7/24/2019 Proposta Curricular de Histria PJF
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PREFEITURA DE JUIZ DE FORASECRETARIA DE EDUCAO
Proposta CurricularHistria
Elaborao
Consultoras: Sonia Regina Miranda (Programa de Ps-Graduao em Educao/UFJF)Fabiana Rodrigues de Almeida (Professora de Histria)
Equipe colaboradora:Amanda Sangy Quiossa (Secretaria de Educao)Ana Paula dos Santos Rangel (CAIC Nbia Magalhes)Denise Vieira Franco (Secretaria de Educao)Gustamara Freitas Vieira (E.M. Jos Calil Ahouagi)
Leandro Jos de Oliveira Delgado (CAIC Rocha Pombo)Patrcia Lage de Almeida (E.M. Jesus de Oliveira)Yara Cristina Alvim (Faculdade de Histria/ UFJF)
2012
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EXPEDIENTE
Prefeito de Juiz de Fora
Custdio Mattos
Secretria de Educao
Eleuza Maria Rodrigues Barboza
Chefes de Departamento
Angelane Serrate FernandesGisela Maria Ventura PintoLcia Elena da Silva
Luiz Antonio Belletti RodriguesRosamar Barbosa Cabral MartinsSandra Maria Duque
Reviso
Amanda Sangy QuiossaCristiano Antnio Fernandes BarbosaDaniele Berzoini MaulerIolanda Cristina dos Santos
Joo Carlos Matos de MedeirosMargarete Gonalves Bittar de CastroMrian Sanbio Tavella
Coordenao de Arte Grfica
Marcela Gasparetti LazzariniSebastio Gomes de Almeida Jnior (Tito Junior)
CapaTito Junior
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SUMRIO
APRESENTAO ...................................................................................................... 4
INTRODUO ............................................................................................................ 6
1 PARA COMEO DE CONVERSA: O QUE SIGNIFICA CONSTRUIRDIRETRIZES CURRICULARES PARA UMA REDE PBLICA? ................................ 8
1.2 Podem exist ir caminhos curriculares d iferentes para a Histria? ............. 10
1.2 Quais so os maiores desafios para se produzir diretrizes curricularespara a rea de Histr ia? ...................................................................................... 16
2 POR QUE E COMO SE EDUCA UMA CRIANA PARA LIDAR COM AVARIABILIDADE DE CONHECIMENTO E PARA CONSTITUIR UMA POSTURACRTICA PERANTE AS FONTES DE SABER E IDEIAS DE VERDADE? ............. 19
2.1 De princpios tericos a esco lhas metodolgicas ...................................... 292.2 Prticas possveis a partir da metodologia proposta para o Eixo doConhecimento ...................................................................................................... 40
2.2.1 Os Jornais em sala de aula ..................................................................... 40
2.2.2 A Literatura como Inst rumento............................................................... 42
2.2.3 O Estudo do Meio .................................................................................... 44
2.2.4 Fotografias e Filmes ................................................................................ 46
3 O QUE SIGNIFICA EDUCAR PARA A COMPREENSO DA TEMPORALIDADE?.................................................................................................................................. 50
3.1 Sobre o tempo e datas: para uma reflexo necessria acerca de rotinasescolares............................................................................................................... 50
3.1.1 Quanto Tempo o Tempo tem? ................................................................ 56
3.2 Prticas possveis a partir da metodologia proposta para o eixotemporalidade ...................................................................................................... 62
4 O QUE SIGNIFICA EDUCAR PARA A COMPREENSO DA MEMRIA? .......... 78
4.1 Prt icas de memria na esco la ..................................................................... 82
4.1.1 Memria e narrativa ................................................................................. 82
4.1.2 Memria e objetos.................................................................................... 85
4.1.3 Memria e identidade .............................................................................. 88
5 TABELA DE REFERNCIA: SABERES EM MOVIMENTO E ALGUMAS CHAVESPARA LEITURA E USO............................................................................................ 94
REFERNCIAS E SUGESTES PARA SABER MAIS .......................................... 100
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APRESENTAO
Este currculo o resultado do debate e do trabalho dos profissionais da rede
municipal de educao de Juiz de Fora.
Desde a implantao do ensino fundamental de 9 anos e com as novas definiespara a Educao Infantil, imps-se como fundamental a necessidade de elaborar ocurrculo da rede municipal, num processo simultneo de valorizao e divulgaodas ideias e do trabalho realizado por vrios profissionais em diferentes escolas.
A existncia de documentos de referncia, que so utilizados pelos professores emtodas as etapas do Ensino Fundamental, Educao Infantil e EJA, constitui a basepara o desenvolvimento de muitas experincias, cujos resultados so a elesincorporados, num movimento contnuo de alimentao, enriquecimento e
fortalecimento das concepes e abordagens estabelecidas no processo de ensino eaprendizagem.
A elaborao do currculo da rede municipal de Juiz de Fora foi organizada por umaequipe que acredita profundamente na construo coletiva dos fundamentos dotrabalho, assim como na necessidade de se manter o debate continuado em tornodas questes educacionais.
Dessa forma, com o apoio de consultores da UFJF, UFF e Colgio de AplicaoJoo XXIII, foram constitudas equipes de trabalho por rea de conhecimento para aelaborao de um primeiro documento a ser discutido no I Seminrio do Currculo,
em 2010. Participaram do Seminrio mais de 500 profissionais entre diretores,coordenadores pedaggicos e professores. Os grupos se formaram em torno dostemas e discutiram o documento com as equipes coordenadoras de cada rea.
O Seminrio produziu um documento modificado pelo debate que foi encaminhadopara todas as escolas da rede para ser discutido por todos. A Secretaria deEducao sugeriu um cronograma de discusso que aproveitava os momentos dereunio pedaggica, mas cada escola pode organizar sua prpria forma de realizar aatividade. Os coordenadores pedaggicos foram os articuladores das discussesnas escolas aps terem participado de um seminrio especfico, quando seaprofundaram no estudo dos documentos preliminares de todas as reas.
As ideias, dvidas, sugestes e crticas resultantes do debate realizado nas escolasforam encaminhadas Secretaria de Educao para subsidiarem um novo processode elaborao dos documentos. O II Seminrio do Currculo, em 2011, apresentouos novos documentos aos participantes e iniciou o debate sobre as formas maiseficazes para que eles pudessem ser verdadeiramente incorporados ao trabalho dosprofessores e das escolas.
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Durante o ano de 2012 algumas reas avanaram na discusso da prticapedaggica com base no novo currculo. Foram criados grupos de estudo,presenciais e distncia, discusses regionalizadas com professores e umseminrio interno com os profissionais da Secretaria de Educao e as equipesespecialistas.
Esse processo encerrou-se no final do ms de outubro de 2012, quando foi realizadoo III Seminrio do Currculo e consolidados os documentos para publicao.
Temos certeza de que o investimento valeu a pena. Porm, preciso que o currculoseja a base e a sustentao do Projeto Poltico-Pedaggico da escola. No oabandonem na estante da escola. Ele um instrumento vivo que se modificaconstantemente com o processo de desenvolvimento da prtica pedaggica que eleprprio desencadeia e inspira.
Que esse processo marque a inaugurao de um novo tempo na rede municipal de
Juiz de Fora. Mais produtivo, mais gratificante e mais feliz.
Professora Eleuza Maria Rodrigues Barboza
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INTRODUO
Prezado professor , prezada professora,
Este documento foi elaborado com o objetivo de ser um disparador de
conversas e de encontros no interior das escolas, mas tambm como um convite a
um repensar. Sua formulao foi acompanhada de um amplo processo de
dilogo e formao em contexto com a inteno de que a Histria a ser
ensinada seja um objeto rico de reflexes no interior das diferentes realidades
escolares. A produo do documento foi norteada por uma questo
centra l : O QUE SIGNIFICA, AO LONGO DE UMA TRAJETRIA DE
NOVE ANOS DE ESCOLARIZAO, EDUCAR PARA A
COMPREENSO DA HISTRIA? .
Seu propsito maior o de trazer, cena central do debate, um ponto de
partida conceitual em torno do qual s e construiu parmetros gerais que sejam
capazes de auxiliar professores da Educao Infantil, dos Anos Iniciais e dos Anos
Finais do Ensino Fundamental a reconstruir e/ou aprofundar suas prticas, em
consonncia com princpios atualizados dentro do campo de conhecimento daHistria. Pensando-se no conjunto, o local da Histria na Rede Pblica Municipal de
Juiz de Fora ainda se encontra longe daquilo que poderia ser considerado como
satisfatrio. A disciplina ainda posicionada, tal como ocorre em muitas outras
realidades regionais, como um contedo acessrio, atravessado, nosanos iniciais,
prioritariamente pelo tratamento de datas comemorativas e sob uma ancoragem
metodolgica que mostra dificuldades em auxiliar crianas e jovens a promover
um processo de dilatao de sua conscincia temporal. Por isso preciso mudar!
A mudana tende a afetar a ao escolar como um todo e no somente a
abordagem da Histria. Postulamos, com essa conduta reflexiva, uma escola
potente e fortalecida em relao ao exerccio de sua autonomia pedaggica, to
frequentemente colocada em xeque nos dias de hoje por medidas aparentemente
tcnicas que, de modo falacioso e temerrio, conduzem o debate pblico
desqualificao da ao docente e da escola pblica. Ao contrrio disso,
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apostamos na possibilidade construtiva e no movimento de convite reflexo
coletiva da escola.
Acreditamos, ainda, na possibilidade de que sua implementao seja
acompanhada, institucionalmente, por mecanismos de aprofundamento da reflexo
terica e do olhar sobre prticas escolares. Os primeiros passos neste sentido j
foram dados, quando da realizao dos trs Seminrios de Currculo da Rede
Municipal de Juiz de Fora (2010 e 2012), que buscaram promover a apropriao da
proposta curricular pelos educadores. Para alm disso, as visitas da equipe de
Histria s escolas da Rede possibilitaram uma maior aproximao destas com o
documento e foram fundamentais para seu desenho final, bem como para
proposies de continuidade do trabalho, em vista do movimento de escuta que
ocorreu.
Esperamos que sua leitura propicie reflexes e caminhos agregadores e
plurais nas diferentes unidades escolares e, com isso, que novos e construtivos
roteiros sejam trilhados em direo a um ensino de Histria renovado, fortalecedor
de identidades e efetivamente promotor de sentidos e significados para os sujeitos,
alunos, professores e comunidade.
Equipe de elaborao, novembro de 2012.
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1 PARA COMEO DE CONVERSA: O QUE SIGNIFICA CONSTRUIRDIRETRIZES CURRICULARES PARA UMA REDE PBLICA?
Currculos escolares so escolhas culturais, temporais, sempre variveis edinmicas. Ivor Goodson (2008), um importante terico ingls, estudioso de
currculos, nos diz que currculos so sempre tradies inventadas, termo que
Goodson pega emprestado do historiador ingls Eric Hobsbawm. Isso significa
dizer que currculos so invenesporque so escolhas humanas, e, por
isso, demarcadas historicamente e sempre sujeitas modificao com a passagem
do tempo e com as mudanas operadas na sociedade. Mas significa dizer, tambm,
que so tradies porque se convertem em estruturas de saber, em torno das
quais as pessoas tomam decises, se movimentam e, principalmente, naturalizamideias e modos de agir. Nem sempre so tradies antigas, consistentes e
emanadas a partir de uma postura de crtica, mas muitas vezes, de posturas que
emergem do poder estabelecido.
Em Histria, um bom exemplo disso so as ideias que nos fizeram acreditar
na existncia de um grande tempo europeu que organiza a histria do mundo em
quatro grandes etapas, por exemplo, como se somente fosse possvel estudar
Histria a partir dos recortes da Histria Antiga, Medieval, Moderna e
Contempornea. Ou como a noo de que o planisfrio posiciona, naturalmente,
os pases do norte na parte de cima do mapa e os do sul na parte de baixo. Ora!
Se a terra possui uma forma redonda, porque definir algo que fica em cima e
algo que fica embaixo? Porque dizer que a frica fica embaixo? Porque a Europa
fica no centro do olhar? E porque a Europa passa a ser a referncia de contagem do
Tempo se h tantos outros tempos? Todas essas perguntas, que se
manifestaram em escolhas curriculares e nos fizeram pensar de um modo e no de
outro, so derivadas de decises de poder em um determinado tempo.
Assim como as datas comemorativas, to frequentes no territrio escolar e
to perigosamente articuladoras do lugar do ensino de Histria nas escolas, so
tambm inventadas e transformadas ao longo do tempo e, por isso, no so
naturais. Mas tambm podemos dizer que todas essas perguntas podem e tm
sido respondidas de outros modos. Portanto, quando pensamos em currculo,
estamos falando em territrios moventes e no em parmetros fixos e universais.
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Por isso currculos sempre mudam e precisam ser discutidos em funo de
princpios que orientam as escolhas dos professores (as). Aquilo que se prescreve
em cada tempo para ser ensinado em um determinado espao algo que mantm
fortes relaes com o que se projeta, em cada tempo e espao. Como o que se
pretende que seja ensinado s geraes mais jovens porque o tempo e a
sociedade mudam continuamente. Por isso, pensar e discutir currculos implica
em discutir bases de saber constitudas, enfrentar estruturas j concebidas e
fortalecidas, repensar materiais, refletir sobre a razo e importncia de
escolhas que muitas vezes so naturalizadas .
Alm disso, preciso dizer que o que se prescreve como algo geral
apropriado por cada pessoa de modo plural e, em contextos sempre mltiplos e
variveis. Assim como ns pensamos e fazemos escolhas diferentes, as escolas que so compostas por muitos sujeitos que se relacionam numa vasta cadeia de
espaos e relaes - tambm encontram solues diferentes para ensinar o que
proposto como algo geral.
Por tudo isso, considerando-se o necessrio debate em torno do que significa
pensar em qualidade na Educao Pblica, muito difcil pensar em um currculo
nico, que seja capaz de ser aplicado de modo integral e invarivel. Sempre ser
possvel repensar temas e abordagens, bem como orientaes metodolgicas
constitudas a partir de algo que fora antes prescrito baseadas na formulao de
algum, ou de algum grupo.
Portanto, um ponto de partida conceitual importante, que orientou as
reflexes da equipe responsvel pela rea de Histria, o princpio em torno da
noo de diretriz curricular. Se observarmos em diferentes dicionrios, a noo
de di re t r iz tanto pode ser apresentada com o sentido de guia, norma e conduta a
ser cumprida, ou pode ser pensada em uma linha em torno da qual se
estabelecem planos diversos e distintos de atuao.
nesse ltimo sentindo que vamos trabalhar. Isso significa dizer que no
pretendemos elaborar uma proposta curricular fechada, em torno de
contedos especficos do tratamento da Histria, mas em eixos de questes
necessrias formao do estudante ao longo de sua vida escolar.
Habilidades de pensamento prprias da operao e procedimentos histricos
que, do ponto de vista formativo, sobrepem-se mera acumulao passiva
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de informaes.
Isso significa dizer que pensar em diretrizes representa ancorar
possibilidades de escolha com base no desenvolvimento autnomo e no
exerccio da capacidade decisria das escolas e de seus professores, emconsonncia com a dinmica de cada instituio. Significa ainda dizer que
diretrizes no podem ser compreendidas como programas estabelecidos
para serem cumpridos de modo unvoco e linear.
1.2 Podem existir caminhos curriculares diferentes para a Histria?
Algumas perguntas sempre nos perseguem quando o assunto envolve
discutir: o que ensinar em Histria? Primeiramente, o que vem cabea
quando fazemos essa pergunta, em geral, so os contedos e fatos histricos
especficos que sinalizam uma determinada cultura erudita em Histria. O
problema que so os elementos dessa cultura erudita que vm demarcando
selees relativas ao que ensinar e ao que cobrar, por exemplo, em exames e
processos seletivos com grande efeito organizador da ao escolar.
Neste sentindo, com muita facilidade, poder-se-ia responder que h
contedos nicos, universais e fixos que deveriam ser ensinados. Contudo, a
resposta nessa direo traria consigo apenas uma perspectiva com relao ao
que a Histria , e para que ela serve no mbito da formao do estudante. Para
compreender a permanncia e a fora dessa concepo, necessrio enxergar o
contexto de criao desse campo de saber e de sua converso em disciplina
escolar.
A disciplina Histria foi inventada enquanto saber escolar num contextopautado pelo nacionalismo em expanso no sculo XIX. Histria caberia, no
processo de formao das naes modernas, legitimar tradies comuns
oferecidas como cimento social e cultural a multides de pessoas que passavam a
se reconhecer como habitantes de um pas, e, portanto, tributrios de uma lngua,
um territrio e uma tradio comuns.
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Qual o formato de Histria era construdo nesse contexto? Uma H istria
heroica, pautada em fatos memorveis de alguns indivduos destacados como
construtores nicos da nao, com forte sentido de exemplaridade para os
s u j e i t o s comuns. Essa H istria, narrada como uma substncia para a
formao e manuteno de um determinado ideal de identidade nacional,
pautava-se por uma apresentao linear de datas e feitos e, por um tempo
articulado em torno da narrativa europeia.
Foi preciso quase um sculo de evoluo no campo da historiografia para
que a Histria se desvencilhasse, definitivamente, dessa perspectiva linear e factual
e, sobretudo, de uma narrativa que considerava o fato histrico como algo produzido
por grandes heris no passado. J a partir da dcada de 1930, a noo de sujeito
histrico amplia-se significativamente, passando a considerar a Histria comoresultado de aes coletivas em cada tempo; a noo de saber histrico
desvincula- se do exclusivismo do tempo passado, e passa a incorporar a
problematizao do tempo presente como porta de entrada que permite a
contnua reconstruo das explicaes e das temticas selecionadas.
Com a ampliao do processo de dilogo entre a Histria e as demais
Cincias Sociais ao longo do sculo XX, bem como com o aprofundamento do
territrio de ao dos historiadores, a Histria passa a problematizar o tempo
passado, atravs da compreenso e de leitura de nov a s fontes histricas. A
rigor, passa-se a compreender que qualquer vestgio humano pode ser
problematizado enquanto fonte e, portanto, revelador de transformaes e aes no
tempo. Desse modo, a Histria desloca-se de um campo de saber voltado
descrio do passado para um campo de problematizao do presente que
tenta, a partir desse ponto, explicar as cont inuidades e descontinu idades no
tempo.
A despeito de toda essa modificao conceitual, o cdigo disciplinar quepautou a formao da disciplina Histria em seus primrdios, no sculo XIX, no se
reformulou significativamente e o abismo entre o campo de conhecimento e o seu
ensino segue como um problema a ser enfrentado. O problema do ensino de
Histria hoje se concentra, substantivamente, na construo escolar da
compreenso de que no h uma nica forma de explicao possvel, tampouco um
nico modelo de contedo possvel. Antes de ser a explicao de um passado da
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humanidade, a Histria tambm o estudo desse passado e, em sua dimenso
dinmica e transformadora do conhecimento , antes de tudo, uma forma particular
de explicar o mundo e as transformaes humanas, com rigor e mtodos prprios.
Gonalo de Amzola, um estudioso argentino sobre o campo do ensino deHistria, escreveu um livro cujo ttulo provocativo Esquizohistria (2008), traz o
dilema que temos que enfrentar para pensar ou melhor, repensar o ensino de
Histria. O autor faz um trocadilho brincando com a mistura das palavras Histria e
Esquizofrenia e, desse modo, nos provoca a refletir algo central que envolve a
escola e suas prticas educativas. Hoje: a Histria ensinada aos estudantes
no a mesma Histria que se produz como conhecimento. O que se tem
cobrado das crianas enquanto saber e s c o l a r , supostamente legitimado
encontra-se distanciado daquilo que constitui as bases de produo doconhecimento histrico como vasto campo de conhecimento .
O que se pretende, portanto, encontrar caminhos para reduzir o abismo
entre a histria ensinada cujas matrizes curriculares remontam moderna
constituio da escola e ao contexto de expanso dos nacionalismos e o territrio
do historiador, pautado pela dinmica permanente de reviso do saber e pela
provisoriedade da explicao. Isso implica em considerar outros recortes, outras
temticas e outras histrias, distintos daqueles que tem pautado nosso senso
comum histrico.
H coisas que aprendemos quando crianas que no se fundamentam
nas escolhas usuais presentes em diferentes diretrizes curriculares ou e m
materiais didticos. Com isso, muitas vezes, o professor, formado sob outros
paradigmas, fica perdido. O que selecionar para ser trabalhado com os alunos
como contedo histrico essencial e o que eliminar? As crianas precisam
aprender Histria do Brasil Colonial e Imperial nas sries iniciais? Precisam
estudar a Histria de Tiradentes no 21 de abril? Devem trabalhar o Dia dondio no 19 de abril ou o Dia do Soldado em 25 de agosto? Os alunos
devem ou no aprender Perodo Regencial, Egito Faranico, Mercant ilismo,
ou a Fase da Assembleia Constituinte na Revoluo Francesa? Eles podem
ou no ficar sem estudar poca Contempornea, Idade Mdia ou qualquer
outro assunto selecionado dentro de uma cultura curricular constituda
sobre uma cronolog ia evoluti va e eurocntrica?
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Essas e uma srie de outras perguntas comuns nas rodas de conversa
formais e informais nos conduzem a uma questo de fundo, que a mais
importante de ser respondida: em que reside o carter formativo da Histria?
Na erudio informativa ou numa educao histrica baseada em nexos
possveis estabelecidos entre o procedimento histrico e o saber escolar? A
resposta a essas questes indica que a diferena de abordagem no s algo
posto na histria da Histria ensinada, como a organiza estruturalmente
enquanto campo de saber.
A Histria , por pressuposto, debate, divergncia de pontos de vista,
problematizao, pesquisa, dilogo com as fontes de informao e no a mera
descrio do que foi informado como se aquilo correspondesse verdade. Contudo,
no assim que aprendemos habitualmente na escola. A maior parte de nsconheceu, na escola, uma Histria factual e conteudista, narradora de fatos de um
passado distante, muitas vezes sem entender direito o porqu de termos que
estudar coisas aparentemente desvinculadas de nossa prpria vida.
Ainda hoje, programas de televiso, provas de concursos das mais diversas
e materiais alusivos a comemoraes de todo tipo perpetuam ideias em torno do
"quem foi", "quando foi" e "como foi". Como muitas vezes a Histria se confunde
com os sentidos em torno do lembrar e do esquecer, as pessoas sempre tm um
palpite a dar, na linha do "eu me lembro que", "eu vivi", "eu estudei e pesquisei
sobre a histria de tal lugar ou tal pessoa", o que abre inclusive espao para uma
flexibilizao por vezes saudvel, por vezes perigosa.
Todo mundo tem um pouquinho de historiador" no sentido de termos, em
geral, a propenso a narrar aquilo que vivenciamos em um tempo e guardar aquilo
que nos parece significativo. D e u m l a d o , isso nos leva capacidade de
exercitar permanentemente a narrativa tornado-se um elemento essencial
formao. Entretanto, se passamos a tomar essa narrativa como plenamenteverdica em funo dessa capacidade de, muitas vezes, sermos "testemunhas
oculares" de um episdio, compromete-se a compreenso da dinmica do
conhecimento. Esse conhecimento do passado, transmitido a partir de um filtro
prvio em torno da ideia de verdade e acerto, questo fundamental para se
pensar a formao escolar.
Como a perspectiva curricular que organizou a Histria como disciplina
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escolar se manifesta, frequentemente, do ponto de vista programtico? Por meio de
um programa articulado em torno da grande cronologia europeia e, vinculada a ela,
a Histria Brasileira a partir do processo de colonizao at os dias de hoje. Isso
provoca a construo de programas enormes, muitas vezes impossveis de serem
cumpridos e que, infelizmente, pautam-se, muitas vezes, por perspectivas de
avaliaes elaboradas em torno de programas de vestibulares, que geram
nefastas aes de organizao de programas desde o Ensino Fundamental.
Sob esse tema preciso, de sada, fugirmos da armadilha que nos leva a
tentar justificar um erro por outro. No porque a estrutura de contedos de um
determinado tipo de exame vestibular estabelece-se de modo questionvel e
aparentemente imutvel que devemos condicionar o trabalho escolar a esse
modelo, at porque sabemos que h nele problemas de toda ordem. E por essarazo o Governo brasileiro, atravs do Ministrio da Educao, investe
significativamente em novos formatos de provas e em novas estruturas conceituais
no que diz respeito ao sentido da relao com o saber. Exemplo disso so as provas
do ENEM.
Para alm de tudo isso, um problema se torna mais grave nesse campo: ao
se buscar uma origem imemorial das coisas desde a Antiguidade at os dias de
hoje, vinculam-se os Programas de Histria a uma base essencialmente
cronolgica, como se a ideia de formar para a compreenso da histria fosse
atrelada captura - impossvel de ser feita de toda a Histria Humana. Junto
com isso, o efeito mais indesejvel a fixao da ideia de que Histria ,
exclusivamente, passado narrado em funo de marcos europeus .
As marcas desse tipo de tradio encontram-se nas prticas socioculturais
cotidianas. Frequentemente, o debate estabelecido entre os educadores nas
escolas trata a disciplina Histria como o espao privilegiado para a abordagem de
datas e temas que, muitas vezes, so valorizados no porque sejam importantes doponto de vista da aprendizagem, mas porque so legitimados socialmente. Assim,
comum nos depararmos, por exemplo, com materiais prontos, orientadores do
trabalho do professor, em que esteretipos em torno das datas comemorativas
clssicas so construdos ou reforados sem que haja qualquer esforo de crtica.
Observamos, com frequncia, escolhas didticas por parte de professores
de diversas reas, que procuram promover uma ao supostamente interdisciplinar,
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tratando de temas histricos descontextualizados e desprovidos de sentindo
e/ou intencionalidade pedaggica. Assim, por exemplo, ao selecionar um texto
sobre Abolio da Escravatura, no Dia 13 de maio, uma professora de Portugus,
por maior que seja sua boa inteno, pode estar contribuindo para fortalecer uma
perspectiva de anlise j refutada em processo de desconstruo entre
historiadores.
O mesmo vale para focalizar o campo do ensino de Cincias e a relao
entre invenes e inventores. Ao valorizar o aspecto do indivduo inventor,muitas
vezes o professor de Cincias, pode, tambm, a partir de um visvel engajamento e
envolvimento com a busca de adensamento das informaes que apresenta para
seus alunos, propor para a discusso um tipo de abordagem que contraria
perspectivas necessrias a respeito da ideia central de sujeito histrico.
Por que essas situaes acontecem com tanta frequncia? Porque a
tradio curricular que pauta a organizao dos princpios a serem ensinados
nessa matria traz, com muita fora, o que organizado como cdigo disciplinar da
rea no momento da criao dessa disciplina escolar. A Histria, ao surgir como um
dos pilares dos currculos escolares no sculo XIX, era voltada, essencialmente,
constituio e elos de pertencimento dos sujeitos s naes emergentes. Por isso, a
exemplaridade das aes dos chamados "grandes personagens" ocupava papel
importante no sentido de garantir a constituio de tal pertencimento.
Ao longo do sculo XX no s mudou a compreenso do que a Histria,
como mudaram tambm as perspectivas em torno da ideia de identidade, que no
se resume apenas dimenso da produo de sentidos da nao para os
indivduos. O entendimento do que a Histria e para que ela serve mudou
significativamente.
Portanto, isso tudo serve para nos mostrar que quando falamos de Histria
no falamos de uma explicao nica, tampouco de uma explicao verdadeiraque
se contraria a explicaes falseadas ou mentirosas. E por que isso acontece?
Porque alm de ser uma forma de explicar os processos de transformao do
mundo, a Histria , acima de tudo, um procedimento de investigao, uma forma
particular de ler e explicar o mundo, uma atitude de problematizao daquilo que
est no mundo na relao com fontes de conhecimento. Sob essa perspectiva,
educar para a compreenso da Histria implica, antes de tudo, em educar para a
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compreenso de como o conhecimento histrico se opera com o objetivo de
compreender continuidades e descontinuidades, mudanas e transformaes
na vida das diferentes sociedades humanas . E isso diferente de simplesmente
ensinar contedos do passado.
Assim, pensar diretrizes para o Ensino de Histria significa desnaturalizar
um ensino voltado para a descrio de eventos no passado, baseado no estudo
de pessoas importantes, fatos relevantes, temas consagrados que na maioria das
vezes so vistos por um nico vis e que no sofre crtica por parte dos agentes.
preciso traar diretrizes que possibilitem movimentos, reflexes, que o professor
possa ter liberdade de intervir e adequar o currculo, sem perder de vista a
construo dos saberes histricos e a formao dos sujeitos, tampouco a realidade
dos estudantes em nossas escolas.
importante que a escola trilhe um caminho onde processos significativos
de construo de conhecimento sejam realizados, em detrimento do simples e
na tur a li za do cumprimento do programa. Neste sentindo, possvel pensar em
caminhos programticos distintos, subjacentes a um eixo curricular integrador e
pautado em princpios que buscam favorecer uma aprendizagem significativa e
comprometida com o desenvolvimento do raciocnio e da conscincia histrica.
1.2 Quais so os maiores desafios para se produzir di retrizes curricu lares paraa rea de Histr ia?
A viso usual que se tem de Histria tem conduzido nossas escolas a
ensinarem aos estudantes uma vasta lista de contedos dispersos, em torno de
uma referncia de datas selecionadas a partir de uma cronologia eurocntrica e
poltica. Na maior parte dos casos, esse ensino no acompanhado por umaperspectiva de sujeito histrico que permita ao estudante se compreender e se
enxergar como um sujeito de seu tempo e como agente de transformao.
Tampouco essa viso o auxilia a projetar olhares sobre o futuro, respaldado por
uma compreenso temporal consistente.
O grande desafio para se dissolver essa perspectiva situa-se em torno do
peso de uma cultura escolar que oscila entre duas pontas compreensivas
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profundamente estruturantes de olhares. Por um lado, prioriza-se o tratamento,
sobretudo nas sries iniciais, da leitura e da escrita sem, por vezes, refletir a
respeito dos sentidos do letramento e de como a apropriao de ferramentas de
pensamento prprias do saber histrico concorrem, efetivamente, para esse
processo. como se a Histria no tivesse qualquer relao direta com o
processo de letramento ou com o desenvolvimento do pensamento lgico e,
consequentemente, com a aquisio da leitura, da escrita e do domnio matemtico.
Por outro lado, o segmento das sries finais do Ensino Fundamental concorre com
uma perspectiva perigosa em torno da ideia de se preparar o aluno para concursos
cuja prescrio se d pela via de contedos temticos cannicos e tradicionais.
Ensina-se, muitas vezes, o contedo por sua erudio e, no por seu potencial
reflexivo.Diante do que foi exposto, o principal desafio de construo de
diretrizes curriculares para o Ensino de Histria envolve a necessidade de
se promover um debate capaz de ampliar o espectro compreensivo em torno
do que a Histria , e de como ela opera com o conhecimento relativo ao
estudo do homem no tempo.
Com isso, a equipe responsvel pela elaborao das diretrizes curriculares
para a rea de Histria assumiu uma posio clara, embora potencialmente
polmica: nossa prescrio no se dar no mbito dos contedos histricos
por srie, mas por eixos terico-metodolgicos essenciais cognio em
Histria.
Muitas vezes as pessoas se assustam com a possibilidade de no terem um
programa nico e prescrito para toda a Rede de Ensino, fato que precisa ser
seriamente desconstrudo enquanto valor educacional, considerando-se a
pluralidade verificvel entre as diversas instituies e a complexidade inerente
cultura escolar. Em relao matria histrica, no a atitude de se saber ou notodos os fatos estabelecidos segundo uma determinada ordem cronolgica que
garante aos estudantes uma condio de letramento em Histria. Portanto, o
que propomos um deslocamento da reflexo em torno dos contedos histricos
para um olhar relativo aos procedimentos histricos que envolvem as
habilidades cognitivas.
Deixaremos s escolas e aos seus professores a tarefa de selecionar aquilo
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que for pertinente e coerente em relao ao Projeto Poltico-Pedaggico de cada
u n i d a d e , considerando-se, para os contedos a serem selecionados, a
necessria observncia de habilidades de pensamento centrais, agrupadas em
torno de trs grandes eixos conceituais e metodolgicos: a Educao para a
compreenso do conhecimento, a Educao para a compreenso do Tempo e
a Educao para a compreenso da Memria.
Trata-se de eixos integradores entre diversos contedos escolares e, acima
de tudo, eixos que transcendem o segmento especfico dos Anos Finais do
Ensino Fundamental e cuja formulao leva a uma necessria reviso das
prticas pedaggicas desde a Educao Infantil at os Anos Finais do Ensino
Fundamental.
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2 POR QUE E COMO SE EDUCA UMA CRIANA PARA LIDAR COM AVARIABILIDADE DE CONHECIMENTO E PARA CONSTITUIR UMA POSTURACRTICA PERANTE AS FONTES DE SABER E IDEIAS DE VERDADE?
Como j discutimos antes, por fora de uma tradio eurocntrica e
predominantemente descritiva, durante muito tempo a Histria foi entendida como
uma disciplina que se propunha a fazer uma sntese enciclopdica de tudo aquilo
que supostamente teria se passado no mundo. Contudo, h algum tempo a Histria
j no mais compreendida em funo desse olhar. Antes d i s s o , e la
compreendida como um campo de saber especfico, com regras e mtodos de
investigao e produo de conhecimentos prprios, que permitem s pessoas a
compreenso da mudana social e da ao humana no tempo.
Esse tempo no mais pensado somente a partir de um recorte
cronolgico totalizante, mas entendido como uma construo social e, por isso,
seletiva e varivel. O que faz com que uma perspectiva temporal se sobreponha s
demais envolve decises de poder que demandam um olhar histrico que, por sua
natureza, conduz compreenso da alteridade, de outras formas possveis de ser,
sentir, pensar e marcar o tempo.
Se a Histria uma forma particular de explicar e conhecer o mundo,
isso significa dizer que o saber histrico ser sempre parcial e seletivo . Nem
se pode explicar tudo o historiador sempre faz escolhas e seleciona aquilo que ir
pesquisar e como ir fazer sua pesquisa nem tampouco as explicaes que so
apresentadas so princpios universais e imutveis. Isso acontece porque como o
conhecimento histrico baseia-se no uso e dilogo com fontes, essas, como
construes culturais e datadas, expressaro sempre a voz de quem as produziu.
Nesse sentido, destaca-se a importncia de se contrapor os diversos
discursos encontrados nas fontes histricas para que outras vozes e outros pontosde vista possam emergir desse exerccio. Esse entendimento move, na essncia, o
territrio de trabalho do historiador que busca, na dinmica entre historiografia,
teoria e pesquisa documental, as bases para uma contnua reescrita da Histria.
Por que tomar esse princpio como ponto de partida para discutir um Currculo
para a rea de Histria? Porque educar a criana para essa percepo a respeito
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do carter provisrio e relativo da verdade const itui uma tarefa difcil e
pressupe uma ao escolar e cultural de longo prazo, que tem na seleo de
contedos entendidos como recortes sempre parciais apenas uma de suas
pontas. A funo da escola no formar crianas e jovens no ofcio do historiador,
mas h aspectos desse ofcio que fazem toda a diferena na formao para a
compreenso de como o conhecimento ocorre e se transforma.
Se pensarmos em nossa educao familiar e escolar, veremos, sem muita
dificuldade, que muitos de ns aprendemos, desde cedo, a lidar com uma
perspectiva de verdade. Se falarmos mentira, ficamos de castigo ou sofremos
alguma penalidade. Se escrevermos uma informao fora do padro, somos
penalizados em nossas notas porque lidamos com algo no verdadeiro ou
cometemos um erro.
De um modo geral, a televiso que povoa nossas casas cheia de
programas que utilizam imagens da realidade como se elas fossem plenamente
verdadeiras, a ponto de as pessoas acreditarem que deu na televiso porque
verdade. Essas comunicaes, que na maioria das vezes passam despercebidas,
forjam uma determinada viso de mundo que, quando so apresentadas aos
estudantes sem que estes tenham passado por um processo de educao
audiovisual, no lhes permite compreender que aquilo que aparece na TV uma
seleo, com intencionalidades efetivas nem sempre explcitas e constituindo-se,
portanto, como um ponto de vista.
Assim tambm acontece com as informaes que so apresentadas pelos
Jornais. As notcias apresentadas nesse veculo, sofrem interferncias de vrios
indivduos que ali escrevem, reordenam informaes e atribuem sentidos
realidade, produzindo verdades. importante relativizar e refletir sobre essas
informaes que nos so apresentadas como verdades, pois o que se apresenta
como opinio de algum mais velho ou de quem vivenciou determinada situao,deve ser percebido como uma opinio parcial, que revela a viso de mundo
desta pessoa que se apresenta como testemunha ocular de um determinado fato.
Inferir dessas supostas verdades, s quais somos diariamente expostos,
intencionalidades subliminares e intencionalidades derivadas do lugar de
enunciao de quem fala constitui-se como um importante embate, para o qual a
tarefa escolar pode ser determinante. Portanto, o grande desafio escolar, desde a
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Educao Infantil, o de promover uma educao que permita a emergncia da
compreenso de que no mundo e no processo de produo de conhecimento
operam, permanentemente, DIFERENTES PONTOS DE VISTA.
Quando pensamos em diretrizes para o ensino de Histria para a RedeMunicipal de Juiz de Fora, no pensamos numa lista de tpicos e contedos de
Histria a serem trabalhados linearmente por toda a rede. Antes disso, pensamos na
elaborao de um documento que priorize o desenvolvimento de uma srie de
habilidades, que so fundamentais para a compreenso histrica e para o
desenvolvimento, no estudante, da capacidade de pensar historicamente.
Alcanar esse objetivo s possvel a partir da viso da Histria enquanto um
processo particular de investigar e compreender o mundo e que, portanto, envolve
habilidades cognitivas especficas. Sendo assim, a ideia priorizar o
desenvolvimento de habilidades que permitam ao estudante se relacionar com o
conhecimento histrico de forma plena, e realizar uma leitura densa de mundo,
mesmo dos temas e assuntos que, porventura, no forem dominados em termos
informativos.
Algumas dessas habilidades p o d e m ser destacadas como aes cujo
desenvolvimento precisa perpassar toda a escolarizao bsica. So elas,
dentre outras:
a capacidade de ordenar acontecimentos segundo critrios temporais;
a capacidade de desenvolver narrativas atravessadas pela temporalidade;
a condio de diferenciar padres de vida e comportamento distintos como resultantes
de processos culturais diferentes;
a compreenso de diferenciar natureza e cultura, pensando o homem como produtor e
transformador da natureza a partir de seus valores;
a condio de inferir a partir de diferentes tipos de fontes que informam sobre aspectos da
realidade;
a condio de perceber permanncias e descontinuidades no tempo;
a habilidade de compreender um texto histrico na sua totalidade, o que significa perceber a
existncia de vozes, sujeitos e temporalidades se manifestando nos diferentes gneros
textuais, tais como grficos, mapas histricos, reportagens de jornal, textos literrios e
documentos diversos;
a condio de operar com formas de datao e com categorias temporais centrais,
tais como ordenao, durao e simultaneidade;
a condio de depreender, de diferentes textos, aspectos que elucidem o lugar social do
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sujeito que fala e, a partir disso, perceber sujeitos sociais presentes e ausentes numa
narrativa explicativa;
a possibilidade de projetar reflexes que, em longo prazo, permitam ao aluno refletir
acerca de perspectivas de futuro.
Todo esse processo de pensar o ensino de histria perpassa a valorizao
dos saberes dos estudantes, ancorados em prticas de memria e em
representaes sociais que se convertem em valores, vises de mundo e
preconceitos. As relaes com o tempo e com o passado so estabelecidas, a partir
da realidade vivida por eles, daquilo que eles conhecem e com o que j tenham
experincia, ainda que, por vezes, tal dimenso no seja valorizada no interior da
sala de aula. Tomar a realidade do aluno como ponto de referncia, no
significa restringir o programa de Histria a essa realidade, tampoucofortalecer o argumento e a tendncia de que o ensino deve se organizar a
partir de crculos concntricos estabelecidos do espao-tempo mais prximo
ao mais distante.
Nesse sentido, preciso construir pontes entre aquilo que o indivduo no
conhece um tempo ou contexto histrico distante, no vivido e aquilo que
palatvel para ele, tal como a sua vida e o contexto histrico no qual ele se insere
e que pautado por forte presena dos aspectos culturais e materiais do mundo
sobre o lugar de vivncia. O estudante de hoje, compra objetos da China, joga
simultaneamente pela internet com crianas de diversos espaos, assiste a
programas de TV que tratam da Europa, ndia e Egito. Portanto, no faz sentido
seguir linearmente o eixo Eu e minha casa - minha rua - meu bairro - cidade -
municpio - Minas Gerais - Brasil.
Pensar o ensino de Histria no sentido de superar essa perspectiva linear ou
o foco recorrente sobre as datas comemorativas requer do professor e da escola,
clareza, intencionalidade e coerncia do que se busca e de onde se pretendechegar com as aes educativas empreendias, alm de exigir um trabalho de
seleo e posicionamento que implica em algumas atitudes essenciais:
Em primeiro lugar, a compreenso de que a construo de conceitos
necessrios ao trabalho histrico pressupe a construo de relaes
de continu idade, aprofundamento e medidas de sistematizao que no
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podem se constituir em momentos tpicos e fragmentados.
Em segundo lugar, a necessidade de a instituio escolar como um
todo pensar na dimenso particular dessa rea de conhecimento, de
modo a compreender que seus princpios se articulam e atravessam
os diversos campos disciplinares.
Construir habilidades que privilegiem a construo de saberes
histricos e o desenvolvimento pleno dos nossos estudantes
possibilita, ainda, que essa mesma Histria faa sentido para esses
sujeitos.
Isso significa pensar em posturas e aes de educao de longo prazo,
que precisam ser iniciadas, do ponto de vista de fundamentos e hbitos, ainda na
Educao Infantil e devem ser perseguidas de modo sistemtico e permanente ao
longo dos Anos Iniciais de escolarizao para que, nos Anos Finais de
escolarizao, sejam consolidadas como habilidades de pensamento e ampliadas
em sua complexidade.
Para encarar o desafio de se educar a criana para compreender a operao
de diferentes pontos de vista na produo do conhecimento, neste documento,
pautamo-nos, sobretudo, nas reflexes e trabalhos da historiadora inglesa Hilary
Cooper. Esta autora dedica-se a discutir o ato de ensinar e aprender Histria,especialmente no segmento da Educao Infantil e Anos Iniciais. Cooper
organiza seu pensamento em torno de trs grandes eixos considerados
fundamentais na construo do pensamento histrico da criana (COOPER, 2006):
1) o estabelecimento da relao temporal e da compreenso da mudana;
2) a condio de interpretao do passado;
3) a construo de inferncias a partir das fontes.
Veremos, no bloco especfico deste documento, o que se encontra implicado
na discusso sobre desenvolvimento da relao temporal. Contudo, neste bloco
relativo educao para a compreenso do conhecimento, cabe-nos refletir acerca
do que se encontra envolvido na formao das bases do saber histrico em relao
dimenso de interpretao do passado.
De um modo geral, os historiadores concordam com a perspectiva de que no
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h uma nica verso possvel sobre o passado e este , a cada momento,
reconstrudo de acordo com as necessidades e demandas do presente. Isso
acontece em vista da impossibilidade de trazer o passado de volta tal como este
aconteceu, no apenas porque no possvel voltar no tempo, mas tambm pela
limitao das fontes, que so incompletas, resultam daquilo que foi selecionado em
cada tempo para ser salvo do esquecimento, e foram produzidas por pessoas que
tinham atitudes e valores distintos do presente.
Sendo assim, a princpio, a imaginao tem um papel fundamental
na reconstruo e interpretao dos fatos do passado. Do mesmo modo que, na
prtica do ofcio do historiador, a dimenso imaginativa deve se constituir, no
processo educativo e de escolarizao, em eixo central para a construo de
referncias acerca daquilo que existiu antes em relao ao universo plausvel dosestudantes no tempo vivido por eles. Contudo, a explorao da imaginao
associada ao deslocamento da posio interpretativa dos sujeitos algo que pode
e deve acompanhar o desenvolvimento da capacidade narrativa e da experincia
com a aquisio da leitura e da escrita.
Considera-se como um bom exemplo desse movimento, levar os
estudantes a se posicionarem no lugar de outros sujeitos numa trama literria e,
a partir desse procedimento, imaginar alternativas de finalizao das histrias
contadas. Essa pode ser uma experincia profundamente formativa na direo do
que estamos querendo fortalecer como prtica e atitude. Colocar-se no lugar do
outro significa utilizar outros parmetros para chegar a uma soluo e isso
pressupe, no s o estmulo imaginao, como tambm a associao
progressiva entre a capacidade imaginativa e escolha de alternativas plausveis
com aquilo que se apresenta em torno do personagem em questo.
O exerccio citado acima, tambm vlido quando se projeta, com
criana, uma situao vivida em outro tempo que no o agora. Ela pode e deve serestimulada a imaginar formas de vida e pensamento a partir do que lhe
apresentado como elementos plausveis dessa outra forma de vida. Portanto, a
compreenso da multiplicidade de olhares para o passado pode ser trabalhada
desde a Educao Infantil e ao longo dos Anos Iniciais de escolarizao, de modo
contnuo e sistemtico, repetitivo e no tpico, tendo como ponto de partida a
imaginao atravs do jogo de representao de papis baseado em relatos, visitas
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ou imagens relativas a pocas passadas. Esta estratgia serve para relacionar
aspectos significativos da vida da criana com as mudanas do tempo, transpondo-
a para outros tempos e lugares.
Compreender porque os pontos de vista variam pode conduzir professorese estudantes a discutirem diferenas por gostos, por condio individual, por
cenrio social, por diferenas de posio social dos sujeitos no mundo. Cooper
afirma que no jogo de imaginar a criana reconstri sua prpria verso para os
contos infantis a partir de suposies e, quando o jogo trata de histrias do passado,
examina situaes que apenas posteriormente encontraro lugar em sua vida.
(COOPER, 2006)
Podemos ento dizer que o processo imaginativo envolve a fuso de dois
mundos, o real e o imaginrio. Isso significa assumir, a priori, uma posio que se
distancia da ideia clssica e tacitamente disseminada entre professores de que a
criana deve aprender o que est no mundo numa escala progressiva que vai do
prximo ao distante. O prximo, para a criana, o que produz sentido a partir
dos elementos de leitura e interpretao que ela recebe e, desse modo, isso pode
se relacionar a uma narrativa de outro tempo.
Na sequncia do raciocnio exposto acima, algo prximo e imediato pode ser
projetado para essa mesma criana sem que sejam evocadas circunstnciasprodutoras de sentido, no se convertendo, portanto, em aprendizagem significativa.
A dimenso de escala na interpretao histrica precisa se desvincular da
linearidade pertinente ideia dos crculos concntricos. Isso significa dizer que nem
necessrio prender-se a uma sequncia linear no tocante apresentao das
informaes tomando-se por referncia uma ordem cronolgica, nem tampouco
privar o estudante do tratamento de temas que podem suscitar sua condio
imaginativa.
Um bom exemplo disso pode ser observado quando s e apresenta, a
partir do trabalho com a literatura, informaes sobre a poca dos castelos, reis e
rainhas - cenrios que potencializam a emergncia de fortes e ricas narrativas -
ou de mitos e histrias gregas, por exemplo. O que queremos destacar com isso
que todos os estudantes podem, e devem ter a oportunidade de
experimentar narrativas de vidas que tenham a ver com outros contextos
histricos que no os do presente imediato e que isso no precisa,
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necessariamente, vir didatizado sob o fio de qualquer forma de cronologia.
Ao contrrio do que muitas vezes se pensa e se executa em funo do
estmulo racionalidade, a dimenso imaginativa tem um valor fundamental na
forma como a criana passa a apreender o passado. Isso precisa ser cultivado, demodo contnuo e progressivo ao longo dos anos de escolarizao. No tocante
compreenso do conhecimento, isso significa um lento e poderoso processo
inerente ao de educar, para que a criana se posicione no lugar do outro e, ao
mesmo tempo, compreenda que isso implica em colocar em trnsito e relao
pontos de vista que nem sempre so convergentes porque podem advir de gostos
diferentes, de opinies divergentes, mas, sobretudo, de lugares diferenciados dos
sujeitos no mundo social, o que lhes confere status diferenciado na relao com os
discursos produzidos.
Destaca-se nesse ponto, a importncia de se aproximar o trabalho de
educao histrica com o trabalho global de letramento e de acesso
interpretao de textos escritos na relao com suas autorias. Para tanto,
especialmente a narrativa literria constitui-se como um suporte didtico de
excepcional valor, em virtude de sua condio potencial para o desenvolvimento da
imaginao associada ao deslocamento do leitor em relao posio dos sujeitos
narradores. Desse modo, uma determinada histria infantil pode gerar muitas outras
histrias, com diferentes desfechos e posicionamentos derivados dos lugares
imaginados para seus personagens. Atividades desse gnero so, portanto,
estruturantes para o trabalho com a Lngua Portuguesa e so, igualmente,
estruturantes para o trabalho com a Histria.
No obstante, preciso ressaltar que a imaginao historicamente vlida
exige uma maturidade que as crianas no tm como um dado a priori e depende de
um processo de desenvolvimento, para o qual a mediao escolar determinante.
Hilary Cooper destaca que o jogo imaginativo pode desencadear um processo emque, paulatinamente, ao longo do percurso de escolarizao, do domnio da
linguagem e da condio de explicar e inferir com base em fatos e referncias, a
fantasia vai diminuindo e dando lugar indagao do que vai sendo conhecido e,
em certo modo, sustentado pela prova trazida pelas fontes.
As mltiplas aes que envolvem os deslocamentos supracitados nos
conduzem a um segundo plano de desafios no que tange educao histrica.
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Isso significa dizer que, to logo a criana v se familiarizando com o domnio do
texto escrito, cabe escola apresent-la a fontes que, em diferentes propores e
sentidos, podem informar sobre algo que aconteceu em um outro tempo. Desse
modo, pensar em variao de gneros textuais em Histria representa pensar em
diferentes formas pelas quais os sujeitos apresentam e representam o mundo em
diversos tempos.
O trabalho com apresentao e a n l i s e de fontes - que podem ser
exploradas a partir dos diferentes gneros textuais - est intrinsecamente ligado
questo da variabilidade do conhecimento histrico. Historiadores de diferentes
tendncias e escolas de pensamento concordam com o princpio de que
atravs das fontes que o historiador formula suas questes, levanta hipteses e
faz inferncias sobre o passado. Porm isso no significa dizer que as fontesrevelam o passado ao pesquisador, j que so incompletas e, por vezes, as
categorias observadas nas fontes podem ser distintas das utilizadas no tempo
presente, o que pode gerar diferentes interpretaes.
Sendo assim, como uma criana pode inferir sobre as fontes? Cooper
afirma que ainda no existem estudos aprofundados nessa direo, mas acredita
que as crianas so capazes de inferir sobre objetos utilizados no passado quando
os mesmos lhes so apresentados e que elas se utilizam de seus saberes e
experincias para desenvolver perguntas acerca dos objetos. A autora ressalta a
importncia da dimenso imaginativa e dos dilogos desenvolvidos com as
crianas como sendo fundamentais para a formao da conscincia histrica.
Como se observa em suas palavras:
O dilogo que permite s crianas fazer dedues e inferncias,especular, considerar possibilidades e aceitar que pode no haveruma nica resposta correta, comentar causas e efeitos e voltar acontar historias essencial para o desenvolvimento da compreenso
(COOPER, 2006, p.49).
Os Anos I niciais de escolarizao, segundo a autora, p r o p i c i a m
maiores oportunidades de dilogos entre adultos e crianas. Sobretudo nas
conversas fora do ambiente escolar. A li berd ade que c i rcun da o ambiente
escolar permite a quebra das formalidades impressas nesse espao
potencializando a relao dialgica entre professores, pais e alunos de forma
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individualizada. Isso significa dizer que, o momento de troca, estabelecido por
todos os envolvidos nessa ao de carter formativo, tanto dentro quanto fora
da escola, frutfero e necessrio para o amadurecimento da criana.
no percurso dessa experincia de troca, que os estudantes desenvolvemformas de tratamento com as fontes que se convertem em progressivas
compreenses de aspectos do passado. A observao e a anlise de objetos,
fotografias, cartas, quadros e visitas a lugares histricos so excelentes pontos de
partida para educar o olhar da criana sobre um tempo que j existiu, mas que no
existe mais, a no ser por seus indcios ou por aspectos que restaram desse outro
tempo, por meio de prticas, hbitos, pensamentos ou aspectos materiais.
A partir do contato com as fontes as crianas so conduzidas observao,
elaborao de perguntas, crtica e argumentao. Esses movimentos so
formas de compreender o passado e devem ser estimulados por pais e
professores progressiva e continuamente. Desse modo, no dilogo com as fontes e
com terceiros, a criana aprende que possvel haver mais uma viso sobre o
objeto, podendo tambm haver pontos de vistas diferentes sobre o passado.
Hilary Cooper considera a mediao do adulto como fundamental na construo
do repertrio de experincias da criana, afinal, a partir delas que a criana
qualifica o mundo e/ou cria explicaes alternativas.
Cabe destacar que no adianta ter tal conduta como algo residual num ano
ou restringi-la a um momento em que se evoca uma dada data comemorativa na
escola para que, no restante das atividades letivas tais condutas sejam
desconsideradas. Trata-se de prticas que s geram sentidos formativos ao se
tornarem permanentes e estruturantes do trabalho escolar. Na medida em que tal
ao venha a se constituir em aspecto de ancoragem da educao histrica ao
longo das sries iniciais, o processo de didatizao prprio da Histria a partir dos
Anos Finais do Ensino Fundamental deve estruturar-se, sobretudo, nofortalecimento da dimenso prpria inerente compreenso da operao histrica
a partir da diversidade das fontes.
Os contedos histricos a serem elencados na relao com essas
operaes de seleo so mltiplos e variveis e devem ser compreendidos
como mediadores para o desenvolvimento de uma atitude interpretativa e
de habilidades de pensamento, e no como uma finalidade ltima, que se
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esgota em torno do cumprimento do programa em uma dimenso
meramente informativa e, na maioria das vezes, cronolgica. Portanto, isso
significa dizer que, ao estabelecer a relao de contedos a serem selecionados
para ensino, cada unidade escolar deve ter em mente que o prioritrio, nessa
relao, no o contedo a ser vencido, tampouco a sua quantidade, mas
em que medida aspectos prpr ios do procedimento e do pensamento
histrico podero ser evocados na forma de tratamento de tais contedos .
E o que se apresenta como relao de contedos histricos a serem
discutidos em cada unidade escolar?
Aquilo que cada unidade escolar defini r como vlido e pertinente para o
desenho de seu prprio projeto pedaggico.
Assumir essa proposio envolve, antes de qualquer coisa, apostar no
fortalecimento da capacidade de escolha e no exerccio autnomo dos atores de
cada escola e, ao mesmo tempo, tomar a conscincia de que tal desafio envolve a
reviso global daquilo que vem orientando as escolhas de contedos a serem
ensinados que, momentaneamente, podem desestabilizar bases de saberes
constitudos, m a s que, paralelamente, podem fortalecer a busca de projetos
que integrem contedos disciplinares a partir de temas capazes de provocar
uma atividade intelectual significativa e capaz de fomentar aprendizagens slidas.Cabe destacar, ainda, que essa aposta implica, simultaneamente, na busca de
solues que permitam o compartilhamento de prticas, experincias e escolhas
programticas por parte do conjunto dos docentes.
2.1 De princpios tericos a escolhas metodolgicas
Estamos acostumados a assistir e a operar com programas de Histria nos
quais a tarefa do professor resume-se transmisso, para o aluno, da informao
daquilo que aconteceu no passado - um grande e extenso passado - que muitas
vezes nunca chega ao presente porque no d tempo. Quantas vezes no vimos
professores chateados com o fato de no conseguirem passar alm da Segunda
Guerra Mundial com seus alunos? Quantas vezes j no vimos o presente ser
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tratado exclusivamente pelo professor de Geografia e ser considerado pelos
alunos e por outros professores como um territrio impertinente reflexo histrica,
restrita a um tratamento exclusivo do passado? Quantas vezes no vimos jovens
desesperados com o fardo de ter que aprender, supostamente, toda a Histria,
buscando fragmentos de uma grande narrativa de mais de 50 sculos em diferentes
partes do mundo, como se isso fosse o requisito essencial para se passar numa
prova de vestibular?
Na verdade, boa parte de ns aprendeu a lidar com a Histria
exclusivamente desse modo. Aprendemos, como alunos, uma Histria que nos era
apresentada por meio de programas essencialmente conteudistas, que,
independentemente da criatividade didtica do professor e de sua condio retrica
e de persuaso, resvalavam, muitas vezes, em uma erudio informativa e emprticas que fortaleciam atitudes de mera memorizao. No que a capacidade
de memorizar no seja importante na possibilidade de aprender, mas aprender pelo
simples ato de memorizar mecanicamente algo que ser em seguida descartado
no leva ningum a lugar nenhum, ainda mais no mundo contemporneo, cujo
acesso informao daquilo que no se conhece pode se dar em segundos.
Portanto, se queremos repensar paradigmas de ensino trazendo a Histria em
sua dimenso formativa cena central do debate pedaggico e ao repensar a ao
escolar, cabe-nos refletir acerca das escolhas de mtodo e, a partir delas, refletir
sobre as possibilidades e pertinncia dos contedos histricos a serem selecionados
para serem trabalhados com os estudantes, e no o inverso.
Para tal, voltamos s perguntas de fundo:
O que constitui, portanto, uma condio educativa transformadora em
relao educao his trica?
Em que medida a ao docente pode, efetivamente, aliar autonomia de
escolha e condio de formao e transformao das bases de saber do
estudante?
So muitos os elementos possveis de serem mobilizados para uma resposta
dessa natureza, mas preciso pensar, sobretudo, que nossa possibilidade de
interferncia mais profunda se d quando transformamos substantivamente
nossas opes metodolgicas e no s quando alteramos a proposio de
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temas e contedos a serem estudados.
A rigor, possvel operar com programas temticos distintos em unidades
escolares distintas, sem que isso represente prejuzos de qualquer natureza para o
aluno que se transfere de escola porque possvel desenvolver um raciocniohistrico e uma possibilidade de entendimento do mundo a partir daquilo que
ativado pela conscincia histrica, sem que isso represente saber toda a
Histria.
Uma escola pode, perfeitamente, estabelecer em seu projeto pedaggico a
centralidade do tratamento da Questo Ambiental, por exemplo, e, em funo
desse eixo, selecionar temticas histricas em tempos diversos tratados
cronologicamente ou no que permitam ao aluno a construo de uma
compreenso relativa aos processos histricos que, ao longo da histria humana,
promoveram e conduziram a humanidade aos desastres ecolgicos contemporneos
e aos riscos iminentes de destruio da prpria condio humana.
Do mesmo modo, o eixo temtico Famlia pode ser convidado, tanto para
uma composio programtica contnua quanto para uma composio de um
projeto especfico no qual, novamente, a questo da diversidade temporal e a
construo cultural de um paradigma familiar seja tomada como tnica reflexiva,
trazendo, para o contexto atual, a reflexo relativa diversidade de modelosfamiliares, no mais circunscritos somente famlia nuclear monogmica.
Um projeto temtico sobre Drogas na escola pode se abrir a um
tratamento sobre Poder e R elaes de Dominao na Histria que pode
desempenhar profundo efeito formativo na condio de pensar historicamente,
estabelecendo, ao mesmo tempo, relaes com o tempo atual e com uma temtica
relevante graas sua disseminao entre jovens na contemporaneidade. Tanto
no primeiro exemplo quanto no segundo e terceiro temos casos de abordagens que
podem evocar trabalhos pedaggicos estruturantes para a escola como um todo e
para os quais a reflexo histrica assume-se numa dimenso evocadora de
conscincia e de compreenso das transformaes, continuidades e
descontinuidades temporais.
Poderamos dar muitos outros exemplos na mesma direo e poderamos,
sem dvida, evocar a pertinncia de diversos outros temas a partir daquilo que se
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impe como desafios do mundo contemporneo e da escola que, cada vez mais,
lida com o desafio de envolvimento e aproximao do universo do jovem. Qualquer
que seja o exemplo de recorte de problematizao a ser buscado (Violncia,
Tecnologias, Mundo Atual, Guerras, Relaes de Poder, Gnero e Sexualidade,
Desafios do Brasil, dentre tantos outros), o que se projeta como questo
fundamental a ser enfrentada pela escola na construo de sua proposta
programtica particular envolve a fixao de escolhas que emanem do coletivo
escolar e que impliquem em selees e excluses conscientes e que devem ser
amparadas no poder decisrio da escola. Tais escolhas se manifestam, seja no
programa, seja no tratamento do livro didtico disponvel na escola que, como
uma fonte dentre outras, no existe para ser trabalhado em sua integralidade, mas
para ser um recurso referente de suporte ao professor, a quem cabe as decisesacerca de seu uso.
Vivemos em um contexto em que o acesso rpido informao do tipo o que
foi e quando foi est posto como uma possibilidade acessvel a todos nos
mecanismos de comunicao, particularmente na web. Se no sabemos ou no
possumos nenhuma informao acerca de um determinado fato histrico fcil
recuper-la rapidamente e encontrar dados e interpretaes a seu respeito.
Contudo, se o aluno no possui, em sua formao, filtros culturais suficientemente
densos para selecionar a natureza da informao vlida nesse grande mar de
possibilidades de navegao que a internet, sua condio de interveno e leitura
crtica no mundo seguir de modo frgil e capaz de provocar frgeis leituras
derivadas de suas dependncias culturais, polticas e, sobretudo, um cenrio de
baixa autonomia. Um frgil cidado.
Portanto, metodologicamente falando, o ponto de partida essencial
consiste sempre, no que diz respeito ao procedimento histrico em conduzir
as crianas formularem problemas que tragam, a partir do olhar sobre o
tempo presente, a necessidade de evocar informaes do passado capazes de
gerar sentidos mais densos descrio superficial da realidade. Isso s ignifica
promover, paulatinamente, deslocamentos temporais e dilogos
intertemporais entre presente e passado, para os quais a elaborao de
perguntas mais impor tante do que a definio de respostas.
Segundo Ktia Abud, Andr Silva e Ronaldo Alves (2010), devem-se priorizar
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ao longo da formao escolar, estratgias para o desenvolvimento do pensamento
histrico no aluno, ao lado da realizao de procedimentos crticos em relao s
fontes, uma vez que as fontes histricas so tidas no s como referentes para a
construo do saber, mas como recursos para a aprendizagem na medida em que
remetem o sujeito qu e aprende relao com diferentes gneros discursivos,
diferentes estratgias de produo de informaes e diferentes relaes com
autores e intencionalidades.
Contudo, para operar com a diversidade de fontes informativas, no basta se
perseguir um sujeito que domine os recursos de leitura e escrita, mas preciso
trabalhar para a formao de um estudante capaz de operar compreensivamente
com essa diversidade interpretativa, que emana das diferentes relaes de autoria.
Da a importncia do trabalho de nfase nas diferentes narrativas, na contraposiode pontos de vista, no deslocamento da posio dos personagens, no exerccio de
levar o aluno a se posicionar em diferentes lugares e personagens de modo a
constituir solues, interpretaes e decises lgicas para cada um desses lugares.
Nesse sentido, essa dimenso formativa no pode prescindir do trabalho a
partir do segmento da Educao Infantil e dos Anos Iniciais de escolarizao em
relaes contnuas e no eventuais. Destaca-se, nesse aspecto, que o exerccio
desse tipo de habilidade pode e deve ser estimulado a partir de prticas voltadas ao
estmulo oralidade e construo de narrativas individuais ou coletivas,
independentemente do domnio da escrita.
A partir do momento em que a criana passa a dominar a leitura e a escrita,
o uso das fontes pode se transformar, adensando sua condio de refletir acerca de
seus autores e intenes. Sendo assim, se o hbito de se colocar em outro
lugar e reposicionar seu olhar de acordo com esse novo lugar no pautar sua
condio opinativa, e, portanto, se a criana no foi formada tendo tal hbito como
um alicerce em sua educao, de pouco adiantar a explorao desse tipo dehabilidade por meio da mediao da escrita.
A utilizao de diferentes fontes promove, por diferentes razes, o
desenvolvimento progressivo e complexo do raciocnio comparativo. Existem
aspectos que podem ser explorados pedagogicamente desde o momento que
antecede o contato da criana com o universo da escrita, dentre eles pode-se
citar as abordagens com fotografias e objetos de outros tempos.
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Uma fonte permite sempre a identificao do sujeito que fala, para quem
fala e com que intencionalidade. Abaixo so apresentados alguns exemplos
disso atravs da utilizao de algumas situaes e recursos que nos so muito
prximos e familiares:
LIVRO DIDTICO: um livro didtico possui um autor que faz escolhas.
Esse autor baseia-se em outros livros usados para consulta e trabalha, para
produzir aquele livro, com um conjunto de diversas pessoas que fazem tarefas
especficas. Se provocarmos o e s t u d a n t e e orientarmos um trabalho que a
conduza comparao de dois livros didticos diferentes destinados mesma
srie, e explorarmos com eles a descoberta dessas diferenas e a comparao
das mesmas poderemos, com algo simples e palpvel, constituir nelas a
importncia de se pensar na autoria e nas fontes de informao. Essa conduta
faz diferena em relao prtica social cotidiana que situa o livro didtico
como um lugar sagrado da verdade, e permiti que o estudante, desde
muito cedo, possa compreender que o livro no corresponde verdade
absoluta e ao conhecimento mais puro e inquestionvel;
JORNAIS: os jornais possuem diversos autores, que fazem escolhas. Se
compararmos trs jornais de um mesmo dia e levarmos o estudante a decifrar as
partes do jornal, identificando em que momentos as pessoas responsveis por
aquelas ideias aparecem, com clareza pode-se leva-lo a compreender que um fato
que ganha destaque em um jornal no ganha o mesmo destaque em outro e, por
vezes, sequer aparece. As manchetes so diferentes, as fotos usadas so
diferentes, as partes do jornal so diferentes, embora existam muitos
elementos comuns entre um jornal e outro. Por que ser que isso acontece?
Porque da mesma forma que os livros didticos, os jornais so produtos
elaborados por pessoas e organizaes que assumem posies distintas.
Levantar essa dvida e promover reflexes que permitam ao professor estimul-las positivamente, no debate coletivo em sala, pode fazer toda a diferena em
termos cognitivos. Levar o estudante a compreender que jornais e revistas so
resultantes de escolhas conduzem, igualmente, a uma atitude educativa frente
necessidade de relativizar a ideia de que existe uma verdade absoluta a ser
apreendida;
FOTOGRAFIAS: as fotografias possuem autores/fotgrafos que fazem
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escolhas. Existe sempre um olho por detrs da cmera que seleciona o que
entra e o que sai da fotografia. Estimular os e s t u d a n t e s a produzir
fotografias sobre um mesmo espao, comparar as diferenas de olhar e recorte,
bem como lev-los a refletir sobre o que o olho que estava detrs da cmera
filtrou, em que condies, bem como imaginar o que ele pode ter deixado de fora
exerce um papel central em um processo de educao do olhar. Assim como em
relao ao livro didtico e aos jornais, a explorao das intencionalidades que
se encontram por detrs da fotografia auxiliam o desenvolvimento de um
sujeito letrado sob o ponto de vista histrico, isso , capaz de lidar com as
diferentes fontes e suas autorias;
FILMES: os filmes possuem equipes de autores por vezes
gigantescas equipes que acabam mesmo por relativizar a posio do Diretor comonico autor dessa obra coletiva que fazem escolhas de argumentos, roteiros,
roupas, iluminao, trilha sonora, artistas, enfim, um vasto universo de elementos
que ajudam a criar, no espectador, opinies e sensaes. Isso significa dizer
que um filme sempre um ponto de vista e nunca corresponde verdade,
ainda que se baseie em aspectos da realidade a que se remete. Essa
compreenso particularmente importante quando lidamos com filmes picos, isto
, aqueles que se remetem a contextos especficos do passado. Acima de qualquer
coisa, o grande desafio, nesse caso, envolve educar o estudante para compreenderque aquele filme pico no retrata o passado e nem representa a realidade
passada tal como se passou, mas uma produo do presente, no presente,
que toma emprestado, para construir uma histria capaz de encantar ou
mobilizar o espectador, recortes daquele passado, porm, sempre
processados no presente. Isso diferente de leva-lo a ver como as coisas
aconteceram por meio de um filme pico. E isso se coaduna com o que apontamos
acima, isso , a necessidade de se educar para a compreenso de que os diferentes
elementos que nos apresentam o mundo possuem intencionalidades que podempermitir mltiplas interpretaes e leituras.
Quando vista na relao com outras fontes, um documento oficial, uma foto,
um filme, um jornal e/ou outros documentos se mostram em sua dimenso
provisria no somente porque so parciais do ponto de vista dos sujeitos que os
produziram e guardaram, mas porque so recortes da realidade e do seu tempo.
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Alm disso, ao comparar uma fonte com outras o estudante consegue, com o
tempo, ir compreendendo que diferentes sujeitos professam compreenses
diferentes, mais ou menos ampliadas, de um determinado recorte da realidade e,
principalmente, que o cruzamento de fontes diferentes amplia as lentes com as
quais olhamos para o mundo porque nos permitem compreender um tema ou
problema luz da manifestao e voz de diferentes sujeitos sociais revelados nas
diferentes fontes.
A interpretao e leitura das diversas possibil idades de fontes, contudo,
trazem como questo educativa central o fato de que, para ler e interpretar
fontes, preciso operar e desenvolver de modo permanente, contnuo e
repetido na relao com diversos contedos e temticas habilidades de
natureza diferenciada sob o pon to de vis ta da cognio histrica, a saber:
OBSERVAR uma situao a partir da leitura de uma fonte escrita ou no
escrita;
IDENTIFICAR informaes na mesma; ENUMERAR aquilo que se observou;
RELACIONAR as informaes;
INFERIR a posio dos sujeitos que falam por dada fonte; INFERIR as vozes
ausentes em uma fonte ou cenrio;
COMPARAR lugares sociais, pontos de vista, cenrios, situaes
histricas, configuraes regionais de um mesmo problema ou temporalidade;
GENERALIZAR e buscar snteses histricas.
Cada uma dessas habilidades envolve nveis de leitura e interpretao
distintos e progressivamente mais complexos, dependentes da capacidade de
leitura de fontes diversas e variveis. Todas so necessrias prtica educativa
e todas evocam aes de leitura diferenciadas que no so adquiridasespontaneamente nem, tampouco, so derivadas umas das outras
automaticamente. Sem estabelecer relaes no se compara. Sem comparar no
possvel generalizar. Sem identificar um aspecto no possvel estabelecer
relaes. Sem enumerar aquilo que foi identificado no possvel capturar o que
foi observado. Essas diferentes habilidades se ancoram em diferentes nveis de
leitura da informao histrica e, acima de tudo, envolvem a condio bsica de
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processamento de tais informaes. Portanto, so saberes mais importantes do
que a mera acumulao de informaes acerca do que aconteceu no
passado e que, para serem constitudas envolvem a mediao docente
pautada por clara intencionalidade pedaggica em relao aos sentidos
daquilo que se quer constituir em termos globais.
Ktia Abud, Andr Silva e Ronaldo Alves (2010) destacam ainda que o
trabalho com as fontes central na tarefa de educar para a compreenso da
Histria porque permite ao es t u d a n t e compreender como se opera a
periodizao do tempo histrico, o que distinto de um tempo subjetivo. Assim,
diferentes fontes possibilitam a transposio de casos individuais para cenrios
mais abrangentes, que permitem, por sua vez, a compreenso de contextos
sociais mais amplos e o entendimento do grau de generalizao dos conceitos,distinguindo completamente a operao histrica da tarefa de produo e leitura
de fontes isoladas e referentes a casos individuais.
Quando tratam das fontes escritas, os autores enfatizam a necessidade
de sua problematizao com o estudante num sentido contnuo e sistmico. Para
tanto, o professor pode trabalhar com documentos frequentemente disponveis
nos livros didticos, mas que nem sempre tm merecido a devida ateno em
sala de aula que devem ser lidos e interpretados pelos estudantes com o intuito
de pensar a autoria e o tempo do documento, comparar documentos diferentes,
de autorias distintas, confrontar o documento adicional com o texto base do livro
didtico. Dessa forma, o objetivo da leitura maior que a simples transmisso de
uma informao.
Isso representa, muitas vezes, reverter o uso comum que se tem do
livro didtico como simples depositrio de contedos histricos e, ao
contrrio disso, implica em se avanar na explorao dos elementos que
frequentemente so apresentados no livro como textos complementares ourecursos adicionais aprendizagem. Isso significa deixar de explorar o livro
como referente de saber e verdade e explor-lo como fonte, passando a lista
de contedos posio secundria no processo de uso didtico do livro.
preciso deixar claro a necessidade do desenvolvimento de um Projeto
Pedaggico que vise a insero do estudante nessa nova linguagem e que
proporcione o amadurecimento de habilidades, dentre as quais a extrao de
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informaes, a descrio, a interpretao, a sistematizao de ideias. Como foi
apresentado, atividades de interpretao de outras fontes escritas podem ser
desenvolvidas a partir da apresentao de documentos que contenham narrativas
contraditrias.
A segui r so apresentados alguns procedimentos com a final idade de
auxiliar na anlise significativa de documentos escritos. Tem-se a
compreenso que eles podem ganhar contornos especficos de acordo com a
temtica e com as fontes utilizadas. So eles:
CONTEXTUALIZAO HISTRICA DO DOCUMENTO: qualquer
documento sempre ser fruto de uma poca especfica e, portanto, contm
caractersticas que lhe so prprias e que devem ser discutidas pelo professor. Otexto de uma carta do incio do sculo XX, ainda que com temtica semelhante a
um e-mail contemporneo, ter peculiaridades na linguagem, na forma de
tratamento, nas expresses, na grafia, que a distinguem e a singularizam como
um documento datado e revelador de um tempo. D i a n t e d e s t e t i p o d e
f o n t e a lgumas questes devem ser levantadas, tais como a autoria, a datao,
a localizao geogrfica, as caractersticas do vocabulrio e expresses, e o
destinatrio. Alm disso, em tempos de internet, a tentativa de leitura e
decodificao d e textos de pocas distintas pode gerar interessantes momentosde contato com formas de escrita e expresso de outros tempos, o que pode gerar
ricos eventos de reflexo acerca da escrita e das formas de tratamento atuais.
OBJETIVO, INTENCIONALIDADE, FINALIDADE DO DOCUMENTO:
Assim como o historiador sempre buscar compreender o que foi escrito, como e
para quem, tais questes podem assumir, na funo educativa, aspectos formativos
prprios. Isso significa dizer que, no exerccio educativo de formao para a
compreenso da Histria, um texto contemporneo de um jornal, um texto didtico
escrito para o estudante ou um documento de poca podem ser problematizadosde formas similares e, portanto, apresentarem funes didticas equivalentes,
ainda que distintos quanto ao seu enquadramento e sentido para o trabalho
histrico.
ASPECTOS MATERIAIS DAS FONTES: como o documento foi
produzido? Qual o tipo de suporte de escrita? Quais suas medidas e
caractersticas fsicas? Em que medida se assemelha ou se diferencia de similares
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contemporneos que possuem caractersticas prximas em termos de gnero
textual? O que mudou e o que permanece como semelhante?
DESCRIO DO DOCUMENTO: Qual o assunto central? Quais
frases ou partes sintetizam a sua inteno? Quais necessidades ou possibilidades
de soluo de um problema so apresentadas ao leitor? Ocorre defesa ou crtica
de algum? Como so construdos os argumentos?
INTERPRETAO: Nesta etapa feito o cruzamento das informaes
adquiridas nas etapas anteriores. Atravs do cruzamento de informaes entre
diferentes fontes de um mesmo perodo pesquisado o p r o f e s s o r pode
auxiliar na construo do conhecimento histrico de forma a possibilitar que o
estudante: identifique mudanas e permanncias no percurso histrico da
sociedade e dos documentos; verifique quais fontes podem ser somadas a reflexopara confirmar ou refutar uma hiptese levantada; perceba que os d ocumentos
foram construdos num determinado contexto, o qual influencia
preponderantemente em sua concepo, pois pretende responder a uma
necessidade da poca; e conclua que, assim como possvel recuperar a
Histria de pessoas, grupos sociais e da sociedade, baseados nos
documentos por eles criados, que, ns, no presente, participamos desse processo.
Portanto, somos todos agentes da Histria no s porque nossa histria
estabelece relaes de continuidade com outras vivncias humanas do passado,mas tambm porque nossa vivncia atual constitui o mundo presente e tambm
constituir as possibilidades de lembrana desse mesmo mundo em um tempo
futuro.
Um trabalho com fontes escritas pode se dar em todos os segmentos
de ensino e sempre se relacionar problematizao de diferentes pontos de
vista dentro de uma mesma situao. Como j enfatizado anteriormente, na
Educao Infantil essa atitude pode ser trabalhada a partir da explorao de
narrativas literrias e imaginativas, que podem se abrir a diversas novas
narrativas, constitudas pela criana e pelo adulto a partir do ponto de vista de
diferentes personagens.
Nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, uma histria j conhecida
pelos estudantes pode ser contada a partir do ponto de vista de outro
personagem, levando-o a se deslocar para a posio de diferentes personagens.
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Contudo, desejvel, nesse caso, que paulatinamente se mescle, narrativa
literria e ficcional, acontecimentos de outras pocas, para que, aos poucos, se
explore com o estudante situaes concretamente vividas por sujeitos em outros
tempos.
Nos Anos Finais do Ensino Fundamental, possvel nos pautar em
documentos histricos de um mesmo perodo e comparar os seus textos, a
partir da nfase interpretativa acerca do lugar ocupado por seus autores e,
dessa forma, do sentido da construo de um fato histrico, bem como os
sujeitos nele representados.
O importante a ser destacado, nesse momento, que tais atitudes
didticas podem e devem ser fei
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