É descrita por Guest et al (2013) como a técnica de recolha
de dados mais natural e desafiante, pois “it connects the researcher to the most basic of
human experiences, discovering through immersion and participation the hows and whys
of human behavior in a particular contexto” (p.75).
A observação participante rege-se pelo princípio de que o investigador deve manter
um certo grau de interação com a situação que está a estudar, influenciando-a e sendo
influenciado por ela, requerendo do observador “ a capacidade e a disposição anímica
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113
para ‘participar’ intensamente na vida dos observados” (Amado e Silva, 2013:168).
Acerca disto, Simpson e Tuson (1995:55) referem que a observação:
is the most intrusive of all techniques for gathering data. (…) Not only have you to be
sensitive to those you are watching and build up a relationship of trust, you must be clear
what your role is - the extent to which you are an objective, fly-on-the-wall observer, or a
fully involved participant in the on-going events.
Amado (2013) salienta ainda a existência de duas posições no papel do observador: a
rígida e a flexível. Num contexto educativo, especificamente na investigação com
crianças, terá que assumir-se a segunda opção, sendo que o observador deverá alternar a
sua postura em função das situações que possam surgir e da relação com os observados.
Esta é uma das limitações desta técnica, pois é possível que surjam obstáculos na criação
de um clima de confiança entre o investigador e os sujeitos. Em relação a estas premissas,
Bogdan e Biklen (1994: 125) advogam que:
a [sua] participação exata varia ao longo do estudo. (…) À medida que as relações se
desenvolvem, vai participando mais. (…) É necessário calcular a quantidade correta de
participação e o modo como deve participar, tendo em mente o estudo que se propôs elaborar.
Desta forma, o investigador deve estar atento a tudo aquilo que observa no ambiente
educativo e obter quer a opinião, quer a interpretação dos observados. De acordo com
Cohen, Manion e Morrison (2006: 306) a abordagem qualitativa:
draws the researcher into the phenomenological complexity of participants' worlds; here
situations unfold, and connections, causes and correlations can be observed as they occur
over time. The qualitative researcher seeks to catch the dynamic nature of events, to seek
intentionality, and to seek large trends and parterns over time.
A investigadora/educadora realizou observação participante, na qual assumiu um
papel ativo, levando a cabo a investigação, num contexto do qual faz parte, participando
em algumas atividades como membro do grupo e noutras apenas como observadora.
Para Jorgensen (1989:13-14) esta técnica pode ser definida de acordo com as
seguintes caraterísticas:
(1) a special interest in human meaning and interaction as viewed from the perspective of
people who are insiders or members of particular situations and settings;
(2) location in the here and now of everyday life situations and settings as the foundation of
inquiry and method;
Capítulo 4 - Metodologia de Investigação
______________________________________________________________________
114
(3) a form of theory and theorizing stressing interpretation and understanding of human
existence;
(4) a logic and process of inquiry that is open-ended, flexible, opportunistic, and requires
constant redefinition of what is problematic, based on facts gathered in concrete settings of
human existence;
(5) an in-depth, qualitative, case study approach and design;
(6) the performance of a participant role or roles that involves establishing and maintaining
relationships with natives in the field;
(7) the use of direct observation along with other methods of gathering information.
Existem vantagens inerentes à escolha da observação participante para a recolha
de dados. No âmbito deste estudo podem salientar-se: (i) que os estudos de observação
são superiores às experiências e inquéritos quando são recolhidos dados do
comportamento não-verbal; (ii) em estudos de observação, os investigadores são capazes
de distinguir o desenvolvimento dos comportamentos, à medida que estes ocorrem,
adequando as notas relativamente às suas características (Bailey, 1978, citada por Cohen
e Manion, 1994). Também Simpson e Tuson (1995) realçam as vantagens na escolha
desta técnica, salientando que esta melhora a qualidade da recolha de dados, assim como
a sua interpretação, ajudando a estabelecer uma relação de confiança entre o investigador
e os sujeitos.
4.5.1.2.Notas de campo
Tuckman (2000) advoga que numa investigação qualitativa, a observação
pretende analisar o ambiente, sendo que o produto dessa observação é registado através
de notas de campo detalhadas e claras. Para Simpson e Tuson (1995:48) são usadas “to
obtain detailed descriptions of interactions or events without starting from pre-specified
categories.” De acordo com Bogdan e Biklen (1994: 150-151) estas representam a melhor
forma de recolher dados na investigação qualitativa. Descrevem-nas como:
o relato escrito daquilo que o investigador ouve, vê, experiencia e pensa no decurso da
recolha e refletindo sobre os dados de um estudo qualitativo.(…) As notas de campo podem
originar em cada estudo um diário pessoal que ajuda o investigador a acompanhar o
desenvolvimento do projeto, a visualizar como é que o plano de investigação foi afetado
pelos dados recolhidos, e a tornar-se consciente de como ele ou ela foram influenciados pelos
dados.
Capítulo 4 - Metodologia de Investigação
______________________________________________________________________
115
Os autores reforçam ainda que estas consistem em dois tipos de materiais: (i) o
descritivo, cujo intuito é registar de forma objetiva e descritiva, todos os detalhes que
tiveram lugar no local onde se encontrava; (ii) o reflexivo que visa o ponto de vista do
investigador, assim como os seus pensamentos e/ou reflexões.
Realizar observações envolve uma grande variedade de critérios por parte do
observador/investigador, tal como descreve Kawulich (2005:7):
“ethics, establishing rapport, selecting key informants, the processes for conducting observations,
deciding what and when to observe,keeping field notes and writing up one's findings.” O autor defende
que as notas de campo devem conter tudo o que for observado, em detalhe. O investigador
deve rever, analisar e refletir acerca das suas notas ao longo do processo de observação.
Nesta linha, Simpson e Tuson (1995:13) acrescentam ainda que após as notas de campo,
o estudo evolui para um “set of categorisations for the behaviours or interactions recorded
as the study proceeds.”
Neste estudo, no contexto das atividades realizadas com e pelas crianças no
decorrer do projeto, realizaram-se notas de campo, com base em registos escritos
decorrentes da observação das dinâmicas de trabalho e das interações em sala.
4.5.1.3.Produções das crianças
No decorrer do projeto de investigação, foram recolhidos trabalhos elaborados
pelas crianças. A recolha realizou-se ao abrigo de um termo de consentimento (Anexo 4 - Termo
de consentimento enviado aos encarregados de educação) solicitado aos encarregados de educação, para que
a educadora/investigadora pudesse efetuar a recolha dos dados.
As produções recolhidas ao longo do ano letivo pretendiam registar as
representações gráficas/escritas das crianças, acerca das aprendizagens que efetuaram no
âmbito do trabalho educativo a partir da literatura infantil para o desenvolvimento da
interculturalidade e também para que as crianças pudessem “build up a portfolio and a
personal record of their story-based work that they can share with their parents” (Ellis e
Brewster, 2014:21).
Capítulo 4 - Metodologia de Investigação
______________________________________________________________________
116
4.5.2. Meios audiovisuais
Os registos fotográficos servem para “help [to] remember
activities, and photographs can serve as illustrations of aspects of activities that are not
easily described” (Kawulich, 2005:17). Desta forma, a recolha de dados foi também
realizada através de meios de recolha digital, nomeadamente fotografias das várias
produções resultantes das sessões do projeto.
Sendo que a investigadora, é também a educadora titular do grupo, tem desde o
início do ano letivo uma autorização dos pais para recolha de dados audiovisuais, para
utilização em contexto institucional. Neste âmbito, é necessário referir que no termo de
consentimento anteriormente referido, foi garantido aos encarregados de educação o
anonimato das crianças, assegurando-lhes o sigilo em relação à utilização de fotografias
que permitissem identificá-las.
Capítulo 5 - Contexto e Participantes do Estudo
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117
CAPÍTULO 5
CONTEXTO E PARTICIPANTES DO ESTUDO
A presente investigação decorreu num colégio privado, com fins lucrativos,
situado na margem sul do Tejo, especificamente no Barreiro. Foi realizada na valência de
jardim de infância, em que os participantes do processo de ensino-aprendizagem, foram
o grupo de crianças/sujeitos e a educadora/investigadora.
Assim, a caracterização realizada de seguida, tem como fonte o Projeto Educativo
de Escola (em vigor de 2015 a 2018) e vai focar-se primordialmente no jardim de infância,
valência em que a investigação foi implementada.
5.1.Caracterização do colégio
5.1.1. Localização e meio envolvente
O concelho do Barreiro está integrado no distrito de Setúbal, pertencente à área
metropolitana de Lisboa, localizada na margem sul do rio Tejo e tem aproximadamente
78.000 habitantes.
O colégio “Missão”1 situa-se na freguesia de Santo André, numa zona habitacional,
comercial e de serviços. Na comunidade existem bens e serviços que vão de encontro às
necessidades da população. Em termos económicos, os sectores mais dinâmicos são: (i)
atividades imobiliárias e construção; (ii) atividades financeiras e serviços; (iii) turismo e
lazer; (iv) agro-indústrias; (v) indústria automóvel; (vi) transportes e comunicações.
A valência de creche situa-se na freguesia de Palhais, uma zona maioritariamente
residencial.
O jardim de infância situa-se na União de freguesias de Alto Seixalinho, Verderena e
Santo André, na cidade do Barreiro, numa zona habitacional, comercial e de serviços. Por
estar integrada numa comunidade educativa, também participa em alguns eventos, de
cariz cultural, organizados pela junta de freguesia, em conjunto com outras escolas,
inseridas no ensino público e no ensino particular e cooperativo.
O 1º Ciclo e o CATL situam-se na União de freguesias de Palhais e Coina. Esta zona
é maioritariamente constituída por escritórios e empresas de diferentes áreas.
1 Designação fictícia, de forma a proteger a identidade do colégio
Capítulo 5 - Contexto e Participantes do Estudo
______________________________________________________________________
118
5.1.2. Princípios educativos
As linhas orientadoras da ação pedagógica do colégio Missão tem como objetivos:
(i) a contemplação de diferentes formas de aprendizagem ativa e significativa; (ii)
estimular o desenvolvimento global da criança no respeito pelas suas características
individuais, adotando uma pedagogia organizada e estruturada que valoriza o carácter
lúdico, promove a autoestima e a autoconfiança; (iii) proporcionar ocasiões de bem-estar
e de segurança, promovendo o desenvolvimento pessoal e social e estimulando a
curiosidade e o espírito crítico das crianças. Estas linhas vão baseiam-se em cinco
critérios: (i) a criança; (ii) a família; (iii) o educador/professor; (iv) a equipa; (v) a
metodologia utilizada em contexto de sala.
Assim, o colégio reconhece a criança como principal sujeito do processo educativo,
procurando promover a sua formação pessoal e social com base em experiências de vida
democrática numa perspetiva de educação para a cidadania. Contempla o processo
educativo como um ato dinâmico, interativo e continuado, onde os saberes da criança, a
sua cultura e vivências são o ponto de partida para a ação educativa. Defende ainda a
formação da criança como um ser que deve possuir e desenvolver raciocínio lógico e
espírito crítico, com o intuito de cada criança ser capaz de pesquisar, investigar, selecionar
informação, mobilizar saberes e conhecimentos, adotar metodologias personalizadas de
trabalho e estratégias adequadas à resolução de problemas e à tomada de decisões,
realizando estas atividades de forma autónoma, cooperante, responsável e criativa.
Defende ainda que a prática do ensino deve promover um processo de trabalho
cooperativo e um genuíno intercâmbio na sala de atividade/de aula, que pressupondo o
diálogo e a inerente negociação, concretize democraticamente, e de uma forma flexível,
todos os conteúdos (conhecimentos, procedimentos e atitudes). Desta forma, o
educador/professor deve procurar criar/facilitar as condições possíveis para implementar
um “clima” de sala cooperativo, empático e estimulador da autonomia, para que os alunos
estabeleçam as relações propiciadoras da sua maturação humana e social.
O colégio promove a participação das famílias, a escola aberta à comunidade, os
saberes e vivências da criança, como pontos de referência para a prática pedagógica dos
docentes. Defende assim, a importância de um contexto participativo e alicerçado em
parcerias, sustentado pela prática quotidiana do trabalho cooperativo. Privilegia assim, os
contatos informais, relacionais e a participação na vida escolar dos educandos.
Capítulo 5 - Contexto e Participantes do Estudo
______________________________________________________________________
119
O trabalho de equipa e os valores de vida democrática é outro dos princípios onde
fundamenta a prática, numa conceção de escola democrática, ancorada em atitudes e
valores como a autonomia e a responsabilidade individuais, a justiça e o respeito pela
diversidade a todos os níveis.
Para isto, assume que o educador de infância e o professor assumem o papel de
construtores e gestores do currículo, procurando ir ao encontro das diferentes
necessidades e interesses do grupo em colaboração alargada com os diferentes parceiros
educativos (pais/família/comunidade), num processo reflexivo de observação,
planeamento, ação e avaliação.
Especificamente, na creche e no jardim de infância - onde esta investigação foi
desenvolvida - assume-se como principal base as orientações do Ministério da Educação
e Ciência, especificamente as OCEPE, pondo em prática modelos curriculares e
princípios educativos preconizadas pelo Movimento da Escola Moderna (MEM), o
Modelo High/Scope e a Metodologia de Trabalho de Projeto. Assim, de acordo com o
trabalho de cada educadora, pretende-se tirar partido dos aspetos mais proficientes de
cada um destes modelos pedagógicos, de forma a ir de encontro aos interesses das
crianças no que diz respeito à sua aprendizagem e desenvolvimento, tendo por base os
objetivos educativos institucionais. Esta preocupação traduz-se no apetrechamento das
salas e adequação dos espaços; pelo facultar de experiências significativas adequadas aos
diferentes estádios de desenvolvimento (High/Scope), pelos instrumentos de trabalho
utilizados (quadro das presenças, quadro de atividades, quadro de tarefas, plano semanal,
lista de projetos e diário de turma) e, gestão democrática da vida em grupo (MEM) assim
como pelos projetos a desenvolver com o grupo de crianças (Pedagogia de Projeto).
No 1º ciclo do ensino básico e ao longo de quatro anos, preconiza-se que se deve
proporcionar ao aluno a aquisição e domínio dos saberes nas diversas áreas curriculares
lecionadas mas, também, o desenvolvimento global e harmonioso da sua personalidade,
bem como o desenvolvimento de valores, atitudes e práticas que contribuam para a
formação de cidadãos conscientes e participativos. Pretende-se, assim, o equilíbrio entre
o domínio do conhecimento académico e o domínio de valores, atitudes e capacidades.
Desta forma, esta visão concretiza-se como um projeto pedagógico global e
abrangente, enquadrado pelos objetivos gerais do ensino básico, delineados pelo
Ministério da Educação. O aluno é o centro das aprendizagens, que se querem
diversificadas e significativas, onde são contemplados os diferentes ritmos e as
Capítulo 5 - Contexto e Participantes do Estudo
______________________________________________________________________
120
necessidades individuais. Desta forma, o processo ensino-aprendizagem é uma atividade
articulada e conjunta entre os alunos e o educador/professor. Os princípios atrás
enunciados requerem, da parte do docente, a consideração de um conjunto de valores
profissionais que mobilizem estratégias e atitudes que permitam a cooperação e o sucesso
das aprendizagens dos alunos.
Algumas das metodologias usadas em sala de aula são: Trabalho de Projeto
(estruturação por projetos que permitam a aquisição e desenvolvimento dos objetivos
enunciados pelo Ministério de Educação e dentro do possível, determinados pelos
interesses e necessidades dos alunos) e ensino diferenciado na sala de aula (utilização de
estratégias de trabalho diferenciado na sala de aula com alunos que apresentam
dificuldades de aprendizagem).
Paralelamente o colégio pretende adotar uma linha pedagógica tendo por base o
construtivismo numa perspetiva de Educação para a Diversidade. Defende a importância
da formação contínua e o rigor científico, assim como a partilha de diferentes ideias e
saberes de forma a criar um currículo que fundamente a sua ação e que vá ao encontro
das necessidades das crianças, colocando ênfase no desenvolvimento de competências
essenciais de forma equilibrada.
5.1.3 Instalações
O Colégio Missão é composto pelas valências de creche, jardim de infância e 1º
ciclo do ensino básico, assim como pelo Centro de Atividades de Tempos Livres (CATL).
Está dividido em três espaços físicos, situados em duas freguesias diferentes do
concelho do Barreiro. O colégio iniciou a sua ação educativa com a valência de creche,
em 2005, tendo alargado para a valência de jardim de infância e CATL em 2010 e
ampliando para 1º ciclo, em 2015.
De seguida, serão focadas as instalações do jardim de infância, onde este estudo
foi posto em prática. Assim, esta valência recebe crianças com idades compreendidas
entre os 3 e os 6 anos, possuindo infraestruturas adequadas às necessidades do público-
alvo.
O jardim de infância situa-se num piso térreo, construído de raiz e possui alvará
para quatro salas de atividades para o pré-escolar. Para além destas salas existem ainda
diferentes espaços, nomeadamente:
Capítulo 5 - Contexto e Participantes do Estudo
______________________________________________________________________
121
(i) Cozinha; (ii) Casa de lixos; (iii) Sala de refrigeração - A cozinha
situa-se numa zona central, com acesso aos vestiários dos funcionários, à
sala de refrigeração, à casa dos lixos, à despensa e a uma das diferentes
portas de emergência existentes na instituição.
(iv) Despensa - onde se encontram arrumados os materiais
pedagógicos e de desgaste comuns e utilizados nas salas de atividade.
(v) Vestiário - Aqui podemos encontrar duas casas de banho de
adultos, equipadas com duche. É neste local que se situam os cacifos das
funcionárias.
(vi) Sala polivalente/refeitório - espaço pensado para a realização
de múltiplas atividades. Tem como principais funções a de refeitório e de
espaço destinado a atividades físicas (Motricidade, Judo, Ballet, Dança,
Criativa, Yoga e Patinagem).
(vii) Escritório/ Receção - situado à entrada da instituição, sendo
destinado ao atendimento de pais/familiares e ao trabalho administrativo.
É também servido por uma casa de banho de adultos que serve o público
em geral.
(viii) Quatro salas de pré-escolar - Todas as salas têm 50 m² e
capacidade para 25 crianças, com idades compreendidas entre os 3 e os 6
anos. As quatro salas estão distribuídas da seguinte forma:
- Duas salas de 3/4 anos;
- Uma sala de 4/5 anos;
- Uma sala de 5/6 anos;
Todas as salas têm acesso direto ao exterior. Existe também uma
porta corta-fogo e uma porta principal com acesso ao corredor central.
Todas possuem iluminação natural e artificial, tem pavimento radiante, o
que mantêm a temperatura ambiente estável;
De salientar que todos os materiais (mesas, cadeiras, paredes, chão,
etc…) são de material lavável e não tóxico.
(ix) Três casas de banho que servem as salas de pré-escolar - no
corredor central encontram-se duas casas de banho equipadas com loiças
ajustadas à estatura e faixa etária das crianças, que se destinam a servir as
três salas de atividades de pré-escolar. Estão equipadas com duche e
Capítulo 5 - Contexto e Participantes do Estudo
______________________________________________________________________
122
fraldário. Existe ainda uma casa de banho interna, numa das salas de 4/5
anos, que possui as mesmas características que as descritas anteriormente.
(x) Uma sala destinada a apoio psicopedagógico, assegurado por um
centro terapêutico-pedagógico;
(xi) Casa de máquinas - Este espaço é destinado apenas à caldeira de
aquecimento, que serve a instituição;
(xii) Espaço exterior com equipamentos infantis.
De referir que no hall da receção se encontram expostos todos os documentos
importantes referentes à instituição (alvará, certificado de desempenho energético, etc.).
5.1.4. Recursos humanos
A divisão do pessoal docente e auxiliar é realizada segundo a especialização de
cada um, tendo em conta as valências, o número de crianças, bem como algumas
necessidades pontuais que possam, eventualmente, surgir.
Quanto ao pessoal docente, a instituição dispõe de nove educadoras, colocadas em
cada uma das nove salas de creche e jardim-de-infância, três professoras de 1.º ciclo,
responsáveis pelas turmas de 1º, 2º e 3º anos e uma professora de 1º ciclo responsável
pelo CATL.
O pessoal auxiliar de ação educativa, está dividido pelas diferentes valências e pelo
CATL, segundo as necessidades de cada uma delas. A creche e o jardim de infância,
possuem uma auxiliar de ação educativa, afeta à sala, com exceção do berçário que possui
duas. Em ambas as valências existem professores especializados, que lecionam as
atividades curriculares e extracurriculares (inerentes a cada uma delas), são elas: Música,
Inglês, Motricidade, Natação, Ballet, Dança Criativa, Patinagem, Judo e Yoga.
No 1.º ciclo existem quatro auxiliares a prestar apoio durante os momentos de
recreio e almoço, bem como professores em coadjuvância nas áreas de Expressão e
Educação Musical, Expressão e Educação Físico-Motora, Inglês e TIC.
A instituição conta também com: (i) o serviço de cozinha/refeitório, realizado por
uma cozinheira e uma ajudante de cozinha; (ii) o serviço de manutenção e de limpeza que
efetuado por empresas externas; (iii) o serviço de transporte que é assegurado por duas
empresas, que trabalham em parceria com o colégio; (iv) o serviço de apoio
Capítulo 5 - Contexto e Participantes do Estudo
______________________________________________________________________
123
psicopedagógico, assegurado por um centro terapêutico-pedagógico que uma equipa
multidisciplinar, com o qual a instituição tem protocolo.
A direção administrativo-financeira é constituída pela proprietária. A direção
pedagógica da creche e jardim de infância encontra-se a cargo da educadora de infância
titular do grupo de 3 anos e a coordenação do 1º ciclo do ensino básico está entregue
encontra-se à professora titular do grupo de 2º ano.
5.1.5. Organização institucional
O colégio encontra-se organizado de acordo com as diretrizes instituídas pela
direção administrativa e financeira e constantes do regulamento interno, e com as
finalidades educativas estabelecidas em parceria por esta e pela direção pedagógica.
Encontra-se em funcionamento todos os dias do ano, com exceção dos feriados
nacionais e municipais, assegurando a permanência das crianças entre as 7h30 e as 19h30.
As equipas pedagógicas de sala, quer em creche, quer em jardim de infância são
compostas por uma educadora de infância e uma auxiliar de ação educativa. As
educadoras de creche seguem o seu grupo desde a idade de 1 ano até aos 3 anos, altura
em que os grupos prosseguem para o jardim de infância, iniciando o percurso com outra
educadora que os acompanha dos 3 aos 6 anos de idade. As auxiliares acompanham os
grupos dos 1-3 anos e dos 3-6 anos, no entanto encontram-se em regime de rotatividade,
podendo ser-lhes atribuída qualquer umas das valência.
No 1º ciclo, a professora titular acompanha o grupo do 1º ao 4º ano de escolaridade.
As auxiliares acompanham os grupos nos momentos não letivos e tempos livres.
O projeto aglutinador da instituição com a designação “Aprende a Criarte” tem a
duração de três anos letivos, sendo transversal e desenvolvido nas diversas áreas
curriculares de cada valência, de acordo com a planificação de cada educadora/professora.
Este projeto pretende que através da vivência de diferentes formas de arte, sejam
desenvolvidas competências fundamentais ao desenvolvimento integral de cada criança,
tendo em conta as diferentes áreas de conteúdo da Educação Pré-Escolar/disciplinas e
áreas curriculares do currículo nacional.
Em relação à organização pedagógica, existe uma calendarização anual,
organizada por trimestres, em que de acordo com o tema, se irão corelacionar as diferentes
formas de arte. Cada educadora/professora elabora o o projeto curricular para o seu grupo,
Capítulo 5 - Contexto e Participantes do Estudo
______________________________________________________________________
124
tendo em consideração, quer os temas definidos para cada ano letivo referente ao projeto
de escola, quer o projeto de sala que pretenda desenvolver, contextualizando e
relacionando ambos os projetos. Para a elaboração do seu projeto de sala, as docentes tem
ainda em consideração a idade/grupo de crianças e as áreas de conteúdo definidas pelas
OCEPE/ programas curriculares estipulados pelo Ministério da Educação e Ciência para
o 1ºciclo do ensino básico. Posteriormente, no caso das valências de creche e jardim de
infância, a organização pedagógica de cada sala traduz-se ainda por planificações
semanais realizadas pelas educadoras, com base no que foi anteriormente descrito.
Em relação a reuniões internas: (i) a direção reúne com todo o corpo docente e não
docente, no início de cada ano letivo e no final deste; (ii) a direção pedagógica reúne-se
com as equipas de educadoras/professoras de cada uma das valências, pontualmente e/ou
sempre que se justificar; (iii) a equipa de sala - educadora de infância e auxiliar de ação
educativa- reúnem-se de forma informal, para fazer o balanço do projeto, sempre que for
necessário.
Relativamente a reuniões de encarregados de educação, as educadoras reúnem-se
com os pais trimestralmente (setembro, janeiro e junho), existindo ainda a possibilidade
de marcação de reuniões individuais, em horário a determinar.
No que diz respeito à avaliação nas valências de creche e jardim de infância, esta
é realizada de forma diagnóstica no início do ano letivo, tendo em vista a caracterização
do grupo e de cada criança, necessidades, interesses e contextos familiares, assim como
no decorrer do ano letivo de forma formativa para permitir às educadoras, a
adequação/implementação de estratégias de diferenciação pedagógica, contribuindo para
a elaboração, adequação e reformulação do projeto curricular de sala e ainda para facilitar
a integração da criança no contexto educativo. Assim, os procedimentos de avaliação tem
em consideração a idade e as características de desenvolvimento das crianças, assim como
a articulação entre as diferentes áreas de conteúdo da educação pré-escolar. Esta avaliação
tem um carácter qualitativo, sendo entregue aos pais por escrito, trimestralmente (janeiro,
abril e junho).
Na valência de 1º ciclo, a avaliação incide sobre as aprendizagens e objetivos
definidos no currículo nacional para as diversas áreas disciplinares, expressas no projeto
curricular de escola e no projeto curricular de turma, por ano de escolaridade. A avaliação
tem uma vertente diagnóstica, formativa e sumativa, existindo testes de avaliação escrita,
em que esta é expressa de forma qualitativa. Os testes, assim como os materiais de apoio,
Capítulo 5 - Contexto e Participantes do Estudo
______________________________________________________________________
125
são apresentados em reunião de pais trimestral, no final de cada período. No final do ano
letivo, é ainda entregue uma avaliação escrita.
De seguida, será apresentado o organograma do colégio Missão.
Figura 8 - Organograma do Colégio “Missão”
5.2. O grupo de crianças
5.2.1. Contexto sociofamiliar
O sistema familiar é o primeiro agente de socialização no percurso da criança,
sendo marcante na construção da personalidade dos sujeitos educativos, assim como no
desenvolvimento de competências sociais, intelectuais e morais.
Tendo esta premissa em conta, de seguida serão sintetizados no quadro 3, os dados
sociofamiliares relativos ao grupo de crianças. Serão focados os seguintes aspetos: nível
socioeconómico, habilitações académicas/categoria profissional e número de irmãos.
Capítulo 5 - Contexto e Participantes do Estudo
______________________________________________________________________
126
Nome
da
criança
Nível
socioeconómico
Mãe Pai Nº de
filhos
por
casal
Habilitações
académicas
Categoria
profissional
Habilitações
académicas
Categoria
profissional
C. B. Médio 12º ano Administrativa 12º ano Gerente de loja 1
C. L. Médio-Alto Licenciatura Comerciante Licenciatura Comerciante 2*
D. F. Médio-Alto Licenciatura Professora
2ºciclo
Licenciatura Engenheiro 1
F. M. Médio-Alto Licenciatura Jurista Licenciatura Chefe de gráfica 1
F. P. Médio-Alto 12º ano Administrativa 12º ano Comerciante 2
G. R. Médio-Alto Licenciatura Técnica Superior
de Segurança e
Higiene do
Trabalho
Licenciatura Engenheiro 1
L. P. Médio-Alto Licenciatura Professora
1ºciclo
Licenciatura Diretor de
marketing
2
L. C. Médio-Alto Licenciatura Engenheira Licenciatura Engenheiro 2*
M. N. Alto Licenciatura Farmacêutica Licenciatura Diretor técnico
de farmácia
2*
M. S. Médio-Baixo 12º ano Administrativa 12º ano Técnico de
informática
2*
M. A. Médio-Baixo Licenciatura Educadora de
infância
12º ano Técnico de
mecânica
1
M. C. Médio-Alto Licenciatura Contabilista Licenciatura Engenheiro 1
M. J. Médio-Alto Licenciatura Gestora Licenciatura Engenheiro 2*
M. V. Alto Licenciatura Assistente de
bordo
Licenciatura Comissário de
bordo
1
M. C. Médio-Alto Licenciatura Farmacêutica 12º ano Técnico de
integração de
sistemas
2*
M. C. Médio-Alto 12º ano Delegada de
ação médica
12º ano Técnico de
manutenção de
equipamentos
1
M. M. Médio 12º ano Administrativa 12º ano Técnico de
mecânica
2*
R. Q. Médio-Baixo Licenciatura Jornalista Licenciatura Professor de
educação física
1
S. C. Médio 12º ano Gerente de loja 12º ano Técnico de
mecânica
1
T. S. Médio-Alto Licenciatura Diretora técnica Licenciatura Diretor técnico 3
T. C. Médio-Baixo 12º ano Bombeira
profissional
12º ano Bombeiro
profissional
1
Capítulo 5 - Contexto e Participantes do Estudo
______________________________________________________________________
127
T. C. Médio ____ Comerciante ____ Comerciante 2
T. R. Médio-Alto Licenciatura Técnica
imobiliária
Licenciatura Oficial da
Marinha
1
V. B. Médio-Alto Licenciatura Professora de
matemática
12º ano Vendedor 1
* Ambos a frequentar o colégio
Quadro 3 - Dados sociofamiliares do grupo
De seguida são apresentados os gráficos que ilustram os dados sociofamiliares
referidos anteriormente.
Gráfico 1 – Nível socioeconómico das famílias
Gráfico 2 – Habilitações académicas dos pais
17%
58%
17%
8%
Nivel socioeconómico das famílias
Nível médio Nivel médio-alto Nivel médio-baixo Nível alto
35%
61%
4%
Habilitações académicas dos pais
12º ano Licenciatura Sem indicação
Capítulo 5 - Contexto e Participantes do Estudo
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128
Gráfico 3 – Número de filhos por casal
Assim, a maioria das famílias (14) insere-se no nível socioeconómico médio-alto,
enquanto as restantes se enquadram no nível médio (4), médio-baixo (4) e alto (2).
Relativamente às habilitações académicas de ambos os pais, a maioria dos pais
(29) possui habilitações académicas com formação de nível superior, nomeadamente,
licenciatura, exercendo profissões cientificas e/ou intelectuais. Existem ainda alguns pais
com o ensino secundário completo - 12º ano (17), que exercem profissões de nível
intermédio, nomeadamente pessoal administrativo, técnico ou comerciantes de vários
ramos industriais. De referir que alguns pais (2) não identificaram as suas habilitações
académicas.
No que diz respeito ao número de filhos por agregado familiar existem casais com
um filho (13), com dois filhos (10) e com três filhos (1).
De salientar que todas as crianças do grupo, vivem com ambos os pais, em
habitação própria. Os pais tem idades compreendidas entre os 33 e os 48 anos de idade.
5.2.2. Caracterização do grupo
O grupo tem idades compreendidas entre os 4 e os 5 anos, sendo constituído por
24 crianças, em que 20 das crianças são de origem portuguesa, uma de origem romena,
uma de origem indiana, uma de origem brasileira e uma de origem chinesa.
54%42%
4%
Número de filhos por casal
1 filho 2 filhos 3 filhos
Capítulo 5 - Contexto e Participantes do Estudo
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129
É um grupo “heterogéneo”, do ponto de vista da idade cronológica. A grande
maioria das crianças completaram os 4 anos de idade, até ao final do ano civil de 2016,
com exceção de 5 crianças que realizaram 5 anos de idade.
A grande maioria do grupo da sala dos 4/5 anos já frequentava a mesma sala no
ano letivo anterior, existindo apenas duas crianças novas a ingressar. Estas estiveram em
fase de adaptação aos novos colegas, à nova sala e à equipa de sala. As restantes crianças
estiveram também em adaptação à nova educadora, à implementação de uma dinâmica
de sala/ grupo e às novas regras/rotinas da sala.
A constituição do grupo é descrita no quadro abaixo:
Quadro 4 – Constituição do grupo
Nome da criança Data de nascimento
C. B. 12/9/2011
C. L. 5/6/2012
D. F. 21/10/2012
F. M. 17/12/2011
F. P. 23/11/2011
G. R. 4/6/2012
L. P. 24/3/2012
L. C. 4/7/2012
M. N. 24/7/2012
M. S. 14/3/2012
M. A. 18/7/2011
M. C. 12/4/2012
M. J. 12/2/2012
M. V. 24/3/2012
M. C. 3/7/2012
M. C. 2/6/2012
M. M. 13/4/2012
R. Q. 28/2/2012
S. C. 21/6/2012
T. S. 28/2/2012
T. C. 17/9/2011
T. L. 6/4/2012
T. R. 27/8/2012
V. B. 25/3/2012
Capítulo 5 - Contexto e Participantes do Estudo
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130
Segundo as OCEPE, relativamente à área de conteúdo da formação pessoal e
social, as crianças reconhecem e aceitam as características individuais de cada colega,
sendo que todos se reconhecem/identificam como membros do grupo. Circulam
livremente pelas áreas da sala, brincando em pequeno e grande grupo, tendo noção das
diferentes áreas de atividade, número limite de crianças que podem estar em cada área e
do comportamento a ter em cada uma delas. Interagem facilmente em momentos de
brincadeira livre/jogos, esperando a sua vez para jogar e/ou falar.
Algumas crianças revelam preferências a nível das amizades, gostando de brincar
com os amigos de eleição, mas ainda demonstram muita relutância em partilhar objetos
com que brincam. Verifica-se ainda a existência de alguns sub-grupos.
O grupo revela evolução a nível da capacidade de autonomia, quer a nível da sua
independência pessoal (alimentação, gestão das suas preferências pessoais, arrumar,
vestir/despir/calçar peças simples de vestuário), quer a nível das tomadas de decisão a
nível individual/grupo.
Durante o ano letivo, consciencializaram-se das regras e dinâmicas de grupo/sala,
competências imprescindíveis para a tomada de consciência do outro e para a vida em
sociedade. Embora revelem bastante diversidade de comportamentos, quer no seu
relacionamento com os pares, quer no seu comportamento individual, o grupo revela no
geral, ser participativo nas tarefas que lhes são propostas. Demonstram ter capacidade de
concentração, para realização da grande das tarefas propostas durante a rotina educativa.
Na área de expressão e comunicação e a nível da educação física tem consciência
do seu corpo e um bom domínio deste, utilizando-o avidamente para explorar o meio
envolvente. Especificamente ao nível da motricidade fina, revelam ainda ser capazes de
manusear corretamente os mais diversos materiais (pincéis, marcadores, tesouras, lápis,
etc…) e da executar tarefas como grafismos simples, recorte ou pintura dentro do
contorno.
No domínio da educação artística demonstram estar a melhorar o sentido estético
ao nível das suas produções, especialmente no desenho da figura humana, que ser revela
agora mais estruturada e em alguns casos com recurso a pormenores. Demonstram
comportamentos de compreensão de jogo simbólico/dramático, reconhecem/identificam
vários instrumentos musicais, sendo capazes de reproduzir canções aprendidas com
facilidade. São ainda capazes de comunicar e de se expressarem através da dança.
Capítulo 5 - Contexto e Participantes do Estudo
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131
No subdomínio da linguagem oral e abordagem à escrita, são capazes de manter
um diálogo coerente, quer com os pares, quer com os adultos. Existem progressões
notórias ao nível do desenvolvimento linguístico, especialmente ao nível da consciência
fonológica. Em geral já reconhecem todas as vogais, em formato maiúsculo e minúsculo,
assim como as letras que compõem os seus nomes próprios. No domínio matemático, a
grande maioria já reconhece algarismos de 0 a 9, tendo interiorizado o sentido de número
nas suas 3 vertentes (contagem, reconhecimento e associação quantidade-número).
Na área de conhecimento do mundo, revelam ser crianças observadoras e curiosas
que gostam de experienciar atividades novas, que tem noção do meio que os rodeia e das
mudanças que nele vão ocorrendo. Em geral identificam vários países, associando-os aos
continentes de origem. Reconhecem ainda traços distintivos de várias culturas. Assim,
demonstram um bom conhecimento do mundo social, físico e natural.
Apesar da grande maioria das crianças do grupo terem idade cronológica
aproximada, verificam-se níveis de desenvolvimento e de maturidade diferenciados (em
cada período letivo, através das interações diárias e de observação participante, a
educadora recolhe dados, que se irão traduzir num gráfico circular, onde estão descritas
as competências expectáveis para cada idade em tabelas. O gráfico/tabelas foram
construídas no ano letivo 2016/2017, tendo como base uma compilação de
competências/aprendizagens a desenvolver, preconizadas nas OCEPE [2016]).
De salientar que o grupo foi acompanhado por outra educadora de infância,
durante três anos letivos (sala de 1, 2 e 3 anos). No ano letivo 2016/2017, a
educadora/investigadora assumiu o grupo, que manteve o acompanhamento da mesma
auxiliar de ação educativa.
5.2.3. O espaço educativo - sala dos 4 anos
A forma como o espaço físico está organizado vai determinar a maneira como as
crianças vão agir e construir o seu conhecimento. Sendo um fator determinante, o espaço
deve ser pensado tendo em conta as intencionalidades educativas e ir ao encontro dos
interesses e necessidades do grupo de crianças, pois será nele que vão passar grande parte
do seu tempo, a experienciar e a explorar. Assim, “num contexto de aprendizagem ativa
Capítulo 5 - Contexto e Participantes do Estudo
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132
as crianças necessitam de espaços que sejam planeados e equipados de forma a que essa
aprendizagem seja efetuada” (Hohmann e Weikart, 1995:161).
O espaço está equipado com materiais adequados à faixa etária, sendo que estes estão
ao alcance das crianças, para que estas possam interagir de forma espontânea e autónoma.
A sala situa-se em piso térreo, sendo ampla e tendo iluminação natural, através de
duas grandes janelas/ uma porta de vidro (que dá acesso ao recreio exterior).
A sala possui dois grandes móveis de arrumação, onde estão arrumados vários
materiais didáticos utilizados regularmente na sala. Possui ainda dois placards fixos e
também um placard no exterior da sala, que tem o mesmo objetivo – afixar os trabalhos
realizados. Possui ainda um lavatório e dispensador de papel, para apoio às atividades
realizadas em sala.
O espaço encontra-se organizado por áreas de atividade, que estão identificadas com
o nome em letra de imprensa maiúscula, imagens reais e o número de crianças que nela
podem estar (com o algarismo e respetiva quantidade). Nelas, “papéis sociais, relações
interpessoais, estilos de interação – que constituem a textura social básica – são vividos,
experienciados, perspetivados nas experiências que cada área específica permite, nas
naturais saídas de uma área e entrada noutra que o desenrolar do jogo educacional vai
requerendo (…) um amplo espaço educacional desta natureza torna-se condição
necessária, ainda que não suficiente, para que a aprendizagem ativa que nele emerge seja
um suporte das aprendizagens curriculares” (Oliveira-Formosinho, 2013: 84).
De seguida serão descritas as áreas de atividade (Anexo 5- planta da sala dos 4 anos), são elas:
Arca das trapalhadas: Nesta área existe uma arca com vários
fatos, objetos de faz de conta e ainda espelhos. Aqui podem
brincar duas crianças de cada vez;
Área da cozinha: Equipada com uma cozinha de madeira, uma
mesa com quatro cadeiras, uma cama, e caixas para arrumação
dos vários materiais desta área (bebés, alimentos, copos, etc.).
Aqui podem estar quatro crianças;
Área do tapete: Delimitada por um móvel de gavetas, onde
estão dispostos/ arrumados os materiais de expressão plástica.
Aqui existe um cesto com animais e vários fantoches onde
podem estar seis crianças. Neste local as crianças podem ainda
brincar com os brinquedos que trazem de casa;
Capítulo 5 - Contexto e Participantes do Estudo
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133
Área dos jogos: Possui um móvel rotativo com 3 prateleiras,
onde estão arrumados vários tipos de jogos (segundo um código
de formas/cores), que o grupo pode jogar nas duas mesas
designadas para este efeito e onde podem estar quatro crianças
de cada vez;
Cabana das histórias: Constituída por uma cabana triangular,
que possui almofadas, onde as crianças podem entrar e sentar-
se a explorar os livros, que se encontram arrumados no móvel
rotativo de apoio, com 3 prateleiras que se encontra ao lado
desta (os livros encontram-se etiquetados com um código de
cores). Nesta área podem estar duas crianças de cada vez;
Área da garagem: Delimitada por um tapete com orientações
rodoviárias, possui uma caixa de arrumação com comboios,
carros, pistas de madeira e uma garagem. Aqui podem estar três
crianças;
Área da pintura: Local onde existe um cavalete ambivalente,
que possibilita pintura ou registo em quadro de
ardósia/marcador. Aqui pode estar uma criança de cada vez;
Área do recorte: Nesta área, composta por uma mesa e
respetivas cadeiras, encontram-se tesouras, colas, e uma caixa
com vários tipos de papel (revista, jornais, panfletos, papel
crepe, papel seda, pedaços de cartolinas, etc.). Aqui podem
estar duas crianças;
Área das construções: Delimitada por um móvel de prateleiras,
onde se encontram arrumados os jogos de lego/construções e
por um tapete. Nesta área podem estar três crianças em
simultâneo;
Cantinho das culturas: Constituído por uma pequena mesa e
duas cadeiras, onde são expostos os objetos enviados pelas
referentes às culturas exploradas. Estes objetos serão
recolhidos pelas crianças/pais/equipa de sala, conforme o que
achem pertinente, para as culturas em questão. As crianças
podem explorar os objetos em grupos de dois;
Capítulo 5 - Contexto e Participantes do Estudo
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134
Existem ainda mais três mesas e várias cadeiras, que servem de apoio às atividades
de sala, onde existem duas áreas distintas e orientadas para diferentes expressões:
Área do desenho: Todos os materiais de desenho encontram-se num
móvel de apoio com gavetas e aqui podem estar duas crianças de cada
vez;
Cantinho do ABC: Nesta área encontramos vários jogos com/sobre as
vogais/abecedário. Aqui podem estar duas crianças. Esta área tem
como apoio um móvel de prateleiras, onde estão arrumados materiais
didáticos referentes a esta área;
Na educação de infância, a “dimensão relacional constitui a base do processo
educativo” (Silva et al, 2016:24). Tendo esta premissa em atenção, o espaço encontra-se
organizado de forma a possibilitar “múltiplas formas de relações recíprocas” (Ibidem,
p.28). As dinâmicas de interação estabelecidas na sala pretendem potenciar um clima de
apoio e cooperação entre crianças, crianças e adultos e entre adultos e pretendem
promover o sentimento de pertença ao grupo, assim como o respeito pelas características
e opiniões de cada um.
As regras estabelecidas no início do ano letivo foram realizadas em grande grupo,
sendo aceites e compreendidas por todas as crianças, pois estas “adquirem maior força e
sentido se todo o grupo participar na sua elaboração” (Ibidem, p.25).
5.2.4. Rotina diária
“A sucessão de cada dia, as manhãs e as tardes têm um determinado ritmo,
existindo, deste modo, uma rotina que é pedagógica porque é intencionalmente planeada
pelo/a educador/a e porque é conhecida pelas crianças, que sabem o que podem fazer nos
vários momentos e prever a sua sucessão (…)” de acordo com Silva et al (2016: 27).
Assim, uma rotina corresponde a vários momentos que se repetem com uma certa
frequência, tendo uma organização diária e/ou semanal, mas sendo também flexíveis, para
atender às necessidades e interesses do grupo, mas também para respeitar o ritmo de cada
criança.
Capítulo 5 - Contexto e Participantes do Estudo
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135
A planificação semanal realizada pela educadora contempla estes momentos, para que
possam ser previstos pelas crianças e para que sejam em simultâneo estruturados,
flexíveis e com a participação ativa do grupo.
No quadro abaixo estão descritas - de forma geral - as rotinas diárias da sala:
Quadro 5 – Rotinas diárias
Nesta rotina estão contempladas as cargas horárias das atividades curriculares
realizadas pelo grupo. São elas: Inglês (3 horas - 2 blocos de 1h30); Motricidade (45
minutos); Música (45 minutos).
Existem ainda atividades extracurriculares (natação, judo, dança, ballet, patinagem e
yoga), cada uma com a duração de 45 minutos. Todas são lecionadas pelos respetivos
docentes dentro do espaço da instituição, com exceção da natação, realizada no exterior
(Piscina do Barreiro).
Horários Rotinas
7h30 - 9h - Acolhimento
9h - 9h20
- Roda (momento de grande grupo)
Cantar o “Bom dia”
Marcar o tempo
Determinar a/o chefe do dia
Diálogo em grupo
9h20 - 11h30 - Realização de atividades pedagógicas/curriculares
- Lanche da manhã
11h30 - 11h50 - Marcar as presenças
11h50 - 12h - Higiene
12h - 12h45 - Almoço / Higiene
12h45 - 14h - Brincadeira livre nas áreas da sala/exterior
14h - 15h30 - Continuação das atividades pedagógicas/curriculares
- Realização de atividades extracurriculares
15h30 - 16h - Lanche/ Higiene
16h - 17h30 - Conclusão das atividades pedagógicas
- Realização de atividades extracurriculares
17h30 - 19h30 - Regresso à família
Capítulo 5 - Contexto e Participantes do Estudo
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136
A rotina educativa da sala dos 4 anos é baseada nos princípios orientadores do
modelo curricular High/Scope, especificamente no que diz respeito à autonomia
intelectual da criança, à organização do espaço e ao envolvimento das famílias no
processo de ensino-aprendizagem das crianças.
Deste modo, seguindo os princípios centrais do currículo pré-escolar High/Scope,
pretende-se fomentar um clima de aprendizagem pela ação, onde as crianças vão agir
sobre o ambiente físico, para construírem o seu próprio conhecimento. Assim, inseridos
num ambiente de aprendizagem apelativo - através de uma seleção de materiais
adequados e criação de áreas de atividade com interesses específicos (desenho, jogo
simbólico, etc…) identificadas com imagens reais, algarismos, quantidade e código
escrito - que as crianças possam “ler”, de forma a fomentar um clima de autonomia
pessoal, estimulando também a sua autonomia intelectual, tendo em atenção as
experiências-chave contempladas neste modelo (Hohmann e Weikart, 1995).
São também aplicados alguns princípios da organização da rotina diária,
nomeadamente o tempo de grande grupo, essencial para troca de experiências comuns e
criação de sentido de pertença a um grupo. Privilegia-se também a colaboração/clima de
apoio entre adultos para promover a aprendizagem ativa e também uma transição suave
escola-família, sendo o envolvimento das famílias essencial no desenvolvimento das
crianças e na vida escolar destas.
Pretende-se que através das premissas do modelo, se contribua para a aquisição
de competências e de variadas aprendizagens, facilitando a assimilação e sistematização
dos conteúdos e promovendo a colaboração de adultos e crianças na recolha e tratamento
de informação a utilizar, potenciando assim a capacidade de iniciativa, trabalho em equipa
e espírito critico.
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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137
CAPÍTULO 6
PLANO E DESENVOLVIMENTO DA INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA
Tal como foi explanado na 1ª parte deste estudo, na atualidade o ensino deve
preconizar-se como uma ‘educação de todos e para todos’, que promova a unidade, o
diálogo entre culturas e a aceitação da diversidade, em todas as suas vertentes, cultural,
linguística, religiosa, etc. Assim, tal como referido nas OCEPE (2016), é crucial
promover a educação para a cidadania desde o ensino pré-escolar. Neste estudo, a
literatura infantil foi a estratégia utilizada para fomentar o desenvolvimento de
competência intercultural num grupo de 24 crianças, com idades compreendidas entre os
4-5 anos, em contexto de jardim de infância, através de um projeto pedagógico
implementado durante o ano letivo 2016/2017.
Desta forma, numa ótica de expansão de horizontes, de competências e de
aprendizagens, a implementação deste projeto focou-se em histórias multiculturais, que
ilustram elementos de diversidade de várias culturas existentes no mundo. Assim,
associaram-se as histórias escolhidas, às divisões por continentes que constituem o mundo
(Europa, África, América do Norte/Sul e Ásia), estando o projeto organizado por blocos
de intervenção distintos, onde foram abordadas diferentes áreas e/ou temas sociopolíticos
atuais. A organização geral dos blocos de intervenção encontra-se esquematizada abaixo,
no quadro 6.
Bloco de
intervenção
História
explorada
Conteúdos/
temas
Participação
das famílias *
A
O nabo gigante
- Diversidade cultural e
linguística;
-Gastronomia típica
europeia;
-Arte e património;
- Exploração de histórias na sua
língua materna (russa e romena);
- Exploração de vocabulário novo;
- Partilha de objetos oriundos das
culturas exploradas;
- Utilização culinária dos legumes
cultivados e partilha dos registos
fotográficos;
- Elaboração de um livro de receitas
do mundo, através de uma recolha
conjunta;
B
A surpresa
de Handa
- Diversidade cultural e
linguística;
- Músicas/ danças
tradicionais africanas;
- Arte africana;
- Partilha de objetos oriundos das
culturas exploradas;
- Recolha de materiais recicláveis;
- Pesquisa de imagens relacionadas
com as temáticas exploradas;
- Participação numa coreografia que
reproduziu danças do mundo;
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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138
* O projeto “Conta-me um conto com…”, realizado em parceria com os pais, foi transversal a todos os
blocos de intervenção.
Quadro 6 - Organização Geral dos Blocos de Intervenção
A organização implementada (Anexo 2 - Organização curricular por histórias) foi elaborada de
acordo com as áreas de conteúdo da educação pré-escolar, sendo flexível, ou seja, foi
alterada no decorrer do projeto, com atividades surgidas da exploração das histórias,
propostas quer pela educadora, quer pelas crianças. De salientar que algumas atividades
foram realizadas em parceria com os pais. Surgem também alguns momentos onde é
focada a metodologia de trabalho de projeto, que desponta de interesses específicos
demonstrados pelo grupo e aos quais será dada continuidade.
Como objetivos gerais podem salientar-se:
Fomentar o respeito pela diversidade, a todos os níveis;
Desenvolver a consciência de si, do outro e de si na relação com os outros;
Promover comportamentos positivos face às diferenças;
Fomentar o desenvolvimento de competência intercultural nas crianças;
Promover a participação familiar ativa no processo educativo;
C
As cores
de Mateus
- Diversidade cultural;
- Racismo;
- Adoção;
- Recolha de receitas e músicas para
o teatro realizado;
- Partilha de objetos oriundos das
culturas exploradas;
- Recolha de palavras relacionadas
com a interculturalidade;
D
Dançar nas
nuvens
- Diversidade cultural;
- Migração;
- Exploração de uma lenda
tradicional brasileira por uma nativa;
- Exploração de vocabulário novo;
- Desenvolvimento de atividades
relacionadas com a lenda, em
contexto de sala;
- Partilha de elementos
gastronómicos típicos do Brasil;
- Recolha de histórias que explorem a
perspetiva intercultural;
- Partilha de objetos oriundos das
culturas exploradas;
- Recolha de instrumentos musicais;
E
Lili e o
jardim da Índia
- Diversidade cultural e
religiosa;
- Tradições religiosas
do Hinduísmo;
- Recolha de receitas típicas da Índia;
- Partilha de objetos oriundos das
culturas exploradas;
- Elaboração da caracterização das
crianças para o ‘Dia da Índia’;
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
______________________________________________________________________
139
No âmbito do projeto, foram estabelecidos objetivos específicos, tendo em conta
as áreas e/ou temas, explorados em cada um dos blocos de intervenção.
De seguida será esquematizado e descrito, todo o plano, assim como o
desenvolvimento da intervenção pedagógica.
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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140
Projeto de intervenção
“Volta ao mundo das histórias: descobertas interculturais”
Bloco de
intervenção
Organização
por histórias
Objetivos
específicos
Conteúdos/
temas
Atividades
realizadas A
Continente
explorado:
Europa
História I:
‘O nabo gigante’ 1
Motivação:
A partir da
exploração e
posterior reconto da
história é explicado
às crianças que a
história tem origem
russa e é
apresentada a
personagem de
feltro com o nome
‘Oleg’.
A educadora lança
algumas questões
de partida:
- Qual acham que é
o país onde nasceu o
Oleg?
- Que língua fala?
- Quais as
semelhanças do seu
aspeto físico em
relação às crianças
portuguesas?
Existem diferenças?
Organização:
A partir daqui, foi
realizado um
diálogo em grupo,
de onde
posteriormente,
surgiram atividades
pedagógicas
propostas, quer pela
educadora, quer
pelas crianças.
Estas foram
organizadas com
base nas áreas de
conteúdo,
preconizadas para a
educação pré-
escolar e
esquematizadas na
organização
- Consciencialização
da importância das
várias línguas;
- Familiarização
com outros
reportórios
linguísticos;
- Aquisição e
mobilização de
vocabulário novo;
- Consciencialização
de outras culturas e
suas tradições;
- Diversidade
cultural e
linguística;
-Gastronomia
típica
europeia;
-Arte e
património;
Semana 1
Sessão a) Exploração
da história pela
educadora/objetos
enviados pelas
famílias; Realização
de sequências de
tamanho com as
matrioskas;
Sessão b) História
tradicional russa,
exploradas e
traduzida por uma
falante nativa;
Sessão c)
Correspondência oral
de algumas palavras
português-russo;
Trabalho de
projeto*
Sessão d) Escrita da
palavra 'nabo' em
russo;3
Sessão e) Plantação
de legumes presentes
na história (nabos e
cenouras);
Sessão f) Identificação das
quatro formas
geométricas
principais/
Construção da casa
da história, com
formas geométricas;
Semana 2
Sessão g) Pesquisa e
observação de
imagens digitais
sobre a Roménia, e
diálogo acerca da
língua falada no país,
capital, artesanato e
monumento típico;
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
______________________________________________________________________
141
Quadro 7 - Organização do Bloco de Intervenção A
_____________________________________________________________________
1 (Anexo 1 – Histórias utilizadas no projeto de intervenção)
2 (Anexo 2 - Organização curricular por histórias)
3 (Anexo 3 – Trabalhos realizados pelas crianças no âmbito do projeto)
curricular por
histórias; 2
Sessão h) Artesanato
romeno: ovos
pintados;3
Sessão i) História
tradicional romena,
traduzida por uma
mãe (falante nativa);
Sessão j) Cozinhar
'Ciorba de legume'
(receita romena típica
dada pela mãe);
Correspondência oral
de algumas palavras
português-romeno
(legumes utilizados);
Sessão k) Formação
de formas
geométricas em
grupos/com o corpo;
Sessão l)
Composição
geométrica do
Castelo de Bran
(monumento
romeno); 3
Semana 3
Sessão m) Pesquisa e
observação de
imagens digitais
sobre Itália, e diálogo
acerca da língua
falada no país,
capital, arte,
monumentos e
gastronomia típica/
Correspondência oral
de algumas palavras
português-italiano
surgidas do interesse
das crianças;
Sessão n) Cozinhar
'Pannacota’ (doce
típico italiano);
Sessão o) Impressão
artística da pintura
'Mona Lisa' de
Leonardo DaVinci; 3
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
______________________________________________________________________
142
Nota: Em simultâneo com estas atividades, foram ainda lançados dois projetos que
decorrem ao longo do ano letivo 2016/2017. Ambos se realizaram em parceria com os
pais (foram combinados previamente com as famílias, em contexto de reunião de pais),
são eles:
(i) “Conta-me um conto com…”: Este projeto funcionou em paralelo com o
desenvolvimento do projeto de intervenção.
O projeto girava em torno de 6 figuras em feltro (Anexo 3 - Trabalhos realizados pelas
crianças no âmbito do projeto) - correspondentes a 6 culturas, existentes nos 6
continentes, sendo que cada figura correspondia a uma cultura existente em
cada um dos continentes (ex: Europa - Oleg, o russo). Cada figura
acompanhava a criança/família durante uma semana e enquanto o continente
era explorado em sala (através da história), o projeto desenvolvia-se no mesmo
continente, mas em contexto familiar. Cada família participava criando uma
história, tendo como base o continente explorado em contexto de sala. A
exploração da história enviada pelas famílias foi realizada semanalmente, em
grande grupo.
No final do ano letivo, a pedido de alguns pais, a educadora digitalizou todas
as histórias e enviou-as às famílias, em formato digital. O objetivo deste
projeto era promover a inclusão das famílias no projeto, através da criação de
histórias que focassem a diversidade cultural.
(ii) “Livro de receitas do mundo” - Os pais recolheram e enviaram as receitas para
a educadora, que as compilou e elaborou um livro de receitas. No final do ano
letivo cada família recebeu um livro. Com este projeto pretendeu promover-
se a participação dos pais no processo educativo, através das suas escolhas
pessoais no ramo gastronómico.
Descrição das atividades realizadas
Semana 1
Sessão a) A sessão iniciou-se quando a educadora colocou algumas questões: Qual o país
onde cada um nasceu? Qual o país onde moram? Verificou-se que todos haviam nascido
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
______________________________________________________________________
143
e moravam no mesmo país, em Portugal, embora tenha sido referido que alguns pais
tinham nascido noutros países.
A educadora propôs então às crianças ouvirem a história ‘O nabo gigante’, um
conto tradicional da Rússia, um dos países que pertence ao continente europeu, tal como
Portugal, indicando o continente em ambos os mapas do mundo afixados na sala, assim
como no globo existente. Após ouvirem, foi proposto que realizassem o reconto da
história.
De seguida, a educadora apresentou a personagem de feltro com o nome de ‘Oleg’,
que passou por todas as crianças, para que estas o observassem. A educadora referiu que
o Oleg era um menino que morava no mesmo país de onde vinha a história ouvida e
questionou: Em que país acham que nasceu? Após ouvir a resposta, perguntou ainda: Que
língua fala? Quais as semelhanças do seu aspeto físico em relação às crianças
portuguesas, em relação a vocês? Existem diferenças? Após, o grupo expôs o seu ponto
da vista, com alguma mediação por parte da educadora, para levar as crianças a focarem
os pontos-chave das perguntas relativos à interculturalidade. Quando terminaram o
diálogo, a educadora perguntou quem tinha trazido materiais enviados pelos pais, sendo
estes materiais eram referentes à Rússia. Após receber os materiais, explicou no que
consistiam: imagens dos livros, matrioskas e qual a sua origem, tendo estes sido
observados pelo grupo, de forma individual.
A partir desta exploração das matrioskas, surgiu uma atividade onde foram
realizadas sequências de tamanho (pequeno, médio e grande), inicialmente com as
matrioskas e posteriormente, através das alturas das crianças. Em ambos os casos, as
crianças, divididas em grupos de 3, tiveram que proceder a uma organização de acordo
com os critérios de organização e tamanho, fornecidos pela educadora.
Sessão b) e c) Após as crianças estarem sentadas na área do tapete, a educadora explicou
que iriam ter uma visita da Rússia, a Eugénia, uma amiga da e mãe do J., colega que
frequentava agora o 1º ciclo. Explicou que a Eugénia tinha nascido na Rússia e vinha
contar a história ‘O nabo gigante’ mas em russo, tal como a ouvia (e de acordo com a
tradição oral) quando tinha a idade do grupo.
A Eugénia entrou na sala, apresentou-se e sentou-se de frente para o grupo,
segurando o livro da história, em português. Contou a histórias por trechos, falando
primeiro em português e posteriormente fazendo a tradução do texto para russo. Quando
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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144
terminou a história a Eugénia - juntamente com a educadora - questionou as crianças
acerca da língua russa, das diferenças que se tinham apercebido entre a língua portuguesa
e a russa e acerca das semelhanças e diferenças entre ambas as versões da história.
As crianças demonstraram interesse em aprender algumas das palavras presentes
na história, na língua russa, nomeadamente nabo (repka) e casa (dom), entre outras. A
Eugénia traduziu as palavras escolhidas e repetiu-as várias vezes, soletrando-as, para que
as crianças as conseguissem repetir e assimilá-las. No final, ensinou ainda as saudações
em russo: olá (priviet) e adeus (paka). A educadora pediu então que à Eugénia que regista-
se a tradução das palavras em papel, para utilizar posteriormente.
Sessão d) Trabalho de projeto*
Decorrente da sessão anterior, o grupo em geral solicitou realizar um trabalho em
que pudessem aprender a escrever ‘nabo’ em português e posteriormente em russo, como
a Eugénia tinha explicado. Dando continuidade ao interesse do grupo e de acordo com a
metodologia do trabalho de projeto, a educadora questionou as crianças e esquematizou
os seus interesses no quadro 8.
Quadro 8 - Trabalho de Projeto A
Para iniciar a atividade, a educadora escreveu a palavra ‘nabo’ no quadro de
ardósia e pediu ao grupo que identificasse as letras que constituíam a palavra. De seguida
as crianças copiaram a palavra para uma folha de registo (elaborada pela educadora), com
Trabalho de
projeto
O que sabemos? O que
queremos
saber?
Onde vamos
pesquisar?
O que
queremos
fazer? Correspondência
oral e escrita de
palavras
português - russo;
- Conhecemos uma
pessoa que veio da
Rússia;
- Sabemos a língua
(russo) e qual é a
bandeira da Rússia;
- Sabemos dizer nabo
e casa em russo;
- Também sabemos
dizer paka que é
adeus;
- E que priviet é dizer
olá;
- A Rússia é o país
maior do mundo todo;
- Como
escrevem na
Rússia?
- Como se
escreve nabo
em russo?
- Quais são as
letras da
palavra repka?
- No computador
azul da Ariana ou
no computador da
escola;
- Perguntamos à
mãe do teu menino,
à Eugénia;
- Podemos
perguntar aos pais
para ver se alguém
sabe;
- Aprender a
palavra nabo
em russo;
- A escrever
russo com as
letras deles;
- Quero saber as
letras da
Rússia;
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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145
uma tabela simples, correspondendo uma letra a cada espaço desta. Escreveu ainda no
quadro, a palavra ‘repka’, que corresponde à tradução para russo da palavra portuguesa
‘nabo’. A cada criança foi dado um pedaço de papel com as cinco letras baralhadas, que
tinham que recortar e colar pela ordem correta numa segunda tabela, impressa na mesma
folha. Finalmente foi utilizado um carimbo com o sinal de ‘=’, que cada um carimbou
entre as duas palavras, verificando a sua igualdade, em duas línguas diferentes.
Sessão e) À semelhança do que aconteceu na história ‘O nabo gigante’, a educadora
propôs a plantação de alguns dos legumes que figuravam na história, nomeadamente
cenouras e nabos. Em grande grupo, todos se dirigiram ao exterior, onde se sentaram em
meia-lua.
Posteriormente deu-se seguimento à atividade, uma a uma, as crianças foram-se
dirigindo aos canteiros da horta - situada em frente à sala - em que cada um plantou um
legume à escolha, furando a terra com o polegar, colocando o rebento correspondente e
tapando o buraco com terra. No final, o chefe do dia regou os canteiros e a educadora
identificou os canteiros com pequenas placas que referiam o que cada um deles tinha
plantado. Foi combinado em grupo que, de dois em dois dias, o chefe do dia iria regar os
canteiros, para assegurar a manutenção e o crescimento dos legumes.
Nota: A plantação foi realizada em outubro e após seis meses (no mês de março), os nabos
e as cenouras foram colhidos e realizada uma seriação. Verificou-se que todos os legumes
tinham crescido em versão ‘baby’. Em pequenos grupos, as crianças estiveram a
classificar os legumes de acordo com critérios de tamanho (pequeno, grande e médio).
Após a educadora explicou que os legumes iriam ser divididos (dois para cada criança) e
que cada um deveria realizar um cozinhado com esses mesmos legumes, tendo os pais
que fotografar e enviar as fotos para o e-mail da educadora, para que todos pudessem ver
o cada um tinha realizado em sua casa. A educadora enviou também a informação para
os pais.
Sessão f) Na área do tapete foi realizado um jogo em grupo, com a utilização dos blocos
lógicos, material que fomenta noções matemáticas na área das formas geométricas, sendo
constituído por peças com características específicas: (i) forma (quadrado, círculo,
triangulo e retângulo); (ii) cor (azul, amarelo e vermelho); (iii) tamanho (pequeno, médio
e grande); (iv) espessura (grosso e fino).
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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146
Após um jogo de identificação de cada forma geométrica (cada um tinha que
identificar a forma que a educadora apontava), foi realizado um jogo onde figuravam as
características dos blocos lógicos em que cada criança teria que recolher uma peça com
os critérios pedidos pela educadora (ex: uma peça quadrada, azul, pequena e fina).
Individualmente, todas as crianças realizaram a atividade, até não restarem mais peças
para recolher.
De seguida foi proposta uma atividade pela educadora. Mostrou algumas formas
recortadas em cartolina: um quadrado, um triângulo, um retângulo e dois círculos,
colocando ao seu lado, a imagem da casa da história. Salientou que as peças serviam para
construir uma nova casa para a velhinha e o velhinho da história. Individualmente ou em
pequeno grupo, as crianças tentaram montar a casa, sendo bem-sucedidas na grande
maioria dos casos, sendo os restantes ajudados pelos colegas. Quando todos
experimentaram, a educadora explicou que todos poderiam voltar a tentar, pois iriam
realizar a atividade de forma individual. Assim todos teriam o conjunto de formas
mencionado, sendo que deveriam recortá-lo e montar a casinha à semelhança do que tinha
sido realizado em grande grupo.
Semana 2
Sessão g) Após uma votação positiva em grupo, ficou determinado que iámos ‘viajar’ até
à Roménia, para novas descobertas. Assim, em grupo todos se dirigiram à sala do
computador, onde a educadora assumiu o papel de mediadora, pesquisando as sugestões
das crianças e orientando-as para alguns tópicos importantes a procurar (comida
tradicional, tradições, etc.). À medida que os tópicos iam sendo pesquisados, dialogaram
acerca das imagens observadas e das conceções das crianças. As crianças estabeleceram
pontos de igualdade e diferença entre as culturas, referindo que a língua romena era mais
parecida com a russa, do que com a portuguesa, e que todos roupas típicas diferentes do
normal, coloridas e ‘engraçadas’.
As pesquisas continuaram, sendo que a educadora pediu às crianças para
escolherem um tipo de artesanato e um monumento para explorarem, de todos os que
haviam observado. Assim, foi feita uma votação em grupo, sendo que a esmagadora
maioria das escolhas recaíram no artesanato típico de alguns países de leste, muito
popular na Roménia: os ovos pintados. A educadora explicou às crianças que as pessoas
pintavam os ovos em casa e depois os ofereciam umas às outras na Páscoa, sendo muito
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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conhecidos e comuns no país. O monumento escolhido na votação foi o Castelo de Bran,
que suscitou o interesse do grupo, quando a educadora esclareceu que era um castelo
famoso por ser conhecido como o castelo do Drácula.
Sessão h) Posteriormente, no tapete, dando seguimento ao tema, a educadora mostrou os
materiais referentes à Roménia, que haviam sido enviados pelos pais da C. e do T.: ovos
pintados. Os ovos passaram por todo o grupo, para os poderem observar atempadamente.
Quando terminaram, a educadora mostrou vários desenhos de ovos em branco com vários
motivos diferentes e estabeleceu um paralelismo entre estes e os ovos trazidos pelas
crianças. Iniciou-se, então, um diálogo acerca das opiniões das crianças sobre o assunto,
tendo algumas delas dado a sua opinião estética acerca dos ovos pintados.
A educadora propôs ao grupo, a pintura dos desenhos dos ovos, para criação de
novos ovos romenos. Baseados nos ovos romenos trazidos e nas imagens observadas
anteriormente no computador, como um referencial de arte para basearem a sua criação,
cada um ia criar um novo ovo. Cada criança escolheu a sua imagem favorita, para colorir
livremente, com diferentes materiais de pintura (lápis de cor, marcadores, etc.).
Sessão i) Após as crianças estarem sentadas na área do tapete, a educadora explicou que
iriam ter uma nova visita, mas desta vez da Roménia. A Alexandra, mãe da C., entrou e
sentou-se em frente ao grupo, com um livro de histórias em romeno, que mostrou ao
grupo. Baseados nas imagens, todos adivinharam ser “O capuchinho vermelho”, tendo a
Alexandra explicado que em romeno se diz ‘Scufita Rosie’. Assim, seguindo a história
pelo livro, contou-a por trechos, falando primeiro em português e posteriormente fazendo
a tradução para romeno. Quando terminou a história, questionou o grupo se tinham
entendido a mesma e a M.V. sugeriu o reconto da história. As crianças foram realizando
o reconto e a Alexandra ia repetindo algumas palavras que estes diziam, em romeno.
As crianças demonstraram depois interesse em saber algumas das palavras que
também perguntaram à Eugénia, numa sessão anterior. A Alexandra traduziu então as
palavras pedidas, foram elas: nabo (ridiche), cenoura (morcov), feijão verde (fasole
verde) e batata (cardof). A Alexandra dizia as palavras e as crianças repetiam logo de
seguida. A educadora pediu à Alexandra que regista-se a tradução das palavras em papel.
Após, em conversa com a Alexandra, surgiu a ideia de questionar as crianças
acerca dos legumes e se conheciam alguma comida que se pudesse fazer com os legumes
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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148
acerca dos quais tinham conversado. Foram referidos alguns pratos, nomeadamente sopa,
e por isso a Alexandra perguntou se gostariam de provar uma sopa romena, chamada
'Ciorba de legume', uma receita típica e que ela gostava muito.
Então, a educadora lançou a atividade e propôs fazerem uma sopa romena. A
Alexandra disse que não podia ficar, mas explicou a receita e deu alguns conselhos para
a confeção da sopa.
No dia seguinte, o grupo dirigiu-se ao refeitório, onde estavam já os utensílios e
ingredientes necessários à confeção da sopa. Todos ajudaram, partindo alguns legumes à
mão e juntando tudo na panela. Após terminarem esta fase, colocou-se a água e o sal, a
auxiliar levou a panela para a cozinha e colocou-a ao lume. Quando a sopa estava cozida,
todas as crianças foram até à cozinha ver o resultado final e terminou-se a confeção com
a colocação de um pouco de sumo de limão dentro de cada sopa, pois a Alexandra havia
explicado que na Roménia, esta sopa tem um sabor acre, muito forte que a caracteriza.
Cada criança espremeu um pouco de sumo de limão para dentro da sua sopa, que já havia
sido colocada em tupperwares (enviados previamente pelos pais) e foi levada para casa
pelas crianças, para partilha com as famílias.
Sessão k) Na área do tapete, o grupo esteve a observar imagens reais do castelo de Bran,
e juntamente com a educadora dialogaram sobre as caraterísticas que já conheciam da
Roménia e sobre as características do castelo em si. A educadora questionou o grupo,
sobre quais pareciam ser as formas geométricas existentes no formato do castelo e, de
acordo com as sugestões das crianças, ia desenhando com marcadores as formas em cima
da imagem. A partir daí lançou um desafio, formarem formas geométricas com o corpo.
Formaram-se grupos aleatórios (de acordo com o lugar onde estavam sentados) e
a cada grupo atribuiu aleatoriamente uma forma (escolhiam uma folha e em cada uma
delas estava desenhada uma forma). Em pequeno grupo, tinham que construir a forma
escolhida com o seu corpo. Estabeleceu-se que a educadora e os colegas podiam ajudar,
mas apenas oralmente.
Sessão l) De seguida foi proposta uma nova atividade pela educadora. Em grande grupo
esta mostrou duas folhas A4. Explicou que na primeira folha se via a imagem real do
Castelo de Bran e na segunda, ia realizar uma figura do castelo, recorrendo a várias
formas geométricas. Propôs então, que com base nas duas imagens fornecidas, cada um
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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recortasse as formas geométricas e fizesse uma montagem, criando a sua própria versão
do castelo.
Após algumas questões acerca da execução do trabalho, colocadas pelas crianças,
ficou determinado podiam reproduzir a imagem da educadora ou, poderiam criar outro
castelo como quisessem. As imagens foram afixadas na sala para orientar as crianças na
sua elaboração do castelo.
Semana 3
Sessão m) Iniciou-se uma conversa sobre os locais que já ‘conhecemos’ nas ‘viagens’
pela Europa. Uma das crianças questionou a educadora, acerca de qual o país que iriam
‘visitar’ a seguir e esta questionou-a sobre qual seria o novo local que gostaria de
conhecer, alargando a pergunta ao restante grupo. Surgiram algumas respostas diferentes
e, por isso, realizou-se uma votação para que cada um votasse no local que achava mais
importante e interessante de ‘visitar’. A educadora anotou numa folha os países nomeados
e que estavam em votação: (i) França; (ii) Hungria; (iii) Itália; (iv) Espanha; (v) Suécia;
(vi) Alemanha. Cada criança votou no país de eleição e o país vencedor com 14 votos foi
a Itália.
Iniciou-se então uma conversa em que a grande maioria das crianças deduziu que
neste país se falava italiano e uma criança referiu que existia uma equipa de futebol
italiana. A educadora nomeou algumas palavras italianas que sabia, tais como obrigado
(gracie), olá (ciao) e amigo (amico) e pizza, um alimento típico italiano. Após a conversa
decidiram decidiu-se pesquisar no computador e em grupo todos se dirigiram à sala usada
para o efeito, onde a educadora iniciou a pesquisa, através dos tópicos de pesquisa
indicados pelas crianças: (i) comida tradicional; (ii) trajes típicos; (iii) capital do país. A
educadora iniciou a pesquisa e dialogava com as crianças acerca das imagens observadas
e das conceções destas acerca do que observavam.
Durante a pesquisa acerca da comida tradicional surgiu no écran a pizza, massas
e sobremesas diversas, nomeadamente pannacota, uma sobremesa italiana, à qual
algumas crianças reagiram, pois já ‘conheciam’. A educadora questionou se gostariam de
cozinhar esta sobremesa e todos concordaram. Após a pesquisa da receita, determinou-se
não fazer pannacota de frutos silvestres, como é típico e sim uma nova versão, pannacota
de chocolate.
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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150
A educadora explicou então que Itália tinha muitos pintores famosos e que estes
haviam pintado vários quadros conhecidos. Salientou que estes fazem parte da história e
da cultura do país, pois as obras são muito importantes e deixam os italianos muito
orgulhosos da sua cultura. Realizou uma pesquisa e entre os pintores surgiu Leonardo Da
Vinci e várias imagens das suas obras. Questionou as crianças acerca de qual das obras
gostariam de realizar, sendo que em votação determinou-se que seria a ‘Mona Lisa’. A
educadora propôs então que todos pintarem a sua versão deste quadro, sugestão que foi
aceite pelas crianças.
Sessão n) No tapete, a educadora mostrou ao grupo, um livro de receitas italianas, enviado
pela mãe do M.C. No livro estavam várias imagens, observadas nas pesquisas realizadas.
Assim, a educadora começou por folhear o livro e explicar quais eram os pratos que
apareciam nas imagens, onde também surgia a pannacota. Após a leitura da receita, todos
se colocaram à volta das mesas, onde a auxiliar tinha já disposto os ingredientes e os
utensílios necessários à preparação do doce. Depois de identificarem todos os
ingredientes da receita, uma a uma, as crianças despejaram as natas frescas para uma
panela, assim como o açúcar. Após, a auxiliar abriu a vagem de baunilha e colocou-a na
mistura. A preparação do doce continuou e após ter sido terminado foi colocado no
frigorífico.
A educadora lançou então uma atividade para realizaram com os pais. Desafiou
as crianças a pesquisarem sobremesas de origem italiana com os pais e a preparam-nas e
a mandarem uma fotografia para seu o e-mail . O recado foi posteriormente enviado para
os pais.
Nota: Na hora de almoço, a pannacota foi dividida por taças individuais e tal como pedido
pelo grupo, regada com topping de chocolate, constituindo a sobremesa do almoço desse
dia.
Sessão o) No seguimento do diálogo anterior, a educadora conversou com as crianças, na
área do tapete e propôs a pintura do quadro ‘Mona Lisa’. Mostrou uma imagem real do
quadro e posteriormente o contorno da figura da ‘Mona Lisa’, desenhada a preto numa
folha de jornal. A proposta passou por pintarem a imagem do quadro com aguarelas, tendo
como base o quadro original, mas recorrendo a cores ao seu gosto.
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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Projeto de intervenção
“Volta ao mundo das histórias: descobertas interculturais”
Bloco de
intervenção
Organização
por histórias
Objetivos
específicos
Conteúdos/
temas
Atividades
realizadas B
Continente
explorado:
África
História II:
‘A surpresa de
Handa’1
Motivação:
Foi colocada a
tocar, uma música
tribal africana, a
qual as crianças
ouviram até ao
final. Após, a
educadora
questionou o
grupo:
- Já tinham ouvido
esta música ou
alguma parecida?
- Que
instrumentos
ouvem nesta
música?
- O que será que
está a ser dito na
música?
Conhecem esta
língua?
- De onde acham
que esta música é?
A que continente
acham que
pertence?
Após as respostas
e um breve
diálogo, com a
conclusão de que a
música pertencia
ao continente
africano, a
educadora referiu
que iria contar
uma história, cujo
cenário é África,
indicando o
continente no
mapa mundo
afixado.
A história foi
contada ao som da
mesma música.
A partir da
exploração e
posterior reconto
- Consciencialização
dos traços distintivos
de diferentes culturas;
- Familiarização com
diferentes tribos
africanas, seus
hábitos e tradições;
- Compreensão da
música/dança como
um fator de
identidade cultural;
- Apreensão e
reprodução das
canções aprendidas
em outras línguas;
- Diversidade
cultural e
linguística;
- Músicas/
danças
tradicionais
africanas;
- Arte
africana;
Semana 1
Sessão a) Exploração
da história pela
educadora/ Diálogo em
grupo acerca da
história/ pesquisa de
imagens digitais sobre a
tribo Luo do Quénia;
Sessão b) Composição
artística com base na
arte/padrões africanos; 3
Sessão c) Registo
baseado em imagens
reais de tribos
africanas; 3 [Registo
adaptado de Conselho
da Europa (2009)]
Semana 2
Trabalho de projeto*
Sessão d)
Exploração de músicas
africanas, recorrendo a
batimentos corporais;
Sessão e) Elaboração
de uma maraca com
materiais de
desperdício; 3
Sessão f) Exploração da
canção de origem
africana: Funga Alafia;/
Criação de uma dança;
Sessão g) ‘Vamos fazer
música!’
Exploração de
sequências rítmicas,
com base na canção
anterior;
Sessão h)As sequências
da história:
Classificação ordenada
de acordo com
diferentes critérios;
Sessão i) Diálogo
acerca da África do Sul,
com um falante nativo /
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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152
Quadro 9 - Organização do Bloco de Intervenção B
Descrição das atividades realizadas
Semana 1
Sessão a) A educadora sentou-se em frente ao grupo e transmitiu às crianças que tinha
algo muito especial para ouvirem. Colocou o computador portátil sobre a mesa (o qual
da história gerou-
se um novo
diálogo, cujo
ponto de partida
foram as questões
colocadas pelas
crianças acerca do
que
observaram/ouvir
am na história.
Organização:
Desta conversa
resultou a
planificação de
várias atividades
pedagógicas
propostas pela
educadora e
também pelas
crianças. Estas
foram organizadas
com base nas
áreas de conteúdo,
preconizadas para
a educação pré-
escolar e
esquematizadas
na organização
curricular por
histórias; 2
Exploração da canção
‘Jan Pierewiet’ em
Afrikaans;
Semana 3
Sessão j) Observação
de imagens/diálogo
acerca dos colares
tribais africanos e da
sua simbologia/
Elaboração de um colar
tribal africano;3
Sessão k)
Observação/
comparação das suas
fotografias com o colar,
com as imagens reais de
tribos africanas/
Registo acerca das
semelhanças e
diferenças observadas;
Sessão l)
Exploração da canção
africana
“Kokoleoko”
Nota: Foi preparada
uma apresentação para
as famílias, posta em
prática na festa de
Natal, com o tema:
‘Músicas e danças do
mundo’, tendo esta a
participação ativa de
alguns pais.
Os ensaios decorreram
em simultâneo com as
sessões realizadas.
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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153
estava previamente ligada uma coluna), tendo colocado uma música a tocar. Tratava-se
de uma música muito dinâmica, com origem na Libéria. Quando a música terminou a
educadora questionou se as crianças tinham gostado e se já tinham ouvido esta música ou
alguma parecida? Que instrumentos ouviam na música? As respostas foram negativas,
salientando que era uma música nova e que pareciam ouvir-se reco-recos, maracas e
tambores.
Dando continuidade ao diálogo, a educadora perguntou: sabem o que está a ser
dito na música? Conhecem esta língua? As respostas recaírem em várias línguas que
tinham sido mencionadas no continente europeu. As questões continuaram recaindo sobre
a origem da música e o continente a que pertence? Posteriormente, a educadora lançou
uma adivinha: ‘De onde é a música, de onde é ela, do mesmo continente que a maraca e
o tambor, um lugar onde se canta e se dança com fervor?’ Após várias opiniões, conclui-
se que a resposta seria África, local que a educadora assinalou nos mapas afixados na
sala. Perguntou se conheciam histórias africanas, pois tinha uma para contar, propondo
ouvirem a história ‘A surpresa de Handa’.
Após terminar a história, perguntou às crianças o que viam nas imagens,
estabelecendo um paralelismo com a vida quotidiana atual. Focou as diferenças a nível
de habitação, alimentação, meio envolvente, objetos do quotidiano, vestuário e aspeto
físico, sendo este último - assim, como alguns frutos - aqueles que as crianças focaram
como observável no meio que as rodeia, pois já conheciam alguns destes frutos (tais como
o ananás ou a laranja) e já tinham visto pessoas com o mesmo aspeto físico, mas com
roupas diferentes, iguais as que se usam no quotidiano. A conversa deteve-se alguns
minutos nestes pontos, centrando-se nas semelhanças descobertas através da observação
das imagens da história, altura em que a educadora leu o que a autora salienta no início
do livro: que as imagens são baseadas na tribo Luo do Quénia, uma das muitas tribos que
existem em África atualmente. Seguidamente várias crianças solicitaram ver imagens
verdadeiras da tribo no computador.
Desta forma, em comboio, as crianças dirigiram-se à sala do computador, onde se
sentaram, enquanto a educadora pesquisava as imagens na internet. No entanto, as
imagens mostravam várias tribos (Masai, Zulu, Himba, etc.) e as crianças demonstraram
interesse nas peculiaridades do aspeto físico de algumas delas, nomeadamente o aspeto
dos cabelos ou os ornamentos usados em abundância. Foram também observados alguns
filmes curtos, acerca destas tribos e do seu quotidiano.
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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Indo de encontro às questões colocadas, pesquisou-se a razão do aspeto diferente
do cabelo que se verificou em certas tribos e a razão do uso de tantos colares. No final, a
educadora salientou que cada tribo tem as suas caraterísticas, de acordo com as suas
crenças e tradições, daí existirem tantas diferenças observáveis. Referiu ainda que
existem muitas outras diferenças (ex. cada um tem festejos diferentes, danças e canções
que são cantadas desde antigamente) e muitos outros aspetos que não são visíveis só em
imagens, pois existem imensas coisas para descobrir.
Durante o regresso à sala, um grupo de crianças, questionou a educadora se
poderiam ouvir novamente a música, sendo a resposta afirmativa.
Sessão b) A educadora referiu que algumas crianças queriam ouvir a música novamente
e que a iria colocar a tocar, enquanto estivessem em brincadeira livre pela sala. Iniciou
então a explicação de uma nova proposta que se focava na arte africana. Mostrou algumas
imagens reais, previamente impressas, de quadros de arte típica africana. Perguntou às
crianças o que observavam de comum em todos e a reposta foi unânime, referindo que as
formas dos corpos e as cores fortes eram predominantes em todos eles.
Assim, propôs que todos realizassem a sua pintura africana. Inicialmente,
escolheram inicialmente uma folha colorida como base da sua obra e, posteriormente,
escolheram ainda uma grande variedade de padrões que estavam disponíveis para recorte.
Depois pintaram/ realizaram uma colagem com cápsulas de café, para completar as
formas do corpo, semelhantes às dos quadros observados, salientando que estes seriam
pendurados na sala para que pudessem inspirar-se.
De salientar que duas crianças referiram que as pinturas mostravam “senhoras
africanas” a trabalharem e levavam jarros e cestos na mão e/ou na cabeça e que no
trabalho não tínhamos esses materiais para colar. A educadora referiu ser uma excelente
observação e sugestão e seguindo a orientação destas crianças, foi até à sala de arrumos,
onde estão guardados os materiais da escola, procurou na caixa dos tecidos, e encontrou
um pedaço de sarapilheira. Levou-o para a sala, onde recortou várias formas de cestos e
jarros, para que as crianças pudessem usar livremente e ao seu critério, caso desejassem.
Durante a execução da tarefa, as restantes crianças estavam em brincadeira livre,
pelas áreas da sala e visto a música estar a tocar de forma cíclica, eram visíveis vários
grupos a dançar e a conversar sobre esta. Num dos grupos a educadora ouviu um diálogo
acerca dos instrumentos musicais da música, tal como tinha sido conversado inicialmente,
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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e questionou as crianças sobre o seu interesse, tendo sido referido pelo F. que todos
gostavam de instrumentos e queriam fazer um instrumento musical para poderem tocar
músicas africanas como aquela. A educadora disse-lhe que posteriormente ia apresentar
a sua sugestão ao grupo.
No dia seguinte e dando seguimento ao interesse demonstrado pelo pequeno grupo
de crianças, a educadora pediu para conversarem e propôs ao F. que expusesse a sua ideia.
A educadora referiu que os instrumentos que disseram ouvir eram as maracas e o tambor,
perguntando qual o instrumento que gostariam de construir. Procedeu-se a uma votação,
tendo a maioria votado na maraca. Em relação à elaboração, decidiram que seria
elaborada com a ajuda aos pais, a quem solicitámos materiais recicláveis (tampinhas,
rolos de papel higiénico/cozinha, garrafas de água, etc.), sendo que todos teriam que
guardar estes objetos em sua casa e depois trazê-los para a escola na semana seguinte. De
acordo com a metodologia do trabalho de projeto, a educadora questionou as crianças e
esquematizou os seus interesses no quadro 9 (semana 2, sessão d).
Esta informação foi posteriormente enviada para os pais. Foi ainda pedido aos pais
que participassem, pesquisando imagens de diferentes tipos de maraca, para as crianças
se poderem basear.
Sessão c) Com base na publicação do Conselho da Europa (2009), intitulada
“Autobiography of Intercultural Encounters for Young Learners”, a educadora elaborou
um registo, constituído por uma série de perguntas, que se baseou numa imagem escolhida
pelas crianças. Essa imagem foi selecionada de um rol de imagens que se referem a
diferentes tribos africanas.
A educadora reuniu-se individualmente com cada criança, fornecendo-lhes
algumas imagens impressas para que pudessem observar e escolher ao seu ritmo. Após
escolherem a imagem, a educadora explicou a tarefa e efetuou todas as perguntas,
registando as respostas das crianças, em formato escrito. De notar que todas as perguntas
diziam diretamente respeito à imagem escolhida e às conceções das crianças acerca dessa
imagem. Após todas as crianças terem realizado a atividade, a educadora transcreveu as
respostas para o formato digital. Posteriormente, enviou os trabalhos em formato digital,
para o e-mail dos pais, para que possam acompanhar o que está a ser realizado no âmbito
do projeto de sala.
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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156
Semana 2 – Trabalho de projeto*
Sessão d)* No quadro 10, encontram-se sintetizados os interesses demonstrados pelo
grupo.
Quadro 10 - Trabalho de Projeto B
Posteriormente, e com base nas sugestões do grupo, deu-se início ao projeto
através da exploração de algumas canções, com ritmos típicos africanos, recorrendo
apenas a batimentos corporais. Assim, no espaço polivalente as crianças estavam
dispostas de pé e em roda. Numa mesa estava o computador portátil, ligado a uma coluna.
A educadora integrou a roda e explicou às crianças que iriam tocar algumas músicas de
África e que todos deveriam usar o corpo como se fosse um instrumento, realizando
diversos batimentos, em uníssono e ao ritmo da música. A educadora iniciou a atividade
e, durante esta, ia dizendo os nomes das crianças aleatoriamente e cada uma, na sua vez,
deveria executar os batimentos tendo todos os outros que a imitar. Isto iria repetir-se até
todos terem tido oportunidade de participar a nível individual.
Posteriormente foi ainda lançada outra proposta, tendo como base os oito animais
que figuravam na história. A educadora explicou que a cada animal correspondia um
movimento, executando-o, sendo este imitado pelas crianças. A educadora iria iniciar a
atividade e seriam as crianças a dar-lhe continuidade. Explicou então que seria formada
uma sequência de animais e que o grupo ia reproduzir a sequência, através dos gestos que
lhes estariam associados (ex.: elefante - bater com os pés; avestruz - bater palmas, etc.),
Trabalho
de projeto
O que
sabemos?
O que
queremos
saber?
Onde vamos
pesquisar?
O que
queremos
fazer? Elaboração
de
maracas
africanas
- As maracas são
instrumentos
musicais;
- São da África;
- Na África há
muitos instrumentos
de música e maracas
também;
- Usamos na aula de
música com a Cátia;
- Podemos tocar
rápido e
devagarinho;
- Há muitas
maracas, pintadas de
diferente;
- Quero ouvir mais
música da África
com maracas a
tocar;
- As maracas são
todas como as da
(aula de) música?
- Como são as
maracas da África?
- As tribos tocam
maracas?
- No teu
computador azul;
- Pergunta-se aos
pais;
- Posso ver no Ipad
do meu pai ou no
telefone dele;
- Aprender mais
canções da África;
- Ouvir as músicas
das tribos com
maracas;
- Tocar as maracas
todas ao mesmo
tempo e fazer
música;
- Tocar as maracas
com mais
instrumentos;
- Sim, mas da
África, como os
tambores;
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
______________________________________________________________________
157
formando assim uma composição de sons, recorrendo apenas ao corpo. A educadora
começou, formando uma sequência simples com três animais, que as crianças
reproduziram de seguida. As crianças foram formando sequências progressivamente mais
complexas, com recurso às oito imagens. Estes momentos foram filmados e partilhados
com os pais.
Sessão e) * Antes do início da atividade, a educadora mostrou ao grupo, as imagens
digitais enviadas pelos pais, já impressas, para as crianças poderem observar e basear as
suas construções. Dialogaram ainda sobre a origem das diferentes maracas e os materiais
da construção, associando-as aos vários países/continentes de que eram originárias. De
seguida, deu-se início à atividade em si.
A educadora perguntou quem tinha trazido materiais enviados pelas famílias. No
‘cantinho da cultura’, estavam já vários instrumentos, nomeadamente tambores, jambés,
uma flauta e uma maraca, trazidas pelos pais. Após cada criança identificar o que tinha
trazido e a sua origem, os objetos foram passados por todos para os poderem observar e
experimentar. Este foi o ponto de partida para iniciar a atividade.
A educadora mostrou às crianças os materiais recolhidos por eles e pelos pais ao
longo da semana, para a construção das maracas. Explicou que ia colocar os materiais nas
mesas (área de trabalho) e que ia chamar duas crianças de cada vez para construírem a
maraca. Podiam utilizar os materiais enviados pelos pais, assim como outros materiais
disponíveis (fita cola com padrões, papel autocolante, etc.) para decorar a maraca e que
tinham também à disposição, arroz, feijão e massa para colocarem no interior e facilitar
a produção de som.
Sessão f)* As crianças estavam sentadas em roda no espaço polivalente, onde já
estava o computador portátil, ligado à coluna. A educadora revelou que iriam ouvir a
mesma música que ouviram inicialmente, antes da história e que se chamava “Funga
Alafia”. Após ouvirem a canção, explicou que na Libéria, esta é usada como uma
canção/dança de boas vindas, que serve para exprimir agradecimento pela visita e
amizade, através das palavras e dos movimentos. Esclareceu ainda que a letra, cantada
num dialeto africano com as palavras “funga alafia, ashe ashe, funga alafia, ashe ashe”
pode traduzir-se na língua portuguesa como “em ti eu penso, contigo eu falo, de ti eu
gosto, somos amigos”. Explicou que já existe uma dança para esta música, mas que não
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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158
a ia mostrar para não os influenciar, pois queria que todos sugerissem movimentos, para
criarem uma “dança da amizade”, para podermos mostrar às crianças da Libéria, se um
dia as fossemos visitar. Todos concordaram e então começaram as sugestões, que todos
iam experimentando enquanto a educadora as registava numa folha, correspondendo os
tempos da música aos movimentos.
Após a dança estar concluída, iniciaram-se os ensaios que decorreram ao longo de
dois dias (após o lanche da manhã e após o almoço), sendo que ao fim deste tempo, a
dança foi concretizada, tendo sido feita uma gravação das crianças a cantarem e
dançarem, partilhada posteriormente com os pais. As crianças ficaram encarregadas de
explicar aos pais, porque criámos a dança, o significado da sua letra e para que ocasião
era utilizada.
Sessão g)* Após todos os elementos do grupo terem construído as suas maracas, estas
foram utilizadas para explorar diferentes sequências rítmicas, com várias intensidades,
ritmos e silêncios. Sentados na sala em formato de roda, com as maracas nas mãos e a
educadora sentada ao centro numa cadeira com um jambé grande - enviado pelos pais do
T. - esta instruiu as crianças que deveriam seguir os seus ritmos, respeitando sempre as
diferentes intensidades e os silêncios, de modo a que todos soassem da mesma maneira.
Assim, sempre ao som do refrão “funga alafia, ashe ashe, funga alafia, ashe ashe”,
cantado por todos, as crianças acompanharam simultaneamente o que era reproduzido
sonoramente pela educadora, com os respetivos instrumentos. Estes momentos foram
filmados e partilhados com os pais.
Sessão h) Na área do tapete a educadora propôs uma nova atividade. Mostrou ao grupo
um registo que criou, onde se podia ver um caminho de terra em África, entre a aldeia da
Handa e a aldeia da amiga Akeyo. Neste caminho, estavam assinalados através de
números ordinais, os oito locais onde a Handa encontrou um animal e simultaneamente
‘perdeu’ um fruto. A educadora mostrou novamente a história e em grupo estiveram a
recontá-la, lembrando a sequência dos animais e das frutas presente nesta.
Explicou-se ainda que existiam duas propostas, a classificação ordenada de
animais ou de frutos, havendo opção de escolha para todos. Posteriormente, recortaram
oito animais/frutos e ordenaram-nos de acordo com a posição na qual apareceram na
história (1º, 2º…).
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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159
Algumas crianças exprimiram dúvidas na ordem da colagem a realizar e para os
tranquilizar e motivar, a educadora disse-lhes que o livro estava à disposição na área de
trabalho, podendo ser consultado em caso de dúvida.
Sessão i) Sabendo de antemão que o professor de inglês que leciona no jardim de infância
é nativo da África do Sul, a educadora agendou uma sessão, onde este ia explicar a sua
infância neste país, quais os seus hábitos e tradições, comparando-os depois com os
portugueses. Combinou também a exploração de uma canção infantil típica do país em
Afrikaans, uma das línguas faladas na África do Sul.
Assim, após uma das aulas de inglês, o professor pediu ao grupo para
conversarem. Iniciou a conversa afixando um mapa do mundo, questionando as crianças
sobre quais os países que conheciam e em que continente estes se situavam. Questionou
também se sabiam onde ele tinha nascido e posteriormente, explicou ter nascido na África
do Sul, assinalando o país no mapa-mundo. Mostrou várias imagens do país e alguns
objetos de artesanato típico, incluindo uma estatueta da tribo conhecida como ‘mulheres
girafa’, explicando os seus costumes. Noutra fase da conversa, mostrou fotografias suas
no colégio que frequentava, explicou que usavam farda e tinham que aprender três línguas
diferentes desde pequenos. Mostrou ainda fotografias do animais existentes no país,
explicando que era costume realizarem-se safaris para observação destes ao vivo.
No final propôs ensinar-lhes uma canção que cantava na escola, chamada ‘Jan
Pierewiet’, sendo esta em Afrikaans, uma das línguas que aprendia na escola. De seguida,
no quadro 11, encontra-se a letra original da canção e a tradução para português.
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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160
Quadro 11 - Canção ‘Jan Pierewiet’ (versão original e versão traduzida)
À medida que cantava a canção na versão original, o professor ia mostrando
imagens, que correspondiam às palavras ditas/se associavam a diferentes segmentos da
música. Quando cantou a canção em português fez exatamente o mesmo e, em ambas as
versões, pediu ao grupo para cantar consigo, repetindo a frase, sendo que as crianças
repetiam de seguida. Estes momentos foram filmados e partilhados com as famílias.
No final da sessão, a educadora sentou-se ao lado do professor e juntamente com
o grupo estiveram a estabelecer paralelismos entre a infância do professor e a infância
vivenciada pelas crianças do grupo. Constatou-se que existem hábitos diferentes e a
realidade envolvente é diferente, mas existem algumas coisas comuns. Na ótica do grupo
as semelhanças são: ir à escola, usar roupa da escola, aprender e ouvir canções.
O professor explicou ainda que os seus pais eram portugueses e que foram viver
para a África do Sul, onde viviam muitos portugueses e por isso eram visíveis alguns
hábitos portugueses no país.
Semana 3
Sessão j) Na primeira sessão da semana, a educadora questionou o grupo se sabiam o que
era comum a muitas das tribos que observaram anteriormente nas imagens? Qual a
característica que inicialmente lhes causou muita curiosidade? O grupo recordou-se e
referiu que tinha sido a quantidade de colares usados. Então a educadora mostrou-lhes
algumas imagens de joalharia tribal africana impressas, nomeadamente os seus colares
Versão original (Afrikaans) Versão traduzida (Português)
Jan Pierewiet, Jan Pierewiet,
Jan Pierewiet staan stil
Jan Pierewiet, Jan Pierewiet,
Jan Pierewiet staan stil
Goeie môre, my vrou,
Hier's 'n soentjie vir jou*
Goeie môre, my man,
Daar is koffie in die kan
Jan Pierewiet, Jan Pierewiet,
Jan Pierewiet está quieto
Jan Pierewiet, Jan Pierewiet,
Jan Pierewiet está quieto
Bom dia mulher,
Aqui fica um beijo
Bom dia marido,
Há café na cafeteira
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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161
exuberantes e coloridos, explicando que África foi o primeiro local no mundo, onde foi
fabricada joalharia, pois esta faz parte da cultura das tribos e são usados quer por homens,
quer por mulheres, mas que são exclusivamente fabricados pelas mulheres da tribo.
Explicou também que as mulheres utilizam marfim, osso, pedra, cascas de ovos, madeira
e pelos de animal, para fabricar as joias e usavam-nas em ocasiões especiais como
casamentos, sendo que as joias tem um simbolismo enorme, pois cada cor tem um
significado diferente em cada tribo (ex: branco - amor (tribo Zulu)/paz (tribo Masai).
Foi também explicado que os colares podem ter um significado cultural. Por
exemplo de comunicação, pois as mulheres casadas e solteiras usam tipos diferentes de
joalharia, para que o seu estado civil seja reconhecido por todos, sem ser necessário
perguntar.
As imagens foram observadas e os tamanhos, cores e quantidade de colares, foram
comparadas e observados nas diferentes tribos. A educadora sugeriu então a elaboração
de um colar africano com um prato de papel. Explicou que cada um teria o seu
(previamente cortado) e poderia pintá-lo da forma que preferir (tinta, marcadores, lápis
de cor…), decorando-os com os materiais disponíveis (missangas, lã, botões, etc.).
Esclareceu que na área de trabalho já se encontravam todos os materiais à disposição,
sendo que a educadora e a auxiliar estariam prontas a ajudar se precisassem de ajuda (a
atar/pendurar/colar algo que não conseguissem sozinhos). Afixou as imagens na sala, para
que as crianças pudessem observar e ter modelos para poderem expandir as suas
capacidades de imaginação e criação.
Sessão k) Quando todas as crianças terminaram o seu colar, foi-lhes pedido que o
colocassem ao pescoço para serem fotografados. Posteriormente a educadora, criou uma
montagem onde colocou do lado esquerdo a fotografia da criança, com o respetivo colar
e do lado direito uma fotografia do elemento de uma tribo com um colar ao pescoço.
Posteriormente, chamou cada criança individualmente e pediu-lhe que nomeasse as
semelhanças e as diferenças que observava em ambas as fotografias. Pretendia-se que as
crianças concluíssem que as semelhanças seriam mais numerosas que as diferenças.
Sessão l) Na última sessão, as crianças encontravam-se sentadas na sala, em formato de
roda, juntamente com a educadora e a auxiliar. A educadora tinha ligado previamente o
computador portátil à coluna e sugeriu que ouvissem mais uma canção africana, desta vez
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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162
com origem no Gana, chamada ‘Kokoleoko’. Após ouvirem a canção, a educadora esteve
a reproduzi-la por fases, associando-lhes gestos, sendo que as crianças faziam o mesmo
logo em seguida. Posteriormente, todos juntos reproduziram a canção na sua totalidade,
assim como os gestos a ela associados.
Nota: Ao longo das três semanas, foi preparada uma apresentação para as famílias, sendo
que os ensaios decorreram em simultâneo com as sessões realizadas. A apresentação foi
posta em prática na festa de Natal da instituição, com o tema: ‘Músicas e danças do
mundo’. O grupo selecionou um país de cada continente (Europa - Portugal; África -
Libéria; América do Norte - Havai; América do Sul - Brasil; Ásia - Índia e Oceânia -
Austrália) e foram exploradas músicas e danças típicas de cada uma destas culturas.
Durante parte da apresentação, os pais foram chamados a participar ativamente,
realizando as mesmas danças que as crianças, em simultâneo com estas e com a equipa
de sala.
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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163
Projeto de intervenção
“Volta ao mundo das histórias: descobertas interculturais”
Bloco de
intervenção
Organização por
histórias
Objetivos
específicos
Conteúdos/
temas
Atividades
realizadas C
Continente
explorado:
América do
Norte
História III:
‘As cores de Mateus’1
Motivação:
A educadora mostrou
ao grupo de crianças,
uma boneca originária
da República
Dominicana, uma ilha
situadas nas Caraíbas.
A educadora não
passou esta informação
ao grupo, apenas lhe
disse que a boneca lhes
iria contar uma história,
que trouxe consigo da
sua ilha, situada na
América do Norte. Iam
ouvir a história de um
menino da sua ilha, que
era amigo desta nova
personagem.
Disse-lhes também que
esta personagem
feminina ainda não
tinha nome e que o
deveria escolher-lhe
um.
Após contar a história,
dinamizada pela
personagem que as
crianças decidiram
chamar-se ‘Eva’, a
educadora questionou?
- De onde vieram a Eva
e o Mateus?
- Quem sabe mostrar no
mapa mundo, onde fica
o continente da
América do Norte?
- Quais as
características da ilha e
da cultura do Mateus e
da Eva?
- O que observam nas
personagens para
dizerem que vieram de
outro país?
- Familiarização
com noções de
identidade e
alteridade de forma
lúdica e
pedagógica;
- Identificação de
atitudes
discriminatórias;
- Desenvolvimento
de atitudes de
empatia, respeito e
tolerância face ao
outro;
- Compreensão da
adoção como um
vínculo afetivo;
- Diversidade
cultural;
- Racismo;
- Adoção;
Semana 1
Sessão a) Exploração
da história; Reconto da
história;
Sessão b) Observação
de uma boneca típica
das Caraíbas – diálogo
acerca das suas
caraterísticas,
semelhanças/
diferenças com as
personagens da história;
Sessão c) Elaboração da
cara do Mateus, através
de uma pintura com
café; 3
Sessão d) Ordenar uma
sequência da história e
criar uma legenda para
cada imagem;
Semana 2
Sessão e) Associação
quantidade-número;
Sessão f) Realização de
um pictograma
(baseado nas origens da
personagem Mateus); 3
Sessão g) Diálogo em
grupo: O que é o
racismo? O que fazer
para o diminuir?/
Registo das
observações e
conclusões;
Semana 3
Sessão h) Pesquisa/
observação de imagens
reais de famílias
adotivas/multiculturais
Diálogo acerca do tema;
Sessão i) Famílias de
todas as cores: Criação
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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164
Quadro 12 - Organização do Bloco de Intervenção C
Descrição das atividades realizadas
Semana 1
Sessão a e b) A educadora sentou-se junto às crianças com uma boneca e uma história na
mão. Explicou-lhes que a boneca lhes ia contar uma história especial, que trouxe consigo
da sua ilha, situada na América do Norte. Iam ouvir a história de um menino da sua ilha,
que era amigo desta nova personagem. Disse-lhes ainda que esta personagem feminina
ainda não tinha nome e que iriam fazer uma votação para decidirem o que lhe chamar.
Assim, questionou as crianças sobre os nomes que gostavam de dar à boneca e após a
escolha de alguns, houve uma votação em que ficou decidido que o nome desta nova
personagem seria ‘Eva’.
Após, a educadora contou a história, recorrendo à personagem Eva para a
dinamizar e, no final, questionou se sabiam de onde vinha a Eva e a personagem principal
da história, o Mateus? As respostas recaíram em “uma ilha das Caraíbas”, tal como
nomeado na história. Perguntou ainda se alguém sabia identificar o continente da América
Organização:
A partir das respostas
dadas, do diálogo
gerado em grande
grupo e ao longo da
exploração da história
em contexto de sala,
surgiu uma planificação
de várias atividades
pedagógicas propostas
pela educadora e
também pelas crianças.
Estas foram
organizadas com base
nas áreas de conteúdo,
preconizadas para a
educação pré-escolar e
esquematizadas na
organização curricular
por histórias; 2
de famílias
multiculturais; 3
Sessão j) Quantos
elementos tem cada
família? Contagem e
registo 3;
Semana 4
Trabalho de projeto*
Sessão k) ‘Arte a preto
e branco’: Exploração
de digitinta preta/
Desenho das figuras
humanas; 3
Sessão l)
Desenvolvimento das
atividades escolhidas na
sessão g): Teatro
desenvolvido com o
tema do racismo,
recorrendo aos
temas/áreas exploradas
nas histórias anteriores;
Sessão m) A
experiência dos ovos 3;
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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do Norte num dos mapas da sala? Algumas crianças levantaram-se e apontaram para o
continente correto. A educadora colocou outra questão: tendo como base o que ouviram,
quem sabia dizer algumas das características da ilha e da cultura do Mateus e da Eva?
Ouviu as várias afirmações, que recaíram nas caraterísticas mencionadas na história,
aludindo tanto na fauna e flora da ilha, como nas características culturais do povo da ilha.
A educadora questionou ainda se os personagens eram parecidos um com o outro, já que
tinham nascido no mesmo sítio? As crianças relacionaram a pergunta a alguns factos
relatados anteriormente na história mencionando o facto de a cor da pele ser diferente,
tendo ‘cor de canela ou de chocolate’ e pele preta, não se baseando apenas nos aspeto
físico das personagens, mas reportando alguns dos factos relatados na história, para
extraírem informação.
Posteriormente, pediu ao grupo que lhe recontasse a história e, durante o reconto
as crianças evidenciaram não compreender o que seria a adoção, tendo a educadora
explicado que tal como disseram na história, a mãe do Mateus não podia ficar com ele,
pois era muito pobre e então para que ele pudesse crescer feliz e poder ir à escola e
aprender muitas coisas, ela entregou-o à sua ‘mãe branca’, para que ela o pudesse criar e
dar-lhe tudo isto. Mas ela só fez isto porque o amava muito e apesar de ficar triste por não
poder ficar com ele, preferiu dar-lhe uma oportunidade de crescer num sítio muito
diferente, com outra mãe, que goste dele tanto como ela. Em geral, todos pareceram
entender o que lhes foi explicado, nomeando que o Mateus tinha ‘duas mães, uma branca
e uma negra’. A educadora resolveu ainda questionar as crianças sobre os atos dos
meninos na escola do Mateus, sendo que as crianças a questionaram sobre a palavra
‘preto’. Explicou que era apenas uma cor, mas se o dissermos de forma má ou negativa,
as pessoas podem ficar magoadas por lhe dizermos isso, salientando que as ações das
crianças foram erradas e isso era chamado de racismo, o que quer dizer, não gostar de
outra pessoa porque é diferente de nós.
Sessão c) De seguida, a educadora propôs elaborarem a cara do Mateus, através de uma
pintura com café. Explicou que iam recorrer a diferentes técnicas plásticas, tal como
pintura com pincel, colagem, carimbagem com rolhas e desenho. Explicou sucintamente
que deveriam pintar a cara do Mateus com o café, depois carimbar o seu cabelo,
bochechas e olhos, desenhando o seu sorriso no final.
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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166
Sessão d) A educadora sentou-se juntamente com o grupo no tapete, onde lhes mostrou
o livro “As cores de Mateus” e explicou que digitalizou previamente as imagens da
história e as imprimiu. Explicou que cada criança deveria escolher quatro imagens ao seu
gosto, formando uma sequência, numerando-a de 1 a 4 e criando uma pequena história,
que posteriormente deveriam relatar para a educadora registar. As folhas estavam já
dispostas na mesa para que escolhessem as imagens pretendidas, as recortassem e
realizassem a tarefa.
Semana 2
Sessão e) A semana iniciou-se com uma atividade inserida no domínio da matemática.
Na área do tapete, a educadora explicou que o mote para a atividade foi dado pela história,
pela forma que começava e terminava, com a frase: “do tamanho de todas as cores,
Mateus”, frase que a mãe do Mateus diz no final da história.
Assim, as crianças teriam quadrados de papel, das cores que foram nomeadas na
história e teriam uma tabela de dupla entrada, onde deveriam colar o número de
quadrados, correspondente ao número indicado através de símbolos (). Deveriam
também escrever o algarismo corresponde ao número representado de , realizando
associação quantidade-número. No final nomearam toda a sequência de 0 a 9, de forma
crescente e decrescente.
Sessão f) A atividade seguinte incidiu num pictograma, que tinha como base a ilha do
Mateus e suas características físicas e culturais. A educadora explicou ao grupo que cada
criança teria quinze imagens, que deveriam recortar. Após esta tarefa a educadora iria
fazer um ditado de imagens, que significava ler o texto que está escrito na folha através
dessas imagens. Cada um teria que encontrar a imagem correspondente à palavra que
faltava no texto lido e colá-la no respetivo espaço (ex. “À noite, o povo canta canções
tradicionais, para que o _____seja bom…”/ imagem em falta: vulcão). Fariam isto até
todos os espaços estarem preenchidos e o trabalho estar completo. No final de forma
individual, a educadora ou a auxiliar iriam chamaram as crianças, para que pudessem ‘ler’
o texto por imagens que realizaram.
Sessão g) Na última sessão da semana e baseada na complexidade dos conceitos
explorados na história, a educadora pediu ao grupo que se reunisse no tapete para uma
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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conversa. De seguida releu o pedaço da história que focava o racismo de que a
personagem Mateus foi vítima, momento este passado em contexto escolar.
As crianças continuaram a demonstrar algumas dúvidas no conceito e a educadora
voltou a explicar que o racismo não algo é que se veja, a não ser que alguém faça ou diga
algo, ou seja, é uma ação que alguém faz quando não gosta de alguém, por esse alguém
ser diferente, neste caso foi por não gostarem da cor de pele do Mateus. A partir daqui as
crianças começaram a expor as suas opiniões e pontos de vista, sendo que a educadora
questionou: Alguém tem ideias para tentar contrariar estas ações negativas que deixam as
pessoas tristes? Devido à complexidade do conceito, à resposta emocional e ao interesse
demonstrado pelo grupo, os seus pontos de vista foram esquematizados no quadro 13,
para posteriormente, serem explorados de forma mais focada.
Trabalho
de projeto O que sabemos?
O que queremos
saber?
Onde vamos
pesquisar?
O que
queremos
fazer?
O racismo
- Ser diferente é muito
bonito;
- E é bom;
- Não se deve lutar
com as pessoas,
mesmo se formos de
outra cor, os meninos
tem que brincar;
- Não devemos chamar
nomes feios, como
preto, porque os
amigos e os seus pais
vão ficar muito tristes;
- Acho que o racismo é
dizer coisas feias;
- Sim, porque os
outros são negros ou
porque tem uma cor
diferente;
- Acho que é bater nos
amigos;
- É uma coisa má;
- É uma palavra mais
difícil;
- Se calhar é lutar com
os outros, por
chamarem preto e eles
não gostarem;
O que é o racismo?
- Saber o que quer
dizer o que é o
racismo;
- Saber como é nas
escolas? O que os
meninos fazem uns aos
outros?
Como podemos
combater o racismo?
- Aprender e depois
ensinar todas as cores
de pele;
- Explicar às pessoas
que não se chamam
nomes às outras
pessoas;
- Explicar que há
outros países com
pessoas de outras
cores;
- Temos que dizer aos
meninos que são do
racismo, para não
fazerem isso, porque
não se faz a ninguém;
- Sermos todos
amigos;
- Amigo, mesmo que a
pele seja de cor
diferente;
- Vamos
procurar no
telefone dos
pais;
- Podemos
perguntar aos
avós;
- E aos pais;
- A Ariana pode
ver no
computador;
- Pode dar na
televisão;
- Podemos
fazer pinturas
com preto;
- Desenhos de
pessoas
diferentes;
- Ou canções e
danças;
- Um teatro;
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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Quadro 13 - Trabalho de Projeto C
Semana 3
Sessão h) A sessão iniciou-se na sala do computador onde as crianças já estavam
sentadas. A educadora sentou-se no computador, com o monitor visível ao grupo e
explicou que iriam procurar imagens de famílias adotivas, tal como a do Mateus. Explicou
que existiam vários tipos de famílias tal como a deles - mãe, pai e filho(s) - mas também
existem outras famílias: (i) famílias multiculturais, onde os pais ou filhos eram de
diferentes países e/ou tinham diferentes culturas; (ii) famílias monoparentais, famílias só
com pai ou mãe e filho(s). As crianças pareceram compreender os conceitos, pois
reproduziram-nos de forma concisa, quando foram questionados pela educadora em
relação às imagens observadas.
A educadora continuou a pesquisa na internet e à medida que mostrava as
imagens, as crianças escolhiam aquelas que preferiam e iam conversando sobre o que
observavam nestas, quer com a educadora, quer entre pares. Quando já tinham algumas
imagens, a educadora mostrou-as uma a uma e propôs um jogo: as crianças deveriam
adivinhar se as crianças da foto eram filhos biológicos, ou seja, parecidos fisicamente
com os pais, ou adotados, poderiam não ser fisicamente parecidos e serem de outros
países. O conceito foi interiorizado, pois uma grande parte das crianças identificaram
facilmente as imagens, justificando as suas escolhas.
Sessão i) A educadora mostrou às crianças, algumas imagens impressas. As imagens
consistiam em diferentes pessoas - adultos, adolescentes e crianças - oriundos de
diferentes culturas mundiais. Explicou que nesta atividade, dando continuidade à
conversa anterior iria ser criada uma família multicultural.
Todos realizaram uma moldura, onde iria ficar a ‘fotografia’ da família escolhida.
A 1ª fase da atividade consistiu em realizar uma colagem com papel de seda colorido,
preenchendo todo o espaço delimitado. Numa 2ª fase o grupo teve à disposição materiais
de recorte e colagem e várias folhas com as imagens impressas. A partir daí criaram a
- Devemos ser
queridos e ajudar os
outros;
- Agir bem e tratar
bem os outros;
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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família pretendida, recortando as imagens e aplicando-as dentro da moldura elaborada,
compondo uma ‘fotografia de família’. As crianças dirigiam-se às mesas em pequeno
grupo e realizaram a 1ª parte do trabalho com a auxiliar, dirigindo-se posteriormente à
zona onde estava a educadora, para realizar a 2ª fase da atividade.
Sessão j) A educadora juntou todas as crianças nas mesas de trabalho e propôs realizarem
a atividade em simultâneo. A atividade consistia num registo criado previamente pela
educadora, onde se podiam observar várias famílias multiculturais/adotivas (as imagens
escolhidas previamente pelas crianças). Existiam várias versões do registo e as folhas
foram distribuídas de forma aleatória. Na atividade, as crianças deveriam realizar a
contagem dos elementos da família, registar o número na folha e ligar o número à
respetiva imagem a que correspondia.
Semana 4 – Trabalho de projeto *
Sessão k)* Dando continuidade ao interesse do grupo sobre o conceito de racismo, a
semana iniciou-se com uma proposta expressa anteriormente pelas crianças. A educadora
sugeriu juntar duas das ideias dadas pelo grupo e fazer arte a preto e branco. A ideia seria
juntar a pintura e o desenho. Numa 1ª fase todos deveriam explorar digitinta preta e fazer
desenhos à sua vontade. Depois esse desenho seria decalcado com uma folha de papel de
cavalinho, passando o desenho feito na digitinta, para a folha. Ao terminarem essa fase
do trabalho deveriam desenhar a família do Mateus: o próprio e a mãe branca, mas apenas
recorrendo a lápis de cor/marcadores pretos. Posteriormente, a equipa de sala realizou a
montagem, aplicando o desenho sobre a pintura.
Sessão l)* As crianças estavam sentadas na área do tapete, juntamente com a educadora,
para conversarem acerca da atividade que pretendiam realizar. A educadora perguntou o
que gostariam mais de fazer acerca da temática do racismo, pois anteriormente tinham
mencionado ideias como canções, danças ou teatro. As opiniões estavam divididas, assim,
a educadora sugeriu que podiam integrar tudo isso num teatro, incluindo ainda a
gastronomia que também já tinham trabalhado, o que iria de encontro a algumas das
sugestões. Todos concordaram e decidiram em grupo que seria a educadora a inventar a
história. Esta conversou com o grupo e disse-lhes que iria basear-se na história “As cores
de Mateus” e inserir todas as outras áreas, pedindo sugestões a todos. Diferentes crianças
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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170
fizeram sugestões para a dança e a canção a realizar e, para a receita a incluir no teatro.
Sugeriram ainda que pedíssemos ajuda aos pais, para uma canção africana (mãe da C.,
nascida em Angola) e uma receita indiana (Avó da M., nascida em Goa). A educadora
encarregou estas meninas de falarem com os pais e enviou um recado a reforçar a ideia.
No dia seguinte, a educadora trouxe uma sugestão de guião, que sofreu algumas
alterações de acordo com as sugestões feitas pelo grupo. Nesta conversa foram também
escolhidos os papéis de cada criança na peça, estando esta tarefa totalmente nas mãos do
grupo, tendo a educadora registado numa folha de papel, quem faria o quê. Quando os
pais enviaram os dados pedidos, estes foram integrados no pequeno teatro.
Posteriormente, uma das crianças sugeriu que apresentássemos o teatro para os outros
colegas da escola e selecionaram duas crianças para convidarem as outras salas de jardim
de infância.
No dia seguinte e após alguns ensaios, o teatro foi realizado, com assistência de
colegas e adultos. A educadora e a auxiliar ajudaram as crianças nas entradas/saídas,
colocação das músicas e tiveram ainda a função de ponto, divulgando as frases de que
não se lembravam. O teatro foi realizado de forma simplista, recorrendo apenas a gestos,
à imaginação e ao jogo simbólico, não existindo objetos físicos.
Sessão m)* Esta atividade foi proposta às crianças com o objetivo de consciencializar
para a diversidade cultural e foi implementada em duas fases diferentes. A 1ª fase teve
lugar na área do tapete, onde a educadora sugeriu fazer uma experiência com ovos. Isto
suscitou a curiosidade das crianças, pois o aspeto físico dos ovos era diferente, sendo um
branco com que as crianças não estavam familiarizadas. A educadora explicou que o ovo
n.º 1 bege/acastanhado era um ovo de galinha, igual aos que estão habituados a ver/comer
e o ovo n.º 2, totalmente branco, era um ovo de pata. A educadora partiu então ambos os
ovos para dentro de dois copos transparentes, colocando a casca ao lado de ambos, para
os identificar.
A atividade prosseguiu, sendo que a educadora pediu às crianças para
identificarem semelhanças e as as diferenças entre os ovos. Inicialmente foram focadas
as semelhanças e posteriormente as diferenças, que foram registadas no quadro 14:
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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171
Quadro 14 - Registo das conclusões: Experiência dos ovos
Embora tenham detetado várias semelhanças, as crianças apenas descobriram uma
diferença, comprovando o que tem vindo a ser explorado acerca da diversidade: por fora
temos cores e aspeto diferente, mas por dentro somos iguais.
Numa 2ª fase, todo o grupo se sentou nas mesas, onde esteve a realizar um registo
criado pela educadora. O registo consistia em duas quadrículas: na primeira deveriam
realizar a pintura de dois ovos, com as cores correspondentes ao que foi observado,
registando por baixo a palavra ‘diferente’, na segunda deveriam desenhar o interior de
um ovo, pintá-lo e registar a palavra’’ iguais. Após a explicação, a atividade foi realizada
em grande grupo, seguindo as instruções dadas, mas de forma autónoma.
Semelhanças Diferenças
- São ovos;
- Estão crus;
- Tem casca;
- São duros;
- Uma clara;
- Uma gema;
- Servem para comer;
- Tem a mesma forma;
- A cor:
Galinha: bege/castanho
Pata: branco;
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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172
Projeto de intervenção
“Volta ao mundo das histórias: descobertas interculturais”
Bloco de
intervenção
Organização por
histórias
Objetivos
específicos
Conteúdos/
temas
Atividades
realizadas D
Continente
explorado:
América do
Sul
História IV:
‘Dançar nas nuvens’1
Motivação:
Na sala do
computador foi
colocado um vídeo
onde se podia
observar o
sambódromo no
Brasil, e uma grande
multidão a dançar o
samba.
A educadora não
forneceu esta
informação às
crianças e quando o
vídeo terminou,
lançou algumas
questões para
discussão:
- Já tinham visto esta
dança ou ouvido este
tipo de música?
- Qual é a festa que
está a ser
comemorada?
- Sabem qual é o país
onde este vídeo foi
filmado? Que língua
se ouve na música?
- A que continente
acham que pertence?
- Que instrumentos
ouvem nesta música?
Após as respostas e
um breve diálogo,
com a conclusão a
dança era do Brasil, a
educadora referiu que
iria contar uma
história, cujo cenário
era esse país,
indicando que
pertencia ao
continente da
América do Sul, no
mapa mundo
mostrado.
- Reconhecimento
de várias culturas;
- Familiarização
com o fenómeno
migratório;
- Desenvolvimento
de atitudes de
empatia, respeito e
tolerância face ao
outro;
- Familiarização
com noções de
identidade e
alteridade forma
lúdica e
pedagógica;
- Diversidade
cultural;
- Migração;
Semana 1
Sessão a) Exploração da
história; Reconto da
história;
Sessão b) Elaboração de
uma personagem da
história: baiana; 3
Sessão c) Formação de
conjuntos com as casas da
história (de acordo com
vários critérios);
Semana 2
Sessão d) O fabricante de
papagaios de papel da
história: Escultura com
arame e lã;
Sessão e) Lenda
tradicional brasileira
explorada por uma
nativa;
Sessão f) Ordenar uma
sequência de imagens, de
acordo com a lenda; 3
Sessão g) Degustação de
gastronomia típica
brasileira: pão de queijo;
Semana 3
Sessão h) Elaboração de
uma cara, recorrendo a
imagens de diferentes
culturas; 3
Sessão i) Semana dos
contos: Exploração de
histórias relacionadas
com a diversidade
cultural (enviadas pelas
famílias);
Sessão j) Mural coletivo:
‘Partilhar as nossas
semelhanças, celebrar as
nossas diferenças!’; 3
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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173
Quadro 15 - Organização do Bloco de Intervenção D
Descrição das atividades realizadas
Semana 1
Sessão a) As sessões iniciaram-se na sala do computador, onde as crianças estavam
sentadas de frente para o monitor. A educadora colocou um vídeo, onde observaram
durante alguns minutos, imagens do sambódromo no Brasil, em que a multidão estava a
dançar o samba.
Após terminar o vídeo, a educadora questionou as crianças: Já tinham visto esta
dança ou ouvido este tipo de música? Qual é a festa que está a ser comemorada? Houve
algumas crianças que referiram que já tinha visto na televisão e que se passava noutro
país, embora não soubessem referir qual, identificando facilmente a efeméride do
Organização:
A partir das respostas
dadas e do diálogo
gerado em grupo e ao
longo da exploração
da história em
contexto de sala,
surgiu uma
planificação de várias
atividades
pedagógicas
propostas pela
educadora e também
pelas crianças. Estas
foram organizadas
com base nas áreas de
conteúdo,
preconizadas para a
educação pré-escolar
e esquematizadas na
organização
curricular por
histórias; 2
Semana 4
Trabalho de projeto*
Sessão k) Visualização
da curta-metragem da
história “A menina e o
tambor”; Diálogo acerca
da história e das suas
personagens;
Sessão l) Recriação da
história, com recurso a
instrumentos musicais;
Sessão m) Associação de
instrumentos aos
respetivos continentes de
origem; 3
Sessão n) Criação de uma
curta-metragem
recorrendo às imagens de
pessoas de diferentes
culturas presentes na
história; 3
Sessão o) Sessão de
histórias. Visita da
contadora de histórias
cearense, Tâmara
Bezerra.
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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174
Carnaval. Então, a educadora voltou a colocar o vídeo e levantou o som da coluna,
pedindo que todos ouvissem com atenção o que estava a ser dito. Alguns segundos depois
perguntou se já sabiam qual é o país onde este vídeo foi filmado ou a língua que se ouve
na música? A língua foi facilmente identificada como brasileiro, tendo a educadora
explicado que é português, mas do Brasil, pois ambos os países falam a mesma língua.
Posteriormente, voltou a colocar o vídeo, mas desta vez com o monitor desligado e sem
recurso a imagem e perguntou que instrumentos conseguiam ouvir? As crianças
silenciaram-se e ouviram a canção, referindo ouvir tambores e que não conseguiam ouvir
os restantes, porque os tambores e a vozes ‘se ouviam muito alto’.
A educadora mostrou então uma imagem em formato A3, onde se podia ver o
mapa-mundo e mostrou os continentes que já tinham ‘visitado’, nomeando-os um por um
com a ajuda do grupo. Referiu que agora ‘estavam’ no Brasil, e perguntou: Qual será
então o nome do continente a que acham que pertence? (apontando-o com o dedo). Duas
crianças referiram que o que ficava por baixo/’ao pé’ da América do Norte era a América
do Sul.
A educadora assentiu e referiu que a dança típica do país é o samba, sendo que
neste país o Carnaval era uma época muito importante, que todos esperavam ansiosos
durante todo o ano. Levavam o ano a construir os carros, as roupas e a compor as músicas,
para no Carnaval as apresentarem num concurso que tem lugar no sambódromo, que se
chama assim por causa do samba. Disse-lhes que era uma festa muito especial, a que vão
pessoas de todo o mundo assistir, pois é uma parte importante da cultura do Brasil. Referiu
ainda que iria contar uma história que se passava no Brasil, mostrou o livro ‘Dançar nas
nuvens’ e iniciou a exploração da história.
No final o grupo realizou o reconto da história, baseando-se nas imagens do livro
que a educadora ia mostrando. Esta foi colocando algumas questões sobre a história e
pediu-lhes que identificassem uma personagem de branco que figurava na história. Como
ninguém sabia, a educadora explicou tratar-se de uma baiana, uma das figuras mais típicas
do Brasil, que simbolizava as mulheres trabalhadoras do Brasil. Explicou ainda que estas
mulheres tem muitas influências de África, como por exemplo a sua comida, existindo
uma relação muito grande entre os países. Mostrou depois no computador, algumas
imagens onde se podiam observar as baianas, assim como as iguarias típicas que
cozinham, para que as crianças pudessem ver alguns pratos típicos do país.
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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175
Finalmente a educadora questionou algumas das afirmações feitas pelas crianças
durante o reconto e que identificavam a chegada de ‘pessoas de outro país’, vindos ‘da
China, da Rússia, das Caraíbas e da África’, à aldeia da Isabela (personagem principal da
história). Pediu-lhes que explicassem porque tinham usado essa expressão? Houve várias
respostas, indo todas de encontro a uma mesma premissa: era de outro país, pois eram
todos diferentes, uns vinham da China, porque tinham olhos rasgados, outros vinham da
Rússia, pois eram parecidos com as pessoas russas que viram quando ‘viajaram’ até ao
país, outros vinham da África pois tinham a pele mais escura, como nas tribos africanas
ou como ‘o Mateus da outra história e ele vinha das Caraíbas’. Além disso - referiram
ainda - que as roupas eram todas diferentes e estavam relacionadas com os seus países de
origem. Tinham também instrumentos de música que deviam ser usados nos seus países.
Estas justificações originaram um diálogo em que a educadora explicou que estas
pessoas eram migrantes, pessoas que tinham vindo de outros países, países onde haviam
conflitos/guerra e dos quais tiveram que fugir para se abrigar noutro país, mais pacífico.
Assim, nesta história, a aldeia da Isabela ficou cheia de migrantes, pois estas pessoas
precisavam de um novo lugar para morar e quando isso acontecia, todos tinham que
ajudar, pois não se pode deixar ninguém sem ajuda, roupa, casa ou comida. As crianças
pareceram interiorizar bem a mensagem, produzindo de imediato uma justificação
adaptada, que lhes fez mais sentido, mas que resumia o que lhes tinha sido explicado.
Posteriormente ocorreu um breve diálogo sobre o tema, que serviu para colmatar algumas
dúvidas do grupo.
Sessão b) Já na sala de atividades, as crianças encontravam-se sentadas no tapete a
observar o livro de histórias ‘Dançar nas nuvens’. A educadora questionou novamente
quem seria a personagem vestida de branco, que todos identificaram positivamente como
baiana. Mostrou então uma personagem em feltro, que ilustrava a imagem do livro em
formato físico. Esta passou pelo grupo, para que todos a pudessem observar. Voltaram a
conversar sobre quem era a baiana e das suas origens africanas, sendo que a educadora
aproveitou este momento para voltar a reforçar os laços entre culturas e a importâncias
das várias culturas na identidade de uma pessoa ou de um país, pois todos acabam por se
relacionar.
Uma criança questionou a educadora se iriam fazer uma baiana e a educadora
perguntou-lhe porquê. A resposta recaiu em “Estamos no Brasil e a baiana é de lá. A festa
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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176
preferida no Brasil é o Carnaval e o Carnaval está a chegar, por isso podíamos fazer a
baiana, porque é uma mascara, não é?”. A educadora respondeu que era uma boa resposta
e uma excelente ideia, perguntando se todos queriam tentar fazer uma baiana. Como
sugerido pela M.J. A resposta foi positiva e algumas crianças questionaram se podiam
usar outras cores ou se a baiana tinha que ser toda branca, como a personagem da história
e a boneca de feltro que batizaram de Isabela (tal como a personagem principal da
história). A educadora disse-lhes que poderia ser às cores e sugeriu a pintura em filtros
de café, que difundem as cores quando em contato com a água, técnica com que as
crianças já se familiarizaram em experiências realizadas anteriormente. Todos
concordaram, pois assim todas as baianas terão as cores que cada um quiser.
A educadora instruiu as crianças que iriam para a mesa em pequenos grupos, para
pintarem e posteriormente borrifarem os filtros de café com água. Posteriormente e como
foi uma atividade proposta no momento, explicou a sua ideia para terminar a baiana.
Todos iriam pintar o corpo da baiana e teriam à escolha os vários tons de pele, que iriam
ser desenhados previamente. Depois iam aplicar a roupa e o filtro de café pintado (a saia
da baiana). O grupo concordou e deu continuidade à tarefa.
Sessão c) A educadora sentou-se junto das crianças e voltou a mostrar a história, focando
desta vez, as casas que vão aparecendo na história e que possibilitam à personagem
Isabela, chegar até às nuvens. Mostrou imagens das diferentes casas, previamente
impressas em cartolina branca e sugeriu que realizassem uma atividade de grupo, em que
todas as crianças eram chamadas de forma individual e realizavam a tarefa de acordo com
os critérios dados. Assim, as crianças foram chamadas uma a uma, ou em grupos de três,
tendo que atender aos critérios dados e que visavam o domínio da matemática, tais como:
ordenar de acordo com o critério de tamanho, crescente/decrescente, de acordo com a
sequência vertical da história, em grupos de pequeno, médio ou grande, etc.
Semana 2
Sessão d) Nesta sessão, a educadora focou uma das personagens da história, Ulisses, o
fabricante de papagaios. Retomou o tema da migração, pedindo às crianças que lhe
explicassem no que consiste este fenómeno, sendo a resposta ‘são pessoas que vem de
países onde há guerra e tem que fugir, para ir viver em países onde estão seguros” ou
“tem que fugir para sítios onde as ajudam”, “não podem ficar nas suas casas, porque
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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177
correm perigo e não tem comida” ou “são pessoas que precisam de ajuda, temos que lhes
dar roupa quente e comida da nossa”.
Posteriormente, questionou as crianças sobre a nacionalidade do Ulisses e em
grupo, depois de hipóteses como França, África do Sul ou Hungria, a escolha mais
unânime recaiu na Rússia. A educadora relembrou que o Ulisses fez os papagaios, que a
Isabela usou para ‘dançar nas nuvens’ e questionou se seriam capazes de fazer um
papagaio idêntico, para que cada um dos novos habitantes da aldeia pudesse acompanhar
a Isabela na sua brincadeira? Mostrou então uma forma modelada em arame -semelhante
ao papagaio de papel da história - e sugeriu que todos os envolvessem com lã, criando
uma escultura. Explicou que ela e a auxiliar iam atar a lã ao arame e que depois todos
deveriam enrolavam a lã, envolvendo o arame, até acharem estar completo.
Sessão e) Neste dia, a sessão foi realizada na área do tapete, onde a educadora anunciou
que iam ter uma visita vinda do Brasil. Lembrou a todos a sugestão da colega L., cuja
mãe nasceu no Brasil e vinha contar uma história típica do seu país. Assim, a educadora
convidou esta mãe para visitar a sala e agendou a visita.
A Carine chegou e foi convidada a entrar e a sentar-se em frente ao grupo, onde
lhes explicou que a história que ia contar era uma lenda do Brasil e que não tinha um livro
de histórias, pois esta história era contada oralmente, tal como ela ia fazer. Iniciou então
a “Lenda da Vitória-Régia”, explicando que era uma lenda de uma tribo de índios
brasileiros, chamada ‘Tupi-Guarani’, que contava como uma bela índia chamada Naiá
que se apaixonou pela lua e acabou por se transformar numa planta chamada Vitória-
Régia, que apenas abre à noite, com a luz desta. Enquanto contava a lenda, acompanhava-
a com imagens, onde se podiam ver alguns momentos da história.
Após o término da história, a educadora sentou-se ao lado da Carine e pediu às
crianças que recontassem a história, com a ajuda da mãe da L. e das imagens.
Posteriormente, as crianças colocaram algumas perguntas à Carine sobre a história e
também sobre o seu país.
Sessão f) A Carine explicou ao grupo, que tinha trazido uma folha para cada uma deles,
onde figuravam três imagens, que exemplificavam as partes principais da história. Neste
momento, a educadora propôs utilizarem este recurso para realizarem uma atividade no
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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178
âmbito matemático, realizando uma sequência de imagens e questionou a convidada sobre
a sua opinião, convidando-a para ajudar a orientar as crianças durante a atividade.
A educadora pediu então para que todas as crianças se sentassem nas mesas,
sendo que a Carine, a educadora e a auxiliar distribuíram os materiais de desgaste
necessários para a realização da atividade. A educadora pediu que identificassem a folha
com a frase: Lenda brasileira. Posteriormente, pediu à Carine, para proceder a um breve
reconto da história, orientando as crianças na identificação e numeração das imagens de
1 a 3. Ao terminarem a atividade, a mãe da L. anunciou que à tarde, após o lanche, iria
trazer uma surpresa, uma iguaria brasileira para que todos experimentassem: pão de
queijo.
Sessão g) A Carine chegou após o lanche e dirigiu-se até ao grupo que ainda se encontrava
sentado nas mesas do refeitório a terminar o lanche. Após todos terem terminado,
explicou ao grupo que tinha cozinhado pão de queijo, uma receita típica brasileira muito
antiga, que surgiu inicialmente num local chamado Minas Gerais, mas que agora era feita
por todo o Brasil. Explicou que ia dar um pão a cada um, para que todos pudessem provar
e quem gostasse poderia repetir. A educadora e a auxiliar distribuíram guardanapos pelas
mesas, enquanto a Carine ia colocando em cima deste um pão de queijo, para as crianças
provarem. Posteriormente, ofereceu também à equipa de sala, enquanto juntas
observavam as reações das crianças e lhes iam colocando questões acerca da sua opinião.
Houve três crianças que identificaram já ter provado esta iguaria em casa/na rua, mas que
não tinham noção que fazia parte da gastronomia brasileira.
Após todos terem terminado, a Carine deixou os restantes pães de queijo, para quem
quisesse repetir/para oferecer aos restantes pais, quando viessem buscar as crianças ao
final do dia.
Semana 3
Sessão h) Nesta sessão, a educadora retomou o tema da diversidade cultural e da
existência de várias culturas, dentro da mesma cidade/país. Relembrou o fenómeno da
migração, visível na história e conversou brevemente com o grupo sobre estes temas,
recapitulando o que sabiam neste âmbito.
De seguida, sugeriu que poderiam compor uma cara, mas com uma mistura
de várias caras, oriundas de nacionalidades/culturas diferentes, formando assim uma
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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unidade, composta por todos, explicando que a diversidade enriquece-nos, pois
aprendemos e crescemos uns com os outros. A educadora mostrou então imagens de
caras, onde figuravam adultos, adolescentes e crianças de ambos os sexos e as crianças
identificaram as imagens, pois já as conheciam. Haviam-nas utilizado num trabalho
relativo ao bloco de intervenção anterior, na história “As cores de Mateus”. A educadora
explicou que a diversidade de culturas é observável em todas as histórias que tem sido
exploradas na sala e por isso usavam as mesmas imagens, pois este é um ponto comum.
De seguida mostrou novamente as imagens, previamente preparadas e
delimitadas. Explicou às crianças que os materiais necessários estariam na área de
trabalho, assim como as caras, todas expostas para que pudessem escolher. Explicitou
ainda que todas as caras teriam que conter cinco partes constituintes: testa, olhos nariz,
boca e queixo, bastando apenas escolher, os cinco pedaços da cara e montá-las na folha
que lhes seria distribuída.
Sessão i) A educadora solicitou previamente aos pais, o envio de histórias multiculturais
que ilustrassem o contato com o outro/com o diferente e fomentassem o respeito pela
diversidade cultural. Algumas das crianças trouxeram histórias, identificando-se:
“Pinóquio”, “O patinho feio”, “Elmer”, “A pequena coruja branca”, “Os ovos
misteriosos” e um livro previamente explorado “A surpresa de Handa”.
Apesar de ser identificada como uma sessão individual, esta foi ramificada
em cinco momentos diferentes, sendo explorada uma história por dia, como exceção de
“A surpresa de Handa”, utilizada no âmbito do reconto. Após cada sessão foi proposto ao
grupo que identificasse: (i) as personagens principais; (ii) a ação que desencadeou o
problema/conflito; (iii) o(s) elemento(s) diferente(s), salientado as suas caraterísticas e
diferenciando-a de uma forma positiva. Finalmente, foi realizado um breve diálogo, onde
as crianças podiam colocar as suas dúvidas e exprimir as suas opiniões pessoais.
Sessão j) A educadora propôs ao grupo a construção de um mural coletivo, sob o mote
“Partilhar as nossas semelhanças, celebrar as nossas diferenças”. Questionou como
poderiam realizar a tarefa e o T.C. referiu que podiam pintar um ‘papel’ (fundo), onde a
frase seria depois colocada. A L. referiu ainda que podíamos colocar algo à volta, o que
a educadora achou boa ideia, pois poderia ilustrar como somos diferentes e convivemos
positivamente.
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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Questionou então as crianças, pedindo-lhes ideias e as sugestões que
emergiram foram: (a) colocar as suas fotografias, recortadas por elas; (b) desenhar as suas
mãos num papel e decorá-lo a gosto; (c) fazer um desenho com pessoas diferentes.
Após uma votação em grupo, ficou decidido que a opção (b) era a vencedora e a
decoração da sua mão ficaria a cargo de cada um, podendo o grupo escolher de que forma
ia decorar o desenho/pintura/ colagem com os diferentes materiais.
Semana 4 - Trabalho de projeto *
Sessão k)* No início da semana, uma grande maioria do grupo, referiu à educadora que
ainda não tinham falado acerca dos instrumentos musicais que apareciam na história, a
acompanhar as personagens. A educadora registou estes interesses no quadro 16.
Quadro 16 – Trabalho de projeto D
Durante a tarde, dando continuidade aos interesses demonstrados, a educadora
resolveu mostrar ao grupo um vídeo, uma curta-metragem que conta uma história editada
- “A menina e o tambor” - apenas com recurso a música.
Após verem o vídeo, a educadora pediu para lhe explicassem a história e que
deveriam referir o que observaram nesta. A maioria relatou a história coerentemente,
seguindo a linha temporal e conseguindo aprender os conceitos inatos do vídeo, relativos
ao foro emocional das personagens, verificado pelas suas expressões faciais e pela
intensidade da música. Foi ainda relatada a presença de elementos de outros países e
pessoas oriundas de outras culturas. A educadora explicou que esta história era
Trabalho de
projeto
O que sabemos? O que
queremos
saber?
Onde vamos
pesquisar?
O que
queremos
fazer? Instrumentos
típicos de cada
país
- Existem
instrumentos
diferentes em todos
os países;
- Alguns são iguais,
havia maracas em
países diferentes e
elas não eram iguais;
- Sabemos o nome
dos instrumentos
todos que aparecem
na história;
- Qual é o país
dos
instrumentos;
- Podemos
perguntar à Cátia
da música;
- Vemos na história
do “Dançar nas
nuvens”;
- Procuramos
noutras histórias
que tenham
instrumentos;
- Procura-se no
computador da
escola ou no da
Ariana;
- Fazer atividades
com instrumentos;
- Tocar os
instrumentos que
aparecem na
história;
- Tocar
instrumentos dos
países todos;
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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181
semelhante a “Dançar nas nuvens”, pois mostrava a presença de migrantes, oriundos de
vários países e que procuravam abrigo noutros países. Disse-lhes também que tinha
escolhido este vídeo, devido ao interesse na área da música demonstrado pelo grupo, mas
também devido ao tema em questão.
Para dar continuidade ao trabalho de projeto, a educadora pediu às crianças que
referissem aos pais, que deveriam enviar um instrumento, e tinham que pesquisar com as
famílias qual o seu país de origem, para partilharem posteriormente com o grupo. A
educadora transmitiu esta informação aos pais.
Sessão l)* A educadora indicou que indo de encontro ao pedido do grupo, iriámos recriar
o vídeo observado, recorrendo ao uso dos instrumentos que cada um tinha trazido de casa.
Inicialmente todos se sentaram em grupo e identificaram o seu instrumento musical,
assim como o seu país de origem, tal como pesquisado pelos pais.
Depois, a educadora explicou que ia colocar a tocar a música do vídeo no
computador portátil - previamente ligado à coluna - e que cada um deles seria uma das
personagens, recriando a ação do filme. O grupo estipulou que a educadora era a menina
com o tambor, que dá início à história, tendo os restantes que recriar as personagens
observadas no filme e seus comportamentos. Após as explicações deu-se início à
atividade, que teve a duração da música. No final, os instrumentos foram ainda utilizados
para explorar diferentes intensidades, ritmos e silêncios.
Sessão m)* Devido à ligação entre as histórias, em grupo, a educadora sugeriu que
registassem numa tabela, os instrumentos presentes no vídeo observado e os instrumentos
presentes na história “Dançar nas nuvens”, descobrindo os que são comuns. Foram
descobertos nove instrumentos em comum. Posteriormente, foram associadas às suas
origens, através das informações fornecidas pelos pais, com exceção de dois
instrumentos, cuja origem foi pesquisada pela educadora. O grupo esteve ainda a
distribuir os instrumentos, inserindo-os no respetivo continente.
Posteriormente, a educadora sugeriu que realizassem um registo criado por ela, onde
estava impresso o mapa-mundo que todos deviam colorir de acordo com um código
fornecido pela equipa de sala. Cada criança teria depois acesso a nove imagens com os
instrumentos comuns, que deveria associar e colar no respetivo continente.
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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Sessão n) Tendo em conta a temática da migração, relacionada com últimas duas histórias
exploradas, foi proposto a cada criança que realizasse uma curta-metragem, com 4/5
frames, baseada no vídeo. Os frames seriam as imagens da história, previamente
impressas, sendo que cada história deveria ser criada, tendo como critério, a inclusão de
pessoas originárias de outras culturas.
As imagens foram espalhadas na mesa, para que todos pudessem escolher e ter
acesso a estas, devendo cada criança, cortar e montar a sua história, de acordo com a
sequência que pretendesse. No final, deveriam dirigir-se ao adulto, onde teriam que contar
a história, tal como a montaram e dar-lhe um título.
Sessão o) Foi explicado ao grupo que terminada ‘a viagem’ pelo continente sul-americano
iriámos receber uma visita especial do Brasil. Uma amiga da educadora, que era uma
excelente contadora de histórias e que vinha contar-lhes algumas histórias da cultura oral
brasileira.
Recebemos a Tâmara, que se sentou junto ao grupo e se apresentou, explicando que
lhes iria contar algumas histórias, em que iriam aprender alguns factos acerca do seu país,
o Brasil. Posteriormente contou três histórias, sempre recorrendo a instrumentos musicais
e à interação constante com o grupo.
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
______________________________________________________________________
183
Projeto de intervenção
“Volta ao mundo das histórias: descobertas interculturais”
Bloco de
intervenção
Organização por
histórias
Objetivos
específicos
Conteúdos/
temas
Atividades
realizadas E
Continente
explorado:
Ásia
História V:
‘Lili e o Jardim da
Índia’1
Motivação:
Foi colocada a tocar
uma canção referente
ao Diwali -festividade
religiosa indiana - a
qual as crianças
ouviram até ao final.
Após, a educadora
questionou o grupo:
- Já tinham ouvido
esta canção?
- Alguém conhecia
esta língua?
Após, a educadora
mostrou imagens
relativas à cultura
indiana: uma mulher
vestida com o sari
(traje típico), o Taj
Mahal, deuses
hindus, etc.
Questionou depois as
crianças se já sabiam
associar a canção/
imagens a um país?
Após as respostas e
um breve diálogo, a
educadora referiu que
iria contar uma
história, cujo cenário
é a Índia.
Organização:
A partir das respostas
dadas e do diálogo
gerado em grupo e ao
longo da exploração
da história, surgiu
uma planificação de
várias atividades
pedagógicas
propostas pela
educadora e também
pelas crianças. Estas
foram organizadas
com base nas áreas de
- Reconhecimento
de traços
distintivos de
diferentes culturas;
- Compreensão da
religião como um
fator de identidade
cultural;
- Reconhecimento
de diferentes
manifestações
culturais
religiosas;
- Diversidade
cultural e
religiosa;
- Tradições
religiosas do
Hinduísmo;
Semana 1
Sessão a) Exploração e
reconto da história “Lili e
o jardim da Índia”/
Diálogo acerca da
religião (hinduísmo),
tendo como ponto de
partida as festividades do
Diwali (festival das
luzes);
Sessão b) Vamos ouvir e
explorar a canção do
Diwali, na sua versão
original;
Sessão c) Explorando o
Diwali: Vamos fazer uma
‘kandil’; 3
Sessão d) Acróstico da
palavra ‘Índia’; 3
Semana 2
Sessão e) Observação de
imagens dos 5 deuses
mais importantes desta
religião: Krishna,
Ganesha, Hanuman,
Shiva, Rama. Diálogo
acerca do que foi
observado;
Sessão f) Elaboração de
puzzles com as imagens
dos deuses do hinduísmo;
Sessão g) A experiência
das maças;
Semana 3
Sessão h) Explorando o
Diwali: Arte Rangoli;3
Trabalho de projeto*
Sessão i) Vocabulário da
Índia: à descoberta de
palavras desta cultura;
Sessão j) Dia da índia#-
Gastronomia típica
indiana: chapati;
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
______________________________________________________________________
184
Quadro 17 - Organização do Bloco de Intervenção E
Descrição das atividades realizadas
Semana 1
Sessão a) A educadora sentou-se junto às crianças e colocou a tocar uma canção de
origem indiana, onde se ouviam vozes a cantar em hindi. Quando a canção terminou, uma
das crianças referiu de imediato que a avó sabia falar indiano, pois ela tinha nascido em
Goa, que ficava na Índia. Neste seguimento, a educadora questionou se alguém já tinha
ouvido aquela música ou alguma semelhante? Se o grupo conhecia a língua, que a M. já
havia descoberto ser a língua falada na Índia, um país da Ásia.
Após, a educadora mostrou imagens relativas à cultura indiana: uma mulher
vestida com o sari (traje típico), o Taj Mahal, deuses hindus, etc. Perguntou depois às
crianças se sabiam associar a canção/ imagens a um país/continente? Várias crianças
referiram a Índia/Ásia e questionaram se iriam ouvir uma história desse país, sendo a
resposta afirmativa. Após terem ouvido a história, iniciou-se um diálogo acerca do
Diwali, o festival das luzes, uma festa importante na religião indiana. O diálogo incidiu
nas características observadas na história e nas figuras indianas presentes na história,
assim como as suas especificidades.
Sessão b) Após o diálogo a educadora propôs escutarem a canção do Diwali novamente,
para tentarem cantar alguns excertos desta, em hindi. Por trechos e com associação de
gestos, a educadora cantou a canção, sendo que as crianças repetiram logo de seguida,
realizando os gestos correspondentes. A atividade durou alguns minutos, tendo as
crianças memorizado o refrão, assim como a melodia da canção.
conteúdo,
preconizadas para a
educação pré-escolar
e esquematizadas na
organização
curricular por
histórias; 2
#Nota: Ao longo deste
dia, foi celebrado o dia da
Índia, sendo que as
crianças foram vestidas a
rigor pelos pais. Durante
o dia foi explorada esta
cultura (saudações,
vocabulário aprendido,
comida típica, etc.)
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
______________________________________________________________________
185
Sessão c) De acordo com as características do Diwali (festival das luzes), exploradas na
história, a educadora propôs ao grupo a construção de uma ‘kandil’, uma lanterna que se
encontra pendurada em todas as portas durante os festejos do festival. A educadora
mostrou um exemplo e explicou que este iria ficar pendurado na sala, para que todos
pudessem perceber como se montavam todas as peças da lanterna. As crianças
concordaram e em pequenos grupos dirigiram-se à área de trabalho, onde estava disposto
o material. Cada criança tinha á sua diposição, um leque de cores variado, podendo
escolher quais as cores que pretendia para elaborar o seu trabalho autonomamente.
Sessão d) As crianças encontravam-se sentadas no tapete juntamente com a educadora,
após terem explorado mais uma história do projeto em parceria com os pais “Conta-me
um conto com…” e realizado jogos que visavam a consciência fonológica (divisão
silábica, identificação de sílaba de som inicial, nomeação de palavras iniciadas por
diferentes sons, etc.) baseados nesta.
A educadora sugeriu que utilizassem uma palavra relacionada com a história
escutada, para criarem um acróstico, ou seja, novas palavras, a partir das letras da palavra
escolhida. Foram sugeridas várias palavras e após um breve diálogo, a palavra escolhida
foi ‘Índia’. Assim, em grupo, as crianças foram nomeando palavras iniciadas pelas letras
que compõem a palavra (ex.: I - ilha, N - nuvens, etc…). A educadora sugeriu que cada
um registasse aquilo que tinha dito e posteriormente, no período da tarde, entregou uma
folha de registo com a palavra, onde cada criança registou as palavras através da escrita
e de forma individual.
Semana 2
Sessão e) Dando continuidade ao tema, nesta semana o grupo abordou os principais
deuses do hinduísmo, festejados no decorrer do Diwali. Assim, sentada no centro do
grupo, a educadora mostrou algumas imagens dos deuses Krishna, Ganesha, Hanuman,
Shiva e Rama, em formato A4.
As imagens passaram por todas as crianças, que as observaram atentamente.
Posteriormente, gerou-se um diálogo, sendo que a educadora lançou algumas questões
que serviram de ponto de partida, tais como: quais as características mais evidentes de
cada um dos deuses? O que teriam em comum? A partir destas, as crianças expuseram as
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
______________________________________________________________________
186
suas opiniões/conceções, tendo como base as imagens que se mantinham ao centro do
grupo, para que todos as pudessem observar.
Nota: No dia seguinte os pais do T., enviaram uma estatueta da deusa Ganesha, que a
criança identificou corretamente em casa. A partir desta, gerou-se um diálogo em que as
crianças estiveram a comparar semelhanças/diferenças entre a imagem mostrada no dia
anterior e a estátua trazida pelo T.
Sessão f) No decorrer das sessões anteriores, a educadora sugeriu ao grupo, a elaboração
de puzzles, a partir das imagens dos deuses, utilizadas anteriormente. Assim, cada criança
escolheu a imagem pretendida, imagem essa que foi posteriormente marcada/dividida em
peças. Posteriormente, em pequeno grupo as crianças recortaram e montaram -
autonomamente e com base na imagem inicial - o puzzle que correspondia ao deus hindu
escolhido.
Sessão g) Esta atividade foi proposta às crianças na área do tapete, onde o grupo estava
reunido. O seu objetivo recaiu na consciencialização para a diversidade cultural.
A educadora sugeriu realizarem uma experiência e apresentou duas maçãs:
uma vermelha e uma amarela, o que suscitou a curiosidade de várias crianças. A
educadora explicou que iria comparar ambas, concluindo quais as semelhanças e
diferenças, caso existissem.
Assim, abriu as maçãs ao meio, colocando cada uma delas num pequeno praro raso
de plástico. Os pratos foram colocados no centro do grupo, para que todos os pudessem
observar atentamente. Pediu às crianças que dessem as suas opiniões acerca do que lhes
parecia igual e/ou diferente em cada uma das maçãs. Posteriormente, pegou em ambas as
maçãs e partiu-as em porções iguais e distribuiu um pedaço por cada criança, primeiro da
maça vermelha e depois como a maçã amarela. Todos provaram as maçãs e deram as suas
opiniões acerca do tema. Inicialmente foram focadas as semelhanças e posteriormente as
diferenças, que foram registadas no quadro 18:
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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187
Quadro 18 - Registo das conclusões: Experiência das maçãs
O grupo concluiu que as maçãs teriam várias semelhanças e registaram crianças
duas diferenças, a nível de cor e sabor, recapitulando que temos mais semelhanças que
diferenças.
Foi elaborado um registo como o protocolo, as fotografias e as conclusões da
experiência, que foi posteriormente exposto no exterior da sala e enviado para os pais,
nas cadernetas do aluno.
Semana 3
Sessão h) Esta semana foram novamente focadas as características do Diwali,
nomeadamente a Arte‘Rangoli’.esta é bastante utilizada no decorrer do festival e
constituída por padrões variados, desenhados no chão das casas na Índia (entradas, salas,
etc.) e coloridos com arroz/areia colorida ou pétalas de rosa. Assim, a educadora sugeriu
que cada criança criasse a sua própria versão deste tipo de arte típica.
Algumas crianças expressaram que não queriam desenhar, que preferiam apenas
colorir os espaços. Então, em grupo, as crianças decidiram que a educadora ia pesquisar
as imagens e depois cada um podia escolher a sua preferida, para realizar a atividade. A
educadora sugeriu então colorirem as imagens com materiais de expressão plástica (lápis
de cor, marcadores), mas também recorrendo a sal colorido, o que suscitou muito
interesse.
Semelhanças Diferenças
- Tem a mesma forma,
são redondas;
- São frutas;
- Tem casca à volta;
- Por dentro tem a
mesma cor;
- Tem sementes;
- Comem-se;
- São duras;
- Vem das macieiras;
- A cor da casca
(vermelho e amarela);
- O sabor (uma é mais
doce e outra é mais
ácida);
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
______________________________________________________________________
188
No dia seguinte, numa 1ª fase da atividade, a educadora apresentou vários padrões de
Arte‘Rangoli’ e trouxe também para a sala uma ‘Bimby’, sal e giz. A educadora colocou
uma porção de sal dentro da máquina, enquanto as crianças acrescentavam o giz partido
aos pedaços, que eram depois pulverizados, ficando semelhantes a areia colorida. O
processo foi repetido várias vezes, até originar várias cores.
Na 2ªfase as crianças pintaram uma parte do desenho escolhido e posteriormente
recorreram ao apoio da equipa de sala para colocar cola branca nas partes da folha que
estas referiam. Depois, cada criança aplicou sal das cores escolhidas em cima da cola,
compondo a sua produção.
Trabalho de projeto *
Sessão i)* Dando continuidade aos pedidos do grupo ao longo do trabalho com a história,
a educadora resumiu os interesses, no quadro 19.
Quadro 19 - Trabalho de projeto E
Nesta 1ª fase do trabalho de projeto, o grupo reuniu-se e esteve a enunciar as
palavras indianas que conheciam, pedindo ajuda à educadora, para ler mais palavras na
história “Lili e o jardim da Índia”. Assim, nomearam: Diwali, Kandil, Rangoli, Sari,
Krishna, Ganesha, Hanuman, Hindi, Namastê e Taj Mahal. Quando nomeava a palavra,
Trabalho de
projeto
O que sabemos? O que
queremos
saber?
Onde vamos
pesquisar?
O que
queremos
fazer? Aprender
características da
cultura indiana
-Conhecemos
algumas palavras
usadas na Índia;
- Não são iguais às
palavras de Portugal;
- Na Índia, as pessoas
falam a língua hindi;
- Lá, vestem-se de
outra maneira, com
muitas cores e roupas
compridas;
- A minha avó nasceu
em Goa, que é na
Índia. Ela sabe fazer
comidas de lá e tem
roupas de lá também;
- O que querem
dizer as palavras
que aprendemos
na sala;
- Provar a
comida da avó
da M;
- Ver roupas de
verdade da
Índia;
- Perguntamos à
avó da M, e se
calhar à mãe e ao
pai dela;
- Vemos na história
da “Lili”;
- Procura-se no
computador;
- Perguntamos aos
pais e às mães;
- Pedimos à M, para
pedir roupas à avó
dela;
- Fazer comida
da Índia;
- Escrever as
palavras que
sabemos;
- Ver as roupas
de lá;
- Vestir as
roupas, se a avó
da M. deixar;
Capítulo 6 - Plano e Desenvolvimento da Ação Pedagógica
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189
a criança deveria ir até ao quadro de ardósia, e registá-la, com a ajuda da educadora que
nomeava as letras que a compunham. Numa 2ª fase surgiu um diálogo em que as crianças,
juntamente com a educadora, estiveram a dizer o que significava cada uma palavra.
A educadora registou as conclusões e partilhou-as com os pais, via correio
electrónico.
Sessão j)* A educadora convidou a mãe e avó da M. a vir até à sala, cozinhar uma receita
da Índia com o grupo. Devido a acontecimentos externos, a família não pôde deslocar-se
à escola, no entanto a mãe recolheu uma receita, junto da avó, que enviou à educadora.
Enviou também um Sari para o grupo observar.
Assim, a educadora propôs ao grupo realizarem a receita de “Chapati”, um pão
indiano. Questionou também as crianças, no sentido de saber o seu interesse numa
atividade temática que chamou de “Dia da Índia”, em que os pais e as crianças deveriam
realizar uma pesquisa de imagens e elaborar uma roupa semelhante, para que no dia
escolhido, todos pudessem vir vestidos de indianos. Todos ficaram bastante
entusiasmados, pelo que o dia foi marcado e o pedido enviado para os pais na caderneta
no aluno e por via eletrónica.
No dia escolhido todas as crianças, assim como a equipa de sala integraram o
grupo, vestidas/pintadas de acordo com o que estas e os pais tinham escolhido. Neste dia,
foi também confecionada a receita de “Chapati”, na qual as crianças juntaram os
ingredientes e amassaram a massa em pequenos pedaços. Quando terminaram, a
educadora dirigiu-se à cozinha, onde estendeu a massa e a assou na frigideira quente. Na
hora do lanche, as crianças comeram o pão quente com manteiga, tal como recomendado
pela avó da M.
O “Chapati” que restou foi deixado na sala e partilhado com os pais ao final do
dia, quando vinham buscar os seus educandos.
Capítulo 7 - Análise e Interpretação de Dados
_____________________________________________________________________________
190
CAPÍTULO 7
ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DE DADOS
Após se terem realizado os registos das observações/interações (Anexo 6 - Notas de
campo), procedeu-se à interpretação dos dados recolhidos. Neste capítulo serão apresentados
os resultados de análise dos dados recolhidos, através das observações realizadas entre
setembro de 2016 e maio de 2017. Pretende-se realizar a análise, através do cruzamento
de dados, tendo em conta o desenvolvimento da intervenção pedagógica, das notas de
campo recolhidas e dos objetivos da investigação.
Existiram cinco momentos fundamentais na recolha de dados, cada um deles
associado a um bloco de intervenção do projeto. Os blocos iniciaram-se em outubro de
2016 e foram-se sucedendo ao longo do ano letivo, de acordo com uma sequência pré-
determinada. Na análise pretendem-se evidenciar as mudanças ocorridas ao longo do
tempo, nomeadamente as aprendizagens e experiências interculturais evidentes no
comportamento das crianças, durante e após o trabalho pedagógico com as histórias
infantis. O plano de atividades proposto neste estudo representa uma forma de abordagem
para promover o desenvolvimento de competência intercultural de forma gradual e
contínua.
Tendo presente que esta investigação visa compreender de que forma a literatura
infantil age como estratégia educativa no desenvolvimento da interculturalidade,
retomam-se os objetivos do estudo: (i) compreender as experiências interculturais de
exploração de literatura infantil, nas relações sociais das crianças com pares e adultos e
na sua perceção do mundo envolvente; (ii) compreender quais as aprendizagens
interculturais patentes no comportamento das crianças e fomentar o desenvolvimento de
competência intercultural.
As notas de campo originais (Anexo 6 – Notas de campo) estão numeradas (de NC.1 a NC.40,
sempre que é iniciada uma nova entrada, no início do parágrafo do lado esquerdo). As
referências integradas na análise serão identificadas no final de cada excerto.
Capítulo 7 - Análise e Interpretação de Dados
_____________________________________________________________________________
191
1. Compreender as experiências interculturais de exploração de literatura
infantil, patentes nas relações sociais das crianças com pares e adultos e na
sua perceção do mundo envolvente.
As experiências interculturais fomentadas agiram como estratégia educativa
(Oliveira e Sequeira, 2012) e agiram como um elemento potenciador de aprendizagens,
que culminasse em crescimento e desenvolvimento das crianças a vários níveis. A partir
da exploração da literatura infantil e das dinâmicas surgidas ao longo do projeto, foram
vivenciados momentos que permitem concluir que as crianças atravessaram um processo
gradual de enriquecimento cultural, social, relacional e pessoal, percetível através dos
seus comportamentos e sobretudo das suas atitudes, manifestados gradualmente durante
o desenvolvimento da ação pedagógica. As estratégias pedagógicas evidenciadas no
desenvolvimento da interculturalidade tiveram as histórias como pano de fundo, o que
amplificou dinâmicas como o diálogo acerca do conteúdo das narrativas, assim como as
atividades derivantes deste.
Este objetivo articulou-se em diferentes experiências decorrentes do processo,
nomeadamente:
(i) o envolvimento crescente da participação das crianças na construção e
desenvolvimento do projeto;
Existiram várias dinâmicas ao longo do processo, no entanto uma das mais
importantes - e talvez a mais relevante - recaiu nos processos participativos. Segundo
Carvalho (2015) reconhecer a criança como ator social implica a promoção da ampliação
dos seus direitos sociais de participação na sociedade e na educação de infância. Ou seja,
o processo educativo deve incidir em “escutar suas vozes e incluir suas formas próprias
de pensar e agir (…)” (Ibidem, p.125), criando espaços de abertura que potenciaram a
participação e as escolhas nos diálogos de grupo e nas propostas a serem realizadas, “pois
se a criança elabora teorias e perguntas e é coprotagonista da construção dos
conhecimentos, a ação educativa não é de transmitir mas a de escutar” (Malavasi e
Zoccatelli, 2013:8), tornando-se função da educadora propiciar estes momentos e
legitimar as curiosidades evidenciadas pelas crianças.
Sendo finalidade do projeto proporcionar experiências de aprendizagem
pedagógicas e ricas no domínio intercultural, foi importante considerar as crianças como
competentes e “capazes de participar com suas diferentes linguagens na tomada de
decisões sobre temas que lhe dizem respeito” (Carvalho, 2015:130). Assim, em várias
Capítulo 7 - Análise e Interpretação de Dados
_____________________________________________________________________________
192
ocasiões, o grupo de crianças envolveu-se em trocas de ideias, na planificação das
atividades e nas pesquisas realizadas, tendo em conta os seus interesses e implicando-as
ativamente nas experiências, para que as aprendizagens se tornassem realmente
significativas e promovessem o trabalho cooperativo, o respeito mútuo e a aceitação do
ponto de vista do Outro. A tomada de decisões participada foi percetível após a
exploração da história I com a falante nativa de russo (elemento integrante da comunidade
educativa), em que um menino expressou a sua sugestão: “podíamos escrever numa folha
nabo, que é repka. Podemos Ariana?” (NC.4), concretizada no trabalho de projeto A.
Também na escolha das atividades aquando da exploração da arte italiana, onde sugeriram
“eu quero, gosto de pintar e é importante aprendermos coisas de outros países. Podemos
votar no quadro” (NC.11). De igual modo, na descoberta da tribo Luo, após a exploração
da história III , as crianças propuseram pesquisar na internet, questionando “podemos ver
fotografias de verdade deles no computador?” (NC.15), com o intuito de descobrirem
mais factos sobre este povo, assim como propuseram divulgar os instrumentos musicais
enviados pelos pais em grande grupo, perguntando “quando podemos mostrar aos amigos
e explicar o que é?” (NC.19), bem como sugerindo ainda ideias para as atividades a
desenvolver no bloco de intervenção C, tendo uma criança referido que “gostava de fazer
canções, músicas e danças para os outros” (NC.25). Existiram crianças que tomaram a
iniciativa de forma recorrente, para propor e/ou escolher uma atividade ou pesquisa
relacionada com o tema a explorar, pretendendo dar a sua opinião em contexto de grupo
e tendo capacidade para fundamentarem o seu ponto de vista.
Assim é possível apurar que existiram espaços de participação evidentes em que
o grupo esteve implicado ativamente, pois teve uma participação na
planificação/implementação de diversas atividades, nomeadamente no âmbito dos vários
trabalhos de projeto, oriundos dos interesses demonstrados pelas crianças ao longo do
plano de intervenção. A metodologia de trabalho de projeto focou-se numa perspetiva de
aprendizagem colaborativa (Cortesão e Stoer, 1996; Oliveira-Formosinho et al, 2011;
Malavasi e Zoccatelli, 2013) e valorizou os interesses das crianças, que sob a mediação
da educadora escolheram, planificaram, colocaram questões e pesquisaram (Vasconcelos
et al, 2012). Através das experiências vivenciadas através deste método educativo, as
crianças evidenciaram mobilizar outras experiências resultantes do processo, tal como a
participação das famílias, evidente no trabalho de projeto B, onde se afirmou “podíamos
pedir ajuda aos nossos pais também” (NC.18), estando a criança a referir-se aos materiais
Capítulo 7 - Análise e Interpretação de Dados
_____________________________________________________________________________
193
a recolher para a concretização das atividades planificadas, na exploração das tradições
musicais africanas.
As crianças demonstraram vontade de divulgar o seu trabalho e os conhecimentos
adquiridos ao longo do desenvolvimento das atividades e das interações resultantes
destas, aos colegas da instituição, especialmente no trabalho de projeto C que se movia à
volta do preconceito do racismo e da discriminação. Neste projeto refletiram em torno da
questão “Como podemos combater o racismo?”, tentando encontrar estratégias para
resolver este conflito cultural e as dicotomias de poder entre as crianças brancas, nativas
do espaço (Morgado e Pires, 2010) e o Mateus, elemento recém-chegado que se tentava
enquadrar. Este foi o tema que mobilizou mais ‘ferramentas’ emocionais e empáticas no
grupo. As crianças afirmaram “pois, porque ele não sabem como nós, não leram a história
e depois não sabem que isso [racismo] não se faz e nós vamos explicar a eles” (NC.25)
e também “mas vamos ensaiar e depois mostrar aos outros meninos da escola, não é?
Nós sabemos muitas coisas da história do Mateus. Interroguei: Sabem o quê? A M.J.
afirmou: Muitas coisas do racismo e dos meninos que são adotados e são filhos do
coração. A L.C. disse: aprendemos que temos que ser amigos de todos os meninos, não
faz mal ser diferente, isso é bonito” (NC.26). Afirmações como esta denotam a integração
de conhecimentos, atitudes e competências ligados à interculturalidade, comprovando o
papel da pedagogia de projeto na criação de uma cultura escolar que fomenta o papel da
criança como um ser capaz, pensante, que carece de compreender o mundo que a rodeia
e nele participar, que vê a criança como “alguém aberto ao novo e ao diferente” (Barbosa
e Horn, 2008:87). Os projetos contaram com a mobilização da maior parte do grupo,
embora existissem crianças que não participavam tão ativamente, quer na escolha das
atividades, quer no desenvolvimento destas. Tal poderá estar relacionado com a sua
personalidade ou com o grau de interesse em alguns temas trabalhados.
As interações entre pares foram um dos fatores potenciadores do desenvolvimento
do grupo, funcionando como um catalisador da construção coletiva. Existiram vários
espaços de diálogo e reflexão entre crianças e adulto-criança. O processo de mudança no
grupo foi sentido ao longo do projeto, tornando-se mais evidente em momentos de
interação, quer em pequeno, quer em grande grupo, o que fica patente em: “acho que se
formos diferentes é mais giro que sermos iguais aos outros…” (NC.2);
“Eugénia, lá na Rússia há pessoas de várias cores? Com cores da pele, com cores todas
diferentes?” (NC.4);
Capítulo 7 - Análise e Interpretação de Dados
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194
“Na história das tribos, há muitas coisas diferentes de Portugal... esses meninos são
diferentes de nós.” (NC.15);
“A minha história também fala das tradições das tribos, fala dos colares (…)” (NC.20);
“Acho que é isso, não querer ser amigo de alguém diferente e isso está mal, temos que
ser amigos de todos. (NC.22);
“Aprendemos coisas com os outros e isso é importante para todos, não é?” (NC.31).
Momentos como estes são fundamentais, quando se procura educar para a cidadania
intercultural (Cardoso, 1998; Byram, 2008). Ao incluir experiências deste âmbito no
currículo pré-escolar, as crianças:
“begin to see how their attitudes, knowledge, and language skills can affect their intercultural
experiences. As a result, students will gain an understanding of how to enter into intercultural
situations with an open mind (…)” (Moeller e Nugent, 2014:14).
Nas experiências descritas ficou evidente que é na educação pré-escolar que a
criança vivencia dinâmicas relacionais e aprendizagens com sentido, que interioriza e
transporta para outras situações que experiencie, o que a prepara para o exercício da
cidadania. No contexto da sala, as crianças exercem o “direito de participar, [e] em que a
diferença de género, social, física, cognitiva, religiosa e étnica é aceite numa perspetiva
de equidade” (Silva et al, 2016:39). Indo ao encontro do que está preconizado nos
objetivos definidos para o pré-escolar na Lei-Quadro (Lei n.º 5/97, de 10 de fevereiro) e
nas OCEPE (2016), a organização do grupo e as dinâmicas de interação entre adultos e
crianças, funcionaram como estímulo para as crianças participarem, para se expressarem,
tomando decisões e consciencializando-se de outros pontos de vista e da diversidade.
(ii) A participação das famílias e a mediação das crianças na relação escola-
família;
Ainda no âmbito da participação, o balanço do projeto de intervenção e a análise
das notas de campo, permitem destacar o papel dos adultos no processo. As famílias,
nomeadamente os pais e alguns avós, atuaram como entidades de apoio aos interesses das
crianças, servindo de coorientadores e consequentemente de facilitadores do
desenvolvimento de competência intercultural. Deste modo, as dinâmicas de participação
familiar tiveram também um papel fundamental nas experiências interculturais
vivenciadas. Silva et al (2016: 10) defendem esta ideia, advogando que “para a construção
de um ambiente inclusivo e valorizador da diversidade, é também fundamental que (…)
pais/famílias sejam considerados como parceiros (…).”
Capítulo 7 - Análise e Interpretação de Dados
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195
Existiram diversos momentos em que as famílias concretizaram intervenções,
quer em contexto de sala, quer em contexto familiar. Uma das dinâmicas criadas foi o
projeto desenvolvido em parceria com os pais, para a elaboração de um livro de receitas
do mundo, composto por receitas enviadas pelas famílias que pretendessem participar.
Mas o projeto que mais impactou o grupo foi denominado de “Conta-me um
conto com…”, um projeto que surgia em paralelo com a exploração dos diferentes
continentes e as histórias escolhidas. Assim, enquanto o continente era explorado em sala
(através da história), o projeto desenvolvia-se nesse mesmo continente, mas em contexto
familiar, sendo a escolha do país a retratar da exclusiva responsabilidade dos
pais/crianças. Cada continente era acompanhado de uma figura em feltro, que retratava
uma cultura presente neste (ex. América do Sul - Isabela, a baiana; Europa - Oleg, o russo,
etc.). Esta figura acompanhava as crianças durante uma semana, agindo como uma ponte
entre o trabalho de sala e o trabalho desenvolvido com os pais.
Este projeto motivou os interesses das crianças, muito provavelmente devido à
participação ativa que muitas delas tiveram no meio familiar. Nas sessões em contexto de
sala, algumas das crianças explicavam os factos da história e o processo de elaboração
desta com as famílias de forma entusiasta, explicando: “a minha mãe fez esse trabalho
durante muito tempo, explicou-me muitas coisas sobre Angola. E eu também expliquei
várias coisas das tribos africanas a ela, contei-lhe muitas coisas e tradições. Até apontei
onde ficava no globo, eu já sei Ariana” (NC.34). Esta implicação direta conduziu ao
desencadear da motivação das crianças nas descobertas acerca das culturas retratadas nas
suas histórias.
A interação e os processos dialógicos das crianças com os adultos de referência,
nomeadamente com a equipa de sala e as famílias, contribuíram para alargar as trocas de
informação das crianças a outros contextos, o que lhes que permitiu aumentar os seus
conhecimentos a outros contextos e criar uma maior proximidade/interação entre escola
e família (Silva et al, 2016). Neste âmbito, é importante salientar o trabalho efetuado a
dois níveis: as crianças como mediadoras da relação escola-família (Silva et al, 2016),
dimensão em que as crianças facilitaram a aproximação e colaboração entre a escola e a
família, promovendo e/ou solicitando a participação familiar no contexto educativo, como
se pode ver no seguinte exemplo: “a C. gostava que a mãe dela viesse cá e ela podia
ensinar-nos coisas, como a Eugénia” (NC.6), nota de campo que explicita a vontade de
uma criança em partilhar a cultura da sua mãe com os pares, o que culminou na visita da
mãe - de origem romena - à sala, no bloco de intervenção A. Ainda neste bloco uma das
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crianças reconheceu em sua casa, “os ovos da Roménia mãe, os pintados, temos que levar
para a Ariana e os amigos verem” (NC.7), pedindo para os divulgar ao grupo. Esta
relação escola-família torna-se evidente também na atitude entusiasta com que as crianças
acolheram a pesquisa para o trabalho de projeto B, acerca dos instrumentos musicais
presentes na canção Funga Alafia: “ (…) diz que tem que falar com a Ariana e com os
colegas para decidirem o que vão fazer sobre as maracas.” / “Vão fazer maracas e a
Ariana mandou pesquisar e temos que pesquisar (…) A Mãe do F. interpelou e disse:
Olha o meu não me conta nada, mas ontem só falava da música e das maracas e das
fotografias.” (NC.17). Fica igualmente clara na solicitação da ajuda dos pais na recolha
de objetos referentes a diferentes países, tal como explicitado nos blocos B e E,
respetivamente: (…) farta-se de contar coisas e de perguntar se temos alguma coisa do
país que estiverem a trabalhar para trazer?” (NC.17);
”Eu pedi aos meus pais e tenho uma coisa para mostrar aos amigos, eu trouxe uma
estátua da Ganesha que estava na minha casa (…)” (NC.36).
Estas trocas de informações/opiniões, só foram possíveis devido ao papel que as crianças
assumiram como mediadoras do processo escola-família, que facilitou bastante a
aproximação entre os pais e a educadora. Foram vários os momentos em que os pais
transmitiram as conversas mantidas com as crianças, maioritariamente tendo como base
as histórias. Os objetos enviados pelos pais foram mais uma forma de participação na
vida escolar e reportavam-se a diferentes comunidades, promovendo o contato ativo das
crianças com outras culturas (Ellis e Brewster, 2014). É importante referir que estes
comportamentos das crianças promoveram ainda a continuidade das aprendizagens
escolares no contexto familiar (McDermott, 2008), dando um papel de maior destaque
aos pais, na sua vida escolar.
Salientam-se ainda as opiniões expressas pelas famílias no decorrer do
desenvolvimento do projeto. Potenciar as relações entre a família e a escola, fomenta
uma “escola intercultural” (Silva, 2003), pois ambos os agentes são considerados partes
igualitárias do processo de ensino-aprendizagem, tendo os dois uma influência basilar na
vida escolar das crianças. Também Silva et al (2016: 28) afirmam que “os pais/famílias
e o estabelecimento de educação pré-escolar são dois contextos sociais que contribuem
para a educação da mesma criança; importa, por isso, que haja uma relação entre estes
dois sistemas.” Como exemplos destas dinâmicas relacionais, salientam-se alguns
momentos. Em relação ao bloco de intervenção A, aquando do trabalho de projeto acerca
dos instrumentos musicais utilizados no continente africano, uma mãe referiu: “o meu
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filho não se cala com a viagem à volta do mundo, diz que vai viajar para a Europa e para
Índia. (…) Sabes, nós temos que aprender coisas sobre outros países, a Ariana diz que
temos que saber como são as outras pessoas e conhecer os seus países” (NC.10), ou na
opinião da mãe romena, que visitou a sala, acerca dos trabalhos elaborados no âmbito da
exploração da Roménia, desenvolvido no bloco de intervenção A. A Alexandra afirmou
“(…) agradecer o trabalho que está a fazer com a C. (…) este toca o meu coração.
Quando vi o seu placar sobre a Roménia, até fiquei com lágrimas nos olhos. Com o
castelo e os ovos pintados, todos os pais a verem e a comentarem...Nunca tinha visto
ninguém daqui dar interesse ao meu país e ver que está a trabalhar isto com os meninos
deixa-me tão feliz. (…) Sabe ela só faz isso aqui, consigo, tem muito interesse na Roménia
agora que a Ariana puxa por eles nesse sentido. Em casa ela não quer aprender nada,
nem quer saber nada, não quer falar, diz sempre que está cansada. Ver e ouvir a minha
filha a falar do meu país com tanto entusiasmo, perguntar-me sobre o meu país, como se
dizerem certas palavras querer trazer coisas lá de casa, é mesmo por causa da escola e
da Ariana. E por isso agradeço” (NC.14).
Tendo como base o trabalho pedagógico realizado a partir das narrativas, as
crianças evidenciaram comportamentos de entusiasmo e motivação, o que foi reportado
pelos pais, tal como: “eu vejo a M.C. motivada, desejosa de vir para a escola e conta-me
imensas coisas que aprende. Vê-se que aprende mesmo factos sobre as culturas”
(NC.40). Este trabalho foi promovendo diálogos constantes em contexto familiar, onde
as crianças reportavam as temáticas apreendidas nas histórias: “agora é só falar da África
e dos colares e da tradição. (…) Sim, explicou-me a mim e ao pai ao jantar, é uma coisa
que se transmite de umas pessoas para outras” (NC.17).
Desta forma se subentende a importância da criação de culturas de participação
que promovam o envolvimento familiar no ambiente escolar, assim como a importância
dos processos interculturais no desenvolvimento de crianças em idade pré-escolar.
Deve ser referido que a participação nos projetos era aberta e não impositiva,
sendo a participação facultativa a quem estivesse interessado em contribuir. A adesão foi
bastante positiva, tendo mobilizando a grande maioria das famílias nos projetos. Das 24
famílias, 22 aderiram ao projeto “Conta-me um conto com…” e 18 contribuíram com
receitas para a elaboração do livro de receitas do mundo. Existiram também diversas
famílias que contribuíram na recolha de materiais para as atividades, nos trabalhos
enviados para casa e também no envio de materiais relacionados com as culturas
exploradas.
Capítulo 7 - Análise e Interpretação de Dados
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Também no diálogo acerca do trabalho desenvolvido nos blocos de intervenção C
e D, com foco na temática do racismo e migração, Carine, a mãe brasileira que veio contar
uma história à sala, salientou que “ lá no Brasil eu era professora da 1ª série e sei quão
importante é promover hábitos de leitura e empatia nessas crianças. Nossa, eu via todos
os dias. Eu digo para você, gostei da sua iniciativa, a L. me conta tudo do que faz aqui
com vocês e eu acho que ela está entendendo bem o vosso projeto da interculturalidade.
Ela me diz coisas que eu fico super admirada, como no outro dia no jantar, ela me disse:
Mamãe, hoje eu aprendi que há pessoas que não gostam de quem é diferente só porque
é de outra cor, isso é muito feio, não é? E noutro dia ela me falou que existem pessoas
que fogem do seu país porque há guerra e vem se abrigar em Portugal. Achei uma delícia
minha filha de 5 anos me dizendo isso” (NC.30). Noutra conversa surgida durante o
trabalho desenvolvido no bloco de intervenção E, que focava a temática da religião, uma
das mães salientava que “só sei que ele me disse que esta é uma deusa indiana, que é a
Ganesha, é muito importante, olhe fiquei de boca aberta. Um miúdo de 4 anos a dizer-
me isto. Então não se calou até guardar a estátua na mala para hoje trazer” (NC.36).
Deste modo, “pensar a escola como comunidade educativa, que inclui em seus projetos a
participação da família (…) significa ampliar as fronteiras sociais” (Barbosa e Horn,
2008:89).
(iii) a integração de conteúdos curriculares a partir da exploração das
histórias, numa perspetiva holística;
De salientar que o projeto de intervenção se pautou pela integração de conteúdos
que articulassem o currículo pré-escolar, encadeando todas as áreas de conteúdo, o que
pressupõe a aprendizagem numa perspetiva holística, “dado que a construção do saber se
processa de forma integrada e há inter-relações entre os diferentes conteúdos” (Silva et
al, 2016:31), com os fundamentos educativos descritos nas OCEPE, que se correlacionam
com as conceções da educação intercultural, expressas através das áreas e temas sociais
explorados ao longo da intervenção pedagógica e manifestados nas aprendizagens
realizadas nas diferentes dimensões dos modelos de competência intercultural de Byram
(1997) e de Deardorff (2006).
As crianças já possuíam conhecimentos relativos ao meio social e cultural,
adquiridos nos seus contextos familiares e nas vivências realizadas no jardim de infância
(Silva et al, 2016). As histórias emergiram como catalisadores que fomentaram uma
consciencialização gradual das crianças acerca do seu papel social e das dimensões
culturais do mundo envolvente, que remetiam para uma visão mais ampla da
Capítulo 7 - Análise e Interpretação de Dados
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multiculturalidade, permitindo-lhes “a compreensão gradual da sua situação no espaço e
no tempo sociais” (Ibidem, p.88).
Deste modo, os processos colaborativos, assim como as narrativas, foram o
veículo para a integração curricular, emergindo como uma dinâmica alargada, através do
envolvimento das crianças no processo de descoberta do Outro, na exploração dos
conhecimentos acerca do meio envolvente e na reflexão acerca da diversidade e da
necessidade de equilíbrio das dicotomias, sendo que:
o desenvolvimento contextualizado e articulado destes saberes permitirá à criança conhecer
as características da sua e de outras comunidades, os seus hábitos, costumes, tradições e
elementos do património cultural e paisagístico, facilitando o desenvolvimento de atitudes de
respeito e compreensão face à diversidade (Silva et al, 2016:89).
Deste modo, as crianças realizaram aprendizagens significativas, sendo capazes
de as aplicarem em contexto, mobilizando os conhecimentos nas diferentes áreas de
conteúdo de forma integrada.
2. Compreender as aprendizagens interculturais patentes no comportamento das
crianças e fomentar o desenvolvimento da competência intercultural.
No contexto da educação de infância, a aprendizagem acontece nas vivências
diárias e é a partir das interações realizadas, que as crianças vão desenvolvendo
gradualmente as competências nas várias áreas.
O desenvolvimento de “competências para comunicar com o Outro” (Bastos,
2014:7), tem vindo a alcançar uma importância acrescida, no contexto educativo. Deste
modo, o sentido deste projeto prendeu-se com a premissa da compreensão do Outro
(Unesco, 2006; Carneiro 2009), o que apenas é possível através do envolvimento das
crianças num processo de aprendizagens e experiências interculturais (Byram, 1997;
Deardorff, 2006). É essencial ter em conta que cada criança tem uma bagagem social e
emocional distinta, assim como diferentes visões do mundo envolvente.
Os modelos de competência intercultural de Byram (1997) e Deardorff (2006)
privilegiam as atitudes como dimensão primordial a trabalhar, de forma a desenvolver a
autoconsciência e transformação gradual dessas atitudes como elementos essenciais, “a
vital first step” (Moeller e Nugent, 2014:3) no processo de desenvolvimento de
competência intercultural. Ambos os modelos defendem que, nesta dimensão, os
Capítulo 7 - Análise e Interpretação de Dados
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indivíduos devem manifestar comportamentos que traduzam atitudes de respeito,
abertura, curiosidade e interesse em relação ao Outro. Também Ramos (2011, 2013)
defende que estas atitudes são preponderantes no domínio da interculturalidade.
Ao longo do projeto de intervenção, várias crianças evidenciaram estar a integrar
aprendizagens nesta dimensão, manifestadas através da compreensão das outras culturas,
por meio da observação de elementos visuais presentes nas ilustrações dos livros.
Manifestaram também atitudes de curiosidade e interesse pelas culturas, costumes e
tradições do outro, o que foi observável nas atividades desenvolvidas nos vários blocos
de intervenção do projeto. Numa fase inicial - bloco de intervenção A - em que as crianças
deveriam decidir qual o próximo país a explorar, afirmou-se a importância de conhecer o
Outro, numa perspetiva de abertura a outras culturas: “pois, e mais coisas de lá, [da
Roménia] como é a bandeira, a comida deles… Eu gostava de saber mais coisas de outros
sítios.”/ “ (…) se calhar devíamos saber mais coisas dos países todos, para ver se são
parecidos com Rússia ou Portugal” / “Eu posso perguntar coisas à minha mãe e vou
pedir a ela coisas da Roménia para eu trazer” (NC.6);
“Eu quando for grande também quero ir conhecer outros países e ver as coisas que
andamos a aprender, vou saber muitas coisas e vou dizer às pessoas de lá o que aprendi
sobre eles. Vou dizer à minha avó para irmos a Goa, onde ela nasceu.” (NC.19).
Também no bloco de intervenção B, após a exploração da história “A surpresa de
Handa” e no bloco de intervenção D, durante a exploração do fenómeno migratório,
respetivamente, as crianças estabeleceram as mesmas prioridades, assumindo a
importância da aprendizagem intercultural, pois “aprender coisas novas é importante.
Coisas novas sobre os outros.”/ “Sim, eu gostava de saber coisas das tribos.” (NC.15);
“Aprendemos coisas com os outros e isso é importante para todos, não é?” (NC.31).
É importante referir que a diversidade de culturas de origem presentes no grupo
foi o ponto de partida do projeto de intervenção, pois tal como advoga Dolan (2014: 93-
94) “it is an important part of every child’s educational experience whether the child is in
a school characterised by ethnic diversity, (…) or whether the child is from the dominant
or minority culture.” Neste projeto, a riqueza cultural foi encarada com uma
necessidade/potencialidade para alargar os conhecimentos das crianças acerca do mundo
envolvente e fomentar a consciencialização, partilha e respeito pelo outro e pelas suas
especificidades. A diversidade existente levou as crianças - que sempre assumiram esta
diversidade como parte do grupo - a demonstrarem mais curiosidade e interesse em certas
culturas, o que foi mais evidente com a romena e a indiana. Em algumas ocasiões
Capítulo 7 - Análise e Interpretação de Dados
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questionaram as colegas acerca das culturas de origem dos pais/avós acerca de vários
aspetos relativos à diversidade cultural tais como a língua ou as tradições. Denotaram,
assim, interesse na descoberta de uma cultura diferente da sua: “a C.L disse
orgulhosamente: A minha mãe nasceu na Roménia. O T.S. questionou de imediato: Tu
sabes falar a língua de lá? A C. respondeu: Sim, a minha mãe ensinou-me romeno. O
T.S. respondeu: Eu também queria saber dizer coisas de lá.” (NC.3);
“Acho que tu sabes ‘bué’ coisas da Índia M. Podes explicar-nos as coisas também. A
M.J. sorriu orgulhosa.” (NC.34).
Ao longo do desenvolvimento do projeto, as crianças oriundas de outras culturas
evidenciaram uma mudança nos seus comportamentos, quer em contexto familiar, quer
em contexto de grupo, mostrando-se mais curiosas, motivadas e até por vezes mais
participativas em diversas questões que se relacionavam com as culturas familiares, como
se depreende das afirmações de uma menina, cuja avó nasceu em Goa: “a minha avó é
como eu, mas um bocadinho mais escura…(fica pensativa). Ela é de Portugal?
Questionou o R. Vou perguntar à minha mãe, mas acho que ela é de Goa, que é Índia,
respondeu a M.J.” (NC.2) / “A M.J. disse: Vou perguntar à minha avó se ela sabe fazer
desenhos desses...isso deve dar ‘bué’ trabalho. (NC.38). Também a C.B., uma menina
com mãe nascida em Moçambique, afirmou: “tenho que contar à minha mãe, ela nasceu
em Moçambique, mas acho que não sabe isso. Vou perguntar se ela tem algum colar
desses para eu trazer.” (NC.21).
À medida que o projeto se desenvolvia as crianças evidenciaram outras
aprendizagens, que se integram nas dimensões seguintes dos modelos de Byram (1997) e
Deardorff (2006), respetivamente - conhecimentos e compreensão - nomeadamente ao
nível da integração de conhecimentos acerca da cultura do outro e consciencialização da
sua própria identidade cultural, pois compreender a nossa própria cultura é uma ponte
para compreender a dos outros (Byram, 2008; Ramos, 2011, 2013). São exemplo disso as
conceções demonstradas pelas crianças no início do projeto de intervenção, tais como:
“sim, somos todos de Portugal”/ “Pois, porque eu nasci em Lisboa (…)”/ “Não somos
não, somos diferentes uns dos outros” /“O nosso país é Portugal e aqui falamos em
português, essa é que é a língua de cá.” /“A nossa bandeira tem 3 cores. É amarela e
depois verde e vermelha” (NC.1). Ou ainda na comparação de elementos gastronómicos
sua cultura com os da cultura romena, afirmando que “esta sopa parece-se com a de
Portugal (…)” (NC.9).
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Ao iniciar as atividades do bloco de intervenção A, a consciencialização do grupo
à diversidade cultural foi notória, sendo que várias crianças salientaram a identificação
da diversidade, não como uma forma de diferenciação, mas como um reconhecimento de
semelhança: “as cores de pele são muitas”/ “Somos diferentes uns dos outros”/ “Por fora
temos cores diferentes, caras diferentes, corpos diferentes, mas depois somos como os
M&M’s, somos todos iguais lá dentro” (NC.1).
Nos diferentes blocos de intervenção, ao trocarem opiniões, as crianças
estabeleceram paralelismos entre outras culturas e a sua própria identidade cultural. No
bloco de intervenção B, após a leitura da história III, surgiu um diálogo em que se
salientou que “(…) as pessoas podem ser de outras cores, mas podem ter nascido no
nosso país. Mas como os pais delas também são assim, elas saíram a eles, como eu saio
à minha mãe, porque nós somos parecidas.”/ “Na história das tribos, há muitas coisas
diferentes de Portugal...esses meninos são diferentes de nós” (NC.15). No bloco de
intervenção e trabalho de projeto C, as crianças concluíram que “sim, ser diferente é
importante, não podem ser todos iguais, pois é?” (NC.26) e após ouvirem a canção do
Diwali em hindi, no bloco de intervenção E, uma menina afirmou: “vou contar à minha
avó, não sei se ela sabe essas coisas todas. Os indianos e os portugueses tem coisas
parecidas” (NC.34).
Foi através de inúmeros diálogos e processos reflexivos em grande grupo, que as
crianças começaram a evidenciar interesse em conhecer e interagir com o outro, assim
como em passar o conhecimento apreendido a outros, tal como está patente em:“se eu
conhecer um menino de outro sítio no parque da cidade, vou logo dizer-lhe as coisas que
gosto no país dele” (NC.10) e também em “podemos brincar e encaixar as matrioskas?
A minha avó tem lá em casa, vou dizer a ela que são da Rússia” (NC.3). deste modo,
tornou-se evidente uma consciencialização emergente da existência de outras identidades
sociais e culturais (Ramos, 2007; 2013; Santiago et al, 2013), que funcionou como agente
de desenvolvimento da “capacidade de analisar o mundo do ponto de vista de uma outra
cultura” (Ramos, 2013: 354).
Ainda nesta dimensão, de forma a salientar as conceções do grupo em relação à
diversidade linguística e às especificidades culturais, são ressaltadas algumas afirmações,
nomeadamente relativas à consciencialização acerca de outros reportórios linguísticos,
patentes em sessões correspondentes aos blocos de intervenção A e E, tal como se
evidencia em “a minha mãe nasceu na Roménia e também me ensinou romeno” (NC.3);
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“A língua da Roménia é parecida com a da Rússia, pois é? A nossa língua não tem nada
a ver…” (NC.6);
“A minha avó nasceu em Goa e isso fica na Índia. Ela sabe falar essa língua, a da
canção. (…) Sim, é hindi, a avó Maria já me disse” (NC.34).
No decorrer do bloco de intervenção A, as crianças envolveram-se na sessão com
a falante nativa de russo, o que desencadeou o trabalho de projeto A. Ao refletirem em
grupo, houve quem compreendesse a importância da aprendizagem de diferentes línguas,
pois as crianças salientaram que: “estamos a escrever em português e depois a seguir em
russo (…) Tem que ser, senão as outras pessoas que não falam russo, não sabiam o que
diz aí.” (NC.5), compreendendo e mobilizando facilmente o vocabulário novo, adquirido
no decorrer das sessões b), c) e i) com as falantes nativas de russo e romeno, tal como é
evidente em “podíamos escrever numa folha nabo, que é repka. (…) (NC.4);
“Nabo é ‘repka’ e ‘ridiche’, é a mesma palavra, noutras línguas. Já aprendi as três”
(NC.8).
“Diziam rapidamente, isso é ‘cardof’, ‘morcov’, ‘ridiche’, ‘repka’…” (NC.9),
correspondendo os alimentos observados às palavras em romeno com relativa facilidade.
Também no bloco de intervenção E, após ouvirem a canção do Diwali e dialogarmos
acerca dela, as crianças identificaram que “na Índia fala-se a língua ´hindi´, é a língua
deles (NC.39);
“Eu gostei de aprender a despedir em indiano, é Namastê” (NC.34).
Aqui se salienta a perspetiva de Byram, Gribkova e Starkey (2002), que advogam que a
linguagem está intimamente relacionada com as identidades sociais, pois ao explorarmos
reportórios linguísticos, teremos inevitavelmente acesso a um leque de traços distintivos
que caracterizam determinado povo ou cultura.
Ainda no âmbito da consciencialização da diversidade cultural, no bloco de
intervenção E, o grupo identificou diferentes manifestações culturais religiosas. Houve
quem mencionasse o seu contexto pessoal, como por exemplo no diálogo em grupo: “vou
à missa com a minha mãe e ela diz que temos que rezar aos santinhos porque eles ouvem
lá no céu”/“Eu e a minha mãe rezamos todos os dias ao anjinho da guarda para tomar
conta de nós” (NC.35). Noutros casos referiram-se a outras entidades religiosas
exploradas no decorrer das tradições do Diwali,“ é uma deusa da Índia. As pessoas rezam
a ela.” / “Também é uma deusa e sei outro, é ´Hanuman´.” (NC.39).
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A compreensão do mundo (Azevedo, 2006; Mesquita, 2007) e consciencialização
das características de outras culturas, assim como as suas tradições (Byram, 2008;
Oliveira e Sequeira, 2012; Ramos,2011;2013), promoveram aprendizagens interculturais,
que permitiram às crianças ampliar o seu reportório acerca do mundo que as rodeia e
consciencializarem-se das características específicas e dos saberes culturais de outros
povos, passados de geração em geração. De referir que embora inicialmente o conceito
de ‘tradição’ tenha sido difícil de compreender, foi no bloco de intervenção B - exploração
do continente africano - que começou a consolidar-se, o que ficou patente nas afirmações:
“olha já conhecemos essas, são de uma tribo africana que usa muitos colares. (…) Faz
parte da tradição delas há muito, muito tempo” (NC.20);
“É que a roupa da baiana é toda branca. Isso também é uma… (para para pensar), uma
tradição?” (NC.29).
No último bloco de intervenção, o grupo já identificava facilmente tradições, o
que fica notório em “a tua avó é da Índia não é? Ela também faz a festa do Diwali na
casa dela?” (NC.37);
“Fizemos uma ‘kandil´ que é uma lanterna para pendurar na porta das casas e ‘rangoli’
que são pinturas no chão. Fazem isso no Diwali” (NC.39).
Ramos (2011, 2013) defende que conhecer e compreender normas, valores e códigos
culturais, consciencializa para as especificidades de cada cultura, uma componente
incontornável para desenvolver competências no domínio intercultural.
Transversalmente a estas aprendizagens, as crianças evidenciaram skills
emergentes, componentes essenciais à dimensão referida e necessárias à mobilização do
conhecimento e compreensão do Outro, que levam o sujeito a saber ouvir, interpretar e
relacionar-se com o que é culturalmente diferenciado, essenciais ao desenvolvimento da
consciência intercultural, tal como preconizado nos modelos de Byram (1997) e
Deardorff (2006).
Neste âmbito, deve também destacar-se que o grupo iniciou o processo de
consciencialização acerca da importância de alguns temas sociais explorados. O
vínculo afetivo da adoção, assim como a conceção de racismo foram algumas das
aprendizagens mais patentes nos comportamentos das crianças. Interligadas na história
III, estas questões suscitaram dúvidas sendo que aos poucos, foram dando lugar a
afirmações mais convictas, tornando claro que o processo de aquisição dos conceitos
estava a efetivar-se. Atente-se nas afirmações seguintes: “porque são de adotivas,
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famílias que ficaram com outros meninos que não podiam ficar com os pais deles”
(NC.24);
“Então racismo é não gostar do diferente de nós. É isso não é?” (NC.22);
”É feio, as pessoas podem ser diferentes e isso é bonito. Eu também sou de uma cor mais
escura do que os outros meninos da sala e toda a gente é minha amiga. Toda a gente
gosta de mim, pois é?” (NC.24).
Estes enunciados evidenciam a capacidade empática emergente de algumas crianças,
assim como a capacidade de compreensão do Outro, evidenciando um processo processo
de consciencialização gradativo do ponto de vista intercultural. A exploração da temática
social do racismo, assim como a identificação das atitudes discriminatórias derivantes
deste e evidentes na história (Magos, 2009; Morgado e Pires, 2010), foram o ‘motor’ para
o despertar da ligação afetiva com a personagem Mateus e com a narrativa em si.
A familiarização com o fenómeno migratório foi outro ponto fundamental do
projeto. Esta consciencialização é necessária “for all citizens, including our young
learners, to understand the complex issue of seeking refuge” (Dolan, 2014: 95) e está
intimamente relacionados com noções de justiça, igualdade, respeito mútuo e liberdade
(Ibidem). Este conceito foi explorado em estreita ligação com as estruturas familiares
multiculturais. O contato precoce do grupo com estas perspetivas globalizantes permitiu
o conhecimento de diferentes realidades e as aprendizagens foram evidentes através dos
diálogos realizados em diferentes momentos da rotina educativa, tais como: “acho que
são pessoas que fogem da guerra para outros países. A M.C. completou: E eles precisam
da ajuda de muita gente, porque não têm nada. O T.S. disse: Eles não estão seguros no
país deles e têm que ir para outro qualquer” (NC.28);
“Eu percebo, há muitas famílias diferentes, com muitas culturas ou só com um pai ou
uma mãe” (NC.24).
É notório, que no discorrer do projeto, algumas crianças evidenciaram um
processo emergente de consciencialização da multiculturalidade visível nas sociedades
globalizadas. Neste âmbito destacam ainda a consciencialização das tradições de outras
culturas como fator de identidade cultural, como as manifestações gastronómicas no
bloco de intervenção A (cultura russa, romena e italiana) e as manifestações artísticas ao
nível da música e da dança no bloco B (tribos africanas). Ao nível das aprendizagens
emergentes nos comportamentos do grupo, existiram algumas crianças que se
evidenciaram como impulsionadoras e mobilizadoras, quer ao nível dos projetos
trabalhados, quer ao nível dos diálogos em grande e/ou pequeno grupo.
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Um aspeto importante a ressaltar, é defendido em ambos os modelos, e pauta-se
na familiarização com noções precoces de alteridade, em que elementos do grupo
demonstraram compreender a interação/interdependência do outro, uma das componentes
necessárias para o desenvolvimento de consciência intercultural (Byram, 1997;
Deardorff, 2006; Ramos, 2011,2013). Tal facto foi percetível através dos comentários
realizados em diálogos de grupo no bloco de intervenção C, aquando da exploração do
conceito de racismo. Neste, as crianças mobilizaram conhecimentos apreendidos na fase
anterior do projeto de intervenção, como está patente em “tu disseste na outra história da
Handa que quando uma coisa é diferente, ajuda-nos a conhecer coisas novas e
aprendemos com elas. Os meninos não sabiam isso?” (NC.22). Também no bloco D, ao
explorar a temática da migração se afirmou: “é uma mistura de culturas, pois é?” (NC.31)
e na experiência das maçãs, atividade que pretendia fomentar a compreensão da
diversidade cultural, implementada na sessão g) do bloco E, onde foi afirmado que
“somos todos diferentes, mas vivemos todos juntos e aprendemos juntos, pois é?”
(NC.37).
Neste âmbito, a aprendizagem intercultural emergente - e a mais evidente - foi a
capacidade empática que algumas das crianças começaram a evidenciar no decorrer do
projeto, nomeadamente pela personagem Mateus, figura central da história III, explorada
no bloco de intervenção C. Após compreenderem a história e interiorizarem os seus
conteúdos, as crianças começaram a contextualizar o tema do racismo, com as situações
que observaram na história, evidenciando sensibilização à discriminação da qual o
Mateus foi vítima, tal como se denota em: “mas, não percebo porque os meninos foram
maus para ele, ele nem disse nada, porquê é que eles foram maus?” (…) não é verdade
que ser diferente é bonito?” (NC.23);
“Temos que explicar aos outros meninos, eles não sabem que tem que ser amigos de toda
a gente” (NC.26).
Esta foi a história que mais interessou o grupo, que mais os motivou e que mais os tocou
a nível emocional e relacional. Devido à motivação e ao interesse das crianças nesta
temática, este bloco de intervenção teve maior número de atividades propostas, tendo-se
alargado mais que os restantes.
As emoções desencadeadas pelas histórias levaram algumas crianças a
demonstrarem capacidades emergentes para se colocarem no papel do outro, fomentando
a compreensão de outras visões do mundo em diversas ocasiões e que foram visíveis em
vários momentos, dentro e fora do contexto escolar. Foi reportado por uma mãe que o
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filho lhe contava as histórias exploradas, a partir da visão de diferentes personagens:
“todos os dias o vou deitar e ele farta-se de me contar as aventuras das vossas ‘viagens’,
parece que foram mesmo a qualquer lado. Conta-me o que aprendem nas histórias, mas
noutros papéis, como nas histórias que vocês contam” (NC.10). Noutra situação foi
mencionada a forma como a criança começava a compreender o ponto de vista do outro:
“isso também é importante, ela ser capaz de perceber o lado do outro, não é fácil, mas
ela já vai fazendo. (NC.30). Vários estudos (Formosinho et al, 2001; Hohmann e Weikart,
2004; Lopes e Silva, 2008; Dolan, 2014) defendem o desenvolvimento de competências
empáticas como um fator essencial à compreensão de outros pontos de vista e à vida em
sociedade, potenciando que as crianças aprendam a “appreciate diversity, which enriches
and strengthens everyone” (Ellis e Brewster, 2014:52).
A última dimensão do modelo de Byram (1997) remete-nos para a consciência
cultural, numa visão mais ampla da multiculturalidade, assim como de questões ligadas
às temáticas sociais, tais como o preconceito, o racismo, a migração ou a adoção. Esta
dimensão é visível nos comportamentos evidenciados pelas crianças (Deardorff, 2006),
sendo que todas as aprendizagens explicitadas anteriormente podem considerar-se uma
manifestação da consciência (inter)cultural (Byram, 1997; Deardorff, 2006; Ramos,
2011,2013). Nos blocos de intervenção D e E, as crianças interpretaram as histórias IV e
V, tendo em conta a ‘bagagem’ cultural reunida nas dinâmicas implementadas ao longo
do projeto, como está patente em “[(…) Eram migrantes]. Ela continuou: Sim, é isso, são
pessoas que não têm nada e temos que ajudá-las, dar roupas e comidas a elas” (NC.31);
“Ariana achas que eles na história eram parecidos comigo, a cor deles é como a minha,
um castanho assim mais clarinho…” (NC.34).
Tendo em consideração que no ensino pré-escolar o tempo incorpora dinâmicas
de participação no trabalho educativo e inclui experiências múltiplas, linguagens plurais
e diferentes culturas (Oliveira-Formosinho, Andrade e Formosinho, 2011) e o espaço se
considera “como um território organizado para a aprendizagem (…) aberto às vivências
e interesses das crianças e comunidades (…) Um lugar para aprender porque dá acesso
aos instrumentos culturais” (Ibidem, p.11), os momentos de brincadeira livre,
evidenciaram-se como espaços de aprendizagens culturais. Assim, nestes momentos, o
grupo criou diversas situações de jogo simbólico em que eram “pessoas de outros países”,
recriando situações retratadas nas histórias e utilizando os materiais presentes nas áreas
para recriar tradições, como trajes ou alimentação típicas. Existiram momentos em que
as crianças encarnavam o papel das personagens das narrativas, como o Mateus e a mãe
Capítulo 7 - Análise e Interpretação de Dados
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208
adotiva (história III) ou a Handa, a Akeyo e até alguns animais presentes na narrativa
(história II). Trauteavam em várias ocasiões as canções aprendidas, com proeminência
nas músicas africanas aprendidas no bloco de intervenção B, mobilizando outros
reportórios linguísticos e reproduzindo as danças aprendidas para a apresentação
“Músicas e danças do mundo”, assim como momentos desta, recriando até a participação
dos pais. Estes momentos servem também como exemplos das marcas de consciência
cultural (Byram, 1997) ou de comportamento observável resultante do conhecimento
interiorizado (Deardorff, 2006).
De salientar que as crianças mobilizaram os conhecimentos das culturas que
apreenderam, refletindo e empregando-os para estabelecer comparações entre culturas,
algo que fica visível quer relativamente à diversidade linguística, em: “a língua da
Roménia é parecida com a da Rússia, pois é? A nossa língua não tem nada a ver…”
(NC.6), quer ao nível da gastronomia típica: “esta sopa parece-se com a de Portugal e
não é muito diferente da nossa, afinal as comidas da Roménia são parecidas com as
nossas, com algumas…” (NC.9). As crianças focaram-se nas diferenças, mas também
identificaram semelhanças, refletindo sobre a diversidade e as aproximações entre Si e o
Outro.
As aprendizagens descritas neste capítulo, foram efetivadas através das múltiplas
dinâmicas educativas, planificadas em torno das diferentes áreas e/ou temas sociais
específicos (Anexo 2-Organização curricular por histórias). Nos cinco blocos de intervenção foram
abordados os seguintes temas: gastronomia, arte e património, música/dança, racismo,
adoção, migração e religião. A integração destas áreas está intimamente relacionada com
o desenvolvimento das aprendizagens nas várias dimensões dos dois modelos de
desenvolvimento da competência intercultural abordados no enquadramento teórico.
Deste modo, o desenvolvimento da competência intercultural, emergiu como
transversal, quer às experiências, quer às aprendizagens interculturais, sendo
concretizado através destas. Assim, a operacionalização do projeto passou por promover
experiências de âmbito intercultural, o que vai ao encontro do que está preconizado pela
Unesco (2013:22), “intercultural competences also must be actively taught, promoted,
enacted (…)”. Propomo-nos aqui, pôr em evidência as principais marcas de
desenvolvimento da competência intercultural por parte das crianças.
Deardorff (2011, citada por Unesco, 2013) identificou o desenvolvimento de sete
skills, como condições mínimas para promover a competência intercultural. Quatro destas
competências base, foram desenvolvidas pelo grupo de forma mais evidente ao longo do
Capítulo 7 - Análise e Interpretação de Dados
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209
processo, tendo sido interiorizadas e aprendidas através das experiências interculturais,
diálogo e reflexões em grupo. A autora referiu como skills fundamentais a desenvolver:
(i) o respeito e valorização do Outro, evidentes no decorrer do projeto, mais
especificamente no bloco de intervenção C, explorando o enfoque do racismo e exclusão
social (Morgado e Pires, 2010) :“tu disseste na outra história da Handa que quando uma
coisa é diferente, ajuda-nos a conhecer coisas novas e aprendemos com elas. Os meninos
não sabiam isso? (NC.22); “Ariana, não é verdade que ser diferente é bonito?” (NC.23);
(ii) aceitação positiva da diversidade e consciencialização das identidades culturais
(Morgado e Pires, 2010), patentes nas conceções das crianças, numa reflexão entre pares
acerca das cores de pele, no bloco de intervenção A: “não se muda de cor…acho
eu…acho que tens que nascer com uma cor só e ser assim sempre.” (NC.2) e no bloco de
intervenção B, através da comparação de traços culturais distintivos entre culturas,
evidenciando uma compreensão das identidades sociais de cada indivíduo: “as pessoas
podem ser de outras cores, mas podem ter nascido no nosso país. Mas como os pais delas
também são assim, elas saíram a eles, como eu saio à minha mãe, porque nós somos
parecidas” / “Mas esses são outros, não são iguais à Handa; Sim, olha o cabelo daquele
– riam -; São todos parecidos, mas não iguais (…)” (NC.15); (iii) colocar-se no papel do
outro, assumindo a diferença do outro numa perspetiva empática: “não podemos deixar
isso acontecer, temos que explicar aos outros meninos que não sabem que deixar de ser
amigos dos outros só por eles serem bege, castanhos ou preto. São só cores de pele, nós
já sabemos e eles não” (NC.23). A autora refere ainda que neste âmbito, aprender a ouvir
é uma competência fundamental. Em geral - e a diferentes ritmos - todo o grupo foi
evidenciando a capacidade de ouvir o outro e de dar lugar a outras opiniões, como
podemos inferir em: “o grupo acalmou-se e surgiram duas opiniões. O F.P falou: Eu não
tenho a certeza, mas acho que não há mais...mais diferenças. A C.B. apoiou o ponto de
vista argumentando: Eu também acho o mesmo que o F., porque mais nenhum menino
disse nada. O resto das coisas é igual. Respondi: Então vou ler-vos o que me disseram,
eu escrevi tudo aqui - disse mostrando a folha - e li as conclusões de cada um, enquanto
todos escutavam atentamente” (NC.27). Esta skill é transversal às restantes, sendo patente
nas dinâmicas experienciais, tal como o diálogo com adultos e pares e a participação ativa
no processo de ensino-aprendizagem. Estas skills evidenciaram uma reflexão acerca do
diverso, numa dimensão de autoconsciencialização também defendidas nos modelos de
Byram (1997) e de Deardorff (2006).
Capítulo 7 - Análise e Interpretação de Dados
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210
De referir que o grupo não evidenciou de modo tão marcado, aprendizagens ao
nível das restantes competências preconizadas por Deardorff (2011, citada por Unesco,
2013), nomeadamente: (v) capacidade de adaptação para alterar temporariamente a sua
perspetiva pessoal; (vi) forjar relações duradouras com sujeitos de outras culturas; (vii)
humildade cultural, que “combines respect with selfawareness” (Unesco, 2013:24).
Em suma, as histórias exploradas constituíram-se como núcleo integrador das
experiências e aprendizagem interculturais vivenciadas no decorrer do processo
educativo. Estas sensibilizaram o grupo para a diversidade cultural, promovendo trocas
de ideias e respeito mútuos, fomentando o desenvolvimento de competências em várias
áreas curriculares e nas diferentes componentes dos modelos de competência
intercultural, nomeadamente ao nível das atitudes, “the foundation of intercultural
competence” (Byram et al, 2002:7), dos conhecimentos “of social groups and their
products and practices” (Ibidem, p.8) e das skills, as capacidades de cada criança para
mobilizar e interpretar aquilo que foi apreendido ao longo do plano de ação pedagógica.
A integração das aprendizagens ao nível das dimensões de Byram (1997) e de Deardorff
(2006) possibilitaram a consciencialização das crianças acerca da diversidade cultural
existente no seu quotidiano (Cardoso, 1998; Ferreira, 2003) e ao seu redor, o que
inevitavelmente fomentou o desenvolvimento da competência intercultural.
As vivências interculturais experienciadas no decorrer do processo educativo,
permitiram ao grupo desenvolver competências em várias áreas e demonstrar atitudes
positivas face a elementos que retratavam a diversidade. Subentende-se que os efeitos das
experiências interculturais na integração das aprendizagens de outras culturas no espaço
escolar foram extremamente positivos, numa perspetiva de educação para a cidadania
intercultural (Byram, 2008). Neste âmbito deve ainda ressaltar-se a educação pré-escolar,
como ambiente promotor de experiências ao nível do diálogo e da participação e de
aprendizagens ao nível do saber-ser e saber-fazer (Mendonça, 1994), primeiro passo para
interações com o diverso e no desenvolvimento de competências interculturais.
Em síntese, o tratamento dos dados parece apontar no sentido de que o
desenvolvimento do projeto teve impacto nas crianças, agindo como um veículo de
compreensão do mundo, de aprendizagem, abrindo-lhes horizontes para o conhecimento
do Outro, e a compreensão das suas especificidades. A ação pedagógica foi ainda benéfica
ao estreitar laços para uma cultura mais colaborativa entre a escola e família, o que ficou
patente quer em diversos comportamentos das crianças, quer nas atitudes dos pais.
Considerações Finais
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211
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste ponto será realizada uma síntese, onde se terão em conta os elementos
recolhidos e apresentados no capítulo de análise e interpretação dos dados.
A investigação-ação foi, tal como descrevem Bogdan e Biklen (1994), uma forma
de investigar para promover uma mudança social. A natureza cíclica entre a ação e
reflexão (Lewin, 1946; Latorre, 2003; McNiff e Whitehead, 2006; MacNaughton e
Hughes, 2009; Amado e Cardoso, 2013) foi essencial para compreender o processo de
aprendizagem do grupo e avaliar as práticas educativas (Stringer, 2007), com o intuito de
as melhorar progressivamente, permitindo otimizar as dinâmicas e consequentemente as
aprendizagens.
Esta constituiu-se como uma metodologia que pretendia modificar a realidade
educativa, mobilizando de forma mais sistemática, a participação e colaboração direta dos
intervenientes (Máximo-Esteves, 2008) no processo educativo - crianças e famílias
nucleares - atribuindo-lhes um papel ativo no processo educativo. Através dela, procurou-
se compreender como se processaria o desenvolvimento de competência intercultural
num grupo em idade pré-escolar, tendo sido fundamental recorrer à observação
direta/participante e à reflexão crítica, após a recolha de dados fotográficos, vídeos e
sobretudo à elaboração de notas de campo.
Pode ainda referir-se que se tratou de um processo de investigação-ação
participativa, pois implicou todos os intervenientes do processo educativo (Zuber-Skerrit,
1996; Latorre, 2003; Koshy, 2005; Coutinho et al, 2009), apelando à participação das
crianças para definir as atividades a realizar, as decisões a tomar em relação à organização
do ambiente educativo - organização do grupo e do tempo (Silva et al, 2016) - assim
como às famílias, para colaborarem em diversas atividades práticas e projetos
desenvolvidos. Este processo otimizou a comunicação e a relação escola-família,
primordialmente devido ao papel que as crianças assumiram como mediadoras do
processo, o que facilitou bastante a aproximação entre os pais, a equipa de sala e o jardim
de infância.
Entre o grupo de crianças e a educadora, existiram diversos momentos de partilha,
exposição e troca de opiniões, assim como reflexões acerca dos encontros interculturais
das personagens e dos elementos de diversidade explorados nas histórias, que deram lugar
à escolha das dinâmicas e pesquisas realizadas. No contexto da investigação realizada, os
Considerações Finais
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212
momentos de grupo - a ‘roda’ - evidenciaram-se como espaços em que as crianças
trocavam ideias e constituíram-se como “um diálogo com múltiplas vozes” (Carvalho,
2015:135), em que as crianças “ puderam expor os seus interesses, suas preocupações
(…)” (Ibidem). Esta espiral de experiências gerou aprendizagens e consequentemente,
originou a partilha das descobertas realizadas no ambiente escolar, com os pais, o que
aprofundou o processo, favorecendo algumas mudanças nas atitudes dos pais e motivando
a sua participação na vida escolar, o que, por seu lado, estimulou (ainda) mais as crianças.
Gradativamente, estes processos levaram as crianças a desenvolverem o seu espírito
crítico, a questionarem, a refletirem na sua forma de estar e ser em relação ao Outro, na
resolução de conflitos, no saber ouvir e no colocar-se no lugar do Outro.
Os diálogos e reflexões em grande grupo possibilitaram às crianças: o
desenvolvimento do espírito crítico, a exposição de ideias, assim como a sistematização
da informação e formulação de hipóteses acerca daquilo que iam observando e
aprendendo (Malavasi e Zoccatelli, 2013). Em relação a mim, como educadora
/investigadora, permitiu-me descentrar-me do meu papel de orientação ‘pré-definido’,
refletindo acerca das dinâmicas que iam surgindo, das conceções das crianças em relação
ao processo educativo e sobretudo na minha atuação diária e efeitos desta no quotidiano
educativo, o que terá tido influência na minha prática futura. É fundamental que os
educadores compreendam as crianças como produtoras de hipóteses, não limitando as
suas possibilidades, proporcionando escolhas educativas que fomentem a participação
destas na rotina educativa (Carvalho, 2015, Silva et al, 2016).
Assim, as observações realizadas e descritas nas notas de campo foram a base para
potenciar o meu processo reflexivo, pelo qual ponderasse alguns aspetos da minha prática,
nomeadamente ao nível da inclusão dos processos participativos, da abertura e
flexibilidade face às dinâmicas que foram surgindo, de uma visão alargada acerca das
estratégias a utilizar para a promoção de uma educação intercultural no quotidiano
pedagógico. Permitiram ainda que tomasse consciência da importância da voz das
crianças e da individualidade de cada uma delas no seu processo educativo e na relação
pedagógica, quer com o grupo de crianças, quer com as famílias, que contribuíram
ativamente para o sucesso das aprendizagens. Foi preponderante ressaltar os seus
interesses e motivações, indo ao encontro de uma ação mais observadora e até empática.
Deste modo, as notas de campo foram essenciais na recolha de evidências, incidindo quer
no âmbito descritivo, quer no reflexivo. Nelas, ficou patente o papel das histórias
multiculturais nos interesses desenvolvidos e nas aprendizagens interculturais realizadas.
Considerações Finais
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213
Visto que a diversidade cultural foi encarada como uma fonte de riqueza para o
processo de ensino-aprendizagem, considerei importante rentabilizar os saberes e culturas
presentes no grupo, interligando-os com as histórias exploradas, como no caso da C. (mãe
romena), L.P. (mãe brasileira), C.B. (mãe moçambicana) e M.J. (avó indiana), pois a
abordagem do “conhecimento do mundo parte do que as crianças já sabem e aprenderam
nos contextos em que vivem” (Silva et al, 2016:85) e tem em conta que:
“all learners, adults and children, must explore their own cultures before they can understand
why culture matters in the lives of others around them (…) children bring their personal
experiences of living in the world and being part of specific cultural groups and social
contexts to school. (…) they need to find their lives reflected in books in order to value school
as relevant” (Short, 2009:3-4)
Assim, os países escolhidos para ‘explorar’ envolveram estas culturas, no sentido
de promover uma conexão às raízes culturais destas crianças. Esta perspetiva fez emergir
um vínculo entre os elementos do grupo, onde foi notória a partilha, a cooperação e a
empatia, pois quando “students recognize the cultures that influence their thinking, they
become more aware of how and why culture is important to others (Short, 2009:4). Esta
visão é defendida nas OCEPE (2016:85), onde se torna evidente que a exploração do meio
envolvente da criança “tem para esta um sentido afetivo e relacional, que facilita a sua
compreensão e apreensão e também proporciona a elaboração de quadros explicativos
para compreender outras situações mais distantes.”
As pesquisas e observações de imagens realizadas em conjunto, e a partir das
histórias, permitiram às crianças afirmar as suas necessidades educativas face às
problemáticas emergentes e funcionaram como reflexões conjuntas em torno dos tópicos
de natureza (inter)cultural, tais como o racismo, a migração ou a religião. Deste modo,
implicaram a mobilização dos interesses do grupo, “a partir de situações que possibilitem
que meninos e meninas possam expor os seus pontos de vista durante o processo
investigativo” (Carvalho, 2015:135). Compreendi, assim, que estas dinâmicas
promoveram um ambiente de escuta ativa das crianças (Malavasi e Zoccatelli, 2013) e
consequentemente, uma postura reflexiva, interventiva, interrogativa e mais consciente
da parte das crianças, o que favorece as mudanças nos processos mentais, emocionais e
sociais destas, uma vez que “only through joint construction of a relationship in which
people listen to one another can individuals demonstrate their intercultural competences”
(Unesco, 2013: 38).
Considerações Finais
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214
Ainda de referir que várias famílias participaram ativamente no desenvolvimento
da intervenção, através dos projetos, da recolha de objetos e das visitas à sala, entre outros.
Considero que os projetos de participação - trabalhos de projeto desenvolvidos com as
crianças e projetos em parceria com os pais, nomeadamente o projeto de elaboração de
histórias - foram fundamentais para o sucesso da investigação e para as aprendizagens
desenvolvidas (Silva e Martins, 2002; Lopes e Silva, 2008). Proporcionaram “a criação
de uma história de vida coletiva, com significados compartilhados (Barbosa e Horn,
2008:87), estimulando a aprendizagem do diálogo, do debate de ideias, da argumentação,
da compreensão de diferentes pontos de vista e da cooperação. Estes processos levam à
exploração dos saberes dos envolvidos na construção de uma visão coletiva, o que amplia
o conhecimento, enriquece o espírito e oferece uma “significação mais profunda à vida”
(Ibidem, p.88).
Ao longo da exploração das histórias, o grupo revelou atitudes de compreensão,
cooperação, valorização cultural e da alteridade, demonstrando ainda ter uma atitude
empática e positiva face às diferenças, características de outras culturas. O facto de
realizarem comparações entre culturas, em diferentes ocasiões, denotou uma forte ligação
com as experiências vivenciadas, a todos os níveis, efetivando que “to hear [these] stories
and to learn about the experiences of others” (Dolan, 2014:93), teve enorme potencial de
transformação relacional, preparando o grupo para novas práticas de cidadania e talvez
para uma atuação consciente como futuros cidadãos.
Retomando a questão principal:
De que forma a literatura infantil se assume como estratégia de desenvolvimento da
competência intercultural na educação pré-escolar?
A investigação gravitou à volta das histórias, consideradas o ‘catalisador’ do
projeto e a base de todas as experiências e aprendizagens evidenciadas pelas crianças.
Atuaram como estratégia pedagógica (Cortesão e Stoer, 1996; Leite e Rodrigues, 2000;
Soares, 2008) para familiarizar o grupo com a diversidade (Magos, 2009), desencadeando
processos reflexivos sobre a compreensão do mundo envolvente (Mesquita, 2007),
processos esses que atuaram como promotores do desenvolvimento da consciência
intercultural (Byram, 1997; Deardorff, 2006; Ramos, 2011,2013). O trabalho pedagógico
com as cinco histórias de literatura infantil constituiu-se então como um núcleo agregador
Considerações Finais
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215
das aprendizagens realizadas e da exploração de áreas e/ou temas relacionados com a
diversidade cultural (Magos, 2009; Morgado e Pires, 2010), levando o grupo a “immerse
themselves in story worlds, gaining insights into how people feel, live, and think around
the world” (Short, 2009:1). Assim, através de processos relacionais e experienciais,
fomentaram-se competências e aprendizagens, focadas na perspetiva intercultural. É
fundamental aludir ao elevado número de aprendizagens manifestadas relativamente às
diferentes dimensões dos modelos de competência intercultural (Byram, 1997; Deardorff,
2006) - atitudes, conhecimentos e compreensão, skills, ações externas - nomeadamente o
reconhecimento e identificação de características e tradições de diferentes culturas,
atitudes de respeito, curiosidade e interesse em relação ao Outro. De modo não tão
evidente, houve também aprendizagens nas dimensões mais complexas ao nível da
consciência cultural (Byram, 1997), o que originou evidências no comportamento
observável (Deardorff, 2006).
Todas as aprendizagens tiveram como base a literatura explorada e foram
resultando da integração de um processo de oito meses, onde se sucederam atividades
múltiplas e se viveram experiências significativas.
Através da exploração das histórias, o grupo conseguiu identificar facilmente
aspetos físicos, assim como tradições da África, América do Sul ou Ásia - histórias II, IV
e V. A diversidade linguística e religiosa foram temáticas abordadas no âmbito da
sensibilização à diversidade cultural, nomeadamente nas histórias I, II e V. As crianças
foram expostas a diferentes reportórios linguísticos, primordialmente através do contato
com falantes nativos, o que culminou na interiorização (ainda hoje evidente) e
mobilização de vocabulário novo em diferentes contextos. Foi frequente o uso de termos
aprendidos no quotidiano educativo e consequente transmissão e explicação a diferentes
membros da família, tal como se pode inferir em: “a minha mãe disse isso e que existem
muitas culturas para conhecer no mundo todo e que é importante eu saber as palavras
que aprendemos em línguas diferentes” (NC.11). Nesta nota de campo, a criança explica
aquilo que lhe foi dito pela mãe, após a partilha do que tinha explorado e aprendido no
jardim de infância.
A perceção de diferentes manifestações culturais religiosas através de festividades
como o Natal/Ano Novo e o Diwali, permitiu às crianças estabeleceram paralelismos e
compreenderem que são “importantes para todas as culturas” (NC.34), estabelecendo
facilmente conexões entre diferentes povos: “os indianos e os portugueses têm coisas
parecidas (NC.34).” A gastronomia e a música/dança constituíram também aspetos de
Considerações Finais
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216
identidade cultural (Abdallah-Pretceille, 1996), valorizados pelas crianças. A
consciencialização da alteridade e a empatia foram também aprendizagens emergentes
aquando da exploração das histórias III, IV e V.
As narrativas utilizadas, foram escolhidas com o objetivo de fomentarem a
aceitação da diversidade, através da exposição de características físicas (e no caso do
história III características psicológicas evidenciadas pela personagem Mateus e pela mãe
branca), culturais e religiosas, apresentando estilos de vida diversos. Em suma, as
histórias utilizadas no projeto continham personagens distintas, observáveis nas
ilustrações. Estas evidenciavam traços físicos diversos - traços fisionómicos, cor de pele,
tipo de cabelo, vestuário, objetos do quotidiano, habitações - fomentando a identificação
de semelhanças e aceitação das diferenças entre as várias culturas retratadas. Também os
espaços retratados possuíam características ao nível sociocultural, como é evidente nas
ilustrações da história II - aldeia da Akeyo, situada no Quénia, da história III - ilha do
Mateus, situada nas Caraíbas, da história IV - aldeia da personagem principal (localização
não identificada, sendo explorada como se situasse no Brasil) e história V - cidade situada
na Índia.
Nas histórias III e IV, retrataram-se encontros com outras culturas, existindo
personagens que se deslocavam da sua cidade materna para outros locais, onde
estabeleciam contato com os nativos desse espaço. Esta componente é mais evidente na
história IV, onde personagens de diversas origens culturais, se instalam na aldeia,
emergindo uma relação harmoniosa entre personagens nativas e não nativas daquele
espaço e onde se evidencia uma partilha de experiências, de convivência e aceitação ativa
da diversidade.
Existiram momentos em que algumas crianças relacionaram elementos de forma
intertextual (Morgado e Pires, 2010), identificando-se com os traços distintivos de cada
personagem, estabelecendo comparações relativamente à aparência física - semelhanças
e diferenças - e também relativamente às tradições de cada povo.
Foram ainda visíveis dicotomias branco/não branco e até evidências de conflito
(Morgado e Pires, 2010) - essencialmente na história III, que retratava o racismo de que
a personagem Mateus foi vítima. Estes elementos evidenciam uma minoria inserida num
contexto escolar dominado por uma maioria cultural distinta da sua. Foi também visível
a representação de encontros interculturais na história III e especialmente na história IV,
que explorava o tema da migração.
Considerações Finais
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217
Numa perspetiva intercultural, a utilização destes recursos promoveu
competências interculturais, permitindo aceder, compreender e acolher a cultura do Outro
numa vivência de diversidade. Aprofundou o conhecimento cultural das crianças acerca
de outros países e povos através da divulgação e descoberta de minorias e culturas
estrangeiras e de outros pontos de vista, numa perspetiva de encontro de culturas,
fomentando a sensibilização cultural através da consciencialização da importância de
integrar grupos minoritários nas sociedades atuais, da tolerância, equidade e justiça social,
combatendo o racismo e a xenofobia. Esta abordagem consagrou os textos narrativos
como “motivadores para a inclusão de crianças e de comunidades desfavorecidas porque
dão visibilidade, valorizam na escola a ‘cultura do outro’ e permitem estratégias de
identificação cultural” (Morgado e Pires, 2010:80).
Não obstante a que todas estas aprendizagens derivaram da literatura infantil e
estão implicitamente relacionadas com processos nucleares, como os processos reflexivos
em grupo ou as interações com adultos e pares - utilizados para ativar os conteúdos
interculturais das narrativas - em que várias crianças evidenciaram o desenvolvimento de
um pensamento mais estruturado e um entendimento conceptual de cultura, à volta dos
temas retratados nas histórias. Esta perceção de cultura, remetia-se normalmente a traços
que caracterizam a identidade cultural dos povos, como no caso do Portugal, referindo-se
ao património musical: “ essa senhora cantava a música de Portugal, que é o fado, acho
eu…” (NC.1), ou no caso da Roménia, aludindo ao património tradicional e artístico:
“trouxe estes ovos romenos que a minha mãe tinha lá em casa, ela diz que é tradição, que
as pessoas fazem e oferecem umas às outras e que o meu avô tem muitos lá em casa dele.”
(NC.7).
Para o grupo, o termo ‘cultura’ referiu-se a uma pessoa de outro país ou povo,
alguém com traços culturais específicos. Estas conceções precoces cruzam as evidências
de Cuche (1999), que delineiam o ser humano como um produto da cultura onde está
inserido. Assim, as experiências participativas vivenciadas através da literatura infantil
levaram, inevitavelmente, a que o grupo se desenvolvesse como entidade social e
cooperativa (Dolan, 2014). Foram vários os momentos em que as crianças demonstraram
vontade em realizar atividades em grupo, com recurso à participação de outros colegas:
“estávamos a falar dos instrumentos da música, das maracas. Eu e a M.J. gostávamos de
fazer uma maraca para tocar músicas como aquela” (NC. 16);
“Diz que tem que falar com a Ariana e com os colegas para decidirem o que vão fazer
sobre as maracas” / Disseram-me que queriam construir uma maraca (…) / Olhe porque
Considerações Finais
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218
a Ariana e ela e os amigos, ela contou quais são, o F., a M.C. e a C. tem uma tarefa, vão
fazer maracas e a Ariana mandou pesquisar” (NC.17);
“Então fazemos o teatro para apresentar às outras salas? Já tenho o guião que me
pediram, tudo feito como combinámos! (…) Mas vamos ensaiar e depois mostrar aos
outros meninos da escola, não é?” (NC.26). Nestas notas de campo, as crianças revelaram
estar a interiorizar competências essenciais ao nível pessoal, social e cívico, numa
perspetiva de educar para a cidadania.
Assim, a utilização de materiais de aprendizagem didáticos nas práticas de ensino,
nomeadamente livros, “inclusive os que apresentam mensagens discriminatórias e
‘racistas’” (Ramos, 2013:355) foram utilizados “como instrumentos de
consciencialização intercultural” (Ibidem), comprovando a literatura como um fator de
educação para a cidadania e aprendizagem intercultural por excelência (Balça, 2003,
2006, 2007; Magos, 2009; Morgado, 2010a, 2010b, 2010c; Morgado e Pires, 2010, 2012;
Dolan, 2014).
As crianças apropriaram-se do trabalho pedagógico com as narrativas e
promoveram dinâmicas de inclusão familiar, uma estratégia fundamental (Guijarro, 2005;
Barbosa e Horn, 2008) para promover o contato ativo com a diversidade e com os traços
culturais das diferentes comunidades explorados a partir das histórias (Azevedo, 2006;
Ellis e Brewster, 2014), promovendo o outro como fonte de conhecimento e fomentando
a curiosidade pela sua própria identidade cultural.
A exploração das histórias, assim como as experiências vividas em contexto de
sala/grupo, promoveram a curiosidade e a compreensão acerca da diversidade, levando
as crianças a partilhar as suas descobertas e aprendizagens com as famílias. As ações das
crianças originaram um clima de cooperação entre os intervenientes do processo
educativo e a um trabalho colaborativo escola-família. Assim, as crianças assumiram-se
como fontes de informação, partilha e discussão e deram continuidade às suas
experiências escolares, no contexto familiar (Hohmann e Weikart, 2004), o que
possibilitou às famílias acompanharem mais facilmente o trabalho pedagógico na sala.
Estes comportamentos evidenciaram o papel das histórias, como veículo de
transmissão de conteúdos e de promoção de valores (Paiva, 2008; Short, 2009) e “como
forma de promover o conhecimento, a tolerância e a aceitação positiva da diversidade”
(Morgado e Pires, 2010:80). A componente afetiva e empática veiculada pela diversidade
representada nas narrativas (Colomer, 1999; Pires, 2000; Morgado e Pires, 2010) teve
também um papel fundamental nas aprendizagens e no desenvolvimento “de
Considerações Finais
_____________________________________________________________________________
219
competências para agir interculturalmente” (Morgado e Pires, 2010:81), pois este
desenvolvimento ocorreu essencialmente através da promoção do contato com a
diferença.
É de referir que a estrutura e as dinâmicas do projeto de intervenção contaram com
vários pontos de viragem ao longo da sua execução. Visto ser a base do projeto curricular
de sala a explorar com o grupo no ano letivo 2016/2017, o projeto começou a ser
implementado em meados de setembro e apenas no final de setembro foi apresentado à
orientadora, momento em que evidenciou várias falhas ao nível estrutural e articulatório.
Numa 1ª fase, ainda com orientação individual, o projeto foi apresentado e foi
questionada a definição das etapas deste, assim como as dinâmicas desenvolvidas com
cada história explorada, nomeadamente ao nível dos processos participativos, com
intervenção dos diferentes agentes educativos. Efetivamente após uma reflexão mais
crítica da minha parte, ficou claro que o processo estava muito centrado na educadora e
em cada cultura e que seria essencial definir a ligação entre a literatura infantil e as
áreas/temas sociais a explorar, que espelhasse as aprendizagens interculturais a
desenvolver. Os processos participativos foram também alvo de alteração após a perceção
que iriam ampliar e potenciar as aprendizagens nas diferentes áreas. Este foi o primeiro
ponto de viragem no projeto.
Numa 2ª fase, já em coorientação, o projeto foi novamente exposto e questionado:
qual a articulação entre os conhecimentos que as crianças tinham sobre outras culturas e
os objetivos de aprendizagem definidos para a exploração de cada uma das histórias? O
cerne da questão seria que esta relação iria traduzir a intencionalidade educativa do
trabalho pedagógico e consequentemente a escolha das atividades a realizar. Mais uma
vez, o projeto sofreu mudanças, desta vez através da esquematização de uma planificação
(Anexo 2-Organização curricular por histórias), que articulasse as áreas de conteúdo da educação pré-
escolar com as áreas/temas sociais exploradas nas histórias. Foi neste ponto que me
apercebi da importância da escolha de cada uma das histórias, pois cada uma delas deveria
apresentar um caso que promovesse a reflexão das crianças acerca do outro, favorecendo
assim os processos reflexivos e relacionais.
Considerou-se também que as vozes das crianças seriam fundamentais, emergindo
como o núcleo da recolha de dados para se compreenderem as aquisições realizadas ao
longo do processo. As notas de campo ‘deram vida’ a esta investigação e encontram-se
integradas no processo reflexivo e interpretativo de análise do trabalho de campo.
Considerações Finais
_____________________________________________________________________________
220
Passo a passo, desta reestruturação nasceu o projeto de intervenção descrito nestas
linhas, em estreita ligação com a fundamentação teórica que também sofreu várias
alterações a nível estrutural, durante o desenvolvimento do projeto.
Destaca-se assim, a importância dos projetos colaborativos na educação de
infância, assentes no diálogo e tomada de decisões em conjunto, para promover as
capacidades das crianças e consciencialização de si próprios e dos outros, enquanto
“sujeito[s] e agente[s] do processo educativo” (Silva et al, 2016:9) e atores sociais.
Poderia ser interessante desenvolver outros projetos que perscrutassem o
desenvolvimento da consciência intercultural na infância, procurando operacionalizar
outras estratégias para o seu desenvolvimento, em diferentes contextos educacionais,
desenvolvendo continuamente uma base de dados acerca do tema. Os processos de
participação consideram-se determinantes e por isso poderiam figurar em futuras
investigações, devido ao seu potencial nas problemáticas exploradas.
Embora o presente estudo não permita a generalização para outros casos,
nomeadamente por se tratar de um grupo específico, tanto de crianças, como de pais,
espera-se que os resultados alcançados nesta investigação possam de alguma forma servir
como material de apoio e base de consulta, assim como contribuir para o aperfeiçoamento
de questões ligadas à interculturalidade em contexto pré-escolar.
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Relatório estatístico decenal: Monitorizar a integração de imigrantes em Portugal
Documentos da Escola
Projeto Educativo de Escola e Regulamento Interno do Colégio “Missão”
LEGISLAÇÃO CONSULTADA
Lei n.º 103/III/90 - Lei de Bases do Sistema Educativo
Lei-Quadro (Lei n.º 5/97, de 10 de fevereiro) - Lei de Bases do Sistema Educativo
Decreto-Lei 241/ 2001 (de 30 de agosto) - Perfis específicos de desempenho profissional
do educador de infância e do professor do 1.º ciclo do ensino básico
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