Pós-Graduação em Educação: uma Crítica e uma Proposta
José Luiz de Paiva Bello
Vitória, 1994.
Introdução:
O surgimento indiscriminado de cursos de pós-graduação, nos últimos
tempos, chega a ser alarmante. Ouve-se falar de cursos surgidos nos locais mais
estranhos, lançados por instituições não menos estranhas.
O crescimento destes cursos, por si só, não nos leva a pensar em problemas
maiores. Mas quando pensamos que o grande aumento deles podem estar
comprometendo a qualidade do ensino e dos indivíduos formados, aí torna-se um
problema grave.
Quem são os indivíduos que estão se formando nesses cursos? Quem os
planeja? O planejamento é coerente com os objetivos de um curso de pós-
graduação? Os cursos cumprem as leis que os regem?
A partir da década de 70 houve um substancial surgimento desses cursos no
Brasil, em função da política de expansão imposta pela ditadura militar
implantada no Brasil pós-64 (MENDES, 1991, p. 132-33). Somente no período
compreendido entre 1970 e 1975 o número destes cursos pulou de cerca de 130
para cerca de 640. Ou seja, em cinco anos houve um acréscimo de 500%
Paralelamente a expansão desses cursos nasceu a legislação sobre a pós-
graduação. Exatamente no período mais triste da ditadura implantada em 1964
(GADOTTI, 1991, p. 103).
Se por um lado a existência desses cursos iriam valorizar os profissionais
inseridos no magistério superior, por outro contribuiu para que a qualidade do
ensino oferecido ficasse relegado a um segundo plano. Isto contribuiu para que a
qualidade do ensino superior fosse gradativamente sendo piorada. Sem contar a
realidade de que a maioria dos professores que ministram aulas nos cursos
superiores não têm curso de mestrado.
O curso de mestrado assumiu uma importância fundamental na mudança da
qualidade do ensino superior. Isto deu a esses cursos uma significação especial,
diante dos outros níveis de ensino. Talvez por isso os professores dos cursos de
mestrado e doutorado assumiram uma postura de status superior aos professores
de outros níveis. Passaram a ser conhecidos como "medalhões". E por tal
condição assumiram uma postura absolutamente individualista na efetivação de
suas aulas.
Se nos níveis básicos do sistema de ensino há uma coerência entre as
disciplinas, na maioria dos cursos de mestrado essa coerência deixa de existir.
Cada professor passou a dar o que melhor lhes convinha, sem se importar para o
assunto da disciplina ou o cumprimento de objetivos. Ou seja, cada professor
passou a fazer o que quisesse em sala de aula, sem se importar com o que o
colega poderia estar fazendo. As salas de aula de mestrado e doutorado tornaram-
se os feudos dos senhores do saber. Na maioria dos cursos de mestrado os
professores se tornaram donos de suas disciplinas, não podendo ser criticados sob
nenhuma instância do processo educacional.
Convém esclarecer que esta não é a regra geral. Existem profissionais que a
despeito da estrutura da instituição tentam relacionar-se com os colegas de
trabalho para tentar uma coerência naquilo que estão propondo aos alunos.
Qualquer avaliação que se faça do ensino de pós-graduação, deve,
obrigatoriamente, para que não se perca o critério qualidade, passar pela
avaliação do professor para que se possa "distinguir o incompetente do
promissor, assim como o produtivo do medalhão" (SCHWARTZMAN, 1981, p.
137).
Se tomarmos por base de que didática é a técnica empregada racionalmente
para que os alunos tenham maior facilidade na aprendizagem, de uma forma
globalizante, podemos dizer que os processos didáticos são esquecidos nos
cursos de pós-graduação. Se fizermos uma relação com a pré-escola podemos
dizer que os professores pré-escolares aplicam mais a didática em sala de aula do
que os professores dos cursos de graduação e pós-graduação. Aliás, observando-
se a prática, nota-se que quanto mais elevado o nível do ensino, menos didática é
aplicada em sala de aula.
Neste sentido, o título de Doutor, não qualifica o concluinte para a prática
pedagógica, mas para um acúmulo de saber que só atende a satisfação de seu
próprio ego, tornado-se dono do seu "feudo" para ter a liberdade de fazer em sala
de aula o que lhe convier, sem nenhuma interferência, sem nenhum
questionamento. Mesmo porque, via de regra, o discurso do professor não está
comprometido com a verdade, mas com o ritual da sala de aula.
Não é de hoje que se fala que a educação deveria ser um processo de alegria
de viver. É provável que a maioria dos educadores concordem que a escola, de
uma maneira geral, deveria ser um lugar de alegria. Mas a prática nos mostra
professores atônitos, usando de diversas formas de violência para "controlar"
seus alunos. Chegar a um curso de pós-graduação, torna-se assim, uma
verdadeira maratona física e mental. Do 1o grau ao doutorado os alunos são
massacrados com provas neurotizantes, presenças impostas, repreensões
descabidas, reprovações injustificáveis, etc, etc e etc, transformando a alegre
escola num verdadeiro circo de terror.
Histórico das Academias de Ciências
As universidades surgiram a partir do século XIII e na América Latina os
primeiros sistemas universitários surgidos foram trazidos pelos espanhóis ainda
nos primórdios do século XVI.
As primeiras escolas superiores no Brasil foram criadas por D.João VI na
primeira década do século XIX. Foram elas a Academia Militar do Rio de
Janeiro, as Escolas de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia e as Escolas de
Direito de São Paulo e Recife (SCHWARTZMAN, 1981, p. 74).
Somente por volta de 1930 é que surgiram as primeiras universidades no
Brasil de acordo com o modelo profissional napoleônico francês. Ou seja,
estruturada em diferentes escolas ou faculdades para cada profissão e um
diploma para cumprimento do exercício profissional, garantido pelo governo aos
estudantes formados. Esta estrutura básica da administração universitária vem
sendo seguida até hoje (MEDEIROS, 1992, p. 5).
O que a teoria didática da universidade pretendia, dentro deste modelo, na
verdade não se consubstanciou na sua prática. Assim Simon Schwartzman
definiu a prática universitária brasileira: "A realidade foi que os requisitos para
um diploma profissional tendiam a ser formais e burocráticos, em vez de
substantivos e técnicos, e as escolas superiores, como regra geral, tendiam a
expulsar ou marginalizar todos que tentassem aproximá-las dos níveis de
competência européia" (SCHWARTZMAN, 1981, p. 85).
A Universidade de São Paulo, através da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras, foi criada em 1934, posteriormente tendo sido incorporada pelas Escolas
Estaduais de Medicina, Direito e Engenharia.
A pesquisa foi trazida para a América Latina por emigrantes no final do
século XIX. Essas pessoas foram aquelas que trabalharam nos institutos de
pesquisa governamentais, mas não ligados à universidade, como o instituto de
geografia, Jardim Botânico, Museus, etc.(SCHWARTZMAN, 1981, p. 85).
Após a Segunda Guerra a pesquisa científica, na América Latina, teve uma
sensível ampliação em termos nacionais e passou a penetrar nos meios
universitários. Floresceram várias instituições de pesquisa de qualidade, que
passaram a declinar após os golpes militares que esfacelaram as inteligências
hegemônicas nessas instituições.
A partir dos anos 70 há um aumento substancial de cursos superiores, por
incentivo governamental, e é quando começa a surgir também, no Brasil, os
cursos de pós-graduação. As leis passaram então a definir a característica de cada
curso, o que trataremos a seguir.
Definições e Funções dos Cursos
Um sistema educacional para estar mais próximo do ideal precisa de
coerência no seu evoluir. Assim, tanto o planejamento do pré-escolar deve estar
de acordo com o segmento seguinte, o 1o grau, quanto o curso de graduação estar
intimamente ligado aos cursos de pós-graduação.
Cada seguimento do sistema tem de estar muito bem definido para que o
processo de assimilação de saber tenha uma seqüência lógica e evolutiva. O que
se espera desse sistema é que o processo educativo parta do geral para o
específico, fechando cada vez mais a área de estudo do indivíduo. Se a Educação
Infantil, o nível Fundamental e o Médio assumem a característica de formação
geral, a partir do curso de graduação a formação torna-se especializada. Se os
alunos, nos segmentos anteriores, tinham poucas opções, a partir do curso
superior suas opções serão variadas e definitivas.
Ou seja, assim como o curso superior não pode ser confundido com o 2o grau,
o curso de pós-graduação não pode ser confundido com o de graduação. A
própria Lei 5692/71 dispõe sobre essa diferença. O Parecer no 977/65 define os
cursos de pós-graduação, com muita clareza, chamando a atenção para o Art. 69
da Lei 4024/61 que distingue três grandes categorias de curso:
"a. De graduação: abertos à matrícula da candidatos que hajam
concluído o ciclo colegial ou equivalente e obtido classificação em
concurso de habilitação;
b. De pós-graduação: abertos à matrícula de candidatos que hajam
concluído o curso de graduação e obtido respectivo diploma e,
c. De especialização, aperfeiçoamento e extensão, ou quaisquer
outros, a juízo do respectivo instituto de ensino:abertos a candidatos
com o preparo e os requisitos que vierem a ser exigidos."
Graduação
É o momento do indivíduo receber saberes específicos de uma prática
profissional que o torne capaz de produzir bens sociais na sua área de atuação.
Como pré-requisito legal é necessário que o aluno tenha concluído o 2o grau.
Pós-Graduação
O curso de pós-graduação (sensu strictu) pode ser entendido como que
referente aos cursos de mestrado e doutorado e apresenta a seguinte
característica fundamental: "é de natureza acadêmica e de pesquisa e mesmo
atuando em setores profissionais tem objetivo essencialmente científico". Estes
cursos conferem diplomas aos seus concluintes.
Especialização, Aperfeiçoamento e
Extensão
É o curso que prepara profissionais diversificados para a área da educação e
não apenas professores universitários. Saviani diz que "tais cursos visam a um
aprimoramento (aperfeiçoamento) ou aprofundamento (especialização) da
formação profissional básica supostamente obtida no curso de graduação
correspondente" (SAVIANI, [19??], p. 5).
Assim, um curso como este, poderia corresponder, mas não necessariamente,
a uma espécie de prolongamento do curso de graduação, levando-se em
consideração o avanço do conhecimento relacionado a área de estudo.
Os cursos de especialização (sensu lato) via de regra, "tem sentido
eminentemente prático-profissional" e concede certificado.
Mestrado
É o curso que prepara o indivíduo para a docência do ensino superior e para o
exercício da pesquisa. Confere grau acadêmico.
Doutorado
Defesa de tese sobre tema relevante da educação, com funções de
aprofundamento e consolidação do curso de mestrado. Confere grau acadêmico.
Uma Proposta
Estrutura para um Curso de Mestrado
Esta é uma proposta para um curso de mestrado específico na área
pedagógica. Seu objetivo é formar educadores para serem capazes de dar aulas
em curso superior, além de preparar os professores para o exercício da pesquisa.
O curso está estruturado em 4 Blocos que, por conseqüência natural,
resultaria na efetivação da Dissertação de Mestrado, passando por inúmeros
momentos de possibilidades de exercícios de elaboração de textos baseados em
pesquisas. Agindo-se desta forma expontânea (sem angústias ou traumas), como
um final natural de um curso, o aluno estará sendo treinado no seu tempo integral
de participação no Mestrado.
BLOCO 1 (Pressupostos Práticos)
Metodologia Científica
Técnicas de Dissertação
Metodologia de Pesquisa
Didática do Ensino Superior
Dinâmica de Grupo
BLOCO 2
(Fundamentos)
Questões Atuais da Educação
Filosofia da Educação
História da Educação
Sociologia da Educação
BLOCO 3 (Prática)
Pesquisa Docente
Pesquisa Discente
BLOCO 4 (conclusão)
Orientação de Dissertação
Dissertação de Tese
Por esta via, o curso strictu sensu, atingiria seu objetivo fundamental que é o
de preparar o indivíduo para o exercer a prática do ensino superior e o de
prepará-lo para exercer a prática da pesquisa.
Na verdade não se estará inovando em nada, mas tão somente assumindo as
características reais de um curso de mestrado. Assim as disciplinas estariam desta
forma distribuídas:
Bloco 1 - Pressupostos práticos ao curso
As disciplinas aqui relacionadas servirão de apoio aos demais campos de
estudo, preparando os alunos para a produção científica durante a realização do
curso de mestrado. Serão, portanto, oferecidas como disciplinas referenciais.
a. Metodologia científica:
Trata-se de adquirir a técnica e as normas do procedimento científico.
b. Técnicas de dissertação:
Trata-se tão somente de se aprender as técnicas para estruturar um texto
lógico e compreensível.
c. Metodologia de pesquisa:
Refere-se às técnicas de buscas às fontes e as formas de se trabalhar os
dados.
d. Didática do ensino superior:
Esta disciplina se propõe a treinar os alunos para a prática da sala de aula
para uma turma de graduação. Neste sentido, os alunos poderão, inclusive, fazer
estágios supervisionados nos cursos de graduação.
e. Dinâmica de grupo:
Esta disciplina se propõe a exercitar aos alunos em técnicas de dinâmica de
grupo, ao mesmo tempo em que, na dinâmica de aula, passam a ter compreensão
de sua participação no grupo a que pertence, valorizando as atividades grupais.
Bloco 2 - Fundamentos próprios da
educação
As disciplinas aqui oferecidas dizem respeito aos conteúdos que os alunos
devem portar para o razoável exercício de sua profissão. Encarando a
Universidade como um centro de saber, outros conteúdos que se façam
necessários poderiam ser buscados nos cursos de graduação.
a. Questões atuais da educação:
Esta disciplina diz respeito à análise das questões iminentemente pedagógicas
que estejam sendo colocadas em evidência pela sociedade.
No primeiro semestre poderíamos citar como exemplos a Lei de Diretrizes e
Bases discutida no Congresso Nacional, a questão educacional dos meninos e
meninas de rua, a crise na Universidade e o advento dos centros de treinamento
nas empresas públicas e privadas gerados pela má formação profissional dos
alunos graduados.
Os temas a serem trabalhados seriam da escolha do próprio aluno, com
orientação do professor, e discutidos entre todo o grupo. Ou seja, no processo de
elaboração do texto final da disciplina, o aluno, em sala de aula, vai explanando o
que vem sendo trabalhado por ele e, desta forma, estará oferecendo aos seus
colegas de turma os caminhos percorridos na sua busca em determinada questão.
Seus colegas, por sua vez, estarão recebendo subsídios que poderão enriquecer
seus próprios trabalhos.
No final do curso terão sido produzidos diversos textos no período do
semestre letivo. Não será possível que pelo menos um destes textos, na pior das
hipóteses, não seja produzido com uma razoável qualidade. E, portanto, os alunos
estarão se exercitando para a sua tese final e já contribuindo com alguma
produção que (quem sabe?) por sua vez estará de certa forma já contribuindo em
responder as demandas da sociedade.
b. Filosofia da Educação:
O conteúdo desta disciplina não pode se confundir com a história da filosofia
ou com o simples adquirir saber sobre o que os filósofos pensaram. Mas, ao
contrário, trata-se de se tentar estruturar no processo vivencial do aluno a
capacidade de pensar.
Trata-se de se criar o sentido crítico como fator de percepção do processo
educacional. Olhar este processo como se estivesse procurando erros e
encontrando soluções. Mesmo que estas soluções sejam buscadas na história da
filosofia.
Esta disciplina é fundamental a qualquer curso que se proponha a formar
educadores, uma vez que o profissional da área de educação deve ter sua
capacidade de refletir sobre as questões sociais muito aguçada. O que talvez não
seja tão necessário em nenhuma outra área profissional.
Sua didática será a mesma citada na disciplina anterior. O professor como
orientador facilitará a busca dos alunos para aquilo a que se propõem trabalhar. O
professor orientará nas leituras a serem realizadas e nas procuras de temas
correlatas nas bibliotecas.
c. História da Educação:
Esta disciplina é necessária para se exercitar na busca do próprio passado
profissional. É possível que alguém já tenha pensado ou implementado uma
experiência que coincida com o que o aluno esteja procurando. Não se trata de
uma mera repetição daquilo que o aluno deveria ter estudado no curso de
graduação, mas de buscar o saber dos que já fizeram e como fizeram. Ou seja,
trata-se de permitir com que os alunos procurem as origens de suas próprias
inquietações na prática profissional. A didática proposta, neste caso, será de
imenso valor, uma vez que, pela riqueza de dados, o ambiente de sala de aula se
tornará mais dinâmico. A diversidade de temas a serem tratados será
enriquecedor para todos.
d. Sociologia da educação:
A importância desta disciplina esta implícita numa das principais críticas que
a Universidade vem sofrendo: a sua distância da sociedade ao redor. A
diversidade de temas que poderiam sair de um curso como este é quase
inesgotável. E, também nesta disciplina, seria possível que, ao final do curso,
alguns trabalhos interessantes tenham sido produzidos.
Bloco 3 - Prática de pesquisa
a. Pesquisa Docente:
Trata-se de pesquisas propostas pelos professores com o engajamento técnico
dos alunos sob orientação do professor. Os alunos serviriam de apoio às
pesquisas levadas a efeito pelos professores, ao mesmo tempo em que estariam se
exercitando para a prática de sua própria pesquisa.
b. Pesquisa discente:
Trata-se de pesquisa proposta pelo próprio aluno, sendo que permitido o
trabalho em duplas ou mais, a critério próprio. O tema seria de escolha do aluno,
utilizando-se os conceitos aprendidos no período anterior. Se o tema de escolha
do aluno coincidir com sua proposta de tese, esta pesquisa poderá contribuir e
enriquecer seu trabalho posterior.
Bloco 4 - Orientação de Dissertação
É o fechamento do curso que culminará com a dissertação da tese defendida
pelo aluno diante da banca examinadora.
O curso, portanto, estaria assim dividido:
1o semestre: Metodologia Científica, Técnicas de Dissertação,
Metodologia de Pesquisa e Dinâmica de Grupo.
2o semestre: Didática do Ensino Superior, História da Educação,
Filosofia da Educação e Sociologia da Educação.
3o semestre: Questões Atuais da Educação e Pesquisa docente.
4o semestre: Pesquisa discente.
5o e 6o semestres: Orientação de Dissertação e Dissertação de Mestrado
Um dos grandes equívocos dos planejadores dos cursos de pós-graduação no
Brasil, ao oferecerem cursos de mestrado, é dividi-los por áreas de estudo. Assim
uns oferecem áreas de Filosofia da Educação, Psicologia da Educação e
Administração Escolar, outro em Avaliação do Ensino e Administração Escolar,
outro em Currículos e Programas e ... Administração Escolar e por aí vai. Ora,
voltamos à questão inicial: se o curso de mestrado forma para o ensino e para a
pesquisa, por que dividi-lo por área de estudo? Por que esta área não é definida
pelo próprio aluno que procura o curso de mestrado para se formar e se informar
em ensino e pesquisa? Área de estudo caberia em cursos de extensão ou
especialização, mas não num curso de mestrado.
O mesmo erro ocorre quando fecham ainda mais oferecendo linhas de
pesquisa. Ou seja, o aluno não pode trabalhar fora de temas pré-estipulados pela
instituição de ensino. Isto ocorre porque se supõe que os professores orientadores
devem ser especialistas no tema defendido pelo aluno. O que é ruim para o
desenvolvimento da ciência. O professor que vai oferecer orientação de tese não
precisa ser um "expert" no tema trabalhado pelo aluno. Claro que quanto mais
intimidade o professor tiver com o assunto, mais ele poderá ajudar ao aluno
quanto a perceber caminhos possíveis. Se bem que, na maioria das vezes, os
professores servem de "censores" dos alunos. Mas não se trata de haver uma
necessidade do professor precisar saber mais do tema do que o aluno. O professor
orientador deve estar apto a ler o trabalho, questionar as afirmações mal
explicadas, sugerir aprofundamentos e novas leituras, levantar questões
pertinentes ao trabalho, enfim, procurar estimular o aluno que apresentará sua
Dissertação e se aperfeiçoar cada vez mais no tema escolhido.
A responsabilidade final do texto da tese será sempre do aluno que a
defendeu. Um professor orientador não pode ser responsabilizado por um
conteúdo não escrito por ele. Assim, não existe a necessidade de que o professor
orientador seja um entendido do assunto, mas um expert em trabalho de pesquisa
e em Metodologia Científica.
Dentro do que está sendo proposto a elaboração da Dissertação será a última
etapa de treinamento para aqueles que desejam tornar-se profissionais da
pesquisa e professores de cursos superiores. A Dissertação será na verdade a
última pesquisa desta fase de treinamento. E isto deve ser realizado de uma forma
expontânea e natural, já que durante o curso o aluno foi exercitado durante todo o
tempo para a pesquisa, a dissertação tenderá a ocorrer de uma forma tranqüila,
porque já vivida.
O trabalho, por conseqüência, tenderia a uma riqueza especial, posto que o
aluno que a está elaborando já tem em sua bagagem científica, outras pesquisas
de menor porte. O aluno que estiver apresentando sua tese já terá sido treinado
durante todo o curso para fazer exatamente isto: aprender a pesquisar.
Processo de Avaliação
Como a característica do curso de mestrado deixa de ser a aula típica dos
outros níveis de curso, as notas perdem por completo seu sentido. O que
representa para o aluno receber um grau dez ou um grau cinco pela apresentação
de um trabalho? O que se vai medir?
Gadotti sugere a abolição de notas e a adoção de conceitos aprovado e não
aprovado (GADOTTI, 1992, p. 109). O que se imporia, no caso, seria a adoção
de critérios para emitir tais conceitos. O próprio Gaddoti faz a sua sugestão:
Todos os trabalhos de pós-graduação devem ter isoladamente um
caráter pedagógico. Não se deve medir apenas o resultado. Deve-se ver
também o processo, isto é, deve-se "medir" não apenas o grau de
entendimento do assunto tratado, representado por um certo número de
páginas escritas, mas o que elas escondem: o amadurecimento de seu
autor, a formação científica representada na demonstração de que houve
ou não uma compreensão adequada, rigorosa e exaustiva de uma
tema(GADOTTI, 1992, p. 109).
O texto de Gadotti serve para colaborar com esta proposta. Os critérios de
avaliação devem assumir características singulares. Os professores, instrumentos
da avaliação do aluno, devem estar atentos não só a evolução do saber do aluno,
mas a evolução de seu amadurecimento para a realização de uma prática
profissional.
Na prática de sala de aula o processo de avaliação terá que ser ininterrupto. O
aluno estará sendo avaliado não mais como um aluno, mas, principalmente, como
um profissional. Assim, cada postura técnico-profissional assumida durante a
realização do curso deverá estar sendo julgada para avaliação. Neste caso surgem
variáveis a serem julgadas que dependem também do amadurecimento de quem
julga. Para se julgar quesitos como criatividade, participação, cumprimento de
tarefas, esforço, apresentação do trabalho, aprofundamento do tema, assiduidade
e outros do mesmo gênero, é preciso que o professor seja também estritamente
profissional no seu julgamento, uma vez que estará julgando sobre destino de
outros profissionais.
A avaliação final de cada disciplina estaria então resumida aos simples
conceitos de aprovado e não aprovado, como nos propõe Gadotti. E o aluno não
aprovado não estaria necessariamente excluído do curso, desde que os critérios
assumidos permitissem que o aluno pudesse ficar dependente em uma ou mais
disciplinas.
A nota é uma questão complexa de ser compreendida. O que representa para
um aluno receber uma nota oito? Mas por que oito? Por que não 7, ou 3, ou 5 ou
10? Qual será a significação deste oito? Será que o aluno detém 80% do saber
desejado pelo professor? Qual será o critério (ou os critérios) adotado pelo
professor para dar uma nota oito?
Bem, passaríamos o resto da vida a elaborar questões para tentar entender o
conceito oferecido. O critério adotado para se ter oferecido essa nota será
eternamente desconhecido. Talvez nem o próprio professor saiba porque deu esta
nota.
Dinâmica da Produção Científica
Todos os alunos iniciariam sua produção científica a partir do segundo
semestre. Assim como o primeiro semestre foi caracterizado pela assimilação de
conhecimentos específicos próprios da pesquisa, o segundo é caracterizado pelo
exercício da prática da pesquisa. Mesmo que durante a sua realização seja
necessário buscar conhecimentos correlatos de interesse ao enriquecimento dos
resultados. Da forma que está sugerido estruturar o curso, seriam produzidos, por
aluno, no mínimo quatro trabalhos de pesquisas por disciplina, um trabalho como
auxiliar de pesquisa de um professor e um ou mais trabalhos de pesquisa do
próprio aluno. Seriam cerca de seis trabalhos produzidos durante a realização do
curso. O que, em termos de turma, seriam seis trabalhos multiplicados pelo
número de alunos matriculados. Levantando-se a hipótese do curso ter 20 alunos
seriam 120 trabalhos ao final do curso. E não é possível que nenhum destes
trabalhos não atinja uma qualidade razoável ou ofereça propostas interessantes de
serem discutidas e ampliadas. E nesses 120 trabalhos não está incluída a tese de
mestrado, que merece um tratamento especial, o que elevaria o número de
trabalhos para 140, nesta turma de 20 alunos. E não há melhor forma para que o
aluno se prepare para sua Dissertação de mestrado sem traumas e sem angústias,
do que se exercitando durante o curso.
Como já foi dito acima, um curso de mestrado não deveria ser uma mera
repetição das práticas adotadas no curso de graduação. Se no curso de graduação
acumulou-se saber, no curso de mestrado e doutorado é o momento desse saber
ser colocado em prática. Ou seja, é o momento de se especializar o profissional
na prática da pesquisa e da docência a nível do ensino superior. Neste sentido a
boa qualidade do curso torna-se fundamental, uma vez que se propõe a formar
profissionais que estarão formando novos profissionais. Ao mesmo tempo em
que se tenta retomar o sentido etimológico da palavra educar que vem do
latim ex (fora) e duccere (conduzir), ou seja, conduzir para fora.
Alguns pedagogos insistem em que ninguém ensina nada a ninguém, são os
alunos que aprendem. Neste sentido o fundamental é que os alunos possam
menos aprender e mais compreender. Isto é a chave de tudo. Quando se tem
compreensão de seu papel na sociedade, a aprendizagem torna-se um
conseqüente processo de busca. Ou seja, o indivíduo que compreende a realidade
ao seu redor busca seus próprios caminhos para saber e o que saber. E o chavão
do "o que saber, para que saber e como saber", tem sua responsabilidade
mudada da pessoa do professor para a individualidade histórica do aluno.
Para que esse objetivo seja atingido é necessário, em primeiro lugar, pensar-
se na característica fragmentada dos atuais cursos de graduação e pós-graduação.
O sistema de crédito mostrou-se ineficaz para o nosso sistema educativo e, da
forma como é oferecido hoje, não passa de uma farsa. Não existe mais distinção
entre as matérias obrigatórias e as eletivas. As matérias eletivas acabam por se
tornarem obrigatórias, posto que os alunos devem cumprir determinados números
de créditos e não existe variedade de oferta para opção. O sistema de crédito
prova, categoricamente, que não é verdade que "o que é bom para os Estados
Unidos é bom para o Brasil".
Se sabemos que a teoria do sistema de créditos não é posta em prática, por
que insistimos nela? Para que obrigar aos alunos a cumprir determinado número
de créditos se, ao final do curso, continuam tão despreparados quanto no
começo? O que justifica o número dos créditos? Por que 20 créditos e não 5? Ou
por que 30 e não 150 créditos?
A verdadeira meta deveria ser a de se cumprir objetivos e não créditos. Se o
objetivo do mestrado é preparar o indivíduo para a docência em ensino superior e
para a pesquisa, crédito para que? O fundamental é se criar um currículo que
permita atingir esses objetivos, independentemente do número de créditos.
Currículo este que deverá preparar os alunos para exercerem sua profissão com
competência.
Agindo-se desta forma a Academia estaria contribuindo definitivamente com
a sociedade ao redor. Não só por se preocupar com a qualidade dos profissionais
formados, como também por oferecer respostas às questões emergidas da própria
sociedade.
A sala de aula tornar-se-ia o local apropriado de discussão do saber, onde as
questões trazidas por cada um teriam um palco apropriado para troca de idéias.
Esta dinâmica deve ter, por mera questão de competência, o professor como
mediador. Além disso, um professor atento que possa sugerir encaminhamentos e
leituras de textos. Gadotti faz uma crítica que colabora com o dito acima:
"(...)predomina em muitos cursos de pós-graduação o 'espírito da graduação': os
mestrandos vêm ao curso para 'assistirem' aulas, terminam os 'créditos' e não
conseguem depois escrever uma tese porque não se 'exercitaram' durante os
cursos (disciplinas)" (GADOTTI, 1991, p. 108).
Para se atingir estes objetivos é preciso que a racionalidade técnica supere
definitivamente a linguagem da emoção. A inversão destes valores faz com que
as razões sejam tratadas ao nível pessoal das empatias e as idéias novas não são
aceitas, mais por motivos políticos ideológicos do que por motivos técnicos
pedagógicos.
A academia é o forum ideal para discussões generalizadas, sem ódios ou
rancores. As idéias trazidas à arena de discussões não podem ser tomadas como
um ataque pessoal, mas como uma nova forma de se pensar. Todos na academia
deveriam, como conseqüência natural de se pertencer a uma instituição deste
porte, estar preparados para receber constantemente o novo e o revolucionário.
Mas historicamente é isto que a academia impede. Não bastasse o exemplo de
Freud, vaiado ao defender sua teoria diante da Academia de Viena, até hoje
tantos, sem a obstinação de Freud, são excluídos do processo acadêmicos
exatamente por trazerem idéias novas. Os acadêmicos, por estarem diretamente
vinculados à ciência, deveriam estar, por princípio, "pró" idéias e não ao
contrário de se investirem "contra" elas por motivos passionais.
Aqueles que detém o saber são atavicamente orgulhosos. Desde os
primórdios das sociedades modernas que os sábios se colocam numa situação de
intocabilidade. Neste sentido armam sempre um esquema de segurança para que
os que detém menos saber não os passem à frente.
O educador Lauro de Oliveira Lima, conta que viajando numa estrada,
percebeu como os caminhões pesados atrapalhavam a viagem. Deste fato fez uma
simbologia interessante: "Estes monstrengos, os caminhões FNM carregados e
subindo ladeira, são como os catedráticos brasileiros: nem correm, nem deixam
quem quer correr passar" (LIMA, 1975, p. 76).
O saber, neste sentido, serve como uma relação de dominação e manutenção
de privilégio. Provavelmente isto não existia quando as técnicas, as instituições e
as ideologias estavam em estado primitivo. Numa academia de ciências esta
relação de poder deveria ser inconcebível, posto que um de seus principais
objetivos é a evolução do saber.
Considerações Finais
O que se constata dos cursos de mestrado no Brasil é que seus organizadores
fazem uma grande confusão pedagógica entre o que seja um curso de mestrado e
um curso de extensão ou aperfeiçoamento. Na verdade um curso de mestrado não
deixa também de ser um curso de aperfeiçoamento, uma vez que trabalha com
profissionais que já trazem uma bagagem de saber. A diferença está em que o
curso de mestrado tem seu objetivo voltado para a formação de docentes do curso
superior e pesquisadores. O curso de extensão ou especialização é mais
abrangente em termos de objetivos, uma vez que está reciclando ou treinando o
indivíduo para uma especialidade profissional específica, dentro de uma série de
opções. Assim, um pedagogo poderia estar fazendo um curso de especialização
em Administração Escolar, ou em Filosofia da Educação, ou em História da
Educação, ou qualquer outra área de estudo que caiba como motivo de
treinamento em educação.
Uma vez delimitado o objetivo de um e de outro, os cursos tenderão a ter uma
eficácia mais acentuada. Um curso que prepara para o magistério superior e para
a prática da pesquisa, deve dar ênfase às disciplinas que contribuirão com a
prática futura do profissional que está se formando. Assim, as disciplinas
deveriam estar centradas na didática do ensino superior e na prática de ensino,
assim como nas teorias da pesquisa e sua aplicação prática.
Esta questão está diretamente ligada com a fiscalização exercida a estes
cursos por entidades como a CAPES. A avaliação levada a efeito está
preocupada com o trato burocrático da questão pedagógica, sem se preocupar
com a qualidade de fato. Para esta instituição a qualidade está ligada ao
cumprimento de regras pelo curso, por mais improdutivo que ele possa ser.
Assim, a avaliação passa pelo número de professores com doutorado, quantidade
de professores em horário integral, corpo docente permanente, a quantidade de
trabalhos apresentados, etc.. A qualidade da produção científica gerada pelo
curso nem é tocada pela avaliação da CAPES.
Estes tipos de exigências geram uma distorção perigosa, uma vez que
educadores do porte de um Paulo Freire ou um Lauro de Oliveira Lima não
poderiam ser professores num curso de pós-graduação porque não são "doutores
diplomados". Esta exigência pelo formal, em detrimento da qualidade, redunda
numa postura extremamente anti-científica. Ou seja, reserva para aqueles que
cumpriram os rituais de um curso formal, a responsabilidade de "fazer ciência".
Sabemos que qualquer aluno aplicado, mesmo que pouco criativo, conclui um
curso nos moldes que são oferecidos. Quem consegue chegar ao fim de um curso
de Mestrado ou Doutorado é, na verdade, um perseverante; passou por todas as
exigências de trabalho de seus professores, freqüentou aula para não ser
reprovado por faltas e foi aprovado nas matérias. Em nenhum momento do curso
sua criatividade foi testada, estimulada ou aproveitada. Desta forma, mesmo com
um diploma de "doutor" nas mãos, um ou outro indivíduo pode estar muito
próximo da imbecilidade.
Mas o mais lamentável nos cursos de mestrado é a falta de aproveitamento
das riquezas que os alunos já trazem em si quando chegam a estes cursos. Apesar
de serem cursos voltados para o desenvolvimento da educação, na verdade, eles
acabam servindo como ratificadores do status quo pedagógico. Repetem
exatamente aquilo que conseguem captar de errado nos cursos de graduação.
Os profissionais responsáveis por esses cursos tratam os colegas profissionais
que os procuram, como simples alunos (lembremo-nos de que a origem
etmológica da palavra aluno é sem luz, onde a = sem e lux = luz). Toda a história
profissional destes alunos é desprezada em nome de uma formação especializada
que concretamente não está sendo realizada. Como agravante alguns
profissionais/alunos recebem bolsas de estudos, pagas com o dinheiro do
contribuinte, o que deveria estar gerando um retorno mínimo para aqueles que
estão pagando (e a maioria deles à custa da miséria característica de nosso
povo).
Ocorre um fenômeno interessante entre os professores: parece que quando
começam a dar aulas, após saírem de suas fases de estudo e formação, esquecem
tudo aquilo por que passaram no curso de formação; esquecem das revoltas, das
injustiças percebidas e sofridas, da aprendizagem oferecida pelos professores
quase nula e várias outras situações desagradáveis provocadas pelos seus antigos
mestres. Ao assumir um modelo como professor, repetem exatamente aquilo que
eles, professores, detestavam nos cursos de formação. Ou seja, como se o
professor não conseguisse sentir a dor do paciente e, talvez por isso, seu
diagnóstico sobre a realidade pedagógica sempre será centrada nele mesmo.
Se aceitarmos a idéia de que a Universidade, através de seus cursos de
graduação, tornou-se uma ilha em relação à sociedade, o curso de mestrado e
doutorado tornou-se então uma ilha dentro de outra ilha. E como se isto não
bastasse, os professores se engessaram dentro do seu intocável saber para se
tornarem também uma ilha dentro de uma ilha (o curso de mestrado ou
doutorado) que, por sua vez, já fazia parte de outra ilha (a Universidade).
Objetivamente o que mede a qualidade de um curso de mestrado? Parece que
é a produção científica deste curso. E quem produz esses insumos? Parece que
são os alunos através de suas Dissertações de Mestrado e Teses de Doutorado e
através de sua produção durante o exercício do curso. Mas são exatamente os
alunos que são os esquecidos nesses cursos. Em quase todas as avaliações
exercidas por professores os grandes culpados da má qualidade dos cursos são
sempre os alunos (não lêem, não são assíduos, apresentam trabalhos mal feitos,
etc. etc. e etc..).
Fazendo uma observação simbólica desses cursos é como se olhássemos para
eles através de um filtro que eliminasse a cor alunos. Ou seja, as estrelas
reluzentes da constelação mestrado são os professores e mais ninguém. Eles se
fazem de estrelas centrais da constelação porque se investiram de uma
onipotência ilimitada, onde só é inteligente e criativo quem já tenha concluído
um doutoramento.
Essa falsa imagem, criada pela vaidade de alguns, é certamente a "espada de
Dâmocles" sob as suas próprias cabeças. O aluno foi tão relegado a uma segunda
instância de interesses que a qualidade da produção, além da própria eficácia sob
sua responsabilidade, chegou quase ao nível do nada. As bases da sociedade já
tratam os egressos desses cursos com uma certa dose de ironia e desprezo. Talvez
por isso seja tão difícil encontrar um "mestre" ou um "doutor" atuando nos
movimentos de base, implementando ações diretamente às comunidades mais
carentes de recursos. Quando muito estão alocados em gabinetes para "planejar".
O resultado desta despreocupação com o critério da qualidade é que só
aqueles que se interessam por ingressar no magistério superior passam por um
curso de mestrado para "legalizar" sua situação. E o nível de qualidade dos
alunos que procuram por esses cursos é cada vez pior. Como os professores estão
enclausurados em seus castelos, exercendo práticas totalmente individuais, e na
maioria das vezes ultrapassadas, cada vez mais vão sendo formados indivíduos
sem a qualidade suficiente para exercer a atividade que o curso de mestrado se
propôs a formá-lo.
Da forma que está montada a estrutura dos cursos de mestrados, confundidos
com os cursos de especialização, os profissionais que por lá passam como alunos,
apenas adquirem mais saber. Enquanto a prática docente é relegada a um
segundo plano.
Para se concluir um curso desses não é preciso ter inteligência nem
criatividade; é preciso ter perseverança. Ou seja, qualquer indivíduo perseverante
conclui um curso de mestrado, que na verdade tornou-se uma corrida de
obstáculos e não num centro experimental do saber, onde a inteligência e a
criatividade são requisitos fundamentais.
Um colega de um dos cursos de mestrado que fiz, professor de história,
queixava-se que tinha pronto um projeto de pesquisa sobre a imigração açoriana
no Brasil no século passado, e não poderia ser desenvolvida, uma vez que estava
cursando um mestrado em educação e os temas possíveis são aqueles nossos
velhos conhecidos: "as causas da evasão na 1a série do 1o grau", "resultados da
prática da avaliação do rendimento escolar", "adequação do currículo à realidade
brasileira", "produtividade docente" e outras coisas no gênero. Parece mentira
que um curso que se proponha a exercitar o indivíduo para a pesquisa e para a
docência não tenha a sensibilidade para perceber que este indivíduo está se
formando para ser pesquisador e professor... DE HISTÓRIA (!?).
Por isso a tendência é a de que esses cursos sejam totalmente desnecessários
à coletividade. Se o material humano egresso desses cursos não apresentam
condições satisfatórias para exercer a atividade para a qual foi treinado, existir
para que? Desta forma os professores passam a ter uma importância fundamental
não só no processo de formação do indivíduo que deseja ingressar no magistério
superior, como também assume a responsabilidade pela continuidade desses
cursos.
Existe uma possibilidade de recuperar o tempo perdido e de se efetivar uma
prática que prime pela qualidade. A fórmula é muito simples e possível de ser
concretizada: basta que os professores de mestrado e doutorado assumam uma
postura de humildade suficiente para que o trabalho realizado com os alunos
deixe de ter a característica extremamente individual. Assumindo tal postura de
humildade será possível trocar com colegas conteúdos programáticos, além de se
aproveitar a fundamental riqueza histórico-profisional que cada aluno de
mestrado traz necessariamente em sua bagagem.
Pois basta esse discreto mudar a nível individual, para que tudo o mais mude
também. A qualidade dos cursos de mestrado e doutorado será atingida de forma
natural e agradável para todos.
Gadotti vê essa dificuldade quando se refere ao direito dos alunos a suas
autonomias: "Eu sei, por experiência própria, que isso é difícil para nós
professores, mas é o que um programa de pós-graduação deve defender para ser
honesto" (GADOTTI, 1992, p. 107).
Diante desse caos pedagógico não é de se admirar que o índice de evasão nos
cursos de pós-graduação seja muito alto. Mas o que causa maior espanto é que
provavelmente esses "evadidos de 4o grau", sejam os mais criativos e os que
maiores possibilidades teriam de trazer algo de novo para o contexto
educacional.
Um outro fenômeno que se nota nos cursos de pós-graduação em educação é
o número cada vez menor de pedagogos que os procuram. Normalmente
encontramos nos cursos de mestrado de educação um número muito grande de
alunos de áreas de formação muito distante das, à nível de graduação, áreas
pedagógicas. Assim, cada vez mais é maior a quantidade de alunos vindos de
cursos de medicina, engenharia e quando vem da área de educação são
professores de formação específica, como professores de biologia, matemática,
educação física, estatística, etc..
Isto faz com que, cada vez mais, esses cursos percam suas características
iminentemente pedagógicas para se tornarem cursos onde o aluno vai à procura
de cumprir o ritual para se habilitar no magistério superior ou para satisfazer seu
próprio ego. Em ambas as formas não há contribuição científica para a evolução
do processo educacional. Sendo assim o movimento academico passa a se
preocupar fundamentalmente com o plano político, deixando de lado o valor das
questões técnicas pedagógicas.
Com isso a possibilidade de questionamento da prática vai se tornando
também cada vez mais difícil, uma vez que o pessoal engajado nestes cursos vai
perdendo, mais e mais, o senso crítico daquilo que está sendo executando.
Por isso é tão comum se ouvir nas salas de aula dos cursos de pós-graduação
que os professores, como já foi dito, estejam tão distante da possibilidade de unir
o conteúdo daquilo que eles oferecem como obrigatoriedade de leitura e aquilo
que eles mesmos fazem em sala de aula. Neste sentido é possível ouvir um
professor recomendar a leitura de quem faz sérias críticas à obrigatoriedade de
freqüência e, ele mesmo, fazer questão de passar listas de presença ou fazer a
chamada dos alunos antes de começar a aula. Este é apenas um exemplo, mas
tantos outros casos poderiam ser citados e este assunto ficará para outro trabalho.
Neste trabalho, apenas se tentou apresentar uma nova proposta para a didática
do ensino em pós-graduação. Parece-me ingênuo reforçar que o discurso adotado
não é pessoalizado ou está dirigido a algum professor ou instituição em
particular, mas é um discurso crítico do processo educacional, como um todo.
Porém é principalmente uma tentativa de valorização da prática pedagógica como
um fator fundamental de mudança da sociedade, onde, a partir da valorização da
história dos alunos (que está contida em muitos livros sugeridos pelos
professores que não cumprem o que oferecem para os alunos lerem), as idéias
serão mais diversificadas e possíveis de uma maior discussão e aprofundamento
no ambiente da Academia.
Referências:
ANDRADE, Antonio Luiz de. Sobre concepção de dissertação de mestrado e
o plano de ação da CAPES: da resolução 02/88 ao Programa Brasileiro da
Qualidade e Produtividade. (Texto mimeografado, sem outras referências.)
CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO. Parecer n. 977 de 1965. Definição
dos cursos de pós-graduação. Relator: Newton Sucupira.Documenta, n. 56, p.
109, 1965.
CUNHA, Luiz Antônio. Pós-graduação em educação: no ponto de
inflexão? Caderno de Pesquisa, São Paulo: n. 77, p. 63-67, mai. 1991.
GADOTTI, Moacir. A pós-graduação em educação. Campinas: Papirus, 1991.
cap. 5, p. 101-110: Escola vivida, escola projetada.
LIMA, Lauro de Oliveira. O enfant sauvage de Illich numa sociedade sem
escolas. Petrópolis: Vozes, 1975. 104 p.
MEDEIROS, Antonio Carlos de. Universidades e século XXI. A Gazeta.
Vitória, 4 jul. 1992. p. 5.
MENDES, Durmeval Trigueiro. Existe uma filosofia da educação brasileira? In:
MENDES, Durmeval Trigueiro (org.). Filosofia da educação brasileira. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. cap. 2, p. 49-133.
PROTA, Leonardo. Um novo modelo de universidade. São Paulo: Convívio,
1987. 185 p.
RIBEIRO, Darcy. A universidade necessária. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969.
272 p.
SAVIANI, Dermeval. Concepção de dissertação de mestrado centrada na
idéia de monografia de base. (Texto mimeografado, sem outras referências.)
SCHWARTZMAN, Simon. Ciência, universidade e ideologia: A política do
conhecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. 166 p.
STEPAN, Nancy. Gênese e evolução da ciência brasileira. Rio de Janeiro:
Artenova, 1976. 188 p.
VERGER, Jacques. As universidades na Idade Média. São Paulo: UNESP,
1990. 170 p.
Para referência desta página:
BELLO, José Luiz de Paiva. Pós-graduação em Educação: uma crítica e uma
proposta. Pedagogia em Foco, Vitória, 1994.
Disponível em: <http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/filos06.htm>. Acesso
em: dia mes ano.
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