POLÍTICAS PÚBLICAS HABITACIONAIS EM MANACAPURU-AM:
PECULIARIDADES DAS CIDADES AMAZÔNICAS.
Patrícia Oliveira de Castro Universidade do Estado do Amazonas
[email protected] José Aldemir de Oliveira
Universidade Federal do Amazonas [email protected]
INTRODUÇÃO
O uso do solo tornou-se dentro do mercado imobiliário, mais uma mercadoria a
ser negociada, onde quem não tem poder de compra, consequentemente não tem direito
a posse, seguindo a lógica capitalista, que Marx (1969, p. 52) chama de “valor de uso e
valor de troca”. Por outro lado, a moradia continua sendo uma necessidade, que vai
além do simples consumismo, é um direito legislado, mas que ainda é realidade para
poucos no Brasil.
Espera-se, então, que o Estado, enquanto representante do povo e principal
agente reprodutor do espaço urbano, venha intervir de forma coerente na resolução da
questão habitacional, no entanto, apesar de terem sido implantadas inúmeras políticas
públicas habitacionais, desde a década de 40, o problema persiste e, no Brasil, já
ultrapassa os 7 milhões de famílias sem moradia (MINISTÉRIO DAS CIDADES),
atingindo principalmente as mais pobres. A construção da moradia está intrinsecamente
ligada à construção da própria cidade. Segundo RODRIGUES (1988) na produção da
cidade, insere-se também a produção da casa, podendo-se analisar a produção do espaço
urbano através da produção da moradia.
Neste sentido, este trabalho é um estudo em andamento, resultado parcial de
uma pesquisa que analisa as Políticas Públicas Habitacionais realizadas pelo Estado por
meio do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) comparando-o com os antigos
conjuntos habitacionais construídos pelo Banco Nacional da Habitação e objetiva
contribuir na análise espacial da cidade de Manacapuru no Estado do Amazonas no
âmbito da produção de moradia a partir das políticas públicas habitacionais promovidas
pelo Estado na cidade até 2014, considerando as peculiaridades das cidades na
Amazônia brasileira.. A metodologia usada consiste em levantamento bibliográfico,
análise documental, fotográfico e entrevistas sobre os conjuntos habitacionais na zona
urbana de Manacapuru. Foram realizados mapeamento e trabalhos de campo entre os
meses de setembro/2013 a janeiro/2014, importantes para observar e coletar dados
relevantes à pesquisa. Para obtenção de dados oficiais foram realizadas visitas aos
órgãos públicos, porém com pouco êxito, tendo em vista a dificuldade de muitos setores
em disponibilizar informações e dados oficiais necessários à pesquisa. Por este motivo,
procurou-se encontrar nos cartórios do 1º e 2º Ofício do município, certidões de registro
dos terrenos onde foram construídos os conjuntos habitacionais, sendo possível
reconstituir a história documental e compará-la aos relatos dos moradores, dando maior
veracidade aos fatos.
RESULTADOS DA PESQUISA
Manacapuru é um município do Amazonas, localizado a 84 quilômetros ao
Sudoeste de Manaus, na margem esquerda do Rio Solimões, com 85.141 habitantes
(IBGE de 2010), sendo que 60.174 hab. estão situados na zona urbana do município e
24.967 hab. na zona rural. Em termos gerais, o município de Manacapuru não está
fora da realidade de muitas cidades brasileiras que sofrem com o inchaço populacional
nos centros urbanos. Na década de 70 foi construído o primeiro conjunto habitacional
no município, com o nome de “Conjunto Habitacional Alberto Ventura”, numa área
distante, porém hoje incorporado ao perímetro urbano, depois em 2004, os Conjuntos
Eduardo Braga I e II, com o objetivo de atender à população mais carente atingidas pela
enchente e também para atender o crescente aumento populacional da cidade.
Recentemente, em 2010, foi iniciado a construção do Residencial Ataliba David
Antônio na AM 070 – km 77, rodovia Manoel Urbano, como parte do Programa Minha
Casa Minha Vida – PMCMV que está em fase de finalização para entrega em março de
2014. Ao detalhar cada um desses conjuntos de certo modo compreende-se a dinâmica
da cidade, visto que, quer pela quantidade ou pela importância que os mesmos
encerram, sintetizam a ampliação do espaço urbano.
Conjunto Habitacional Alberto Ventura
O Conjunto Habitacional Alberto Ventura foi criado em 1974, previa a
construção de 65 casas inicialmente, mas logo acrescentou-se mais 10, totalizando 75
moradias, distribuídas entre servidores públicos, pescadores, aposentados, agricultores e
outros que tivessem renda mínima para quitar as parcelas do imóvel, além das casas o
conjunto também incluía, área de esporte e lazer, uma escola de Ensino Fundamental e
uma praça. Tratava-se de uma política pública do governo federal, financiado pelo
Sistema Financeiro de Habitação por meio Banco Nacional de Habitação-BNH e tendo
como agente no Estado a COHAB-AM. A cidade vivia um momento de plena expansão
urbana e, portanto, aumento da necessidade de novas moradias. Na época, a localização
do conjunto parecia distante do centro da cidade, pois nem asfaltamento havia ainda em
toda a avenida principal, porém, atualmente com o crescimento da cidade, a realidade é
outra. Atualmente o Conjunto Alberto Ventura é um dos locais mais equipados com
bens e serviços, públicos e privados.
Figura 1 - Imagem de satélite da localização do Conjunto. Fonte: Google Maps, 2013.
A área de cada terreno mede 15x20m, o tamanho das casas era conforme o
número de cômodos, variando entre 1 e 3 quartos, além de sala, cozinha, banheiro e
quintal. A realidade atual é outra, tanto em relação ao tamanho dos terrenos quanto ao
tamanho das casas. Atualmente maioria dos moradores não é mais dos primitivos
compradores as moradias foram compradas e foram bastante transformadas e até
ampliadas (fig. 2), restando poucas no formato original (fig. 3).
Figura 2 e 3 - Casa modificada (esquerda) e outra em modelo original (direita). FOTO: Castro, Patrícia. 2014
O Conjunto está divido em 3 blocos distintos: o primeiro bloco (rua
Pernambuco) concentra-se o setor de comércio e serviços, no segundo bloco (rua Rio de
Janeiro) estão as casas com estilo mais modesto e com poucas modificações e no ultimo
bloco (Av. Eduardo Ribeiro), apesar de haver também imóveis antigos, são casas com
estruturas sofisticadas e maiores, completamente diferente do modelo original e de certo
modo concentram as melhores casas da cidade.
A configuração social no inicio do conjunto, segundo relato de alguns moradores
antigos, era formado por pessoas de classe média e baixa, como pescadores,
agricultores, professores, servidores públicos e outros, porém isto mudou
significativamente com o passar do tempo, acontecendo um processo de “gentrificação”,
que é o enobrecimento do lugar, por causa da substituição dos moradores pobres pelos
ricos, levando à valorização imobiliária e à expulsão dos habitantes originais. O termo
“gentrificação” foi criado por Ruth Glass, em 1964, com o intuito de explicar o que
ocorreu em Londres com a invasão da classe média nos bairros operários, causando o
“aburguesamento” dos bairros.
Conjunto Habitacional Eduardo Braga I
Na primeira gestão do prefeito Washington Régis (2001-2004) e também início
do primeiro mandato de Carlos Eduardo de Souza Braga (2003-2006) no governo do
Estado. Em 2004 foram construídos os conjuntos habitacionais Eduardo Braga I e II,
com o objetivo de atender famílias que já ocupavam a área, porém de forma irregular, as
pessoas foram então retiradas momentaneamente para a construção das casas, depois da
obra concluída houve a doação dos imóveis, sem pagamento pelas propriedades. O
primeiro conjunto, Eduardo Braga I, situa-se no bairro Terra Preta, entre a Av. Pedro
Moura e a Rua Alameda Beira Rio.
Figura 4 - localização do Conjunto Eduardo Braga I Fonte: Google Maps, 2014.
Foram construídas 60 casas no mesmo padrão de 8x10m cada, com quarto, sala,
cozinha, banheiro e quintal, então, após a realização de sorteios para definir a ordem de
entrega das casas. Também possuía instalação elétrica e hidráulica, os moradores
pagavam taxas simbólicas de R$5 a R$8,00 reais pelos serviços de água e energia
elétrica. Não houve pagamento nem pelo terreno, nem das casas construídas, como
acontece no programa do governo federal “Minha Casa, Minha Vida”.
Figura 5 e 6 – Casa no modelo original e outra totalmente modificada. FOTO: Castro, Patrícia. 2014
A diferença no modo de vida dos moradores é perceptível nas figuras 5 e 6. As
casas com janelas maiores e gradeadas revelam uma realidade diferente da que existia
no início do Conjunto, a necessidade de adaptação ao modo de vida no urbano, faz
referência a violência encontrada na cidade, porém não se nota nas casas da figura 5 a
mesma preocupação, apesar de estarem no mesmo conjunto e também vivenciarem
situações similares, isto se deve talvez, a evolução econômica de alguns moradores, que
investiram na sua moradia, enquanto outros mantiveram suas casas sem
transformações.
Outro aspecto social a ser discutido se refere a falta de oportunidade de emprego
formal, ou a falta de formação profissional para o mercado de trabalho, com isso,
muitos optam por investir no setor informal, montando uma microempresa na própria
casa, amenizando o problema financeiro. O processo de mudar as funções de moradia
para outros fins como pequeno comércio. MOURA (2010, p. 43) afirma que:
Trata-se da refuncionalização, um dos meios pelos quais as inovações são efetivadas, utilizando-se do espaço já construído. A refuncionalização assegura o valor funcional de algumas formas espaciais antigas e restaura o valor simbólico de outras, constituindo-se em prática corrente.
Conjunto Habitacional Eduardo Braga II
O Conjunto Eduardo Braga II, localizado no Bairro Morada do Sol, na zona
oeste da cidade de Manacapuru, foi construído em 2004, no mesmo ano da construção
do Conjunto Eduardo Braga I, após ter ocorrido um deslizamento de terra, provocado
por fortes chuvas e deixando dezenas de famílias que moravam à beira do rio,
desabrigadas, surge então, a necessidade de se construir casas para às famílias
desalojadas. Semelhantemente ao que aconteceu com o primeiro conjunto, o segundo
também foi em forma de doação. A construção dos Conjuntos Eduardo Braga I e II
ocorreram em circunstâncias diferentes, porém para resolver problemas urbanos de
habitação.
Figura 7 - Imagem de satélite do Conjunto Eduardo Braga II FOTO: Google Maps, 2014.
Segundo relato dos moradores antigos, o período de construção das casas durou
aproximadamente 1 ano e 3 meses, enquanto isso, as famílias desabrigadas, moravam
em casas alugadas, custeadas pela prefeitura municipal, naquele momento sob a gestão
do prefeito Washington Luíz Régis. No Conjunto Eduardo Braga II foram construídas
52 casas, cada uma com 3 cômodos: sala/cozinha, quarto e banheiro. Atualmente
existem casas com até 5 cômodos, porém a maioria continua com o formato original de
3 cômodos. O sistema de energia elétrica foi instalado, porém o de água não funcionava
corretamente, só após algum tempo foi normalizado.
Figura 8 e 9 - Casa modelo original e casa modificada. FOTO: Castro, Patrícia. 2014
O tamanho de cada terreno era de 8x19m, no entanto, os donos das casas
localizadas nas esquinas das ruas se apropriaram da área destinada às calçadas,
diminuindo a largura das mesmas e aumento o terreno de suas casas, que passaram a
medir 12x19m. As famílias contempladas eram de pescadores e sem famílias extensas.
Isso significa dizer que as dificuldades para sustentar a família aumentaram após a
mudança, pois a distancia em relação ao rio, do qual tiravam seu sustento, foi
modificado e a rotina de quem dependia dele para viver foi alterada, em decorrência
muitos moradores não são os primitivos moradores, que repassaram suas casas.
Residencial Ataliba David Antônio (PMCMV)
O Conjunto Habitacional Ataliba David Antônio está localizado na zona oeste da
cidade de Manacapuru no km 77 da Rodovia Manoel Urbano (Am-070). O Residencial
começou a ser construído em 2010 com prazo de conclusão em dois anos, porém até
início de junho de 2014 (último prazo informado pela prefeitura de Manacapuru), ainda
não havia acontecido a entrega dos imóveis. O conjunto de apartamentos faz parte do
programa “Minha Casa, Minha Vida”, criado em 2009 pelo governo federal, com o
objetivo de reduzir o déficit habitacional no Brasil. São exatamente 1.000 moradias
distribuídas em 121 blocos com 8 apartamentos cada bloco, ao todo 968 apartamentos,
sendo que 32 moradias são casas adaptadas para pessoas com necessidades especiais.
Figura 10 – Localização do Residencial Ataliba David Antônio. Fonte: Google Maps, 2014.
Inicialmente o terreno de 106.824,13m2, onde foi construído o Residencial
Ataliba David Antônio pertencia a Honório Alonzo Paz e foi vendido a José Maria
Câmara de Oliveira no valor de R$ 60.000,00 (Sessenta mil reais) conforme escritura
pública de venda e compra registrada no Cartório do 1º Ofício de Manacapuru (Anexo
A), este mesmo terreno foi vendido para a empresa STAFF CONSTRUÇÕES LTDA
pelo valor de R$ 900.000,00 (Novecentos mil reais), com caráter de escritura pública,
na forma do art. 8º da Lei de nº 10.188, de 12/02/2001, após compilada com as
alterações posteriores, os imóveis foram transferidos para o nome de FUNDO DE
ARRENDAMENTO RESIDENCIAL - FAR (Financiador da Caixa Econômica Federal
criado para ajudar municípios e estados a atenderem às necessidades de moradia da
população que recebe até 6 salários mínimos e que vive em centros urbanos) e ainda a
contratação da STAFF CONSTRUÇÔES LTDA para a produção do empreendimento,
objeto do referido contrato, denominado RESIDENCIAL ZAIRINHA, que
posteriormente veio a ser RESIDENCIAL ATALIBA DAVID ANTONIO. O valor
global da operação será de: R$ 42.872.000,00 (Quarenta e dois milhões, oitocentos e
setenta e dois mil reais).
Cada apartamento mede 37m2, contando com 2 quartos, sala, banheiro, cozinha e
lavanderia no mesmo cômodo. A instalação elétrica já está completa e dentro do
residencial existe sistema de esgoto e tratamento de água, além de já está sendo
construída uma Unidade Básica de Saúde – UBS para atender os moradores do
conjunto. Também haverá ao lado do residencial um Centro Educacional de Tempo
Integral-CETI com entrega prevista para 13/02/2014, porém este prazo foi extrapolado e
ainda não há previsão de entrega dos imóveis.
Figura 12 – Residencial Ataliba David Antônio FOTO: Castro, Patrícia. 2013
Por outro lado o Conjunto Habitacional Ataliba David Antônio não possui área
destinada a esporte e lazer, tampouco área comercial, o que obrigará os moradores a se
deslocarem ao centro da cidade ou às proximidades para fazer as compras básicas.
Também não será permitido aos moradores qualquer tipo de mudança nos apartamentos
até a quitação do imóvel, no entanto, mesmo após esse tempo não será possível
nenhuma ampliação, visto que se trata de um tipo de moradia que não permite
modificações (apartamento).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A mudança de moradia (mesmo que a anterior estivesse em área de risco)
implicará não somente em relação à casa e o bairro em si, mas principalmente ao
cotidiano dos moradores, que terão que se adaptar a um ritmo de vida completamente
diferente ao que estavam acostumados, onde podiam viver próximo do rio, mantendo
costumes ribeirinhos e ao mesmo tempo de fácil acesso a cidade. Além de muitos desses
moradores estarem na cidade, mas não fazerem parte dela, dependendo unicamente dos
recursos governamentais.
Desta forma, não basta apenas prover a moradia é primordial pensar o espaço no
entorno, visto que não se trata da remoção de objetos, mas de pessoas dotadas de
emoções, culturas, necessidades e que as políticas públicas não podem ser
desarticuladas das realidades da sociedade, mas precisam ter a mesma configuração para
assim, resolver não só o problema de habitação, como também o de segregação. De
outro modo, os resultados obtidos, permitem inferir: 1) que não há diferenças
substanciais entre o SFH e o PMCMV ambos concebem a habitação em si, sem
considerar o espaço do entorno; 2) a população a partir das condições objetivas vai
fazendo as adaptações, ou o que pior, não se adaptando repassa a sua habitação e
possivelmente retorna às condições anteriores.
BIBLIOGRAFIA
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Cidade Nova em Manaus: As Políticas Públicas Habitacionais no período de 1980-
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