Universidade Federal do Rio de Janeiro Centro de Filosofia e Ciências Humanas Escola de Serviço Social Programa de Pós-Graduação em Serviço Social - Doutorado
Tecnologia da Informação: contribuição importante para o exercício profission al?
Autor: Renato dos Santos Veloso
O R I E N T A D O R A : P R O F A D R A S U E L Y S O U Z A D E A L M E I D A
Rio de Janeiro 2006
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RENATO DOS SANTOS VELOSO
Tecnologia da Informação: contribuição importante para o exercício profission al?
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob a orientação da Professora Doutora Suely Souza de Almeida, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Serviço Social.
Rio de Janeiro Novembro/2006
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BANCA EXAMINADORA
Profa Dra Suely Souza de Almeida (orientadora)
Profa Dra Marilda Vilela Iamamoto
Profa Dra Raquel Goulart Barreto
Profa Dra Maria Lídia Souza da Silveira
Prof. Dr. José Augusto Vaz Sampaio Bisneto
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RESUMO VELOSO, Renato dos Santos. Tecnologia da Informação: contribuição importante para o exercício profissional? Rio de Janeiro: UFRJ, 2006. Este trabalho consiste numa reflexão sobre a potencialidade da tecnologia da
informação para o trabalho do assistente social e para o fortalecimento do
projeto ético-político profissional. Trabalha-se com dados coletados junto a
1440 participantes, por meio da aplicação de questionário eletrônico. Verificou-
se uma valorização do uso da tecnologia da informação pelos participantes,
com o predomínio, ainda, de alguns obstáculos a sua efetiva incorporação, tais
como as inadequadas condições de trabalho nas instituições e as lacunas
existentes no tratamento do tema na formação profissional. Busca-se oferecer
uma base inicial para a reflexão sobre a importância da TI para o exercício
profissional, um ponto de partida que recolha e sistematize questões que se
fazem presentes na forma de incorporação da TI que vem sendo realizada
pelos(as) assistentes sociais. Se por um lado o uso deste recurso, embora de
maneira tímida, já se faz presente entre os(as) assistentes sociais, por outro a
reflexão e a problematização de suas características principais ainda são
aspectos ausentes do debate profissional.
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ABSTRACT VELOSO, Renato dos Santos. Tecnologia da Informação: contribuição importante para o exercício profissional? Rio de Janeiro: UFRJ, 2006. This work is a study about the information technology potential for the work of
social workers and for the improvement of the Professional Ethical-Political
Project. The work considers data from 1440 participants, collected through the
application of an electronic questionnaire. The information technology is
considered by the participants an important instrument to be used at work.
Some obstacles for its effective usage in the work were indicated, such as bad
institutional work conditions and insufficient discussion about this question in
the professional formation. This works intends to offer an initial basis for the
reflection about the information technology´s importance for the professional
exercise, by the systematization of questions which are present in the
incorporation process conduced by the social workers. It is possible to verify,
initially, that the usage of this technology is present among the social workers.
In the other hand, the reflection about its main aspects are still absent of the
professional debate.
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RÉSUMÉ VELOSO, Renato dos Santos. Tecnologia da Informação: contribuição importante para o exercício profissional? Rio de Janeiro: UFRJ, 2006. C’étude est une réflexion sur la potencialité de la technologie d’information (TI)
pour le travail d l’assistante sociale et pour le raffermissement du projet
professionnel. C’étude analyse information après 1440 participants, à travers de
l’application de questionaire électronique. C’étude a verifique une valorisation
d’utilisation de la technologie d’information par les participants, avec le
prédominance d’obstacles à sa intégration effectif, comme les conditions de
travail inadéquats et les lacunes dans la formation professionnel. L’intention est
offrir une base initial pour la réflexion sur l’importance de la technologie
d’information pour l’exercise professionnel, à partir de la systématisation de
questions concernants à l’appropriation de la technologie d’information par le
Service Sociale. Il est possible vérifier, quoique de moule embryonnaire, que ce
ressource est utilisé pour les assistantes sociales. D’autre part, la réflexion de
ses caractéristiques basiques encore est un aspect absent du débat
professionnel.
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Dedico este trabalho a minha esposa e
companheira Vanessa. Se não fosse por seu
amor, carinho, incentivo e apoio este trabalho não
teria sido concluído. Obrigado por todo o amor
que sentimos e nutrimos um pelo outro ao longo
de todos estes anos. Que esta conquista continue
sendo apenas mais uma entre as muitas que
ainda estão por vir.
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AGRADECIMENTOS A minha esposa e companheira Vanessa, pelo seu amor e apoio constantes. A minha filha Valentina, que vem preenchendo de alegria nossas vidas. A meus pais Paulo e Dalva, minhas irmãs Andréa, Patrícia e Danieli, e meus sobrinhos Rodrigo, Joilson e Tassilis, por todo seu carinho. A meu cunhado Cláudio, que com certeza continuará sempre entre nós. A meus sogros Sr. Geraldo e D. Cilene, por todo o apoio oferecido nos últimos anos. A minha avó Zenita e minha tia Carla. A meus tios, tias, primos e primas de Campo Grande, por todo seu carinho e afeto. Aos amigos e parentes de Nilópolis, Carlinhos, Marilene, Willian, Júnior, Joelma, Eliana e Paulo. Aos amigos e colegas da Faculdade de Serviço Social da UERJ, do Hospital da Polícia Civil – José da Costa Moreira e do Curso de Serviço Social da UVA. Aos amigos e colegas do Conselho Regional de Serviço Social – RJ. Aos professores do Doutorado em Serviço Social da UFRJ. Aos membros de minha Banca Examinadora, em especial à minha orientadora, Profa Dra Suely Souza de Almeida. Aos assistentes sociais e estudantes que participaram da pesquisa, e tornaram possível a realização deste trabalho.
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Mundo Virtual
Entro apressado e com muita fome na lanchonete. Escolho uma mesa bem afastada do movimento, pois quero aproveitar a folga para comer e passar um e-mail urgente para meu editor. Peço uma porção de fritas, um sanduíche de rosbife e meia cerveja. Abro o notebook. Levo um susto com aquela voz baixinha atrás de mim. - Tio, dá um trocado? - Não tenho menino. - Só uma moedinha para comprar um pão. - Está bem, compro um para você. Minha caixa de entrada está lotada de e-mails. Fico distraído vendo as mensagens. - Tio, pede para colocar margarina e queijo também. Percebo que o menino tinha ficado ali. - Certo. Vou pedir, mas depois me deixa trabalhar, estou muito ocupado. Chega minha refeição e junto com ela meu constrangimento. Faço o pedido do guri, e o garçom me pergunta se quero que mande o garoto ir embora. Minha consciência me impede de dizer sim. Digo que está tudo bem. - Deixe-o ficar. Traga o pedido do menino. - Tio, você tem Internet? - Tenho sim, é essencial ao mundo de hoje. - O que é Internet? - É um local no computador, onde podemos ver e ouvir muitas coisas, notícias, músicas, conhecer pessoas, ler, escrever, sonhar. Tem de tudo no "mundo virtual". - E o que é virtual? Resolvo dar uma explicação simplificada, na certeza que ele pouco iria entender. - Virtual é um local que imaginamos, algo que não podemos pegar e nem tocar. É lá que criamos um monte de coisas que gostaríamos de fazer, criamos nossas fantasias, transformamos o mundo do jeito que gostaríamos que fosse. - Legal isso. Adoro! - Menino, você entendeu que é virtual? - Sim, também vivo neste mundo virtual. - Nossa! Você tem computador? - Não, mas meu mundo também é desse jeito. Virtual! Minha mãe trabalha, fica o dia todo fora, só chega muito tarde, quase não a vejo, eu fico cuidando do meu irmão pequeno que chora de fome e eu dou água para ele imaginar que é sopa, minha irmã mais velha sai todo dia, diz que vai vender o corpo, mas não entendo, pois ela sempre volta com o corpo, meu pai está na cadeia há muito tempo, mas sempre imagino nossa família toda junta em casa, muita comida, muitos brinquedos, ceia de natal e eu indo ao colégio para virar médico um dia. Isso é virtual não é tio?
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Sumário Introdução .................................................................................................................................. 11 Capítulo 1 – Tecnologia e Relações Sociais .......................................................................... 29 1.1. Notas sobre o Conceito de Tecnologia ................................................................................ 30 1.2. O Uso da Tecnologia pelo Capital: automação e exploração do trabalho........................... 49 1.3. A “Revolução” da Tecnologia ............................................................................................... 56 1.4. As Expressões Atuais da Tecnologia................................................................................... 74 Capitulo 2 - Serviço Social e TI: algumas conexões ............................................................. 93 2.1. Procedimentos Metodológicos Utilizados ............................................................................ 94 2.2. Observações preliminares.................................................................................................. 102 2.3. Breve perfil dos(as) participantes....................................................................................... 107 2.4. Gênero, TI e Serviço Social ............................................................................................... 115 2.5. O acesso à TI ..................................................................................................................... 125 2.6. O Serviço Social e a “exclusão digital”............................................................................... 144 2.7. O Potencial Estratégico da TI para o Serviço Social ......................................................... 154 Capítulo 3 - A Presença da TI no Serviço Social .................................................................. 186 3.1. A Aproximação do Serviço Social à TI............................................................................... 187 3.2. Considerações dos(as) profissionais sobre a Incorporação da TI..................................... 210
3.2.1. A Informatização do Serviço Social ............................................................................ 216 3.2.2. A Participação do Serviço Social nos Processos de Incorporação da TI................... 226 3.2.3. As Mudanças Propiciadas pela TI .............................................................................. 230 3.2.4. Os Condicionantes da Incorporação da TI ................................................................. 243 3.2.5. O Papel da Formação Profissional ............................................................................. 250 3.2.6. A Resistência à TI....................................................................................................... 260 3.2.7. O Sigilo Profissional .................................................................................................... 266 3.2.8. As Condições de Trabalho.......................................................................................... 270 3.2.9. A TI como Potencializador do Trabalho...................................................................... 291
Considerações Finais ............................................................................................................. 308 Referências Bibliográficas ..................................................................................................... 324 Anexos ...................................................................................................................................... 332
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I N T R O D U Ç Ã O
Pretende-se apresentar uma reflexão sobre a importância da
tecnologia da informação (TI) para o exercício profissional dos(as) assistentes
sociais, tentando apreender em que medida sua incidência no trabalho
cotidiano pode promover alterações qualitativas no processamento das
atividades profissionais e na melhoria do acesso aos direitos sociais por parte
dos usuários e usuárias. Parte-se do pressuposto que a TI (tomada ao longo
deste trabalho a partir de suas expressões concretizadas mais especificamente
no uso da informática e da Internet) pode ter um papel importante para o
Serviço Social, desde que sua incorporação ao trabalho dos(as) profissionais
se dê de forma subordinada aos princípios e valores fundamentais ao exercício
profissional presentes no que a categoria de assistentes sociais vem
denominando como Projeto ético-político profissional.
Entende-se o Projeto Ético-Político Profissional como uma forma
determinada de pensar e exercer a profissão, construída a partir da década de
oitenta e marcada pela superação do tradicionalismo e conservadorismo
profissionais. Constitui-se como uma “auto-imagem” da profissão, na qual estão
presentes seus valores, seus objetivos, suas funções e os requisitos, normas e
balizas para o seu exercício. Nas palavras de Netto, este projeto “tem em seu
núcleo o reconhecimento da liberdade como valor ético central – a liberdade
concebida historicamente, como possibilidade de escolher entre alternativas
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concretas, daí um compromisso com a autonomia, a emancipação e a plena
expansão dos indivíduos sociais. Conseqüentemente, o projeto profissional
vincula-se a um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem
social, sem dominação e/ou exploração de classe, etnia e gênero” (Netto, 1999,
p.104-5). As linhas principais deste Projeto podem ser encontradas na Lei
8662/93, que regulamenta a profissão de Assistente Social no Brasil; no atual
Código de Ética Profissional; e nas Diretrizes Curriculares da formação
profissional em Serviço Social.
Não se compreende o projeto ético-político como algo dado. Antes,
tal projeto constitui-se como uma conquista da categoria profissional que se
encontra em processo permanente de construção e consolidação. Fruto de
uma trajetória de duas décadas que vem direcionando a profissão de Serviço
Social, este projeto encontra-se articulado às lutas da sociedade. Sua origem
remonta ao contexto de crise da ditadura militar, no âmbito do processo de
redemocratização, onde o Serviço Social se renova a partir do processo de
“socialização da política” no Brasil. Tem como um de seus principais desafios a
sua materialização no cotidiano do exercício profissional, o que supõe pensá-lo
em articulação com as condições reais de trabalho dos(as) assistentes sociais.
Como aponta Iamamoto (2002):
“O projeto ético-político profissional expressa a perspectiva
hegemônica impressa ao Serviço Social brasileiro. Tem suas
raízes nas forças sociais progressistas e está fundado nas
reais condições sociais em que se materializa a profissão. Em
outros termos, a operacionalização do projeto profissional
supõe o reconhecimento das condições sócio-históricas que
13
circunscrevem o trabalho do assistente social na atualidade,
estabelecendo limites e possibilidades à plena realização
daquele projeto” (Iamamoto, 2002, p.23).
A possibilidade de uma apropriação crítica da TI é levantada tendo
em vista o caráter contraditório das relações sociais, em que se vislumbra a
possibilidade de utilização desta tecnologia no sentido de atender aos
interesses dos trabalhadores e usuários(as) do Serviço Social, que embora não
sejam homogêneos possuem como traço comum a demanda, cada vez mais
crescente, por melhores condições de vida, o que pode ser propiciado, embora
não exclusivamente, pelo acesso aos serviços e políticas sociais com os quais
trabalham os(as) assistentes sociais.
Trata-se de um tema de importância reconhecida pela categoria
profissional, mas que não vem sendo suficientemente tratado pela mesma. Em
termos gerais, vislumbra-se uma tendência de valorização da TI por parte
dos(as) assistentes sociais, manifestada pela postura favorável ao uso do
computador e dos recursos oferecidos pelas inovações tecnológicas no
cotidiano profissional. No entanto, constata-se que muitas vezes os(as)
profissionais não têm tido acesso às condições objetivas e subjetivas que lhes
permitam uma apropriação da TI com vistas à captação de suas
potencialidades para o exercício profissional e para a consolidação do projeto
ético-político profissional.
Embora seja possível perceber posturas que tendem a questionar a
hegemonia deste projeto, ora mais explícitas, ora menos explícitas, considera-
se, como atestam os principais eventos e encontros profissionais, que sua
14
hegemonia vem se mantendo, o que não significa que a busca pela sua
consolidação tenha se encerrado. É neste sentido, que o tema da TI pode ser
incorporado à agenda de debates profissionais, como um dos elementos a
serem utilizados na busca constante pela atualização e consolidação deste
projeto, destacando-se que o uso que se fizer deste recurso e os resultados
dele advindos não podem perder de vista os valores e princípios que têm
norteado esta construção coletiva da categoria.
Buscou-se, assim, abordar o potencial da TI para o trabalho
profissional, que pode ser apropriado pela profissão na medida em que se
disponha de alguns requisitos, dentre os quais se destaca, além da vontade e
da iniciativa do(a) próprio(a) profissional, condições de trabalho adequadas
(principalmente, mas não exclusivamente, no que se refere à existência de
recursos materiais seja para uso direto no atendimento, seja para
encaminhamento dos usuários e usuárias) e um processo de formação
profissional que trate do tema em suas diversas dimensões. A intenção foi
construir uma base inicial de discussão para refletir sobre as possibilidades de
articulação entre a TI e o Serviço Social, recolhendo alguns elementos
presentes no debate sobre o tema e sobre a profissão, tentando articulá-los a
partir de alguns dados coletados junto à categoria profissional.
Trata-se de um esforço que se identifica e dá concretude a um dos
pressupostos básicos para se pensar o Serviço Social na contemporaneidade
apontados por Iamamoto (1998), qual seja: “decifrar a realidade e construir
propostas de trabalho criativas e capazes de preservar e efetivar direitos, a
15
partir de demandas emergentes no cotidiano” (p.20). Embora o reforço da
pesquisa como dimensão inexorável do trabalho do(a) assistente social e a
construção de novas propostas de intervenção não possam ser pensadas
como conseqüência exclusiva da apropriação da TI pelo Serviço Social,
considera-se que tal recurso, utilizado de forma crítica e consistente, pode
constituir-se como uma importante contribuição. Como observou a autora, a
reflexão contemporânea sobre o trabalho profissional supõe que a profissão
tome “um banho de realidade brasileira” (Iamamoto, 1998, p.38), e que os(as)
profissionais possam munir-se de dados, informações e indicadores que
possibilitem identificar as expressões particulares da questão social. Em outros
termos, faz parte, também, do exercício profissional produzir um acúmulo de
materiais e informações sistemáticas sobre a realidade social com vistas a
elaborar propostas relativas às políticas sociais para o trato da questão social,
e, neste sentido, o uso da TI mostra-se relevante.
Por estar presente no processo contraditório de reprodução das
relações sociais capitalistas, a TI, embora seja usada hegemonicamente para
satisfazer interesses do capital, contém a possibilidade de satisfazer interesses
diversos, podendo ser colocada em sintonia com experiências de luta e
resistência social. Ao tomá-lo com base em sua natureza contraditória pode-se
sugerir que este recurso pode tanto conservar e reproduzir aspectos do modo
de organização capitalista quanto buscar negá-los e superá-los. Compreendida
numa perspectiva de totalidade, a TI pode atender interesses contraditórios do
capital e do trabalho, constituindo-se, portanto, como um campo de disputas
em que projetos societários se confrontam. A inserção neste campo de
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disputas e a construção de uma contribuição voltada para os interesses não
hegemônicos requerem dos(as) profissionais de Serviço Social um consistente
acúmulo teórico-metodológico, ético-político e técnico-instrumental, de forma
que possam deter tanto o domínio operacional do recurso tecnológico, quanto a
postura crítica que lhe permita apropriar-se deste recurso e colocá-lo a favor de
valores e princípios profissionais.
É neste sentido que a TI pode ser utilizada para atender interesses
contraditórios. Seu uso social constitui-se como objeto de disputa, o que coloca
a possibilidade histórica de incorporá-la numa perspectiva de reforço dos
valores ético-políticos presentes no projeto profissional. Por ser produto de um
processo social contraditório, em que a riqueza socialmente produzida aumenta
em proporção semelhante à produção de miséria e desigualdade, a TI pode ser
apropriada por sujeitos sociais que buscam a construção de processos sociais
mais democráticos e participativos. Desta forma, a TI pode assumir um papel
estratégico, no sentido de contribuir para a consolidação da direção social
estratégica assumida e conduzida pela categoria profissional ao longo das
últimas décadas.
Escolheu-se um problema para investigação partindo-se do cotidiano
profissional e dos dilemas presentes no exercício profissional. A preocupação
com a potencialidade da TI para o trabalho profissional tem origem na
observação de experiências de intervenção profissional nas quais não se
dispunha dos meios necessários para tornar mais ágeis e eficazes as ações
realizadas, como, por exemplo, o registro adequado e a recuperação de dados
17
e informações referentes ao trabalho, a geração de indicadores de avaliação,
perfis de usuários, estatísticas de atendimento e realização de
encaminhamentos mais bem fundamentados, dentre outros. Neste contexto, a
TI passou a ser pensada como um fator capaz de proporcionar aos(às)
profissionais meios para a superação de dificuldades encontradas no trabalho
cotidiano, principalmente, mas não exclusivamente, aquelas relacionadas com
os aspectos técnico-operativos.
O conhecimento e o uso da TI colocam a possibilidade de lidar com
uma grande quantidade de dados, extraindo deles informações preciosas para
o trabalho, que, por sua vez, possibilitam a avaliação do trabalho desenvolvido
e a construção de novas propostas de intervenção. Considera-se a capacidade
de gerir, controlar e distribuir a informação um aspecto de grande importância
para o trabalho, já que, além de subsidiar a tomada de decisões e otimizar a
condução dos processos de gestão, pode potencializar o exercício profissional,
principalmente no que se refere à sistematização da prática e ao
desenvolvimento da postura investigativa inerente ao exercício profissional,
sobretudo no que se refere ao conhecimento das formas contemporâneas de
configuração e expressão do objeto da atuação profissional.
Uma das inúmeras discussões estabelecidas no debate profissional
do Serviço Social refere-se à chamada questão social. Em termos gerais, a
intervenção sobre a questão social se realiza, de acordo com Netto (1996),
fragmentando-a e parcializando-a. Suas refrações e múltiplas expressões
podem ser identificadas em diversas áreas da vida social, constituindo um
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amplo rol de temáticas (geralmente abordadas de forma desarticulada) em que
se pode destacar: desemprego, violência, pobreza, população de rua,
concentração de renda, dentre outras. Na sociedade capitalista, a apreensão
da questão social de forma fragmentada leva a um recorte e a uma
categorização de problemáticas, configurando questões particulares cuja
vinculação a uma matriz comum é ocultada. Essa fragmentação mostra-se útil
para o capitalismo na medida em que permite ocultar a raiz dessas “questões”:
uma modalidade de relação capital/trabalho em que predominam a intensa
exploração do trabalho e a busca frenética pelo aumento do excedente
econômico, constituindo uma sociedade cada vez mais marcada por
desigualdades de classe, de gênero e de raça/etnia.
De forma geral, caracteriza-se as “expressões da questão social”
como o objeto de trabalho do(a) assistente social. A efetiva intervenção sobre
as diversas “problemáticas” acima referidas demanda a presença e a atuação
de assistentes sociais, profissionais com formação generalista,
capacitados(as), qualificados(as) e habilitados(as) a contribuir para a
proposição, a formulação e a execução de políticas, programas e projetos
sociais. Ao participar do processo de intervenção sobre as expressões da
questão social, os(as) profissionais de Serviço Social contribuem para a
construção de condições que possam amenizar o impacto que tais expressões
têm no cotidiano de sua população usuária. Assim, cada vez mais os(as)
assistentes sociais vêm se afirmando no campo da gestão das políticas sociais,
não apenas na esfera da execução propriamente dita, mas também nas
dimensões de sistematização, pesquisa, planejamento, elaboração e avaliação.
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Isso tem demandado dos(as) profissionais a capacidade de realizar
análises sólidas e consistentes, coordenadas com as ações de outros sujeitos
profissionais. Acrescente-se, ainda, o fato de que, em seu exercício, o(a)
assistente social possui como uma de suas mais importantes atribuições a
“socialização das informações”, atividade de grande relevância para o efetivo
acesso ao conjunto de direitos, sobretudo os direitos sociais. Assim, é neste
contexto que reside a importância de sistemas de registro de dados e geração
de informações, que podem ser proporcionados tendo em vista uma
apropriação consistente e crítica da TI.
Considera-se que uma das principais potencialidades da TI para o
trabalho profissional encontra-se exatamente neste ponto: no registro e
recuperação de dados e informações referentes ao trabalho e aos elementos
aos quais ele se encontra articulado. Trata-se de um recurso que ajuda a
descrever a realidade, oferece um panorama, um "retrato", uma aproximação,
sem confundi-la, no entanto, com a própria realidade. Os processos sociais que
se encontram subjacentes a esse "retrato", que permanecem ocultos sob a
aparência em que se apresentam precisam ser identificados e decifrados, e tal
tarefa não é realizada apenas com a utilização da tecnologia, demandando
outras competências profissionais, tais como a teórico-metodológica e a ético-
política.
Propõe-se um entendimento do termo “competência” diverso
daquele que possa situá-lo em contextos de fragmentação e redução do
trabalho profissional, onde, em vez de valorizar-se o domínio dos conteúdos
20
necessários à atuação profissional, valoriza-se o domínio das competências
para tal atuação. O termo competência é utilizado como sinônimo de
“dimensão”, denotando a compreensão de que a atuação profissional crítica
supõe as dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-instrumental.
Expressa-se, desta forma, uma contraposição em relação a abordagens
“gerenciais”, em que se constata a reprodução de um “discurso empresarial”
existente, por exemplo, no que Barreto et alli. (2004) apresentam como
“estratégia de formação baseada em competências” (p.1671), em que o ensino
pode ser decomposto em “habilidades e competências básicas”, cuja soma
constituirá o desempenho “desejável” a ser alcançado pelo profissional. Não se
pretende, portanto, que o recurso ao termo competência, empregado com certa
freqüência neste trabalho, sugira a possibilidade de obliteração de conteúdos
ou ainda de esvaziamento ou redução da formação profissional a treinamento
de habilidades e competências. Antes, indica, tal como assinalado por
Iamamoto (1998), uma competência que não seja a autorizada e permitida, “ a
competência da organização”, mas, inversamente:
“... uma competência crítica, capaz de decifrar a gênese dos
processos, suas desigualdades e as estratégias de ação para
enfrentá-las. Supõe competência teórica e fidelidade ao
movimento da realidade; competência técnica e ético-política
que subordine o ‘como fazer’ ao ‘o que fazer’ e, este, ao ‘dever
ser’, sem perder de vista seu enraizamento no processo social”
(Iamamoto, 1998, p.80, grifos da autora).
Para subsidiar esta reflexão, foram coletados dados junto à
categoria profissional por meio da aplicação de dois questionários eletrônicos,
21
no âmbito da pesquisa “Serviço Social e tecnologia da informação” (SSTI),
realizada na Faculdade de Serviço Social da UERJ. O primeiro questionário
(anexo 1), composto por questões fechadas e voltadas ao reconhecimento
inicial do uso da TI pela categoria, foi respondido por 1.440 participantes
(profissionais e estudantes) de vários estados do Brasil, oferecendo um ponto
de partida para a reflexão sobre as conexões do Serviço Social com a TI. O
segundo questionário (anexo 2), com questões mais específicas sobre o uso
desta tecnologia no cotidiano profissional, foi enviado apenas aos(às)
profissionais que responderam ao primeiro. Buscou-se, neste segundo
momento, conhecer as características presentes no uso que os(as) assistentes
sociais vêm fazendo da TI, evidenciando a contribuição que este recurso pode
oferecer para a construção de uma alteração qualitativa na forma de condução
do trabalho profissional e na melhoria do acesso aos direitos sociais por parte
dos usuários e usuárias.
Busca-se, desta forma, oferecer uma base inicial para a reflexão
sobre a importância da TI para o exercício profissional, um ponto de partida
que recolha e sistematize questões que se fazem presentes na forma de
incorporação da TI que vem sendo realizada pelos assistentes sociais. Como
se verá, se por um lado o uso deste recurso, embora de maneira tímida, já se
faz presente entre os(as) assistentes sociais, por outro a reflexão e a
problematização de suas características principais ainda são aspectos
ausentes do debate profissional. O objetivo deste trabalho é oferecer uma
aproximação a tais aspectos, buscando estabelecer algumas bases para uma
apropriação deste recurso pelo Serviço Social. Com isso, pretende-se contribuir
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para evitar um processo de incorporação imposto de forma autoritária e
desconectada das reais demandas profissionais, como pode ilustrar a
observação realizada por Iamamoto (2002) acerca das modificações efetuadas
pelo MEC nas diretrizes curriculares1.
“É de suma importância registrar e denunciar que a forma final
assumida pelas diretrizes curriculares no texto legal, ao serem
homologadas em 04/07/2001 pelo Ministério da Educação e do
Desporto (MEC), sofreu uma forte descaracterização tanto na
sua direção social, quanto na base dos conhecimentos e
habilidades considerados essenciais ao desempenho
profissional do assistente social. Esses elementos
exaustivamente debatidos pelo conjunto das unidades de
ensino, pelas entidades representativas da categoria, e
referendados pela Comissão de Especialistas do MEC – da
qual a autora foi membro -, sofreram cortes que comprometem
o projeto original proposto ao Conselho Nacional de Educação
(CNE). Assim, por exemplo, no perfil do bacharel em Serviço
Social constava ‘profissional comprometido com os valores e
princípios norteadores do Código de Ética do Assistente
Social’, o que foi retirado e substituído por ‘utilização dos
recursos da informática’” (Iamamoto, 2002, p.22, grifos da
autora).
Embora a utilização dos recursos da TI possa ser considerada
importante e, contraditoriamente, geradora de possibilidades de atuação
profissional, isso não significa, de forma alguma, que seu uso tenha que se dar
1 As diretrizes curriculares para a área de Serviço Social foram construídas pelas unidades de ensino por meio da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS). De acordo com Iamamoto (2002), “as diretrizes propostas pela categoria materializam um projeto de formação profissional que vem sendo construído coletivamente no bojo do processo de renovação do Serviço Social brasileiro, como um dos pilares do projeto ético-político da profissão. (...) As diretrizes propostas articulam a análise dos fundamentos do Serviço Social em suas dimensões históricas, teórico-metodológicas e éticas com as reais condições e relações de trabalho em que se realiza o exercício profissional” (Iamamoto, 2002, pp.22-3).
23
substituindo aspectos fundamentais do exercício profissional, configurando um
quadro em que, como observa Barreto (2006), “tecnologia não significa soma,
mas subtração” (p.5), na medida em que pode ser utilizada para retirar da
formação profissional a dimensão crítica necessária ao exercício profissional.
Trata-se de uma demonstração da forma como a “utilização dos
recursos da informática” pode ser imposta à profissão, buscando a satisfação
de valores não só diferenciados, mas contrapostos ao projeto profissional. Da
forma como aparece na citação acima, a informática foi usada para substituir
os valores éticos, postura frontalmente contrária ao que se pretende defender
neste trabalho, ou seja, a noção de que a importância da incorporação da TI
para o trabalho profissional reside na sua subordinação aos valores e princípios
presentes no projeto ético-político profissional, e não num tipo de utilização que
possa suplantá-lo. Trata-se de um episódio que pode servir para lembrar as
nefastas possibilidades de utilização deste recurso no trabalho do Serviço
Social: tomada como substituto de dimensões fundamentais da profissão.
O trabalho visa, portanto, apresentar uma reflexão sobre a
relevância deste recurso para o exercício profissional, dividindo-se em três
capítulos. No primeiro, busca-se efetuar uma discussão sobre tecnologia e
sociedade, demonstrando que a técnica e/ou a tecnologia são produtos do
próprio desenvolvimento histórico e social, com ênfase no trabalho humano, e
não algo separado dele, como pretendem sustentar algumas posturas
simplistas e mistificadoras. Pretende-se neste capítulo apresentar referências
teóricas mais gerais para refletir sobre o significado do recurso tecnológico
24
para as relações sociais, abordando alguns dos poucos autores que, tentando
manter-se numa perspectiva crítica, tomam o tema da tecnologia de forma
articulada ao movimento histórico da sociedade. São discutidas, ainda, noções
necessárias para o tratamento que se fará das possibilidades de uso do
recurso tecnológico no trabalho do Serviço Social, sem, no entanto, realizar
uma análise de maior fôlego dos diversos aspectos teóricos presentes no
debate sobre o tema. Trata-se, evidentemente, de uma das diversas lacunas
presentes neste trabalho, já, de imediato, apontada por este pesquisador. Não
se considera, no entanto, que tais lacunas, sobretudo as que se referem à
apresentação da abordagem teórica do tema, minimizem ou ofusquem, embora
tenham o seu impacto, o ineditismo e a importância da contribuição deste
trabalho para a problematização de um aspecto ao mesmo tempo tão
importante e tão desconhecido pela categoria profissional.
No capítulo 2, apresentam-se considerações sobre os dados
coletados junto à categoria profissional, apreciando as respostas oferecidas
pelos(as) participantes da pesquisa, tendo por base as contribuições teóricas
disponíveis sobre os aspectos abordados. Busca-se oferecer, a partir dos
dados coletados, uma apreciação dos elementos presentes nas possibilidades
de apropriação da TI por parte do Serviço Social, entendendo tal apropriação
como um fator estratégico para o exercício profissional. Não se trata, no
entanto, de compreender o uso deste recurso como “mais” ou “menos”
estratégico do que outros aspectos presentes no trabalho profissional. Como se
verá, compreende-se que a incorporação da TI pode contribuir para o
fortalecimento do exercício profissional condizente com o projeto ético-político
25
da categoria. No entanto, há que se verificar em que medida tal incorporação
pode, de fato, fortalecer esse projeto profissional. Parte-se do pressuposto de
que tal fortalecimento só é possível se a TI for utilizada como um meio para se
efetivar os princípios profissionais. O uso deste recurso sem um compromisso
concomitante com os valores profissionais expressos neste projeto pode gerar
um tipo de fortalecimento do exercício profissional marcado por outras
características, em que posturas como o tecnicismo e o metodologismo,
produtos da ausência de uma perspectiva crítica, podem ser difundidas e
valorizadas.
No capítulo 3, busca-se apreciar questões presentes na
incorporação da TI ao trabalho cotidiano. Com base em depoimentos
oferecidos por assistentes sociais que vêm tentando incorporar a TI ao seu
trabalho, apresentam-se as características da utilização que vem sendo
realizada deste recurso no cotidiano profissional. Aspectos como condições de
trabalho, presença do tema na formação profissional, importância e
possibilidades de uso da TI são abordados com a intenção de conhecer os
obstáculos e as possibilidades presentes na apropriação deste recurso ao
exercício profissional. Pretende-se oferecer, com base nestes depoimentos, um
conjunto de considerações acerca das condições concretas em que os(as)
assistentes sociais vêm buscando incorporar ao trabalho cotidiano o potencial
deste recurso. Trata-se, como se verá, de um processo de incorporação muitas
vezes imposto ou direcionado por sujeitos estranhos ao próprio Serviço Social,
o que pode ser tomado como preocupante por conta da tendência de se
priorizar valores e princípios que podem ser divergentes ou contrários aos
26
defendidos pela categoria profissional. Por outro lado, vislumbra-se, também,
alguns relatos que demonstram o esforço de profissionais que vêm tentando
criar, com a utilização do recurso tecnológico, possibilidades de alteração
qualitativa no exercício profissional.
Como será possível perceber, os capítulos seguem uma estrutura
em que se tenta partir de elementos teóricos mais gerais para, em seguida,
tratar-se da presença do tema no Serviço Social, e, mais especificamente, da
apropriação da TI pelos(as) profissionais inseridos(as) no mercado de trabalho.
São capítulos que, embora não realizem um diálogo intenso entre si, permitem
identificar aspectos mais relevantes em cada um destes contextos, contribuindo
para a construção de uma aproximação ao tema. Trata-se, portanto, de um
esforço de investigação que pretende oferecer um ponto de partida para o
tratamento da importância da TI para o exercício profissional. Acredita-se que
sua originalidade encontra-se na tentativa de compreender a importância deste
recurso não para o trabalho do Serviço Social tomado de forma abstrata, mas
para o exercício profissional que pretende se manter fiel aos princípios
presentes em nosso projeto ético-político profissional. Assim, não se trata de
apresentar a TI, como já observado, como um recurso mais estratégico ou mais
importante do que outros aspectos da profissão. Pretende-se, sim,
compreendê-lo como um recurso cuja importância só é evidenciada a partir de
sua conexão com os demais fatores que integram o exercício profissional.
Em suma, trata-se de uma tese sobre um tema original, que traz
uma contribuição importante para o debate profissional, articulando os dados
27
coletados com algumas contribuições teóricas, com a perspectiva de
demonstrar um quadro da incorporação e apropriação da TI pelo Serviço
Social, seus limites e possibilidades, sem perder de vista a hipótese do seu
caráter contraditório. Vale destacar que a existência de algumas experiências
de incorporação da TI não significa a sua efetiva apropriação pelos(as)
profissionais. Por esta última entende-se a incorporação do recurso tecnológico
em sintonia com os valores e princípios que orientam o exercício profissional
no âmbito do projeto profissional, uma incorporação de fato, voltada ao reforço
de tais princípios, e não como expressão de estratégias de substituição
tecnológica, ou, ainda, situada em uma perspectiva meramente instrumental,
em que a tecnologia é vista como ferramenta ou instrumento para atingir
quaisquer finalidades, no âmbito da “racionalidade instrumental” (Barreto,
2002). A TI não é concebida como um fim em si mesma, mas nos termos de
sua inscrição em um determinado projeto profissional. É neste sentido que a
tese ora apresentada constitui-se como uma importante contribuição,
necessária ao debate profissional, que busca estabelecer conexões entre TI,
formação profissional e condições de trabalho profissional, no âmbito dos
dilemas profissionais, sem cair na postura tecnicista, e afirmando a tecnologia
como mediação, como um recurso para o reforço do projeto ético-político
profissional.
Encerrando estas considerações introdutórias, cabe destacar e
manifestar o profundo agradecimento ao apoio dado pelo Conselho Regional
de Serviço Social – 7a Região que, em sintonia com as preocupações
presentes neste trabalho, percebeu a importância do tratamento e
28
problematização deste tema para a categoria profissional, oferecendo algumas
contribuições para a materialização da pesquisa realizada. Dentre o suporte
disponibilizado, pode-se destacar o envio do questionário, no formato de carta-
resposta, por correio, dentro do Jornal Práxis, aos(às) assistentes sociais
ativos(as) do estado do Rio de Janeiro. Além disso, em uma edição do referido
Jornal anterior ao envio do questionário, foi veiculada uma matéria sobre o
tema da pesquisa, já alertando os(as) profissionais para a relevância do tema e
sinalizando a existência e importância da pesquisa.
29
C A P Í T U L O 1 – T E C N O L O G I A E R E L A Ç Õ E S S O C I A I S
30
1 . 1 . N O T A S S O B R E O C O N C E I T O D E T E C N O L O G I A
A tecnologia tem estado presente em cada vez mais espaços da
vida social. Percebe-se que os microcomputadores, um dos principais sinais
das atuais inovações tecnológicas, são absorvidos nas diversas atividades e
práticas realizadas pelos diversos sujeitos sociais. O uso cada vez mais
disseminado do computador tem sido apontado como uma das principais
conseqüências do desenvolvimento tecnológico realizado nas últimas décadas,
embora, hegemonicamente, tal uso esteja direcionado à manutenção ou
aprofundamento das contradições existentes na estrutura da organização
social capitalista, a qual, nunca é demais lembrar, encontra-se fortemente
marcada por desigualdades de classe social, gênero e raça/etnia.
Se de um lado a tecnologia vem avançando e produzindo inovações
cada vez mais notáveis, de outro elas não estão plenamente disponíveis ao
conjunto da população, que se vê, em sua maioria, cerceada do acesso aos
frutos das inovações tecnológicas. Na maior parte das vezes, sua utilização
encontra-se vinculada à satisfação dos interesses de grupos e elites
dominantes, contribuindo, em grande medida, para intensificar processos
relativos ao aumento da acumulação. Desta forma, considera-se que o
desenvolvimento acelerado da tecnologia e as suas possibilidades de uso
social expressam a dimensão contraditória presente nas relações sociais
capitalistas. Tal consideração supõe o entendimento de que, apesar de ser
31
largamente utilizada para viabilizar e dinamizar interesses da classe capitalista,
pode ser apropriada e colocada em sintonia com os interesses da classe
trabalhadora.
Diversas são as conceituações de tecnologia. Numa perspectiva
mais superficial, Silva et alli (2004), apontam que o conceito de tecnologia pode
ser aplicado a tudo aquilo que, não existindo na natureza, o ser humano
inventa para expandir seus poderes, superar suas limitações físicas, tornar seu
trabalho mais fácil e a sua vida mais agradável. Tecnologia, para os autores,
não é apenas instrumento, ferramenta ou equipamento tangível. Tecnologia é,
também, coisa intangível, como procedimentos, métodos, técnicas etc. Assim,
ao falarmos em tecnologia, isso não significa, necessariamente, que estamos
falando sobre informática ou sobre TI, embora a tendência, nos dias atuais,
seja a de confundir tais termos, ou ainda, tomá-los como sinônimos.
Numa abordagem mais aprofundada da tecnologia, Vieira Pinto
(2005) afirma que sua adequada conceituação tem como ponto de partida a
compreensão do avanço tecnológico como expressão do processo de
desenvolvimento das forças produtivas da sociedade (sendo a principal delas o
trabalho), destacando que, em termos gerais, a tecnologia pode ser entendida
como o estado de desenvolvimento do trabalho social, explicada pelo conjunto
da sociedade.
A contribuição de Vieira Pinto é entendida neste trabalho como de
grande importância para a compreensão do caráter histórico e social da
tecnologia. O debate realizado por outros autores que vêm tratando do tema
32
(dentre os quais se poderia destacar Lévy, 1993, 1999; Castells, 1999; Schaff,
1993; Tauille, 2001; Silveira, 2001; Carneiro, 2002; Meireles, 1994; Silva et alli,
2004, Lojkine, 2002, dentre outros) na maioria das vezes tende a deslizar para
uma postura mistificadora das inovações tecnológicas, características que
serão apresentadas ao longo deste trabalho, evidenciando sua utilidade para
concepções que tendem a reforçar o caráter profundamente ideológico que o
termo carrega. Neste sentido, pela importância conferida às contribuições deste
autor e pela relevância que se julga possuir tais considerações para a
compreensão do papel da tecnologia na sociedade, optou-se por apresentar,
inicialmente, um breve resumo dos aspectos principais de sua análise, em que
o caráter social e histórico da tecnologia e a postura de negação a uma análise
simplista são marcadamente destacados.
Para o autor, o termo "tecnologia" tem sido usado de formas
variadas e, apesar de não existir um conteúdo inequívoco para defini-la, pode-
se distinguir pelo menos quatro significados principais:
1) tecnologia entendida como a teoria, a ciência, o estudo, a
discussão da técnica; nas palavras do autor, “a ‘tecnologia’ aparece aqui com o
valor fundamental exato de ‘logos da técnica’" (p.219);
2) tecnologia equivalendo pura e simplesmente a técnica; consiste
no sentido mais freqüente, popular do termo, onde as duas palavras mostram-
se intercambiáveis no discurso habitual, coloquial e sem rigor;
3) tecnologia entendida como o conjunto das técnicas de que dispõe
uma sociedade, em qualquer fase histórica de seu desenvolvimento; é a esta
33
acepção que se costuma fazer menção quando se procura referir ou medir o
grau de avanço do processo das forças produtivas de uma sociedade;
4) tecnologia como a ideologização da técnica, onde, para o autor,
“pode-se dizer que a palavra tecnologia menciona a ideologia da técnica”
(p.220).
Como enfatizado pelo autor, a abordagem mais consistente da
tecnologia leva em conta a diversidade de noções e significados escondidos
sob este termo, principalmente seu aspecto ideológico, tendo em vista que “as
presentes condições sociais possibilitam a utilização das discussões sobre a
técnica, suas relações com a ciência e o papel desempenhado na vida dos
homens, para fins nitidamente ideológicos” (Vieira Pinto, 2005, p.228). É neste
sentido que conceitos como “explosão tecnológica” e “era tecnológica”
precisam ser objeto de rigorosa apreciação crítica.
Em contraposição a análises simplistas que tendem a considerar
apenas a época atual como detentora de um caráter “tecnológico”, o autor
observa que a expressão “era tecnológica” refere-se a toda e qualquer época
da história, desde que homens e mulheres se constituíram em seres capazes
de elaborar projetos e de realizar os objetos ou as ações que os concretizam.
Para o autor, a “consciência ingênua”, marcada pela ausência de sensibilidade
histórica e pela influência de um essencial impressionismo, tem-se mostrado
incapaz de efetuar uma abordagem adequada do processo social, deslizando
para uma absolutização do presente e dele fazendo termo final do processo da
realidade. Criticando tal forma de abordagem dos fenômenos, o autor afirma a
34
importância da compreensão dialética e a necessidade de se perceber os
condicionamentos históricos que explicam o presente momento, como forma de
demonstrar que a propalada "explosão tecnológica", a qual, segundo seus
propagandistas, engloba a vida da humanidade, a ponto de modificá-la em
todas as suas manifestações, nada mais é do que expressão do
desenvolvimento do processo histórico. As grandes criações tecnológicas que
atualmente nos maravilham resultam do aproveitamento da acumulação social
do conhecimento.
A noção de “era tecnológica” possui um profundo conteúdo
ideológico, podendo ser usada para legitimar a forma de organização social
vigente. Muitas vezes a equiparação entre os termos “tecnologia” e “técnica”,
principalmente quando usadas para fins propagandísticos, tem por objetivo
circundar a técnica com a aura de uma designação de ressonância científica,
abrindo caminho para penetrações ideológicas e reforçando um incremento de
prestígio que a palavra tecnologia proporciona. Como observa o autor, este
mecanismo denota uma postura de “endeusamento da tecnologia”, que acaba
por:
“fortalecer ideologicamente os interesses dos criadores do
saber atual, a fim de conservá-lo no papel de instrumento de
domínio e espoliação econômica da maior parte da
humanidade, levada a trabalhar para as camadas altas dos
povos senhoriais sob a falsa e emoliente impressão de estar
participando, na única forma em que lhe é possível, da
promoção do progresso em nosso tempo” (Vieira Pinto, 2005,
p.44).
35
À postura que tende a privilegiar a época atual, desconsiderando as
inovações tecnológicas registradas em outros períodos históricos, bem como
as mudanças qualitativas delas decorrentes, o autor atribui o nome de
“ingenuidade do embasbacamento” (Vieira Pinto, 2005, p.142), cujos adeptos
desconhecem que, na perspectiva da história, os avanços tecnológicos sempre
ocorreram. Trata-se de uma postura que enaltece a estrutura social em que se
produz tal progresso, considerando-a obra exclusiva do nosso tempo, como
observa o autor:
“Considerar sem paralelo o avanço da história, agora
espetacular, representa, em termos absolutos, uma
ingenuidade, e no entanto é evidente que tal progresso se vem
acelerando crescentemente. Apenas, torna-se preciso reparar
que esse avanço e aceleração sempre existiram, fazendo-se
por saltos qualitativos equivalentes aos atuais, ocorrendo em
momentos imprevisíveis” (Vieira Pinto, 2005, p.69).
Tal postura, que evidencia um processo de ideologização e
sublimação da tecnologia, ocorre quando é efetuado um desligamento da
tecnologia de suas bases materiais, tornando-a uma entidade suspensa no
espaço, sem causa nem relações temporais. Trata-se de um estado bastante
apropriado para dar-lhe a aparência de divindade transcendente, dando origem
a uma “teologia da máquina”, que, segundo o autor, é um sério risco a que se
está sujeito. De acordo com suas palavras:
“A teologia tecnológica exige então um culto e assume as
características de religião messiânica. A técnica é implorada
como graça que deve cair das alturas, dos centros olímpicos,
36
onde habitam os deuses, e só nela se deposita a esperança de
salvação” (Vieira Pinto, 2005, pp.291-2).
É nesta perspectiva que a tecnologia pode assumir um “significado
escatológico”, que a converte numa forte modalidade de superstição
salvacionista, uma salvação ofertada pela via tecnológica. No âmbito desse
significado escatológico, destacam-se duas concepções: uma que supõe a
autonomia da técnica; outra segundo a qual a tecnologia domina o indivíduo. A
primeira concepção fundamenta o conceito de autopropulsão da técnica, a qual
se engendraria a si mesma, trazendo em si sua própria lei de desenvolvimento.
Isso significa que, em última análise, “o homem não é o autor da técnica e nada
impede a técnica de ser a autora do homem”, o que significa retirar do indivíduo
o atributo de produtor de sua existência e da própria técnica. A segunda
concepção oculta o verdadeiro papel de homens e mulheres na criação
tecnológica, envolvendo-os em uma teia de mistificação e constituindo a
tecnologia como ideologia que se traduz em instrumento eficaz de dominação.
Como ilustra o autor:
“A cibernética, triunfo do espírito científico e criação intelectual
que abre à humanidade novas e grandiosas perspectivas de
progresso cultural e prático, fica envolvida nessa conspiração
ideológica, com a qual nada tem a ver, obrigada a apresentar-
se em público com a grotesca indumentária de ideologia da
salvação. A técnica, função imanente ao ser humano, é usada
para justificar a apropriação privada do mais intransferível dos
caracteres do homem, o seu trabalho” (Vieira Pinto, 2005,
p.353).
37
As idéias difundidas sobre as inovações tecnológicas atuais
valorizam as alterações exercidas pelas máquinas nas condições de vida do
indivíduo, exaltando um pretenso papel de transformação do mundo. São
idéias que fazem crer que a criação das máquinas por si só causa alterações
nas formas de convivência social, buscando reproduzir um conteúdo ideológico
que prima pelo ocultamento do processo social, e levando a crer que as
maravilhas mecânicas, eletrônicas e microeletrônicas nascem diretamente das
idéias, sem criadores humanos, concretos, os quais vivem em um modo
particular de organização social. Assim, faz-se necessário atentar para a base
social na qual as inovações tecnológicas são produzidas. Toda máquina e toda
criação tecnológica estão vinculadas à etapa correspondente de um processo
social, onde têm origem. São as condições vigentes na sociedade, as relações
entre os produtores, que ditarão as possibilidades de positivo ou negativo
aproveitamento dos instrumentos e das técnicas. É preciso ter noção global do
processo histórico, uma percepção que considere o caráter social da produção,
sem separar produtor e produto, captando a relação dialética que os liga e
explica um pelo outro.
Embora a tecnologia tenda a desempenhar um papel libertador, o
padrão de relações sociais em vigor na atual formação histórica, impede que
esse papel seja plenamente exercido. É neste sentido que se mostra
necessária uma abordagem da técnica que a situe nas condições sociais de
produção em que são criadas e empregadas. Uma postura contrária prejudica
a análise consistente, declinando para concepções simplistas e esvaziadas, já
que ao retirar de cena as relações sociais de produção, retiram também a base
38
que justifica a criação e utilização da técnica em um determinado momento
histórico.
Toda ação humana segue certos caminhos, reconhecidos úteis no
correspondente momento do progresso humano, os quais se chamará de
“técnicas”. A escolha dos materiais e a forma a eles dada obedecem às
finalidades a que os objetos se destinam. De acordo com Vieira Pinto (2005), a
noção de técnica assume posição central na reflexão sobre a atividade criadora
efetuada pelos seres humanos no mundo. A técnica autêntica só aparece com
o surgimento da consciência. É o modo pelo qual a vida, na forma consciente,
resolve racionalmente a contradição entre o animal que tem exigências de
sobrevivência só capazes de serem satisfeitas por sua iniciativa e o mundo
físico e social onde se acha. O autor chama de “produção” a maneira de
resolver tais contradições, ressaltando que este conceito não deve ser
entendido primordialmente em função dos objetos dela resultantes, e sim em
função do sujeito capaz de executá-la. Por isso, o que em primeiro lugar a
produção produz é o próprio produtor. Neste sentido, para compreender a
técnica é necessário manter-se no terreno objetivo do processo social, da
produção material da existência pelo indivíduo, onde se encontram as raízes da
explicação teórica legítima do comportamento técnico.
A técnica designa a “execução humana de atos de produção e
defesa da vida, feitos por força de um condicionamento da ação a finalidades
conscientemente concebidas, previamente projetadas, realizadas pelo homem
em sua condição de produtor de si” (Vieira Pinto, 2005, p.156). A verdadeira
39
finalidade da produção humana consiste na produção das relações sociais, a
construção das formas de convivência social, o que significa a produção de
bens para mediatizar a ligação entre os seres humanos. Surge, pois, a
necessidade da produção organizada, planejada e conjuntamente obtida no ato
do trabalho. A técnica e a máquina têm por motivo imediato a construção de
uma mediação material que sirva à sua verdadeira função, a de constituir uma
força impulsionadora do sistema de relações sociais.
O ponto de partida adequado para desenvolver uma análise
consistente da técnica reside no reconhecimento do papel que os
conhecimentos tecnológicos e os objetos, especialmente ferramentas e
máquinas, desempenham na produção da existência pelo próprio ser humano,
sem perder de vista que é este quem produz a sua própria existência. O papel
desempenhado pela técnica no processo de produção material da existência do
indivíduo por ele mesmo ganha relevo. A reflexão filosófica sobre o conceito de
técnica que a considere apenas como modus faciendi, sem atribuir importância
para o sujeito executor nem evidenciar o significado dela enquanto aspecto da
base do modo social de produzir, desvirtua esse conceito. A técnica
acompanha o progresso histórico de conquista da natureza pelos homens e
mulheres, indica o grau e a extensão de sua capacidade de resolver as
contradições com que se defronta, o que não significa, no entanto, que seja o
fundamento ou o motor do processo produtivo, concepção que pode destruir a
autêntica compreensão do processo histórico. Não é a técnica que move a
história, mas a consciência dos indivíduos, que, utilizando-se da técnica,
produz modificações historicamente visíveis.
40
Para se efetuar um adequado tratamento da tecnologia, atribui-se
destaque à categoria de mediação dialética entre o indivíduo e o meio, sem a
qual não se pode compreender a essência da tecnologia, tomada, neste
momento, como conjunto das técnicas de que dispõe uma sociedade, tendo em
vista que essa tecnologia foi criada e é usada exatamente para servir de
mediação prática entre o ser humano e a natureza ou a sociedade. Como
observou Vieira Pinto, o caráter de mediação presente na tecnologia, “integra-a
num processo histórico dialético, impõe a substituição da existente em qualquer
época por outra mais adiantada, dela decorrente, num movimento logicamente
esclarecido com o emprego das categorias gerais da dialética material” (Vieira
Pinto, 2005, p.285).
Segundo o autor, a técnica é uma maneira de conceber a ação
humana, estando inseparável do sujeito agente. Serve de índice de qualidade
das ações humanas, definidas pelas finalidades que se destinam a realizar. Os
atos humanos nunca se destacam da vinculação com a técnica e, por isso,
como observou, “o homem ‘atécnico’ é tão impensável quanto a técnica
inumana" (Vieira Pinto, 2005, p.290). A reflexão sobre a técnica não deve
desligá-la dos alicerces do respectivo estágio de desenvolvimento das forças
produtivas, tendo o indivíduo e seu esforço intelectual em racionalizar os dados
da realidade um importante significado para a sua compreensão. A técnica é
coetânea ao surgimento do indivíduo e está presente por definição em todo ato
humano, o que evidencia o caráter necessariamente técnico de toda a ação e
criação humana.
41
A técnica tem significado modal, portanto, não lhe cabe representar
o papel de sujeito de realidade alguma, muito menos o de motor de um
processo que se estabelece pela posição e supressão de contradições. Não
passa de um aspecto desse processo, a modalidade pela qual o verdadeiro
sujeito, o ser humano, atua para resolver as contradições que enfrenta. Se toda
técnica resume uma opção humana no processo da produção, o fator mais
importante está no sujeito que efetua tal eleição. Esta reflexão aponta para o
significado social da técnica, tendo em vista que o sujeito que a descobre e
aplica não se confunde com um ente abstrato, mas integra um conjunto social
que desenrola seu movimento objetivo com base na produção de bens, e onde
reinam desigualdades diferenciadoras dos indivíduos em grupos com
propriedades e interesses opostos.
A compreensão da tecnologia não começa por ela, mas sim pelo seu
antecedente, o indivíduo que a cria. Faz-se necessária uma perspectiva
histórica que parta da constituição do próprio ser humano, que veja no
aparecimento do primeiro utensílio ou dispositivo ao qual se possa dar o nome
de máquina uma manifestação do processo evolutivo do ser humano. A
utilidade desses dispositivos reside exatamente em poupar os homens e
mulheres da realização de esforços ou em conseguir o que os movimentos do
corpo desarmado não conseguiam realizar.
Conceber a tecnologia e as máquinas criadas a partir de sua
aplicação como manifestação do processo de “hominização”, significa priorizar
na análise o curso desse processo, que constitui as bases da possibilidade de
42
criação da tecnologia e de construção das máquinas em geral. Este raciocínio
é válido para toda a série de criação das máquinas desde o mais simples
utensílio, um machado de pedra ou um tronco que permitisse o primeiro ensaio
de navegação, até os dispositivos eletrônicos mais sutis e complicados da
atualidade. Como afirma Vieira Pinto, a “evolução dos maquinismos é na
verdade a evolução do homem enquanto ser que os constrói” (Vieira Pinto,
2005, p.74). É neste sentido que a origem da máquina encontra-se,
particularmente, na capacidade humana de projetar. O equívoco das
formulações simplistas, desprovidas da perspectiva dialética, reside
exatamente no fato de compreender que as grandes descobertas científicas ou
a invenção de máquinas surpreendentes revolucionaram a vida humana,
quando na verdade, o que efetivamente revoluciona a existência de homens e
mulheres são eles mesmos. Como afirma o autor:
“As relações sociais têm sempre a primazia, e de fato
constituem o fundamento de todas as realizações do homem. A
menos se admitirmos que as máquinas anteriores às do tipo
cibernético se gerassem umas às outras, em linha evolutiva
progressiva autônoma, temos de aceitar serem obra dos
homens. Na origem delas estão as relações entre os seres
humanos, que determinam a possibilidade de inventá-las. O
grau de aperfeiçoamento expresso pelas máquinas, na verdade
não significa o aperfeiçoamento da máquina por si mesma, mas
o da consciência humana no conhecimento do mundo” (Vieira
Pinto, 2005, p.86).
Homens e mulheres fabricam a máquina em decorrência de um
processo de invenção, de projeção, o que demanda um acervo de informações
sobre as qualidades das coisas para condicionar seus movimentos operatórios
43
a esse projeto de ação, o qual se converte em finalidade consciente. As
máquinas que nos cercam, e das quais dependemos cada vez mais, “são o
resultado de um longo processo de acumulação de conhecimentos a respeito
das propriedades dos corpos, dos materiais e dos fenômenos da natureza”
(Vieira Pinto, 2005, p.72). Essa invenção humana se dá a partir de
necessidades sociais postas pelo próprio desenvolvimento histórico e social. É
a sociedade e as relações sociais nela estabelecidas que oferecem a base
sobre as quais se demandará a invenção, a projeção e a fabricação de meios
para que as finalidades buscadas pelos seres humanos sejam alcançadas.
A abordagem proposta por Vieira Pinto proporciona a apreensão da
tecnologia e das máquinas como um produto histórico, engendrado nas
próprias relações sociais estabelecidas pelos homens e mulheres, que
demandam sua criação e seu desenvolvimento. Trata-se de uma abordagem
que leva em consideração o movimento do processo histórico e, a partir dele,
busca explicar os processos sociais que tomam curso num dado momento
histórico. Exatamente por isso, contrapõe-se a abordagens simplistas da
tecnologia e de suas inovações. Tais abordagens, ao produzirem análises
empobrecidas e superficiais, ao invés de decifrar a realidade podem contribuir
para reforçar o seu ocultamento, já que não detêm os recursos analíticos
necessários para a compreensão adequada dos fenômenos sociais.
Como exemplo de compreensão reducionista e simplificadora, pode-
se tomar o entendimento das máquinas de controle e computação como uma
extensão da inteligência humana, considerando-as capazes de substituir o
44
esforço mental e intelectual do ser humano. Uma análise mais correta permite
constatar que a evolução das máquinas ocasiona um processo de libertação
das energias humanas. Contrapondo-se à idéia de que com o uso de
computadores e máquinas de comando poupa-se trabalho intelectual, Vieira
Pinto destaca que a utilização de tais meios demanda um maior esforço
intelectual por parte dos homens e mulheres, necessário para o domínio das
energias e forças libertadas pelo uso de tais máquinas. Se cada vez mais os
seres humanos se eximem do trabalho muscular, ou o tornam menos penoso,
pondo as máquinas para realizar boa parte das tarefas, o principal proveito
tirado dessa desobrigação será dispor de maior soma de conhecimentos, de
idéias, e, portanto, de novas e mais numerosas vias de relação com o mundo,
as quais demandarão um esforço intelectual e mental de maior magnitude por
parte dos sujeitos. Como afirma o autor:
“Quanto mais poderosas as máquinas, quanto maiores as
energias libertadas, maiores esforços intelectuais exigirão da
parte do homem para dominar as colossais forças que começa
a ser capaz de dirigir, para delas tirar os resultados desejados.
Ao contrário do que muita gente diz, as máquinas não
encerram seu papel ao libertarem o homem do esforço
muscular, mas exatamente acarretam para ele a necessidade
de mais intenso e difícil esforço intelectual para apoderar-se
das possibilidades de ação útil nelas contidas e dar-lhes
prosseguimento na produção de outras ainda mais eficientes”
(Vieira Pinto, 2005, p.81).
Embora o entendimento comum seja o de que as máquinas
trabalham para o ser humano, verifica-se um equívoco de interpretação, já que
o trabalho é uma característica eminentemente humana que só pode por ele
45
ser realizada. É neste sentido que se pode afirmar que o trabalho sempre é
realizado pelos homens e mulheres, seja ele intelectual, seja manual. As
máquinas simplesmente não trabalham, não possuem essa capacidade. Trata-
se de instrumentos utilizados pelo(a) real trabalhador(a), embora seja
recorrente o emprego vulgar do verbo “trabalhar” referindo-se às máquinas.
Como observa o autor:
“Trabalhar significa uma dignidade exclusiva do homem. Só por
metáfora se aplica tal verbo às máquinas, que apenas
incorporam a si o trabalho efetivamente pertencente ao
homem, o qual nunca deixa de ser o sujeito que não apenas
trabalha com elas, conforme habitualmente se diz, mas
trabalha nelas. Quando o homem põe as máquinas para
funcionar, quem efetivamente está trabalhando é ele. Acontece
apenas o desdobramento do seu trabalho em outras formas
mais produtivas, cuja existência se deve ao trabalho inicial de
pensar os engenhos e fabricá-los com os materiais adequados
e o emprego das forças naturais que descobriu” (Vieira Pinto,
2005, p.98).
É por isso que as máquinas não podem nem trabalhar nem pensar
no sentido exato dos termos, tendo em vista que só possuem mecanismos
mecânicos e eletrônicos imitadores da ação e do pensamento que foram
criados e colocados nelas pelos seres humanos. Por si só nada produzem, já
que não passam de um instrumento, detentor de grande complexidade e com
certa aparência de autonomia, mas ainda assim um instrumento por meio do
qual o ser humano se relaciona com o mundo, se objetiva, pondo em prática
seus projetos e buscando alcançar suas finalidades.
46
As máquinas se incluem no processo histórico das sociedades que
as produzem, e as conseqüências do seu uso, sejam elas boas ou más, não
lhes devem ser imputadas, mas sim aos seus proprietários. Trata-se, portanto,
de uma mediação social para atender finalidades humanas. Além disso, na
condição de elemento de um processo histórico, a máquina é definida pelas
funções que executa, estando não a serviço do ser humano em geral, mas de
grupos definidos dentro de uma sociedade, que a possuem e que se
aproveitam dos bens por ela produzidos.
Ao invés de pensar a técnica como “esmagadora do homem”, parece
ser mais adequado atribuir visibilidade à estrutura social que permite e justifica
a perpetração dos resultados decorrentes de uma determinada forma de
aplicação das inovações tecnológicas. O problema não está na tecnologia em
si, mas no uso social que se faz dela. Esta compreensão considera a incidência
de um determinado padrão de organização das relações sociais que absorve a
técnica e as inovações tecnológicas no sentido de alcançar as finalidades e
projetos hegemônicos neste tipo de sociedade. Tarefa importante, portanto,
parece ser a crítica ao uso social hegemônico que é feito da tecnologia,
visando atender interesses de uma pequena minoria, e a construção e reflexão
sobre novos usos possíveis para essa tecnologia, visando atender interesses
da maioria das pessoas. Mais do que uma questão meramente tecnológica,
trata-se de uma luta política que busca colocar a serviço dos trabalhadores o
produto de seu próprio trabalho.
47
Como aponta Vieira Pinto, pensar a relação entre indivíduo e
máquina supõe atribuir visibilidade aos três exemplares de seres humanos a
serem discriminados: o proprietário, o consumidor dos produtos acabados, e o
operário que trabalha, que representa concretamente o indivíduo na relação
com a máquina. Ao encontrar a máquina feita, tendo de se adaptar a ela, o
operário defronta-se com condições em que não pode ditar as finalidades do
seu trabalho, tendo em vista que já as encontra estabelecidas. Não possui mais
o controle das finalidades das operações que executa, pelo fato de a máquina
não lhe pertencer, como não lhe pertence também a direção do processo
produtivo em geral, e, portanto, o destino dos produtos que elabora com o
emprego da máquina. O fenômeno que se expressa sob a forma de uma
“desumanização do trabalho”, longe de ser um fato tecnológico apenas, possui
atrás de si o sistema de relações sociais que o explica e que busca a
intensificação da exploração do trabalho.
Além disso, ganha evidência um falso dilema existente entre
humanidade e tecnologia, o qual não passa de uma fantasia, produto da
“consciência ingênua”, já que as mudanças geradas pelas inovações
tecnológicas não fogem ao alcance de homens e mulheres, antes, são
produtos por eles próprios projetados e executados. A conseqüência desse
falso dilema é o ocultamento da questão que verdadeiramente importa: a
estrutura da sociedade em que a tecnologia é concebida, produzida e utilizada.
É neste sentido que se faz importante atentar para as características do atual
padrão de relações sociais em que ocorre o uso social da tecnologia. Trata-se
de uma sociedade capitalista, marcada pela exploração, pela desigualdade,
48
pela contradição, cuja principal preocupação tem sido a busca incessante pelo
lucro, pela ampliação das taxas de extração de mais-valia, pela valorização do
capital, em detrimento de quaisquer preocupações com as conseqüências
sociais derivadas do caráter destrutivo de seu padrão de acumulação. Como
apontou Marx (1971):
“Dentro do sistema capitalista, todos os métodos para levar a
produtividade do trabalho coletivo são aplicados às custas do
trabalhador individual; todos os meios para desenvolver a
produção redundam em meios de dominar e explorar o
produtor, mutilam o trabalhador, reduzindo-o a um fragmento
de ser humano, degradam-no à categoria de peça de máquina,
destroem o conteúdo de seu trabalho transformado em
tormento; tornam-lhe estranhas as potências intelectuais do
processo de trabalho na medida em que a este se incorpora a
ciência como força independente; desfiguram as condições em
que trabalha, submetem-no constantemente a um despotismo
mesquinho e odioso, transformam todas as horas da sua vida
em horas de trabalho e lançam sua mulher e seus filhos sob o
rolo compressor do capital” (Marx, 1971, p. 748).
A tendência hegemônica de uso da tecnologia no âmbito do
capitalismo tem sido a satisfação dos interesses das elites dominantes, em
detrimento das necessidades da maioria da população, gerando ou acentuando
as características acima apontadas. Isso não significa, no entanto, que a
tecnologia não possa ser apropriada de uma forma mais crítica. Trata-se de um
grande desafio que tem se colocado na atualidade, apontando para a
importância da luta pela construção de novos usos sociais da tecnologia,
voltados à satisfação das necessidades sociais da população como um todo, e
não apenas de uma pequena minoria.
49
1 . 2 . O U S O D A T E C N O L O G I A P E L O C A P I T A L : A U T O M A Ç Ã O E E X P L O R A Ç Ã O D O T R A B A L H O
A apropriação da tecnologia pelo capital caminha no sentido de
substituir os trabalhadores por máquinas e equipamentos avançados, como
forma de reduzir custos, ampliar a exploração e as taxas de extração de mais
valia. A substituição de trabalhadores por máquinas e, mais recentemente, a
imposição de um processo de automatização, supõe mudanças na forma como
o trabalho é processado. Na atividade automatizada as habilidades e
informações sobre o processo de trabalho passam a ser incorporadas às
máquinas, tendo por conseqüência uma expulsão cada vez mais acentuada de
trabalhadores do processo de produção de um determinado bem ou serviço.
Por outro lado, os trabalhadores que continuam inseridos neste processo,
presenciam um forte aviltamento de suas condições de trabalho e de vida,
sendo reduzidos a mais uma peça utilizada pelo capital, junto com os meios de
produção.
O computador, uma máquina que possui a capacidade de
armazenar, recuperar e processar dados e informações de tipos, formas e
aplicações das mais variadas, tem sido hegemonicamente utilizado sob o
capitalismo na automatização de processos de trabalho e na redução da
demanda por força de trabalho. Com isso, evidencia-se que a “lei geral da
acumulação capitalista”, apontada por Marx (1971), continua operando, já que
se verifica, como conseqüência do processo de incorporação tecnológica, por
um lado, uma atração cada vez menor de trabalhadores ao processo produtivo,
50
e por outro, uma expulsão cada vez maior de trabalhadores deste mesmo
processo. O resultado disso é a ampliação do que o autor chamou de “exército
industrial de reserva”, conseqüência direta desta forma de organização social.
Vale a pena transcrever uma passagem do autor sobre esta “lei”, já que suas
expressões são facilmente identificáveis nos dias atuais, e tendem a se
intensificar com o forte processo de automação da produção em que
atualmente se vive. Para Marx:
“A força de trabalho disponível é ampliada pelas mesmas
causas que aumentam a forca expansiva do capital. A
magnitude relativa do exército industrial de reserva cresce,
portanto, com as potências da riqueza, mas, quanto maior esse
exército de reserva em relação ao exército ativo, tanto maior a
massa da superpopulação consolidada, cuja miséria está na
razão inversa do suplício de seu trabalho. E, ainda, quanto
maiores essa camada de lázaros da classe trabalhadora e o
exército industrial de reserva, tanto maior, usando-se a
terminologia oficial, o pauperismo. Esta é a lei geral, absoluta,
da acumulação capitalista” (Marx, 1971, p.747).
O modo de produção capitalista, cuja lei absoluta é a produção de
mais valia, apresenta características que, com o seu desenvolvimento, tendem
a se acentuar. Dentre elas a automação, entendida como a incorporação, cada
vez maior, da ciência e da tecnologia ao processo produtivo, levando,
conseqüentemente, a uma substituição freqüente de “trabalho vivo” por
“trabalho morto”, que resultaria “no decréscimo da quantidade de trabalho em
relação à massa dos meios de produção que põe em movimento, ou na
diminuição do fator subjetivo do processo de trabalho em relação aos seus
fatores objetivos” (Marx, 1971, p.723). Assim, o uso hegemônico da tecnologia
51
encontra-se submetido aos interesses do capital, e os crescentes processos de
informatização e automatização têm culminado na economia e na exploração
do trabalho vivo.
Não é difícil constatar a difícil situação em que a classe trabalhadora
se encontra nos dias atuais: dela são exigidos índices de produtividade cada
vez maiores, e o avanço tecnológico, base do aumento da produtividade
capitalista, propicia reduções reais de custo com a automação do processo
produtivo. O trabalhador, próprio autor do avanço tecnológico, já que este é
conquista do trabalho humano, é sua principal vítima, sofrendo as
conseqüências do processo de desenvolvimento das forças produtivas que
ajudou a construir.
A substituição de mão-de-obra por aparatos tecnológicos
sofisticados tem acompanhado o processo das inovações tecnológicas. Com o
progresso da acumulação, a tendência do capitalismo tem sido a de
impulsionar a produtividade do trabalho social, por meio da redução do
emprego de força viva de trabalho frente ao emprego de meios de produção
mais eficientes. Com isso, o capital vem incorporando avanços técnicos e
científicos ao processo de produção, buscando, como observou Iamamoto
(2001), uma redução "do tempo de trabalho socialmente necessário à produção
de mercadorias, ou seja, o seu valor, ampliando simultaneamente o tempo de
trabalho excedente ou mais-valia" (p.14). Assim, como observaram Tavares e
Seligman (1984), visando a aumentar o grau de exploração da força de
trabalho, por intermédio do aumento do período de tempo em que o trabalhador
52
produz gratuitamente, o capital procurou automatizar as atividades do processo
produtivo, havendo um grande impulso em direção à introdução de maquinaria
na indústria. Se com a invenção da máquina a vapor e com o aproveitamento
da energia elétrica saltos extraordinários já haviam sido dados, é com o
advento dos computadores que os limites da automação foram enormemente
ampliados. De acordo com os autores:
"O desenvolvimento industrial se processa no sentido de uma
diminuição crescente do tempo de trabalho, uma vez que as
máquinas libertam a atividade de produção do homem. O
trabalho deixa de ser repetitivo e monótono, mas a
contrapartida pode vir a ser o desemprego, se não houver
controle social sobre a tecnologia" (Tavares e Seligman, 1984,
p.27).
Ao abordar a questão da automação, Lojkine (2002) aponta que este
conceito é simétrico ao de maquinismo na revolução industrial. Na automação,
a informática é, inicialmente, apenas um meio - com certeza privilegiado - para
assegurar o sucesso dos processos de vigilância e de conduta das pessoas,
mais especificamente dos trabalhadores, já que, essencialmente, a finalidade
da automação consiste na busca do controle da produção material. Dirá o autor
que "a automatização dos processos de produção é a conseqüência lógica e o
prolongamento da revolução industrial" (p.127), sendo a substituição de
trabalhadores por máquinas um de seus principais objetivos. Como aponta o
autor:
"O constrangimento mais forte que leva os patrões a uma
concepção estreita de automação é, provavelmente, a lógica
53
econômica que enquadra todos os seus atos. Muito
freqüentemente, novas despesas em tecnologia devem ser
justificadas unicamente como uma substituição capital/trabalho.
Em geral, sustenta-se que toda contribuição de um operador
humano deve ser transferida para o funcionamento automático
da máquina. A palavra de ordem dos quadros dirigentes é
reduzir o número de pessoal. Aqui, a lógica tradicional indica
que, se se começa com 100 homens e se introduz uma nova
tecnologia, haverá que diminuí-los para 75. A tecnologia é
utilizada como um meio de reduzir o pessoal" (Lojkine, 2002,
p.245).
Lojkine critica as posturas tecnicistas que tendem a ver na
automação uma força social que pouco a pouco reduz a alienação do
trabalhador em face da máquina. Neste raciocínio tecnicista, a alienação e
submissão do trabalhador cederiam, pouco a pouco, a novas relações, "sob o
impulso de uma técnica que revive a cooperação inteligente entre os produtos
e os produtores, que restitui ao produto um caráter comum e fustiga uma
classe capitalista cujo último refugio é a burocracia" (p.42). Contrapondo-se a
esta postura, Lojkine afirma que, por si mesma, a técnica não revive nem
restitui nada: "ela apenas oferece uma floração de novas possibilidades". A
existência e consumação de tais possibilidades, no entanto, se dá de forma
conflituosa, tendo em vista as enormes resistências existentes.
O desenvolvimento tecnológico tem acentuado as contradições
presentes no capitalismo. Lojkine aponta que no âmbito do debate sobre a
tecnologia ou sobre a cibernética, constata-se o desdobramento de duas
concepções antagônicas acerca do uso político que pode ser feito do
computador e de suas redes: de um lado, uma concepção elitista e
54
tecnocrática, que reserva a informação estratégica a um pequeno grupo de
indivíduos; de outro, uma concepção autogestionária, que visualiza, nas atuais
inovações, não o prolongamento de antigas tendências, mas a possibilidade de
uma alteração nas condições de acesso a informação, o que teria por
conseqüência o autogoverno dos seres humanos (Lojkine, 2002, p.149).
Próximos desta última concepção, Tavares e Seligman (1984)
observam que não há porque voltar as costas ao desenvolvimento tecnológico
e ao conseqüente progresso dele advindo. O problema reside na utilização da
tecnologia como sustentáculo de desigualdades, cujas conseqüências
beneficiam apenas os interesses privados de uma pequena minoria e não
permitem o desenvolvimento de valores progressistas, tais como democracia e
justiça social. Desta forma, não é o desenvolvimento tecnológico em si, mas o
uso social que se faz dele, o verdadeiro inimigo da classe trabalhadora, ou, em
outras palavras, “quando observamos no computador atributos de adversário,
esquecemos que o adversário é a base social que domina computador”
(Tavares e Seligman, 1984, p.48).
Para estes autores, o que deveria ocorrer é uma introdução das
novas tecnologias de forma cautelosa e responsável, para que não haja um
impacto extremamente negativo sobre o mercado de trabalho, o que viria,
certamente, a penalizar os trabalhadores. Antes, é necessário avançar os
controles sociais sobre os frutos deste progresso, ou seja, construir e reforçar
uma postura claramente socializante a respeito da repartição dos frutos do
trabalho e do progresso da humanidade, tentando aliar tal progresso à
55
emancipação humana. E é exatamente aí que reside grande parte do
problema, já que a tendência predominante tem sido a de que as tecnologias
sejam usadas para manter as desigualdades.
Há, portanto, um grande interesse do capital nas inovações
tecnológicas, tendo em vista que estas podem promover alterações
significativas no processo de trabalho e, conseqüentemente, no processo de
produção de mais-valia. Como observou Guerra (1995), a classe hegemônica,
ao colocar diferentes disciplinas profissionais a serviço da
acumulação/valorização do capital, busca a criação e aplicação de um conjunto
de conhecimentos e princípios ao processo produtivo, transformando-as em
tecnologias a serviço da acumulação, com fortes rebatimentos nos modos de
vida da sociedade capitalista. Em suas palavras:
“Se, como vimos defendendo, a racionalidade é construída na
prática social e histórica dos homens, à racionalidade
tecnológica podem ser tributadas as alterações do processo de
trabalho no capitalismo monopolista, mas, também, invade as
relações políticas institucionais e sociais. Ao colocar diferentes
disciplinas profissionais a serviço da acumulação/valorização
do capital, visando a aplicação de um conjunto de
conhecimentos ou princípios ao processo produtivo, a classe
hegemônica transforma-as em tecnologias” (Guerra, 1995,
p.165).
56
1 . 3 . A “ R E V O L U Ç Ã O ” D A T E C N O L O G I A
As mudanças que vêm se processando ao longo das últimas
décadas por conta das inovações tecnológicas têm sido objeto de preocupação
por parte de diversos estudiosos, os quais, a partir de diferentes perspectivas
teóricas, efetuam abordagens variadas sobre o tema. De forma geral, termos
como “revolução tecnológica”, “sociedade da informação”, “revolução
informacional” e “sociedade informática” são os mais utilizados pelos autores
para denotar as mudanças operadas na atual fase do capitalismo. Mandel
(1982), por exemplo, utiliza-se da expressão “terceira revolução tecnológica”
qualificando-a como “uma época de fusão da ciência, tecnologia e produção,
numa escala jamais vista” (p.151). Para o autor, um de seus efeitos é a
automação, que pode ser explicada pelo desenvolvimento tanto das forças
produtivas do trabalho quanto das forças alienantes e destrutivas da
mercadoria e do capital. Como observa o autor:
“por um lado ela representa o desenvolvimento aperfeiçoado
das forças materiais de produção, as quais poderiam, em si
mesmas, libertar a humanidade da obrigação de realizar um
trabalho mecânico, repetitivo, enfadonho e alienante. Por outro,
representa uma nova ameaça para o emprego e o rendimento,
uma nova intensificação da ansiedade, a insegurança, o
retorno crônico do desemprego em massa, as perdas
periódicas no consumo e na renda, o empobrecimento moral e
intelectual” (Mandel, 1982, p.152).
57
Kameyama (1998), ao referir-se às mudanças ocorridas na esfera da
produção, observa os impactos significativos impostos pela onda tecnológica
de base microeletrônica que se disseminou em diversos setores da economia,
configurando um novo paradigma de produção industrial, também conhecido
como automação flexível, ou, para usar os termos de Harvey (1993, p.140),
“acumulação flexível”. Este novo paradigma, de acordo com a autora, se apóia
na força do processo de inovações tecnológicas, com forte e crescente
presença do complexo eletrônico e da automação.
Neste sentido, aponta-se a década de oitenta como o momento de
emergência de um novo estágio da revolução industrial, que Matoso (1996),
por exemplo, chamou de “terceira revolução industrial”, trazendo em seu bojo a
ruptura com o paradigma industrial e tecnológico impulsionado a partir da
"segunda revolução industrial". Como aponta o autor, este processo é marcado
pela incidência de um novo padrão produtivo, tecnológico e organizacional que
teve como tendências principais o desenvolvimento da informática, o
desenvolvimento da tecnologia digital de base microeletrônica e o progresso
técnico gerado no complexo eletrônico.
Debruçando-se mais especificamente sobre o campo da
comunicação, Moraes (2001) aponta que as mudanças sociais, principalmente
as ocorridas na indústria global da comunicação, têm como eixo condutor os
grandes capitais, “movidos pelo apetite desmesurado por lucratividade e
concentrados nas mãos de um número restrito de complexos empresariais”
(p.13). Para o autor, esses conglomerados industriais exercem grande
58
influência no que ele chamou de “revolução multimídia”, que, em ritmo
acelerado, concretiza-se por intermédio de uma linguagem digital única, capaz
de integrar diversos processos, redes, plataformas e sistemas. A digitalização,
de acordo com Moraes, “forja a base material para a hibridação das infra-
estruturas indispensáveis à transmissão de dados, sons e imagens, em
proporções incalculáveis” (Moraes, 2001, p.14), possibilitando a convergência
das tecnologias digitais e da multimídia, e dando origem aos aparatos
“infotelecomunicacionais”. Como explica o próprio autor:
“Devemos unir os prefixos dos três setores convergentes
(informática, telecomunicação e comunicação) em uma só
palavra, que designa a conjunção de poderes estratégicos
relacionados ao macrocampo multimídia: infotelecomunica-
ções. Ela comporta as reciprocidades e interdependências
entre os suportes, bem como as ações coordenadas para a
concorrência sem fronteiras. O paradigma infotelecomunica-
cional constitui vetor decisivo para os impérios mediáticos,
tendo por escopo a comercialização ilimitada de produtos com
tecnologias avançadas” (Morais, 2001, p.15).
Essa convergência é fundamental para a geração de serviços em
volume crescente para alimentar as indústrias multimídias globais, a partir de
um entrelaçamento de setores que conduzem a uma ampliação de mercados.
Para ilustrar, o autor ressalta ainda que em 1991, existiam 330 empresas de
telecomunicações no planeta, enquanto em 2001 esse número pulou para três
mil só nos Estados Unidos, onde o mercado de informática saltou de US$ 300
bilhões em 1990 para US$ três trilhões em 2000 (Morais, 2001, p.15).
59
Essas mudanças constituem um campo de debates em que, muitas
vezes, as chamadas tecnologias informacionais, consideradas como detentoras
de um pretenso poder miraculoso, são apontadas como um dos principais
aspectos na formação da noção de “sociedade da informação”. Como observou
Mattelart (2002), trata-se de um conceito marcado por imprecisões, onde
impera a vontade de legitimá-lo, apresentando-o como uma realidade
inevitável. Em suas palavras, instala-se “um conceito puramente instrumental
de sociedade da informação”, no qual são apagadas “as implicações
sociopolíticas de uma expressão que supostamente designa o novo destino do
mundo” (p.73). Assim, o autor destaca a criação de um “paradigma
tecnoinformacional” que se encontra no centro de um “projeto geopolítico que
tem como função garantir o rearranjo geoeconômico do planeta em torno dos
valores da democracia de mercado e de um mundo unipolar” (Mattelart, 2002,
p.139). É por isso que se esforça para explicitar que a noção de “sociedade
global da informação” nada mais é do que “o resultado de uma construção
geopolítica”, em que a “efervescência da expansão ininterrupta das inovações
técnicas contribui para o esquecimento deste fato” (Mattelart, 2002, p.7).
Uma das principais polêmicas que se fazem presentes neste debate,
nem sempre explicitamente evidenciada, refere-se à negação e à afirmação do
trabalho, ou, em outras palavras, ao questionamento da centralidade da
categoria trabalho na constituição das relações sociais. Verifica-se que a teoria
do valor-trabalho passa a ser objeto de ataque por parte de diversos autores
que têm se dedicado ao tema da tecnologia. Como observa Mattelart (2002),
ao discutir a história da “sociedade da informação”, a idéia de
60
desmaterialização do trabalho está fortemente presente neste debate, sendo
possível identificar a noção de que “a nova sociedade se caracteriza não mais
pela labor theory of value e sim pela knowledge theory of value” (Mattelart,
2002, p.85). Como mostra o autor, trata-se de um conceito de sociedade da
informação que remete a:
“Uma sociedade submetida a uma quíntupla mutação: o
deslocamento do componente econômico principal (passagem
de uma economia de produção para uma economia de
serviços); uma mudança na estrutura dos empregos
(preeminência da classe funcional e técnica); a nova
centralidade adquirida pelo saber teórico como fonte de
inovação e de formulação de políticas públicas; a necessidade
de balizar o futuro antecipando-o; o desenvolvimento de uma
nova 'tecnologia intelectual' voltada para a tomada de decisões”
(Mattelart, 2002, p.85).
É possível encontrar posturas analíticas voltadas à construção do
descentramento da categoria trabalho, ou ainda à sua eliminação, como lembra
Barreto (2004, p.1184), no debate sobre as inovações tecnológicas. Para a
crítica de tais posturas, análises como as de Antunes (1998, 2000), que vêm
demonstrando a centralidade que o trabalho continua a ter para as relações
sociais, são fundamentais, pois podem auxiliar o tratamento da tecnologia a
partir de uma perspectiva que não perca de vista a importância do trabalho no
desenvolvimento histórico e social. A sociedade continua tendo como um de
seus fundamentos básicos o trabalho, e apesar da informação ter a sua
relevância, ela não pode substituí-lo.
61
As interpretações acerca das inovações tecnológicas são as mais
diversificadas, dando origem a conceitos os mais variados, formulados a partir
de perspectivas teóricas distintas. Schaff (1993), por exemplo, refere-se às
mudanças sociais em curso como "revolução técnico-científica", que teve como
um de seus desdobramentos a emergência do que ele chamou de “segunda
revolução técnico-industrial”, cuja ênfase reside na microeletrônica. Chama a
atenção para o fato de que, dentre as conseqüências mais problemáticas de tal
“revolução”, pode-se levantar a questão do exército de pessoas
estruturalmente desempregadas que perderam seus empregos em
conseqüência da automação e da robotização da produção e dos serviços,
provocando, ao mesmo tempo, um incremento da produtividade e da riqueza
social, e uma drástica redução da demanda de trabalho humano. Sem
menosprezar suas contribuições para o campo da tradição marxista, convém
sinalizar que, apesar de realizar considerações relevantes para a abordagem
das inovações tecnológicas e suas conseqüências sociais, Schaff, no âmbito
da discussão que realiza acerca da “sociedade informática”, parece partilhar da
noção de descentramento da categoria trabalho, sobretudo ao sugerir a
substituição ou eliminação do trabalho pelos aparatos tecnológicos. Em suas
palavras:
“A segunda revolução, que estamos assistindo agora, consiste
em que as capacidades intelectuais do homem são ampliadas
e inclusive substituídas por autômatos, que eliminam com êxito
crescente o trabalho humano na produção e nos serviços. (...)
enquanto a primeira revolução conduziu a diversas facilidades
e a um incremento no rendimento do trabalho humano, a
62
segunda, por suas conseqüências, aspira à eliminação total
deste” (Schaff, 1993, p.22).
Schaff destaca ainda que tal compreensão a respeito da eliminação
do trabalho não “significa o desaparecimento da atividade humana, que pode
adquirir a forma das mais diversas ocupações” (1993, p.42). Além de sugerir o
descentramento da categoria trabalho na produção e reprodução da vida
social, o autor deixa no ar a possibilidade de equalizar o trabalho (uma
capacidade exclusivamente humana, criadora, ontológica, que supõe a
capacidade teleológica, a capacidade de projetar) a outras atividades em geral,
as quais ele qualificará como ocupações. Parece faltar, nesta reflexão sobre a
“sociedade informática”, uma concepção de trabalho mais consistente que
explicite suas características eminentemente humanas, sua centralidade na
constituição do ser social e sua importância histórica.
Seguindo um caminho parecido, Tauile (2001) observa que, se com
o desenvolvimento das máquinas-ferramenta com controle numérico, na virada
dos anos 50, foi possível dar início a uma automatização da produção em
pequena escala, é com a utilização da eletrônica e, depois, da microeletrônica,
que se efetiva uma mudança no caráter da automação, com uma nova base
técnica aprofundando o que compreendeu como “substituição do trabalho
humano por meios automatizados”. O autor trabalha com uma noção de
“revolução tecnológica”, cuja versão atual encontra-se predominantemente
calcada em “transformações” propiciadas pelo advento da microeletrônica e
pelas tecnologias de informação. Em suas palavras:
63
"uma 'revolução tecnológica' pode ser entendida como um
conjunto de novos conhecimentos, procedimentos,
instrumentos e técnicas afins que se introduzem e difundem
pelas sociedades em determinadas épocas e que impregnam a
transformação dessas sociedades em direção a outros
estágios, qualitativamente distintos, de seu desenvolvimento
econômico e sociocultural” (Tauille, 2001, p.38).
O autor identifica a incidência de “transformações sociais” de
natureza qualitativa em decorrência das revoluções tecnológicas, fazendo
emergir novas configurações socioculturais que conduzem ao aprofundamento
do processo de humanização. Neste sentido, mudam os patamares de
produtividade geradores de excedente econômico, sobretudo na atualidade, já
que a atual “revolução da informação” produz novos meios muito mais eficazes
de geração deste excedente.
De fato, as inovações tecnológicas incorporadas ao processo
produtivo têm por conseqüência um aumento da valorização do capital,
sobretudo pelo aumento da extração da mais valia relativa, tendo em vista a
redução no uso da força viva de trabalho. Tal redução não significa, no entanto,
uma substituição do trabalho humano pelas máquinas, as quais, como já visto
anteriormente, não passam de instrumento de trabalho dos homens e
mulheres. Além disso, a redução da demanda por força viva de trabalho não
significa que o trabalho tenha deixado de ser importante para as relações
sociais em geral, e para o processo de produção capitalista, em particular,
tendo em vista que não há como valorizar o capital se não for por meio do
trabalho vivo, sendo ele o real produtor de valor. Neste sentido, a compreensão
64
de Tauile de “lucro extra da renda tecnológica” mostra-se polêmica, já que
pressupõe a substituição, quando não eliminação, do trabalho humano pelos
recursos tecnológicos. Nas palavras do autor, as transformações sociais
geradas pela tecnologia podem provocar:
“uma crise do trabalho como categoria de análise da dinâmica
econômica do capitalismo contemporâneo, exigindo inclusive
reconsiderações importantes a respeito de sua natureza social
e antropológica” (Tauille, 2001, p.121).
São posturas analíticas que podem levar a uma leitura incompleta e
parcial do trabalho na configuração das relações sociais, ocultando seu caráter
central para tais relações. Como sustenta Antunes (2000), trata-se de um
grande equívoco imaginar o “fim do trabalho” na sociedade capitalista, já que
tal sociedade não pode prescindir do trabalho como forma de valorização do
capital, ainda que sua necessidade seja cada vez menos por trabalho estável e
cada vez mais por trabalho parcial, terceirizado e precarizado. Como afirma o
autor:
“Uma coisa é ter a necessidade imperiosa de reduzir a
dimensão variável do capital e a conseqüente necessidade de
expandir a sua parte constante. Outra, muito diversa, é
imaginar que eliminando o trabalho vivo o capital possa
continuar se reproduzindo. Não seria possível produzir capital e
também não se poderia integralizar o ciclo reprodutivo por meio
do consumo, uma vez que é uma abstração imaginar consumo
sem assalariados. A articulação entre trabalho vivo e trabalho
morto é condição para que o sistema produtivo do capital se
mantenha” (Antunes, 2000, p.120).
65
Assim, pensar uma sociedade centrada na tecnologia e na
informação, tomados como elementos fundantes da criação do valor, consiste
em sério deslize analítico, propiciando uma interpretação que, ao invés de
explicar o papel da tecnologia na sociedade, o fetichiza. De acordo com
Antunes, o conhecimento tecno-científico:
“Interage com o trabalho, na necessidade preponderante de
participar do processo de valorização do capital. Não se
sobrepõe ao valor, mas é parte intrínseca de seu mecanismo.
Essa interpenetração entre atividades laborativas e ciência
associa e articula a potência constituinte do trabalho vivo à
potência constitutiva do conhecimento tecno-científico na
produção de valores (materiais ou imateriais). O saber científico
e o saber laborativo mesclam-se mais diretamente no mundo
produtivo contemporâneo sem que o primeiro ‘faça cair por
terra’ o segundo” (Antunes, 2000, p.123).
A abordagem da tecnologia desconectada de sua base material não
deve encontrar ressonância nas análises que se mostram verdadeiramente
preocupadas com a compreensão da realidade social, e que buscam decifrar
as formas pelas quais as relações sociais atualmente se configuram. Tirar de
cena o trabalho não explica, ao contrário, obscurece, impede um real
entendimento do atual momento histórico. Embora tal tecnologia, em suas
expressões atuais (conhecidas seja como tecnologias da informação - TI, seja
como tecnologias da informação e comunicação – TIC), detenha uma
incidência cada vez mais constante na sociedade, isto não significa que ela
deva ser considerada central na definição e estruturação das relações sociais,
ainda que promovam características inéditas em tais relações.
66
Essa compreensão é importante para que se possa debruçar
criticamente sobre neologismos tais como “cibercultura” e “ciberespaço” (Lévy,
1999), que, tomando as inovações tecnológicas como “tecnologia da
inteligência” (que possibilita reorganizar a visão de mundo, os reflexos mentais
de seus usuários e usuárias e promover inúmeras possibilidades de mudança
social), muitas vezes se sustentam na idéia de que as novas tecnologias detêm
um caráter central no atual estágio do capitalismo. Neste sentido, pode-se
identificar uma postura analítica das relações sociais que, além de estar
marcada por um caráter abstrato e estéril, promove uma desmaterialização ou
desistoricização da tecnologia. Sobre este ponto, são interessantes as
observações realizadas por Mattelart (2002):
“A cada civilização, cada área histórico-geográfica constrói seu
modo de apropriação e de integração das técnicas, dando
origem a configurações comunicacionais múltiplas com seus
diversos níveis, sejam eles econômicos, sociais, técnicos ou
mentais, com suas diferentes escalas, local, nacional, regional
transnacional. Será essa historicidade concreta dos modos de
implantação das técnicas que o discurso milenarista sobre o
ciberespaço ignorará ao virar as costas à interrogação sobre a
construção social das funções e dos usos dos novos
instrumentos inteligentes” (Mattelart, 2002, p.80).
Em meio ao debate, uma contribuição que se apresenta é a de
Lojkine (1995), que, ao buscar compreender o fenômeno tecnológico, utiliza-se
do conceito de "revolução informacional", sinalizando que esta "não se reduz à
revolução do instrumento de trabalho, ainda que esta seja essencial" (p.15),
mas envolve, principalmente, “a criação, o acesso e a intervenção sobre
67
informações estratégicas, de síntese, sejam elas de natureza econômica,
política, científica ou ética” (p.109). Trata-se, portanto, de uma “revolução
informacional” que não se refere apenas ao desenvolvimento/aperfeiçoamento
dos instrumentos e das técnicas de trabalho, o que poderia ser esperado de
uma postura tecnicista. Para o autor, a dimensão efetivamente inovadora das
novas tecnologias reside no seu entendimento como “potencialidade
contraditória”, o que significa que a “revolução informacional” teria a
potencialidade de auxiliar na construção de um novo tipo de sociedade, um
modelo que existe potencialmente, e que, a depender do movimento histórico,
poderia efetivar-se.
Tentando desenvolver seus argumentos, observa o autor que a
noção de “potencialidades contraditórias” só é adequadamente compreendida
se o conceito de forças produtivas também o for. Por força produtiva material,
pode-se entender, segundo Marx (1971), a força (física) que os homens e
mulheres põem em movimento para modificar a natureza, incorporando
matérias e criando um valor de uso. De acordo com o autor, no trabalho, o ser
humano:
“defronta-se com a natureza como uma de suas forças. Põe em
movimento as forças naturais de seu corpo, braços e pernas,
cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da
natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando
assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo
tempo modifica sua própria natureza. Desenvolve as
potencialidades nela adormecidas e submete ao seu domínio o
jogo das forças naturais” (Marx, 1971, p.202).
68
O trabalho, atividade por meio da qual o ser humano se objetiva e
alcança finalidades, e que supõe capacidade teleológica, demanda a mediação
de um instrumento de trabalho. Como observou Marx, os indivíduos usam as
propriedades presentes nos meios de produção, fazendo-as atuar sobre os
objetos de trabalho. Em suas palavras:
“O meio de trabalho é uma coisa ou complexo de coisas, que o
trabalhador insere entre si mesmo e o objeto de trabalho e lhe
serve para dirigir sua atividade sobre esse objeto. Ele utiliza as
propriedades mecânicas, físicas, químicas das coisas, para
fazê-las atuarem como forças sobre outras coisas, de acordo
com o fim que tem em mira” (Marx, 1971, p.203).
Percebe-se, a partir da citação acima, que a utilização do
instrumento de trabalho encontra-se subordinada à finalidade que o trabalhador
elaborou, ao “fim que tem em mira”, denotando a sobreposição do sujeito que
trabalha, o homem ou a mulher, sobre o meio, o instrumento. Lojkine (1995)
trabalha com uma definição de “potencialidade contraditória”, a partir de uma
concepção de forças produtivas que tende a aumentar o papel do instrumento
no processo de trabalho. Ao referir-se à “dinâmica própria das forças
produtivas” (p.53), observa o autor que este conceito:
“(...) se opõe, de fato e radicalmente, a uma concepção
‘imparcial’ que faz das tecnologias o instrumento passivo,
neutro, de uma sociedade ou de uma força social dominante –
concepção que, precisamente funda as abordagens ‘societais’,
e também, ‘organizacionais’ das ‘novas tecnologias’ “(Lojkine,
1995, p.53).
69
Como o próprio autor exemplifica, tecnologias idênticas podem
comportar diferentes tipos de uso social, sinalizando a dinâmica própria das
tecnologias e evidenciando uma concepção que exacerba o caráter ativo das
forças produtivas, como demonstra o seguinte trecho: “há ação dos homens
que concebem e fabricam os instrumentos de trabalho, mas também há em
troca a ação dos instrumentos de trabalho sobre os homens” (Lojkine, 1995,
p.54).
Para Lojkine, há uma forte interpenetração da força de trabalho
humano e das forças naturais utilizadas em seu trabalho. No entanto, como
observou, se tais forças dependem, de alguma forma, da vontade e da
intencionalidade dos indivíduos, elas, por outro lado, “também dispõem de uma
ação própria, na medida em que o homem fá-las atuar como ‘forças’”. Em suas
palavras:
"Pense-se, em primeiro lugar, nas forças naturais propriamente
ditas: a força hidráulica, eólica, a da energia térmica, a da
energia nuclear; mas há que se considerar ainda a ação
própria de processos ecológicos que, deflagrados pela ação
humana, manifestam na seqüência a sua autonomia,
desenvolvendo ‘efeitos perversos’ naturais não previstos pelo
homem - aqui, a referência imediata são as catástrofes
ecológicas (acidentes nucleares, rompimento da camada de
ozônio, poluição etc.); contudo, as manipulações genéticas nos
recordam que a espécie humana não está submetida apenas a
leis ‘sociais’ e a tecnologias ‘intelectuais’: prova-o a
modificação, possibilitada pelas biotecnologias, dos suportes
físicos dos nossos ‘mapas de identidade’ biológicos (ADN)"
(Lojkine, 1995, p.56).
70
Dando a entender que ele tenta minimizar o impacto de sua
definição de “potencialidade contraditória”, o autor observa que o
desenvolvimento das forças produtivas, tal como ele compreende, não significa
que a ação e intenção humanas sejam anuladas. Destaca, ainda, que a
concepção que possui de meio de trabalho não anula o potencial do trabalho
humano, contrapondo sua postura a duas concepções antinômicas que
abordam os meios de trabalho: as deterministas e as indeterministas.
Explicando essas noções, o autor aponta que:
"A corrente determinista vê simplesmente no meio de trabalho
a condição de um trabalho presente, mas esquece que este,
por seu turno, modifica o trabalho passado que ‘ressuscita’.
Muitas das inovações tecnológicas devem-se a descobertas de
usuários que conseguiram otimizar e aperfeiçoar seus meios de
trabalho ou, mais amplamente, à colaboração entre usuários e
criadores de meios de trabalho (este é um dos segredos do
êxito da indústria japonesa). Inversamente, a corrente
indeterminista, na linha de Adam Smith, vê no instrumento de
trabalho tão somente o ‘produto’ de uma relação social, mais
exatamente de um sistema organizacional de que ele é apenas
uma espécie de ‘forma cristalizada’, puramente passiva”
(Lojkine, 1995, p.57).
São concepções que, de acordo com Lojkine, remetem a segundo
plano a ação transformadora do trabalho vivo combinado com o trabalho morto
dos meios de produção, mostrando-se incapazes de apreender a dinamicidade
do processo social. Neste sentido, sustenta que as atuais mutações
sociotécnicas, decorrentes das mudanças operadas pela ação humana sobre
as forças produtivas, podem ser tomadas como "potencialidades
71
contraditórias", e não como conseqüências automáticas de uma evolução linear
(tecnológica ou socioeconômica), o que significa dizer que a “revolução
informacional” não se reduz às potencialidades sociais da microeletrônica.
Além de manifestar-se no conjunto de formas novas da informação que ela
mobiliza, manifesta-se, também, como afirma o autor, na possibilidade de,
dialeticamente, desencadear um tipo de ação histórica deflagrada pela própria
dinâmica das forças produtivas.
Lojkine apresenta uma abordagem sofisticada da incidência das
inovações tecnológicas e tenta reafirmar a importância que o trabalho continua
a ter na vida social. Ao analisar sua obra, no entanto, Lima (2005) considera
que este autor realiza indicações que podem demonstrar um deslize para a
mesma tendência, encontrada em outras referências, de fetichização da
tecnologia. Ao tomar autores como Lojkine, Schaff e Castells, a autora aponta
as “armadilhas do fetiche tecnológico”, que desconsidera os seguintes fatores:
a) a mercantilização da vida social é um elemento constitutivo do
sistema capitalista, significando que a informação também se transforma em
mercadoria;
b) o aumento do uso das informações não significa a constituição de
uma sociedade pós-industrial;
c) a substituição de formas violentas de exploração do trabalho por
inovações tecnológicas não significa que a exploração tenha sido extinta;
72
d) as inovações tecnológicas não têm implicado a redução da
jornada de trabalho e o aumento do tempo livre do trabalhador;
e) as concepções sobre o “fim do proletariado”, o qual seria
substituído por uma “nova camada de técnicos” capacitados para operar as
novas tecnologias; têm-se um desemprego em escala constante, justificado
pela incapacidade individualizada do trabalhador desqualificado, e não pela
lógica de acumulação que expulsa trabalho vivo.
Apesar da crítica apresentada pela autora, considera-se que o
recurso a Lojkine possui certo mérito, na medida em que sua contribuição
constitui-se como uma das poucas tentativas de afirmar, no debate sobre as
conseqüências sociais das inovações tecnológicas, a discussão do valor no
campo da tradição marxista, e reafirmar a centralidade do trabalho na
sociedade capitalista. O autor parece buscar a realização de uma abordagem
crítica do papel desempenhado pelas inovações tecnológicas na sua
articulação com as formas adotadas pelo capital para enfrentar a sua crise
contemporânea. Sua contribuição, apesar dos problemas apontados, é uma
das poucas que tenta combater a ofensiva “pós-moderna”, a qual toma as
alterações provocadas pelas inovações tecnológicas como universais,
estendendo-as para o conjunto das relações sociais de produção e dando
origem a abordagens e compreensões que reforçam os interesses do capital.
Muitas dessas abordagens negam a materialidade e a centralidade do trabalho
na produção e reprodução das relações sociais capitalistas, contribuindo para
73
tirar de cena a classe trabalhadora, sujeito que vem historicamente se opondo
a esta forma de organização da sociedade.
Apesar da polêmica envolvendo a noção de “potencialidade
contraditória” apresentada pelo autor, isto não significa que o caráter
contraditório da própria sociedade capitalista não deva ser evocado para
compreender o potencial da tecnologia para o processo social. Assim,
compreende-se que a tecnologia é marcada pela contradição, evidenciada não
pelo desenvolvimento do recurso tecnológico em si, mas pelo próprio padrão
de relações sociais capitalistas, que é contraditório. A potencialidade
contraditória da tecnologia não está na “revolução da informação”, está no
próprio caráter contraditório das relações sociais que presidem a sociedade
capitalista, por isto a compreensão do potencial contraditório desta tecnologia
se dá no quadro das próprias relações sociais capitalistas. Como observou
Iamamoto (1993), dentre as tensões inerentes e específicas às relações sociais
que peculizarizam a sociedade do capital, encontra-se a “articulação
indissolúvel e contraditória entre a essência dessas relações sociais e sua
manifestação através das formas sociais, por meio das quais se expressam,
ambas engendradas e recriadas no processo da vida social” (p.69). É nesse
contexto que reside a base tanto para a compreensão do papel das inovações
tecnológicas na atualidade quanto para a formulação de modos alternativos de
apropriação crítica de tais inovações.
74
1 . 4 . A S E X P R E S S Õ E S A T U A I S D A T E C N O L O G I A
Como se viu nas seções anteriores, a tecnologia é um produto
histórico, resultado do trabalho acumulado pela sociedade. Trata-se, ao mesmo
tempo, de indicador da riqueza socialmente produzida e de um meio para a sua
reprodução. Na atualidade, é possível constatar a existência de uma ampla
diversidade de inovações tecnológicas, aplicadas em diversos espaços e
instâncias da vida social. Toma-se, a partir deste momento, as inovações
tecnológicas conhecidas como “tecnologia da informação” (TI), sobre a qual se
pretende tecer rápidas considerações.
Pretende-se iniciar por uma breve caracterização da TI, apontando
alguns aspectos relacionados a sua definição. Apesar de sua larga aplicação
em inúmeros espaços da vida social, é possível constatar uma certa dificuldade
em delimitar e definir o que seja TI. Sua conceituação, em geral, oscila entre
limitá-la às atividades desenvolvidas pelos recursos da informática (priorizando
a automatização de tarefas) ou, ainda, compreendê-la como a aplicação de
seus diferentes ramos na geração, processamento e difusão de informações
(enfatizando a manipulação e organização de dados para posterior utilização).
No debate sobre o tema, pode-se vislumbrar tendências que
reforçam posições diferenciadas: por um lado, a aplicação da TI é vista em
termos de operacionalização em sentido genérico, priorizando a habilidade de
utilizar e interagir com a máquina; por outro, valoriza-se, também, a atividade
de reapropriação e reelaboração da linguagem informacional voltada para
75
novos usos e finalidades. Percebe-se, portanto, a coexistência de uma lógica
instrumental e uma atividade de criação que mobiliza os diversos recursos com
vistas ao estabelecimento de diferentes modalidades de trabalho e
conhecimento, denotando que a prioridade não é para o domínio operacional,
mas se estende a uma apropriação mais efetiva, mais crítica do recurso
tecnológico.
De forma geral, a definição de TI remete ao conjunto de dispositivos,
serviços e conhecimentos relacionados a uma determinada infra-estrutura,
composta por computadores, softwares, sistemas de redes etc. (que teriam a
capacidade de processar e distribuir informações para as organizações e os
sujeitos sociais que compõem a sociedade). Essas novas tecnologias podem
mediar tanto o fortalecimento da acumulação quanto a criação e
desenvolvimento de posturas alternativas aos valores capitalistas, a depender
do movimento das forças sociais em disputa. Em outros termos, a influência
que a TI pode exercer no campo econômico, político e social depende da sua
concretização como instrumento que pode vir a reforçar ou não a lógica da
acumulação capitalista. Pretende-se, desta forma, apresentar algumas
considerações que expressam o caráter contraditório da TI, tentando
demonstrar a possibilidade de sua apropriação num sentido democratizante e
participativo, diverso da forma pela qual hegemonicamente vem sendo
incorporada aos processos sociais.
A informática, de acordo com Wainer (2003), tem por volta de 40
anos. Enquanto nos anos 60 e 70 ela resumia-se aos grandes computadores e
76
a programas de caráter mais empresarial (como sistemas de controle de
estoque, de recursos humanos, de contas a pagar etc.), é nos anos 80 que
aparecem os microcomputadores e a informática pessoal, com o surgimento de
equipamentos e programas de uso individual, tais como planilhas, editores de
texto etc. A década de noventa assiste ao desenvolvimento de redes locais que
interligam vários computadores e, ainda, o surgimento da Internet. Cabe, no
entanto, perguntar como se efetiva o acesso da população aos recursos
oferecidos pela TI.
Os dados de que se dispõe, coletados na bibliografia trabalhada,
permitem verificar uma distribuição bastante desigual dos recursos
tecnológicos, reproduzindo os principais traços de nossa organização social.
Carneiro (2002), ao questionar a quem se dirige e a quem está disponível todo
o avanço tecnológico produzido nos últimos tempos, destaca que, se por um
lado os números oficiais de um relatório do Programa das Nações Unidas para
o Desenvolvimento mostram um aumento da quantidade de usuários e
usuárias da Internet (que passou de 150 milhões para 700 milhões em um
ano), por outro, cerca de 91% desses(as) usuários(as) equivalem a apenas
19% da população mundial e estão concentrados(as), em sua maioria, nos
países que fazem parte da OCDE - Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento e Econômico (p.37). Para Silveira (2001), os dados referentes
às condições necessárias ao acesso à Internet ilustram uma organização social
ainda marcada por extremos. Como ele apontou, os países que integram a
OCDE, mesmo com apenas 15% da população da Terra, concentram 71% de
todas as linhas telefônicas existentes no mundo. Em 1998, os países altamente
77
industrializados concentravam mais de 88% dos usuários e usuárias da Internet
mundial, enquanto representavam apenas 15% da população global. Em 2001,
41% de todo o acesso mundial concentrava-se nos Estados Unidos e no
Canadá. A Ásia, região mais populosa do planeta, detinha apenas 20% dos
acessos, enquanto a América Latina, apenas 4%.
Mattelart (2002) também apresenta observações sobre o acesso à
TI, como se constata no trecho a seguir.
“Em seu relatório, o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento confirmava, em 1999, a marginalização
informacional crescente de uma maioria de países, e no interior
de cada país, e isso nos quatro pontos cardeais, a existência
da linha divisória entre os info-ricos e os infopobres, a fratura
digital ou digital divide (PNUD, 1999). ‘O internauta típico,
podia-se ler, é homem, com menos de 35 anos, nível superior,
classe alta, habitante urbano, falante de inglês”. De 13 mil
aldeias da área rural do Senegal, só 300 dispõe de linhas
telefônicas, e o analfabetismo ainda atinge 65% da população.
A África do Sul, entretanto, está bem dotada, em relação ao
resto do continente, de numerosos hospitais, e três quartos dos
estabelecimentos escolares não dispõem de linhas telefônicas.
De modo mais simples, pode-se acrescentar o fato de que no
momento em que cintilam as promessas de infovias, uma
multidão de países ou regiões do planeta não têm sequer uma
rede rodoviária nacional digna desse nome e de que mais de
600 mil cidades não têm eletricidade! Com 19% da população
mundial, os países da OCDE tinham 91% dos usuários da
Internet. Mais da metade deles estavam nos Estados Unidos,
que representam apenas 5% da população do planeta”
(Mattelart, 2002, p.159).
78
Tratando da situação brasileira, Silveira (2001), com base em dados
do IBGE de 1996, observa que a cidade de São Paulo possuía 26,5 telefones
fixos por 100 habitantes, representando 41% de todo o tráfego telefônico do
país. Já o censo de 2000 mostra a existência de apenas entre 10 e 20 usuários
de informática por 100 mil habitantes, um número que, de acordo com o autor,
é considerado bem abaixo dos atuais padrões mundiais. Em relação ao acesso
à Internet, a região sudeste concentra 58% dos provedores de acesso
brasileiros, sendo que somente a capital paulista detém 12% dos provedores,
seguida pelo Rio de Janeiro, com 8%. Afonso (2000) ilustra bem a situação
brasileira:
“Dos mais de cinco mil municípios brasileiros, menos de 300
(ou menos de 6%) contam com infra-estrutura mínima
necessária para que possam ser instalados serviços locais de
acesso à Internet. Os cerca de cinco milhões de usuários da
Internet no Brasil são menos de 3% da população. O Brasil é
de longe o pior colocado em números per capita de usuários,
computadores pessoais, linhas telefônicas e servidores Internet
(hosts) entre as nove maiores economias do mundo. Os
circuitos que conectam os provedores de serviços à Internet
estão entre os mais caros do mundo, inviabilizando o pequeno
provedor de serviços em áreas menos ricas” (Afonso, 2000,
p.19).
Uma questão, abordada por Carneiro (2002), refere-se ao preço dos
computadores, que ainda é alto, se comparado com a média de salário de
diversos países do planeta. Os custos de manutenção dos microcomputadores
são tão altos que chegam a ser sugeridos como explicação para o fenômeno
conhecido como “paradoxo da produtividade”, que, de acordo com Wainer
79
(2003), pode ser caracterizado como “uma aparente inabilidade de
investimentos em informática se traduzirem em aumento de produtividade”
(p.14). Ao tratar da relação entre aumento de produtividade e uso da TI,
observa o autor que não há evidência de que a informática trouxe qualquer
aumento de produtividade no setor terciário nas últimas décadas. Ao contrário,
a evidência empírica demonstra baixos benefícios da informática no aumento
da produtividade, que, como sugere, poderiam ser explicados pelos custos
reais e necessários para manter os computadores funcionando, os quais
estariam roubando os ganhos de produtividade que os computadores poderiam
trazer para o trabalho de escritório.
Apesar de dados mais recentes destacarem um crescimento no
acesso à TI (a PNAD de 2002, por exemplo, informa que o número de
residências com microcomputador cresceu 15,1%, de 2001 para 2002, e o de
domicílios com computador ligado à Internet teve um crescimento mais
acentuado, de 23,5%), de uma forma geral, concorda-se com Moraes (2001),
para quem, no Brasil, a tradição da concentração das riquezas se repete nas
tecnologias digitais, havendo, ainda, muito a fazer para aumentar as conexões
e os usos sociais de tais tecnologias. A maior parte das pessoas que se
conectam à Internet pertence às classes A e B e se aglomera nas regiões
Sudeste e Sul. Apesar de o Brasil estar entre os 15 países com maior parque
de computadores instalados, mantém cerca de 94% das cidades fora da Rede.
Dispor da maior infra-estrutura de telecomunicações da América Latina não fez
com que o país deixasse de situar-se em penúltimo lugar, em número de
usuários individuais, computadores pessoais, linhas telefônicas e servidores da
80
Internet, entre as dez maiores economias do mundo (p.141). Há, portanto,
como sinalizou Mallini (2003), um elemento profundamente contraditório neste
quadro, que se refere à necessidade de socializar conhecimentos formais e
tecnológicos a amplas camadas populacionais que ainda se encontram
completamente marginais ao circuito informacional das tecnologias de
comunicação, tais como a imprensa, o livro, a Internet, softwares etc. (p.153).
Como resumiu Gleiser (2002):
“O alto custo e a constante renovação das tecnologias promove
a existência de uma ‘subclasse tecnológica’, os deixados às
margens do turbilhão digital. E, como o motor fundamental da
sociedade moderna são a geração e a troca de informação,
esses novos marginalizados digitais sofrem uma grande
desvantagem no mercado de trabalho. Essa estratificação
social é ainda maior em países onde a distribuição da renda é
muito polarizada, como é o caso brasileiro” (Gleiser, 2002,
p.23).
Além de expressar a dificuldade de acesso ao recurso tecnológico,
esta realidade demonstra também os obstáculos cada vez maiores que se
colocam às possibilidades de incorporação e apropriação das tecnologias por
parte de uma parcela crescente da população. Trata-se de um fenômeno que
pode ser tomado como uma das expressões da questão social, já que se refere
à impossibilidade de acesso por parte desses segmentos da população à
riqueza socialmente produzida, na qual se encontram os recursos tecnológicos.
É a compreensão deste aspecto que permite superar a idéia de que o problema
principal, no que se refere ao acesso à TI, encontra-se na chamada “exclusão
digital”, quando na realidade a base desta questão encontra-se no padrão
81
especificamente capitalista de geração de desigualdades sociais, cuja raiz
comum, como apontou Iamamoto (1998), reside no fato de que “a produção
social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social,
enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por
uma parte da sociedade” (p.27).
Autores que tentam ofuscar esse aspecto fundamental das relações
sociais capitalistas acabam por limitar a análise à existência de treinamento,
vontade, ou ainda, a um uso mais ou menos adequado do recurso tecnológico.
É o caso, por exemplo, de Pinkett (2006) que, ao trabalhar com a noção de
“digital divide”, aponta que tal “divisão” entre os que possuem e os que não
possuem acesso à TI só pode ser superada com a existência de elementos
como acesso ao computador e à Internet, treinamento e suporte individual e/ou
coletivo, conteúdo e informação, e motivação para superar obstáculos. Trata-se
de uma postura que ignora a existência de uma “divisão” fundamental entre os
indivíduos, que antecede a “divisão digital”: a divisão entre os que efetivamente
se apropriam e os que não se apropriam dos frutos da produção social. Desta
forma, a preocupação com o acesso aos recursos da TI, embora possa ser
considerada condição necessária para resolução da chamada “divisão digital”,
não é, de modo algum, suficiente para a superação deste problema, tendo em
vista que o aspecto fundamental reside no padrão vigente de distribuição da
riqueza socialmente produzida. Serão tecidas considerações sobre este
problema no próximo capítulo, quando, ao tratar-se da chamada “exclusão
digital”, a partir dos dados coletados junto à categoria profissional, tenta-se
demonstrar que, na verdade, esta “exclusão”, apontada como uma questão
82
“nova”, constitui-se como uma das expressões da radicalização da questão
social.
Apesar das dificuldades encontradas em relação ao aspecto mais
básico da possibilidade de uso da TI, que se refere ao acesso aos recursos,
considera-se que esta pode ter uma importante contribuição para as práticas
de alguns sujeitos sociais, desde que apropriada de forma crítica e livre de
fetichismos e mistificações. Abordando suas possíveis conseqüências
negativas, considera-se que, além da já comentada contribuição das inovações
tecnológicas para a redução do trabalho vivo e para a desqualificação do
trabalhador, dando origem a um agravamento da questão social expresso pelo
aumento da pobreza, da violência e da exploração, sua utilização pode
contribuir, também, para o enfraquecimento e a erosão de vínculos sociais
solidários e igualitários. Santos (1999), por exemplo, aborda uma questão que
denomina de “perda do humano”, decorrente de um determinado tipo de uso
social da tecnologia. Para o autor, o desenvolvimento da “racionalidade
econômica” peculiar à sociedade capitalista confundiu-se com o
desenvolvimento da “racionalidade tecnocientífica”, como se a evolução e o
sentido dessas duas racionalidades fossem um único movimento que recusaria
qualquer limite, seja ao capital, seja ao progresso tecnocientífico.
O autor observa que a relação entre os indivíduos e natureza vem
sendo cada vez mais mediada pela ciência e pela tecnologia, e os seres
humanos, apesar de aumentarem seu controle sobre a natureza, vêm,
contraditoriamente, sendo cada vez mais controlados. Assim, o autor identifica
83
uma tendência à “intensificação da mecanização do indivíduo” e ao
aprofundamento de uma relação perversa entre este e a natureza, conduzindo
ao que chamou de “perda do humano”. A tendência, sugere, é de que o
humano se manifeste num comportamento selvagem, num comportamento em
que o sujeito, de forma egoísta e individualista, persegue apenas a satisfação
de seus desejos e de suas vontades.
Prossegue, afirmando que, da forma como vem sendo utilizado, o
progresso da ciência e da tecnologia não segue o mesmo caminho do
progresso da moralidade da conduta humana e que, ironicamente, a satisfação
do desejo daquele sujeito que tenta escapar das conseqüências da
“mecanização” se faz, de acordo com o autor, cada vez mais “intensificando o
próprio processo de mecanização”. Para ilustrar esta situação, o autor utiliza
como exemplo o campo da reprodução humana, marcado pela existência de
diversos recursos derivados dos avanços científicos e tecnológicos. Vejamos a
seguir um longo trecho que torna compreensível a complexidade apontada pelo
autor:
“O desejo de ter um filho por parte de indivíduos que não
podem ou não querem tê-lo pelas vias biológicas ‘normais’
pode ser satisfeito atualmente graças aos avanços
tecnocientíficos da chamada reprodução assistida. O leque de
opções para a satisfação desse desejo amplia-se
ininterruptamente: das inseminações artificiais à possibilidade
de clonagem humana, passando pelos bebês de proveta, os
bancos de esperma, as barrigas de aluguel, a comercialização
de óvulos e embriões e as promessas da engenharia genética
para a geração da ‘criança perfeita’. Ora, a abertura desse
campo está criando situações inéditas. Na Inglaterra, uma
84
jovem deseja conhecer a experiência da imaculada concepção
porque identifica-se com a Virgem Maria, enquanto um casal de
gays e um casal de lésbicas desejam constituir um novo tipo de
família. Na Itália, senhoras de idade desejam ser mães.
Clientes japoneses viajam para contratar barrigas de aluguel no
exterior porque a atividade é ilegal em seu país. Nos Estados
Unidos, diversos bebês gerados por mães substitutas vêm
sendo abandonados porque nasceram com o sexo errado; ao
mesmo tempo, disputas judiciais colocam aos juízes a
responsabilidade de ter de decidir quem é a mãe: a mulher que
forneceu o óvulo ou aquela que portou e pariu a criança? Em
todo o mundo as concepções tradicionais de vida, de morte, de
procriação, de filiação, de parentesco estão sendo implodidas e
é grande a controvérsia em torno do momento em que o
material humano passa a ser pessoa” (Santos, 1999, pp.300-1).
Destaca ainda o autor que os efeitos da combinação perversa entre
a “mecanização do humano” e a constituição de um “sujeito não racional”
perseguindo seus desejos irão incidir diretamente no campo do Direito, que,
como observa, “vem sendo atropelado pelo desenvolvimento tecnocientífico”, já
que este cria situações novas para as quais parâmetros de análise e
interpretação ainda não foram produzidos. Em termos gerais, Santos afirma
que o profundo desenvolvimento de inovações tecnológicas e científicas faz
com que o reconhecimento jurídico do direito das pessoas seja posto em
xeque.
Se por um lado situações como as levantadas por Santos justificam
a preocupação com as inovações tecnológicas, por outro, há autores que
tentam realçar efeitos mais positivos dessas inovações. Carneiro (2002), por
exemplo, sinaliza que o tema informática, associado à educação, envolve, além
85
da discussão sobre sua utilização como ferramenta auxiliar no processo de
ensino-aprendizagem, uma análise consistente dos avanços tecnológicos. A
autora destaca a importância de um questionamento dos objetivos e aplicações
da informática, chamando a atenção para as oportunidades positivas
decorrentes de novas possibilidades de práticas educativas suscitadas pelo
seu uso.
Kachar (2003) segue por um caminho parecido, ao relatar um
trabalho realizado com idosos em uma experiência de aprendizagem sobre e
pelo computador. Afirma a autora que este recurso potencializou algumas
capacidades do indivíduo, atendendo necessidades oriundas do contexto etário
e cultural, e possibilitando maior autonomia e uma reapropriação da linguagem
tecnológica e dos recursos computacionais básicos. A intenção, diz a autora,
não foi apenas desenvolver a habilidade de operar os recursos tecnológicos,
mas tornar o computador um “instrumento para a construção de outros
conhecimentos pelo aluno, descobrir-se e desvelar-se com uma nova
possibilidade de ser” (Kachar, 2003, p.18).
Outras considerações são feitas a partir da experiência de
implementação de programas sociais pela prefeitura de São Paulo, a partir de
2001, no âmbito da “estratégia paulistana de inclusão social” (Pochmann, 2002,
p.19). Guerra et alli. (2002) demonstraram que a TI foi importante fator na
criação de um sistema de informações que auxiliou o gerenciamento de dados
e informações referentes aos projetos sociais implantados junto a 110 mil
famílias. Dentre os pontos positivos, os autores destacam que foi possível lidar
86
com um complexo processo de cadastramento, evitando problemas como baixo
aproveitamento das informações levantadas e alta tendência a erros no
preenchimento de informações cruciais para a incorporação dos indivíduos e
famílias nos programas sociais. Os autores afirmam que a TI foi uma
ferramenta fundamental para o gerenciamento das informações necessárias ao
planejamento, à implementação e ao acompanhamento desta política pública,
oferecendo: maior agilidade, flexibilidade e mobilidade no uso da informação;
maior economia e segurança no seu gerenciamento; melhor aproveitamento da
informação coletada; e maior visibilidade e integração na utilização das
informações. Trata-se de fatores de grande importância para a instituição de
políticas públicas democráticas, que têm na TI um importante potencializador,
já que esta permite, com um uso adequado, a abertura de novas perspectivas.
No âmbito das lutas sociais, Moraes (2001) destaca a importância da
Internet, que com seu ambiente tendencialmente interativo, cooperativo e
descentralizado, pode ser útil para o fortalecimento da sociedade civil,
difundindo valores e fomentando o acesso a direitos. Tal recurso pode facilitar
a intercomunicação de indivíduos e agrupamentos heterogêneos, permitindo,
em tese, a defesa de identidades culturais, a promoção de valores éticos e a
democratização da esfera pública. Trata-se de uma abordagem que toma a
Internet como um possível potencializador de práticas democráticas,
propiciando, dentre outras possibilidades, “a organização de grupos de
conversação, plebiscitos indicativos e consultas sobre distintos temas,
disseminando informações na sociedade” (Moraes, 2001, p.140), realçando-a e
fortalecendo-a como espaço político.
87
No entanto, lembra o autor, não se trata de transformar a Internet em
apanágio de todas as virtudes. De acordo com suas idéias, não seria adequado
subestimar o predomínio dos megagrupos no atual cenário de
transnacionalização e oligopolização das indústrias de informação e
entretenimento. Como observou Mallini (2003), alguns grupos e movimentos
que vêm operando na Internet, vêm sofrendo tentativas de contenção ou
esvaziamento de seus fluxos, capazes de organizar a luta contra as
desigualdades. Uma estratégia desse tipo, segundo o autor, é a compra, pelo
capital, de tais ambientes que, ao acelerar a socialização das novas
tecnologias, podem tornar-se, também, fatores de valorização do capital. Isso
comprometeria o caráter contestatório desses ambientes, afetando,
conseqüentemente, sua capacidade de produzir “contra-informação”.
Para Silva (2002), o computador é um recurso pedagógico que
favorece a aprendizagem dos estudantes, e ao ser conectado à Internet abre
maiores perspectivas, incrementando e enriquecendo o processo de ensino e
aprendizagem, ao colocar diante das crianças um imenso universo de
informações e um repertório ilimitado de textos e de fontes de informação a
serem trabalhados na produção do conhecimento. No entanto, alguns cuidados
devem ser tomados em relação a essa “disponibilidade ilimitada” destacada
pelo autor, pois, como observou Almeida (2002), constata-se hoje a existência
de uma “sobrecarga de informação”, uma condição em que a informação é
recebida em taxas extremamente altas, que impedem a sua adequada
assimilação.
88
Problematizando um pouco essa questão, Wainer (2003) destaca a
existência de idéias e opiniões de que com a Internet os alunos podem coletar
mais dados, desenvolver melhor suas opiniões sobre um determinado assunto,
formar uma opinião mais “correta” e, por fim, elaborar trabalhos melhores.
Essas idéias, de acordo com o autor, partem de pressuposições questionáveis.
Em primeiro lugar, porque uma maior quantidade de informação não leva
necessariamente a um trabalho melhor. Segundo, porque a Internet
provavelmente apresentaria muito mais dados que o necessário para o aluno,
sendo necessário filtrar e selecionar as informações, uma habilidade cada vez
mais importante nos dias de hoje, em que há o que autor tratou como
Information overload (p.52), que tem na Internet uma das suas principais
causas.
As possibilidades de uso da TI são numerosas e diferenciadas,
encontrando-se marcadas pelo caráter contraditório que preside o processo
social. Acredita-se que se uma sociedade é fortemente caracterizada pela
incidência de desigualdades sociais, a tendência é que os efeitos sociais
decorrentes do uso social da TI caminhem para a mesma direção, embora haja
espaço para novas alternativas historicamente construídas e conduzidas pelos
agentes sociais presentes nesta sociedade. Trata-se de um processo de luta
composto por diversas modalidades, sobretudo democráticas, novas e
diferenciadas, que tem em vista um uso social da tecnologia mais adequado
aos interesses da população. Como observou Santos (1998):
“um dos paradoxos da sociedade da informação é que, quanto
mais vasta é a informação potencialmente disponível, mais
89
seletiva é a informação efetivamente posta à disposição dos
cidadãos. E, como nesse tipo de sociedade o exercício ativo da
cidadania depende mais do que nunca da informação que o
sustenta, a luta democrática mais importante é a luta pela
democratização dos critérios da seleção da informação”
(Santos, 1998, p.8)
Se por um lado, as novas tecnologias vêm sendo largamente
utilizadas pelo grande capital como poupadoras de mão-de-obra, ocasionando,
por conta do tipo de uso social posto em prática, fortes impactos para os
trabalhadores, por outro, tais tecnologias, ao trazerem consigo a
contraditoriedade do processo social, podem ser apropriadas e utilizadas para
atender ou reforçar interesses mais próximos desses mesmos trabalhadores.
Evidencia-se, assim, uma luta pela apropriação e uso da tecnologia,
entendendo-a como importante questão política e social. Cabe aos sujeitos
comprometidos com práticas democratizantes e emancipadoras buscar
caminhos que possam engendrar sua apreensão e aplicação em favor dos
interesses da classe trabalhadora. Assim, o que se levanta é justamente a
possibilidade do recurso tecnológico mediar o fortalecimento de princípios
favoráveis aos trabalhadores.
A influência que a TI pode exercer no campo econômico, político e
social depende da sua concretização como instrumento que pode vir a reforçar
ou não a lógica da acumulação capitalista. Não se trata de bradar contra o
avanço tecnológico. No entanto, não se pode deixar de constatar que sua
utilização se dá, mais detidamente, para atender os interesses hegemônicos.
90
Caracterizar as inovações tecnológicas como espaço de disputa
social não significa desconsiderar suas conexões com as finalidades e projetos
dos segmentos hegemônicos que as elaboram e constroem. Como observou
Martin-Barbero (1997), “as tecnologias não são meras ferramentas
transparentes; elas não se deixam usar de qualquer modo: são, em última
análise a materialização da racionalidade de uma certa cultura e de um ‘modelo
global de organização do poder’” (p.256). Desta forma, chama-se a atenção
para a tensão existente entre as finalidades inerentes às inovações
tecnológicas e os valores e pressupostos que constituem os projetos
alternativos àquelas finalidades.
De forma geral, essas inovações têm sido reduzidas a ferramentas
cada vez mais rigorosas de racionalização e controle do trabalho. Considera-se
que a partir da análise concreta das relações e processos sociais, é possível
perceber a tecnologia como expressão do desenvolvimento das forças
produtivas, marcada pelo caráter contraditório constituinte do padrão específico
de relações sociais capitalistas. Se ela vem sendo usada pelo capital para
potencializar a produtividade e o lucro, isso não significa que não possam ser
engendradas possibilidades históricas de apropriação do recurso numa
perspectiva voltada ao fortalecimento das lutas sociais. Trata-se, no entanto, de
uma apropriação que continua a demandar a análise concreta do processo
social e das efetivas possibilidades de incorporação da tecnologia, numa
perspectiva contrária aos valores capitalistas e favorável aos projetos
sintonizados com sua superação. Constitui-se, assim, uma possibilidade
histórica de apropriação crítica da tecnologia, cuja efetivação depende da
91
capacidade que os atores envolvidos demonstrarem de superar as posturas
mistificadoras, simplificadoras e reducionistas largamente presentes no debate
sobre este tema.
A tarefa que se coloca, então, é a de analisar as possibilidades de
construção de usos sociais das inovações tecnológicas de modo articulado a
posturas que possam fortalecer o enfrentamento das expressões do processo
de acumulação capitalista. Trata-se de engendrar uma apropriação crítica dos
recursos tecnológicos, adicionando-os às experiências de resistência e luta
social como forma de ampliar o potencial já existente em tais experiências.
A questão que cabe agora problematizar é a possibilidade de
participação do Serviço Social neste desafio. De que forma a TI pode ser
apropriada pelo Serviço Social no sentido de satisfazer as demandas postas
pelos usuários e usuárias de nossos serviços? Quais os usos possíveis que
esse produto do trabalho coletivo pode ter no âmbito do Serviço Social, seja
para promover alterações qualitativas na condução do trabalho profissional e
no acesso aos direitos sociais por parte dos cidadãos, seja para a melhoria do
desempenho de suas competências e atribuições no campo do seu exercício
profissional?
Parte-se do pressuposto que a TI pode potencializar o exercício
profissional, quando articulada aos processos desenvolvidos pela própria
profissão os quais se encontram vinculados a uma determinada direção social
estratégica. Considera-se, portanto, que seu potencial estratégico reside
92
exatamente na possibilidade de somar-se a esta direção social assumida por
esta categoria profissional, como se pretende discutir nos capítulos a seguir.
93
C A P I T U L O 2 - S E R V I Ç O S O C I A L E T I : A L G U M A S C O N E X Õ E S
94
2 . 1 . P R O C E D I M E N T O S M E T O D O L Ó G I C O S U T I L I Z A D O S
Apresentam-se, neste momento, alguns dados coletados a partir da
pesquisa realizada, a qual teve por foco a interrogação direta aos integrantes
da categoria profissional2 por meio da aplicação de questionário com perguntas
voltadas à apreensão de algumas características acerca da presença da TI no
Serviço Social. Busca-se estabelecer uma aproximação inicial ao tema, que,
por sinal, tem estado pouco presente no debate profissional3.
Não foi possível, a partir dos dados coletados, oferecer respostas ou
afirmações conclusivas a respeito da relação entre o Serviço Social e a TI; no
entanto, é possível evidenciar pontos que podem indicar expressões de suas
principais tendências. Tenta-se, assim, oferecer, neste trabalho, um conjunto
2 Para efeito dessa pesquisa, foram considerados integrantes da categoria profissional, os(as) profissionais de campo (empregados, desempregados e aposentados), os(as) assistentes sociais que têm por área de atuação a docência e os(as) alunos(as) de cursos de Serviço Social. Apesar de os(as) alunos não serem efetivamente integrantes da categoria profissional, pela óbvia razão de não serem, ainda, Assistentes Sociais, foi considerada importante sua participação na pesquisa, já que sua condição de profissional em formação permite expressar algumas considerações tanto em relação ao cotidiano da atuação profissional (sobretudo para quem já realiza ou realizou atividades de estágio) quanto em relação ao processo de formação profissional. Em relação ao tratamento das questões referentes ao cotidiano profissional e à presença da TI nesse cotidiano, foram considerados apenas os(as) profissionais efetivamente inseridos(as) no exercício profissional de campo, o que será discutido no próximo capítulo. 3 As poucas contribuições disponíveis podem ser encontradas em Rosa, 1995; Albuquerque, 1995; Tapajós, s/d; Colmán, 1998, 2004, 2004a; Martins, 2001; Colmán e Toscan, 2003, 2004; Souza, 2000, 2002; Jonas, 2002; Silva, 2003; Coelho, 2004; Freitas, 2004; Veloso, 2004. Trata-se de breves artigos publicados em títulos impressos ou eletrônicos, e comunicações apresentadas em congressos e encontros profissionais (CBAS e ENPESS), que vêm tentando promover a inserção do tema no debate profissional. Tal produção demarca a importância da TI para o Serviço Social, oferecendo algumas reflexões acerca da sua incorporação como instrumento de trabalho, a partir, principalmente, de algumas experiências de uso no trabalho cotidiano.
95
sistematizado de questões e pontos de reflexão que demonstram que o Serviço
Social vem estabelecendo uma articulação com a TI, embora as condições
concretas para a sua efetiva apropriação pela profissão não se façam, ainda,
presentes.
O instrumento escolhido para a coleta de dados junto aos
integrantes da categoria profissional foi o questionário. O motivo de tal escolha
reside no fato de o mesmo ser considerado um instrumento que permite a
obtenção de uma quantidade razoável de dados, com baixo custo e reduzido
tempo de aplicação. As dificuldades existentes em termos de financiamento de
pesquisas acadêmicas (principalmente as da área social) são conhecidas, e
nosso critério de escolha levou em conta (ainda que não exclusivamente) as
condições objetivas que determinariam o alcance e o fôlego da fase empírica
de nossa proposta de investigação.
A opção pelo questionário deu-se, também, pela pressuposta
ausência de experiências efetivas de incorporação da TI pelo Serviço Social, o
que, de certa forma, dificultava a opção por um estudo de caso. Ainda que se
possa apontar a existência de experiências em que a atuação profissional
conte com a presença da TI dentre seus recursos, isto não significa a
incidência da sua efetiva incorporação ao trabalho profissional. Neste sentido,
considerou-se que o esforço pela descoberta e investigação de casos
específicos em que se vislumbrasse a apropriação da TI com vistas à
potencialização do trabalho deveria ser substituído por uma abordagem mais
96
genérica do objeto, com dados mais abrangentes acerca da existência de tal
incorporação, os quais foram oferecidos pelo questionário.
Por outro lado, sabe-se que o instrumento escolhido contém
problemas que lhe são inerentes e que poderiam gerar questionamentos
acerca de sua capacidade de possibilitar a obtenção de um “pedaço”
consistente da realidade que se tenta compreender. Lembre-se, por exemplo,
que o questionário é respondido pelo próprio depoente sem a intermediação do
pesquisador, e que aquele tem total liberdade para lidar como quiser com o
instrumento, inclusive para devolvê-lo ou não. Além disso, sua própria natureza
traz problemas que lhe são inerentes. Geralmente, trata-se de um instrumento
fechado, com poucas possibilidades de incorporação imediata de questões ou
problemas não previstos pelo pesquisador, o que, além de limitar o alcance da
própria pesquisa empírica, dificulta o aprofundamento de certos aspectos e
dimensões que podem ser importantes para a compreensão do tema.
Tendo definido a opção por este instrumento, passou-se à
elaboração de uma versão preliminar, a qual foi aplicada, inicialmente, a um
conjunto de assistentes sociais, participantes de dois encontros profissionais: o
Encontro CFESS/CRESS Descentralizado da Região Sudeste, realizado em
julho de 2004, em Vitória, e o Encontro Preparatório ao 11o CBAS, realizado
em agosto de 2004, no Rio de Janeiro. Esses eventos foram escolhidos por se
tratarem de espaços em que se reúne uma boa quantidade de profissionais, de
áreas de atuação, faixa etária, tempo de formação e grau de especialização
técnica bastante diversificados.
97
Esta aplicação inicial possibilitou uma avaliação preliminar do
questionário elaborado. Cerca de quarenta pessoas responderam à pesquisa e
os resultados iniciais possibilitaram perceber a inadequação do instrumento em
alguns aspectos, levando a uma alteração parcial a partir dos problemas
detectados. Foi verificado, por exemplo, que boa parte das questões não foi
respondida como esperado, demonstrando certa dificuldade de entendimento
das perguntas. A partir dessa avaliação, percebeu-se que havia perguntas que
não estavam formuladas de maneira clara e concisa, dando margem a diversas
interpretações. Algumas perguntas foram reformuladas e outras eliminadas ou
substituídas, aprimorando o questionário e tornando-o mais atrativo, leve,
objetivo e eficiente, características fundamentais, principalmente em relação ao
estímulo ao seu preenchimento e devolução.
Um dos pressupostos que direcionaram esta etapa era o de que se o
questionário não fosse atraente, os(as) profissionais dificilmente captariam e se
envolveriam com a proposta, e a conseqüência seria não responder, ignorar,
desprezar e desconsiderar a pesquisa e sua importância. Nesse sentido, era
importante que os(as) profissionais se sentissem atraídos(as) pelo questionário
e pudessem efetivamente respondê-lo. Ao mesmo tempo, foi feito um esforço
para que todas as questões fossem fechadas e formuladas de maneira precisa
e coerente. Foram, ainda, tomados cuidados especiais em relação à sua
apresentação gráfica, de modo a facilitar seu preenchimento e digitação, além
da preocupação em elaborar um pequeno texto introdutório apresentando os
objetivos da pesquisa e a importância das respostas dos(as) participantes.
98
Após realizar os ajustes necessários no questionário, foram
confeccionadas duas versões: uma impressa e outra digital. A versão digital foi
disponibilizada on line em página eletrônica especificamente criada para este
trabalho e divulgada, por correio eletrônico e outros meios impressos (tais
como jornal da categoria de assistentes sociais e panfletos informativos) para
estudantes e profissionais de Serviço Social em todo o Brasil. Acredita-se tratar
de uma das poucas experiências no âmbito do Serviço Social de coleta de
dados com o suporte direto da TI, o qual, por sinal, apresentou-se como um
recurso de grande relevância, o qual precisa ser mais bem avaliado e
incorporado, quando pertinente, a pesquisas conduzidas em nossa área de
atuação profissional.
O uso do questionário eletrônico permitiu a incidência de alguns
aspectos positivos, dentre os quais destacam-se dois: o alcance que o
questionário teve em termos nacionais e, inclusive, internacional (assistentes
sociais de praticamente todos os estados brasileiros e de outros países
responderam à pesquisa, embora com expressões quantitativas bem
diferenciadas); a partilha do trabalho de digitação das respostas aos
questionários com os(as) próprios(as) participantes, o que gerou uma boa
economia de tempo e trabalho para o pesquisador. Assim, se por um lado,
houve uma redução da demanda por trabalho manual, com economia de
tempo, isso não significa que o pesquisador tenha trabalhado menos. Esta é,
inclusive, uma das principais reflexões apontadas por Vieira Pinto (2005),
abordada no capítulo anterior. Apesar de ser bastante utilizada para
desqualificar o trabalhador e reduzir a importância de sua presença no
99
processo de trabalho, o uso da tecnologia não reduz a demanda por trabalho.
Sua utilização, tendo em vista as finalidades a que se faz instrumento para
alcançar, pode promover uma alteração na qualidade do trabalho que é
realizado: demanda menor por trabalho mecânico e maior por trabalho
intelectual, o que pode ocasionar, dentre outras possibilidades, um aumento da
capacidade de abstração e reflexão por parte do(a) profissional.
Além disso, em relação, especificamente, ao estado do Rio de
Janeiro, foi elaborada e distribuída uma versão impressa do questionário.
Trabalhou-se com o pressuposto de que nem todos os(as) profissionais
possuíam acesso a computadores e à Internet; por isso, para se alcançar o
objetivo da pesquisa de obter informações do maior número possível de
profissionais, inclusive dos que não dispunham de tal acesso, foi elaborada
esta versão impressa do questionário. Tal versão tinha apenas uma página e
possuía uma formatação leve e atrativa, sendo enviada a todos(as) os(as)
assistentes sociais ativos(as) do estado do Rio de Janeiro (cerca de oito mil),
sob a forma de carta-resposta4. Embora o retorno destes questionários
impressos tenha sido baixo (178 questionários), isso permitiu que os(as)
profissionais que não dispunham de acesso à Internet pudessem participar da
pesquisa. Além disso, tal mecanismo possibilitou medir a opção de envio do
questionário (o eletrônico ou o impresso), o que, apesar de não ser conclusivo,
4 Foi fundamental nesta etapa o apoio e parceria do CRESS – 7a Região que, em sintonia com as preocupações deste trabalho, percebeu a importância deste tema para a nossa categoria, enviando o questionário, no formato de carta-resposta, por correio, dentro do Jornal Práxis, aos assistentes sociais ativos do estado do Rio de Janeiro. Além disso, em uma edição do referido Jornal anterior ao envio do questionário, foi veiculada uma matéria sobre o tema da pesquisa, já alertando os(as) profissionais para a relevância do tema e sinalizando a existência e importância da pesquisa.
100
pode ser um dado interessante, que ilustra a relação dos(as) profissionais com
o uso das atuais tecnologias.
Como todos(as) os(as) profissionais do estado do Rio de Janeiro
receberam o questionário impresso, tiveram a oportunidade de escolher entre o
envio eletrônico ou o envio pelo correio tradicional, mais demorado e mais
trabalhoso para alguns, porém mais seguro e mais confiável para outros.
Percebeu-se que o índice de retorno foi maior para os(as) assistentes sociais
que responderam o questionário pela versão eletrônica. Isso não é indicador,
no entanto, de uma ampla apropriação e utilização da TI no cotidiano
profissional. Indica, antes, que a parcela de assistentes sociais que teve maior
envolvimento com a proposta da pesquisa e seus objetivos optou por expressar
seu envolvimento e seu reconhecimento da importância do tema pela versão
eletrônica. Assim, não parece ser pertinente considerar que a opção pelo envio
eletrônico demonstre um maior uso da tecnologia pelos(as) assistentes sociais.
Esta compreensão pode ser equivocada, pois o que ela demonstra é que quem
participou mais foram os(as) assistentes sociais que enviaram os questionários
pela Internet. A explicação que talvez seja possível sugerir é que os que mais
participaram da pesquisa são assistentes sociais que valorizaram a sua
importância, os quais costumam ter um uso razoável da tecnologia.
Como já dito, os questionários impressos foram enviados pelo
correio a todos(as) os(as) assistentes sociais do estado do Rio de Janeiro, com
a indicação da possibilidade respondê-lo diretamente na versão eletrônica
disponível na página eletrônica. Além disso, foi construída uma lista com mais
101
de 6000 endereços de correio eletrônico de estudantes e profissionais de todo
o Brasil, para os quais foram enviadas mensagens semanais sobre a pesquisa,
convidando o(a) profissional ou estudante para dela participar, respondendo ao
questionário eletrônico. Foram feitas, também, divulgações junto aos
Conselhos Regionais de Serviço Social do Brasil, ao Conselho Federal de
Serviço Social e à ABEPSS e diversas universidades brasileiras com cursos de
Serviço Social. Este processo inicial de coleta de dados durou pouco mais de
seis meses, tendo começado no final de 2004 e se encerrado em meados de
2005.
Com a coleta de dados em andamento, foi elaborado um sistema de
registro e totalização para tratamento e gerenciamento das informações
produzidas pela pesquisa. Assim, com este pequeno banco de dados foi
possível, além de digitar os dados dos questionários impressos recebidos,
processar e totalizar o conjunto dos dados enviados pelos(as) participantes da
pesquisa. No segundo semestre de 2005 foram digitados os dados dos
questionários impressos enviados pelo correio e, também, elaboradas as
primeiras quantificações dos dados já disponíveis. Um ponto interessante que
merece ser destacado é que os resultados parciais foram divulgados na página
do projeto na medida em que iam sendo produzidos, de modo que os(as)
profissionais e estudantes que participaram da pesquisa pudessem ter um
“retorno” destes dados e ter acesso às informações obtidas, possibilitando um
maior envolvimento com a proposta.
102
2 . 2 . O B S E R V A Ç Õ E S P R E L I M I N A R E S
Antes de ingressar na apresentação dos resultados da pesquisa
realizada convém apontar algumas observações preliminares. A primeira delas
refere-se à grande dificuldade de abordar o tema escolhido, tanto pela
escassez ou mesmo inexistência de dados referentes à presença da TI no
trabalho do Serviço Social, quanto pelo reduzido acervo de textos que realizam
um tratamento do tema. Além disso, cabe observar o baixo número de pessoas
que responderam ao questionário. Apesar de ultrapassar os 1.400
participantes, sua distribuição em termos geográficos, pelos estados, mostra-se
bastante pulverizada, dificultando a captação de tendências que possam ser
projetadas para o conjunto da categoria em termos nacionais.
Para que tal apreensão se operasse com um nível de consistência
mais elevado, considera-se necessária uma maior participação dos estados no
sentido de configurar uma amostra realmente representativa do universo de
profissionais de nosso país. Os estados que efetivamente podem ser
considerados representados na amostra limitam-se a Rio de Janeiro e São
Paulo, com índices relativos que ultrapassam os dois dígitos, enquanto a
maioria (18 estados) possui índices de um dígito apenas. É bom que se diga,
no entanto, que esta observação não tem por objetivo desqualificar a amostra
nem tampouco a importância da pesquisa. Trata-se de uma investigação
inédita e ainda assim de grande importância para construir uma aproximação
inicial ao tema. O que se pretende é demonstrar o real alcance desses
103
resultados, bem como a seriedade e a responsabilidade que o rigor
metodológico buscado impõe.
De fato, o que se tentou fazer com o recurso aos dados coletados a
partir da aplicação do questionário é apresentar considerações que na maior
parte das vezes são apenas hipóteses de trabalho e não afirmações
conclusivas sobre o assunto. São esboçadas, assim, tentativas de explicação,
algumas das quais produzidas com base em comparações entre as respostas
dos(as) próprios(as) participantes. A propósito, considera-se que a comparação
que talvez seja a mais relevante é a efetuada entre os que participaram da
pesquisa e os que dela não participaram. Isso significa dizer que os(as)
profissionais e estudantes que optaram por participar da iniciativa proposta o
fizeram por valorizar e atribuir importância ao tema, sem o que provavelmente
não se sentiriam estimulados(as) a participar.
A percepção desta postura de valorização da TI pelos(as)
participantes é fundamental para compreender o potencial explicativo dos
dados coletados. A amostra não se refere a uma parcela qualquer de
assistentes sociais, mas a uma parcela que valoriza e considera importante
este recurso, fato que provavelmente induziu a sua participação na pesquisa.
Se a pesquisa é marcada pelo caráter de espontaneidade sem constituir-se
como obrigação, o que pode levar os(as) assistentes sociais a dela participar?
A opinião do pesquisador, reafirma-se, é de que a resposta a esta questão
passa, também, pelo reconhecimento de uma certa valorização da proposta por
parte dos(as) participantes, o que impulsionou a sua participação.
104
Percebeu-se que há uma parcela de profissionais que vem
demonstrando uma certa valorização da contribuição que a TI pode oferecer ao
Serviço Social, tentando, apesar das várias dificuldades existentes, incorporá-la
ao seu trabalho. A existência de parcela da categoria profissional que atribui
importância à TI pode ser sugerida tendo por base os dados especificamente
obtidos no estado do Rio de Janeiro, que mostram que cerca de 7% dos(as)
profissionais de Serviço Social deste estado participaram da pesquisa,
contribuindo para um processo de problematização e reflexão sobre este tema.
Trata-se de um índice que ilustra a presença de uma certa articulação entre o
Serviço Social e a TI, que, a depender das condições historicamente
produzidas, pode caminhar no sentido de sua incorporação ao trabalho
profissional em sintonia com os valores e princípios que fundamentam o projeto
profissional construído pelo Serviço Social ao longo das últimas décadas. O
que não significa, no entanto, que os(as) profissionais que valorizam a TI e
percebem sua importância para a nossa profissão (na opinião do pesquisador
os que se sentiram mais atraídos pela proposta e, por conta disso, efetivaram
sua participação) não encontrem, além da resistência dos(as) colegas,
insuficientes, quando não inexistentes, condições concretas que permitam uma
efetiva apropriação e incorporação da TI ao exercício profissional. Como se
verá, as condições em que se tenta efetivar tal apropriação muitas vezes não
são as mais adequadas, demandando, por parte da categoria profissional, a
reflexão e o debate coletivo em torno desse tema, como uma das formas de
produzir mudanças em tais condições.
105
Tendo por base estas observações, considera-se ser uma postura
mais prudente e adequada não apresentar por objetivo a elaboração de uma
descrição exata e precisa do padrão específico de incorporação da TI ao
trabalho profissional, mas apenas obter pistas e considerações que possam
indicar tendências, sem a pretensão de afirmar a existência ou não de
determinadas realidades ou configurações. Não se pretende realizar uma
análise formalista, tentando enquadrar a realidade nos dados que foram
coletados na pesquisa, já que aquela será sempre mais dinâmica e complexa
do que estes últimos. O que se busca é vislumbrar, a partir dos dados
coletados, expressões das tendências presentes na realidade. Captar, na
complexidade do movimento das relações sociais, elementos que possam
indicar caminhos a serem trilhados para se conhecer o potencial que a TI pode
ter para o Serviço Social, no sentido de agregar novas possibilidades aos
processos de trabalho em que o Serviço Social está inserido, e não como
estratégias de substituição tecnológica, empobrecimento ou desqualificação do
seu trabalho.
Tampouco se tem por objetivo a realização de um estudo estatístico
sobre o tema, sobretudo devido às dificuldades e limites nessa matéria
assumidas desde já pelo pesquisador. O recurso aos gráficos, índices e
percentuais, realizado com certa freqüência ao longo deste trabalho, se dá no
sentido de tentar evidenciar as expressões e tendências que se considera mais
importantes a serem visualizadas e retidas, sem qualquer privilégio a um
tratamento exclusivamente quantitativo do tema em pauta.
106
É com esta preocupação que se apresenta a última observação,
referente ao tratamento quantitativo dos dados. Ao longo da exposição dos
resultados, será apresentado, inicialmente, um gráfico com o valor absoluto das
respostas oferecidas pelos(as) participantes, distribuídos pelos segmentos a
que pertencem (profissionais, alunos ou docentes), para, em seguida,
trabalhar-se com os valores relativos, percentuais de cada um dos segmentos
em relação ao total de cada um deles. Os indicadores absolutos serão exibidos
em gráficos de barras empilhadas, em que se pode verificar a contribuição de
cada segmento (ou valor) para o total absoluto de uma categoria de dados,
mostrando os relacionamentos desses segmentos com o todo. Já os
indicadores relativos (percentuais dos valores para cada um dos segmentos)
serão exibidos em gráficos do tipo barras agrupadas, comparando os valores
de cada um dos segmentos de uma categoria específica.
Pretende-se, com isso, preservar, num primeiro momento, o grau
absoluto da contribuição de cada um dos segmentos da categoria que
participou da pesquisa, e evidenciar, em um momento posterior, a contribuição
relativa que os segmentos possuem para conhecer o objeto de análise. Neste
momento, o objetivo será captar as variações presentes no interior de cada
segmento e tentar estabelecer comparações entre eles. Tais comparações, no
entanto, terão caráter meramente ilustrativo, já que a base de dados de cada
um destes segmentos é bastante diferenciada: enquanto os(as) docentes, por
exemplo, são 72, os(as) assistentes sociais totalizam 1.111, um universo
quinze vezes maior do que o dos(as) primeiros(as). Isso significa que mesmo
que 90% dos(as) docentes respondam “sim” a uma pergunta e apenas 10%
107
dos(as) profissionais indiquem a mesma resposta, ainda assim, o número
absoluto de profissionais que responderem “Sim” será quase o dobro do
número de docentes. Como o objetivo aqui não é atribuir o caráter de verdade
absoluta às tendências captadas, mas apenas oferecer pistas interpretativas,
julgamos interessante a realização das comparações, tomando o cuidado, é
claro, de não obscurecer a realidade, ao invés de descortiná-la. Tendo feito
estas breves considerações, passemos à apresentação dos comentários e
reflexões realizados a partir dos dados disponíveis.
2 . 3 . B R E V E P E R F I L D O S ( A S ) P A R T I C I P A N T E S
Percebeu-se que, se os dados não revelam de imediato a dinâmica
da realidade analisada, eles possibilitam a captação de alguns traços mais
gerais de seu processo, dando origem a esboços interpretativos. Desta forma,
apresenta-se, inicialmente, um perfil geral dos(as) participantes da pesquisa,
para, em seguida, tecer considerações sobre temas específicos capazes de
auxiliar a contextualização e a interpretação das conexões estabelecidas entre
o Serviço Social e a TI.
A pesquisa contou com a participação de 1.440 pessoas, de mais de
250 cidades de 27 estados brasileiros. Verificou-se que em relação à
distribuição geográfica regional, o maior índice recaiu sobre a região sudeste.
Com pouco mais de 1.000 participantes, esta região concentrou 75% dos(as)
participantes da pesquisa, seguida pela região sul, com 14%, nordeste, 7%,
108
centro-oeste, 2%, norte, 1%. Houve também a participação de pessoas de
outros países, que totalizaram apenas 1%.
Gráfico 01 - Regiões geográficas dos participantes d a pesquisa - Total de casos: 1440
28
105
16
15
1080
196
0 200 400 600 800 1000 1200
Centro-oeste
Nordeste
Norte
Outro país
Sudeste
Sul
Fonte: SSTI, 2005.
Como já sinalizado, apesar do número de participantes ser de 1.440,
a maior concentração se dá em poucos estados, com uma grande pulverização
de participantes pelos demais, principalmente da região norte e nordeste.
Dentre as maiores concentrações de participantes, coube ao Rio de Janeiro o
índice de 59,4%. São Paulo contou com 11,0% e Rio Grande do Sul com 6,0%.
Os demais estados ficaram com índices de participação abaixo de 5%.
Participaram da pesquisa apenas assistentes sociais (incluindo
docentes) e estudantes de Serviço Social, tendo em vista que o objetivo era
apreender a relação do Serviço Social com a tecnologia a partir das respostas
109
dos(as) próprios(as) integrantes da categoria profissional, não sendo permitido
que outros(as) profissionais, ainda que vinculados(as) à profissão, dela
participassem. Foi o caso, por exemplo, de professores(as) de cursos de
Serviço Social que não são assistentes sociais e funcionários(as) não
assistentes sociais de setores de Serviço Social de unidades de saúde, ou
integrantes de equipe multidisciplinar, que, apesar de relatarem possuir
razoável conhecimento sobre as questões postas à profissão, não puderam
responder o questionário, pois não se enquadravam nos critérios de definição
da amostra escolhidos pelo pesquisador.
Tais critérios tiveram como diretriz norteadora a tentativa de captar
as percepções da própria categoria profissional acerca de sua relação com a
TI, o grau de valorização desta tecnologia e a sua presença no Serviço Social.
A fonte de dados definida para buscar essa percepção foi a própria categoria
profissional, que, a partir de suas respostas, pôde indicar elementos preciosos
para a construção de uma aproximação inicial ao tema. Desta forma, o gráfico
a seguir mostra a distribuição dos(as) participantes pelos segmentos que
compõem a categoria profissional.
110
Gráfico 02 - Categoria do(a) participante - Total d e casos: 1440
257
1111
72
0 200 400 600 800 1000 1200
Estudante
Assistente Social
Docentes
Fonte: SSTI, 2005.
O maior índice de participação foi apresentado pelos(as)
profissionais de campo, que representam 77% da amostra, enquanto os(as)
estudantes concentram-se em 18% e os(as) docentes concentram-se nos 5%
restantes. Tal distribuição, de uma certa forma, já era esperada: um maior
número de participantes entre os(as) profissionais, e números mais reduzidos
para professores(as) e estudantes. De fato, a maior parcela de nossa categoria
é formada pelos(as) profissionais de campo. Isso, por outro lado, não retira a
importância da expressiva participação dos(as) estudantes, que demonstraram,
ao participar da pesquisa, estar em sintonia com as preocupações dessa
pesquisa. Cabe, ainda, mencionar a importância dessa maior presença dos(as)
profissionais para a pesquisa, já que um de seus objetivos é identificar a
utilização da TI não no Serviço Social de forma genérica, mas, sobretudo, no
cotidiano do exercício profissional, tendo por preocupação central refletir sobre
111
a importância e potencialidade desta tecnologia para este exercício, o que será
mais bem trabalhado no próximo capítulo.
A presença considerável dos(as) estudantes pode demonstrar a
existência de pelo menos uma curiosidade acerca da contribuição que a TI
pode oferecer à profissão, sobretudo no que se refere à problematização do
tema na formação profissional. Trata-se de um aspecto de grande importância,
já que os(as) alunos(as), ao passarem pela experiência de estágio, podem
contribuir para a demonstração do potencial da TI para o desenvolvimento e
aprimoramento dos processos de trabalho nos quais, juntamente com seus
(suas) supervisores(as) e demais profissionais, participam, ainda que na
condição diferenciada de estagiário(a). É possível, portanto, verificar uma
tendência de valorização desta temática por parte dos(as) estudantes,
valorização essa indicada pela própria participação na pesquisa. Chama, ainda,
a atenção o fato de que em alguns estados o número de estudantes que
responderam ao questionário foi maior do que o de profissionais, como foi o
caso de Amazonas (três estudantes e nenhum profissional), Paraná (46
estudantes e 25 profissionais) e Sergipe (cinco estudantes e dois profissionais).
Em relação à idade, verificou-se que 63,8% dos(as) participantes
concentram-se na faixa etária que vai até os 40 anos, enquanto 25,1% dos(as)
participantes relataram ter entre 41 e 50 anos e 11,1% mais de 51 anos.
112
Gráfico 03 - Distribuição absoluta dos participante s por idade e segmento - Total de casos: 1440
0 100 200 300 400 500 600
de 10 a 20
de 20 a 30
de 30 a 40
de 40 a 50
de 50 a 60
de 60 a 70
Fonte: SSTI, 2005.
Alunos
AS
Docentes
Docentes 0 4 20 29 13 6
AS 0 318 347 314 110 22
Alunos 11 179 39 19 9 0
de 10 a 20 de 20 a 30 de 30 a 40 de 40 a 50 de 50 a 60 de 60 a 70
Como já era de se esperar, os(as) estudantes apresentaram uma
maior concentração nas faixas que vão até os 30 anos de idade (74%),
enquanto os(as) docentes, por outro lado, concentram-se nas faixas que vão
dos 30 aos 60 anos (86%). Já entre os(as) assistentes sociais que não se
encontram vinculados(as) à docência, sua maior concentração reside na faixa
entre 20 e 50 anos (88,1%). Se forem retirados(as) da amostra os(as)
estudantes (grupo mais jovem) e considerar-se apenas os(as) assistentes
sociais, ainda assim, é possível perceber uma menor quantidade de
participantes das faixas mais elevadas: 29% têm entre 20 e 30 anos, 32% entre
31 e 40 anos, 28% entre 41 e 50, e 12% acima de 50 anos. Partindo-se do
pressuposto de que os(as) participantes da pesquisa o fizeram por valorizar a
113
TI, atribuindo-lhe importância e significado no trabalho profissional, pode-se
perceber uma nítida tendência de maior valorização nas faixas de idade mais
jovem, nas quais se constata uma maior concentração de participantes,
reforçando a idéia comumente difundida de que os jovens vêm demonstrando
maior capacidade de uso e envolvimento com as novas tecnologias existentes
(Carneiro, 2002).
Gráfico 04 - Distribuição relativa dos participante s por idade e segmento - Total de casos: 1440
0,0% 20,0% 40,0% 60,0% 80,0%
de 10 a 20
de 20 a 30
de 30 a 40
de 40 a 50
de 50 a 60
de 60 a 70
Fonte: SSTI, 2005.
Docentes
AS
Alunos
Docentes 0,0% 5,6% 27,8% 40,3% 18,1% 8,3%
AS 0,0% 28,6% 31,2% 28,3% 9,9% 2,0%
Alunos 4,3% 69,6% 15,2% 7,4% 3,5% 0,0%
de 10 a 20 de 20 a 30 de 30 a 40 de 40 a 50 de 50 a 60 de 60 a 70
Em certa medida, os dados reiteram observações referentes às
diferenças em relação à faixa etária na forma de incorporação da TI. Kachar
114
(2003), por exemplo, aponta que estudos que comparam jovens, adultos e
idosos na interação com a informática sinalizam a existência de tendências e
formatos diferenciados de uso e incorporação deste recurso, demonstrando a
importância do “dimensionamento de estratégias de ensino e aprendizagem
delineadas de acordo com as características e condições da população”,
respeitando-se, nesse processo, aspectos como ritmo e tempo para aprender,
limitações físicas (auditivas, visuais) e cognitivas (memória, atenção etc.)
(p.65). Evidencia-se que a faixa etária constitui-se como uma variável
importante na apreciação tanto da valorização que o Serviço Social confere à
TI e da sua adequada incorporação ao trabalho profissional. Há uma tendência
de os indivíduos mais jovens demonstrarem uma maior valorização da TI,
tendo em vista o forte apelo que esta faz a valores e atitudes comumente
considerados modernos e inovadores.
A percepção deste fator nos dados coletados torna-se possível
quando, ao comparar-se o quantitativo de participantes de cada uma das faixas
etárias, verifica-se a baixa participação na pesquisa dos(as) participantes com
idade mais elevada. Verifica-se a incidência de uma adesão diferenciada dos
integrantes da categoria profissional à pesquisa, expressa pela variação da
freqüência de cada uma das faixas etárias, com um nítido predomínio dos
setores mais jovens. Entre os(as) participantes, no entanto, não há muita
variação na valorização e no uso da TI relatados. Isso poderia ajudar a explicar
a relativa aproximação entre as respostas dos(as) participantes
independentemente de sua faixa etária. Apenas para ilustrar, verificou-se, por
exemplo, que 68% dos(as) assistentes sociais que possuem entre 20 e 30 anos
115
consideram o computador um instrumento importante para o seu trabalho,
enquanto que para as outras faixas etárias (31 a 40; 41 a 50 e 51 a 60) não há
mudanças significativas nos índices (71%, 71% e 72%, respectivamente). A
diferenciação na valorização por conta da faixa etária, portanto, acontece, só
que não pode ser captada a partir das respostas oferecidas pelos(as)
participantes, exatamente pelo fato de que tais participantes consideram esta
tecnologia importante.
Após a apresentação deste breve perfil dos(as) participantes,
passemos às considerações sobre as conexões entre a TI e o Serviço Social,
levantadas a partir dos dados coletados.
2 . 4 . G Ê N E R O , T I E S E R V I Ç O S O C I A L
No que se refere ao sexo, 94,4% dos(as) participantes são
mulheres, expressando a esmagadora maioria feminina da profissão. Verificou-
se que apenas 80 homens (48 assistentes sociais, 26 estudantes e 06
docentes) responderam ao questionário, enquanto as mulheres totalizaram
1360 (1063 assistentes sociais, 231 estudantes e 66 docentes).
116
Gráfico 05 - Sexo dos participantes - Distribuição absoluta - Total de casos: 1440
0 500 1000 1500
Masculino
Feminino
Fonte: SSTI, 2005.
Alunos
A.S.
Docentes
Docentes 6 66
A.S. 48 1063
Alunos 26 231
Masculino Feminino
Em relação aos percentuais, verifica-se um maior predomínio das
mulheres nos segmentos de assistentes sociais (95,7%) e docentes (91,7%).
Entre os(as) estudantes, embora o percentual de mulheres seja ainda elevado
(89,9%), foi constatada uma variação positiva na quantidade de homens em
relação aos outros segmentos. Enquanto os homens representam, entre os(as)
estudantes 10,1%, entre os(as) profissionais eles correspondem a 4,3% e entre
os(as) docentes, 8,3%.
117
Gráfico 06 - Sexo dos participantes - Distribuição relativa - Total de casos: 1440
0,0% 20,0% 40,0% 60,0% 80,0% 100,0%
Masculino
Feminino
Fonte: SSTI, 2005.
Docentes
A.S.
Alunos
Docentes 8,3% 91,7%
A.S. 4,3% 95,7%
Alunos 10,1% 89,9%
Masculino Feminino
Assim, como se constata no gráfico acima, os homens, em termos
relativos, estão mais presentes no segmento de estudantes, que se destaca,
também, pelo fato de ser ocupado por pessoas de faixa etária mais jovem;
enquanto as mulheres se fazem mais representadas no segmento de
profissionais. Percebe-se que 33% dos homens encontram-se no segmento de
estudantes, enquanto nesse mesmo segmento, encontram-se apenas 17% das
mulheres. Pode-se sugerir, a partir desses índices, a existência de maiores
valorização e envolvimento de alunos do sexo masculino com o tema TI, onde,
de certa forma, sexo e idade parecem estabelecer um tipo específico de
articulação.
118
Apesar de não se considerar que os índices obtidos possam refletir
qualquer tendência de valorização/desvalorização do tema por quaisquer dos
segmentos ou dos sexos (antes, apresentam apenas pistas que merecem
tratamento mais aprofundado), parece ser possível indicar que o gênero,
categoria que estrutura e organiza relações sociais, faz-se presente,
configurando um determinado perfil.
No entanto, cabe perguntar porque há um maior percentual de
homens entre os(as) estudantes e não entre os(as) profissionais. Talvez possa
ser útil a impressão de que nem sempre os homens que ingressam no Serviço
Social chegam a concluir o curso, tendo em vista exatamente a esmagadora
maioria feminina da profissão, o que, socialmente, faz com que essa seja
considerada uma “profissão feminina”. No trabalho de conclusão de curso
(TCC) de graduação deste pesquisador (Veloso, 1996), foi elaborada uma
reflexão sobre o estudante de Serviço Social do sexo masculino, constatando-
se que, muitas vezes, a permanência do aluno homem no curso de Serviço
Social encontra-se condicionada pelo acesso a atividades que, de certa forma,
são consideradas de maior importância acadêmica e profissional e, por isso,
lhe propiciam um certo status, como participação em pesquisas com bolsa de
iniciação científica, monitorias, movimento estudantil, estágios em empresas de
renome etc.
O acesso a estas atividades era utilizado como justificativa para
permanência no curso mais pelos homens do que pelas mulheres, como se aos
homens fosse necessário um “motivo especial” para continuar no curso de
119
Serviço Social, no qual, a princípio ele “nem deveria estar”, exatamente pelo
fato de ser considerado uma “profissão feminina”. Isso permitiria construir a
hipótese de que, caso não se inserissem em atividades como as citadas acima,
os homens tenderiam, aos poucos, a abandonar o curso e a buscar um outro
tipo de inserção acadêmica ou profissional que lhes oferecesse respostas às
suas “demandas de gênero”. Ajuda a sustentar esta hipótese, por exemplo, as
tentativas de mudança de curso realizadas pelos alunos entrevistados no
processo de construção do referido TCC, demonstrando, já, um certo
descontentamento com o curso escolhido, que poderia ser mantido ao longo
dos períodos e mesmo após a sua formatura, o que teria por conseqüência a
opção pelo não exercício da profissão.
Se essas considerações não oferecem uma explicação contundente
sobre a incidência dos índices verificados (embora possam ajudar a elaborar
hipóteses explicativas mais consistentes), elas demonstram a vigência, neste
âmbito, do gênero, estruturando, organizando e mediando relações sociais.
Assim, pode-se perceber a presença do gênero na forma pela qual se
estabelece a incorporação da TI pelo Serviço Social, constatando que as
escolhas e opções feitas por profissionais e alunos(as) sofrem influência da
dimensão de gênero presente nas relações sociais. Além disso, percebe-se,
também, que o gênero produz outras formas de influência para além das
apontadas até aqui. Na questão da incorporação da TI ao trabalho profissional,
por exemplo, atua não apenas na constituição de obstáculos ou resistências à
absorção da tecnologia, no plano mais imediato do trabalho profissional, mas,
120
também, na própria caracterização de sua importância e relevância para o
projeto profissional.
Hirata (2002) sinaliza a existência de uma relação diferenciada dos
homens e das mulheres com a técnica, o que faz com que as novas
tecnologias sejam incorporadas de forma distinta, com conseqüências diretas
sobre a qualificação. Ao levantar a questão da maneira com que a tecnologia
afeta a organização, os postos e a qualificação do trabalho se a mão-de-obra
for masculina ou feminina, a autora observa uma segregação tecnológica dos
homens e das mulheres que vem, cada vez mais, se reproduzindo ao longo do
tempo. Ressalta que as “abordagens assexuadas da tecnologia” (p.198)
impedem a percepção de uma “apropriação masculina da tecnologia, que
estaria na origem da relação diferenciada das tecnologias de acordo com o
sexo” (p.199), ocasionando uma forte ausência das mulheres dos postos
técnicos e uma grande distância dos equipamentos caros e competitivos.
Com base em pesquisas sobre a divisão sexual do trabalho
realizadas em empresas do Brasil, França e Japão, Hirata destaca o
predomínio entre as mulheres de um certo tipo de máquinas que demanda
delas uma grande quantidade de trabalho manual, sem maiores necessidades
de qualificação, enquanto aos homens são conferidas atividades mais
valorizadas e qualificadas, onde predomina o uso de tecnologias mais
avançadas. Com isso, a autora constata que “o sexo da mão-de-obra varia de
acordo com o nível de automação e de qualificação” (p.201), e que “assiste-se
a um aumento da qualificação masculina e a uma redução maciça da
121
qualificação feminina” (p.203), concluindo que a tecnologia não leva
necessariamente a uma evolução do trabalho, mas, sobretudo, abre diversos
campos possíveis de evolução.
Assim, de acordo com a autora, qualquer estudo desta questão que
não leve em conta a variável sexo pode ser muito discutível, tendo em vista
que as conseqüências das inovações técnicas podem ser opostas para as
mulheres e para os homens. Ao mesmo tempo em que a entrada de mulheres
em um ramo automatizado foi acompanhada da desqualificação de uma parte
dos postos de trabalho existentes, a desqualificação de alguns postos permitiu
a entrada das mulheres em estabelecimentos em que antes a mão-de-obra era
inteiramente masculina. Por outro lado, naqueles ramos em que mulheres
predominavam amplamente, a incorporação tecnológica ocasionou a
introdução de homens, que passaram a ficar responsáveis pelo seu controle. É
neste sentido que Hirata irá reforçar a tese de que as novas tecnologias não
abalaram a divisão sexual do trabalho, e que, “uma vez que uma máquina seja
considerada complexa, os homens se reservam o controle dela” (Perrot, apud
Hirata, 2002, p.211).
Como utilizar essas considerações para pensar a incorporação da TI
ao Serviço Social? Em primeiro lugar, é bom lembrar que as observações
apontadas por Hirata referem-se aos impactos que a tecnologia vem tendo
sobre a ocupação e qualificação das mulheres, ressaltando que a divisão
sexual do trabalho impõe condicionantes à sua incorporação e exerce efeitos
diretos sobre tais impactos. Ao pensar o Serviço Social, percebe-se que esta
122
profissão está inscrita na divisão sexual do trabalho e, por conta disso, encerra
uma incorporação da TI por ela condicionada. A “apropriação masculina da
tecnologia”, indicada por Hirata, pode constituir-se como um dos fatores da
pouca incidência da TI na categoria profissional, ocasionando a ausência de
reflexão sobre a sua importância e o seu potencial estratégico. Neste sentido,
verifica-se a presença do gênero na forma pela qual a TI vem sendo
incorporada ao Serviço Social. Trata-se de uma categoria relevante para ajudar
a compreender as dificuldades apresentadas pela maioria dos(as) profissionais
na incorporação da TI.
A pouca incidência de uma efetiva incorporação da TI ao Serviço
Social, gerida e controlada pelos(as) próprios(as) profissionais, e a
conseqüente ausência de impactos expressivos sobre o trabalho profissional,
as quais o gênero ajuda a explicar, não significa, no entanto, que o Serviço
Social esteja imune aos efeitos e conseqüências gerados pela incorporação da
TI a processos de trabalho mais gerais em que ele esteja inserido, como se
verá no próximo capítulo. Tal incorporação pode ocorrer de forma autoritária e
reducionista, sem (ou com poucas) possibilidades de participação dos sujeitos
(embora com forte apelo à sua colaboração) no sentido de definir a melhor
forma de se conduzir o processo de incorporação da TI.
É o caso, por exemplo, do processo de introdução de novas
tecnologias informacionais na área de empresa. Freire (2003) aponta que em
uma das empresas por ela pesquisadas a duração do atendimento do Serviço
Social, na estruturação e programação do sistema geral de registro de
123
atendimentos, foi limitada a apenas trinta minutos. Assim, independentemente
do tipo de demanda, características do usuário, procedimentos necessários,
dentre outros aspectos, o atendimento teria que durar, obrigatoriamente, trinta
minutos. Se, como diz a autora, por um lado, a informatização propiciou ganhos
positivos, tais como a redução da carga de tarefas burocráticas e a melhor
organização do atendimento e registro, por outro lado, “através do curto espaço
de meia hora, para atendimento e registro de cada caso, (...) verifica-se a
incorporação da cultura produtivista à frente de eventuais necessidades
humanas singulares” (Freire, 2003, p.88).
Trata-se, portanto, de um tipo de incorporação da TI conduzida a
partir de princípios e valores opostos aos presentes no projeto profissional do
Serviço Social. Tendo em vista a ausência de uma prévia apropriação deste
recurso pelos(as) assistentes sociais em sentido diverso do imposto pela
empresa, estes(as) se viram obrigados(as) a absorver o “pacote” que lhes que
foi destinado. Assim, se o processo de introdução da TI no Serviço Social for
conduzido por agentes externos à profissão, que não coadunem com os
princípios defendidos pela categoria, as conseqüências podem ser
desastrosas, já que a direção a ser seguida será determinada por projetos
alheios, que podem proporcionar uma incorporação forçada e prejudicial aos
valores e princípios profissionais. Nesse sentido, um recurso de potencial
estratégico para o projeto profissional esvazia-se, passando a ser utilizado
como meio de se atingir finalidades diversas daquelas defendidas pela
categoria.
124
Uma postura de incorporação passiva ou forçada da TI, por parte do
Serviço Social, pode não estar muito distante, tendo em vista a pouca
incidência, no debate profissional, de reflexão crítica e de acúmulo técnico
sobre o tema. Corre-se, o risco de a profissão ser vítima de um processo de
incorporação da TI limitada a uma informatização de caráter meramente
tecnicista e instrumentalista, marcada pela presença do novo complexo de
tecnologias, da automação do trabalho, de computadores, impressoras, redes,
Internet, enfim, pelo conjunto de ferramentas existentes, sem, no entanto,
realizar-se de forma subordinada ao projeto profissional, configurando um
acesso dos(as) profissionais à TI na condição de meros usuários ou
consumidores.
Se num primeiro momento essa informatização tecnicista pode gerar
um certo sentimento de maior eficiência, eficácia, polivalência etc., qualidades
comumente associadas aos recursos tecnológicos, em pouco tempo os(as)
profissionais podem ser atingidos(as) por um sentimento de
“desencantamento”, ao perceberem que as tarefas sobre as quais,
anteriormente, detinham controle e geriam com certa autonomia, do ponto de
vista estritamente técnico, agora se encontram controladas por outros sujeitos,
que, com a mediação da tecnologia, imprimem ao trabalho desses profissionais
um outro significado: esvaziam-no de seu sentido original sem promover
inflexões ou mudanças qualitativas que fortaleçam, por exemplo, as
possibilidades de maior acesso às políticas sociais e sem agregar novas
possibilidades aos processos de trabalho.
125
2 . 5 . O A C E S S O À T I
Toma-se como um dos indicadores para se apreciar a presença da
TI no Serviço Social, o acesso que os(as) participantes têm aos recursos e
equipamentos tecnológicos, dentre os quais se destaca o computador. Sabe-se
que o acesso a computadores, por si só, não determina a existência ou a
ausência de uma apropriação da TI por parte da categoria profissional, mas
permite vislumbrar tendências e possibilidades. Toma-se por pressuposto que
a existência de computadores, seja na casa, seja nas instituições em que
os(as) assistentes sociais encontram-se inseridos(as), propicia, em conjunto
com outros fatores, possibilidades de incorporação. Assim, tal existência não
será tomada como sinônimo de apropriação da TI, tendo em vista que se trata
apenas de um dos diversos requisitos necessários a uma efetiva incorporação
deste recurso.
Nesse sentido, foram apresentadas aos(as) participantes perguntas
sobre a existência de computadores, tanto em seu trabalho quanto em sua
residência, considerando tal fato como uma das condições básicas para uma
efetiva incorporação da TI ao Serviço Social. Como resultado, foi percebido que
a grande maioria dos(as) participantes indicou possuir apenas um computador,
tanto no trabalho, quanto na residência. Optou-se, no entanto, por apresentar,
neste momento, apenas os resultados referentes à existência de computadores
nas residências dos(as) participantes, deixando as respostas da pergunta
referente aos locais de trabalho para o próximo capítulo, onde será discutida a
presença da TI no trabalho cotidiano. Vejamos, portanto, os resultados.
126
Gráfico 07 - Quantos computadores possui em casa - Distribuição absoluta - Total de casos: 1440
0 200 400 600 800 1000 1200
Nenhum
Um
Dois
Três
Mais de três
Fonte: SSTI, 2005.
Alunos
ASDocentes
Docentes 0 41 24 6 1
AS 135 816 134 19 7
Alunos 47 189 17 3 1
Nenhum Um Dois Três Mais de três
Verifica-se, como já adiantado, que a grande maioria dos(as)
participantes (72,6%) indicou a existência de um computador em suas
residências e uma parcela bem menor (12,2%) apontou a existência de dois
computadores. Além disso, uma quantidade não desprezível de participantes
(12,6%) relatou não possuir nenhum computador em suas residências, o que
pode ser tomado como um sério limite a um processo de incorporação da TI.
Estes índices devem ser apreciados lembrando-se do pressuposto
com o qual se está trabalhando, o de que os(as) participantes da pesquisa, de
certa forma, são os(as) que valorizam o uso da TI, em decorrência do
estabelecimento de alguma utilização deste recurso. Neste sentido,
127
considerando-se tal pressuposto, os índices adquirem um sentido diferenciado,
já que podem referir-se às indicações daqueles(as) profissionais, estudantes e
docentes que se encontram mais próximos de uma postura de reconhecimento
do potencial e da importância que esse recurso tem para a profissão, e, ainda
assim, pouco mais de 10% não vem tendo acesso a ele. Lembre-se, também,
que mesmo indicando a existência de um computador na residência, isso não
significa que o(a) profissional o tenha como recurso unicamente seu, com
exclusividade sobre seu uso, já que, geralmente, os computadores domésticos
são compartilhados com toda a família. Desta forma, a existência desse
recurso em sua residência, embora seja um fator importante para
contextualizar a incorporação da TI por parte deste(a) profissional, não significa
que este seja efetivamente utilizado pelo(a) profissional. Apresenta-se, agora, a
distribuição das respostas em termos relativos pelos três segmentos.
128
Gráfico 08 - Quantos computadores possui em casa - Distribuição relativa - Total de casos: 1440
0,0% 10,0% 20,0% 30,0% 40,0% 50,0% 60,0% 70,0% 80,0%
Nenhum
Um
Dois
Três
Mais de três
Fonte: SSTI, 2005.
Docentes
AS
Alunos
Docentes 0,0% 56,9% 33,3% 8,3% 1,4%
AS 12,2% 73,4% 12,1% 1,7% 0,6%
Alunos 18,3% 73,5% 6,6% 1,2% 0,4%
Nenhum Um Dois Três Mais de três
Como se pode perceber, predomina em todos os segmentos o relato
da existência de um computador em suas casas. Entre os que possuem dois
computadores, os(as) docentes se destacam. Além disso, há um número
considerável de alunos (18,3%) e assistentes sociais (12,2%) que relataram
não possuir computador em suas casas. Percebe-se que na medida em que se
aumenta a quantidade de computadores na casa, aumenta-se a participação
dos(as) docentes e diminui-se a dos demais. Isso não deve, necessariamente,
conduzir à afirmação de que os(as) docentes vêm incorporando mais a TI ao
129
seu trabalho, sobretudo no que se refere ao fortalecimento do projeto
profissional. Aqui, o aumento quantitativo não leva, necessariamente, a uma
inflexão qualitativa. Talvez o que se possa afirmar é que esse recurso tem se
mostrado imprescindível para as obrigações que os(as) docentes precisam
responder em termos acadêmicos e institucionais, as quais podem não ser tão
intensas para os(as) profissionais de campo. Lembre-se, por exemplo, das
demandas que são feitas aos(às) docentes em termos de atualização de
produção científica, Data Capes, currículo Lattes; redação e envio de artigos,
projetos e relatórios de pesquisa e/ou extensão; elaboração de trabalhos e
apresentações em aulas, palestras, congressos, seminários etc; comunicação
com alunos(as) e orientandos(as); dentre outras.
A realização de tais atividades utilizando-se do computador, não
significa que tenha ocorrido uma efetiva incorporação da TI e de seu potencial
estratégico por parte dos(as) docentes. Muitas vezes, este uso está muito
próximo do uso que era feito de uma máquina de datilografar, sendo o
computador tratado como uma versão mais moderna dessa máquina. Embora
o processamento de textos seja uma importante tarefa propiciada pelo
computador, sua realização não significa a constituição de uma mudança
qualitativa no trabalho realizado. Pode significar apenas uma mudança no
instrumento (a máquina de escrever pelo computador) sem, necessariamente,
alterar o modo de redigir o texto, o que seria propiciado por uma outra forma de
incorporação e utilização do processador de texto (que não se limitasse a
escrever no papel para depois digitar no computador) ou, ainda, pela utilização
130
de recursos mais abrangentes que os processadores de texto (como por
exemplo, os bancos de dados e os sistemas de informações).
É evidente que a existência e a quantidade de computadores na
residência dos(as) participantes não é determinada pela valorização ou não da
TI. Fatores referentes, sobretudo, ao poder aquisitivo dos indivíduos têm
exercido forte influência sobre as possibilidades de obtenção não só de
computadores como também de diversos outros recursos importantes e
necessários. Além disso, não se pretende abordar aqui os fatores
determinantes ou condicionantes que levam as pessoas a adquirir um
computador. O que a sua existência ou inexistência ajuda a condicionar são as
possibilidades de incorporação da TI. Além disso, a mera existência desse
recurso não pode ser tomada como um fator que resolve, por si só, o problema
da incorporação da tecnologia. Antes, trata-se de um indicador importante que
demonstra a existência ou não de uma das condições básicas para a
apropriação da TI por parte da categoria. Apesar de a existência do
computador não significar a automática incorporação da tecnologia no sentido
defendido neste trabalho, não é possível deixar de considerar que sua
existência constitui-se como uma condição necessária, embora insuficiente,
para tal incorporação.
Um outro aspecto que pode ajudar a conhecer as possibilidades
concretas de incorporação da TI por parte dos(as) participantes refere-se ao
acesso que os(as) mesmos(as) fazem à Internet, uma das mais conhecidas
aplicações das novas tecnologias da informação. Ela surge no contexto da
131
guerra fria e do temor de um ataque nuclear, tendo por base o conceito de
“comunicação distribuída” (Silveira, 2001, p.13), que sustentava a importância
de se construir uma rede de informações em que não houvesse um centro e
uma única rota de comunicação. O objetivo era promover um processo de
comunicação em que pacotes de informação fossem enviados de forma
redundante por várias rotas, numa rede em que todos os pontos se
comunicassem. Com isso, seria evitada a interrupção da comunicação, já que
as informações poderiam continuar sendo enviadas pela malha que
permanecesse intacta. As origens desse processo podem ser encontradas na
criação da ARPANET, uma rede de computadores montada pela Advanced
Research Projects Agency (ARPA), que, em 1969, consegue interligar alguns
centros universitários dos EUA, constituindo os primórdios da Internet (Castells,
2003; Silveira, 2001).
Várias fases se passaram até que, em 1995, a Internet atingisse a
sociedade em geral, deixando de limitar-se a comunidades dispersas de
computação que reuniam cientistas e hackers. Dentre aquelas, merecem
destaque a criação dos protocolos de transferência de dados (TCP/IP), que
permitiu a conectividade e a integração entre computadores e redes, e a
criação do sistema hipermídia, mais conhecido como “world wide web”, o
famoso “www”. Essa aplicação foi decisiva para a rápida difusão da Internet,
dando origem aos navegadores que permitiram a “explosão” da rede (os mais
conhecidos foram o Mosaic, o Netscape Navigator e o Internet Explorer).
Desde então (ainda que com perfis nitidamente desiguais quando se
132
comparam países, regiões, classes, sexos e etnias), o número de conexões
tem aumentado de forma expressiva, como observou Castells (2003).
“O uso da Internet como sistema de comunicação e forma de
organização explodiu nos últimos anos do segundo milênio. No
final de 1995, o primeiro ano de uso disseminado da world wide
web, havia cerca de 16 milhões de usuários de redes de
comunicação por computador no mundo. No início de 2001,
eles eram mais de 400 milhões; previsões confiáveis apontam
que (...) é possível que estejamos nos aproximando da marca
dos dois bilhões por volta de 2010” (p.8).
Entende-se que a Internet pode ser considerada como um possível
fator de potencialização do exercício profissional, seja por meio da aquisição de
informações e conhecimentos importantes para o trabalho, seja por meio da
divulgação e socialização de experiências já realizadas pelo Serviço Social,
difundindo novas abordagens, reflexões, metodologias, técnicas, enfim,
oxigenando o debate profissional voltado tanto aos aspectos acadêmicos
quanto interventivos.
Ao serem perguntados(as) sobre os locais de onde acessam a
Internet, os(as) participantes, podendo indicar quantas opções desejassem,
apresentaram as seguintes respostas.
133
Gráfico 09 - De onde acessa a Internet - Distribuiç ão absoluta - Total de casos: 1440
0 200 400 600 800 1000 1200
De casa
Do trabalho
Amigos ou par.
Telec.ou órg.púb.
Da faculd.
Cons. ou sind.
Ciberc. ou livr.
Outros
Não acesso
Fonte: SSTI, 2005.
Alunos
AS
Docentes
Docentes 67 57 4 2 20 1 8 5 1
AS 877 744 171 57 92 28 108 50 21
Alunos 170 125 62 15 179 0 42 15 0
De casaDo
trabalhoAmigos ou par.
Telec.ou órg.púb.
Da faculd.Cons. ou
sind.Ciberc. ou
livr.Outros
Não acesso
Como se percebe, há uma forte indicação de acesso à Internet por
parte dos(as) participantes, acesso esse realizado em diversos locais, dentre
os quais se destacam as opções “casa”, com 77,4%, e “trabalho”, com 64,3%.
A opção “faculdade” foi indicada por 20,2% dos(as) participantes (sendo que
2/3 deles são estudantes). Com uma freqüência não tão expressiva, mais ainda
assim considerável, encontram-se “casa de amigos ou parentes”, 16,5%, e
“Cibercafés e livrarias”, com 11%. As opções menos indicadas foram
134
“telecentros ou órgãos públicos”, com 5,1%, e “conselhos/sindicatos”, com 2%.
Apenas 1,5% dos(as) participantes indicou na ter acesso a Internet.
Apesar de utilizarmos o pressuposto de que os(as) participantes da
pesquisa, em certa medida, não configuram uma amostra descritiva da
categoria, já que conta com a presença de indivíduos mais sintonizados com a
TI e com a sua importância para o Serviço Social, ainda assim, os dados
parecem demonstrar a existência de uma utilização, expressa pela indicação
de acesso à Internet e aos seus recursos (correio eletrônico e visitas a
“homepages”, dentre os mais relevantes). Em relação à distribuição relativa dos
dados, vislumbram-se os seguintes resultados.
135
Gráfico 10 - De onde acessa a Internet - Distribuiç ão relativa - Total de casos: 1440
0,0% 10,0% 20,0% 30,0% 40,0% 50,0% 60,0% 70,0% 80,0% 90,0% 100,0%
De casa
Do trabalho
Amigos ou par.
Telec. ou órg.púb.
Faculd.
Cons. ou sind.
Ciberc. ou livr.
Outros
Não acesso
Fonte: SSTI, 2005.
Docentes
AS
Alunos
Docentes 93,1% 79,2% 5,6% 2,8% 27,8% 1,4% 11,1% 6,9% 1,4%
AS 78,9% 67,0% 15,4% 5,1% 8,3% 2,5% 9,7% 4,5% 1,9%
Alunos 66,1% 48,6% 24,1% 5,8% 69,6% 0,0% 16,3% 5,8% 0,0%
De casaDo
trabalhoAmigos ou par.
Telec. ou órg.púb.
Faculd.Cons. ou
sind.Ciberc. ou
livr.Outros
Não acesso
Percebe-se, portanto, que as opções “casa” e “trabalho” foram as
mais indicadas tanto por docentes quanto por profissionais. Por outro lado,
os(as) alunos(as) possuem uma expressão maior que os outros dois
segmentos nas opções “casa de amigos e parentes”, “telecentros e órgãos
públicos”, e “cibercafés e livrarias”. Cabe, ainda, observar que nenhum(a)
aluno(a) indicou a opção referente ao não acesso à Internet, enquanto nos
outros dois segmentos o não acesso foi indicado.
136
Destaca-se, como já sinalizado, a expressiva utilização da Internet
pelos(as) alunos(as) nas faculdades, o que pode ser entendido como algo
positivo, já que, da mesma forma que sua utilização por parte dos(as) docentes
e profissionais pode ser considerada um interessante fator na condução e
desenvolvimento do trabalho, para os(as) alunos(as) pode ser compreendido
como meio de enriquecer a formação profissional, sinalizando a importância
que esse recurso pode ter para o trabalho profissional.
Os dados parecem refletir a existência de uma das condições
necessárias básicas para a incorporação da TI à formação profissional, que é a
disponibilização, aos(às) estudantes, de laboratórios onde se faz possível
conhecer e se apropriar, num determinado sentido, da TI. Essa incorporação
poderá ter efeitos positivos sobre a formação profissional na medida em que se
encontrar em sintonia com as diretrizes curriculares que orientam a formação
em Serviço Social no Brasil, diretrizes essas que, da mesma forma que o
Código de Ética Profissional do(a) assistente social, de 1993, e a Lei que
regulamenta, no Brasil, a profissão de Assistente Social, sintetizam o projeto
ético-político construído pela categoria ao longo das duas últimas décadas.
Assim, os recursos da TI podem ser utilizados e incorporados ao processo de
formação profissional em Serviço Social na perspectiva de contribuir para a
formação de profissionais com as competências teórico-metodológica, técnico-
operativa e técnico-instrumental necessárias ao(à) profissional que, numa
perspectiva crítica das relações e processos sociais, poderá decifrar e formular
alternativas de intervenção na realidade.
137
O acesso à TI por parte dos(as) estudantes pode possibilitar meios
para um reforço do processo de formação profissional, não no sentido de
substituir conteúdos ou tópicos de discussão fundamentais para a profissão,
mas para agilizar processos de sistematização de práticas de estágio,
organização de dados, confecção e revisão de relatórios e textos, enfim, sendo
utilizado como uma forma de, em conjunto com outras dimensões
fundamentais da formação profissional, potencializar o processo formativo.
Assim, é possível que a TI seja de grande utilidade para os(as) estudantes,
demandando, no entanto, que seu uso extrapole atividades como “bate-papo”
virtual, prática não rara entre os(as) alunos(as). Trata-se de uma utilização
bastante limitada de um recurso que, ao ser apropriado tendo em vista as
diretrizes curriculares já sinalizadas, poderia ser utilizado como impulsionador
do processo de ensino-aprendizagem, e não limitador. É evidente também, que
estas considerações não valem apenas para os(as) alunos(as), mas também
para profissionais e docentes que se vêem, muitas vezes, limitados(as) a uma
forma de uso da tecnologia que ao invés de possibilitar novas modalidades de
desenvolvimento e aprimoramento profissional, absorvem dela apenas aquelas
parcelas que proporcionam diversão e entretenimento, desconsiderando seu
potencial para o desenvolvimento de propostas e ações de trabalho mais
consistentes no exercício de nossa profissão.
Percebe-se, portanto, uma razoável penetração do uso da Internet
entre os(as) participantes da pesquisa, tendo em vista as formas de acesso
que os(as) mesmos(as) indicaram. Isso não significa, no entanto, que a
categoria tenha aderido à Internet ou, ainda, tenha se apropriado das
138
possibilidades oferecidas por essa tecnologia. As pistas aqui obtidas
demonstram que uma parcela vem tentando estabelecer um certo tipo de
relação com a Internet. É preciso investigar, no entanto, se esta relação está
pautada por uma lógica de simples consumo do que está disponível ou se,
antes, a lógica consiste num uso da Internet que possibilite ganhos para o
projeto profissional. É preciso, portanto, conhecer e investir em novas
modalidades de uso possíveis e necessárias ao fortalecimento de nossa
profissão.
Uma questão merecedora de atenção e que precisa ser objeto de
avaliação, refere-se à escassa disponibilidade de materiais, textos e eventos
sobre a TI, bem como sua articulação ao Serviço Social, demonstrando que as
reflexões sobre o assunto carecem de desenvolvimento. Tentou-se verificar se
os(as) participantes já haviam tido contato com materiais sobre o tema, e para
a pergunta sobre o acesso a textos, eventos, seminários ou palestras sobre o
tema, foram obtidas as seguintes respostas.
139
Gráfico 11 - Teve acesso a material sobre o tema “T ecnologia da Informação” - Distribuição absoluta - - Total de c asos: 1440
0 100 200 300 400 500 600 700 800
Sim
Não
Não sei responder
Fonte: SSTI, 2005.
Alunos
AS
Docentes
Docentes 51 20 1
AS 566 518 27
Alunos 121 129 7
Sim Não Não sei responder
Verifica-se que a maioria dos(as) participantes (51,3%) indicou ter
tido acesso a materiais, textos ou eventos sobre TI, enquanto aqueles(as) que
relataram não ter tido acesso a materiais sobre este tema correspondem a
46,3%. Embora a resposta “Sim” tenha sido majoritária, a distância que a
separa do índice que expressa os(as) profissionais que não tiveram acesso a
estes materiais não é muito expressiva. O que parece haver é mais um relativo
equilíbrio entre essas duas opções do que exatamente um predomínio absoluto
da resposta “Sim”, o que pode significar que, embora não haja grande
dificuldade para acessar estes materiais, estes não são facilmente acessados
pelo conjunto dos(as) participantes. Vejamos, agora, a distribuição relativa dos
dados em relação aos três segmentos.
140
Gráfico 12 - Teve acesso a material sobre o tema “T ecnologia da Informação” - Distribuição relativa - Total de caso s: 1440
47,1%
50,2%
2,7%
50,9%
46,6%
2,4%
70,8%
27,8%
1,4%
0,0% 10,0% 20,0% 30,0% 40,0% 50,0% 60,0% 70,0% 80,0%
Sim
Não
Não sei responder
Fonte: SSTI, 2005.
Docentes
AS
Alunos
Pode se perceber que as respostas indicam o predomínio do contato
dos(as) docentes e profissionais com este tema, sendo que enquanto para
os(as) docentes a diferença entre “Sim” e “Não” é de 43 pontos percentuais,
para os(as) assistentes sociais, é de apenas 4,3 pontos percentuais. Ou seja,
entre os(as) docentes, há uma grande distância entre as respostas “Sim” e
“Não”, demonstrando que esse segmento parece dispor de maiores ou
melhores possibilidades de acesso à reflexão e debate sobre o tema. Assim, se
tanto profissionais quanto docentes relataram ter contato com o tema TI, entre
os(as) docentes o contato relatado aparece em proporções relativas bem
maiores. Em sentido oposto, a maioria dos(as) alunos(as) declarou não ter tido
acesso ao tema, embora a variação presente entre uma resposta e outra não
seja muito elevada.
141
De fato, não é incomum, nos dias atuais, a oferta de atividades
acadêmicas voltadas ao debate sobre a TI. Trata-se de um tema que tem
estado presente na sociedade, mostrando-se como objeto de interesse de
vários atores sociais, dentre eles os(as) assistentes sociais. O problema, no
entanto, aparece no ponto seguinte, quando é perguntado ao(à) participante se
já teve acesso a material, se já leu texto ou participou de evento ou seminário
sobre o tema específico “TI e Serviço Social”, ou seja, sobre materiais que
tratam especificamente desta articulação. As respostas obtidas são as
seguintes.
Gráfico 13 - Já teve acesso a materiais, textos ou participou de eventos sobre o tema “Tecnologia da Informação e Serviço So cial” - Distribuição absoluta - - Total de casos: 1440
0 200 400 600 800 1000 1200
Sim
Não
Não sei responder
Fonte: SSTI, 2005.
Alunos
AS
Docentes
Docentes 29 41 2
AS 174 911 26
Alunos 65 186 6
Sim Não Não sei responder
142
Há um expressivo predomínio da resposta “Não” para o conjunto
dos(as) participantes, demonstrando o existente, mas escasso acesso aos
materiais que tratam da articulação específica entre o trabalho do Serviço
Social e as possibilidades concretas de incorporação da TI por parte da
categoria profissional. Em relação à distribuição dos dados de forma relativa
pelos três segmentos da categoria, percebe-se a existência de resultados bem
próximos ao indicado acima., como demonstra o gráfico a seguir.
Gráfico 14 - Já teve acesso a materiais, textos ou participou de eventos sobre o tema “Tecnologia da Informação e Serviço So cial” - Distribuição relativa - - Total de casos: 1440
25,3%
72,4%
2,3%
15,7%
82,0%
2,3%
40,3%
56,9%
2,8%
0,0% 10,0% 20,0% 30,0% 40,0% 50,0% 60,0% 70,0% 80,0% 90,0%
Sim
Não
Não sei responder
Fonte: SSTI, 2005.
Docentes
AS
Alunos
Assim, como se vê, os dados apontam a existência de uma inversão,
com o notável predomínio do “Não” em todos os segmentos, sobretudo entre
os(as) profissionais. Isso pode ser entendido como o reflexo e a confirmação
da escassez de materiais sobre o tema, o que suscita a consideração de que,
por estar pouco incorporado ao Serviço Social, este tema ainda não vem se
fazendo presente no debate profissional. Trata-se de uma situação que
143
expressa o incipiente processo de apropriação da TI por parte da profissão, o
qual, considera-se, pode aprofundar-se na medida em que suas
potencialidades para o trabalho profissional forem demonstradas. A alteração
deste quadro, no entanto, supõe uma apropriação da TI que extrapole a
preocupação gerencial ou produtivista com o seu uso, enfatizando as
possibilidades de apropriação aos processos de trabalho e à formação
profissional, e não tomando-a como estratégia de substituição tecnológica,
como alerta Barreto (2004, p.1185).
Destaca-se, ainda, o alto desequilíbrio presente na distribuição do
desconhecimento sobre o tema. Este é bem maior entre profissionais e alunos,
justamente aqueles para quem o tema mostra-se de grande relevância, do
ponto de vista do fortalecimento do trabalho e da formação profissional.
Enquanto para os(as) docentes a diferença entre ‘Não’ e ‘Sim’ é de 16,6 pontos
percentuais, para os(as) alunos(as) é de 47,1 e para os(as) profissionais, de
66,3 pontos percentuais. Como propor a apropriação da TI pela categoria de
assistentes sociais sem um acompanhamento no nível do amadurecimento
teórico e analítico do tema? Fica, portanto, a constatação de que o tema vem
sendo pouco absorvido pela categoria e, ao mesmo tempo, pouco tratado no
plano reflexivo e investigativo.
144
2 . 6 . O S E R V I Ç O S O C I A L E A “ E X C L U S Ã O D I G I T A L ”
Um dos temas que mais chamam a atenção na atualidade, tendo em
vista o desenvolvimento cada vez mais acelerado das novas tecnologias,
refere-se a um fenômeno que vem sendo denominado de “exclusão digital”,
considerado, genericamente, como o não acesso às novas tecnologias
disponíveis, sobretudo a Internet. Apesar de não se pretender, aqui, apresentar
uma discussão mais alongada sobre estes conceitos, far-se-á algumas breves
considerações, que permitam auxiliar a construção de uma reflexão sobre o
assunto por parte do Serviço Social.
Embora a tendência predominante seja de tratar essa “exclusão
digital” como um fenômeno novo, muitas vezes descolado do processo social
mais geral, considera-se que uma noção mais próxima do movimento real das
relações sociais consiste em tomá-la como uma das mediações da questão
social, já que, o que é chamado nos dias atuais de “exclusão digital” nada mais
é do que expressão de um processo já conhecido de apropriação privada da
riqueza produzida socialmente pelo trabalho coletivo. Apesar destas
tecnologias serem produto do trabalho realizado pelo coletivo de trabalhadores,
estes delas não se apropriam. Assim, o que é amplamente divulgado como um
tipo inédito de desigualdade social, nada mais é do que produto do próprio
desenvolvimento da acumulação capitalista, que, aprofundando as
características da sua “lei geral”, produz e reproduz novas mediações nas
quais se expressa a questão social. Esta postura, no entanto, parece estar
ausente das várias abordagens sobre o tema.
145
Castells (2003), ao tratar das inovações tecnológicas atuais, afirma
que sob as condições sociais prevalecentes, “o novo sistema tecnoeconômico
parece causar desenvolvimento desigual, aumentando simultaneamente a
riqueza e a pobreza, a produtividade e a exclusão social, acarretando um
processo global de desenvolvimento desigual que pode ser a expressão mais
dramática da divisão digital” (p.217). O autor tende a atribuir um enorme peso à
“divisão digital”, conferindo-lhe a condição de matriz das desigualdades sociais.
Com esta postura, parece transformar conseqüência em causa, e vice-versa. A
desigualdade não é produzida pela “divisão digital”. Ela lhe é anterior. A
desigualdade previamente existente que realmente interessa é a propriedade
privada dos meios de produção, a verdadeira condição que torna possível o
aumento simultâneo da pobreza e da riqueza, ocasionando o desenvolvimento
desigual que tem como uma de suas expressões o que é chamado de “divisão
digital”. O caminho que dá origem à pobreza e à desigualdade social é outro, e
não o apontado pelo autor. A causa continua sendo a contradição básica que
preside o capitalismo: o caráter coletivo da produção e a apropriação privada
dos frutos do trabalho e das condições necessárias à sua realização.
Castells não mostra que a “sorte” da classe trabalhadora (inclusive
no âmbito “digital”) é fortemente influenciada pelo aumento do capital, pela
alteração na sua composição orgânica e técnica. Não se trata, portanto, de um
“novo” sistema tecnoeconômico, como apontou o autor. Antes, o que ocorre é o
próprio aprofundamento do sistema capitalista, que, no processo de
desenvolvimento das forças produtivas, passa por fases e estágios
diferenciados. Assim, ao invés de tratar-se de um “novo” sistema, o que parece
146
existir, na verdade, ainda é o sistema de acumulação capitalista, dotado, por
conta das inovações tecnológicas e científicas, de novas mediações e
expressões sociais. Se isso for verdade, as observações de Marx sobre a
sociedade capitalista e sobre a produção de desigualdades a ela inerente
parecem não só continuar válidas, como serem úteis ao entendimento do
fenômeno chamado de “exclusão digital”, sendo possível entendê-lo como uma
das formas de expressão da questão social (anverso do desenvolvimento das
forças produtivas) gerada no interior do capitalismo, onde “o trabalhador existe
para as necessidades de expansão dos valores existentes, ao invés da riqueza
material existir para as necessidades de desenvolvimento do trabalhador“
(Marx, 1971, p.722).
Não é essa, no entanto, a abordagem mais comum que se tem do
fenômeno da “exclusão digital”, pois, em geral, esta é tomada como algo
completamente novo e inédito em nossa sociedade, que expressa uma relação
social que só passou a existir a partir do surgimento e disseminação dos
computadores e da tecnologia digital. Essa é a postura de Silveira (2001), por
exemplo, que vai tratar a “exclusão digital” como a nova face da “exclusão
social”, que vai gerar “novos excluídos” (p.17), como se os indivíduos aos quais
se refere o autor já não sofressem, há muito tempo, as conseqüências das
desigualdades geradas pelo padrão particular da organização social capitalista,
o qual gera os chamados “excluídos”, para usar seu próprio termo.
É evidente que a questão do não acesso à TI e à Internet, por
exemplo, é uma questão preocupante que merece atenção. O problema não
147
reside em reconhecê-lo como questão importante, mas sim em atribuir-lhe a
condição de questão fundante e estruturante das relações sociais e das
desigualdades nelas produzidas, obscurecendo a real matriz de tais
desigualdades. É com esta perspectiva que afirmações como as de Castells
(2003) devem ser consideradas. Para o autor:
“O mundo, a economia global e as redes de comunicação
estão sendo transformados com a Internet e em torno dela,
ignorando por enquanto a esmagadora proporção da
população do planeta – mais de 93% no ano 2000. Na verdade,
em 1999, mais da metade das pessoas do planeta nunca tinha
dado ou recebido um telefonema. (...) Os centros urbanos
vitais, as atividades globalizadas e os grupos sociais mais
educados estão sendo incluídos nas redes globais baseadas
na Internet, ao passo que a maior parte das regiões e a maior
parte das pessoas são descartadas” (...). (pp. 213-4).
O autor busca pôr em evidência a “divisão” existente entre
indivíduos, regiões e sociedades que dispõem das condições materiais e
culturais necessárias para operar no mundo digital, e os que não dispõem, ou a
elas não conseguem se adaptar (p. 221). Sustenta que a diferenciação de uso
entre os que possuem e os que não possuem acesso à Internet “acrescenta
uma divisão essencial às fontes já existentes de desigualdades e exclusão
social” (p.203). Ao caracterizar a “divisão digital” como “essencial”, o autor
apresenta uma compreensão polêmica que pode dar origem a uma série de
questionamentos, principalmente por atribuir-lhe um traço determinante na
produção de desigualdades sociais, destituindo esse fenômeno de seu caráter
complementar na geração de tais desigualdades. Trata-se de uma
148
preocupação que se adiciona à crítica realizada por Mattelart (2002), que
observa que Castells, tratando do fim da contradição entre o trabalho e o
capital, sustenta a tese de que:
“somente permanecem na competição os trabalhadores em
rede erigidos como classe dirigente, porque portadores do
‘espírito do informacionalismo’. Esvazia-se assim o cibermundo
de seus agentes sociais e só se vê o processo de trabalho
mediante a relação técnica. Ora, quer se queira isso ou não, o
modo de desenvolvimento informacional continua a ‘ser
elaborado por, e colocado a serviço de, um conjunto de
relações de propriedade com fins de acumulação, e não o
inverso’” (Mattelart, 2002, p.154).
Silva et alli. (2004), pensam a “exclusão digital” como uma
separação entre as pessoas que podem efetivamente fazer uso da TI e aqueles
que dela não podem se utilizar, sem desenvolver, no entanto, um tratamento
mais adequado da origem e natureza dessa separação. Observam que essa
divisão é predominante entre as pessoas de baixa renda que não têm
oportunidade de ter acesso, aprendizado e uso das tecnologias, ocorrendo
também entre aqueles que têm oportunidade de adquirir o conhecimento, mas
não o fazem por desinformação e por não compreenderem sua importância.
Embora seja uma definição limitada, que aborda o uso e a apropriação da
tecnologia como uma simples questão de “oportunidade de acesso”, ela pode
ajudar a levantar considerações interessantes sobre sua presença no Serviço
Social.
149
Em que medida, por exemplo, o Serviço Social vem demonstrando
compreender a importância da TI e tentando incorporar a seus processos de
trabalho o potencial desta tecnologia? A ausência da TI no exercício
profissional não poderia, também, ser tomada como uma forma de “excluir-se”
do potencial que tal tecnologia possui? Não ter condições de acesso aos
recursos proporcionados pela TI, não saber e não ser incentivado a utilizá-los
e, conseqüentemente, não se apropriar de suas potencialidades, não se
constitui como um problema para a categoria de assistentes sociais e para a
potencialização do seu trabalho? Com essas questões em pauta e buscando
conhecer a forma pela qual os(as) participantes se encaravam, foi perguntado
se eles se consideravam ou não “excluídos digitais”. Em termos absolutos, os
resultados obtidos foram os seguintes.
150
Gráfico 15 - Considera-se um “excluído digital”? - Distribuição absoluta - Total de casos: 1440
0 200 400 600 800 1000 1200 1400
Sim
Não
Não sabe
Fonte: SSTI, 2005.
Alunos
AS
Docentes
Docentes 1 71 0
AS 76 1008 27
Alunos 11 245 1
Sim Não Não sabe
Percebe-se que a grande maioria dos(as) participantes (91,9%) não
se considera “excluído digital”, o que poderia ser interpretado como uma
tentativa desta parcela da categoria profissional de demonstrar um esforço de
apropriação da TI, seja em seu trabalho, seja no âmbito da formação
profissional. Os dados distribuídos de forma relativa entre os três segmentos
que compõem a categoria mostram resultados parecidos.
151
Gráfico 16 - Considera-se um “excluído digital”? - Distribuição relativa - Total de casos: 1440
4,3%
95,3%
0,4%
6,8%
90,7%
2,4%
1,4%
98,6%
0,0% 10,0%20,0% 30,0% 40,0% 50,0%60,0% 70,0% 80,0%90,0% 100,0%
Sim
Não
Não sei o que é isso
Fonte: SSTI, 2005.
Docentes
AS
Alunos
Em todos os segmentos, com índices superiores a 90%, a grande
maioria indica não se considerar na condição de “excluído digital”. Verifica-se,
também, que entre os(as) participantes que se consideram “excluídos digitais”,
há uma maior concentração de profissionais, o que pode sugerir a tendência de
que o não acesso à TI seja maior entre eles(as), quando comparados(as) com
os outros segmentos. Considera-se que esta última observação merece um
pouco mais de atenção, pois permite vislumbrar tendências mais próximas da
realidade em que se encontra o Serviço Social, a qual, por sinal, não parece
ser a que se expressa nos gráficos.
Vale considerar a hipótese de que, mais do que o mero acesso, o
importante é realizar uma real apropriação da TI. Ter acesso à Internet e aos
computadores é um passo inicial, indispensável, mas insuficiente. O mero
152
contato propiciado pelo acesso pode não gerar a apropriação efetiva e
adequada da TI. Como lembra Barreto (2004), um sério problema presente no
uso das novas tecnologias é o acesso a elas na condição de usuário ou
consumidor apenas. Isso significa que é possível, por exemplo, que o acesso à
Internet por parte dos(as) assistentes sociais se realize apenas numa
perspectiva de consumo, não havendo, desta forma, uma real incorporação ao
seu trabalho, que lhe possa possibilitar um desenvolvimento e/ou
aprimoramento. Neste sentido, a observação realizada por Souza (2000)
mostra-se relevante, ao apontar a necessidade de se elaborar uma crítica
contundente às posturas que pensam a relação entre Serviço Social e
informática:
“... fundadas ora em uma interpretação acrítica e apolítica da
informática, orientada simplesmente para o uso desse recurso
numa perspectiva integrada ao consumismo, ora a denúncia
pura e simples desse processo. Em ambas versões, o debate
sobre a informática acaba sendo visto como um fenômeno
restrito aos aspectos mais visíveis e óbvios dos novos padrões
de consumo da sociedade contemporânea” (Souza, 2000,
p.258).
Neste sentido, como forma de evitar o que Tapajós (s/d) qualificou
como “perversos efeitos da assimilação acrítica e alienada destas
potencialidades tecnológicas”, que culminam geralmente na “exacerbação
consumista e no uso paripatético” de tais potencialidades (p.15), atenta-se para
o fato de que uma real apropriação da TI depende menos (embora dele não se
possa prescindir) do acesso físico aos equipamentos, e mais da capacidade de
153
absorver criticamente as possibilidades disponibilizadas por esta tecnologia.
Essa capacidade, por sua vez, estará diretamente vinculada à existência de
condições adequadas, dentre elas um processo de formação e qualificação
profissional que estimule e desenvolva as competências teórica, técnica e
política, não se limitando a momentos de capacitação em serviço ou
treinamento. Parafraseando Barreto (2004, p.1192), trata-se de propor um
modo de objetivação da TI que passe pela análise das condições de sua
inserção nos processos de trabalho do Serviço Social, condições necessárias a
sua efetiva incorporação e apropriação em conformidade com os pressupostos
profissionais presentes no projeto profissional.
Não se trata, portanto, apenas de evidenciar, no uso da TI, a
competência tecnológica, mas, também, e fundamentalmente, a competência
crítica que permita uma real apropriação deste recurso com vistas a estimular
modalidades de trabalho alternativas ao tradicionalismo e ao conservadorismo.
Com esse pressuposto, evita-se o risco de dispor-se de tecnologia e não se
conseguir efetivamente utilizá-la, por conta da insuficiência ou inexistência de
profissionais qualificados e de condições objetivas de trabalho que permitam a
criação de novos usos e formas de utilização. A ênfase, portanto, pode recair
na possibilidade de se promover uma integração da TI aos processos de
trabalho nos quais o Serviço Social se faz presente, o que, por outro lado, pode
ser incentivado pela formação profissional e pelo trabalho com o recurso
tecnológico.
154
Faz-se necessário atentar para os modos pelos quais o acesso e o
uso da TI se dão, podendo-se priorizar uma inserção da TI no trabalho
profissional direcionada à melhoria da qualidade dos serviços prestados
aos(às) usuários(as) e ao fortalecimento do trabalho profissional. Considera-se,
portanto, que a “exclusão” que mais deve preocupar a categoria não é a do
mero acesso, mas aquela que impede a profissão de se apropriar do potencial
que a TI pode ter no sentido de contribuir para a construção e consolidação de
uma perspectiva profissional emancipatória, como vem sendo defendida pela
categoria nas últimas décadas.
2 . 7 . O P O T E N C I A L E S T R A T É G I C O D A T I P A R A O S E R V I Ç O S O C I A L
Uma das preocupações presentes neste trabalho é tentar
demonstrar a importância que a TI possui para o Serviço Social, mais
especificamente como um dos fatores que podem contribuir para fortalecer e
consolidar o projeto ético-político profissional construído pelo Serviço Social
brasileiro. Neste sentido, foi formulada e apresentada aos(às) participantes da
pesquisa uma questão sobre este ponto, indagando-os se a TI poderia
contribuir para o fortalecimento de nosso projeto profissional. Foi verificado o
seguinte resultado.
155
Gráfico 17 - A tecnologia da informação pode contri buir para o fortalecimento do projeto ético-político profission al - Distribuição absoluta - - Total de casos: 1440
0 200 400 600 800 1000 1200 1400
Sim, muito
Sim, um pouco
Não
Não sei
Fonte: SSTI, 2005.
Alunos
AS
Docentes
Docentes 63 8 0 1
AS 915 135 11 50
Alunos 202 40 2 13
Sim, muito Sim, um pouco Não Não sei
Como se pode perceber, a distribuição relativa dos dados entre os
diferentes segmentos da categoria demonstra um resultado bem próximo do
apresentado no gráfico anterior.
156
Gráfico 18 - A tecnologia da informação pode contri buir para o fortalecimento do projeto ético-político profission al - Distribuição relativa - - Total de casos: 1440
78,6%
15,6%
0,8%
5,1%
82,4%
12,2%
1,0%
4,5%
87,5%
11,1%
1,4%
0,0% 10,0% 20,0% 30,0% 40,0% 50,0% 60,0% 70,0% 80,0% 90,0% 100,0%
Sim, muito
Sim, um pouco
Não
Não sei responder
Fonte: SSTI, 2005.
Docentes
AS
Alunos
A grande maioria dos(as) participantes considera que a TI pode
contribuir para o fortalecimento do projeto ético-político profissional, embora
não se tenha levantado junto aos(às) participantes as bases de tal
compreensão. Em certa medida, é possível considerar que as respostas
tenham sido orientadas muito mais por uma perspectiva de afirmação de um
sentimento de valorização da TI do que por uma clara compreensão das reais
possibilidades de contribuição à consolidação do projeto profissional. Isso sem
falar na questão mais central e polêmica que seria verificar a própria
concepção que os(as) participantes possuem deste projeto. Isso não significa,
contudo, que a TI não tenha relevância para o projeto ético-político profissional,
e demonstrá-la é o que se tenta fazer neste momento.
157
O ponto de partida é a noção de que a TI pode potencializar os
processos de trabalho em que os(as) assistentes sociais estão inseridos(as),
adicionando novas possibilidades para a condução do trabalho. Reconhece-se,
no entanto, que ela não cria tais possibilidades por si só, mas a partir da
articulação com os aspectos que compõem o perfil e o trabalho profissionais.
Assim, a potencialidade da TI para o Serviço Social depende da existência de
determinadas condições que efetivem tal potencialidade.
A compreensão de exercício profissional presente neste trabalho é a
apresentada por Iamamoto (1998), para quem a prática profissional deve ser
tomada como trabalho e o exercício profissional, inscrito em processos de
trabalho. Para a autora, todo processo de trabalho é composto por um conjunto
de três elementos: uma matéria-prima ou objeto sobre o qual incide o trabalho;
os meios ou instrumentos de trabalho que potenciam a ação do sujeito sobre o
objeto; e a própria atividade de trabalho, a qual direciona-se a um fim e tem por
resultado um produto (pp.61-2). Tendo por objeto de trabalho as expressões da
questão social, o Serviço Social, como afirma a autora, “é um trabalho
especializado, expresso sob a forma de serviços, que tem produtos: interfere
na reprodução material da força de trabalho e no processo de reprodução
sociopolítica ou ídeo-política dos indivíduos sociais” (p.69).
Essa interpretação do Serviço Social toma o trabalho profissional
como integrante e partícipe de diversos processos de trabalho, sem a
existência, portanto, de um único e idêntico processo de trabalho para
todos(as) os(as) assistentes sociais. Assim, como observa a autora, “o
158
processo de trabalho em que se insere o assistente social não é por ele
organizado e nem é exclusivamente um processo de trabalho do assistente
social, ainda que dele participe com autonomia ética e técnica” (p.107). É,
portanto, nesta perspectiva que será pensada a potencialidade da TI para o
Serviço Social, situando-a, inicialmente, como um dos instrumentos
disponibilizados aos(às) assistentes sociais para a realização de seu trabalho e
para o alcance de suas finalidades, o que nos remete a pensar sobre a
instrumentalidade da TI para o Serviço Social.
A TI, pensada como integrante de um corpo de instrumentos criados
para a satisfação de necessidades humanas, é gerada e desenvolvida no
interior da sociedade capitalista, onde se observa um forte desenvolvimento
das forças produtivas, sem que isso signifique, no entanto, o desenvolvimento
das potencialidades de autonomia dos homens e mulheres. O capitalismo é
marcado pela contradição, expressa, por exemplo, no fato de que o
desenvolvimento das forças produtivas proporciona o desenvolvimento de
formas de dominação e exploração do trabalhador cada vez mais acentuadas,
o que possibilita, por sua vez, a potencialização da extração da mais-valia no
processo produtivo.
Para que as bases da sociedade capitalista sejam mantidas, foram
criados diversos mecanismos de regulação social, dentre os quais Guerra
(2000) atribuirá destaque à “racionalidade instrumental”, de caráter subjetivista
e formalista, que se opõe a uma razão substantiva, emancipatória, sintonizada
com fins universalistas e valores sociocêntricos, preocupada com as finalidades
159
e com as implicações acerca das escolhas dos meios para alcançá-las. A razão
instrumental encontra-se subordinada ao alcance de fins particulares e de
resultados imediatos, o que a torna funcional às estruturas da sociedade
capitalista, sendo marcada pela abstração da possibilidade de reflexão crítica e
pela redução das formas de objetivação humana a meras técnicas.
No âmbito profissional, esta postura faz com que a competência
profissional seja entendida como resultado do domínio do instrumental técnico.
O mesmo ocorre com o saber, que passa a ser revestido de instrumentalidade,
convertendo-se em técnica, num sistema de referências metodológicas que
tem por objetivo a manipulação técnica, enfim, um saber tecnicamente
aproveitável. Ao problematizar a instrumentalidade do trabalho do Serviço
Social, Guerra (2000) aponta a existência de dois níveis de abordagem em que
se percebe a incidência da razão instrumental na compreensão da profissão.
Esses níveis são apresentados da seguinte forma:
“1 - no que diz respeito à sua funcionalidade ao projeto
reformista da burguesia (reformar conservando); 2 - no que se
refere a sua peculiaridade operatória, ao aspecto instrumental-
operativo das respostas profissionais (ou nível de competência
requerido) frente às demandas das classes, donde advém a
legitimidade da profissão” (Guerra, 2000, p.23).
São níveis de abordagem que se preocupam com o atendimento às
requisições instrumentais feitas ao Serviço Social. Embora esta dimensão seja
uma condição necessária ao exercício profissional, ela não é suficiente para o
adequado desempenho das atribuições profissionais, não permitindo aos(às)
160
assistentes sociais o acesso às possibilidades de escolha que permitam
ampliar seus espaços profissionais. Enquanto no primeiro nível a
instrumentalidade do Serviço Social remete a sua condição de instrumento de
controle e de manutenção da produção material e reprodução ideológica da
força de trabalho, no segundo nível, refere-se às respostas operativo-
instrumentais, de caráter manipulatório, voltadas à transformação das
condições imediatamente dadas. Trata-se de uma ação que não permite aos
sujeitos alçarem do atendimento das finalidades particulares para as
finalidades da sociedade, posto que, preocupados com a imediaticidade dos
fatos, não superam o estrito nível do particular e não fazem escolhas que
sejam capazes de elevar seus interesses e finalidades particulares para o nível
da genericidade, abarcando valores humano-genéricos.
A preocupação maior consiste na satisfação de critérios de eficácia e
eficiência criados a partir de padrões da racionalidade burguesa, os quais, por
sua vez, não demandam a apreensão de todos os nexos do processo,
descartando as mediações que constituem e vinculam os fenômenos. O
importante é a vinculação direta entre ação e pensamento, configurando
escolhas profissionais condicionadas por critérios de utilidade prática imediata,
de eficácia no nível do imediato. A autora lembra ainda que esta postura de
priorização das ações instrumentais tem por base de sustentação as condições
objetivas e subjetivas nas quais o exercício profissional se realiza, e pode ser
entendida como prejudicial ao trabalho, na medida em que, ao restringir-se à
dimensão instrumental, “não consegue alcançar um nível capaz de diferenciar-
161
se de atividades e práticas voluntárias, assistemáticas, caritativas ou
filantrópicas” (Guerra, 2000, p.24).
Guerra observa que a presença da razão instrumental na profissão
encontra suporte numa concepção de Serviço Social como técnica ou
tecnologia social, podendo levar ao fortalecimento de tendências como o
metodologismo e o instrumentalismo, que colocam secundariamente os
valores, os fins ético-políticos e a legitimidade social da profissão em relação
aos procedimentos técnico-instrumentais. Além disso, tais tendências
caracterizam o “instrumental técnico” do Serviço Social como um “referencial
estratégico” para a ação, abordando-o de forma limitada e reducionista, como
demonstra a autora:
“De um lado, tem-se concebido o referencial estratégico como
um conjunto de instrumentos e técnicas que são neutros,
abstratos, vazios de conteúdos, amorfos, os quais os homens
deverão direcionar para o alcance de suas finalidades, direção
esta determinada apenas pela visão de mundo do assistente
social o que não é pouco, (mas é insuficiente). De outro,
consideram-se os instrumentos como algo em si, com valor e
possibilidades próprias, dados pelas suas propriedades
imanentes que direcionam o agir dos homens. Nesse caso, o
problemático é que consideram-se apenas as propriedades
naturais dos instrumentos, sem pensá-los como produto dos
homens na satisfação de suas necessidades. Os instrumentos
aqui aparecem como vocacionados para atender esta e não
outra necessidade. Não se considera que estes são produtos
da ação humana direcionada ao alcance de finalidades”
(Guerra, 2000, p.27).
162
São, portanto, posturas que contribuem para uma “deificação” do
instrumental técnico, seja porque “razão e a vontade dos sujeitos subsumem as
propriedades imanentes dos objetos (meios e instrumentos), a sua
objetividade, negando o seu em si”; seja porque as “propriedades constitutivas
dos meios e instrumentos adquirem um nível de objetividade tal que subsumem
a razão e a vontade dos sujeitos” (pp.27-8). Como forma de escapar dos limites
presentes em tais abordagens, a autora propõe um terceiro nível de
compreensão da instrumentalidade do Serviço Social, tratando-a:
“como uma mediação que permite a passagem das análises
macroscópicas, genéricas e de caráter universalista às
singularidades da intervenção profissional, em contextos
conjunturas e espaços historicamente determinados. Aqui, a
instrumentalidade como categoria constitutiva do Serviço Social
permite pensar nos indicativos teórico-práticos de intervenção
imediata (entendidos como os instrumentos teóricos, políticos e
técnicos), bem como vinculá-los aos objetivos, finalidades e
valores profissionais e humano-genéricos. Em outros termos,
permite acionar, potencializar os diversos elementos que
compõem a cultura profissional” (Guerra, 2000, p.23)
Trata-se de uma postura em que a instrumentalidade do Serviço
Social é vista como mediação que possibilita recuperar a ruptura entre meios e
finalidades, superando a razão instrumental e a prioridade conferida às ações
meramente instrumentais. Tomar a instrumentalidade como mediação,
significa, portanto, pensar nos valores subjacentes às ações, no nível e na
direção das respostas oferecidas às demandas apresentadas, extrapolando a
preocupação limitada ao bom uso de técnicas e instrumentos. Coloca-se,
assim, um desafio para o Serviço Social no sentido de não sucumbir à razão
163
instrumental, ou seja, não limitar a sua atuação profissional à mera utilização
de técnicas e instrumentos de trabalho, perdendo de vista as finalidades que se
pretende alcançar. Faz-se necessária uma concepção de instrumentalidade
que aponte para a importância dos instrumentos de trabalho não a partir deles
mesmos ou da vontade exclusiva do(a) profissional que os utiliza, mas a partir
do estabelecimento das finalidades a serem alcançadas e da definição dos
melhores meios a serem empregados.
A concepção apresentada por Guerra aponta para essa
preocupação, situando a instrumentalidade entre o momento de formulação de
projetos e a ação propriamente dita, destacando que são as finalidades
socialmente construídas que determinam o modo de atuar e a escolha das
alternativas, orientando a busca, a seleção e a construção dos meios
adequados à ação. É tendo em vista o alcance de finalidades, que os
indivíduos irão transformar os objetos em instrumentos adequados à satisfação
de suas finalidades. Assim, tratar da instrumentalidade do Serviço Social,
significa pensar as “propriedades e as capacidades sócio-históricas que a
profissão vai adquirindo no confronto entre as condições objetivas e as
posições teleológicas de seus agentes profissionais e dos agentes sociais que
demandam o exercício profissional” (Guerra, 2000, p.6), as quais se
diversificam tendo em vista fatores como espaço sócio-ocupacional, nível de
qualificação dos(as) profissionais, projetos profissional e societário
hegemônicos, correlação das forças sociais, dentre outros.
164
Recusa-se a postura de tomar a TI a partir de uma perspectiva que
tenha por base a priorização da racionalidade instrumental, descartando-se,
desta forma, o sentido hegemônico em que a TI é compreendida, marcado pelo
primado da dimensão técnica. A intenção aqui é pensá-la como mediação,
como integrante de um conjunto de instrumentos teórico-metodológicos, ético-
políticos e técnico-instrumentais socialmente construídos que possibilitem à
profissão alcançar as finalidades presentes em seu projeto profissional. Trata-
se de um recurso que possui um potencial estratégico para o trabalho
profissional, como se pretende demonstrar mais à frente. Sua importância
reside na possibilidade de potencializar, de imprimir uma mudança qualitativa
ao trabalho profissional, a partir de seu uso como recurso capaz de propiciar a
ampliação das capacidades e habilidades profissionais. Trata-se, portanto, de
um potencial estratégico voltado, não para os interesses dos segmentos
dominantes da sociedade, mas para a consecução do projeto profissional, que
confere prioridade à satisfação dos interesses dos(as) usuários(as), dos
segmentos populares e menos favorecidos.
O uso da noção de potencial estratégico não se dá de maneira
fortuita. Trata-se de uma expressão que pode ser verificada em alguns dos
poucos autores que tratam o tema da tecnologia ou da informática no Serviço
Social. Albuquerque (1995), por exemplo, indica que “o projeto profissional
exige a habilidade de usar um instrumental estratégico” (p.299), dentre os
quais, para a autora, a informática possui lugar de destaque, sobretudo pela
possibilidade de democratizar o acesso à cultura e aos direitos sociais. Da
mesma forma, Souza (2000) enfatiza “uma potencialidade que acontece pelo
165
domínio estratégico da informática” (p.268), a qual, reforça, “deve ser encarada
estrategicamente”, (p.257), enquanto, com preocupações parecidas, Tapajós
(s/d) sustenta a importância de uma “nova compreensão das potencialidades
ofertadas neste mundo tecnológico” (p.5). A idéia de que a TI pode possuir um
potencial estratégico para o trabalho profissional não é, portanto, algo alheio ao
debate sobre o tema no âmbito do Serviço Social. Trata-se, no entanto, de
afirmar este potencial, no sentido de mostrar sua importância para o trabalho
profissional.
Evita-se a influência da racionalidade instrumental que, além de
reduzir a TI a uma mera técnica ou instrumento descolado das finalidades que
se pretende alcançar pode, ainda, orientar a sua utilização para uma
substituição dos(as) profissionais, numa perspectiva de substituição
tecnológica, inscrita nos processos de flexibilização e precarização do trabalho.
Sabe-se que a automação e as novas tecnologias, produto do trabalho coletivo
realizado na sociedade, na maior parte das vezes são usadas para
desqualificar o trabalhador, retirando dele o seu saber e transferindo-o para a
máquina ou para o computador. Isso contribui para tornar o trabalho cada vez
mais escravizado e dominado pelo instrumento, ou seja, cada vez mais, ao
invés do trabalho consumir os meios de produção, o que ocorre é o inverso, os
meios de produção é que consomem o trabalho, como já observara Marx
(1971).
Vislumbra-se, nesse contexto, uma forma concreta de utilização da
tecnologia funcional aos objetivos dos setores dominantes, e,
166
conseqüentemente, como um dispositivo gerador de drásticas conseqüências
sociais. Não é nesta abordagem que se pretende compreender a TI e sua
relevância para o Serviço Social. Tomá-la como uma mediação, significa tomá-
la como um meio a ser utilizado para alcançar finalidades específicas, como
uma forma de se implementar determinado projeto, o qual, por sua vez,
consiste num ato consciente de intervenção no mundo. O uso da TI, assim,
encontra-se condicionado a idéias e valores vinculados a finalidades
projetadas, a projetos que expressam o relacionamento da ação a uma
finalidade, em vista da qual são preparados e dispostos os meios necessários e
adequados, são escolhidos os objetos e os procedimentos de ação (Vieira
Pinto, 2005, p. 59).
Mais do que enfocar exclusivamente os efeitos derivados do uso
social da TI, há que se levar em consideração, sobretudo, a existência e a
centralidade dos projetos (societários e profissionais, os quais, por sua vez,
articulam-se a projetos de classe) aos quais se submeterão determinados
instrumentos, meios e recursos. É aqui que se encontra o real sentido da TI e a
chave para entender a sua importância, ou ainda, o seu potencial estratégico
para o projeto profissional, sobre o qual se pretende dedicar algumas breves
linhas.
O debate acerca do Projeto Ético-Político do Serviço Social data da
década de 90. Sua construção tem uma história que se inicia na transição da
década de 70 à de 80, período no qual a categoria passa a recusar e criticar de
forma acentuada o conservadorismo profissional, constituindo a primeira
167
condição para a gestação deste projeto. Merece destaque nesse processo a
interlocução do Serviço Social com a tradição marxista, que vem oferecendo
importantes contribuições para o Serviço Social, mesmo considerando-se sua
aproximação inicial marcadamente enviesada, tal como expressa na
experiência do movimento de reconceituação (Iamamoto, 1998).
Considera-se que o projeto ético-político do Serviço Social consiste
numa forma determinada de pensar e exercer a profissão, e pensá-lo supõe
atentar para os chamados “projetos societários”, os quais, segundo Netto
(1999) “apresentam uma imagem de sociedade a ser construída, (...) reclamam
determinados valores para justificá-la e (...) privilegiam certos meios (materiais
e culturais) para concretizá-la” (p. 93). Trata-se de projetos coletivos,
macroscópicos, voltados para o conjunto da sociedade, articulados a “projetos
de classe”. Os projetos profissionais dizem respeito às profissões reguladas
juridicamente, que supõem uma formação teórica e/ou técnico-interventiva, e
apresentam-se como a “auto-imagem de uma profissão”, elegendo os valores
que a legitimam socialmente, delimitando seus objetivos e funções, formulando
os requisitos para o seu exercício e estabelecendo normas e balizas para a
atuação profissional (Netto, 1999, p. 95).
Dentre as suas características principais, pode-se apontar que o
Projeto Ético-Político do Serviço Social tem em seu núcleo o reconhecimento
da liberdade (concebida historicamente como possibilidade de escolher entre
alternativas concretas) como valor central, remetendo a um compromisso com
a autonomia, com a emancipação e com a plena expansão dos indivíduos
168
sociais. Fica nítida a vinculação do projeto ético-político do Serviço Social a um
determinado projeto societário atento às desigualdades de classe, gênero e
raça/etnia que se propõe à construção de uma nova ordem social, à defesa
intransigente dos direitos humanos e à recusa do arbítrio e dos preconceitos.
Este projeto profissional possui uma clara dimensão política,
concretizada: na perspectiva da universalização do acesso aos bens e serviços
relativos aos projetos, programas e políticas sociais; na ampliação e na
consolidação da cidadania; e na defesa do aprofundamento da democracia,
enquanto socialização da participação política e da riqueza socialmente
produzida. Sustenta, também, um compromisso com a competência
profissional, que, sem perder de vista a totalidade do trabalho profissional,
tenha por base o aprimoramento intelectual, demandando uma sólida formação
acadêmica, parametrada por concepções teórico-metodológicas críticas e
capazes de viabilizar uma análise concreta da realidade social.
A apresentação desses traços gerais é importante para sustentar
que a apropriação e a incorporação da TI ao Serviço Social, nos marcos desse
projeto profissional, se concretizam no trabalho cotidiano nas instituições, em
projetos de trabalho consistentes, críticos e comprometidos com a qualidade no
atendimento prestado aos usuários e usuárias. Ao se apropriar desta
tecnologia, o Serviço Social poderá imprimir ao uso que delas fizer uma direção
social compatível com os valores e princípios fundamentais, aqui
resumidamente apresentados. É nesta perspectiva que a TI pode ser
apropriada pelo Serviço Social: como um recurso a serviço da concretização
169
dos valores e princípios fundamentais do projeto profissional, e não como algo
dissociado deles. Sua incorporação, de forma subsumida a tal projeto, supõe
uma vinculação entre os valores profissionais e o uso concreto da TI. É essa
perspectiva que pode garantir uma real apropriação da TI, uma incorporação
vinculada à satisfação dos interesses dos usuários e usuárias. A tecnologia é
pensada, então, como um dos meios de se alcançar uma finalidade bem
explícita, uma das mediações que se colocam a disposição do projeto
elaborado e implementado pela categoria profissional. Considera-se que sua
importância reside exatamente na possibilidade de constituir-se como um dos
recursos que podem ser utilizados para o aprofundamento e a consolidação
deste projeto profissional, o que não significa tomá-lo como mais importante
que outros recursos disponíveis aos(às) assistentes sociais. A intenção aqui
não é a de definir hierarquias ou estipular o grau de importância dos meios de
trabalho disponíveis aos(às) profissionais, mas demonstrar que a tecnologia
pode ser entendida como um fator relevante na melhoria do trabalho realizado.
Assim, considera-se que o potencial estratégico da TI para o Serviço
Social consiste no aprofundamento de uma dimensão que já vem sendo
considerada estratégica para o Serviço Social: a competência crítica nas suas
dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa, como vêm
observando seus principais autores.
Iamamoto (1993), por exemplo, afirma que para se compreender o
significado social da profissão, como componente da organização da
sociedade, há que se levar em consideração que a atuação do(a) assistente
170
social é necessariamente polarizada pelos interesses das classes sociais
fundamentais e suas personagens, que, por sua vez, só existem em relação,
pela mútua mediação entre elas. Como enfatiza a autora, é a partir dessa
compreensão “que se pode estabelecer uma estratégia profissional e política
para fortalecer as metas do capital ou do trabalho" (p.75).
A construção desta estratégia demanda do Serviço Social a
incorporação e o domínio de uma série de recursos e capacidades que,
concretamente, lhe possibilitará, em maior ou menor medida, “colocar-se no
horizonte dos interesses das classes trabalhadoras” (p.75). O potencial
estratégico da TI reside exatamente na possibilidade de contribuir para que o
Serviço Social robusteça a opção de participar das “respostas às necessidades
legítimas de sobrevivência da classe trabalhadora, face às suas condições de
vida" (p.95) e consolidar-se como um "intelectual orgânico a serviço (...) das
forças populares emergentes (...), reforçando um projeto político alternativo,
apoiando e assessorando a organização dos trabalhadores, colocando-se a
serviço de suas propostas e objetivos" (p.96).
Visualiza-se, portanto, a dimensão atribuída ao termo “estratégico”.
Seu aspecto principal, aqui, refere-se à possibilidade de contribuir, de forma
articulada, para a manutenção, consolidação e aprofundamento da “direção
social estratégica” (Netto, 1996, p.116) assumida pelo Serviço Social desde a
década de noventa. A TI é concebida como uma das formas disponíveis para
potencializar e instrumentalizar o trabalho profissional no sentido de avançar na
luta pela defesa de direitos, pela ampliação e consolidação da cidadania, e pelo
171
aprofundamento da democracia, demandando, neste sentido, uma utilização
marcada pela competência crítica, e não apenas tecnológica.
Assim, a compreensão da TI como um elemento estratégico para o
Serviço Social, em muito se diferencia do sentido que Faleiros (1999) atribui ao
termo. Para este autor, estratégias são “processos de articulação e mediação
de poderes e mudança de relações de interesse, referências e patrimônios em
jogo, seja pelo rearranjo de recursos, de vantagens e patrimônios pessoais,
seja pela efetivação de direitos, de novas relações ou pelo uso de informações”
(Faleiros, 1999, p.76). Faleiros observa que a tecnologia é capaz de abrir
espaços para a construção de estratégias de atuação profissional, marcadas,
sobretudo, pela articulação entre grupos, movimentos e indivíduos, cabendo
ao(à) profissional de serviço Social utilizar esse recurso para elaborar uma
perspectiva de atuação profissional fundada no “fortalecimento do dominado
(empowerment) e sua defesa (advocacy)”, vinculada às trajetórias dos(as)
usuários(as), à rearticulação de seus patrimônios, suas referências e
interesses, fortalecendo, assim, o poder dos sujeitos dominados nas suas
relações sociais (1999, p.78).
Cabe explicitar a desvinculação do presente trabalho com as
concepções apresentadas por Faleiros. Em primeiro lugar, trabalha-se com
noções fundamentais presentes no projeto ético-político profissional, das quais
o autor, em alguns momentos, parece discordar. Dentre elas, pode-se destacar
a compreensão da questão social como objeto do trabalho profissional e um
172
posicionamento em favor da universalidade de acesso a programas e políticas
sociais.
Em relação à discussão sobre a questão social como objeto da
atuação profissional, Faleiros observa que tal noção só pode ser tomada, “de
forma abstrata e genérica” (p.23). De acordo com o autor:
“É preciso (...) articular a discussão da questão social ao objeto
da profissão de forma precisa, pois não se pode demandar a
profissionais que superem, com seus instrumentos de ação, a
relação de exploração entre capital e trabalho ou a abolição da
propriedade privada.” (Faleiros, 1999, p.24)
Destaca o autor que a construção do objeto profissional não pode
ser referida a “conceito extremamente genérico sem levar em conta a história,
as discussões, os debates dos projetos de sociedade e de intervenção
profissional nas diferentes conjunturas” (p.24). Afirma que as reflexões que
realiza acerca do poder institucional e do saber profissional recolocam a
questão do objeto profissional “numa outra ótica que aquela exclusiva de
classe contra classe” (p.31), articulando-a na análise das relações de poder,
hegemonia e contra-hegemonia. O autor considera que a expressão questão
social é tomada no debate profissional de forma muito genérica, embora seja
usada para definir uma particularidade profissional. Em suas palavras:
“Se for entendida como sendo as contradições do processo de
acumulação capitalista, seria, por sua vez, contraditório colocá-
la como objeto particular de uma profissão determinada, já que
se refere a relações impossíveis de serem tratadas
profissionalmente, através de estratégias institucionais/relacio-
173
nais próprias do próprio desenvolvimento das práticas do
Serviço Social. Se forem as manifestações dessas
contradições o objeto profissional, é preciso também qualificá-
las para não colocar em pauta toda a heterogeneidade de
situações que, segundo Netto, caracteriza, justamente, o
Serviço Social” (Faleiros, 1999, p.37).
Em síntese, o autor considera que as diversas possibilidades de
atuação profissional, devem ser vistas num “processo complexo de relações de
classe, gênero, geração, raça, etnia, culturas, regiões, parentescos, trazendo à
discussão as mediações da subjetividade e que não se resumem tout court na
noção de questão social” (1999, p.40).
Pode-se perceber que Faleiros critica uma noção de questão social,
onde, em sua opinião, não se fazem presentes outras mediações que
complexificam essa categoria. Faz-se necessário, portanto, observar que
embora a exploração do trabalho pelo capital seja fundamental para a
compreensão da gênese da questão social, isso não significa a ausência, nesta
categoria, de outras mediações que lhe conferem sentido e evidenciam a
presença de múltiplas determinações neste fenômeno.
A questão social, tomada como objeto do trabalho profissional,
refere-se, segundo Iamamoto, ao “conjunto das expressões das desigualdades
da sociedade capitalista madura” (1998, p.27), podendo ser apreendida como
“expressão ampliada das desigualdades sociais: o anverso do desenvolvimento
das forças produtivas do trabalho social” (2001, p.10), “indissociável do
processo de acumulação e dos efeitos que produz sobre o conjunto das
classes trabalhadoras” (idem, p.11). Além disso, a autora observa que questão
174
social “é também rebeldia, por envolver sujeitos que vivenciam as
desigualdades e a elas resistem e se opõem” (1998, p.28), afirmando que “é na
tensão entre produção da desigualdade e produção da rebeldia e da resistência
que trabalham os assistentes sociais” (id., ibid.). Neste sentido, vale citar um
importante trecho da autora, para demonstrar que a abordagem da questão
social, ao contrário do que afirma Faleiros, não se dá de forma genérica, nem
tampouco desprezando as mediações presentes na sua produção e
reprodução. Nas palavras da autora:
“(...) decifrar as novas mediações por meio das quais se
expressa a questão social hoje é de fundamental importância
para o Serviço Social em uma dupla perspectiva: para que se
possa tanto apreender as várias expressões que assumem na
atualidade as desigualdades sociais, quanto projetar e forjar
formas de resistência e de defesa da vida. Formas de
resistência já presentes, por vezes de forma parcialmente
ocultas no cotidiano dos segmentos majoritários da população
que dependem do trabalho para sua sobrevivência. Assim,
apreender a questão social é também captar as múltiplas
formas de pressão social, de invenção e de reinvenção da vida
construídas no cotidiano, pois é no presente que estão sendo
recriadas formas novas de viver, que apontam um futuro que
está sendo germinado” (Iamamoto, 1998, p.28, grifos da
autora).
Assim, um dos principais desafios postos aos(às) assistentes sociais
é justamente decifrar as múltiplas expressões da questão social, as novas
características e as novas mediações pelas quais se expressa na
contemporaneidade. Expressões e mediações essas que constituem a matéria-
prima do trabalho cotidiano do Serviço Social.
175
Em relação ao posicionamento em favor da universalidade de
acesso a programas e políticas sociais, destaca-se a posição de Faleiros ao
criticar as políticas universalistas como criadoras de dependência, sugerindo,
como observou Vasconcelos (2001), a viabilização da exclusão de
usuários(as), por parte dos(as) profissionais, do acesso a tais políticas. Nas
palavras de Faleiros (1999):
“As políticas universalistas são criticadas por tornar os
indivíduos dependentes dos benefícios. A crítica da
dependência, no entanto, tem servido para a defesa neoliberal
do desengajamento do Estado das políticas públicas, através
da transferência de suas responsabilidades para os indivíduos
e as famílias, usando-se para isso, o Serviço Social e
estratégias de parceria. Esta, como toda mediação, é
contraditória. Se, por um lado, trazem desresponsabilização do
Estado, por outro, podem abrir campo para iniciativas
inovadoras de ampliação da cidadania e de atendimento das
particularidades que as medidas universais, às vezes, não
contemplam. A doença do universalismo é o burocratismo
formalista, que faz com que os indivíduos sejam considerados
apenas números e os assistentes sociais administradores de
convênios, de acordo com a estratégia dominante de
administrar problemas e recursos em vez de se prestar cuidado
à população e garantir seus direitos. Numa perspectiva de
‘empowerment’, a flexibilização dos serviços pode contribuir
para reduzir a dependência, sem que se renuncie à garantia de
direitos” (Faleiros, 1999, p.61).
O autor, então, sugere que o Serviço Social leve em consideração
as situações mais excludentes para priorizar o “fortalecimento” dos mais
fragilizados, ocultando dos olhos mais despreparados uma postura marcada
por finalidades como humanização do capitalismo, a inclusão dos excluídos e
176
redução da ação profissional ao círculo da pobreza. Tendo em vista os “três
problemas presentes no acesso às políticas sociais básicas” (a garantia do
acesso, a dependência da tutela e a inadequação à pluralidade de situações)
(p.60), o autor observa que:
“... o Serviço Social deverá ter em conta as situações mais
excludentes para fortalecer, prioritariamente, os que vivem na
periferia das trocas e relações sociais significativas e
enriquecedoras, tornando-se mais fragilizados” (Faleiros, 1999,
p.61).
Ao apreciar as considerações realizadas por Faleiros, Vasconcelos
(2001) aponta para uma “involução” nas idéias do autor, sinalizando que
“quanto mais voltamos no tempo, mais os textos mostram a radicalidade do
autor perdida na atualidade” (p.95). A autora observa que Faleiros se mostra
contraditório e eclético ao abordar noções como cidadania e direitos sociais. De
acordo com a mesma, este autor:
“Ao afirmar o espaço das políticas sociais, menos como espaço
de luta e mais como a própria vivência da ‘cidadania’ no
consumo das políticas – exercício dos direitos civis, políticos,
sociais, ambientais, éticos que ‘se fortalece nas relações
Estado/Sociedade’ –, critica as políticas universalistas como
criadoras de dependência e sugere a viabilização da exclusão
por parte dos profissionais ao defender que ‘o Serviço Social
deverá ter em conta as situações mais excludentes para
fortalecer, prioritariamente, os que vivem na periferia das trocas
e relações significativas e enriquecedoras, tornando-se mais
fragilizados’, o que deixa explicitado, como fim, a humanização
do capitalismo e/ou a inclusão dos mais excluídos, numa
177
alusão clara à redução da ação profissional ao círculo da
pobreza” (Vasconcelos, 2001, p.96).
No que diz respeito ao tema da informática, Faleiros realiza
observações passíveis de crítica e problematização. De acordo com o autor
(1996):
“À trabalhadora social cabe conhecer tanto a manipulação da
técnica como de seus pressupostos para intervir na dinâmica
das relações sociais, como um dos atores (...), numa
perspectiva estratégica. Essa intervenção, hoje, não descarta a
multimídia como instrumento de informação, de animação e de
criação, facilitando, mesmo, a realização de assembléias,
reuniões, intercâmbios. O domínio da técnica informática é
condição para o exercício da profissão nos quadros
burocráticos, nos organismos populares e na esfera privada, e
numa dinâmica de fortalecimento dos grupos subalternos”
(Faleiros, 1996, p.32).
O autor caracteriza a informática, ou a tecnologia, em termos mais
amplos, como um importante instrumento que pode ser utilizado pelos(as)
profissionais para a realização de suas tarefas, podendo, inclusive, ser utilizado
como um fator de “fortalecimento” seja para a organização da categoria de
assistentes sociais, seja para a divulgação dos conhecimentos produzidos pela
profissão. Caracteriza este recurso como um fator relevante para o trabalho
profissional, sinalizando que:
“Por meio da informática, torna-se possível não só obter
informação como também produzi-la de forma mais coletiva,
participativa, de qualidade e mais barata. As agências de
informação criadas pelas redes de organismos sociais de
178
caráter popular e democrático podem transmitir e intercambiar
mensagens no sentido de fortalecer suas propostas e suas
lutas. (...) A tecnologia é um instrumento de modernização e,
ao mesmo tempo, de organização de redes comunitárias e de
grupos, de fortalecimento do poder da população. O uso da
informática facilita o acesso do usuário ao próprio prontuário,
embora tenha servido também ao controle desse mesmo
usuário” (Faleiros, 1996, p.32).
Ao tecer considerações sobre a importância deste recurso para o
trabalho dos(as) assistentes sociais, Faleiros não chega a abordar as
condições concretas em que se processa a utilização da tecnologia como um
recurso capaz de fortalecer a atuação profissional. A ausência de um
aprofundamento no tratamento desta questão, pode suscitar um entendimento
de que o(a) profissional possui as condições necessárias e adequadas para a
utilização do recurso tecnológico, e dispõe dos requisitos e qualificações
necessárias ao uso da informática como forma de “fortalecimento” dos(as)
usuários(as). Nesse sentido, podem ser levantadas questões que ajudam a
entender a complexidade do tema, tais como: condições materiais objetivas e
subjetivas que mediatizam a apropriação da TI; ausência do tema na formação
profissional; resistência, iniciativa ou vontade dos(as) profissionais em
apropriarem-se da tecnologia.
Embora tentando evidenciar a tecnologia e sua importância para a
profissão, a abordagem que Faleiros oferece da tecnologia e de sua função
“estratégica”, consiste numa afirmação de sua importância de forma abstrata.
Uma percepção mais concreta desta questão atribui visibilidade para a
necessidade de se perceber os aspectos que possibilitam e condicionam o seu
179
uso. Os(As) assistentes sociais, antes de utilizarem a tecnologia a favor do
“fortalecimento” dos(as) usuários(as), precisam eles(as) próprios(as), se
“fortalecerem”. Faleiros afirma a importância do uso da tecnologia para os(as)
usuários(as), no entanto, não chega a desenvolver reflexões sobre a
presença/ausência da tecnologia nos processos de qualificação e formação
profissionais, ou ainda, sobre a existência/inexistência de condições
adequadas de trabalho.
Considera-se que a questão principal é pensar as possibilidades de
incorporação da TI ao Serviço Social, e não apenas as possibilidades de
aplicação dessa tecnologia. Fatores como necessidade, limites e obstáculos
presentes na utilização da tecnologia são vistos como aspectos importantes no
processo de apropriação da TI. Como lembra Vieira Pinto (2005), a tecnologia,
para ser útil, precisa antes de tudo ser necessária ao sujeito que
concretamente a utilizará (p. 301). De acordo com este autor, a real
necessidade deste recurso só será visualizada tendo em vista o nível de
desenvolvimento do trabalho realizado e a percepção da importância da
tecnologia para o aprimoramento de suas atividades. É neste sentido que, para
além da tentativa de demonstrar as possibilidades de uso da TI, faz-se
necessário, também, dedicar atenção para a base onde se situam a discussão
e a apropriação dessa tecnologia e seu papel para o desenvolvimento das
atividades profissionais. Esta base é representada pela análise das condições
em que os(as) assistentes sociais desempenham seu trabalho, condições
essas que podem tornar ou não possível a apropriação efetiva da TI.
180
Acredita-se que a TI constitui-se como um recurso capaz de
potencializar o exercício da profissão em suas diversas dimensões e não
apenas no âmbito da atuação direta, que, se possui uma importância de
destaque, não sintetiza o conjunto das possibilidades de atuação profissional.
Propor, planejar, elaborar, avaliar e conduzir ações e serviços de programas e
políticas sociais são dimensões do trabalho que podem, também, ser
potencializadas pelo uso da TI. Entende-se que o que pode ser potencializado
não é apenas uma das dimensões da profissão, mas sim o exercício
profissional em suas diversas dimensões. Como vem sendo argumentado, a TI
precisa ser utilizada de forma articulada a outras competências fundamentais
(teórica, política, técnica e ética) para uma adequada incorporação, sob pena
de cair-se no tecnicismo. Perder de vista este sentido generalizante, pode
resultar num uso da TI nos marcos da razão instrumental, como alertou Guerra
(2000), algo do qual se pretende distanciar.
A incorporação da TI pelo Serviço Social pode ser considerada
estratégica porque possibilita um potencialização da profissão em suas
diversas dimensões, não só na dimensão referente ao atendimento
propriamente dito, mas, em relação ao trabalho profissional em sua totalidade.
Tal incorporação está hipotecada à existência de um perfil profissional que não
seja, como observou Netto (1996) “o técnico bem adestrado que vai operar
instrumentalmente sobre as demandas do mercado de trabalho tal como elas
se apresentam”, mas sim um “intelectual que, com qualificação operativa, vai
intervir sobre aquelas demandas a partir da sua compreensão teórico-crítica”
(p.126). Percebe-se, assim, a importância da existência de condições e
181
competências sobre as quais se adicionará o potencial da TI, que numa relação
de mútua fecundação, pode contribuir com o processo de constituição de um(a)
profissional com as características descritas por Iamamoto (1998):
“(...) atento às possibilidades descortinadas pelo mundo
contemporâneo, capaz de formular, avaliar e recriar propostas
ao nível das políticas sociais e da organização sociedade civil.
Um profissional informado, critico e propositivo, que aposte no
protagonismo dos sujeitos sociais. Mas também um profissional
versado no instrumental técnico-operativo, capaz de realizar as
ações profissionais, aos níveis de assessoria, planejamento,
negociação, pesquisa e ação direta, estimuladoras da
participação dos usuários na formulação, gestão e avaliação de
programas e serviços sociais de qualidade” (Iamamoto, 1998,
p.144).
A reafirmação da importância deste perfil profissional não significa
automaticamente a sua existência, sendo necessários esforços coletivos no
sentido de sua viabilização, criação e instrumentalização. É neste sentido que
se manifesta a preocupação em relação às formas pelas quais a TI pode ser
apropriada pelo Serviço Social. Verifica-se a existência de sérias lacunas nas
competências necessárias ao(à) assistente social, algumas das quais com
conseqüências diretas sobre essa incorporação.
Vasconcelos (2001), por exemplo, em sua análise da prática dos(as)
assistentes sociais na Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro,
identifica uma ausência de valorização da teoria no cotidiano do trabalho,
expressando uma “miséria teórica” (p.349) que sequer se constitui como uma
preocupação no cotidiano de trabalho desses(as) profissionais, e que, por sua
182
vez, os(as) destitui da capacidade de captar possibilidades de trabalho
alternativas ao modelo tradicional, fazendo com que práticas conservadoras,
apesar do discurso em contrário, sejam mantidas e reproduzidas. Além disso, a
autora também observa que uma grande parte dos(as) profissionais
entrevistados(as) demonstrou desconhecimento a respeito de um dos mais
fundamentais instrumentos de nosso trabalho, que, inclusive, sintetiza o projeto
ético-político do Serviço Social: o Código de Ética dos(as) assistentes sociais
de 1993. Como afirma a autora:
"Com somente 27% dos profissionais revelando um
conhecimento mais aprofundado do Código de Ética, e (...)
mais ou menos, na mesma proporção, um conhecimento da
Constituição Federal de 88, da Lei de Regulamentação da
profissão (...) - o conjunto dos assistentes sociais da SMS
conta com pouco ou quase nenhum recurso para
pensar/encaminhar alternativas ao trabalho profissional que
realizam. Dessa forma, não empreendem ações que
contribuam para a preservação, cumprimento e ampliação dos
direitos normatizados e/ou referendados nestes documentos,
ainda que façam uma opção pelos interesses e necessidades
dos usuários” (...) (Vasconcelos, 2001, p.403).
Pensar a incorporação da TI ao trabalho do(a) assistente social
supõe a possibilidade de mudanças qualitativas geradas pela redução da
demanda por trabalho manual e mecânico e pelo aumento, por outro lado, da
exigência de trabalho intelectual, no sentido apontado por Vieira Pinto (2005,
p.81), de que o desenvolvimento tecnológico supõe cada vez mais esforço
intelectual “para apoderar-se das possibilidades de ação útil” contidas no uso
da tecnologia. Tais mudanças podem ser potencializadas se forem
183
acompanhadas de maiores investimentos em formação e capacitação
profissionais, com vistas a estimular e desenvolver as competências teórico-
metodológica, técnico-operativa e ético-política necessárias ao trabalho. Cabe,
portanto, indagar em que medida a categoria profissional vem absorvendo a
importância do acesso a esse recurso para o trabalho profissional, tendo em
vista as possibilidades que o uso da TI pode oferecer para o desenvolvimento
do trabalho.
Para que as potencialidades presentes no uso da TI adquiram
concretude na profissão, é necessário um sólido processo de apropriação
deste recurso, conformando-o como instrumento de apoio à classe
trabalhadora. Sua incorporação adequada só se viabiliza na medida em que o
projeto ético-político tenha sido absorvido pelos(as) assistentes sociais, e o
“solo” fértil sobre o qual se situará a tecnologia tenha sido preparado. Sem o
predomínio deste projeto, e das finalidades que ele expressa, o uso da
tecnologia deixa de ser estratégico para o alcance das finalidades nele
presentes e pode cair na armadilha do tecnicismo. Assim, em condições
adequadas de apropriação e incorporação, o uso da TI pode ser entendido
como um passo importante para o Serviço Social em seu próprio processo de
desenvolvimento. Evidentemente, não o único, mas um dos quais, pelo
potencial que encerra, pode contribuir para a consolidação do projeto
profissional.
Por estar presente nos marcos da sociedade capitalista, a TI possui
um caráter contraditório, podendo ser utilizada para viabilizar interesses do
184
capital, mas também para atender interesses dos trabalhadores. O Serviço
Social, como profissão comprometida com os interesses de seus usuários e
usuárias, pode colocar em prática o desafio de incorporar o potencial
estratégico da TI, aplicando-a e fazendo com que sua utilização resulte no
desenvolvimento do seu trabalho e na melhoria dos serviços prestados. No
entanto, não se busca uma postura de “endeusamento” deste recurso, tendo
em vista a coexistência de várias outras dimensões e mediações presentes no
exercício profissional, como lembra Guerra (1995):
“O pensamento que reduz as múltiplas determinações que
comparecem nos fatos, fenômenos e processos à sua
dimensão técnica, prático-concreta, é o positivista, que,
pautado em formulações ideais-abstratas só pode derivar na
racionalidade formal. A atividade humana, o trabalho, bem
como as práticas profissionais, enquanto uma das maneiras de
objetivação do ser social, uma forma de sociabilidade entre os
homens, portam, sobretudo, dimensões políticas e éticas que,
ao serem limitadas à dimensão instrumental, postergam a
natureza ontológica das relações sociais” (Guerra, 1995, p.170)
Faz-se necessário, portanto, desvendar a potencialidade da TI para
o trabalho do Serviço Social. Pensar e conduzir a sua incorporação são tarefas
relevantes das quais não se pode prescindir, tendo em vista seu potencial para
dinamizar o exercício profissional e contribuir para ampliar as possibilidades de
trabalho. É neste sentido que, no capítulo a seguir, serão apresentados e
apreciados dados referentes ao uso que os(as) profissionais têm feito da TI em
seu trabalho, levantando as dificuldades e obstáculos que incidem sobre a sua
incorporação. Espera-se, com isso, demonstrar que tentativas de apropriação
185
da TI têm sido efetuadas por alguns(mas) profissionais, as quais demandam
apoio e suporte para que possam evidenciar as potencialidades presentes
nesta articulação.
186
C A P Í T U L O 3 - A P R E S E N Ç A D A T I N O S E R V I Ç O S O C I A L
187
3 . 1 . A A P R O X I M A Ç Ã O D O S E R V I Ç O S O C I A L À T I
Discute-se, a partir deste momento, alguns resultados desta
investigação inicial realizada sobre a incorporação da TI ao trabalho do Serviço
Social, buscando captar as suas potencialidades para o exercício profissional.
Neste sentido, pretende-se tecer alguns comentários gerais sobre a relação
entre a TI e o Serviço Social, enfatizando a sua utilização no cotidiano do
trabalho profissional. Assim, apresenta-se, nas páginas a seguir, considerações
sobre os usos da TI efetuados pelos(as) assistentes sociais, os requisitos
básicos para a sua incorporação e suas principais possibilidades de utilização.
Serão apresentados dados referentes aos(às) assistentes sociais
inseridos(as) no mercado de trabalho, envolvidos(as) com o desenvolvimento
de atividades profissionais voltadas à operacionalização de políticas e ao
atendimento a usuários(as). Convém justificar tal postura. A intenção é tentar
evidenciar alguns traços gerais da articulação existente entre Serviço Social e
TI no cotidiano da atuação profissional. Por isso a priorização concedida a este
segmento da categoria, já que é ele que, na opinião do pesquisador, lida com
os elementos concretos que condicionam o processo de absorção da
tecnologia pelas equipes de Serviço Social. É concedida prioridade aos dados
oferecidos pelos(as) assistentes sociais que atuam, nas instituições, no
atendimento direto ou indireto aos usuários e usuárias, pelo fato deles(as)
vivenciarem cotidianamente as condições que tornam possível ou não a
188
incorporação da TI. Essa priorização não significa, de modo algum, uma
desqualificação ou um menosprezo pelos segmentos de alunos(as) e docentes,
ambos igualmente importantes para nossa categoria. Antes, o que se pretende
apontar é a importância de se conhecer a presença da TI no processamento do
trabalho do Serviço Social a partir das impressões e respostas dos(as)
próprios(as) agentes responsáveis pela condução desse processamento.
É evidente que alunos(as) e docentes têm ou podem ter um papel
relevante neste processo, no entanto, sua participação se dá de forma indireta,
seja nas práticas de estágio, problematização de questões referentes ao
trabalho, análise de experiências concretas, assessorias, consultorias, cursos,
seminários e demais tipos de contribuição acadêmica ou não. Tais agentes não
se fazem diretamente presentes, portanto, nos processos de trabalho em que
os(as) assistentes sociais se encontram, embora seu “distanciamento” não
deixe, também, de ter sua relevância, sobretudo no que diz respeito às
possibilidades de reflexão crítica concreta acerca de contextos políticos e
institucionais e da própria atividade profissional. Ainda assim, sua condição de
agentes “indiretos”, ou seja, não diretamente envolvidos na consecução das
atividades e na vivência cotidiana dos aspectos contraditórios expressos nos
limites e possibilidades presentes na dinâmica institucional, faz com que
eles(as) não sofram o impacto, no plano imediato, das condições objetivas e
concretas em que a TI, de fato, será ou não incorporada ao trabalho realizado.
Em outras palavras, são os(as) profissionais diretamente vinculados(as) ao
exercício profissional cotidiano que, de fato, relacionam-se e absorvem os
189
impactos e conseqüências da presença e/ou da ausência das condições
necessárias para o exercício profissional.
A reflexão sobre a vida cotidiana, entendida como espaço
privilegiado da intervenção profissional, assume, portanto, certa relevância,
tendo em vista os impactos que a cotidianidade tem para o trabalho do Serviço
Social. Ao realizar considerações críticas sobre este tema, Netto (2000)
observa que a vida cotidiana é ineliminável, não sendo possível ser cancelada
ou suprimida do processo histórico, já que se trata de um dos seus níveis
constitutivos, promovendo a reprodução social na reprodução dos indivíduos
enquanto tais. A cotidianidade, segundo o autor, apresenta determinações
fundamentais, ou ainda, "componentes ontológico-estruturais". São eles: a
“heterogeneidade”, expressa pelo conjunto heteróclito de objetivações do ser
social composto por uma diversidade de fenômenos e processos sociais; a
“imediaticidade”, expressa na preocupação em responder ativamente aos
problemas enfrentados, caracterizada pela relação direta entre pensamento e
ação, além dos automatismos e do espontaneísmo próprios a esta postura; e a
“superficialidade extensiva”, expressa na mobilização, nas palavras do autor,
"de todas as atenções e todas as forças, mas não toda a atenção e toda a
força" (p.67).
Assim, a vida cotidiana é marcada por um materialismo espontâneo
e por um certo pragmatismo na solução dos problemas enfrentados, sem que
se ponha em causa a sua objetividade material e sem questionar a própria
natureza dos fenômenos. A principal preocupação consiste em produzir
190
respostas funcionais às situações, sem necessariamente demandar o seu
conhecimento interno, e sim a manipulação de variáveis para alcançar
resultados eficazes. Não é priorizada, portanto, a reprodução fiel do processo
que leva a determinado desfecho pretendido, mas o próprio desfecho em si.
Como observa Netto, "no plano da cotidianidade, o critério da utilidade
confunde-se com o da verdade" (p.68). Na vida cotidiana, os indivíduos não
conseguem acessar a consciência humano-genérica. Isso só ocorre quando o
indivíduo pode superar a dimensão da singularidade, preocupando-se com a
constituição de objetivações menos imediatas e menos instrumentais.
Processa-se uma mobilização do indivíduo que promove uma
"suspensão" da heterogeneidade da vida cotidiana, ultrapassando a dimensão
da singularidade e indo de encontro à consciência humano-genérica. Tais
suspensões não significam um corte com o cotidiano e não podem ser
contínuas, ao contrário, têm de estabelecer um retorno à cotidianidade, o qual,
ao ser realizado, permite que o indivíduo perceba a cotidianidade de forma
diferente. Este retorno à cotidianidade após uma suspensão supõe, como
observou Netto (p.70), "a alternativa de um indivíduo mais refinado, educado
(justamente porque se alçou à consciência humano-genérica)", e que, ao
regressar à vida cotidiana, encontra-se modificado.
Por ser o cotidiano o espaço em que se realiza o trabalho
profissional, os(as) assistentes sociais estão expostos(as) às determinações da
vida cotidiana. Desta forma, momentos de distanciamento e reflexão sobre os
diversos problemas presentes nesta dimensão da vida social devem ser
191
buscados pelos(as) assistentes sociais, como forma de evitar o pragmatismo e
o espontaneísmo excessivos. Partindo dos elementos presentes na vida
cotidiana, os(as) assistentes sociais podem abordar a realidade em que atuam,
superar limites e obstáculos, liberar potencialidades latentes. Para que isso
ocorra, os(as) profissionais necessitam dispor de um conjunto de elementos
que possibilitem o movimento de apropriação das demandas postas no
cotidiano, para decifrá-las e elaborar propostas de intervenção capazes de
responder as questões e problemas apresentados. Com tal postura, os(as)
profissionais podem evitar se tornarem prisioneiros(as) das tensões e dilemas
postos na vida cotidiana.
O cotidiano profissional é marcado por uma série de processos e
fenômenos que, muitas vezes, demandam do(a) profissional posturas próximas
de uma atuação pragmática e demasiadamente preocupada com aspectos
operativos e instrumentais. Tal postura, por si mesma, pode não se constituir
como um problema, já que de fato as dimensões de heterogeneidade,
imediaticidade e superficialidade são características inerentes à vida cotidiana,
que não podem ser eliminadas e que demarcam a necessidade de uma postura
compatível com as exigências postas neste plano. O problema, por outro lado,
reside na postura que limita o trabalho às questões e às modalidades de
intervenção postas no cotidiano, não as ultrapassando e, ainda, entendendo-as
como as únicas possíveis de serem implementadas.
Além disso, muitas vezes, as determinações da vida cotidiana são
vistas pelos(as) profissionais como obstáculos para o trabalho, o que evidencia
192
um grave equívoco profissional, já que é na cotidianidade que se materializam
e se concretizam as expressões da questão social, objeto de trabalho do
Serviço Social. Atribuir ao cotidiano a condição de obstáculo significa, na
prática, fechar os olhos para o próprio objeto da atuação profissional. É neste
contexto que a reflexão constante sobre os principais aspectos do cotidiano
profissional apresenta-se como uma postura fundamental não só para que
os(as) profissionais tenham condições de entender as principais determinações
e condicionamentos presentes em sua realidade de trabalho, mas também para
que novas modalidades de compreensão da questão social e de intervenção na
realidade possam ser formuladas e implementadas.
Assim, é a partir do cotidiano da atuação profissional, marcado por
situações e processos os mais diversificados, que dão concretude e
complexidade ao trabalho profissional, que se pretende investigar o uso da TI
como fator que pode propiciar uma potencialização do trabalho, criando
condições não só para a melhoria do exercício profissional, mas também para
a reflexão sobre o mesmo. Como já observado, priorizam-se os(as)
profissionais com atuação diretamente voltada para o cotidiano institucional, de
modo a verificar as expressões do uso da tecnologia neste contexto. Não se
trata, portanto, de qualificar mais ou menos tal ou qual segmento da categoria
profissional, mas simplesmente de estipular como foco principal o trabalho
institucional, a prestação da assistência direta aos usuários e usuárias,
sabendo, contudo, que este trabalho não decorre exclusivamente dele mesmo.
193
Toma-se um certo cuidado na apresentação desta justificativa
porque se acredita que o trabalho docente, por exemplo, é também uma forma
de exercício profissional, porém, diferenciada do trabalho realizado diretamente
nas instituições em que as políticas sociais privadas e/ou públicas se
processam. O que se qualifica como diferenciado, no entanto, não deve ser
tomado como superior ou hierarquicamente distinto. Não se trata disso. Trata-
se de dimensões diferenciadas que demandam condições igualmente
diferenciadas para que sejam objetivadas. É nesse sentido, por exemplo, que o
“distanciamento” anteriormente referido, pode ser entendido como útil ou
necessário ao trabalho crítico e reflexivo realizado pelos(as) docentes e
pesquisadores. Não se trata, obviamente, de neutralidade, mas de dispor de
condições básicas que garantam rigor nas análises e reflexões da realidade
social e profissional, as quais, por sua vez, incrementarão o acervo de
conhecimentos e conteúdos gerados pelo Serviço Social. Desta feita, a
intenção não é desqualificar ou minimizar este ou aquele segmento
profissional, e sim estipular como fonte de dados legítima para pensar as
dimensões do exercício profissional, aqueles agentes diretamente envolvidos
na condução e concretização deste exercício profissional, sem prejuízo, no
entanto, para os outros segmentos.
Tendo feito essas considerações, passemos à apreciação do
material coletado. Como primeiro passo para o tratamento dos dados, foram
retirados da amostra de 1.440 participantes, os(as) alunos(as) e assistentes
sociais que exercem a docência (7,6%), restando um total de 1.111
profissionais. Em relação à titulação desses(as) profissionais, verificou-se que
194
40,7% possuem apenas a graduação; 47,9%, o curso de especialização;
10,2%, o curso de mestrado e apenas 1,3%, o curso de doutorado. Como
demonstra o gráfico a seguir.
Gráfico 19 - Titulação dos Assistentes Sociais - To tal de casos: 1111
452
532
113
14
0 100 200 300 400 500 600
Graduação
Especialização
Mestrado
Doutorado
Fonte: SSTI, 2005.
Esses dados sugerem que, embora uma boa quantidade de
profissionais permaneça restrita ao nível de graduação, isso não significa,
necessariamente a ausência de uma postura de atualização por parte
deles(as), já que mais da metade buscou atualização profissional por
intermédio dos cursos de pós-graduação (com maior ênfase dos cursos de
especialização). Além disso, leva-se em conta o fato de que boa parte
desses(as) profissionais encontra-se na faixa etária mais jovem (28% possuem
entre 20 e 40 anos), o que pode sugerir que muitos(as) ainda não chegaram no
momento de inserirem-se em cursos de pós-graduação. Não se considera,
195
portanto, que a explicação para esta distribuição resida na inexistência de uma
busca por atualização por parte dos(as) profissionais, já que, como se viu, essa
ausência não pode ser considerada assim tão acentuada.
Por outro lado, poder-se-ia questionar se essa observação seria
válida para pensar a categoria como um todo. Tem-se, nesse sentido, uma
mudança de contexto que merece ser ressaltada. De fato, a amostra com a
qual se trabalha não permite que observações realizadas sejam generalizadas
para o conjunto da categoria. Como se tratou de uma pesquisa em que a
participação não foi obrigatória, ao contrário, foi espontânea e voluntária,
parece pertinente considerar que os(as) participantes, de uma certa forma,
atribuem importância à tecnologia, e o fazem, provavelmente, porque respeitam
e se comprometem com seu exercício profissional.
Não se considera que a participação na pesquisa, a opção por
contribuir nesse processo de investigação, deveu-se a uma valorização da
tecnologia de forma isolada e tomada abstratamente. Considera-se que o(a)
profissional que participou da pesquisa valorizou a proposta por perceber a
importância da tecnologia ao pensar em suas conexões concretas com o
exercício profissional. O pólo que difunde o sentimento de valorização foi a
predominância de uma concepção de profissão que identifica a TI como um
dos recursos que permitem o aprimoramento profissional. Assim, a tendência é
de que essa amostra, de uma certa forma, tenha por preocupação buscar ou
garantir as condições que permitam um aprimoramento do seu exercício
196
profissional, seja pela incorporação da TI ao trabalho, seja por intermédio da
atualização profissional, via cursos de pós-graduação, por exemplo.
Dando continuidade ao tratamento dos dados, foram retirados da
amostra os(as) profissionais que estavam desempregados(as) (11,7%) e os
que estavam aposentados(as) (1,9%), trabalhando-se apenas com os(as)
profissionais que efetivamente encontravam-se inseridos(as) no mercado de
trabalho, os(as) quais totalizavam 951 assistentes sociais. Este total foi
distribuído pelas áreas de atuação às quais relataram pertencer. Foi solicitado
ao(à) profissional que indicasse apenas uma opção pela área principal. Caso
o(a) profissional estivesse inserido(a) em mais de uma área de atuação
profissional, era solicitado que o(a) mesmo(a) preenchesse um questionário
para cada área, fato que pouco ocorreu. Vale ressaltar que a distribuição
dos(as) participantes por áreas temáticas ocorreu para que fosse possível
visualizar as suas áreas de inserção profissional, sem ter, no entanto, a
pretensão de caracterizar as maiores áreas de inserção profissional, mas
apenas apresentar aquelas nas quais os(as) participantes se encontram, com
caráter meramente ilustrativo. A distribuição dos(as) participantes pelas áreas
de atuação profissional pode ser vista no gráfico a seguir.
197
Gráfico 20 - Principal área de atuação dos assisten tes sociais - Total de casos: 951
287
212
19
128
50
95
73
18
12
57
0 50 100 150 200 250 300 350
Saúde
Assistência
Previdência
Empresa
ONG,s
Criança/Adolescente
Justiça
Educação
Gestão
Outra
Fonte: SSTI, 2005.
Constata-se um maior índice para a área da saúde, que concentra
30,2% dos(as) profissionais, reproduzindo na amostra a tendência mais geral
que identifica a área da saúde como a área que mais emprega assistentes
sociais no Brasil. Em seguida, aparece a área da Assistência Social, que
concentra 22,3% dos(as) participantes, sinalizando uma expressiva presença
dos(as) profissionais nesta área, a qual, muitas vezes, vem sendo
equivocadamente confundida com a própria profissão. Um equívoco que deve
ser corrigido e não deve, de forma alguma, depreciar a importância da
assistência para a trajetória e a própria consolidação da profissão. A área de
Empresa, onde a atuação profissional tem sofrido mais diretamente os
impactos dos processos de reestruturação produtiva e de incorporação
tecnológica, aparece com 13,5% dos(as) participantes.
198
A área de Criança/Adolescente, que concentrou 10% dos(as)
participantes, é uma área que apresenta alguns aspectos que parecem
dificultar a sua caracterização como área específica. De fato, encontra-se muita
dificuldade em tratá-la como área de atuação específica tendo em vista que os
problemas apresentados por esse segmento da população são absorvidos por
diversas instâncias em que os(as) assistentes sociais estão inseridos(as),
como por exemplo, a saúde, a assistência social e o sistema sócio-jurídico.
Além disso, o trabalho com a questão da criança e do adolescente pode ser
operacionalizado em instituições bastante diferenciadas, como instituições
públicas, empresas e Ong´s.
Está fora das preocupações deste trabalho a problematização ou a
reflexão sobre a caracterização dos problemas vividos pelas crianças e
adolescentes como área de atuação profissional. O que se pretende é apenas
mostrar a dificuldade com que muitas vezes se lida ao tentar enquadrar as
expressões da questão social em áreas específicas. Se de um lado, do ponto
de vista técnico e operacional, essa fragmentação da questão social em áreas
específicas é compreensível, por outro, ela apresenta dificuldades perceptíveis
no próprio processo de definição das áreas. As demais áreas de inserção
profissional tiveram índices inferiores a 10%, sendo elas: Justiça, 7,7%; ONG`s,
5,3%; Previdência, 2,0%. Outras áreas totalizaram 9,1%.
Foi indagado aos(às) profissionais o número de assistentes sociais
na equipe, constatando-se que a grande maioria das equipes de Serviço Social
tem até dois assistentes sociais (53,9%), cabendo às equipes com apenas um
199
profissional o índice de 34,1%. Equipes de três a cinco assistentes sociais
totalizam 23%; de seis a dez, 12,4%, e as com mais de dez, concentram-se
nos 10,6% restantes.
Gráfico 21 - Número de Assistentes Sociais na equip e - Total de casos: 951
513
219
118
64
28
9
0 100 200 300 400 500 600
Até 02
De 03 a 05
De 06 a 10
De 11 a 19
De 20 a 29
De 30 a 50
Fonte: SSTI, 2005.
Acredita-se que o tamanho da equipe pode ser um importante
elemento que condiciona a apropriação da TI pelo Serviço Social. Note bem,
não é apenas de uma apropriação pelo assistente social, e sim pelo Serviço
Social, pela equipe de trabalho. Assim, adianta pouco um(a) profissional ter um
acúmulo no uso da tecnologia e os(as) demais não terem. O baixo número de
integrantes das equipes de Serviço Social pode ser tomado como uma
indicação de que as condições de trabalho dos(as) profissionais tendem a ser
inadequadas, tendo em vista a baixa disponibilidade de recursos humanos para
dar respostas às demandas apresentadas pelos(as) usuários(as). Cada vez
mais o Serviço Social tem sido requisitado a intervir nas expressões da questão
200
social, principalmente devido a seu agravamento. As equipes de Serviço Social
precisam estar preparadas e qualificadas para a intervenção. O tamanho da
equipe, um dos indicadores de sua capacidade de cobertura das demandas
apresentadas, é uma questão importante nesse contexto.
Ainda na linha das condições de trabalho, indagou-se aos(às)
assistentes sociais o número de computadores no setor de Serviço Social em
que trabalha. A prioridade foi conferida à atuação em equipes de Serviço
Social, sem contundo minimizar a importância da inserção de assistentes
sociais em equipes de trabalho que extrapolam o setor de Serviço Social.
Houve dificuldades de entendimento dessa questão: alguns(mas) profissionais
responderam que o Serviço Social tinha computador, quando, na verdade, eles
usavam o da direção; outros colocavam o total geral de computadores de todos
os setores da instituição, alegando que podiam usar qualquer um sempre que
precisassem.
O objetivo buscado com essa questão não foi perceber apenas se
os(as) assistentes sociais usam o computador, mas se essa utilização foi
incorporada à equipe ou ao setor de Serviço Social em seu conjunto,
entendendo a presença de computadores no setor como um dos indicadores
de um processo de incorporação da TI. Não se trata, portanto, de verificar o
uso individual, que um ou outro faz, mas o da equipe como um todo. Verificar
se a tecnologia vem sendo ou não incorporada aos processos de trabalho em
que o Serviço Social está inserido. Nesse sentido, os resultados são os que se
seguem.
201
Gráfico 22 - Quantos computadores o setor de Serviç o Social possui? - Total de casos: 951
141
339
171
90
64
25
27
43
51
0 50 100 150 200 250 300 350 400
Nenhum
Um
Dois
Três
Quatro
Cinco
Seis
De 07 a 10
De 11 a 20
Fonte: SSTI, 2005.
Constatou-se que a maior concentração de respostas encontra-se
no grupo que vai até dois computadores. O grupo que relatou não possuir
nenhum computador no Serviço Social totaliza 14,8%, os que disseram que o
Serviço Social possui um computador totaliza 35,6%, e os que possuem dois
computadores, 18%. Trata-se, portanto, de uma baixa presença de
computadores nos setores de Serviço Social, ainda mais ao se levar em conta
que geralmente esse equipamento é utilizado também por auxiliares e agentes
administrativos, que tratam dos aspectos burocráticos e administrativos do
setor, dificultando ainda mais as possibilidades de utilização desse recurso
como elemento auxiliar do trabalho.
Considera-se que a disponibilidade do computador é um fator
importante para a incorporação da TI ao trabalho do Serviço Social. Na
202
verdade, trata-se de atentar para a existência de condições adequadas de
trabalho (dentre elas a existência do equipamento) que permitam uma
incorporação da TI ao exercício profissional. Percebe-se, portanto, a incidência
de um acesso tecnológico incipiente por parte do Serviço Social, tendo por
conseqüência o predomínio de condições desfavoráveis para a reflexão sobre
sua importância para o trabalho profissional.
Outra questão apresentada aos(às) participantes referiu-se ao grau
de importância que eles(as) atribuem ao computador. Neste sentido, foi pedido
aos(às) assistentes sociais que indicassem suas impressões acerca deste
equipamento e de sua relevância para o cotidiano profissional. Foram
oferecidas algumas opções dentre as quais o(a) profissional deveria apontar as
mais apropriadas para caracterizar o computador. O objetivo foi tentar
identificar as suas impressões gerais acerca da relevância deste equipamento
no processamento cotidiano de seu trabalho. Os(as) profissionais puderam
marcar mais de uma opção, levando-se em consideração a dinâmica própria de
sua inserção profissional. Os resultados foram os seguintes.
203
Gráfico 23 - Para a realização cotidiana de seu tra balho, você considera o computador um instrumento: - Total de c asos: 951
668
654
226
19
5
13
349
4
0 100 200 300 400 500 600 700 800
Importante
Necessário
Prioritário
Gera problemas
Desnecessário
Muito difícil de usar
Estratégico
Não sei responder
Fonte: SSTI, 2005.
Constatou-se que 70,2% dos(as) profissionais consideram o
computador um recurso importante e 68,8% consideram-no um recurso
necessário, demonstrando, assim, uma tendência à valorização do computador
no âmbito da atuação profissional. Resta saber, no entanto, se a valorização
relatada concretiza-se em uma efetiva utilização da TI e de seu potencial. Já se
apontou que algumas condições fundamentais para a adequada incorporação
da TI ao Serviço Social ainda encontram-se pouco presentes entre os(as)
assistentes sociais, como por exemplo, a baixa quantidade de computadores
nos setores de Serviço Social e o limitado acesso da categoria a materiais,
eventos e textos sobre o tema. É de se compreender que os(as) assistentes
sociais demonstrem, no plano mais imediato, essa postura de valorização
deste equipamento, principalmente tendo em vista toda a imagem socialmente
204
difundida na atualidade de eficiência e eficácia relacionada aos computadores
e à tecnologia, além de seu caráter de imprescindibilidade.
O que tem se divulgado é que, desde o seu surgimento, o
computador não parou de transformar-se, tornando-se mais sofisticado e
potencializado, mudando várias vezes de forma e ampliando sua conexão a
outros recursos tecnológicos. Com isso, sua presença vem sendo considerada
significativa em vários setores da sociedade, causando modificações nos
aspectos econômicos e sociais, e, ao mesmo tempo, atingindo valores e
comportamentos dos indivíduos. A questão consiste, no entanto, em saber se
efetivamente a TI vem sendo utilizada pelos(as) assistentes sociais na atuação
profissional, constituindo-se concretamente como um recurso importante e
necessário, ou se o que ocorre é apenas uma afirmação abstrata da
importância e necessidade deste equipamento, baseada no senso comum.
A observação de experiências em algumas instituições demonstra
que, embora no plano do discurso haja uma tendência a valorizar este recurso,
caracterizando-o como importante e necessário para o exercício profissional, o
mesmo não vem sendo plenamente incorporado ao trabalho realizado
pelos(as) assistentes sociais de forma que possa efetivamente demonstrar sua
importância e potencialidade. Apesar de relatarem de forma genérica uma
valorização da TI, os(as) assistentes sociais não têm conseguido concretizar a
sua apropriação em termos de experiências efetivas de incorporação da
tecnologia ao trabalho e, conseqüentemente, promover, a partir de tal
incorporação, a potencialização de seu exercício profissional.
205
Isso não ocorre exclusivamente pela vontade do(a) profissional.
Ocorre por conta da existência ou inexistência das condições objetivas e
subjetivas necessárias à construção de propostas de trabalho. Reconhecer a
importância que a TI possui e utilizá-la em experiências concretas de atuação
profissional demanda, antes de tudo, a existência e disponibilidade dos
próprios recursos tecnológicos, dentre eles os computadores. Além disso,
demanda também que este tema seja incorporado pela categoria profissional e
passe a integrar a sua agenda profissional, com a promoção de debates e
discussões sobre o assunto, bem como a qualificação e formação profissional
na área. Só assim será possível reconhecer e demonstrar a importância deste
recurso para o trabalho profissional.
Há, ainda, alguns(mas) profissionais que consideraram o
computador um recurso estratégico (36,7%). Acredita-se que a incorporação da
TI pelo Serviço Social pode ser considerada estratégica porque, como já visto,
permite um fortalecimento da profissão em suas diversas dimensões de
atuação, não só na dimensão referente ao atendimento propriamente dito, mas,
também, em relação à potencialização do exercício profissional em sua
totalidade. Para isso, faz-se necessária a coexistência de uma implementação
de ações relacionadas às condições de trabalho e à formação e qualificação
profissional, inclusive com construção e difusão de programas e aplicativos
específicos para a área e descontinuidade da resistência em relação ao uso e
aproveitamento dessa tecnologia. Considera-se que a categoria de assistentes
sociais poderia mobilizar-se, por meio de um investimento global e articulado,
no sentido de efetivar essa incorporação, ainda que em longo prazo, tratando-
206
se de uma mudança que não exige requisitos técnicos apenas, mas também
culturais e sociais.
Em sentido oposto, os(as) participantes que indicaram a relação do
computador com traços negativos foram os mais baixos: “gera problemas” teve
um índice de 2%; “desnecessário”, 0,5% e “interessante, mas muito difícil de
usar”, 1,4%. São índices baixos, mas que demonstram a existência da
insatisfação e da resistência ao uso da TI. Ainda assim, devem ser
relativizados, tendo em vista que dentre os que consideram que o computador
gera muitos problemas, 83% consideram também importante, 58% necessário,
33% prioritário e 67% estratégico. Entre os que consideram o computador um
recurso muito difícil de usar, 88% consideram importante e necessário, 19%
prioritário e 38% estratégico.
Ressalta-se, ainda, que dentre os cinco participantes que
consideraram o computador um recurso desnecessário, quatro deles
responderam ao questionário pela via impressa. Isso não significa que quem
respondeu por esta via tenha atribuído menor importância ao computador, já
que 56% deles consideram importante, 57% necessário, 12% prioritário e 26%
estratégico. Assim, não foi verificada uma tendência de menor valorização da
TI por parte dos que responderam ao questionário pela via impressa. A opção
pelo questionário no papel não foi determinada pela importância que o(a)
profissional confere ao computador, mas a outros fatores. Talvez uma falta de
familiaridade, mas não uma rejeição ou resistência.
207
Foi indagado aos(às) profissionais que atividades eles realizam no
trabalho cotidiano com o auxílio do computador. As respostas oferecidas
podem ser visualizadas no gráfico a seguir.
Gráfico 24 - Em seu trabalho, você utiliza o comput ador para a realização de tarefas de: - Total de casos: 951
290
525
404
455
516
561
652
95
4
0 100 200 300 400 500 600 700
Atendimento direto ao usuário
Registro do atendimento realizado
Elaboração de perfis de usuário
Cadastro e localização de recursos comunitários
Elaboração de estatísticas de atendimento
Estudos e pesquisas temáticas
Sistematização do trabalho realizado
Não utilizo
Não sei responder
Fonte: SSTI, 2005.
Percebe-se que as respostas foram bem variadas, abrangendo
diversas possibilidades, com uma forte tendência de aplicação da TI às
atividades relacionadas ao trabalho realizado pelos(as) profissionais, tais como
sistematização, registro do atendimento, elaboração de perfis, cadastro e
localização de recursos comunitários, demonstrando a preocupação com a
incorporação da tecnologia às atividades realizadas no cotidiano do trabalho.
Em relação aos recursos oferecidos pelo computador e utilizados pelos(as)
assistentes sociais, tem-se a seguinte distribuição.
208
Gráfico 25 - Que recursos oferecidos pelo computado r você utiliza na realização do seu trabalho? - Total de c asos: 951
815
539
509
670
632
33
72
8
0 100 200 300 400 500 600 700 800 900
Editor de textos
Planilha eletrônica
Bancos de dados
Correio eletrônico
Acesso a homepages
Construção de sites
Não utiliza
Não sei responder
Fonte: SSTI, 2005.
A maior parte dos(as) profissionais relata utilizar o editor de textos,
recurso que, notadamente, é de grande importância para o trabalho. A planilha
eletrônica é utilizada por 56,7% e os bancos de dados por 53,5%. Em relação
aos recursos propiciados pelo uso da Internet, tem-se o correio eletrônico, com
70,5%, o acesso a homepages, com 66,5%, e a construção de sites e
homepages, com apenas 3,5%. Verifica-se, assim, que os(as) profissionais
relatam um considerável nível de utilização dos recursos básicos do
computador. No entanto, a mera utilização de pacotes pré-formulados não
significa que uma efetiva incorporação da TI ao trabalho do Serviço Social
tenha sido efetuada. É por isso que a atenção deve recair não apenas sobre os
programas básicos que os(as) profissionais sabem usar, mas sobre as
209
possibilidades de uso desta tecnologia que a profissão pode engendrar, tendo
em vista que ela pode ter sido absorvida ao trabalho dos(as) assistentes
sociais de uma forma empobrecida, simplificada, mistificadora, sem possibilitar
uma inflexão na atuação profissional.
Considera-se que a utilização da TI pode extrapolar funções
meramente rotineiras, burocráticas e gerenciais, e, sem limitar-se a um tipo de
automatização e padronização que empobrece e esvazia o trabalho realizado
pelos(as) profissionais. Seu uso pode impulsionar o exercício profissional,
contribuindo para o seu desenvolvimento e aprimoramento, em suas diversas
dimensões, na execução propriamente dita, mas também nas dimensões de
elaboração, planejamento e avaliação das ações desenvolvidas. Pode,
portanto, contribuir para uma potencialização do trabalho profissional no
sentido de reforçar os valores ético-políticos que norteiam a profissão.
Aponta-se, assim, para a importância de estudar as possibilidades
de uso da TI, não de forma especulativa, como têm feito alguns autores (dentre
os quais se pode destacar Souza, 2000; Colmán, 2003, 2004 e Coelho, 2002),
mas de forma mais próxima do uso concreto realizado pelos(as) profissionais,
tentando elaborar uma reflexão sobre os modos de utilização que já vêm sendo
operados no âmbito do Serviço Social. Os dados têm demonstrado que o
Serviço Social vem efetuando uma tentativa de se apropriar da TI, embora com
a incidência de alguns limites e obstáculos, os quais serão apontados mais à
frente. Ainda assim, pode-se verificar, a partir desses dados, a presença de um
tipo de articulação entre o Serviço Social e a TI. Evidentemente, uma
210
aproximação inicial, marcada por dificuldades e entraves, mas também
passível de ser incentivada, aprofundada e consolidada, tendo em vista não
apenas a possibilidade de utilização competente, mas sobretudo, crítica e
articulada aos interesses dos(as) usuários(as).
Como se verá mais adiante, a tecnologia vem sendo implantada nas
instituições em que os(as) profissionais estão inseridos(as) e, ao longo deste
processo vai adquirindo características particulares e ocasionando impactos
diferenciados a partir dos contextos em que ocorrem e das finalidades que
buscam alcançar. Neste processo de implantação concorrem vários fatores,
como condições de trabalho, gênero, idade, áreas de atuação, níveis de
qualificação, região geográfica, e até mesmo, a iniciativa do(a) próprio(a)
profissional e sua equipe. Assim, a incorporação da TI ao trabalho do Serviço
Social, longe de ser entendida como um determinismo de qualquer natureza,
pode ser compreendida como um produto histórico, atravessado por diversas
características e marcado pelas diversas possibilidades e limites existentes nos
processos que constituem a nossa profissão, tanto na dimensão formativa
quanto interventiva.
3 . 2 . C O N S I D E R A Ç Õ E S D O S ( A S ) P R O F I S S I O N A I S S O B R E A I N C O R P O R A Ç Ã O D A T I
Os dados obtidos a partir do questionário eletrônico até aqui
trabalhados permitem uma apreensão parcial e aproximativa da relação
211
existente entre Serviço Social e TI, no entanto não permitem um
aprofundamento no tratamento e reflexão de alguns aspectos referentes ao uso
que os(as) assistentes sociais têm feito dela. Desta forma, verificou-se a
necessidade de coletar dados mais ilustrativos dos tipos de apropriação que
os(as) profissionais vêm fazendo desta tecnologia. Com essa finalidade, foi
elaborado um segundo questionário, com questões mais abrangentes sobre a
relação dos(as) profissionais com a TI, o qual foi enviado por correio eletrônico
para o conjunto de assistentes sociais que responderam ao primeiro
questionário.
Deste conjunto, composto por 951 assistentes sociais, 93
profissionais enviaram suas respostas, o que corresponde a 9,8% do universo
anterior. Elaborou-se um novo banco de dados para a organização e
tratamento dos dados obtidos e, com base nas respostas oferecidas pelos(as)
profissionais são apresentadas, a partir de agora, algumas considerações
sobre a aplicação da TI ao Serviço Social, a existência de condições de
trabalho adequadas a sua efetiva incorporação, a importância do seu
tratamento na formação profissional, e a importância que possui para o
trabalho do Serviço Social.
Demonstra-se, a partir das respostas oferecidas pelos(as)
profissionais, que a TI encontra-se presente no trabalho do Serviço Social,
embora tal presença se dê de forma embrionária. As experiências e
impressões relatadas permitem sugerir que uma parcela da categoria
profissional vem tentando, apesar das dificuldades existentes, utilizar esta
212
tecnologia para potencializar seu trabalho, o que pode ter como conseqüência
uma melhoria da prestação dos serviços, sobretudo no que se refere ao reforço
da socialização de informações e da ampliação do acesso aos direitos sociais.
O fato de afirmar a presença da tecnologia no trabalho do Serviço
Social não significa, no entanto, que a incorporação deste recuso seja um fator
recorrente entre os(as) assistentes sociais. Prefere-se trabalhar com a hipótese
de uma incorporação incipiente da TI ao trabalho do Serviço Social, embora,
muitas vezes, a identificação de algumas experiências em que se vislumbra a
existência de computadores nos setores de Serviço Social tenda a sugerir um
predomínio deste recurso entre os(as) assistentes sociais. Desta forma,
verifica-se que, em alguns momentos, o incipiente debate sobre o tema da
tecnologia, no âmbito do Serviço Social, tende a superestimar sua presença na
profissão. É o caso, por exemplo, de Albuquerque (1995), ao afirmar que “o uso
da informática já se constitui num dos principais requisitos ocupacionais no
Serviço Social”, destacando que:
“o profissional, se não souber dominar o uso (e isto não implica
necessariamente em dominar a técnica, mas no conhecimento
das possibilidades e potencialidades da informática na prática
profissional) já pode se considerar defasado em relação às
exigências da profissão e terá difícil acesso ao mercado de
trabalho” (p.298).
Evidencia-se na autora o entendimento de que a informática “já deve
estar fazendo parte do instrumental profissional há bastante tempo, seja qual
for o campo ou instituição”, e por isso a preocupação principal na investigação
213
sobre esse recurso não se refere ao dimensionamento de sua incidência nos
postos de trabalho, mas sim à importância de seu uso para a “democratização
da sociedade brasileira” (p.300). Souza (2000), em postura semelhante,
ressalta a importância de se definir parâmetros críticos para uma aproximação
à relação entre informática e Serviço Social, no sentido de orientar a discussão
sobre as implicações que estão subjacentes às evidências do que ele toma
como uma “rápida informatização dos postos de trabalho do assistente social”
(p.258). Embora se tenha por objetivo, neste trabalho, discutir a importância da
TI para o exercício profissional, considera-se que ampliar a real dimensão da
presença deste recurso no Serviço Social não ajuda a compreendê-lo, ao
contrário, pode contribuir para fortalecer uma postura reificadora da qual se
pretende distanciar.
Seguindo os critérios anteriormente definidos, o questionário foi
enviado por correio eletrônico apenas para os(as) profissionais inseridos(as) no
mercado de trabalho e que não exercessem a docência. Antes de efetuar os
comentários sobre os depoimentos dos(as) profissionais, apresenta-se um
breve perfil do conjunto que se prontificou a responder este segundo
questionário, lembrando que os únicos incentivos a tal postura foram a
insistência do pesquisador e, na opinião do mesmo, o compromisso e o
envolvimento desses profissionais com a investigação e a reflexão sobre temas
relevantes para o aprimoramento e fortalecimento do trabalho do Serviço Social
na contemporaneidade. A distribuição desses profissionais pelos estados em
que trabalham pode ser verificada na tabela a seguir.
214
Tabela 01 - Estados dos(as) profissionais
Estado Quantidade Percentual
RJ 54 58,1%
RS 15 16,1%
SP 10 10,8%
MG 3 3,2%
AL 2 2,2%
SC 2 2,2%
BA 1 1,1%
ES 1 1,1%
PE 1 1,1%
PR 1 1,1%
RO 1 1,1%
TO 1 1,1%
OUTRO PAÍS 1 1,1%
Total 93 100% Fonte: SSTI, 2006.
Embora haja um nítido predomínio de profissionais do Rio de
Janeiro, percebe-se uma presença de participantes de vários outros estados do
país. Além disso, aponta-se outras características relevantes. Em relação à
faixa etária, 48% dos(as) profissionais possuem até 40 anos e 52% acima de
41 anos. A grande maioria, 96%, é do sexo feminino; 77% têm um computador,
8% nenhum e 14% relataram possuir dois computadores em casa. Quanto ao
acesso à Internet, 88% relataram acessá-la de casa e 77%, do trabalho. Além
disso, 56% desses profissionais relataram já ter tido acesso a algum material,
texto ou participaram de evento sobre o tema TI, enquanto, sobre a relação
215
entre TI e Serviço Social, apenas 16% relataram acesso a algum tipo de
material.
Em relação à titulação, 30% dos(as) profissionais possuem apenas a
graduação, 51% possuem a especialização, 17% possuem o mestrado e
apenas 2% possuem o curso de doutorado. A distribuição por áreas de atuação
também demonstra diversificação: saúde, 27%; assistência, 25%; previdência,
4%; empresa, 19%; criança e adolescente, 10%; justiça, 10%; educação, 3%;
gestão, 2%. Para finalizar, 75% desses profissionais consideram a TI um
recurso importante para o trabalho do Serviço Social, 70% consideram-na
necessária, 18% consideram-na prioritária e 44% consideram-na estratégica.
Trata-se de um perfil próximo do perfil identificado no conjunto total de
participantes.
Os profissionais que responderam a este segundo questionário
configuram um grupo bastante diversificado, com algum tipo de aproximação
ao uso da TI em seu trabalho, podendo, por isso, oferecer dados interessantes
e representativos para uma abordagem inicial da relação que tem sido
estabelecida entre o Serviço Social e a TI. Quando utilizados no texto, os
depoimentos dos(as) profissionais foram qualificados pelas seguintes
características: idade, sexo, titulação, área de atuação e estado onde trabalha.
Espera-se, com a apresentação destas características, demonstrar a variedade
e diversidade dos depoimentos obtidos, chamando a atenção para os diversos
contextos e particularidades em que foram produzidos. Perceber-se-á, apesar
dessa diversidade, a existência de algo comum nas respostas obtidas, que é
216
exatamente a valorização da TI como fator potencializador do trabalho do
Serviço Social e a indicação da necessidade de investimento por parte da
própria categoria na incorporação desse importante recurso ao trabalho
profissional.
3 . 2 . 1 . A I N F O R M A T I Z A Ç Ã O D O S E R V I Ç O S O C I A L
Antes de apresentar os dados referentes à aplicação da TI ao
exercício profissional, convém ressaltar que alguns(mas) profissionais
relataram não atuar em um “setor” específico de Serviço Social, integrando
equipes de trabalho multi ou interdisciplinares, em gerências, assessorias e
outras formas de atuação nos processos de gestão de políticas sociais. Esses
depoimentos tendem a reforçar o pressuposto de que o Serviço Social insere-
se em processos de trabalho amplos, dos quais, com seu trabalho
especializado, fazem parte, ao invés de possuírem um único e exclusivo
processo de trabalho.
“O ‘setor’ (na realidade, um programa) no qual trabalho, não é específico do Serviço Social, mas envolve uma equipe de técnicos de nível superior. Este setor é informatizado, para o uso de toda a equipe técnica” (45 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).
“Não trabalho em um setor de Serviço Social. Sou assistente social e trabalho em um setor de informações sócio-econômicas com outros profissionais. Este setor está informatizado” (32 anos, sexo feminino, mestrado, gestão - RS).
“O setor onde trabalho não é ‘setor de Serviço Social’, mas faço parte de uma equipe que dispõe de um assistente social. E esta equipe está informatizada” (47 anos, sexo feminino, especialização, gestão - RS).
217
“Não havia necessariamente um setor, mas estava informatizado, porém sem acesso a Internet” (29 anos, sexo masculino, mestrado, assistência - AL).
“Trabalho na Assessoria de uma Secretaria Municipal da área da Assistência Social” (54 anos, sexo feminino, especialização, assistência - RJ).
“O setor em que trabalho não é específico do Serviço Social. Trabalho em equipe multidisciplinar num setor de gerenciamento” (28 anos, sexo feminino, mestrado, saúde - RJ).
“Primeiro, eu não trabalho, especificamente, em um setor de Serviço Social. Eu trabalho na Coordenação do Programa Bolsa Família da FUNLAR RIO, uma Fundação ligada à SMAS e Secretaria Extraordinária do Deficiente Cidadão, cujo foco de trabalho é na pessoa com deficiência. Minha coordenadora é uma fonoaudióloga e em nossa sala há um computador com dois monitores” (37 anos, sexo feminino, graduação, assistência - RJ).
“O Serviço Social faz parte de um departamento de ações de cidadania. Não existe um setor de Serviço Social informatizado. Neste setor não há atendimento direto à população, trabalha-se com projetos” (46 anos, sexo masculino, mestrado, assistência - RS).
Como já sinalizado anteriormente, a preocupação neste trabalho
reside em verificar em que medida o uso da TI pode potencializar o trabalho do
Serviço Social. Por este motivo, entendeu-se que o trabalho do Serviço Social
encontra-se delimitado pelo que é chamado nas instituições de setor, seção ou
departamento de Serviço Social. Tal postura visa enfatizar a atuação do
Serviço Social como uma equipe de trabalho situada num determinado
contexto institucional. Isso não significa, no entanto, desconsiderar que
muitos(as) profissionais vêm integrando equipes multidisciplinares que lhes
demandam o exercício de atribuições e competências inerentes ao trabalho
profissional. A postura de valorização da equipe de Serviço Social não significa
a desvalorização de outras modalidades de inserção profissional, mas apenas
reforça que o foco principal de atenção da pesquisa reside na potencialidade
218
da TI para o trabalho do Serviço Social nestes termos, reconhecendo que um
de seus espaços importantes, embora não exclusivo, é o setor de Serviço
Social.
Como um dos elementos para avaliar a presença da TI no trabalho
do Serviço Social serão tomados os recursos mais diretamente ligados à
informática, que expressam os possíveis processos de informatização pelos
quais os setores de Serviço Social podem passar. Percebeu-se que grande
parte (72%) dos(as) assistentes sociais indicou que o setor em que trabalham
está informatizado, como se verifica no gráfico a seguir, demonstrando que
houve, nestes setores, algum tipo de incorporação da TI, embora, como já
apontado, a mera presença de computadores ou programas não signifique,
necessariamente, que sua apropriação consistente e crítica tenha ocorrido.
Gráfico 26 - O Setor de Serviço Social em que você trabalha está informatizado? - Total de casos: 93
26
67
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Não
Sim
Fonte: SSTI, 2006.
219
Por informatização entende-se a presença de um conjunto mínimo
de recursos tecnológicos, na maioria computadores, dos quais os(as)
profissionais de Serviço Social podem lançar mão para planejar, executar e
avaliar suas atividades profissionais. Assim, pode-se dizer que o Serviço Social
encontra-se informatizado quando dispuser minimamente de tais recursos.
A mera existência de um processo de informatização e a simples
presença de recursos tecnológicos, no entanto, não significam que a TI tenha
sido adequadamente incorporada ao trabalho, sendo necessário, para isso, que
seu uso não esteja restrito apenas à automatização de tarefas e atividades ou
à substituição de profissionais por computadores ou máquinas. Uma outra
forma de se pensar a incorporação da TI refere-se aos efeitos que pode
proporcionar de economia de tempo e de recursos, como racionalização do
trabalho, ou como fator gerador de competitividade, produtividade, dentre
outros princípios representativos da lógica capitalista produtivista e
quantitativista que toma conta dos processos de gestão contemporâneos, tanto
públicos quanto privados. Mais do que buscar a satisfação de interesses
gerenciais, cabe ao Serviço Social se preocupar em adquirir condições mais
favoráveis à satisfação dos interesses dos seus usuários e usuárias, sendo a TI
um recurso importante nesse sentido. Trata-se, portanto, de uma compreensão
que se aproxima do que afirma Albuquerque (1995):
“A informática hoje não pode ser considerada apenas um
processo de registro, processamento e distribuição imediata de
informações, uma tecnologia que serve ao capitalismo global.
Precisa ser utilizada como um instrumento decisivo de
democratização, um meio de socialização de informações e
220
decisões, uma garantia de democracia cultural para a
população à margem dos processos de modernização. Pode
reforçar o seu poder de compreensão e controle sobre a
realidade” (p.298).
De forma geral, os(as) profissionais indicaram a existência de um
processo de informatização precário, parcial, em fase de implantação,
manifestando apenas uma tentativa ou intenção de se incorporar ao trabalho o
potencial oferecido pela TI, tentando tirar de seu uso ganhos e resultados
positivos para o trabalho. Esta intenção, no entanto, muitas vezes aparece de
forma conturbada e confusa, demonstrando que os(as) profissionais não têm,
ainda, conhecimento mais preciso acerca das noções e significados presentes
no campo da TI, o que pode ampliar os obstáculos para o reconhecimento sua
importância para o trabalho.
“O que é o Serviço Social informatizado? É a nossa sistematização e trabalho no computador? É usar recursos do computador para nossos instrumentais, projetos, pesquisas (com uso da Internet)etc?” (37 anos, sexo feminino, graduação, assistência - RJ).
É possível, no entanto, verificar a incidência de uma postura que
questiona a informatização conduzida nos setores de Serviço Social, indicando
uma tentativa de compreender o computador como um instrumento que pode
propiciar modos de uso que ultrapassem a mera digitação, consulta a recursos
ou processos, envio de mensagens etc. Embora não seja explicitado,
alguns(mas) profissionais parecem apontar para uma compreensão de
informatização que tende a se aproximar da perspectiva de potencialização do
exercício profissional que vem sendo apontada neste trabalho, que pode
221
superar um uso meramente burocratizado, como se pode notar nos
depoimentos a seguir.
“A colocação do computador em nossa sala se deu em outubro de 2005. Já a informatização...” (37 anos, sexo feminino, graduação, assistência - RJ).
“O serviço ainda não está informatizado. Apenas acessamos recursos, enviamos mensagens eletrônicas, digitamos textos, documentos etc” (47 anos, sexo feminino, mestrado, saúde - RJ).
“Eu trabalho em uma unidade de saúde ligada ao governo do estado de São Paulo. Posso afirmar que não está informatizado, apesar dos agendamentos serem feitos por computador (o computador é um 486)” (44 anos, sexo feminino, especialização, saúde - SP).
“Bem, temos na sala do Serviço Social computador, com impressora e acesso a Internet, mas os procedimentos ainda não foram informatizados” (35 anos, sexo feminino, especialização, saúde - TO).
“Não sei se posso dizer informatizado, tendo em vista o fato de que a equipe interdisciplinar, que conta com, além de nove profissionais de outras áreas, um assistente social e duas estagiárias, possui um computador, sem acesso a Internet” (38 anos, sexo feminino, especialização, criança/adolescente - RS).
“O setor tem computadores, mas não tem um sistema de software para o Serviço Social. Em uma primeira fase participamos de uma discussão, mas não foi em frente” (44 anos, sexo feminino, doutorado, saúde - RJ).
Nota-se a indicação, por parte de alguns(mas) profissionais, de uma
certa recusa em tomar a noção de informatização como mera existência do
computador, esperando algo mais de tal noção. Parecem, portanto, sinalizar
que a existência de computadores ou outros recursos da TI no local de
trabalho, não significa que tenha havido, de fato, um processo de incorporação
da TI como recurso capaz de potencializar o trabalho dos(as) assistentes
222
sociais. No entanto, embora não possa ser equiparada à mera informatização,
essa incorporação não pode dela prescindir.
Vários problemas são apontados pelos(as) profissionais para indicar
as dificuldades presentes na construção de um processo de apropriação da TI.
Os mais citados são falta de recursos, falta de vontade política, instalações
inadequadas e resistência dos(as) profissionais. Questões como falta de
estrutura física e inexistência de equipamentos adequados e suprimentos
foram citados de forma mais recorrente, e, de acordo com os(as) profissionais,
podem criar muitas dificuldades para que o processo de incorporação da TI ao
Serviço Social se efetive.
Pode-se perceber que os(as) assistentes sociais indicam vários
fatores que poderiam propiciar a existência de uma incorporação da TI ao
trabalho. Dentre eles se destacam: interesse da instituição e do gestor;
existência de equipamentos e recursos institucionais; existência de recursos
humanos qualificados, que possam implantar e dar continuidade ao processo
de incorporação da TI; maior empenho por parte das chefias de Serviço Social
na aquisição de recursos e implantação de aplicativos específicos para uso do
Serviço Social. Os depoimentos a seguir, permitem verificar tais observações.
“Existem pontos de rede, mas o computador em uso é pessoal, a impressora está quase sempre inoperante por falta de tinta” (50 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).
“Temos apenas dois computadores: um novo e um velho para a utilização de toda a equipe - aproximadamente 65 pessoas” (47 anos, sexo feminino, mestrado, saúde - RJ).
“Faltam máquinas compatíveis com os programas a serem instalados e
223
acesso a Internet. O que temos hoje são computadores antigos muito lentos” (53 anos, sexo feminino, especialização, criança/adolescente - RJ).
“No meu local de trabalho há um computador que não tem condições de uso pela precariedade do equipamento e o mesmo também não acessa a Internet, por não ter ainda ponto de ligação no local. Creio que os equipamentos adequados e acesso à informática melhorariam em muito nossas condições de trabalho” (43 anos, sexo feminino, mestrado, assistência - RS).
“Há um computador na secretaria, para uso de todos. Mas vive com problemas, impossibilitando seu uso. Criamos vários arquivos/documentos de uso próprio do setor de Serviço Social, mas com o defeito do computador, não podemos avançar” (34 anos, sexo feminino, especialização, assistência - RJ).
“Falta adequação do espaço físico, instalação de computadores, treinamento e interesse” (53 anos, sexo feminino, graduação, previdência - RJ).
“Existem diversas lacunas, desde a implantação da rede, como compra dos equipamentos necessários ainda não alocados na proposta orçamentária deste ano. Temos computadores na secretaria, mas os assistentes sociais não contam com o mesmo, de maneira contínua, em seus trabalhos” (38 anos, sexo feminino, doutorado, assistência - SP).
“Falta termos acesso ao equipamento completo (computador com impressora), pois a unidade já possuía instalações necessárias, inclusive na sala do Serviço Social” (45 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).
Percebeu-se, também, a existência de uma problematização, por
parte de alguns(mas) profissionais, da imposição da informática ao Serviço
Social. Os depoimentos demonstram a realização de um questionamento das
reais finalidades presentes nos processos de informatização, aos quais, por
vezes, encontram-se sujeitos. Sinalizam que nem sempre tais processos são
conduzidos com vistas à melhoria dos atendimentos, mas apenas para agilizar
processos burocráticos e/ou administrativos, como ilustram os depoimentos a
seguir.
224
“Realmente não sei se pensam na informatização para otimização do trabalho técnico, mas percebo muito mais como uma diminuição da sobrecarga do trabalho administrativo do pessoal desta área. Esta tal informatização se deu pela sobrecarga de material para digitação para o profissional da área administrativa” (38 anos, sexo feminino, especialização, criança/adolescente - RS).
“A informatização deu-se devido à necessidade de controles, como rotatividade, acidentes de trabalhos, bancos de dias, afastamentos por doenças, controle de horas de treinamentos, relatórios gerenciais etc” (47 anos, sexo feminino, especialização, empresa - RJ).
Trata-se de uma postura que precisa ser identificada e criticada,
tendo em vista a superação de uma utilização da TI que tenha por base o
reforço de valores favoráveis aos segmentos dominantes em nossa sociedade.
O Serviço Social pode tentar construir uma forma de apropriação do recurso
tecnológico tendo por objetivo a melhoria dos serviços prestados aos usuários
e usuárias, contribuindo, desta forma, para o reforço de valores condizentes
com a satisfação de seus interesses. Desta forma, a profissão pode afastar-se
de uma incorporação da tecnologia tal qual caracterizada por Vieira Pinto
(2005), em que seu uso tenha por finalidade principal “fazer da tecnologia um
instrumento eficaz de dominação” (p.301).
Por outro lado, é possível identificar depoimentos em que os(as)
assistentes sociais demonstram uma tentativa de incorporação da TI atribuindo
prioridade à melhoria e ao aprimoramento do trabalho. Ainda que seu potencial
não esteja claramente formulado e evidenciado nestes depoimentos, é possível
perceber a indicação de possibilidades postas pelo uso deste recurso,
principalmente pelas contribuições que já vem oferecendo em termos de
atualização e reformulação de procedimentos na atuação profissional. Além de
225
sinalizarem as possibilidades de alterações no campo da atuação profissional,
apontam também a possibilidade de aprimoramento dos próprios recursos da
TI disponíveis no setor ou instituição, a partir de questões levantadas pela
dinâmica do trabalho.
“A informatização já existia quando eu cheguei. Mas houve uma mudança a partir do trabalho, que foi uma atualização do sistema e a criação de um programa voltado para as questões que tratam o Serviço Social na instituição. Está sendo atualizado no momento, com previsão de conclusão em outubro de 2006. Também foi instalado o acesso a Internet, por ser uma ferramenta de uso contínuo para comunicação e multiplicação de informações” (33 anos, sexo feminino, graduação, criança/adolescente - RJ).
“Hoje, todos os atendimentos sociais e programas corporativos do Serviço Social podem ser registrados e acompanhados pelo sistema, que permite consultas e emissão de relatórios gerenciais, com a possibilidade da estratificação de dados de acordo com a necessidade. Este sistema vem sendo aperfeiçoado e atualizado sistematicamente” (42 anos, sexo feminino, graduação, empresa - RJ).
“Tanto na empresa onde trabalho (saúde), quanto no órgão público (prefeitura), já existiam os computadores. Na clínica foram desenvolvidos programas, incluindo a avaliação social dos pacientes, e outros formulários e sistemas de controle e avaliação do trabalho foram implantados pelo próprio assistente social, no caso eu mesma, como primeira assistente social da clínica. Na prefeitura, onde atuo em coordenação financeira de fundos municipais, tudo está informatizado, mas na área social, ainda falta muito para ter um banco de dados eficiente dos usuários da assistência” (43 anos, sexo feminino, graduação, saúde e assistência - RJ).
“Quando cheguei já existiam computadores, contudo, com o passar do tempo este equipamento foi se tornando cada vez mais indispensável para praticamente todos(as) os(as) que trabalham neste setor, o que torna a quantidade de computadores insuficiente” (28 anos, sexo feminino, mestrado, saúde - RJ).
Os profissionais, portanto, tendem a evidenciar uma tentativa de se
apropriar da TI, extrapolando os limites de uma preocupação tecnicista,
gerencial ou mistificadora deste recurso. Assim, mostra-se importante para
esses profissionais a postura de superar a compreensão da TI de forma
226
reduzida a ferramentas de racionalização do trabalho, de permanência no
mercado de trabalho ou, ainda, de adequação aos novos tempos. Ao abordar
os estudos acerca da tecnologia e educação, no âmbito da “sociedade da
informação”, Barreto (2004) observa que é preciso distinguir “os que partem de
seu questionamento daqueles que assumem tal sociedade como pressuposto”
(p.1185). Tendo em vista as observações da autora, considera-se que o debate
sobre a TI no Serviço Social será mais bem realizado na medida em que
conseguir superar posturas mistificadoras e avançar no sentido de incentivar
um processo de apropriação e incorporação crítica do recurso tecnológico aos
processos de trabalho e à formação profissional.
3 . 2 . 2 . A P A R T I C I P A Ç Ã O D O S E R V I Ç O S O C I A L N O S P R O C E S S O S D E I N C O R P O R A Ç Ã O D A T I
Um ponto interessante abordado no questionário refere-se à
participação dos(as) profissionais nos processos de informatização dos setores
de Serviço Social. Constatou-se que entre os(as) assistentes sociais que atuam
em setores informatizados, boa parte deles(as) (58%) relatou ter participado do
processo de informatização, como demonstra o gráfico a seguir.
227
Gráfico 27 - Os assistentes sociais participaram do processo de informatização? - Total de casos: 67
28
39
0 10 20 30 40 50
Não
Sim
Fonte: SSTI, 2006.
Nota-se, no entanto, que os principais canais de participação
relatados pelos(as) profissionais foram o acompanhamento da implantação de
programas específicos e a inserção em cursos e programas de treinamento.
Atividades como planejamento e parametrização de programas, ou ainda
proposição e solicitação de bancos de dados e aplicativos específicos são
pouco citadas.
O envolvimento dos(as) profissionais com o processo de
incorporação da TI ao Serviço Social é tomado neste trabalho como um
aspecto relevante. Considera-se importante reconhecer se os(as) assistentes
sociais vêm tendo alguma participação ativa nesse processo ou se costumam
ficar aguardando que outros sujeitos o definam e o conduzam. Isso não
significa que os(as) profissionais tenham que dominar conhecimentos
específicos da área de informática, mas apropriar-se de um conteúdo mínimo
228
que lhes permita desenhar os traços gerais tanto de um processo de
informatização mais restrito, quanto, numa perspectiva mais ampla, uma
incorporação efetiva da TI. Assim, ao serem perguntados sobre como se deu o
processo de informatização do Serviço Social (quando relatada a existência de
tal processo), alguns(mas) profissionais indicaram que este foi imposto de
forma autoritária, conturbada, precária e improvisada, sem recursos, suporte e
acompanhamento adequados. São depoimentos que indicam uma ausência de
participação dos(as) profissionais na construção desse processo de
informatização e, conseqüentemente, inviabilizam um processo de apropriação
mais efetiva e crítica da TI.
“Estou chamando de informatização a instalação dos computadores. Mas foram criados programas os quais o Serviço Social não foi chamado para conhecer ou saber operar. Foram oferecidos cursos apenas alguns no nível de operacionalização de processadores de texto: Carta Certa, Word etc.” (48 anos, sexo feminino, especialização, justiça - RJ).
“Somente participaram os profissionais da informática” (45 anos, sexo feminino, especialização, empresa - SP).
“Os assistentes sociais não participam da informatização, assumindo apenas o papel de usuário (digitar relatórios, por exemplo)” (34 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).
“A equipe de Serviço Social (existente no Rio Mulher há apenas dois anos) não chegou a participar da implantação da informatização” (30 anos, sexo feminino, especialização, assistência - RJ).
“Não houve participação do Serviço Social e somos obrigadas a nos adequar a nova realidade” (37 anos, sexo feminino, especialização, assistência - RJ).
Alguns(mas) profissionais indicaram, ainda, que a informatização do
Serviço Social aconteceu por determinação externa ao setor, muitas vezes pela
229
direção da instituição, sendo operacionalizada pelos setores de informática ou
de TI da instituição como um todo. Apesar de, muitas vezes, as equipes de
Serviço Social apresentarem demandas e iniciativas voltadas à participação
nesse processo de informatização, a existência de uma determinação externa
tende a reforçar a ausência de uma participação mais efetiva dos(as)
profissionais no processo.
Além disso, há alguns depoimentos que indicam que os processos
de informatização dos setores de Serviço Social não são frutos de
reivindicações ou pressões originadas exclusivamente por esses setores, tendo
em vista que muitas vezes a informatização do Serviço Social acompanhou a
informatização da própria instituição e de seus diversos setores. Novamente,
em tais situações, percebe-se a inexistência de uma participação consistente
dos(as) assistentes sociais no processo de informatização.
“A informatização do Serviço Social ocorreu no mesmo momento que ocorreu em outras áreas” (45 anos, sexo feminino, especialização, empresa - SP).
“Desde a implantação do serviço social, a estrutura da instituição já era informatizada, só solicitei da necessidade deste setor” (28 anos, sexo feminino, graduação, saúde - MG).
“O Serviço Social é informatizado porque toda a empresa é informatizada, não tem nenhum setor que não seja” (31 anos, sexo feminino, mestrado, empresa - RJ).
“O Serviço Social foi incorporando a informática às suas atividades paulatinamente, conforme estas tecnologias foram sendo inseridas no âmbito da empresa. Quanto à informatização via sistema específico, padronizado para toda a empresa, ocorreu mais tardiamente, há cerca de três anos.
“Como toda a estrutura da prefeitura foi informatizada o Serviço Social também foi, porém estamos adaptando as máquinas, os programas às nossas necessidades. Adaptando inclusive os técnicos para o bom uso da
230
tecnologia” (39 anos, sexo feminino, especialização, assistência - RS).
“A informatização ocorreu como parte de um projeto de modernização administrativa, da Prefeitura Municipal de Porto Alegre” (47 anos, sexo feminino, especialização, gestão - RS).
“A informatização aconteceu em todos os setores através de um sistema único de informatização de informações” (48 anos, sexo feminino, especialização, justiça - SC).
Isso significa que, se por um lado constata-se a existência de um
processo de informatização de alguns setores de Serviço Social, indicando a
existência de algum tipo de incorporação da TI ao trabalho, por outro esta
incorporação de modo algum significa uma apropriação crítica e efetiva de tal
tecnologia por parte dos(as) profissionais. Absorvida como decorrência de
determinações autoritárias impostas aos setores de Serviço Social, dissociada
das reais necessidades apresentadas por estes setores, a TI serve muito mais
como instrumento de controle e opressão do que de emancipação e defesa de
direitos. A potencialização originada com este tipo de uso não tem por objetivo
a defesa dos valores presentes no projeto profissional, mas a dos valores que
sustentam relações sociais marcadas pela desigualdade e injustiça.
3 . 2 . 3 . A S M U D A N Ç A S P R O P I C I A D A S P E L A T I
Apesar de relatarem vários problemas presentes no processo de
informatização dos setores de Serviço Social, grande parte dos(as)
profissionais (94%) apontou o surgimento de mudanças nos procedimentos e
231
processos de trabalho devido à inclusão de recursos da TI, como mostra o
gráfico a seguir.
Gráfico 28 - Foram notadas mudanças por conta da informatização? - Total de casos: 67
4
63
0 10 20 30 40 50 60 70
Não
Sim
Fonte: SSTI, 2006.
Tais mudanças, de acordo com os(as) profissionais, exerceram
alguns impactos sobre o trabalho realizado pelos(as) assistentes sociais,
ocasionando, em muitos casos, melhorias significativas, principalmente em
relação à agilização de algumas tarefas relativas ao trabalho, ao registro e
tratamento de dados e ao acesso a redes de informações disponíveis sobre
serviços e recursos. O gráfico a seguir demonstra que grande parte dos(as)
profissionais (93%) relatou que o processo de informatização, de forma geral,
melhorou a realização do trabalho do Serviço Social, enquanto apenas 7%
disseram que não houve mudanças expressivas.
232
Gráfico 29 - A informatização propiciou melhorias p ara o Serviço Social? - Total de casos: 67
62
5
0 10 20 30 40 50 60 70
Melhorou
Não houvemudança
Fonte: SSTI, 2006.
Os depoimentos dados pelos(as) profissionais apontam para um
forte reconhecimento do valor da TI na condução de seu trabalho. Em geral,
os(as) profissionais afirmam que o uso da TI torna o trabalho mais ágil e
dinâmico, principalmente nas tarefas mais burocráticas; favorece a
comunicação entre os(as) profissionais e as instituições; ajuda na localização e
referenciamento de recursos; otimiza a elaboração de relatórios e pareceres
sociais; imprime uma maior organização ao setor; favorece o acesso a
informações; dentre outras.
“Com certeza trouxe agilidade na informação institucional, bem como na identificação de recursos externos e na gerência dos dados do setor” (34 anos, sexo feminino, especialização, justiça - RJ).
“É muito bom fazer um encaminhamento, um relatório, um projeto e imprimi-lo. Contar com dois computadores e uma impressora é fabuloso. Isso de certa forma até compensava a falta da Internet, pois nesses casos em que precisávamos viabilizar alguns encaminhamentos, tínhamos que fazer ‘a moda antiga’ (ligar para rede de serviços e fazer uma peregrinação para saber como encaminhar, quais os documentos necessários e com isso garantir o acesso às políticas sociais)” (29 anos, sexo masculino, mestrado, assistência - AL).
233
“Com relação à possibilidade de pesquisa, na assistência nos ajuda a agilizar o atendimento, através de informações previdenciárias, saúde etc. Além de formulários que podemos deixar prontos” (50 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).
“Até hoje ainda procuramos usufruir o máximo dos recursos oferecidos. No meu local de trabalho, há algum tempo, o envio de correspondências somente se faz a partir da confecção de guias de remessa pelo sistema integrado. Fazemos consultas a processos, o que facilitou em muito para o Serviço Social conhecer um pouco do resultado de seu trabalho. Temos nossos logins que permitem também o acesso a informações pessoais (solicitações, processos, contracheques etc.)” (48 anos, sexo feminino, especialização, justiça - RJ).
“Melhorou todos os processos do Serviço Social pela acessibilidade dos dados (agora on-line) por qualquer assistente social da empresa, de qualquer unidade do país; pelas pesquisas de dados e correlações viáveis de serem efetivadas, pela gestão dos resultados da prática profissional, dentre tantas outras melhorias” (42 anos, sexo feminino, graduação, empresa - RJ).
“Melhorou uma vez que deu mais autonomia ao setor na criação e impressão de relatórios/formulários específicos do Serviço Social. Há cerca de três anos temos acesso direto à Internet, o que facilitou a consulta de recursos comunitários, informações relacionadas às necessidades dos usuários deste serviço, agilidade na comunicação na organização e também externa” (33 anos, sexo feminino, graduação, saúde - SP).
“Acredito que tenha melhorado, pois a informatização agiliza processos de comunicação, troca/busca de informações e de registros. Com o acesso a Internet foi possível, por exemplo, buscar uma série de informações sobre recursos, dados, orientações, protocolos e informações sobre órgãos e políticas públicas” (45 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).
“Melhorou, na busca por informações, na agilização do contato com outras instituições, na comunicação com outros profissionais” (33 anos, sexo feminino, graduação, criança/adolescente - RJ).
“Maior agilidade no trabalho, desenvolvimento de uma rede de informação, melhor conhecimento técnico do profissional” (41 anos, sexo feminino, especialização, criança/adolescente - RJ).
“Agora é possível até agendar as perícias do INSS, facilitando, assim, ao usuário, que muitas vezes não dispõe de transporte e não tem a necessidade de enfrentar filas” (47 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RS).
“Por conta de ter, por exemplo, acesso à Internet, agilizou a comunicação e o envio de trabalhos, o acesso a sites relativos à área” (37 anos, sexo feminino, graduação, saúde - SC).
234
“A utilização dos programas teve um grande impacto no nosso trabalho, viabilizando a consolidação de dados, o que não seria possível sem a utilização dos mesmos. Criamos uma planilha em Excel para acompanhar as famílias beneficiárias do Programa Bolsa-Família e que deveriam comparecer às unidades de saúde para cumprimento de condicionalidade (caso não compareçam correm o risco de perder o benefício). Se não tivéssemos utilizado a planilha, seria inviável tal acompanhamento, já que são muitas famílias“ (28 anos, sexo feminino, mestrado, saúde - RJ).
Se a informatização embrionária pela qual o Serviço Social vem
passando, marcada pelos problemas apontados há pouco, consegue gerar
mudanças positivas, tal como sugerem os(as) assistentes sociais, o que dizer a
respeito dos resultados que poderiam ser gerados a partir de uma apropriação
mais consistente, crítica e efetiva da TI? Acredita-se que as possibilidades são
diversas, e a tarefa que é colocada à profissão reside exatamente em
desvendar tais possibilidades, convertendo-as em experiências efetivas de
apropriação crítica deste recurso.
Reconhecer a importância da TI para o trabalho do(a) assistente
social não significa, no entanto, cair na armadilha da mistificação da informática
e da tecnologia, como se todos os problemas existentes no exercício
profissional simplesmente desaparecessem ao se incorporar a TI. Incorrer
nesse erro significa extrapolar as fronteiras das reais possibilidades contidas no
uso deste recurso e atribuir-lhe um caráter “salvacionista”, ou, nas palavras de
Vieira Pinto (2005), conferir “poder demiúrgico” ao que se constitui como
expressão de um modo de ser do sujeito real a que se refere” (p.158). É nesse
sentido que se apontam alguns depoimentos que podem levar a uma postura
de “endeusamento” da TI, atribuindo-lhe o papel de salvadora, quando na
verdade, o que ela realmente faz é auxiliar, ou ainda, potencializar o processo
235
de solução dos problemas existentes, sem constituir-se, por si mesma, na
solução para esses problemas.
“Sem a informatização tudo seria mais difícil” (33 anos, sexo feminino, especialização, educação - RJ).
“Sabemos que um dos objetivos do Serviço Social é a veiculação de informações e isso hoje não é possível sem uma atualização constante e essa atualização não se dá sem o recurso da informática e da tecnologia” (35 anos, sexo feminino, especialização, saúde - TO).
“Sem dúvida, trabalhar com estes recursos disponíveis é de fundamental importância. Não consigo imaginar um profissional nos dias de hoje trabalhando de outra forma” (39 anos, sexo feminino, especialização, empresa - RJ).
“Acredito que tudo que é informatizado é melhor para trabalhar” (44 anos, sexo feminino, graduação, empresa - RJ).
“Quem não se atualizar na utilização da informática não tem como trabalhar, já que todas as informações e todos as metodologias de trabalho são informatizadas” (35 anos, sexo feminino, especialização, saúde - TO).
“O assistente social, bem como qualquer outro profissional, precisa sair da universidade com o mínimo de atualização para o mercado de trabalho. Um assistente social que não sabe trabalhar com a informática ou usá-la a favor de seu trabalho não acompanhará o desenvolvimento da sociedade, principalmente pela dinâmica e agilidade da informação, atualmente” (33 anos, sexo feminino, graduação, criança/adolescente - RJ).
“Hoje não consigo imaginar minha prática profissional sem a TI” (44 anos, sexo feminino, especialização, assistência - RJ).
“Avalio como importantíssima a garantia do acesso da informática no Serviço Social. A meu ver não há como intervir, sem o apoio desta ferramenta” (44 anos, sexo feminino, mestrado, assistência - RJ).
Nota-se, portanto, um certo deslumbramento com os recursos
oferecidos pela tecnologia e as possibilidades de mudanças dela decorrentes.
A existência de tal postura demonstra a necessidade de cautela para não tomar
236
estes recursos como soluções mágicas para os problemas reais que ocorrem
no cotidiano do trabalho profissional. Uma observação de Guerra (1995) pode
ser útil para refletir sobre essa questão:
“o fetiche que permeia o instrumental técnico e a deificação das
metodologias de ação (...) colocam-se como determinações e
especificações tanto da instrumentalidade do Serviço Social
quanto da insuficiência na compreensão do profissional sobre o
significado social e político da sua prática” (p.168).
A autora aponta, portanto, uma “tendência de atribuir aos
instrumentos e técnicas, municiadores da intervenção, um status superior
àquele que é dado aos demais componentes da prática profissional” (p.169).
Trata-se de uma tendência que encontra seu ponto de sustentação no
“fetichismo que envolve as relações sociais do mundo burguês e que, em
última instância, são representações falsas sobre a realidade” (idem). A autora
ressalta que o domínio do instrumental técnico requisita do(a) profissional um
conhecimento das finalidades presentes na atuação e das formas de alcançá-
las, considerando que:
“Ao atribuir autonomia às metodologias de ação e ao
instrumental técnico, ao separá-los e torná-los independentes
do projeto profissional, o assistente social acaba por
transformar o que é acessório em essencial. O fetiche,
enquanto ‘escopo do mundo moderno’, também penetra as
representações e auto-representações dos assistentes sociais
sobre os elementos que mediatizam a sua intervenção” (p.169)
237
Considera-se que a TI constitui-se como um recurso de grande
importância, no entanto não substitui outras dimensões fundamentais do
exercício profissional, inclusive o próprio profissional. Em geral, é perfeitamente
possível que o trabalho do Serviço Social se realize sem o recurso da TI. Sua
presença pode tornar sua realização mais rápida, sistematizada, organizada,
propiciando condições para potenciar as dimensões inerentes ao exercício
profissional. É neste sentido que não se deve cair na postura que identifica a TI
como um elemento que deva substituir os(as) profissionais. Tal preocupação é
indicada por alguns(mas) profissionais, como se pode verificar nos
depoimentos a seguir.
“Vejo a informática para o Serviço Social como um instrumento altamente facilitador da ação profissional, mas não essencial” (54 anos, sexo feminino, graduação, previdência - RJ).
“Vejo esta tecnologia como ferramenta auxiliar do trabalho do Serviço Social, seja no planejamento, na execução, na avaliação ou na supervisão de ações e de processos de trabalho” (45 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).
“É necessário pela agilidade em buscar informações, em pesquisar assuntos, em se atualizar, mas não é o principal. No momento em que a máquina for o principal, não existirá a essência do Serviço Social” (48 anos, sexo feminino, graduação, empresa - RJ).
Desta forma, o Serviço Social precisa planejar e organizar uma
incorporação da TI tomando-a como um elemento auxiliar, subordinado a seus
interesses profissionais, não individuais, mas coletivos, permitindo que esse
recurso seja colocado a serviço de tais interesses. Agindo desta forma, poderá,
além de preservar, ampliar seu espaço de legitimidade profissional.
238
Considera-se que muitas atividades que os(as) assistentes sociais
poderiam realizar com o recurso da TI, poderia ser feito, também, sem utilizar-
se dele. A diferença é que as atividades e procedimentos seriam feitos de
forma menos rápida e menos ágil. Isso significa que o elemento principal neste
contexto não é o recurso tecnológico em si, mas o sujeito que trabalha, o(a)
profissional, que se apropria deste recurso para alcançar os projetos que já tem
em mira. O fator substantivo, digamos assim, reside no profissional, enquanto
no recurso tecnológico reside o fator adjetivo. Importante, mas ainda assim,
adjetivo, e que, portanto, não pode substituir o real sujeito da atuação
profissional. Assim, mais uma vez, a TI pode possuir um papel importante para
o trabalho, mas isso não significa nem o ofuscamento nem a substituição
dos(as) profissionais. Ao contrário, tal papel reside exatamente na
potencialização de seu trabalho, de suas atividades e na consolidação de sua
condição de protagonista de seu exercício profissional.
Tais comentários conduzem à observação de que a incorporação da
TI ao trabalho do(a) assistente social não deve ter por conseqüência uma
redução ou uma economia de trabalho. Pode significar, sim, que a quantidade
de trabalho manual, mecânico, burocrático e repetitivo pode diminuir, no
entanto outras habilidades e competências passam a ser exigidas do(a)
profissional, como, por exemplo, a habilidade de analisar e interpretar a grande
quantidade de dados e informações produzidas pelo Serviço Social com o
auxílio da TI, aumentando a demanda global por trabalho. Os(As) profissionais
precisam tomar cuidado para não perder de vista o potencial a ser retirado do
uso da TI: este recurso não serve apenas para realizar mais atividades de
239
forma mais rápida, mas para tentar imprimir algum tipo de mudança qualitativa
no trabalho, seja na captação de dados da realidade que antes não podiam ser
percebidos, seja na promoção de novas modalidades de atendimento voltadas
à satisfação das necessidades dos usuários e usuárias, tendo em vista o
potencial do recurso tecnológico de sistematizar e organizar dados e
informações sobre serviços e direitos sociais. Os depoimentos a seguir
parecem apontar para esta preocupação, embora, em geral, não a
desenvolvam de forma mais contundente.
“Como potencializador da organização de dados do Serviço Social, a importância da informática para os usuários é clara porque otimizamos tempo que pode ser dedicado a ampliação de nossas ações junto aos usuários, respondendo a outras demandas que antes seriam inviáveis de responder por conta do tempo. Ao consolidarmos dados podemos ter acesso às maiores demandas colocadas pelos usuários, tanto explícitas quanto implícitas, o que ajuda na elaboração de projetos, do estabelecimento de prioridades e na elaboração de avaliações do nosso trabalho” (28 anos, sexo feminino, mestrado, saúde - RJ).
“O uso da informática melhorou e aumentou o trabalho, como ocorre em todas as áreas no sistema on-line” (45 anos, sexo feminino, especialização, empresa - SP).
A informática proporcionou maior agilidade no trabalho, mais resultados, mais alternativas de acesso a recursos, mas também mais sobrecarga de trabalho, porque as demandas também chegam com mais velocidade e aguardam respostas velozes. Pelo aumento de sobrecarga, pela velocidade de informações, que atinge o mundo do trabalho em geral, temos que ficar atentos a nossa saúde psíquica no trabalho” (31 anos, sexo feminino, mestrado, empresa - RJ).
“A capacidade de trabalho e o acesso às informações e soluções ficou muito mais amplo” (54 anos, sexo feminino, graduação, previdência - RJ).
Alguns(mas) profissionais destacaram que grande parte das
melhorias obtidas decorre exclusivamente do esforço do(a) profissional, sem
incentivos por parte da instituição empregadora. De fato, em diversas
240
instituições, pode-se constatar uma grande exigência em relação ao uso da TI,
tendo em vista a transferência de diversas atividades para o ambiente
tecnológico. Pense-se, por exemplo, no âmbito universitário, a forma atual de
lançamento das notas dos(as) alunos(as): se antes o preenchimento era feito
em atas ou formulários de papel e enviados às secretarias dos departamentos,
atualmente, tal preenchimento faz-se diretamente em um sistema on line, o que
traz, certamente, grande economia de tempo e trabalho para o conjunto de
trabalhadores envolvidos na realização da tarefa. Nota-se, assim, a
transferência desta atividade, para o ambiente tecnológico, extraindo-se daí,
vantagens na maioria das vezes gerenciais.
O problema, no entanto, está no fato de que muitas vezes
transferências como essa ocorrem sem ser acompanhadas por um processo de
qualificação e envolvimento com o novo recurso, além de não haver, também,
uma disponibilização de equipamentos em quantidade e qualidade suficientes
para uma efetiva incorporação da TI com finalidades para além das gerenciais.
É nesse sentido que a questão das condições de trabalho mostra-se tão
importante, já que elas constituem-se como um dos elementos fundamentais
para a efetivação da incorporação da TI, como sinalizam os depoimentos a
seguir.
“O que sei manusear do computador aprendi em minha casa por interesse próprio, e não por incentivo do empregador. Vários colegas não sabem absolutamente nada sobre computador” (38 anos, sexo feminino, especialização, criança/adolescente - RS).
”Em geral, o trabalho melhorou, contudo, como os equipamentos e as instalações não são apropriados, em alguns momentos isto nos faz perder muito tempo aguardando a resolução dos problemas que tanto são de software quanto de hardware” (28 anos, sexo feminino, mestrado, saúde -
241
RJ).
”Falta as instituições disponibilizarem os equipamentos para uso dos profissionais e se necessário possibilitar a realização de cursos de qualificação” (45 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).
“Em relação à TI, dispomos de uma assessoria técnica, mas que não vem contemplando algumas de nossas demandas, como por exemplo, a elaboração de um banco de dados para o Serviço Social. Assim, o banco de dados vem sendo montado a partir da iniciativa dos próprios assistentes sociais. Porém, tal serviço deveria ser assegurado pela instituição” (26 anos, sexo feminino, graduação, assistência - RJ).
Além disso, muitas vezes, o próprio profissional é quem vai ter que
comprar os recursos necessários para o seu trabalho, tendo em vista a
inexistência de sua alocação por parte das instituições empregadoras. Trata-se
de um quadro que, além de demonstrar os efeitos perversos do neoliberalismo
sobre as condições de trabalho, indica a realidade em que diversos assistentes
sociais tentam, quase que heroicamente, conduzir suas atividades
profissionais. O depoimento a seguir ilustra o extremo a que tal situação pode
chegar.
“As condições são mínimas, embora possua uma sala, que comporta privacidade para uma entrevista. Após um ano e meio, recebi cadeiras adequadas para os usuários e/ou outros profissionais sentarem durante uma entrevista ou discussão de caso, pois as disponíveis eram aquelas plásticas de quinta categoria, cujas pernas iam abrindo até quebrar (tivemos colegas que caíram ao chão durante reunião e usuários batendo cabeça na parede, ao despencar da cadeira). O material para documentação é de última qualidade, tanto que eu mesma compro meu material de escritório para consumo próprio. Canso de imprimir documentos em casa, e a Internet, uso a particular, pois não há acesso no trabalho. Possuo um colega assistente social, que em certa ocasião comprou cadeira e mesa para trabalhar. Eu comprei o ventilador de teto de minha sala devido ao calor insalubre nas tardes de verão e estufa para o inverno. Outras colegas assistentes sociais dividiram a compra de um ar-condicionado para a sala coletiva dos profissionais” (38 anos, sexo feminino, especialização, criança/adolescente - RS).
242
Embora não sejam a causa exclusiva, situações como essa podem
contribuir para fortalecer ainda mais o distanciamento do Serviço Social em
relação ao uso da TI no trabalho. Apesar dos(as) profissionais afirmarem que a
TI tem uma grande importância para a profissão, muitos(as) não conseguem
efetivamente utilizá-la, tendo em vista a sua inexistência ou escassez. Tais
condições criam uma aparência de resistência ao uso da TI, quando na
verdade o que ocorre é uma enorme dificuldade em utilizá-la, tendo em vista os
diversos obstáculos que se põem a seu acesso, como ilustram os depoimentos.
“Não vejo resistência do profissional em usá-lo, acredito que as prefeituras dentro das secretarias de assistência social é que não disponibilizam. Depende da valorização que as administrações dão para a área social” (38 anos, sexo feminino, mestrado, assistência - RS).
“Não acredito em resistência ao uso da informática e sim, dificuldades para acesso a equipamentos, programas, manuseio, dentre outras” (38 anos, sexo feminino, doutorado, assistência - SP).
”Não sei se é resistência ou se é escassez desta tecnologia nos serviços, como no nosso caso” (47 anos, sexo feminino, mestrado, saúde - RJ).
Nota-se, portanto, que os(as) profissionais indicam nos depoimentos
uma referência ao fato de que tanto a existência de condições de trabalho
adequadas, quanto o incentivo ao uso da TI pelo Serviço Social, são aspectos
fundamentais para que este recurso seja adequadamente incorporado ao
exercício profissional.
243
3 . 2 . 4 . O S C O N D I C I O N A N T E S D A I N C O R P O R A Ç Ã O D A T I
Nesta seção, pretende-se discutir alguns elementos mais específicos
que podem condicionar a incorporação da TI pelo Serviço Social. Não se
desconsidera, neste momento, a importância dos aspectos históricos e
processuais mais gerais apresentados ao longo do capítulo 1. A forma
hegemônica de imposição da tecnologia ao conjunto da sociedade por parte
dos grupos dominantes evidentemente condiciona fortemente os usos
possíveis desses recursos tecnológicos, não apenas por parte do Serviço
Social, mas também por parte do conjunto dos trabalhadores. Da mesma
forma, as transformações societárias pelas quais a sociedade capitalista vem
passando desde a década de 70, principalmente aquelas que se referem à
desresponsabilização e ao desmonte do Estado e à reestruturação produtiva,
exercem grande influência sobre as modalidades possíveis de incorporação da
TI por parte dos(as) trabalhadores, dentre eles(as) os(as) assistentes sociais.
Apesar de não desconsiderar a existência e influência desses
aspectos estruturais, o que se pretende é apresentar alguns elementos mais
específicos e pontuais que condicionam a incorporação, por parte da profissão,
desse recurso tecnológico, tendo por base as respostas oferecidas pelos(as)
profissionais. Neste sentido, verificou-se que o uso da TI pressupõe a
existência, no âmbito da atuação profissional, de condições básicas a sua
apropriação. De forma geral, os(as) profissionais apontam três elementos
básicos que tornam possível a incorporação da TI ao trabalho profissional:
vontade e interesse dos(as) profissionais em utilizar a tecnologia em seu
244
trabalho; existência de condições de trabalho adequadas; existência de
formação profissional voltada para o tratamento deste tema.
Gráfico 30 - O que está faltando para que a incorpo ração da tecnologia da informação ao Serviço Social aconteça ? - Total de casos: 77
53%
27%
19%
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60%
Formação ecapacitaçãoprofissional
Condições detrabalho adequadas
Interesse e vontadedos profissionais
Fonte: SSTI, 2006.
Na opinião dos(as) profissionais, o principal fator que possibilita uma
adequada incorporação da TI ao trabalho do Serviço Social refere-se a uma
formação profissional que dê conta das principais questões referentes não só
ao uso operacional do recurso técnico, mas também à desmistificação e
superação da resistência em relação ao seu uso, demonstrando as
possibilidades e efeitos positivos de sua adequada utilização. Os(As)
profissionais sinalizam a importância de disciplinas nos cursos de graduação e
pós-graduação, capacitações, cursos, palestras e espaços de discussão e
reflexão sobre esta temática como forma de qualificação e como possibilidade
de combate à resistência ao uso da TI, possibilitando uma maior aproximação
dos(as) profissionais a este tema.
245
”Como já disse, cursos específicos para assistentes sociais, disciplinas específicas na graduação e pós-graduação, publicação de artigos sobre o tema e organização de mesas e palestras sobre o tema” (28 anos, sexo feminino, mestrado, saúde - RJ).
”Criação de interfaces entre o mundo da informática e a prática do assistente social” (32 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).
”Os profissionais devem ter acesso a treinamentos, para se familiarizar com o uso rotineiro do computador e de programas, bancos de dados, apresentações etc” (53 anos, sexo feminino, mestrado, previdência - RJ).
”Palestras abertas nas faculdades, Cress, Cfess etc. Mini-cursos, seminários, cursos, divulgação de manuscritos, materiais e artigos tudo correlacionado com a prática tecnológica e profissional” (44 anos, sexo feminino, especialização, assistência - RJ).
”O aprendizado desse conteúdo na formação profissional, não como uma disciplina que reprova, mas como uma atividade discente obrigatória” (29 anos, sexo masculino, mestrado, assistência - AL).
”Talvez uma cadeira ou cursos específicos que mostrem ao profissional o que se pode fazer utilizando a informática” (35 anos, sexo feminino, graduação, justiça - RS).
Ainda no plano da formação profissional, destacam os(as)
profissionais a importância de se socializar e disseminar as experiências
existentes sobre o uso da TI pelo Serviço Social, como forma de discutir e
definir estratégias para ampliar sua incorporação ao trabalho. Além disso,
fazem referência, também, à necessidade de um investimento por parte
dos(as) próprios(as) docentes, no sentido de se qualificarem para incorporar e
difundir a importância desse recurso.
”Falta iniciativa dos formadores” (44 anos, sexo feminino, graduação, empresa - RS).
”No meu ver, falta uma qualificação de professores (não somente professores teóricos, mas que tenham conhecimento da prática profissional)
246
nas universidades. Falta também que o profissional saia do seu comodismo (prática diária) e possa investir em cursos e formação” (38 anos, sexo feminino, mestrado, assistência - RS).
Em sintonia com as preocupações apresentadas pelos(as)
profissionais acerca da incorporação da TI por parte dos(as) docentes, Colmán
(2004) observa que se por um lado pode-se considerar a inclusão do ensino de
informática nos cursos de Serviço Social um passo importante, no sentido de
reconhecer o papel que as novas tecnologias têm nos ambientes de trabalho,
por outro, cabe, também, aos professores, “enquanto responsáveis pela
formação profissional, propor conteúdos que qualifiquem a apropriação das
tecnologias de informação e os sistemas de informação pela nossa profissão”,
ampliando-se, desta forma, as possibilidades de apropriação deste recurso por
parte da profissão.
Além disso, uma das possibilidades para o aumento do debate sobre
o tema é a criação de espaços de discussão sobre Serviço Social e TI, em que
sejam apresentadas, analisadas e problematizadas experiências de aplicação
dessa tecnologia ao exercício profissional, gerando um acúmulo da categoria
sobre o assunto. Com isso, além de conhecer as experiências existentes, é
possível dar visibilidade à temática e incluí-la na agenda de debates da
categoria de assistentes sociais. Como observou Mattelart (2002, p.169), “a
demonstração de experiências de uns têm efeitos sobre a prática dos outros”,
sinalizando uma postura que pode ser de grande importância para a reflexão e
a formulação de propostas alternativas ao modelo hegemônico.
247
O segundo fator que, de acordo com os(as) profissionais, possibilita
a incorporação da TI ao exercício profissional, refere-se à existência de
condições adequadas de trabalho, que disponibilizem recursos físicos,
materiais e humanos em quantidade e qualidade necessárias para a condução
das atividades. As condições de trabalho são vistas como de grande relevância
pelos(as) profissionais, principalmente se forem tomadas em conjunto com uma
formação profissional sintonizada com as demandas apresentadas pelos
usuários e usuárias e capaz de dar conta das necessidades de aprendizado
sobre o uso da TI.
”Acesso por meio de condições oferecidas pelas instituições empregadoras” (40 anos, sexo feminino, mestrado, justiça - SP).
”Ter acesso a informática no local de trabalho e maior conhecimento dos recursos a ser utilizados” (49 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RS).
”Universidades mais equipadas que ajudem a preparar o aluno, instituições que invistam em condições de trabalho e programas que potencializem o trabalho do assistente social” (31 anos, sexo feminino, mestrado, empresa - RJ).
”Em alguns lugares, até mesmo o equipamento em condições de uso. Oferta de cursos e informações também” (34 anos, sexo feminino, especialização, assistência - RJ).
“Possuímos uma pequena sala, somente para o setor, com duas mesas de escritório com cadeiras de interlocutor e um aparelho telefônico. Existem as instalações para ligar o equipamento e o cabo de acesso para a Internet. O que não existe é o equipamento!” (45 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).
O terceiro fator que possibilita a incorporação da TI refere-se à
iniciativa dos(as) profissionais. Foram feitas referências à ausência de
iniciativa, força de vontade ou interesse do(a) profissional em incorporar a seu
248
trabalho o potencial oferecido pela TI. Tal incorporação, de acordo com os
depoimentos, poderia trazer melhorias para além da realização do trabalho,
incidindo também sobre o status do(a) profissional, fazendo com que os(as)
assistentes sociais passassem a ser vistos como profissionais “modernos”,
“antenados(as) com as novidades”, capazes de “concorrer” com os outros
profissionais nas instituições empregadoras para se manterem no mercado de
trabalho. Nota-se uma tendência de tomar a TI como um elemento que
possibilita a própria sobrevivência do(a) profissional no mercado de trabalho,
tendo em vista, principalmente, o fato de que outras profissões já vêm
realizando essa incorporação, estando, desta forma, à frente do Serviço Social,
que por sua vez, estaria em desvantagem em relação a outros(as)
profissionais.
”É preciso expor a necessidade da informática e como é tempo que se economiza. Acredito que seja questão de sobreviver ao mercado de trabalho, a sua permanência na empresa, ao desenvolvimento e crescimento do seu trabalho” (44 anos, sexo feminino, graduação, empresa - RJ).
”Falta visão ampliada da categoria, pois ao incorporar a informática a nossas atividades, estaremos sendo vistos como um profissional de prática atual, pois o mundo está informatizado e as informações poderão ser armazenadas e repassadas de forma rápida e eficiente, facilitando assim a prestação de serviço a nossos usuários” (44 anos, sexo feminino, especialização, assistência - RJ).
”Falta interesse dos que não acompanharam o processo tecnológico” (24 anos, sexo feminino, graduação, assistência - RJ).
”Falta vontade de superar seus limites” (45 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).
“É necessário que haja uma conscientização da categoria sobre a importância da informática como instrumento de trabalho” (33 anos, sexo feminino, mestrado, saúde - RJ).
249
”Acho que há apenas um grupo de resistentes, aqueles que se formaram há muito tempo ou que mesmo recém-formados têm na profissão apenas um título para ganhar mais um pouco. Infelizmente temos muitas colegas negando essa realidade, dizendo que não têm mais como aprender. Falta engajamento com a profissão e com todas as suas nuances” (35 anos, sexo feminino, especialização, saúde - TO).
Apesar de compreender a preocupação dos(as) profissionais com
sua inserção no mercado de trabalho é necessário observar que o valor da TI
para o trabalho do Serviço Social não se restringe à sobrevivência do(a)
profissional neste mercado, ou, ainda, à aquisição de um status mais elevado
devido ao domínio de alguns recursos tecnológicos. Considera-se que a
preocupação maior consiste nas possibilidades que a TI apresenta para a
potencialização do trabalho e para as suas conseqüências para o conjunto da
profissão, e não para alguns(mas) profissionais apenas. Nesse sentido, uma
abordagem acerca da importância da TI, limitada às suas conseqüências para
o âmbito pessoal, da iniciativa individual, da força de vontade de cada um
(embora dela não se possa prescindir), não é tão elucidativa quanto aquela que
abrange a dimensão coletiva da profissão, envolvendo o conjunto da categoria
profissional e as condições necessárias à realização de seu trabalho,
destacando-se dentre elas a formação profissional e as condições adequadas
de trabalho nas instituições empregadoras.
250
3 . 2 . 5 . O P A P E L D A F O R M A Ç Ã O P R O F I S S I O N A L
Um fator considerado importante para que o processo de
incorporação da TI ao trabalho do Serviço Social ocorra é o tratamento deste
tema na formação profissional. De fato, ainda se constata uma certa ausência
do tratamento desta questão na formação profissional, seja no âmbito da
graduação, seja no da pós-graduação. Por outro lado, quando o tema aparece
apresenta-se reduzido, como observa Colmán (2004), a oficinas, tópicos de
conteúdo ou laboratórios, limitando o ensino dessa matéria ao uso e
treinamento em alguns programas mais conhecidos, tais como editores de
texto e planilhas eletrônicas. Ao abordar o assunto, Albuquerque (1995)
observa que:
“A questão da relação do Serviço Social com a informática e
seu uso ético na prática profissional para acelerar o processo
de democratização tem sido pouco discutido nas salas de aula
como componente essencial da formação profissional” (p.298).
Uma incorporação efetiva da TI ao Serviço Social pressupõe um
processo de formação profissional que contemple tanto os aspectos gerais que
conformam os usos sociais possíveis da tecnologia, quanto as potencialidades
presentes em tal recurso a serem apropriadas pelo Serviço Social. Isso
significa ultrapassar a mera capacitação técnica ou o mero aprendizado dos
aspectos operacionais das inovações tecnológicas. Embora sejam dimensões
necessárias à formação, elas não esgotam as possibilidades presentes nestes
recursos, demandando a sua articulação com questões concretas presentes no
251
cotidiano profissional e com os princípios fundamentais do projeto ético-político
profissional.
Apesar desta ausência do tema na formação profissional, constatou-
se que 71% dos(as) profissionais participantes indicaram já ter realizado algum
curso ou qualificação na área de TI ou de informática, como se pode verificar
no gráfico a seguir.
Gráfico 31 - Você já fez algum curso ou alguma qual ificação na área de informática ou tecnologia da informação? - Total de casos: 93
27
66
0 10 20 30 40 50 60 70
Não
Sim
Fonte: SSTI, 2006.
Os(as) participantes informaram já ter realizado cursos de introdução
à informática, com ênfase nos pacotes de editores de texto, planilhas
eletrônicas e aplicativos de bancos de dados mais conhecidos. Informaram
também que os cursos realizados foram feitos, na maior parte das vezes,
dentro das próprias instituições (na maioria empresas ou sindicatos),
principalmente quando há implantações ou modificações nos sistemas com que
252
trabalham. A grande maioria relatou que o início de sua qualificação não
ocorreu no momento da graduação, mas sim depois de terem se inserido no
mercado de trabalho, como decorrência de uma exigência do mesmo.
A preocupação com o tratamento da TI, de acordo com os(as)
profissionais, não estava contemplada na grade curricular de Serviço Social.
Ainda que a preocupação surgisse durante a graduação, ela geralmente estava
reduzida à satisfação de um dos critérios para inserção em projetos de
pesquisa, onde a informática era utilizada como um instrumento de
organização e sistematização de dados de pesquisa, digitação de relatórios
etc., ou ainda, para seleções de estágio que demandavam conhecimento nesta
área. Trata-se de uma incorporação da TI de forma desarticulada dos principais
aspectos do exercício profissional.
“Quando ainda era da graduação do Serviço Social (em 1998) fiz curso de informática para conseguir a bolsa de pesquisa. Assim, a própria faculdade mostrou-me a necessidade de entender de informática. Considero que o conhecimento de informática não é mais uma opção, mas tornou-se imprescindível. O problema é que o assistente social quando já está no mercado de trabalho não encontra muitos ‘estímulos’ ou ‘obrigações’ para aprender informática. Desta forma, as faculdades poderiam tornar-se promotoras do conhecimento sobre informática, entendendo este como parte da qualificação profissional do assistente social” (34 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).
“Há uma grande ausência deste tema durante a graduação, os estudantes não são informados como podem usar esta ferramenta a favor das entrevistas realizadas, nem mesmo na quantificação dos dados estatisticamente montados sobre a população usuária, o que facilitaria a criação de projetos e até o investimento em políticas para uma determinada região” (33 anos, sexo feminino, graduação, criança/adolescente - RJ).
“Acho que poderiam incluir uma modalidade no curso com o básico da informática, pois assim seria mais fácil para o profissional inserir-se na era digital, bem como auxiliar em pesquisas e em banco de dados” (35 anos, sexo feminino, graduação, justiça - RS).
253
A TI precisa ser incorporada ao exercício profissional tendo em vista
as necessidades presentes nesse mesmo exercício. Faz-se necessária uma
apropriação “por dentro” do Serviço Social, pensada a partir das necessidades
identificadas nos próprios processos de trabalho em que o Serviço Social está
inserido. As universidades, nesse sentido, poderiam contribuir para esse
processo de apropriação, decifrando e construindo, a partir das demandas
postas no cotidiano, possibilidades de uso da TI no trabalho profissional.
Para boa parte dos(as) profissionais (40%), não há, no âmbito do
Serviço Social, opções de formação ou qualificação em TI, como indica o
gráfico a seguir. Os(as) que consideram haver alguma opção correspondem a
35%, enquanto os(as) que não souberam responder constituem 25%.
Gráfico 32 - Você acha que há opções de formação nesta área no Serviço Social? - Total de casos: 93
23
37
33
0 5 10 15 20 25 30 35 40
Não sei
Não
Sim
Fonte: SSTI, 2006.
Relatam os(as) profissionais que as opções de qualificação e
aperfeiçoamento na área são poucas e que isso pode ser prejudicial à
254
profissão, tendo em vista a ausência de reflexões sobre o recurso e sobre as
suas possibilidades de uso no trabalho, fato que pode contribuir para a
inviabilização do potencial que a TI possui para o aprimoramento do trabalho
do Serviço Social.
Se por um lado os(as) profissionais consideram importante o
tratamento da TI na formação profissional, isso não significa, em sua opinião,
que este recurso deva ter primazia sobre os demais conteúdos. Ao contrário,
deve ocupar posição compatível com outros recursos, dimensões e
instrumentos necessários ao trabalho, demonstrando que a prioridade reside
no projeto profissional, nos valores e nos aspectos mais fundamentais da
profissão. Chama-se a atenção para o fato de que o recurso tecnológico
constitui-se como uma das mediações presentes no exercício profissional,
devendo, portanto, ser considerado em conjunto com os demais aspectos que
integram o que Netto (1996a) chamou de “sistema de mediações concretas que
forma a rede em que se constitui a unidade de intervenção” (p.91). Assim,
pensar a TI como uma mediação significa tomá-la como um elemento pelo qual
se pode, nas singularidades da intervenção profissional, elaborar indicativos
teórico-práticos de intervenção imediata vinculados aos objetivos, finalidades e
valores profissionais e humano-genéricos. Ou ainda, nos termos de Guerra
(2000), um fator que “permite acionar, potencializar os diversos elementos que
compõem a cultura profissional” (p.23).
Como observou Pontes (1995), o(a) assistente social pode ser
considerado “um articulador e potencializador de mediações”, atuando “nos
255
sistemas de mediações que infibram as refrações da ‘questão social’
constitutivas das demandas sociais à profissão” (p.177). Podendo ocupar um
lugar importante nesse âmbito, na medida em que a categoria profissional
consiga apreendê-la e dela apropriar-se, a TI pode ser compreendida como
uma mediação que permite, no jogo das contradições presentes na sociedade
capitalista, alcançar as finalidades presentes no projeto profissional. Assim,
uma formação profissional que se preocupe com o tratamento da TI pode tomá-
la como um aspecto complementar da formação profissional, necessária na
medida em que permite um aprofundamento das competências profissionais, e
não como o principal elemento do processo formativo. É o que podem sugerir
os depoimentos a seguir.
“Acredito que esta opção deve ser de cunho complementar” (29 anos, sexo masculino, graduação, assistência - RJ).
“Vejo como um conhecimento a mais, não como uma obrigatoriedade. Talvez como um curso de línguas: você faz como atividade extra-curricular” (34 anos, sexo feminino, especialização, justiça - RJ).
“É um tema transversal e de capacitação que extrapola a formação profissional” (38 anos, sexo feminino, doutorado, assistência - SP).
“Creio que se tivesse algo mais específico para o Serviço Social seria interessante, mas isto não necessariamente teria que estar no currículo do curso e sim cada instituição poderia financiar isto para os seus profissionais uma vez que em cada situação de trabalho há especificidades” (43 anos, sexo feminino, mestrado, assistência - RS).
Os depoimentos de alguns(mas) profissionais atribuem importância
à qualificação na área de TI e à reflexão sobre os usos e aplicações possíveis
desta tecnologia no trabalho profissional. No entanto, não são formuladas
indicações sobre a construção de uma articulação da TI com questões
256
presentes no cotidiano do trabalho profissional, buscando conhecer sua
aplicabilidade ao Serviço Social.
Ao problematizar este aspecto, Colmán (2004) observa que, se por
um lado cursos de graduação em Serviço Social já introduziram disciplinas,
oficinas ou tópicos de conteúdo sobre informática em seus currículos, por
outro, o conteúdo trabalhado limita-se ao treinamento e capacitação em alguns
programas mais conhecidos, como editores de texto e planilhas eletrônicas.
Essa postura de redução do ensino da informática a treinamento nos softwares
mais difundidos é inadequada, e deixa de lado a tarefa mais importante, que é
pensar a aplicação dos novos recursos tecnológicos no sentido de potencializar
a intervenção dos(as) assistentes sociais nas instituições em que trabalham.
Nesse sentido, para o autor, a forma mais adequada de apropriação das novas
tecnologias seria oferecer aos(as) estudantes a oportunidade de praticar a
concepção e a construção de aplicações, e promovendo, ao longo do processo,
uma articulação das potencialidades tecnológicas com alguns aspectos
relevantes da profissão, tais como objeto, estruturas burocráticas, os sistemas
de decisão e as funções administrativas presentes no trabalho profissional.
De forma geral, os depoimentos tratam apenas da importância de
cursos e capacitações que, embora sejam um passo importante na relação da
TI com o Serviço Social, não podem prescindir de momentos de elaboração e
avaliação de possibilidades de aplicação concreta da tecnologia junto a
problemas vivenciados pelos(as) profissionais. Como observam alguns(mas)
profissionais:
257
“Os cursos realizados nos permitem um conhecimento geral, acerca da ferramenta informática e não um conhecimento que associe informática e Serviço Social” (26 anos, sexo feminino, graduação, assistência - RJ).
“Os cursos deveriam abordar instrumentos para viabilizar o trabalho do assistente social” (32 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).
Assim, a qualificação não consiste apenas em aprender os
procedimentos necessários para utilizar os computadores. Mais do que isso,
pode proporcionar a descoberta dos usos possíveis da TI pelo Serviço Social,
absorvendo-a e adequando-a às necessidades do projeto profissional.
Tendo em vista as poucas opções de formação sobre os usos
possíveis da TI no Serviço Social, foi percebida uma indicação de que a
ausência deste tema na formação profissional é um problema com o qual
devemos nos preocupar. Como mostra o gráfico a seguir, 85% dos(as)
profissionais consideram que a ausência de cursos e a ausência do tema na
formação profissional podem ser ruins para a profissão.
Gráfico 33 - A ausência do tema na formação profiss ional e a ausência de cursos sobre o tema são ruins para a pr ofissão? - Total de casos: 93
6
8
79
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90
Não sei
Não
Sim
Fonte: SSTI, 2006.
258
Os depoimentos a seguir ilustram as diversas considerações dos(as)
profissionais sobre a importância que atribuem ao tratamento da TI na
formação profissional. Se por um lado é possível verificar a presença de
tendências variadas nestes depoimentos, por outro constata-se a intenção
dos(as) profissionais de atribuir à tecnologia um sentido positivo para a
condução de seu trabalho.
“Hoje a TI é muito importante para o nosso trabalho, e não tenho a menor dúvida que deveria fazer parte do currículo de formação do profissional. A meu ver é tão, ou mais importante que a cadeira de estatística” (47 anos, sexo feminino, especialização, empresa - RJ).
“Num mundo tecnológico os profissionais saem perdendo, pois a interação com outros setores ou áreas acontecem através destas tecnologias” (37 anos, sexo feminino, graduação, saúde - SC).
“Somos julgados por estarmos ‘out’ das práticas de comunicação do mundo do trabalho e isto restringe a atuação profissional, além de impactar na imagem profissional” (31 anos, sexo feminino, mestrado, empresa - RJ).
“Considerando que a tendência é o avanço da tecnologia, acredito que se isentar desta ferramenta é arriscar-se a reduzir as próprias oportunidades de trabalho” (54 anos, sexo feminino, graduação, previdência - RJ).
“Quanto mais qualificado, mais chances de mercado de trabalho e melhor qualidade no atendimento ao público” (32 anos, sexo feminino, especialização, saúde - AL).
“Não é possível pensar em formação profissional ignorando um recurso de trabalho como a informática” (33 anos, sexo feminino, graduação, saúde - SP).
Acredita-se que a presença do tema da TI na formação profissional
dos assistentes é uma condição de grande importância, embora não a única,
para que o processo de incorporação de tal tecnologia ao trabalho do Serviço
259
Social se efetive de forma adequada. Os dados disponíveis parecem reforçar
sua importância, na medida em que demonstram, como se verifica no gráfico a
seguir, que os(as) profissionais que indicaram a existência de um processo de
informatização do Serviço Social, indicaram também a existência de uma
formação ou qualificação prévia na área de TI ou informática.
É verdade que entre os(as) profissionais que indicaram a
inexistência de um processo de informatização há também um predomínio de
profissionais que passaram por experiências de formação e qualificação
profissionais em TI ou informática. No entanto, verifica-se, também, dentre os
que não estão informatizados, que a diferença entre os que possuem formação
e os que não possuem é bem menor, quando comparada com os(as)
assistentes sociais inseridos(as) em setores informatizados. Nota-se,
nestes(as) últimos(as), uma diferença bem maior entre os(as) que relataram ter
Gráfico 34 - Informatização do Serviço Social por f ormação na área - Total de casos: 93
50
16
17
10
0 10 20 30 40 50 60
Informatizado
Não informatizado
Fonte: SSTI, 2006.
Sem formação
Com formação
260
participado de algum processo de capacitação ou qualificação e os(as) que
relataram não ter tido nenhuma formação na área. De qualquer forma,
constata-se que a incorporação e o tratamento deste tema no âmbito da
formação profissional é de grande importância para que a profissão possa
efetuar uma apropriação crítica e consistente deste recurso.
3 . 2 . 6 . A R E S I S T Ê N C I A À T I
Os depoimentos permitem notar a existência de uma certa
resistência em relação ao uso da TI, tanto por parte de alguns(mas) assistentes
sociais quanto por parte de alguns gestores. Nestes últimos, a resistência
refere-se à incompreensão da importância da TI para o trabalho dos(as)
assistentes sociais, entendendo que tal recurso não teria qualquer utilidade
para o desenvolvimento das atividades profissionais, como demonstram os
depoimentos a seguir.
“Existem os equipamentos para trabalharmos, mas também existe uma certa resistência na liberação de profissionais para a capacitação/treinamento na área de TI (alguns gestores perguntam: ‘Para que o Serviço Social precisa ser treinado em TI?’)” (45 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).
“Falta vontade dos gestores em informatizar o Serviço Social. TODOS os outros setores já estão informatizados e utilizando o sistema HOSPUB” (34 anos, sexo feminino, especialização, justiça - RJ).
A tal postura se adiciona a inexistência de equipamentos e/ou
recursos adequados de trabalho, demonstrando que, além da ausência de
261
programas de qualificação e formação para os(as) assistentes sociais, a falta
de condições de trabalho adequadas tem sido uma tônica no exercício
profissional cotidiano. É nesse âmbito que se processa uma postura de
resistência dos(as) profissionais em relação ao uso da TI, justificada tanto por
aspectos objetivos quanto subjetivos que condicionam o trabalho profissional.
Indicações acerca desta resistência podem ser verificadas nos depoimentos a
seguir.
“Não só não temos uma estrutura mínima de informatização, como grande parte da equipe de Serviço Social é avessa a este tipo de estrutura como resistência pela não familiaridade com o mundo digital. Grande parte da equipe não é familiarizada com informática, o que gera resistência à digitalização do setor” (34 anos, sexo feminino, especialização, justiça - RJ).
“Tanto eu quanto a outra assistente social que trabalha neste setor, ao percebermos a necessidade de utilizarmos programas, buscamos criar planilhas para qualificar o nosso trabalho. Tivemos muitas dificuldades para criar estas planilhas já que tanto eu quanto ela, tínhamos muita resistência em utilizar o computador” (28 anos, sexo feminino, mestrado, saúde - RJ).
“Não temos espaço físico para acomodar todos os técnicos, temos poucos computadores e, além disso, alguns assistentes sociais, que ainda não sabem utilizar o computador, relutam em aprender” (43 anos, sexo feminino, graduação, saúde - RJ).
“Trabalho em setor que se opõe à necessidade da informatização” (32 anos, sexo feminino, especialização, educação - RJ).
Trata-se de uma postura que tem estado presente entre os(as)
assistentes sociais e que vem sendo reproduzida devido a uma série de
fatores, dentre os quais se pode sugerir a falta de condições adequadas e a
ausência de uma problematização consistente sobre o tema no âmbito da
formação profissional.
262
Boa parte dos(as) profissionais considera que se o tema da TI
estivesse mais presente na formação profissional (inclusive com a existência
de cursos e espaços de reflexão sobre os usos de tal recurso no Serviço
Social), a resistência ao seu uso, por parte dos(as) profissionais, poderia
diminuir: 27% consideram que talvez diminuísse e 60% consideram que com
certeza diminuiria.
Gráfico 35 - A resistência ao uso da informática di minuiria com a criação de cursos sobre o tema específicos para o S erviço Social? - Total de casos: 93
7
5
25
56
0 10 20 30 40 50 60
Não sei
Não
Talvez
Sim
Fonte: SSTI, 2006.
É evidente que a resistência do(a) profissional de Serviço Social ao
uso da TI deve-se a diversos fatores, não sendo conseqüência exclusiva de um
único fenômeno. Dentre eles, pode-se destacar as formas concretas de
utilização da TI no sentido de substituir trabalhadores por máquinas e
computadores, características culturais relacionadas ao sexo, idade, e,
também, às condições de trabalho, que, muitas vezes, não são disponibilizadas
aos(às) profissionais nem de forma adequada nem em quantidade suficiente.
263
Considera-se, no entanto, que a ausência do tema na formação profissional
pode ser considerada um dos mais relevantes elementos que propiciam e
reproduzem essa resistência.
Na medida em que haja uma reflexão sobre a importância da TI para
o Serviço Social no âmbito da formação profissional, é possível o seu
tratamento como elemento estratégico, principalmente por permitir a
apreciação das possibilidades de uso deste recurso no trabalho do(a)
assistente social. Isso não significa, no entanto, que a presença do tema na
formação profissional, acabe, sozinha, com a resistência que a categoria de
assistentes sociais vem demonstrando em relação ao uso da informática, mas
ela pode deter um papel fundamental na sua superação.
Os profissionais não só concordam que a presença do tema na
formação profissional diminuiria a resistência em relação ao uso da TI, como
ainda apresentam algumas propostas de incorporação deste conteúdo, como
se verifica nos depoimentos a seguir.
“Acredito que a presença do tema na formação profissional diminuiria a resistência, desmistificaria” (39 anos, sexo feminino, especialização, assistência - RS).
“Acho que diminuiria se nos fosse solicitado, desde a graduação, a aprendizagem básica de informações gerais e uso dos programas mais comuns como Word e Excel” (45 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).
“Primeiramente teria que haver palestras de informações sobre a importância de cursos específicos na área de informatização e, em uma segunda fase, realizar laboratórios referente a prática social, como plataforma de agilização técnica operacional” (44 anos, sexo feminino, especialização, assistência - RJ).
264
“Sem dúvida a criação de cursos, talvez sob a forma de laboratórios, estimularia o interesse pela experiência da informática e reduziria as resistências gradativamente. Que eu saiba, 90% das assistentes sociais já usam o computador sistematicamente, na previdência” (54 anos, sexo feminino, graduação, previdência - RJ).
”Sem dúvida! É urgente a criação de cursos voltados para esta área, facilitando o levantamento de dados, a aferição de hipóteses através da análise de informações que, com o uso da informática, agiliza, em muito, os resultados” (33 anos, sexo feminino, graduação, criança/adolescente - RJ).
Os depoimentos dos(as) profissionais demonstram a consideração
de que a resistência ao uso da TI é criada por diversos fatores. Um deles
refere-se à faixa etária dos(as) profissionais. Sinalizam que a tendência é a de
que a resistência seja maior entre os(as) profissionais mais velhos, que teriam
mais dificuldades para aprender e para se apropriar das novas tecnologias,
enquanto os mais jovens teriam mais facilidade para aprender e estariam mais
“abertos” às inovações trazidas pela TI.
”Vejo que as novas gerações (estagiários) estão bem ambientados. As antigas gerações têm resistência, que acho que é cultural mesmo” (37 anos, sexo feminino, mestrado, empresa - RJ).
“Vejo resistência mais nos profissionais que estão formados há mais de dez anos do que nos mais recentes” (44 anos, sexo feminino, graduação, empresa - RJ).
“Acho que a resistência é maior se relacionada aos profissionais da ‘antiga’, pois os novos profissionais interagem bem, vide o número significativo de pessoas do Serviço Social no ‘Orkut’ e a quantidade que recebe o ‘Via Cress’ (boletim informativo do CRESS)” (29 anos, sexo masculino, mestrado, assistência - AL).
“Não sei se há uma resistência ao uso da informática pelos jovens que ingressam na universidade. Imagino que não, mas estou desinformada a respeito” (53 anos, sexo feminino, mestrado, previdência - RJ).
265
Essa questão da idade é entendida como um obstáculo para o
processo de incorporação da TI ao Serviço Social, gerado a partir da idéia
fortemente difundida de que os mais jovens têm melhores condições de usar a
informática do que os mais velhos. Os(As) profissionais indicaram que a
parcela mais jovem da categoria está pronta para incorporar a TI ao trabalho,
mas, por outro lado, aqueles profissionais que se encontram em faixas etárias
mais elevadas ou inseridos há muito tempo no mercado de trabalho, e
acostumados com as rotinas já estabelecidas, já teriam, em sua opinião, mais
dificuldades para operar essa incorporação. Ao perguntar aos(às) profissionais
se os(as) assistentes sociais teriam condições de incorporar a TI ao seu
trabalho, as respostas segmentam os(as) assistentes sociais mais novos(as) e
os(as) mais velhos(as).
“Os jovens sim, os mais velhos são muito resistentes e despreparados” (53 anos, sexo feminino, mestrado, previdência - RJ).
“As novas gerações, sim, entretanto aquelas que estão no mercado de trabalho há muito tempo, se faz necessário um curso” (32 anos, sexo feminino, especialização, saúde - AL).
“Bom, acredito que as assistentes sociais que se formaram há pouco tempo, sim” (23 anos, sexo feminino, graduação, assistência - PR).
“Acredito que sim. As gerações atuais estão habituadas, ou são obrigadas a se habituar com o uso da informática, por exigência dos próprios trabalhos solicitados pelos professores. Não existe instituição que não utilize este meio de informação, comunicação e organização de dados. As poucas que não possuem computador estão em busca de consegui-lo. Fazer bom uso da tecnologia, favorece o desenvolvimento do trabalho realizado junto aos usuários” (33 anos, sexo feminino, graduação, criança/adolescente - RJ).
“Percebo que os profissionais mais jovens já vêm trazendo o conhecimento da informática e aplicando-o no seu dia-a-dia” (47 anos, sexo feminino, especialização, empresa - RS)
266
Evidentemente a questão que aparece nos depoimentos não se
refere a um problema exclusivo do Serviço Social. A relação entre TI e
geração, principalmente no que se refere a seu uso pelos integrantes da
chamada “terceira idade”, tem chamado a atenção de alguns autores, dentre os
quais se pode destacar a obra de Kachar (2003). Embora se perceba a
relevância de tal aspecto para a compreensão das diversas formas de
apropriação da TI, não se estabelece neste trabalho qualquer tentativa de
compreender essa relação, tendo em vista que o objetivo principal consiste na
elaboração de uma reflexão inicial acerca da importância da TI para o exercício
profissional. Fica, portanto, para trabalhos futuros, a reflexão sobre as
influências dos aspectos geracionais sobre as possibilidades de apropriação da
TI.
Assim, como visto, a resistência ao uso da TI tem estado presente
entre os(as) assistentes sociais, a despeito de sua potencialidade para o
trabalho profissional. Trata-se de uma questão que merece atenção por parte
da categoria profissional, por integrar o conjunto de dificuldades e obstáculos
que se colocam à efetiva e consistente apropriação deste recurso pelo Serviço
Social.
3 . 2 . 7 . O S I G I L O P R O F I S S I O N A L
Um aspecto considerado relevante pelos(as) profissionais e que
aparece de forma recorrente nos depoimentos refere-se ao sigilo no
267
atendimento, direito profissional previsto no Código de Ética Profissional de
1993 e sempre reivindicado no cotidiano profissional. Muitos(as) profissionais
informaram que as condições em que seu trabalho se realiza não permitem que
tal direito seja garantido, ficando o sigilo, muitas vezes, prejudicado pela
ausência de condições adequadas, como ilustram os depoimentos a seguir.
“No momento, houve uma melhora. Entretanto ainda não apresenta todas condições necessárias para se considerar o local próximo do ‘ideal’. A falta de ambientes sigilosos, já que se trata de uma sala única que foi dividida de modo a se obter dois espaços, porém não há sigilo entre ambos. Problemas de ventilação na sala (no verão é impraticável) e a dificuldade de acesso a equipamentos de informática, entre outros” (28 anos, sexo feminino, graduação, saúde - RJ).
“As condições são ruins, desde recursos humanos (insuficientes) a recursos físicos, materiais e financeiros para os programas/projetos. Ainda estamos na ‘era da escrita’ e a intensidade e quantidade de relatórios e procedimentos realizados propiciam riscos à saúde (caso das tendinites). O que temos disponível é espaço físico, com sala individual para o atendimento Mas ainda são necessárias condições de maior sigilo, pois as salas são muito próximas, permitindo a quem está do outro lado, ouvir todos os procedimentos/orientações. Seria muito bom se tivéssemos computadores, com acesso a rede de atendimentos prestados no município, acesso a Internet, dentre outros” (38 anos, sexo feminino, doutorado, assistência - SP).
“Bem, o nosso serviço conta com uma infra-estrutura precária em relação às demandas dos usuários e institucionais. Um exemplo é que não há privacidade para o atendimento. Quanto ao computador, só há um único exemplar, que logo se tornará obsoleto. Somos seis assistentes sociais numa sala sem divisória e com toda a parte elétrica precisando de reparos” (34 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).
A preocupação com a manutenção do sigilo profissional aumenta
quando se pensa a presença do uso da TI. Alguns(mas) profissionais
problematizam a possibilidade de quebra de sigilo, por conta da utilização de
computadores para registro dos dados e informações sobre os usuários e
usuárias, que são partilhados com outros(as) profissionais. Como, muitas
268
vezes, os computadores disponíveis não são exclusivos do Serviço Social,
sendo utilizados, também, por outros membros da equipe de trabalho, fica a
interrogação a respeito da proteção dos dados sigilosos que os(as) assistentes
sociais armazenam nesses computadores de uso coletivo. Essa preocupação
pode ser verificada no depoimento a seguir.
“Sempre percebi a necessidade de organização, para que houvesse uma maior clareza das questões que atravessam o exercício profissional do assistente social. A partir da demanda por mim apresentada, foi viabilizado o computador para uso exclusivo do Serviço Social. Antes existia um computador para toda a equipe técnica (formada por uma assistente social, uma pedagoga e um coordenador), por isso, como essa ferramenta era utilizada por todos os profissionais, algumas informações não podiam ser colocadas neste computador de uso coletivo, tendo em vista a necessidade de se assegurar o sigilo do usuário” (26 anos, sexo feminino, graduação, assistência - RJ).
Tratando deste tema, Colmán (2004) aponta para a pertinência da
reflexão sobre o sigilo em ambientes informatizados, tendo em vista os
crescentes riscos de invasões. Observa o autor que o problema do sigilo
profissional tem sido usado como uma das “justificativas” para a resistência de
muitos(as) profissionais ao uso das novas tecnologias em seu trabalho. Ele
concorda que a utilização de computadores, bancos de dados com os registros
dos atendimentos realizados e redes informatizadas podem comprometer o
sigilo do trabalho dos(as) assistentes sociais, tendo em vista a possibilidade,
oficial ou não, de acesso de terceiros aos dados e informações confidenciais
sobre os usuários e usuárias. Isso tem feito com que muitos(as) profissionais
desconfiem da possibilidade de sigilo que os recursos da TI podem garantir.
Apesar de reconhecer que as preocupações apontadas pelo autor
podem ser tomadas como válidas, considera-se que o risco de invasão ou
269
quebra de sigilo já é uma realidade presente no trabalho cotidiano,
independentemente do uso de computadores ou bancos de dados por parte
dos(as) profissionais. De forma geral, as possibilidades de invasão de um
computador em rede são tão reais quanto as possibilidades de invasão de um
arquivo comum. Em ambos os casos, são necessários procedimentos
específicos de segurança da informação, de modo a preservar o sigilo dos
dados. Parece que a alternativa mais adequada não deveria ser a negação do
uso da TI, mas o aprofundamento deste uso, o domínio das possibilidades de
segurança e de restrição de acesso existentes. Tal fato demonstra que a
incorporação da TI ao trabalho não se reduz à existência de computadores no
Serviço Social, mas sim ao domínio deste recurso, o que só é possível com
qualificação e aprimoramento constantes.
Tampouco, limita-se ao mero uso de programas e aplicativos
básicos, demandando da profissão a apropriação de recursos cada vez mais
sofisticados que possam ser utilizados para o fortalecimento do trabalho. É
evidente que haverá problemas e questões decorrentes do uso da TI no
exercício profissional. No entanto, tais problemas não devem ser usados como
justificativa para a negação deste uso, mas como indicadores da necessidade
de qualificação e aprimoramento cada vez mais constantes, que possam gerar
uma apropriação efetiva e consistente da TI por parte da profissão, aplicando-a
às diversas dimensões que compõem o exercício profissional.
270
3 . 2 . 8 . A S C O N D I Ç Õ E S D E T R A B A L H O
Considera-se que a informatização do Serviço Social não significa
automaticamente a incorporação do potencial oferecido pela TI. Tal potencial
será incorporado ao trabalho, na medida em que os(as) profissionais tiverem
condições de se apropriar crítica e criativamente de seus recursos. Isso
demanda uma série de esforços que envolvem vontade política, existência de
condições adequadas de trabalho, envolvimento com o trabalho, formação e
qualificação profissional contínuas, dentre outros. Tais condições nem sempre
estão disponíveis aos(às) profissionais, o que proporciona sérias dificuldades
para a incorporação da TI ao trabalho. Assim, pensar as possibilidades desta
incorporação supõe conhecer, de início, as condições de trabalho em que
os(as) profissionais se encontram, entendendo que estas condicionam tal
apropriação.
A existência de condições adequadas, embora não seja pré-requisito
único e absoluto para uma consistente incorporação da TI, pode ser
considerada um aspecto básico, pois de fato expressa a presença dos
elementos materiais e objetivos necessários a tal incorporação. Verificou-se
que 58% dos(as) profissionais informaram dispor de condições de trabalho
adequadas, entendendo que boa parte dos recursos necessários para a
condução de seu trabalho encontrava-se disponível. Por outro lado, 27%
afirmaram não possuir condições adequadas de trabalho e 15%, condições
razoáveis, como demonstra o gráfico a seguir.
271
Gráfico 36 - Possui condições de trabalho adequadas ? - Total de casos: 93
54
25
14
0 10 20 30 40 50 60
Sim
Não
Razoáveis
Fonte: SSTI, 2006.
Alguns depoimentos apontam para a idéia de que as dificuldades
encontradas no cotidiano do trabalho, no que se refere às condições de
trabalho, não são exclusivas dos(as) assistentes sociais, espalhando-se pelo
conjunto dos trabalhadores. Assim, os(as) profissionais sinalizam a importância
de se apreender não apenas as condições de trabalho do Serviço Social,
especificamente, mas dos(as) trabalhadores em geral, como sinalizam os
depoimentos a seguir.
“Não entendo que se deva ver as condições de trabalho ‘do’ Serviço Social. Se pensarmos desta forma, estamos nos vendo como uma corporação. Entendo que os assistentes sociais devam estar preocupados com as condições de trabalho de todos os trabalhadores da área onde está inserido, onde trabalha. Como assistente social de uma prefeitura municipal tenho que estar preocupada com as condições de trabalho do conjunto de servidores municipais. O mesmo deveria acontecer se trabalhasse numa fábrica, numa siderúrgica. Hoje os profissionais de Serviço Social não estão alocados tão simplesmente num setor de Serviço Social, mas distribuídos em equipes multidisciplinares. No meu caso, penso que temos condições de trabalho (considerando sala, telefone, equipamentos, material administrativo, transporte, acesso) muito boas. Não foge ao do conjunto de trabalhadores: a crescente defasagem salarial” (47 anos, sexo feminino, especialização, gestão - RS).
272
“As condições são boas, embora haja dificuldades, mas estas não são exclusivas dos profissionais de Serviço Social. No âmbito do meu trabalho, faltam políticas institucionais para melhor definir a extensão, sua estrutura, financiamento, maior fomento da pesquisa etc.” (35 anos, sexo feminino, especialização, educação - BA).
Ao relatarem as condições de trabalho em que se encontram
inseridos(as) os(as) profissionais fizeram referência às mudanças que vêm
atingindo os processos de trabalho nas instituições empregadoras, muitas das
quais em decorrência do advento do projeto neoliberal e de estratégias de
combate à crise estrutural do capital surgida a partir da década de 70, tais
como a reestruturação produtiva, a reforma do Estado e o aberto combate ao
trabalho.
No contexto de crise, o capital reage atacando fortemente o trabalho,
com vistas a aumentar os níveis de extração de mais-valia, intensificando a
exploração e diminuindo os custos de produção pela redução de gastos
atrelados ao salário. De uma maneira geral, o neoliberalismo pretendia acabar
com a intervenção do Estado sobre a economia, liberando o capital para
livremente se desenvolver e reproduzir. Tal “liberação” implicava redução,
quando não eliminação, dos direitos trabalhistas, por meio da chamada
desregulamentação, além da flexibilização das relações de trabalho, tendo por
conseqüência o recrudescimento de fenômenos como subcontratação,
precarização, e horizontalização, e levando a maiores complexificação e
heterogeneização do trabalho, configurando diversas metamorfoses no mundo
do trabalho (Antunes, 1998). São fenômenos que levaram a um enxugamento
do trabalho, à sua "liofilização" (Antunes, 2000), gerando aumento da
273
desigualdade, da pobreza e das injustiças sociais, e ocasionando sérias
conseqüências para a formação das identidades individuais, que, como
observou Telles (1994), são constituídas a partir de suas conexões com o
trabalho e com o conjunto de relações sociais acessadas por seu intermédio.
Se antes o contexto era de uma certa “segurança social”, a partir do
novo processo de reestruturação do capital (determinado tanto pela crise de
acumulação do capitalismo quanto pela crise do socialismo real) este passa a
ser de “insegurança”, como destacou Mattoso (1996). Trata-se, portanto, de um
contexto no qual o trabalho passa a sofrer duros ataques por parte do capital,
como forma de criar novas condições para que o processo de acumulação
continue, e para que as taxas de produtividade e de extração de mais-valia
sejam elevadas.
As conseqüências do neoliberalismo foram drásticas, ressaltando-se
dentre elas o aumento das desigualdades sociais devido ao desemprego e à
forte concentração de renda. O novo modelo de acumulação posto em prática
com a reestruturação do capital, a “acumulação flexível” (Harvey, 1993),
fomenta o desemprego, a pobreza e a miséria, resgatando antigas formas de
exploração do trabalho (baseadas na extração de mais-valia absoluta) e
articulando-as com formas contemporâneas de exploração (baseadas na
extração da mais-valia relativa). Como mostrou Teixeira (1996), o fenômeno do
“salário por peça”, que Marx analisou em O Capital e que serviu de alavanca
para o prolongamento do tempo de trabalho e rebaixamento dos salários,
assume novas configurações no atual contexto. De acordo com o autor, as
274
grandes corporações contam com uma rede de pequenas e microempresas
espalhadas ao seu redor. Tais corporações dispõem, assim, de um enorme
contingente de trabalhadores domésticos, artesanais, familiares, que funcionam
como peças centrais de uma cadeia de “subcontratação” e constituem-se como
fornecedores de trabalho “materializado”, trabalho este vendido ao capital, sem
que ele sequer seja realizado nas instalações fabris.
Trata-se, portanto, de conseqüências nefastas para os
trabalhadores, demonstrando que a precarização e subcontratação do trabalho,
presentes hoje de maneira recorrente nas diversas sociedades, impacta
fortemente a resistência e a luta destes mesmos trabalhadores. Neto (1996),
por exemplo, observa que o desemprego, na atualidade, é um pressuposto da
reestruturação produtiva, o qual teria por finalidade enfraquecer a capacidade
de resistência coletiva dos trabalhadores (p.89). Para este autor, o chamado
"exército industrial de reserva" torna-se a base da fragilização dos sindicatos e
da introdução de uma ideologia de cooperação com as imposições do capital,
proporcionando uma adesão dos trabalhadores aos processos de trabalho
flexíveis. Como destacou o autor, o desemprego enfraquece a solidariedade da
classe trabalhadora empregada e desempregada, debilitando a capacidade de
luta e resistência dos trabalhadores assalariados (p.94).
Ao relatarem as condições de trabalho em que vêm exercendo suas
atividades profissionais, os(as) assistentes sociais demonstram sofrer os
impactos do quadro brevemente exposto acima, apontando questões como:
inadequação de espaço e a estrutura física disponibilizados ao Serviço Social;
275
inexistência de recursos materiais e humanos; ausência de bom
relacionamento com os integrantes da equipe, chefia, direção e demais
profissionais; carga horária de trabalho excessiva; inexistência de políticas
públicas voltadas ao atendimento das necessidades da população usuária.
Os(As) profissionais entendem ainda que a existência de condições adequadas
de trabalho, para além da disponibilidade de equipamentos ou recursos
materiais, refere-se, também, à existência de condições favoráveis de convívio
profissional e de construção de uma proposta de trabalho participativa, que, em
conjunto com as políticas públicas existentes, possam contemplar,
democraticamente, os diversos interesses envolvidos no trabalho e gerar algum
tipo de mudança na realidade social.
Nota-se, ainda, uma comparação com as condições de trabalho
existentes em outras instituições em que os(as) profissionais já trabalharam,
seja para argumentar que as atuais condições são adequadas, seja para dizer
que há lugares piores, ou ainda para demonstrar que, em geral, as condições
de trabalho do Serviço Social são marcadas pela escassez de recursos e
precariedade das instalações.
“Tenho boas condições de trabalho, considerando a maioria das demais instituições que possuem assistentes sociais em seus quadros.” (33 anos, sexo feminino, especialização, educação - RJ).
“Como a maioria dos setores de Serviço Social, não são muito boas. Não temos uma sala própria para atendimento. Existem recursos materiais para trabalhar, mas não existe um espaço físico exclusivo do Serviço Social. O atendimento é feito numa sala fechada, mas que é dividida com os outros segmentos do setor de recursos humanos” (44 anos, sexo feminino, graduação, empresa - RJ).
“As condições são excelentes. Trabalho na Petrobrás. Sei que esta não é a
276
realidade do Serviço Social em outros lugares, pois tenho trajetória anterior. Aqui o Serviço Social tem condições de trabalho bem diferenciadas de outros locais. No entanto, ainda permanecem alguns dilemas relacionados à correlação de forças institucional” (31 anos, sexo feminino, mestrado, empresa - RJ).
Boa parte dos(as) profissionais aponta insuficiências ou lacunas nas
condições de trabalho, demonstrando não dispor da integralidade de requisitos
necessários para a atuação. Dentre elas são destacadas as observações feitas
pelos(as) profissionais em relação à carga horária de trabalho, considerada
extrema em alguns casos, e à inexistência de profissionais em número
suficiente, o que pode produzir situações de sobrecarga de trabalho, estresse e
tensão. Soma-se a esses fatores a inexistência de programas sociais em
quantidade suficiente para o desenvolvimento das atividades de
referenciamento e encaminhamento. Estas situações são expressas nos
depoimentos a seguir.
“Atualmente, temos duas salas de atendimento para assistentes sociais e conselheiros. No entanto, no município do Rio de Janeiro temos apenas dez Conselhos Tutelares, quando a demanda real é de no mínimo o dobro deste número. A equipe técnica é composta por apenas três assistentes sociais e um psicólogo, e temos demanda de pedagogo e assessoria jurídica. A demanda da nossa área de abrangência é de termos pelo menos mais dois Conselhos Tutelares. No cotidiano faltam os suprimentos de manutenção aos equipamentos, tais como tinta para a impressora, toner para a copiadora. Temos demanda para mais uma viatura e mais profissionais” (33 anos, sexo feminino, mestrado, assistência - RJ).
“Em geral, as condições de trabalho são muito boas. As queixas ficam por conta dos programas para concessão de benefícios e a legislação muito complexos e sempre em mutação, muitas vezes até contraditórios entre si, dificultando o acesso aos benefícios previdenciários e mais a redução de espaço para as equipes de Serviço Social à medida que aumentam as equipes de perícia médica. Na maioria das unidades as assistentes sociais compartilham um Box e um computador para duas ou três profissionais. Além das contradições citadas, há uma supervalorização do medo de fraudes que, somada à falta de tempo para atualizar-se sobre a legislação, leva os servidores da área de benefícios a se fecharem para os problemas com que lidam diariamente” (54 anos, sexo feminino, graduação, previdência - RJ).
277
“As condições de trabalho no geral são adequadas, com limitações de disponibilidade de espaço físico e considero que a carga horária para quem faz atendimentos sociais deveria ser reduzida (hoje 40 horas semanais) devido ao estresse emocional. Há um microcomputador para cada profissional. Os recursos mais escassos são os humanos e por falta de espaço físico” (42 anos, sexo feminino, graduação, empresa - RJ).
“A carga horária é exaustiva (40 horas) e há uma forte flutuação de recursos (uma hora tem, outra não tem). Em outra instituição em que trabalho um dos principais problemas é a falta de sala de atendimento, porém já há previsão de construção para o segundo semestre deste ano. Foi aprovada a solicitação do Serviço Social com base na lei que regulamenta a profissão e no código de ética profissional” (29 anos, sexo masculino, graduação, assistência - RJ).
A título de ilustração pode-se apontar a inexistência, observada em
alguns depoimentos, de um dos recursos mais importantes para o trabalho
do(a) assistente social: o telefone. Vários profissionais sinalizaram a sua
inexistência em seus locais de trabalho, fato que pode ser considerado grave,
tendo em vista que boa parte das atividades e dos contatos do Serviço Social
se faz exatamente a partir de seu uso. Ironicamente, alguns(mas) profissionais
relatam a existência até de computadores, sem, no entanto, disporem de linha
e aparelhos telefônicos.
“Não possuímos sequer linha telefônica para o Serviço Social” (29 anos, sexo masculino, graduação, assistência - RJ).
“Computador existe com Internet para consulta. Não existe linha direta telefônica na sala de uso do Serviço Social, o que dificulta contato com outras instituições” (45 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).
“O local de trabalho é insalubre, com pouca iluminação e instalação elétrica precária. Não há recursos materiais. Instalaram uma linha telefônica há pouco mais de um mês, após vários relatórios enviados” (40 anos, sexo feminino, especialização, assistência - RJ).
278
Além da inexistência de condições objetivas adequadas, os(as)
profissionais apontam, também, a falta do que eles chamaram de condições
“subjetivas”, apontando a incidência de interferências que outros(as)
profissionais realizam em seu trabalho. Assim, os(as) assistentes sociais
relatam uma expectativa dos(as) demais profissionais em relação às atividades
a serem realizadas pelo Serviço Social, indicando que outros(as) profissionais
consideram que os(as) assistentes sociais deveriam efetuar tarefas que, em
sua opinião, não fazem parte das suas atribuições previstas na lei que
regulamenta o exercício da profissão. Vislumbra-se, portanto, uma tendência
de reforçar uma visão de “indefinição profissional”, que pode contribuir, como
ocorre em muitos casos, para a criação de uma tensão entre os(as) assistentes
sociais e os(as) demais profissionais que integram a equipe de trabalho,
fazendo com que as condições de trabalho tornem-se ainda mais estressantes,
já que se trata de interferências que podem trazer prejuízo para o processo
coletivo de trabalho.
A esse respeito, Iamamoto (1998) destaca que, em meio às radicais
alterações incidentes nos diversos campos profissionais, “não têm mais lugar
as visões do Serviço Social ‘prisioneiras do passado’, que identificam as
funções e atribuições tradicionalmente instituídas como sendo ‘o Serviço
Social’” (p.110). A autora ressalta que na medida em que determinadas
funções são eliminadas ou alteradas, e organizações se reestruturam,
modificando também a própria inserção do Serviço Social em seu interior, “os
profissionais, que caem nas armadilhas daquelas análises a-históricas, sentem
279
‘perder o chão’, ‘diluir sua identidade profissional’, receando a ‘morte prematura
do Serviço Social, a perda de espaço ocupacional e de poder” (idem).
Assim, faz-se necessário aos(às) assistentes sociais olhar além das
fronteiras imediatas das atividades da rotina profissional, tentando apreender
as tendências presentes nos processos profissionais e alterações
macroscópicas que se passam na atualidade, com vistas a identificar novas
possibilidades e requisições para o trabalho. Nesse sentido, é preciso, como
enfatiza a autora:
“... ultrapassar o mito da ‘indefinição profissional’ para
apreender o lugar do assistente social em um processo coletivo
de trabalho, partilhado com outras categorias de trabalhadores,
que, juntos, contribuem na obtenção dos resultados ou
produtos pretendidos” (p.110).
Verificou-se, também, a indicação de interferências seja de pessoas
que julgam entender da área, seja de assistentes sociais que detêm
concepções de profissão que se diferenciam (ou se contrapõem) da concepção
presente no projeto profissional. Esta interferência pode ter por base, ainda
como apontam alguns depoimentos, uma vinculação do Serviço Social com
praticas assistencialistas, entendendo a profissão como sinônimo de
assistência, quando na verdade esta consiste num dos espaços de atuação
profissional, e não a profissão em si.
“Objetivamente, são as mesmas condições dos demais técnicos. Em relação à informatização, são dois computadores (sendo um conectado a Internet por banda larga) para um grupo de seis profissionais. Já as condições subjetivas de trabalho dos técnicos de Serviço Social são diferentes dos demais técnicos, pois estes apresentam diversas demandas e expectativas
280
estranhas ao serviço, por um lado e, por outro, estranham algumas ações empreendidas pelo serviço (45 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).
“Há interferências no setor, de chefias ou pessoas que não entendem da área” (37 anos, sexo feminino, graduação, saúde - SC).
“São adequadíssimas, inclusive resguardando o sigilo necessário a documentos e entrevistas com os usuários. Temos sala exclusiva, computador com acesso a Internet à disposição, um programa voltado para as questões sociais, arquivos invioláveis, verba para visita domiciliar. O que for necessário para a realização do trabalho está à disposição. Ainda há, no entanto, dificuldade de outros profissionais entenderem a atuação do assistente social” (33 anos, sexo feminino, graduação, criança/adolescente - RJ).
“Nesta atual instituição que estou trabalhando há um ano e uns três meses, basicamente estamos implantando o Serviço Social e como já havia passado por lá outros profissionais de competência duvidosa, estamos tendo um certo trabalho em desmistificar algumas ações, principalmente mostrar outro trabalho além do assistencial. Estamos começando a mostrar as nossas necessidades e temos encontrado respostas satisfatórias, apesar de algumas resistências. Estamos sem um coordenador, sem diretor e quem está querendo nos assumir e ser nosso chefe, não tem a menor condição, pois tem uma prática extremamente assistencialista e não sabe diferenciar Assistência Social de Serviço Social. Já havia um trabalho muito na linha do assistencialismo e estamos tentando mostrar outros processos de trabalho e aí às vezes temos de ser assistencial e não deixar de mostrar outro trabalho para ir mudando aos poucos” (35 anos, sexo feminino, especialização, saúde - TO).
Evidencia-se, portanto, a importância dos(as) profissionais
atentarem para o reforço de uma autonomia profissional (ainda que relativa) na
instituição em que se encontram inseridos, o que não significa, no entanto, que
o(a) profissional tenha condições de definir as formas pelas quais pretende se
inserir no espaço institucional. Os(as) assistentes sociais, na condição de
profissionais assalariados(as), têm de submeter-se às formas de organização
do trabalho definidas pelas instituições empregadoras. Como lembra Guerra
(1995):
281
“Este vínculo de assalariamento, ao mesmo tempo que é
resultante das funções sociais atribuídas ao profissional,
interdita suas ações às funções para as quais sua força de
trabalho foi adquirida. Ao não se perceber como trabalhador
assalariado, desprovido dos meios de produção, o assistente
social pode acreditar na sua autonomia, que somente se
explicita no plano jurídico formal” (p.156).
Assim, se por um lado cabe aos(às) assistentes sociais perceberem
sua condição de trabalhadores que detêm, com as instituições empregadoras,
vínculo de assalariamento, por outro, isso não significa que o(a) profissional
pode organizar seu trabalho da forma que deseja, cabendo à instituição
empregadora a disponibilização dos meios pelos quais a força de trabalho
do(a) assistente social se transformará em trabalho. Como destacou, Iamamoto
(1998):
“Ainda que dispondo de relativa autonomia na efetivação de
seu trabalho, o assistente social depende, na organização da
atividade, do Estado, da empresa, entidades não-
governamentais que viabilizam aos usuários o acesso a seus
serviços, fornecem meios e recursos para sua realização,
estabelecem prioridades a serem cumpridas, interferem na
definição de papéis e funções que compõem o cotidiano do
trabalho institucional. Ora, se assim é, a instituição não é um
condicionante a mais do trabalho do assistente social. Ela
organiza o processo de trabalho do qual ele participa” (p.63).
O compromisso dos(as) profissionais com a realização de um
trabalho crítico, competente e criativo, sintonizado com as demandas de seus
usuários e usuárias é um aspecto fundamental do exercício profissional, o que
permite uma inserção mais qualificada dos(as) profissionais em seu campo de
282
atuação. Assim, a autora observa que a ruptura com uma atividade burocrática
e rotineira, preocupada com a mera realização de tarefas as mais diversas e
com o cumprimento de atividades preestabelecidas, supõe um exercício da
profissão que ela caracteriza como:
“... uma ação de um sujeito profissional que tem competência
para propor, para negociar com a instituição os seus projetos,
para defender o seu campo de trabalho, suas qualificações e
funções profissionais. Requer, pois, ir além das rotinas
institucionais e buscar apreender o movimento da realidade
para detectar tendências e possibilidades nela presentes
passíveis de serem impulsionadas pelo profissional” (p.21).
Nesse sentido, conclui Iamamoto que as “possibilidades estão dadas
na realidade, mas não são automaticamente transformadas em alternativas
profissionais”, o que significa que compete aos(às) profissionais “apropriarem-
se dessas possibilidades e, como sujeitos, desenvolvê-las transformando-as
em projetos e frentes de trabalho” (p.21).
O desenvolvimento dessa postura profissional pode ser entendido
como um dos elementos que permitem a construção de propostas de trabalho
críticas e criativas, aproveitando as possibilidades presentes no cotidiano
profissional. Trata-se de um esforço de grande importância para a profissão,
podendo, inclusive, contribuir para o acesso a uma melhoria das condições de
trabalho. Muitas vezes a mobilização, a articulação, a organização e a
criatividade da equipe aparecem como fatores determinantes na alteração de
tais condições. Sinalizam os(as) profissionais que as dificuldades que
cotidianamente se colocam ao trabalho são mais bem superadas quando a
283
equipe consegue, coletivamente, articular os interesses e traçar propostas de
trabalho criativas e implementá-las de forma democrática.
“Hoje o Serviço Social possui uma sala ampla, preservada para a realização dos atendimentos. Possui autonomia de propor suas ações e propostas de trabalho. Participa de espaços de representação da categoria profissional - item este presente no projeto de intervenção, o que consideramos fundamental! Tentamos garantir a participação do profissional nesses espaços coletivos. Estamos pleiteando a contratação de mais uma profissional de Serviço Social, pois as demandas que chegam para esta categoria são inúmeras. Pretendemos assegurar que o trabalho se mantenha com qualidade e que o profissional não caia no chamado ativismo profissional” (26 anos, sexo feminino, graduação, assistência - RJ).
”Possuímos excelente estrutura física e material na primeira instituição. Entretanto há um embate muito grande pela conquista do nosso espaço e pelo reconhecimento da autonomia profissional, uma vez que a instituição é extremamente conservadora e hierarquizada. No hospital onde também trabalho, temos o reconhecimento da autonomia e do espaço, mas carecemos enormemente de estrutura física e material. Falta de espaço físico (dividido com a psicologia), falta de material permanente (cadeiras quebradas, mesas velhas com fórmica soltando, até condicionadores de ar tivemos de comprar com recursos próprios a fim de tornar a sala menos insalubre); Falta de funcionamento das instituições que prejudica a nossa clientela e demanda do profissional grandes embates no encaminhamento dos casos” (34 anos, sexo feminino, especialização, justiça - RJ).
“A equipe precisa tomar a iniciativa de mobilizar os meios para a informatização, já que a instituição tem recursos” (45 anos, sexo feminino, graduação, empresa - SP).
“As condições são relativamente precárias. Temos algumas conquistas em virtude de uma certa imposição e organização da equipe. Não tínhamos uma sala de atendimento e em uma reunião conseguimos estabelecer que a sala da coordenação seria utilizada para os atendimentos (então toda vez que uma família chagava o coordenador saía da sala; isso era um pouco constrangedor, mas necessário). No trabalho em comunidade muito do que era realizado, era fruto da nossa criatividade e como estamos acostumados a trabalhar em condições precárias fica até difícil estabelecer um critério do que é adequado” (29 anos, sexo masculino, mestrado, assistência - AL).
“Não há funcionário administrativo, ficando a equipe sobrecarregada com trabalhos burocráticos. Na sala de trabalho, sequer há janelas e os computadores estão sempre com defeito. Falta articulação entre a equipe para mobilizar os recursos necessários ao bom andamento do trabalho e das rotinas. Muitos colegas não sabem operar computadores, danificando a máquina. Existem três computadores, mas sempre há apenas um funcionando” (45 anos, sexo feminino, graduação, empresa - SP).
284
“Temos conquistado nosso espaço na instituição” (32 anos, sexo feminino, especialização, saúde - AL).
“Posso dizer que neste setor temos condições favoráveis para o desenvolvimento do trabalho, porém, em alguns momentos temos que pressionar para que as condições necessárias se concretizem” (32 anos, sexo feminino, mestrado, gestão - RS).
Nota-se nos depoimentos a presença de uma postura profissional
que valoriza o trabalho, demonstrando engajamento e responsabilidade na
tentativa de superar as dificuldades, sempre numa perspectiva de compromisso
e atualização profissional constante. É nesse contexto que, apesar de todas as
dificuldades e resistências, alguns(mas) profissionais conseguem utilizar os
recursos da TI e aplicá-los ao Serviço Social, tendo em vista a preocupação
com a qualificação de seu trabalho e a melhoria do atendimento ao usuário.
“Não há condição ideal, mas contamos com um mínimo que permite oferecer ao usuário um atendimento mais respeitoso. Em termos de hardware contamos com três computadores meio ultrapassados, duas impressoras matriciais e uma jato de tinta, mas cujos cartuchos são sempre um problema para se conseguir. Após exaustivos pedidos, recebemos mais dois computadores há poucos dias, mas ainda não foram instalados. Há necessidade também de ampliar as instalações elétricas e organizar local para ficarem (bancadas ou mesas). Recentemente, conseguimos fazer inscrições por e-mail para evento que promovemos, mas o pouco espaço do nosso e-mail chegou a dificultar o serviço. Além disso, ele somente funcionou porque criamos um e-mail em nossos computadores e com servidor particular. Estamos aguardando a instalação de outros dois aparelhos, mas não há perspectiva de liberação de impressoras ou do conserto, ou ainda da liberação de cartucho” (48 anos, sexo feminino, especialização, justiça - RJ).
“No momento disponho de um computador que divido com uma administrativa que está subordinada a mim. O ideal é que tivesse um computador disponível apenas para mim, que tivesse programas atualizados. Como sou chefe de outras equipes de Serviço Social que estão em outras unidades de saúde, o fato das assistentes sociais destas unidades não terem acesso às mesmas condições de trabalho que eu, acaba inviabilizando uma série de fluxos que poderiam ser criados para facilitar/qualificar nosso trabalho. São necessários equipamentos, com programas instalados, com Internet e intranet. Não dispomos de profissionais que dominem a tecnologia para utilizá-la em sua potencialidade, nem de cursos que nos capacitem para tanto” (28 anos, sexo feminino, mestrado, saúde - RJ).
285
“Quando chegamos ouvimos falar que foi implantado um programa para o Serviço Social muito bom, mas não estava funcionando. Agora estão tendo as reuniões para criação de novo programa e estão ouvindo todas as nossas necessidades” (35 anos, sexo feminino, especialização, saúde - TO).
“Dispomos de um sistema próprio para formulação de estudo social, para anotações de entrevistas e atendimentos diversos, bem como sistema específico CUIDA (Cadastro Único Informatizado de Adoções e Abrigos) que é alimentado diariamente e permite a todas as profissionais do TJ do estado de Santa Catarina acesso on-line. Temos também o SAJ (Sistema de Automação do Judiciário - Santa Catarina) que tem destinações específicas para o profissional de Serviço Social fazer inclusão de atendimentos nos autos” (48 anos, sexo feminino, especialização, justiça - SC).
Considera-se que as condições de trabalho nas quais os(as)
assistentes sociais estão inseridos(as) podem ser consideradas um fator de
grande importância na incorporação da TI pelo Serviço Social, e, muitas vezes,
sua existência ou inexistência pode ser explicada por aspectos como inserção
da instituição no campo das políticas sociais, na contradição entre capital e
trabalho, nas prioridades governamentais etc. Desta forma, a existência ou não
de tais condições não depende apenas da ação do(a) profissional, mas de
diversos outros fatores. Ainda assim, apesar dos vários problemas e
dificuldades detectados nos depoimentos, 70% dos(as) profissionais indicaram
que as condições de trabalho existentes em suas instituições permitem uma
apropriação da TI pelo Serviço Social, como indica o gráfico a seguir.
286
Gráfico 37 - Há condições de trabalho que permitam uma apropriação tecnologia? - Total de casos: 93
65
28
0 10 20 30 40 50 60 70
Sim
Não
Fonte: SSTI, 2006.
Apesar da existência das dificuldades apontadas, os(as)
profissionais parecem vislumbrar possibilidades de incorporação da TI ao
trabalho, o que pode demonstrar uma tentativa de superar os problemas reais
existentes no cotidiano. Dentre esses problemas merecem destaque a
inexistência de equipamentos e momentos de qualificação em TI e a
dificuldade de acesso a computadores, impressoras, suprimentos, bem como a
espaços de qualificação na área.
Em suma, constata-se que as condições de trabalho são um fator
importante para a incorporação da TI ao exercício profissional. Em geral os(as)
profissionais que relataram a existência de um processo de informatização no
setor de Serviço Social são aqueles que se encontram inseridos em condições
de trabalho consideradas adequadas. Fica demonstrada, como se percebe no
gráfico a seguir, a existência de uma relação entre as condições de trabalho e
287
o processo de informatização, o qual poderia ser tomado como uma fase
embrionária de uma apropriação efetiva da TI pelo Serviço Social.
Gráfico 38 - Informatização do Serviço Social por c ondições de trabalho - Total de casos: 93
45
9
12
13
10
4
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50
Informatizado
Não informatizado
Fonte: SSTI, 2006.
Razoáveis
Inadequadas
Adequadas
Ainda que pareça óbvio, verificou-se que a informatização está mais
presente entre aqueles profissionais que indicaram a existência de condições
de trabalho consideradas adequadas, e menos presente entre aqueles que
indicaram a inexistência de tais condições, o que demonstra a sua influência
sobre o processo de incorporação da TI. A existência desta última pode sofrer,
portanto, um considerável condicionamento das primeiras. Em outras palavras,
a existência de condições de trabalho adequadas pode ser considerada um
importante fator no processo de incorporação da TI ao trabalho do Serviço
Social, o que sugere que não se trata apenas de um ato de vontade do(a)
profissional, mas de existência de condições reais que permitam a sua efetiva
incorporação.
288
Neste sentido, o potencial da TI para o trabalho profissional só pode
ser alcançado na medida em que este trabalho encontrar-se em condições
adequadas. Não se trata de uma mera injeção de recursos tecnológicos
modernos, destacando-se os computadores e impressoras, mas uma política
de incorporação da tecnologia que contemple as várias dimensões presentes
neste contexto. A apropriação da TI pelo Serviço Social tende, portanto, a
acompanhar o processo mais amplo de fortalecimento e desenvolvimento
profissional, como um dos aspectos que compõem tal processo, e não o
principal ou o mais importante.
Ainda que, como se viu, a formação profissional possa ser
considerada um fator importante nesse processo de apropriação da TI, não se
pode extrapolar os limites de seu real papel neste processo. O gráfico a seguir,
por exemplo, demonstra que, ao confrontar-se o processo de informatização do
Serviço Social com as condições de trabalho relatadas e a participação em
processos de formação na área, constata-se o predomínio do fator “condições
de trabalho” sobre o fator “formação profissional”.
289
Gráfico 39 - Informatização do Serviço Social distr ibuída por condições de trabalho e formação - Total de casos: 79
36
59
47
95 4
0
5
10
15
20
25
30
35
40
Informatizado Não informatizado
Fonte: SSTI, 2006.
Adequadas com qualificação
Adequadas sem qualificação
Inadequadas com qualificação
Inadequadas sem qualificação
Como se percebe, os(as) profissionais que relataram que o Serviço
Social passou por processo de informatização são aqueles que relataram
possuir condições de trabalho adequadas e ter participado de algum tipo de
formação na área, seguidos, de longe e com pouca diferença em relação às
outras possibilidades, pelos(as) profissionais que relataram ter condições
adequadas, mas nenhum tipo de formação na área. Por outro lado, os que
relataram que o Serviço Social não passou por processo de informatização,
são aqueles que informaram a existência de condições de trabalho
inadequadas e a participação em algum tipo de formação profissional. O que se
pretende sugerir é que a existência de condições de trabalho adequadas
parece ser um aspecto determinante para o processo de incorporação da TI ao
Serviço Social, tendo em vista que elas se fazem mais presentes onde há
290
informatização, e se fazem menos presentes onde não há. É uma realidade
que pode ser ilustrada pelo depoimento a seguir.
“O uso da informática no cotidiano do trabalho e pessoal é inevitável. Só que as condições de trabalho são desfavoráveis para o exercício profissional com ou sem informática” (34 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).
Assim, pensar a incorporação da TI demanda pensar, de forma mais
abrangente, as condições de trabalho do Serviço Social, já que tais processos
estão profundamente imbricados. Isso não significa, no entanto, que basta a
mera existência de condições materiais de trabalho adequadas para que essa
incorporação ocorra. Em articulação com tais condições, e como forma de
complementá-las, é que se considera importante a existência de um processo
de formação profissional que dê conta das demandas postas à profissão e que
auxilie esse processo de incorporação da TI ao nosso trabalho, como ilustra o
depoimento a seguir.
“Parece-me que somos uma categoria aberta a coisas novas e se houver um investimento na socialização dos conhecimentos da informática não deixaremos de aderir aos mesmos e usá-los no nosso cotidiano de trabalho desde que tenhamos a infra-estrutura necessária para tal e a formação específica para isto que me parece é o que nos falta. Creio que os usuários só viriam a lucrar com isto uma vez que este recurso qualificaria o atendimento dos mesmos” (43 anos, sexo feminino, mestrado, assistência - RS).
Discorda-se, portanto, da postura que sustenta que a incorporação
da TI ao Serviço Social esteja limitada a iniciativas pessoais dos(as)
profissionais, ou ainda, seja produto da vontade pessoal do(a) profissional
envolvido. Mais do que isso, é necessária a construção de uma proposta
291
abrangente e coletiva de inclusão desse tema na agenda do debate
profissional, pensando sua importância no âmbito da formação profissional e,
sobretudo, articulando-a à discussão sobre as condições de trabalho de que
possibilitam a incorporação concreta da TI ao Serviço Social.
3 . 2 . 9 . A T I C O M O P O T E N C I A L I Z A D O R D O T R A B A L H O
Tem-se trabalhado com o pressuposto de que a TI pode provocar
alterações no desempenho das atribuições e competências profissionais, tanto
no atendimento aos usuários e usuárias, quanto em atividades como
assessoria, supervisão, formulação e implementação de políticas, podendo
gerar efeitos positivos em relação ao acesso aos direitos sociais. Tais
possibilidades, no entanto, encontram-se fortemente condicionadas pelas
expressões do processo de desmonte das políticas sociais operado pelo
neoliberalismo.
Embora se possa perceber a importância da incorporação da TI ao
trabalho profissional, muitos são os obstáculos para uma efetiva apropriação
deste recurso. Dentre elas, chamam a atenção, como já visto, as precárias
condições de trabalho de boa parte das instituições nas quais se inserem
os(as) assistentes sociais. Trata-se de um quadro de sucateamento e
precarização encontrado sobretudo nas instituições públicas, decorrentes da
implementação sistemática de políticas de caráter neoliberal, justificadas por
292
uma concepção de gestão pública baseada em critérios de eficiência e eficácia
determinadas pela lógica de mercado.
Essas políticas constituem-se como elemento fundamental ao nosso
exercício profissional, já que são, em grande parte dos casos, uma condição
necessária para nossa atuação. Como observou Iamamoto (1998), “o
assistente social não detém todos os meios necessários para a efetivação de
seu trabalho”, dependendo, portanto, “de recursos previstos nos programas de
projetos da instituição que o requisita e contrata, por meio dos quais é exercido
o trabalho especializado” (p. 63). Perceber os impactos do neoliberalismo sobre
as políticas sociais, portanto, é tarefa essencial, dadas as relações e conexões
existentes entre tais políticas e a profissão.
Os processos de trabalho nos quais o Serviço Social se insere vêm
sofrendo várias mudanças, decorrentes, das transformações estruturais pelas
quais o capitalismo vem passando. Tais transformações, norteadas pelo ideário
neoliberal, exprimem-se na chamada reestruturação produtiva, que implica
mudanças ou metamorfoses drásticas no mundo do trabalho, englobando,
dentre outros fenômenos, a fragmentação da classe trabalhadora, a
precarização das relações de trabalho, a heterogeneização e complexificação
do mercado de trabalho. As conseqüências deste processo têm sido o aumento
das desigualdades, cujas expressões, dentre as mais gritantes, são a
ampliação do desemprego, aprofundamento da concentração de riqueza e
alastramamento da miséria e da pobreza.
293
Nesse quadro, os(as) profissionais consideram que a TI pode ser
entendida como um elemento importante para o exercício profissional, o que ,
em certa medida, reforça as idéias até aqui apresentadas. Como se percebe no
gráfico abaixo, 96% dos(as) profissionais apontam para a importância da TI
para o Serviço Social.
Gráfico 40 - Você acha que a informática e a tecnol ogia da informação têm um papel importante no trabalho do Serviço Soci al? - Total de casos: 93
4
89
0 20 40 60 80 100
Não
Sim
Fonte: SSTI, 2006.
A partir dos depoimentos dos(as) profissionais verifica-se que este
recurso pode desempenhar um papel importante para o Serviço Social,
constituindo-se como um elemento potencializador do trabalho em três
aspectos principais: agilização do trabalho e dinamização do atendimento;
organização e tratamento de dados; e uso de redes e da Internet. A distribuição
dos depoimentos dos(as) profissionais por cada um destes aspectos poder ser
verificada no gráfico a seguir.
294
Gráfico 41 - Como acha que a tecnologia da informaç ão pode ser usada a serviço dos usuários? - Total de casos: 77
40%
35%
25%
0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 45%
Uso de redes e internet
Agilização do trabalho
Tratamento de dados
Fonte: SSTI, 2006.
Como aspecto mais citado pelos(as) profissionais, o acesso à
Internet e às redes de serviços e recursos disponíveis aparece como uma das
formas de democratizar as informações e ampliar o acesso dos usuários e
usuárias aos direitos sociais. A ampliação desse acesso constitui-se como um
dos objetivos mais buscados pelos(as) assistentes sociais em seu trabalho.
Com o uso da TI, é possível potencializar a realização de contatos e o acesso a
informações de forma que se possa oferecer aos usuários e usuárias
condições mais favoráveis para a realização de encaminhamentos e oferta de
respostas às demandas apresentadas.
“Eu penso que o grande bem atual é o acesso à informação. Um profissional bem informado poderá ser melhor qualificado e conseqüentemente poderá estabelecer uma relação de melhor qualidade com o usuário e com a instituição onde trabalha” (40 anos, sexo feminino, mestrado, justiça - SP).
“Os profissionais podem acessar na Internet uma infinidade de sites importantes, mantendo-se atualizados sobre legislações, recursos etc.
295
Podem, ainda, se comunicar com instituições para dirimirem dúvidas; se informarem sobre eventos relacionados com a profissão ou com a área de atuação, além de redigirem relatórios e preencherem formulários. Com uma consulta rápida, pode-se fornecer uma resposta imediata” (53 anos, sexo feminino, graduação, previdência - RJ).
“Não só na facilidade do cruzamento de informações em rede, mas acesso a benefícios, encaminhamentos, possibilidade do estabelecimento de parcerias, dentre outras” (38 anos, sexo feminino, doutorado, assistência - SP).
“De diversas formas: ampliando o conhecimento dos profissionais sobre as legislações em vigor e da rede de recursos disponíveis, o que certamente garantirá aos usuários maior conhecimento de seus direitos como cidadãos e maior acesso aos serviços disponíveis” (45 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).
“Na elaboração de projetos e políticas com maior grau de informação sobre o público-alvo. Na democratização da informação através da informática e Internet, proporcionando aos usuários este acesso. Na agilização das orientações aos usuários fazendo uso de uma ferramenta que traz a informação quase que imediata” (33 anos, sexo feminino, graduação, criança/adolescente - RJ).
Assim, de acordo com os(as) profissionais, o uso de redes e da
Internet pode auxiliar a qualificação do trabalho, oferecendo uma importante
contribuição na sua condução, seja na socialização de informações durante os
atendimentos propriamente ditos, agilizando encaminhamentos, relatórios etc,
seja na formulação e elaboração de pesquisas mais específicas sobre temas
referentes ao trabalho.
“Pesquisas rápidas sobre recursos; encaminhamentos rápidos de questões dos usuários para as instituições competentes; levantamento de dados e informações importantes que podem ser repassados para os usuários a fim de que os mesmos busquem seus direitos” (37 anos, sexo feminino, mestrado, empresa - RJ).
“Para pesquisa, levantamento de dados que irão contribuir para resolução de uma solicitação desse usuário, melhor entendimento do que é escrito nos encaminhamentos, solicitações etc” (44 anos, sexo feminino, graduação, empresa - RJ).
296
“Link entre as redes da seguridade social; buscas de recursos; produção de conhecimento; construção de perfis sociais (conhecimento sobre o usuário)” (44 anos, sexo feminino, doutorado, saúde - RJ).
“Acabei de falar das redes sócio assistenciais e da facilidade de acesso aos bens e serviços comunitários. Quando todos estiverem em rede será mais fácil trabalhar e os usuários não precisarão caminhar tanto de órgão em órgão buscando ser atendido. E tem também aquela questão da rede de beneficiários, que evitará a duplicidade de ações ao mesmo usuário” (35 anos, sexo feminino, especialização, saúde - TO).
“Além de facilitar cadastros e agilizar a redação de documentos e relatórios, com a Internet podemos acessar diversos sites de utilidade pública, cidadania, politicas sociais, acessando informações atualizadas” (33 anos, sexo feminino, mestrado, saúde - RJ).
Como segundo aspecto mais citado, os(as) profissionais indicam
que a TI pode ser utilizada como um importante recurso na agilização do
trabalho e na dinamização do atendimento prestado aos usuários e usuárias.
Essa agilização é vista como um dos elementos impulsionadores da melhoria
da qualidade do trabalho, sendo, portanto, algo a ser buscado pelos(as)
profissionais.
“Um assistente social com conhecimento de informática pode em muito facilitar de maneira variada os efeitos de sua intervenção, tanto para agilizar seu trabalho como para facilitar comunicação com outras instituições, a troca de informações, a criação/atualização de um banco de dados, enfim, são inúmeras as possibilidades” (48 anos, sexo feminino, especialização, justiça - RJ).
“A informática agiliza a emissão de documentos, permite a consulta a instituições diversas através da Internet. A TI possibilita acesso a um maior número de informações atualizadas. Ambas possibilitam ao assistente social um atendimento de maior qualidade ao usuário, que poderá ter informações variadas e rápidas a suas angústias” (45 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).
“Além da disponibilização de documentos ‘legíveis’ que podem auxiliar o usuário a ser melhor entendido, há a facilidade de acessar uma gama maior de recursos e orientações para agilizar e disponibilizar seu encaminhamento” (28 anos, sexo feminino, graduação, saúde - RJ).
297
“Penso que a informática agilizaria os atendimentos se pudéssemos contar com mais computadores, de preferência mais rápidos e conectados à Internet permanentemente. Poderíamos utilizá-los como forma de buscar recursos, informações mais atualizadas e etc” (34 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).
“Agilizando o serviço e possibilitando aos profissionais maior acesso a informação, o que resulta em melhoria na qualidade dos serviços e maior acesso da população aos seus direitos” (45 anos, sexo feminino, graduação, empresa - SP).
“A informática hoje já faz parte da rotina do Serviço Social na instituição, assim como a caneta e o carimbo. Temos um convívio continuo com a TI, e isso tem sido muito rico para os usuários, pois quanto mais qualificada uma equipe, mas qualificado também será o atendimento” (32 anos, sexo feminino, especialização, saúde - AL).
Os profissionais apontam ainda que o uso da TI pode facilitar os
processos e ações que envolvam comunicação, troca/busca de informações e
de registros. Permite agilizar a produção de relatórios, a busca de recursos,
instituições, textos e diversos outros materiais de interesse dos(as)
profissionais. Proporcionam, ainda, a rapidez nos fluxos de trabalho, podendo
ser utilizada para dar transparência aos processos, e estimular novas formas
de intervenção, potencializadas pelo acesso à TI, organizando melhor o
trabalho e obtendo melhores resultados nas tarefas desempenhadas.
“A informática, com toda a sua tecnologia, promove a agilidade tanto no atendimento aos nossos usuários, quanto no encaminhamento das suas demandas à rede de atendimento social. Também é um forte instrumento na documentação e registro das atividades desenvolvidas. Não há dúvidas da melhoria na qualidade do trabalho desenvolvido a partir da utilização destes instrumentos” (43 anos, sexo feminino, graduação, saúde - RJ).
“Profissional capacitado tem mais idéias e poderá inovar e facilitar o atendimento e o encaminhamento das situações que aparecem no seu dia-dia” (37 anos, sexo feminino, graduação, saúde - SC).
298
O terceiro aspecto citado pelos(as) profissionais refere-se à
possibilidade de aprimorar a organização e o tratamento de dados, apontada
como uma grande contribuição que a TI pode oferecer ao trabalho do Serviço
Social. Os depoimentos indicam que, neste sentido, o registro, a
sistematização de dados e a produção de informações sobre demandas e
atendimentos podem ser potencializados pelo uso da TI, favorecendo a
produção de perfis de usuários e de atendimentos, estatísticas, relatórios e
avaliações dos programas e projetos em andamento no Serviço Social.
“O acesso à informática permite informações mais completas, permite a organização de dados, o contato entre grupos de interesses e inúmeras outras facilidades para o usuário” (53 anos, sexo feminino, mestrado, previdência - RJ).
“Para termos maior facilidade na sistematização dos dados coletados. Desta forma poderíamos ter dados que contribuam com mudanças e melhorias para a vida da população” (33 anos, sexo feminino, mestrado, assistência - RJ).
“Banco de dados, perfil dos usuários, perfil da demanda, pesquisas variadas, avaliação dos serviços etc” (47 anos, sexo feminino, mestrado, saúde - RJ).
“Registros de atendimentos, acesso a informações confidenciais, busca de dados pessoais e demonstrativo dos registros realizados” (28 anos, sexo feminino, graduação, empresa - MG).
“Com banco de dados, sendo possível gerar dados quantificáveis, que esclarecidos e interpretados qualitativamente, subsidiem ações mais efetivas à população atendida; com sistemas interligados, de forma que eu ao atender o usuário ‘x’ possa acessar virtualmente caminhos percorridos e acessados pelas políticas públicas, por exemplo. Profissionais que já tiveram alguma aproximação com o caso em questão, facilitando a troca de informações e até opinião” (38 anos, sexo feminino, especialização, criança/adolescente - RS).
“Para cruzamento de dados de pesquisas, rapidez no atendimento, melhoria na sistematização das informações” (23 anos, sexo feminino, especialização, empresa - PE).
299
Desta forma, indicam os(as) profissionais que os dados
armazenados e as informações geradas pelo Serviço Social, com a
contribuição da TI, podem ser utilizados para pesquisa e avaliação do trabalho,
contribuindo desta forma, para o desenvolvimento e o aprimoramento do
exercício profissional.
“Facilitando a pesquisa, a análise de dados e democratização de conhecimentos acerca da realidade social, políticas sociais e prática dos assistentes socais” (42 anos, sexo feminino, graduação, empresa - RJ).
“Para garantir estudos e viabilizar políticas públicas, onde os registros das assistentes sociais poderiam ser instrumentos para subsidiar essas políticas” (32 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RJ).
“Tanto a questão da organização de dados (ou mesmo construção de instrumentos de trabalho), quanto a elaboração e desenvolvimento de Programas e Projetos, se beneficiam com a informatização” (30 anos, sexo feminino, especialização, assistência - RJ).
“Monitoramento, avaliação de impacto, mais velocidade na informação, facilidade de divulgar as atividades. Há inúmeras possibilidades, basta estarmos receptivos” (39 anos, sexo feminino, especialização, assistência - RS).
“Inicialmente como cadastro, depois como atualização de dados, em seguida como informação de relato dos fatos, parecer social e até no processo investigativo do assistente social em relação aos usuários e/ou para uma atividade de interdisciplinaridade” (44 anos, sexo feminino, especialização, assistência - RJ).
“Praticidade e simplicidade para armazenar dados; pesquisas destas informações para elaboração de projetos que sejam de fato relevantes aos usuários” (49 anos, sexo feminino, especialização, saúde - RS).
O uso da TI, portanto, pode potencializar a dimensão investigativa
do trabalho profissional, oferecendo elementos e condições para melhor
organização dos dados e informações que perpassam cotidianamente o
trabalho profissional. Se o uso desta tecnologia, por si só, não é capaz de
300
produzir conhecimento, tendo em vista que nada mais faz do que oferecer uma
descrição aproximada da realidade, pode oferecer as condições básicas para a
percepção inicial de algumas tendências do movimento da sociedade, já que tal
percepção pode partir da descrição por ela oferecida.
Pensar a importância da TI para o trabalho profissional implica,
compreendê-la como uma mediação, tal como sugeriu Vieira Pinto (2005),
tendo em vista que “a tecnologia foi criada e é usada exatamente para servir de
mediação prática entre o ser humano e a natureza ou a sociedade”, integrando-
a, de acordo com o autor, num processo histórico dialético (p. 285).
O recurso à categoria de mediação no Serviço Social, como
destacou Pontes (1995), “favoreceu uma apreensão mais próxima do
movimento da totalidade social do objeto de intervenção profissional” (p.167),
tornando possível perceber o campo de intervenções profissionais como um
“campo de mediações” (p.170). As mediações, segundo o autor, permitem
passagens entre as instâncias constituintes da totalidade, tratando-se de:
“condutos por onde fluem as relações entre as várias estâncias
da realidade. São eles que possibilitam conceber-se a
realidade como totalidade” (p.181).
Neste sentido, pode-se compreender a TI como uma das mediações
presentes no campo da atuação profissional, na medida em que, com o seu
uso, em articulação com outras mediações presentes no exercício profissional,
as finalidades presentes no projeto profissional podem ser alcançadas. Este
recurso pode oferecer uma importante contribuição para o(a) profissional em
301
sua tarefa de articular as diversas mediações presentes no campo da atuação
profissional. Mais do que um instrumento a ser utilizado no exercício
profissional, a TI pode ser também entendida como um elemento
potencializador de outras dimensões já previamente existentes no trabalho
profissional. Em outros termos, os(as) assistentes sociais podem utilizar a TI
para potencializar sua atuação junto às expressões da questão social,
apropriando-se deste recurso para otimizar as competências e habilidades já
previamente existentes no âmbito de sua atuação.
O dimensionamento da utilização da TI no trabalho profissional, bem
como dos demais recursos e instrumentos, demanda a apreensão dos
processos constitutivos do exercício profissional. Trata-se de uma questão
relevante, na medida em que este recurso pode potencializar:
“passagens cognitivas entre as várias dimensões em presença,
podendo articular estas mediações potencializando forças em
presença, em favor de um projeto de sociedade progressista e
transformador da realidade, ou simplesmente manter-se
alienado da trama destas complexas relações (Pontes, 1995,
p.182).
O aprimoramento do trabalho ou a solução de problemas e dilemas
profissionais não será produto exclusivo da incorporação da TI ao trabalho do
Serviço Social. A solução será decorrência da capacidade que os(as)
profissionais possuírem de definir e alcançar projetos e finalidades. A
tecnologia nada mais é do que uma mediação para se alcançar tais finalidades.
Por outro lado, na medida em que se familiariza com a tecnologia e seus
302
diversos recursos, na medida em que se utiliza e se estuda as inovações e as
possibilidades que ela traz, pode-se visualizar com uma abrangência cada vez
maior, a sua contribuição para o alcance de novos projetos e novas finalidades.
Poderá acontecer um tipo de articulação entre o Serviço Social e a TI cujos
frutos sejam positivos para o trabalho profissional, sem que haja, no entanto,
uma subordinação da profissão à tecnologia.
Uma das aplicações da TI para as quais os(as) assistentes sociais
podem estar atentos(as) são os sistemas de informação. Tais sistemas
constituem-se como importantes recursos para o Serviço Social, contribuindo
para promover uma mudança qualitativa no exercício da profissão,
expressando, assim, o seu potencial estratégico. A criação e utilização de
sistemas de informação que possam oferecer subsídios para a realização do
trabalho poderiam ser encaradas pelos(as) profissionais como uma importante
demanda.
O uso de sistemas de informação, no entanto, não deve se dar de
forma voluntarista, demandando do(a) profissional uma postura crítica em
relação a sua natureza e objetivos. Com esta preocupação em mente, Jonas
(2002) observa que grande parte dos sistemas de informação destinados às
políticas sociais disponíveis no mercado seguem um padrão adequado às
necessidades do capital, sendo concebidas como ferramentas de
racionalização do trabalho e de gerenciamento. Ao absorverem a contribuição
da TI, as políticas públicas podem gerar uma forte tensão por conta da
incompatibilidade de interesses. É nesse sentido, que ao apontar a importância
303
de um esforço de “adaptação dos recursos informáticos à gestão das políticas
sociais”, a autora destaca que não se deve abandonar os pressupostos e
valores profissionais identificados com a ampliação dos direitos e
aperfeiçoamento das instituições democráticas.
Embora se concorde com a autora nos aspectos principais de sua
análise, considera-se que a tarefa principal aqui não é a de fazer adaptações
apenas. Mais do que uma adequação da TI ao trabalho do Serviço Social,
trata-se de construir e identificar as reais possibilidades de sua incorporação ao
trabalho, utilizando-a como uma contribuição para alcançar as finalidades
presentes no projeto ético-político profissional.
A TI pode ser um importante recurso para a produção e divulgação
de informações úteis aos indivíduos. Sua incorporação ao trabalho não deve se
limitar ao uso apenas de pacotes de programas e aplicativos comerciais
fechados. É necessário, seguindo as indicações da autora acima, avançar no
conhecimento da lógica que embasa o desenho dos sistemas de informação,
buscando impulsionar a construção de aplicações que absorvam os valores e
parâmetros ético-políticos de nossa profissão. A elaboração de um sistema de
informação a ser utilizado pelos(as) assistentes sociais deve estar permeada
pelas principais características de nosso projeto profissional, de modo que ele
seja, também, expressão e indicador desse projeto. Trata-se de uma postura
que não está preocupada com a adaptação ou adequação da TI ao trabalho do
Serviço Social, mas sim com a construção de novas possibilidades de uso, de
304
apropriação crítica deste recurso tendo por ponto de partida os desafios postos
à profissão.
Assim, cabe aos(às) profissionais evitar o caminho predominante de
adaptação aos produtos disponíveis no mercado. Antes, podem priorizar, a
partir de sua postura ético-política, o compromisso com os valores
profissionais, buscando formas de concretizá-los e criando sistemas que
possam viabilizá-los. A preocupação aqui não é apenas com o
desenvolvimento de um sistema tecnicamente perfeito, mas com a criação de
um recurso que possa propiciar o avanço, um meio de auxiliar a efetivação dos
princípios profissionais afetos à categoria de assistentes sociais. Para isso, faz-
se necessário um amplo processo de discussão com o envolvimento dos(as)
profissionais de forma a incorporar essa questão à agenda de debates da
categoria.
A título de ilustração, realizam-se algumas rápidas observações
sobre uma experiência concreta de criação e utilização de um sistema de
informações, o Sistema de informações do Serviço Social – SiSS (Veloso,
2004), uma experiência produzida, socializada e avaliada coletivamente, com
vistas a contribuir para discutir a importância da TI para o fortalecimento do
trabalho profissional e as condições necessárias à sua incorporação.
Apesar das melhorias possibilitadas, o SiSS foi, aos poucos,
deixando de ser usado pelos(as) assistentes sociais da equipe de trabalho. Isto
porque, como ocorre em várias outras unidades de Serviço Social, diversos
obstáculos se impuseram ao estabelecimento de uma efetiva incorporação da
305
TI ao trabalho, dentre os quais se pode destacar os mesmos elementos
apresentados ao longo deste trabalho: insuficiência de equipamentos e
suprimentos; acomodação e resistência de alguns(mas) profissionais às
mudanças e inovações; ausência de treinamentos especializados e
aperfeiçoamento técnico das(os) profissionais; inviabilidade da obtenção de
recursos físicos e humanos necessários ao pleno desenvolvimento do trabalho.
O processo de informatização do setor não foi acompanhado de um
processo de qualificação dos(as) profissionais e de alocação de recursos
adequados ao trabalho. A instituição em que a experiência foi conduzida não
dispunha das condições que favorecessem uma incorporação efetiva da TI por
parte do Serviço Social. A ausência de qualificação e das condições
adequadas de trabalho passou a criar problemas e aumentar a resistência ao
uso do sistema, tendo em vista os defeitos que passaram a acontecer e a
ausência de uma manutenção contínua no equipamento existente. Constatou-
se, portanto, que se o processo de informatização não for acompanhado de
atividades de formação e capacitação, com o efetivo envolvimento do(a)
profissional, e com a disponibilização de condições adequadas de trabalho,
equipamentos e suprimentos, as possibilidades de sucesso serão muito
poucas.
Verificou-se um retorno aos procedimentos tradicionais do trabalho,
tais como livro de ocorrências, cadastro de recursos em agendas impressas,
fichas de papel, uso de arquivos manuais, dentre outros, demonstrando que
possibilidade de uso da TI é histórica, dependendo em grande medida das
306
condições objetivas e subjetivas existentes e disponíveis à profissão. A efetiva
incorporação da TI ao trabalho não é um ato de vontade apenas, e a ausência
de investimentos em infra-estrutura e em formação e qualificação dos(as)
profissionais tornam tal incorporação um grande desafio a ser superado.
A incorporação da TI ao trabalho do Serviço Social é possível e
viável, no entanto, demanda que a equipe de profissionais disponha das
condições objetivas e subjetivas necessárias, o que pode potencializar o
desenvolvimento de suas competências e atribuições, fortalecer o
compromisso com os objetivos profissionais e consolidar os valores ético-
políticos que orientam seu trabalho.
Acredita-se que os dados apreciados permitem sugerir que o Serviço
Social tem estabelecido algum tipo de incorporação da TI ao seu trabalho.
Trata-se, no entanto, de uma incorporação embrionária, tateante, motivada
muito mais pela vontade dos(as) profissionais, muitas vezes de forma individual
e isolada, do que por uma política explicitamente formulada e implementada
pela categoria profissional no sentido de propiciar uma apropriação crítica e
consistente deste recurso.
Apesar de os depoimentos relatarem experiências incipientes, sem
um uso mais aprofundado da TI, considera-se que, de forma geral, este recurso
pode contribuir para o trabalho profissional, desde que os(as) assistentes
sociais estejam preparados(as) para utilizá-la, não só do ponto de vista técnico,
mas também, crítico. As competências profissionais não podem ser reduzidas
ao domínio do recurso tecnológico apenas, mas envolver, também, a
307
competência crítica que permita uma apropriação do recurso tecnológico como
elemento potencializador, capaz de estimular, constituir e aprimorar
modalidades de atuação profissional alternativas ao tradicionalismo e ao
conservadorismo profissionais.
308
C O N S I D E R A Ç Õ E S F I N A I S
Pretendeu-se discutir neste trabalho a importância que a TI,
sobretudo no que se refere ao uso da informática e da Internet, pode possuir
para o exercício profissional, qualificando tal importância como um potencial
estratégico para dinamizar e fortalecer o trabalho do Serviço Social. A
importância conferida a este recurso por parte dos(as) profissionais e as
poucas experiências de efetiva utilização remetem a uma problematização das
condições necessárias à sua incorporação e apropriação. Poder-se-ia, neste
sentido, apresentar uma série de questões a respeito de tal apropriação. É
possível aos(às) profissionais potencializarem seu exercício profissional tirando
da tecnologia as vantagens que esse recurso oferece? Em que medida é
possível aos(às) assistentes sociais apropriarem-se da TI como elemento
potencializador se de fato o conhecimento que os(as) assistentes sociais
dispõem sobre o tema é muito reduzido? As exigências feitas em termos de
apropriação da TI não estariam muito além das condições e capacidades
detidas pelo conjunto de assistentes socais? Faz-se referência não à parcela
da categoria que tenha demonstrado possuir um nível de compreensão e
absorção da TI mais acentuado, mas à categoria como um todo, ao conjunto
dos seus segmentos e integrantes. Embora não se possa esgotar essas
questões, acredita-se que alguns comentários gerais podem ser feitos como
forma de sugerir algumas possibilidades de resposta.
309
Pensar o potencial da TI para o Serviço Social demanda, antes de
tudo, definir um ponto de partida. Este, na opinião do pesquisador, deve ser o
próprio exercício profissional. Não se entende que o uso da tecnologia possa
resolver os diversos problemas expressos no cotidiano do trabalho profissional,
como muitas vezes tendem a pensar os(as) profissionais. Tais problemas, na
maior parte das vezes referentes aos aspectos ligados aos processos de
atendimento, sistematização, planejamento, organização e avaliação do
trabalho, podem ser equacionados com o auxílio da TI, de forma articulada a
outras competências e habilidades profissionais. Quem efetivamente apresenta
e executa propostas para a solução das questões presentes no cotidiano
profissional são os(as) próprios(as) profissionais, que com sua capacidade de
reflexão e elaboração devem projetar e implementar alternativas para as
demandas concretas com as quais lidam.
As dificuldades e limites presentes no cotidiano de trabalho e a
necessidade de aprimoramento e desenvolvimento profissional devem ser
apropriadas pelos(as) próprios(as) profissionais, que, a partir de seu acervo de
conteúdos e instrumentais analíticos, técnicos e éticos, podem formular as
diretrizes e alguns aspectos necessários ao seu trabalho. Isso é claro, levando-
se em conta as condições concretas em que sua atividade, como trabalho
assalariado que é, se processa.
Portanto, não se trata de compreender o(a) profissional como um
indivíduo acima dos limites institucionais concretos em que se situa, mas de
salientar que, pelo fato de possuir uma relativa autonomia técnica, mostra-se
310
possível conduzir propostas profissionais que possam alterar algumas das
características da organização de seu trabalho.
Embora a TI possa ser considerada como um recurso importante
para o exercício profissional, entende-se que os problemas postos no trabalho
cotidiano não serão automaticamente solucionados a partir da incorporação da
tecnologia, tendo em vista que esta, sozinha, não realiza absolutamente nada.
Seu efeito útil, ou ainda, seu valor de uso para a profissão encontra-se
condicionado pela forma concreta pela qual se processará sua incorporação ao
trabalho. É neste sentido que se compreende a tecnologia não como um
instrumento de trabalho apenas, como é comumente ressaltado. Acredita-se
que uma adequada abordagem da TI é aquela que a toma como um otimizador
e potencializador dos instrumentos de trabalho já previamente existentes no
Serviço Social, os quais devem passar por um constante processo de
aprimoramento. Quem deve promover (pensar e propor) este aprimoramento, é
o próprio profissional. Aproximando-se do uso do instrumento, a partir da
reflexão e análise crítica sobre o mesmo, poderá propor mudanças com vistas
ao seu melhoramento. Notem que o(a) profissional, ao analisar o uso que faz
de seu instrumento, poderá pensar e propor mudanças qualitativas em tal uso,
criando e imprimindo-lhe, neste processo, novos objetivos, novas finalidades,
utilizando-o para alcançar novos projetos.
Pensa-se tecnologia como um dos meios que podem ser utilizados
na obtenção das finalidades definidas e projetadas pelo(a) profissional, não
sendo, portanto, a finalidade em si. Isso significa que para se aprimorar o
311
trabalho do Serviço Social, o ponto de partida não é estudar, conhecer e
aprofundar-se no uso da TI. Isso até pode acontecer, desde que venha
precedido por um estudo, conhecimento e aprofundamento na forma de
processamento do trabalho de forma geral. O ponto de partida, portanto, é o
próprio trabalho do(a) assistente social. A partir da avaliação de sua atividade,
serão identificadas as falhas, problemas, lacunas que poderão ser corrigidas ou
ajustadas. A TI nada mais será do que um meio que auxilia e contribui para a
solução dos problemas e para a potencialização do trabalho, mas que de forma
alguma substitui a ação do(a) profissional na definição dos elementos que
possibilitam essa potencialização.
Se por um lado tal potencialização pode dar-se no sentido de
contribuir para ampliar as condições de acesso aos direitos sociais, pode
também, proporcionar uma redução da demanda por trabalho braçal, tendo em
vista o processo de automatização que o uso da TI implementa, e no aumento
da demanda por trabalho intelectual, tendo em vista a necessidade do(a)
profissional lidar com os diversos conjuntos de dados e informações produzidos
ao longo do trabalho.
Tendo em vista a redução do trabalho manual, braçal e físico que
pode proporcionar, como visto no capítulo 1, a incorporação da TI no cotidiano
profissional, principalmente os recursos relacionados especificamente à
informática e suas diversas aplicações, faz com que o(a) profissional disponha
de uma maior quantidade de tempo para o exercício profissional, já que deixará
de se preocupar, ou se preocupará menos, com tarefas como localização de
312
recursos em pastas, arquivos, agendas; arrumação de arquivos, organização
em ordem alfabética; contagem dos atendimentos para elaboração de
estatísticas, perfis etc. Essas tarefas, de fato, poderão ser feitas pelo
computador em tempo bem menor do que o gasto pelos(as) profissionais nos
processos tradicionais.
No entanto, não é só para isso que a TI pode ser útil. Além de
possibilitar economia de tempo, fazer com que tarefas burocráticas e repetitivas
sejam realizadas de forma mais rápida, a TI pode possibilitar ao(à) profissional,
se for criticamente apropriada, uma mudança qualitativa em seu trabalho, o que
passaria a exigir do(a) profissional uma parcela cada vez maior de trabalho
intelectual, de esforço analítico, ou ainda, um esforço analítico em níveis mais
superiores, tendo em vista a dinamização possibilitada pela otimização dos
instrumentos, como sinalizou Vieira Pinto (2005, p.81).
Poder-se-ia pensar, por exemplo, nas estatísticas de atendimento
que os(as) profissionais precisam entregar, em um dado período, às
coordenações ou direções de unidade. Não é incomum que profissionais de
Serviço Social, utilizando-se de processos tradicionais de contagem e
totalização, gastem dias inteiros para produzir relatórios estatísticos, como os
de atendimentos mensais realizados. O uso de bancos de dados
informatizados, uma das grandes possibilidades de uso da TI pelo Serviço
Social, além de fazer com que o(a) profissional produza tais relatórios de forma
muito mais rápida e em um tempo bem menor (já que as funções de
agrupamento, contagem e totalização serão realizadas pelo computador),
313
demandará, por outro lado, uma maior capacidade de apreciação crítica e
análise dos dados.
De fato, essa capacidade não será inaugurada pelo uso da
tecnologia, mas seu uso criará condições para que ela seja mais bem
desempenhada, para que ela seja mais bem aplicada, por pelo menos dois
fatores: primeiro porque o(a) profissional terá mais tempo; segundo porque os
dados poderão ser organizados de forma que o(a) profissional consiga ver
neles informações ou expressões da realidade que antes não conseguia
verificar. Pense-se, por exemplo, na diferença entre as estatísticas gerais de
atendimento, em que se tem apenas o total de atendimentos do mês, e as
diversas outras formas possíveis, tais como, estatísticas com distribuição dos
atendimentos por demanda atendida, por local de encaminhamento, por
procedência, por recurso utilizado, dentre outros. Pense-se, ainda, a análise da
variação mensal desses índices. Em um mês, por exemplo, 10% dos
atendimentos demandavam orientações sobre previdência, no mês seguinte,
orientação para inserção em atendimento ambulatorial. As variações de perfil
de usuários e de perfil de demandas, atendimentos realizados,
encaminhamentos, dentre outros, podem ser rapidamente captadas pelo(a)
profissional com um uso adequado da TI. Esses números, ao serem
apreciados, podem expressar uma dimensão qualitativa da realidade, e
precisam ser interpretados pelos(as) profissionais, como forma de aprimorar o
trabalho, propiciando condições favoráveis à formulação de novas propostas de
intervenção ou ao aprofundamento das já existentes.
314
Este é um exemplo de uma das formas pelas quais a TI pode
contribuir para a potencialização do exercício profissional: a possibilidade de
propiciar uma redução do tempo gasto em algumas atividades braçais e
manuais, já que tal tecnologia pode ser utilizada para realização de tais
atividades. No entanto, o Serviço Social precisa compreender essa
possibilidade de redução não como elemento voltado à valorização da
organização do trabalho baseada na redução do tempo de trabalho
socialmente necessário e no aumento do tempo de trabalho excedente. A
utilização da TI para diminuir o tempo gasto na realização das tarefas manuais,
tomada como artifício para aumento da produtividade do trabalho baseada em
critérios quantitativos que tenham por objetivo a ampliação das taxas de lucro,
consiste numa postura que deve ser combatida e criticada pelos(as)
assistentes sociais.
A tarefa que se coloca aos(às) profissionais, no que refere à
apropriação da TI, é tentar construir uma forma de incorporação que supere o
modelo hegemônico imposto ao conjunto de trabalhadores: como uma forma
de reduzir a demanda por trabalhadores, como forma de aumentar a extração
de mais-valia, sobretudo a mais-valia relativa, como forma de expulsar
quantidades cada vez maiores de trabalhadores do mercado de trabalho.
Nestes casos, a redução do tempo de trabalho teve por conseqüência o
aumento do tempo de trabalho excedente, num primeiro momento, e, além da
manutenção de níveis cada vez maiores de exploração, a produção do excesso
de trabalhadores no mercado de trabalho, em um outro momento. Construir a
forma como a categoria profissional se apropriará deste recurso é, portanto,
315
fundamental, resistindo ao formato com que hegemonicamente vem sendo
utilizada na sociedade capitalista. Espera-se que seu uso possa, de fato,
potencializar o exercício profissional, gerando novas capacidades e
habilidades, e contribuindo para criar condições que tornem possível o
aprimoramento profissional.
O Serviço Social precisa construir uma apropriação do recurso
tecnológico que permita ultrapassar a lógica racionalizadora, de redução de
custos e de emprego de força de trabalho, evitando um modo específico de uso
que signifique a substituição de profissionais ou a redução das possibilidades
de criação de informação. A prioridade deve ser concedida ao reforço e à
efetivação dos princípios profissionais, sem cair na armadilha do tecnicismo, ou
seja, pensar que o mero aperfeiçoamento técnico-operativo garante uma
apropriação qualificada da TI.
Trata-se de um tema cuja reflexão tem estado pouco presente entre
os(as) assistentes sociais, sem significar, no entanto, que o mesmo não
detenha um papel relevante para a profissão. Os(as) participantes, por
exemplo, ilustram essa relevância ao demonstrar o que consideram como
tendências futuras acerca da articulação entre TI e Serviço Social, como se
verifica na tabela a seguir.
316
Tabela 02 - Tendências vislumbradas entre Serviço S ocial e TI
Alunos AS Docentes Total
A Internet será mais utilizada como ferramenta de articulação/diálogo entre assistentes sociais
190 73,9% 890 80,1% 65 90,3% 1145 79,5%
Serão criados sistemas/programas/softwares específicos para o trabalho do assistente social 189 73,5% 815 73,4% 62 86,1% 1066 74,0%
Crescerá a presença do tema tecnologia da informação na formação profissional em S.S 177 68,9% 776 69,8% 58 80,6% 1011 70,2%
A defasagem entre o avanço tecnológico e sua incorporação pelo serviço social continuará
19 7,4% 99 8,9% 11 15,3% 129 9,0%
Os atendimentos do serviço social serão cada vez mais mediados pelo computador 85 33,1% 304 27,4% 28 38,9% 417 29,0%
A dimensão de escuta e de interlocução será prejudicada pelo uso do computador
25 9,7% 53 4,8% 8 11,1% 86 6,0%
O uso do computador tornará o atendimento menos humanizado 37 14,4% 63 5,7% 8 11,1% 108 7,5%
O uso do computador no atendimento terá efeitos democratizantes 58 22,6% 378 34,0% 32 44,4% 468 32,5%
Total 257 100,0% 1111 100,0% 72 100,0% 1440 100%
Fonte: SSTI, 2005.
A partir dos dados acima, constata-se que os(as) participantes
vislumbram como fortes possibilidades o uso da Internet como ferramenta de
articulação entre os(as) assistentes sociais, a criação de sistemas de
informação para o trabalho do(a) assistente social e a maior presença da
tecnologia da informação na formação profissional. Nota-se, a partir dessas
indicações, a existência de uma postura de valorização do uso da TI,
acompanhada de uma vontade de incorporação deste recurso ao trabalho
profissional, buscando seguir uma direção próxima à defendida ao longo deste
trabalho.
317
Considera-se válida a compreensão da TI como detentora de um
potencial estratégico para o Serviço Social, desde que sua incorporação não
seja realizada de maneira fetichizada, entendendo a tecnologia como solução
mágica para os problemas enfrentados pela profissão, o que poderia ocasionar
a simplificação ou o esvaziamento das competências profissionais. Evita-se,
portanto, uma incorporação da TI da forma como criticou Barreto (2005), “como
se sua simples presença garantisse a produção de mudanças qualitativas e,
até mesmo, uma espécie de revolução” (p.142). O que deve acontecer é um
processo de apropriação efetiva, subordinada a finalidades concebidas pela
categoria no sentido do fortalecimento profissional, com conseqüências
positivas para o aperfeiçoamento e a qualidade do trabalho, situado em um
contexto profissional bem determinado. Assim, não se defende a idéia simplista
de que tudo irá bem no Serviço Social desde que haja computadores nas
unidades de formação e intervenção profissional. Mais do que o mero acesso
dos(as) profissionais a computadores, é preciso pensar os modos e sentidos de
acesso a tal tecnologia.
Uma real incorporação da TI ao Serviço Social supõe que os(as)
profissionais deixem de ser meros(as) usuários(as) ou consumidores(as),
passando a formular e implementar propostas criativas e críticas que
demonstrem sua efetiva apropriação, adequada a suas demandas e
necessidades, e não imposta, podendo promover o enriquecimento tanto da
formação quanto do trabalho profissional.
318
É preciso perceber as formas pelas quais a TI tem estado presente
no trabalho profissional. Perceber o seu potencial estratégico significa perceber
as possibilidades de seu uso para o fortalecimento do exercício profissional.
Mas ela também pode ser utilizada em sentido oposto, de forma reducionista,
tecnicista, burocratizada e fetichizada, impedindo que a concretização da
satisfação dos interesses dos usuários e usuárias por meio de seu uso. Neste
sentido, criar disciplinas como “Laboratório de Informática” ou “Informática
aplicada ao Serviço Social”, priorizando a parte técnica sem demonstrar as
conexões possíveis desta tecnologia com a construção de um projeto de
sociedade e um projeto profissional, esvazia a TI de seu potencial estratégico
para o trabalho. É preciso, neste sentido, enfatizar que esta deve ser utilizada
como um recurso a serviço do fortalecimento do exercício profissional
parametrado pelo projeto ético-político profissional.
Para não se correr o risco de ver a TI sendo utilizada tão-somente
como parte de um processo de “modernização conservadora”, em que a
existência de recursos comumente considerados “modernos” e sofisticados
seja utilizada para reforçar práticas antigas e tradicionais, o Serviço Social
precisa articular a construção de modalidades de uso TI no trabalho
profissional numa perspectiva crítica e democratizante. Não se trata,
evidentemente, de uma questão de vontade apenas, mas de um processo
histórico, marcado pela incidência de diversos fatores (alguns dos quais tentou-
se apresentar ao longo desse trabalho) que mediatizam a sua incorporação.
319
A postura que pretende tomar o uso da TI de forma crítica
contrapõe-se, portanto, a qualquer “reverência” ou “encantamento” com o seu
uso, buscando-se, sim, um processo de apropriação, com envolvimento da
categoria profissional. Não se trata apenas de treinar ou capacitar os(as)
assistentes sociais, mas promover um processo de apropriação em que estes
sejam sujeitos ativos capazes de projetar e construir aplicações, como
observou Colmán (2004), e implementar o uso da TI como meio para satisfazer
seus interesses, necessidades e demandas.
Neste sentido, a categoria profissional, para promover uma real
apropriação da TI, deve ter as seguintes preocupações:
• capturar a TI, o que significa que deve haver uma apropriação
dessa tecnologia, que, se utilizada de forma adequada, pode
se constituir como um instrumento e um recurso de grande
importância para o nosso trabalho. Os(As) profissionais não
devem simplesmente se submeter e se adequar acriticamente
à forma hegemônica como a TI vem sendo utilizada em
diversos espaços sociais, com prioridade para interesses
privados e de mercado. Devem, antes, pensar formas
criativas e críticas que possam direcionar sua utilização pela
categoria.
• como decorrência do item anterior, não devemos permitir que
sejamos capturados pela TI, ou seja, deixar que a forma
hegemônica com que tal tecnologia vem sendo utilizada
320
determine o uso que vamos fazer deste instrumento. A lógica
que deve permear seu uso não deve ser produtivista, que
enfatize processos geradores do aumento das taxas de mais-
valia, absoluta ou relativa. Deve-se compreender o seu
potencial para o trabalho profissional, tendo como horizonte a
satisfação das demandas e o estabelecimento de
modalidades de uso criativas e compatíveis com as
finalidades profissionais buscadas em nosso cotidiano
profissional.
Dizer, portanto, que o Serviço Social, antes de ser capturado pela TI,
precisa capturá-la, corresponde a dizer que ela deve ser apropriada, realmente
incorporada ao nosso trabalho, auxiliar a organização e sistematização do
trabalho realizado, possibilitar a formulação de propostas de intervenção
inovadoras e contribuir para a consolidação de um exercício profissional cada
vez mais competente, crítico e qualificado.
A qualificação profissional preocupada com a incorporação desse
recurso ao trabalho profissional deve ser encarada como uma necessidade,
expressa pelas demandas que são apresentadas ao Serviço Social, e não
apenas como um ato de vontade ou de investimento individual. Este
entendimento supõe a problematização de algumas questões importantes. A
primeira delas refere-se às mudanças sociais e culturais necessárias à
incorporação da TI e de suas aplicações, as quais podem tornar-se um
importante acessório para o desenvolvimento do exercício profissional. A
321
incorporação da TI ao exercício profissional supõe, de fato o abandono de
alguns hábitos antigos, fortemente presentes nas(os) agentes profissionais, e a
substituição por outros, referentes a utilização de novos recursos. Trata-se de
uma mudança que, no entanto, não deve ser feita de uma hora para outra,
demandando um longo processo que, se bem conduzido pode trazer resultados
positivos, principalmente se os(as) profissionais puderem contar com recursos
como, além de vontade e investimento individual, condições de trabalho
adequadas e alternativas de formação e qualificação profissionais.
Outra consideração importante refere-se às experiências de
incorporação da TI que vêm sendo realizados pelos(as) assistentes sociais, as
quais não devem ser tomadas apenas como uma incorporação técnica,
instrumental ou uma "adaptação" às novas tecnologias, mas, antes, como
experiências de construção e condução de um projeto político, o qual pode
propiciar importantes contribuições para a profissão. Não se trata, portanto, de
promover a substituição de formas “antigas" de se trabalhar por formas mais
"modernas" e “eficientes”, ou de propor uma informatização generalizada e
desenfreada dos espaços profissionais como forma de melhoria do trabalho.
Trata-se de propor a apropriação da TI tendo em vista as reais possibilidades
existentes.
Se, de um lado, deve haver uma preocupação e resistência a uma
incorporação forçada e autoritária da TI ao nosso exercício profissional, por
outro lado, é necessário que estejamos abertos às possibilidades e
potencialidades que tal tecnologia traz, o que significa que “a resistência pela
322
resistência” e o menosprezo em relação à TI não deveriam ser elementos
presentes em nossa profissão.
Como se viu, a TI é um recurso que ainda não foi efetivamente
incorporado ao trabalho profissional. Se o for adequadamente, pode constituir-
se como uma contribuição capaz de proporcionar subsídios para se
compreender e, talvez, superar algumas dificuldades presentes nos processos
de trabalho em que os(as) assistentes sociais estão inseridos(as). Sua
incorporação pelo Serviço Social deve se dar não pelo fascínio com as diversas
novas tecnologias disponíveis, mas sim por uma necessidade de
aprimoramento e qualificação do trabalho realizado pelos(as) profissionais.
Uma das formas possíveis de apropriação deste recurso é a construção e
utilização de sistemas de informação, que, ao articular-se com as demais
competências teórico-metodológicas, ético-políticas e técnico-operativas,
poderiam auxiliar o(a) profissional nas diversas dimensões de seu trabalho,
como planejamento, sistematização, avaliação e pesquisa, potencializando a
implementação de práticas democráticas.
Pretendeu-se desenvolver uma compreensão acerca da TI tomando-
a a partir de algumas conexões possíveis com o Serviço Social, demonstrando
que seu uso, feito de maneira adequada, pode ser importante para a profissão.
Acredita-se estar oferecendo uma contribuição neste sentido, indicando alguns
aspectos gerais que expressem um modo possível de pensar essa articulação.
Trata-se de um esforço não só pela compreensão do papel da TI para o
Serviço Social, mas também pela divulgação de sua potencialidade, que vem
323
tendo seu reconhecimento por parte de alguns(mas) profissionais que partilham
de uma percepção da importância que o tema tem para a profissão. Não se
teve por objetivo apresentar respostas definitivas para o complexo problema da
sua incorporação por parte do Serviço Social, mas sim, desenvolver um
conjunto de considerações que pudesse oferecer uma argumentação em
defesa dessa incorporação, demonstrando, ainda que timidamente, sua
potencialidade para o trabalho profissional.
324
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