MESTRADO EM ENSINO
- Didáctica da Física e da Química II -
2010/2011
Planificar
O ensino das Ciências
Trabalho elaborado por:
Alexandre Oliveira
Julho 2011
1
ÍNDICE
1. Introdução 2
2. Estratégias de ensino 3
2.1. Metodologia 4
2.2. O trabalho colaborativo 5
2.3. Perspectivas CTSA 6
3. Planificar 7
3.1. Para onde? 8
3.2. A partir de onde? 9
3.3. A quem? 10
3.4. Como? 11
3.5. Com o quê? 12
3.6. Que resultados? 13
4. Considerações finais 15
5. Referências bibliográficas 18
2
1. Introdução
A planificação é um instrumento vivo da gestão curricular (Roldão, 2009)
e deve resultar de um processo sistemático de organização do trabalho.
A sua múltipla funcionalidade e a sua constante adaptação são
características que evidenciam o carácter dinâmico de um currículo
entendido como um projecto.
A planificação do ensino das ciências está, naturalmente dependente da
perspectiva de ensino de quem a faz. Tradicionalmente, e ainda hoje é o
modelo mais utilizado nas escolas, a planificação listava numa tabela de
duas entradas a sequência temporal dos assuntos escolares, conteúdos,
recursos e estratégias. Trata-se de um modelo tradicional de
planificação ligado á produtividade industrial do século XIX e
contemplada nos modelos curriculares de Bobbit e Tayler . Segundo
este modelo a planificação era uma construção linear-racional que
definia objectivos, programava acções e obtinha resultados (Arends,
2008). Este modelo entra em colapso quando a investigação aponta
para uma maior eficácia das estratégias baseadas no modelo
construtivista de Ausubel (1980) e outros.
A formação inicial de professores terá sempre de contemplar a
planificação, pois para além de estar imposta por lei é a base do
trabalho docente. Se entendermos o processo pedagógico a um nível
macro, da legislação imposta pelo ministério, a planificação será a
operacionalização do programa legalmente definido num currículo
elaborado ao nível meso do projecto de escola e dos departamentos
disciplinares. Mas para o professor é no nível micro que o trabalho se
realiza. No seu contexto de sala de aula, no seu contrato pedagógico
celebrado com a turma, dentro da especificidade da sua diferença e da
multiplicidade das suas culturas, apetências e inteligências (Arends,
2008). Só assim o professor se torna efectivamente um agente formador
de cidadãos críticos e participativos numa sociedade em que a
multiculturalidade é a mais-valia do futuro (Carneiro, 2001).
3
2. Estratégias de ensino
Uma estratégia de ensino, segundo Gaspar e Roldão (2007) é definida como
“acção intencional orientada para um objectivo de aprendizagem sedeado no
aprendente, e mediado pela acção/interacção proporcionada pelo ensino” (p.
89). Para construir e aplicar uma determinada estratégia de ensino o professor
deverá: analisar (objectivos vs alunos e contexto), integrar (criando sequências
de aprendizagem), colocar hipótese (sobre a eventuais formas de
organização), seleccionar (tendo em atenção potencialidades relativamente às
aprendizagens), organizar (identificando as tarefas, as actividades, os recursos,
os tempos de execução, definindo não só o papel dos alunos mas também o
seu), decidir (regulando o próprio desenvolvimento da estratégia) (Gaspar &
Roldão, 2007). Tal como também refere Ponte (2005), de uma estratégia de
ensino sobressaem sempre dois elementos, a actividade do professor,
caracterizada pelo tipo de tarefas que ele concebe e a actividade do aluno, isto
é, o modo dominante de construção do conhecimento, o qual se refere ao
“papel que o aluno é chamado a desempenhar: procurar aprender o que lhe é
apresentado de modo já sistematizado e organizado ou explorar e descobrir
por si mesmo, apoiado pelo professor e em negociação com os colegas do
grupo-turma” (Ponte, 2005, p. 23).
4
2.1 Metodologia
No ensino das ciências existe uma dicotomia entre o método indutivo e
dedutivo (Bay et al, 1992). O método indutivo baseia-se na premissa que
o conhecimento se constrói a partir dos saberes prévios do aluno, das
suas experiências e da interacção com o fenómeno. O método dedutivo
é um método de instrução directa e baseia-se no pressuposto positivista
que um estrutura altamente hierarquizada de conceitos proporciona uma
eficaz aprendizagem dos alunos (Bay et al, 1992). As teorias
construtivistas vieram por em causa um ensino baseado em conteúdos
formais que eram transmitidos sem conexão e sem contextualização. A
teoria da aprendizagem significativa de Ausubel (1980) veio dar suporte
ao modelo indutivo do ensino. No modelo indutivo o professor começa
por lançar uma questão ou problema que coloca o aluno em contacto
com o fenómeno e é do cruzamento entre o fenómeno e os
conhecimentos prévios que o aluno constrói o seu conhecimento
(Valadares, 2006).
Podemos, então distinguir estes dois métodos pelo princípio
construtivista do conhecimento – método indutivo – e pelo princípio
transmissivo do conhecimento – método dedutivo. Aulas de laboratório
de demonstração em que o conceito já foi dado aos alunos e um
protocolo rígido os conduz à demonstração do resultado esperado é
claramente de uma acepção dedutiva (Bay et al, 1992). Por outro lado
numa metodologia o aluno é introduzido ao fenómeno e é estimulado a
procurar padrões, relações, levantar questões ou fazer generalizações a
partir do observado (Bay et al, 1992), o papel do professor é criar o
cenário onde a aprendizagem significativa possa ocorrer e auxiliar o
processo sempre que necessário (Valadares, 2006).
5
2.2 O trabalho colaborativo
Numa perspectiva construtivista de Valadares (2001) “o conhecimento
científico, qualquer que ele seja, é uma construção que resulta de
interacções complexas envolvendo sujeitos e objectos em que nem uns
nem outros têm a hegemonia”. Assim sendo a multiplicidade de sujeito
aprendentes é um factor importante da aprendizagem. Observando
juntos o mesmo fenómeno, dois aprendentes terão diferentes
experiencias que se as puderem partilhar facilitará o processo
(Cachapuz, 2002).
O conhecimento prévio dos alunos é um factor importante na motivação
e na persistência perante a dificuldade da tarefa a realizar e permite a
negociação entre os elementos do grupo de trabalho (Ponte, 2005). Daí
a importância da selecção dos elementos para a formação dos grupos
de trabalho, de preferência díades, que deve ter por preferência a
escolhe de elementos complementares nas suas capacidades mas não
demasiado díspares no seu rendimento escolar.
6
2.3 Perspectiva CTSA
O ensino das ciências no paradigma moderno, baseado em transmissão
de conceitos científicos mostra-se ineficaz na formação de cidadãos
cultos e preocupados com as questões da actualidade (Pereira, 2002). O
desenvolvimento da literacia científica comtemplado na legislação e nas
orientações curriculares (OC) para o ensino das ciências (Galvão, 2001)
tem por fim último formar cidadão capazes de tomar decisões
relacionadas com problemas do dia-a-dia e participarem na sua
resolução. Ou seja “Questões de natureza científica com implicações
sociais vêm à praça pública para discussão e os cidadãos são
chamados a dar a sua opinião. A literacia científica é assim fundamental
para o exercício pleno da cidadania.” (Galvão, 2001, p.6). O Currículo
Nacional do Ensino Básico explicita que os alunos devem ser envolvidos
em “situações de aprendizagem centradas na resolução de problemas”
que possam promover “pensamento de forma criativa e crítica” (ME,
2004, p. 133).
A mudança de paradigma ecológico – suportada pela sociedade do
conhecimento, a rapidez da comunicação, liberdade de informação e a
Internet – é um facto presente. A crise ecológica e ambiental (Lima &
Guerra, 2004) vem pôr em causa o velho Paradigma Social Dominante
(DPS) – que defende a superioridade do homem e a sua capacidade de
dominar tecnologicamente a natureza e assim resolver os problemas – e
gradualmente vai impondo o Novo Paradigma Ecológico – em que a
Terra é vista como um organismo em equilíbrio precário, em escassez
de recursos e que deve ser respeitado em toda a sua diversidade – e a
sustentabilidade passa a ser um tema fundamental no ensino das
ciências ( ME, 2004). Os conteúdos CTSA são compreendidos em
contexto real dos alunos e a reflexão sobre os temas polémicos
promovem o desenvolvimento do Pensamento Crítico em Ciência e
como consequência imediata um aumento da literacia científica.
7
3. Planificar
A legislação obriga os professores a produzir, manter e actualizar as
planificações das suas aulas. É aliás um documento que os inspectores
da IGE consultam e discutem imperativamente. Muitas vezes as
planificações são documentos sintéticos que já foram elaborados há
vários anos e que sofrem apenas ligeiros ajustes quando se afigura
necessário, por vezes a única mudança que ocorre é a troca de data do
ano lectivo.
Mas numa perspectiva de gestão do currículo – em que o currículo é
visto como um projecto, vivo e regulável – a planificação vai muito além
disso e passa a ser um documento fundamental do trabalho docente,
onde o currículo é operacionalizado e como documento escrito pode ser
consultado, reflectido, modificado numa regulação constante e
fundamentada do processo de ensino e aprendizagem (Roldão, 2009).
Um modelo de Arends (2008, p. 101) apresenta o ciclo contínuo da
educação com três etapas: Planificação – Ensino – Avaliação –
Planificação. A planificação prévia será assim a primeira etapa do ciclo
e a última uma vez que após a avaliação deve ser repensada para dar
origem a novo ciclo.
8
3.1 Para onde?
O processo pedagógico tem um fim claro: que os alunos aprendam. Esse
fim é uma meta que poderá ser alcançada por etapas. Não pode ser visto
como uma corrida de velocidade, mas sim um caminhar pausado e seguro
em passos bem estruturados e bem assentes em chão firme. É, então,
necessário que se definam à partida objectivos, metas ou finalidades do
processo planificado (Roldão 2009). A correcta formulação dos objectivos –
gerais e específicos, tanto a nível dos conhecimentos como das atitudes – e
tendo em vista as competências definidas para o nível de ensino no qual o
processo vai decorrer, vai permitir criar uma grelha criteriosa de descritores
de avaliação (Rogiers, 2001). E a indicação dada aos alunos dos objectivos
da unidade planificada
Estes objectivos devem ser marcados em função das competências a
desenvolver, cognitivas, processuais, epistemológicas e ter em conta os
comportamentos e atitudes (Roldão, 2009; Rogiers, 2001; Galvão, 2001).
9
3.2 A partir de onde?
Uma etapa fundamental de um processo pedagógico construtivista é o
levantamento dos pré-requisitos dos alunos, a gestão das concepções
alternativas e a verificação das competências básicas de outras áreas
fundamentais para o processo como o Português e a Matemática. É neste
campo também que se deve promover a interdisciplinaridade sabendo
antemão matérias de outras disciplinas – adquiridas que possam ser
mobilizadas para o processo planificado!
Também será útil um levantamento das estratégias utilizadas em anos
anteriores e o seu grau de aceitação junto dos alunos e o seu grau de
sucesso (Roldão, 2009)
A consciência plena dos pontos fortes e fracos da situação inicial é
fundamental para a escolha de estratégias e para a gestão do tempo de
implementação das mesmas (Roldão, 2009; Cachapuz et al, 2002; Arends,
2008).
10
3.3 A quem?
Conhecer a turma, o seu contexto social, económico e cultural. Assim como
os perfis individuais, o registo biográfico, o historial do percurso escolar dos
alunos, as suas espectativas e as suas ambições. A auto-imagem, a auto
estima e a capacidade de relacionamento social são também parâmetros a
ter em conta pois serão fundamentais na criação das díades ou de outros
grupos de trabalho. É aconselhável fazer um levantamento precoce das
concepções alternativas que não sejam compatíveis com os conceitos
científicos a trabalhar de forma a organizar as tarefas e o discurso no
sentido de ajudar os aluno a clarificar os seus conceitos, questionando-o e
orientando o processo de um modo sistemático e reflexivo suficientemente
aberto e flexível para que o aluno realize uma aprendizagem significativa
(Valadares, 2006)
11
3.4 Como?
As opções metodológicas, as técnicas de ensino e as estratégias a utilizar
devem ser objecto de uma escolha sustentada e crítica. O contexto inicial é
determinante na opção específica das estratégias a aplicar. Apesar de
coexistirem por vezes o método indutivo e dedutivo (Arends, 2008) o que a
investigação aponta é para um maior sucesso na aprendizagem quando o
ensino indutivo prevalece (Bay et al, 1992; Abrantes, 2000; Bybee, 2006;
Valadares, 2001 e 2006) .
Uma estratégia sugerida por Bybee (2006), Wilder & Shuttleworth (2005) e
aplicada por Cunha (2009) é a estratégia dos 5E: Engagement - motivar,
Exploration - explorar, Explanation - explicar, Elaboration - ampliar e
Evaluation – avaliar. Este modelo conduz os estudantes através de uma
sequência de aprendizagem intencional e consequente. Em que os alunos
começam por ser motivados para um assunto ou situação, reais ou
próximas, que estes exploram e para as quais procuram encontrar e
apresentar explicações, ampliando a sua aprendizagem e avaliando o seu
trabalho. Este modelo permite aos professores conhecer as concepções
prévias dos alunos, sobre os assuntos abordados, permitindo uma
adequação das experiências de aprendizagem, com o objectivo de construir
novas ideias e novos conceitos gradualmente (Bybee, 2006).
12
3.5 Com o quê?
A operacionalização e implementação das estratégias planificadas em
situação real carecem que a escola possua os recursos necessários. Uma
planificação que contemple actividades de laboratório sem que o mesmo
esteja devidamente equipado para as tarefas propostas, ou uma actividade
de investigação, como um Webquest por exemplo, sem computadores com
acesso à internet são de todo impraticáveis. Mesmo a utilização de livros ou
revistas, materiais de uso corrente deve ser de todo cuidadosamente
verificada a fim de não haver surpresas desagradáveis que possam
perturbar o desenrolo da aula.
Por vezes os recursos reais da escola não são os ideais, mas a flexibilidade
e capacidade de criação e improvisação dos professores pode reorganizar
os meterias que possui a fim de conseguir realizar o que pretende, nesta
situação é de um valor inestimável a troca de experiências entre os
professores, como colegas e pares que se entreajudam e trocam entre si as
boas práticas e as tarefas de bom resultado (Roldão, 2009; Gaspar e
Roldão, 2007).
13
3.6 Que resultados?
A avaliação é parte integrante do processo ensino-aprendizagem. Nele se
integra nas diferentes fases e tem como papel orientar, regular e certificar as
aprendizagens (Rogiers, 2001). A visão tradicional do ensino tende a separar o
processo da avaliação, mas a legislação preconiza e enfatiza o carácter
formativo da mesma e logo integrado e desenvolvendo-se em simultâneo
(Abrantes, 2000).
Abrantes (2000) enuncia alguns princípios orientadores que podem ajudar a
clarificar o papel da avaliação:
1. Os instrumentos de avaliação devem ser diversificados e ter em atenção
todas as aprendizagens que se pretende desenvolver.
2. O carácter essencialmente formativo da avaliação: positivo, regulador e
facilitador de ultrapassar as dificuldades dos alunos.
3. O rigor é uma exigência da certificação dos conhecimentos adquiridos e
só ele garante o reconhecimento social das aprendizagens.
A avaliação assume assim um papel crucial no objectivo principal da escola:
o sucesso de todos os alunos (Roldão, 2009).
Frequentemente a natureza construtivista das tarefas propostas necessita
de instrumentos de avaliação dinâmicos que permitam um feedback atempado
e que proporcionem as necessárias mudanças, os ajustes e os reforços nos
pontos críticos do processo. São necessários instrumentos de avaliação
simples e eficazes que permitam ao aluno fazer uma reflexão crítica do seu
trabalho e das aprendizagens adquiridas. O trabalho de grupo carece de uma
dupla avaliação: de grupo e individual. A avaliação de grupo tem por fim
certificar as aprendizagens significativamente adquiridas pelo grupo de trabalho
enquanto a individual, para além de certificadora, tem uma função reguladora
do empenho de cada aluno no trabalho colaborativo desenvolvido, neste ponto
é importante para além da heteroavaliação, uma auto-avaliação e uma
avaliação pelos pares (Rogiers, 2001).
14
Este conjunto de instrumentos reguladores permite clarificar e regular o
desenvolvimento do processo em comparação com os objectivos marcados no
início da planificação e avaliados em concordância com os critérios definidos e
aceites (Rogiers, 2001). E permite também os ajustes e esclarecimentos que
se mostrem necessários. Este modelo tem a flexibilidade necessária a uma
relação didáctica em que professor e aluno podem negociar a avaliação num
processo orientador e produtor de discursos consensuais (Alaiz et al., 2003).
Assume assim a avaliação o seu triplo papel – orientador, regulador e
certificador – e é encarada como uma etapa do processo contínuo em que é
simultaneamente o fim de um ciclo e o início do seguinte, abrindo a entrada
para as concepções alternativas no sentido orientador da proposta
consequente.
15
4. Considerações Finais
A revolução industrial veio marcar a mudança do locus de trabalho da família
para a fábrica (Sousa, 2007) esta mudança social e cultural com objectivos
claramente económicos caracterizou a modernidade (Sousa, 2007). No final do
século XX assiste-se a uma nova mudança: a escola para todos, instituída à luz
das necessidades de produção tecnológica da indústria, começa a ser
substituída por uma escola democrática. Esta escola democrática demarca-se
de um ensino “para todos” – em que se entendia que ensinados da mesma
maneira os alunos aprenderiam da mesma maneira – e cria-se um ensino onde
todos podem aprender. No século XIX o currículo criou-se uniforme tendo em
vista a instrução do “aluno médio” - definido à luz da cultura Europeia: europeu,
caucasiano, de classe média, cristão, do sexo masculino e heterossexual
(Gonçalves & Silva, 2005). No século XX tudo muda, todas as crianças devem
frequentar a escola (Arends, 2008), estas crianças trazem consigo uma
variedade cultural que deriva da mobilidade emigrante e da reorganização das
sociedades pós-modernas. Isto veio trazer para a escola uma população
diversificada em cultura, talentos e necessidades (Arends, 2008). Esta escola
democrática, de equidade nas oportunidades, emergente e necessária ainda
não é uma plena realidade nestes primeiros anos do século XXI, há escolas
cuja população não tem acesso a matérias didácticos nem a computadores. É,
no actual contexto social, impensável uma escola que ficar excluída da
sociedade do conhecimento por não ter acesso às TIC, mas tanto no contexto
americano (Arends, 2008) como no europeu (Carneiro, 2001) essa ainda é uma
realidade.
No contexto americano a questão étnica ligada à emigração é um factor
socializante e a escola deve ter em conta a diversidade cultural que esse facto
acarreta e assumir um papel mediador do encontro das culturas. Outra grande
novidade na escola inclusiva são as necessidades educativas especiais, por
vezes reduzidas às deficiências físicas mas que vão muito além se
considerarmos os skills individuais e as necessidades e aspirações de cada
aluno (Arends, 2008). Dar resposta a esta diversidade cultural dentro da sala
de aula exige uma preparação do professor que vai para além dos
conhecimentos científicos necessários para desempenhar as suas funções
(Roldão, 2007). A Europa que necessita urgentemente de se assumir na sua
diversidade cultural afim de preservar a sua identidade (Carneiro, 2001), tem
de largar o “pesadelo das suas angústias” e transformar-se num nova europa.
Sonhamos com uma escola europeia naturalmente intercultural e aberta à
miscigenação. Um projecto educativo que faz do encontro de culturas o seu
ponto de apoio e que elege o diálogo entre diferentes como método
fundamental (Carneiro, 2001). Fica assim claro o papel da escola que tem de ir
16
além da sua estatutária obrigação de ensinar para edificar a Europa da
Multicultura, onde impera o respeito pelo outro, pela diferença e onde se
valoriza a semelhança do outro, entendendo-se esta semelhança na diferença
que nos torna indivíduos e não na igualdade que faria de nós uns clones
(Carneiro, 2001).
Outra grande herança que recebemos do modelo clássico de ensino é o efeito
de Pigmalião, ou de “profecia auto-realizável” (Arends, 2008) em que as
espectativas dos professores influenciam grandemente os comportamentos dos
alunos. Este efeito está ainda muito sustentado no modelo transmissivo das
grandes narrativas que caracterizaram a modernidade (Fernandes, 2000), em
que o bom aluno era o que captava e reproduzia o que lhe era transmitido.
Hoje, as mudanças sociais e tecnológicas, a imediata informação, as redes
sociais dotam os alunos de conhecimentos prévios que muitas vezes não se
enquadram no modelo tradicional mas que podem ser mobilizados para um
processo de ensino aprendizagem muito mais eficaz, com relações
contextualizadas que ajudarão o aluno a formar-se como cidadão participativo,
cooperante, activo e responsável (Fernandes, 2000). O afastamento do modelo
lógico-racional de Tyler vem permitir o reconhecimento pela escola, e pelos
professore, de uma diversidade de inteligências – as inteligências múltiplas –
que foram marginalizadas no ensino clássico mas que no currículo actual
servem de motor à construção de conhecimento.
Com a ruptura do modelo tradicional linear e racional de “objectivos, acções
resultados” uma nova perspectiva de planificação do processo de ensino se
torna necessária. Surge um modelo não linear que se inicia com acções das
quais se retiram resultados e esses resultados são comparados com os
objectivos prévios (Arends, 2008), esta planificação mais dinâmica admite erros
e sucessivas tentativas para completar o processo, defensores deste modelo
não vêem a acção como condicionada a um objectivo mas sim como veículo de
acesso ao conhecimento previamente planificado. Neste processo a
planificação pré-acção tem de contemplar a premissa fundamental da corrente
construtivista e considerar que a acção está condicionada à relação que o
aluno vai estabelecer entre o fenómeno observado e os seus conhecimentos
prévios (Valadares, 2006).
Conclui-se, então, que a planificação será muito mais que uma grelha de duas
entradas que se coloca num dossier no início do ano e não mais se mexe. E
nem sequer será comum uma planificação ser igual para duas turmas
diferentes, mesmo dentro da mesma escola o contexto da turma pode ser
muito variável, a existência de alunos com necessidades educativas especiais
pode ser um factor decisivo na escolha das estratégias a aplicar.
17
Quando se diz que a planificação é viva, dentro da gestão do currículo
entendido como um projecto (Roldão, 2009) recorda-se a necessidade de
avaliar para a regulação do processo.
Num ensino focado na aquisição de conceitos, a utilização de um manual, de
mnemónicas, a realização de demonstrações em laboratório eram planificadas
de forma estanque. Como se ensinava os mesmos conteúdos, da mesma
maneira e utilizando os mesmos recursos materiais a planificação era, também
ela, transmissível. Chegava-se mesmo a fotocopiar a direito e a colocar no
dossier. Nada mudava, os conceitos, as teorias e as leis científicas eram
verdadeiras, universais e demonstráveis. Com a chegada das teorias
construtivistas o foco muda gradualmente afastando-se dos conteúdos e
aproximando-se do aluno. E o aluno muda todos os anos, e por vezes muda ao
longo do ano. E o aluno da geração TIC é naturalmente informado, crítico e
gosta de desafios. A estratégia dos 5E, por exemplo, dinamiza a turma numa
sequência que motiva, explora, e permite explicar o sucedido, expandir o
conhecimento relacionando os conhecimentos prévio com as experiências
realizados e elevando o processo a um nível metacognitivo (Arends, 2008).
Como professor planifico, rearranjo, improviso, adapto todos os dias, mas a
planificação que coloco em papel no dossier do departamento não sofreu
grandes variações nos últimos anos. Abordar o tema da planificação, e tê-lo
trabalhado nesta unidade curricular com uma colega com um perfil muito
diferente do meu, permitiu-me reavaliar a minha postura perante o documento.
Apercebi-me que muitas das estratégias que fui aplicando por instinto não
estão registadas em lado nenhum. Fazem parte de uma planificação mental
prévia que realizo e onde marco os objectivos e de seguida ajusto as tarefas de
sala de aula no sentido desejado, por vezes sou surpreendido por abordagens
diferentes das que havia previsto e de imediato se reconstrói a aula no sentido
de tornar mais significativas as aprendizagens que naturalmente emergem.
Consciencializei-me que estou a precisar de registar algumas das minhas
práticas, recolher instrumentos que vou usando ocasionalmente e sistematizar
a sua utilização. Como alguém disse planificar é muito mais que por umas
ideias no papel, mas se se forem colocando as ideias no papel tudo fará mais
sentido quando avaliado.
18
Referências Bibliográficas
ABRANTES, P. (2000) Princípios sobre currículo e avaliação. In Proposta de
reorganização curricular do ensino básico. (documento de trabalho). Lisboa.
ME – Departamento de Educação Básica.
ALAIZ, V., Góis, E.; Gonçalves, C. (2003). Auto-avaliação de escolas: pensar e
pratica. Maia: Edições ASA.
ARENDS, Richard (2008). Aprender a Ensinar. McGraw-Hill
AUSUBEL, D., Novak, J., Hanesian, H. (1980). Psicologia Educacional. Rio de
Janeiro: Editora Interamericana
BAY, M., Staver, J. R., Bryan, T. and Hale, J. B. (1992), Science instruction for
the mildly handicapped: Direct instruction versus discovery teaching. Journal
of Research in Science Teaching, 29: 555–570. doi:
10.1002/tea.3660290605
BYBEE, R. (2006). Enhancing science teaching and student learning: A BSCS
perspective. Boosting Science Learning – what will it take?
CACHAPUZ, A.; Praia, J.; Jorge, M. (2002). Ciência, Educação em Ciência e
Ensino dasCiências. Lisboa: Editorial do Ministério da Educação.
CARNEIRO, Roberto (2001) Fundamentos da Educação e da Aprendizagem:
21 ensaios para o século 21. Fundação Manuel Leão. Lisboa
CUNHA, M. João (2009). A Actividade de Investigação no Ensino da Química:
Um estudo com alunos do 8º ano de escolaridade. Tese de mestrado não
19
publicada. Universidade de Lisboa, Departamento de Educação da
Faculdade de Ciências, Lisboa.
FERNANDES, Margarida Ramires (2000). Mudança e Inovação na Pós-
Modernidade Perspectivas curriculares. Porto: Porto Editora
GALVÃO, C. (Coord.) (2001). Ciências Físicas e Naturais. Orientações
curriculares para o 3º ciclo do ensino básico. Lisboa: Ministério da
Educação, Departamento da Educação Básica.
GASPAR, M. I. & Roldão. M. C. (2007) Elementos do Desenvolvimento
Curricular. Lisboa: Universidade Aberta.
GONÇALVES, Luciane Ribeiro Dias; SILVA, Maria Vieira da (2005). A questão
do negro e políticas públicas de educação multicultural: avanços e
limitações. 28ª Reunião anual da ANPED, Caxambu, 2005.
LIMA, A.V., & Guerra, J. (2004). Degradação ambiental, representações e
novos valores ecológicos. In J.F. Almeida (Ed.), Os portugueses e o
ambiente (pp.7-64). Oeiras: Celta.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO – Departamento de Educação Básica (2004).
Currículo Nacional do Ensino Básico, Competências Essenciais. Lisboa:
Editorial do Ministério da Educação.
PEREIRA, A. (2002). Educação para a Ciência. Lisboa: Universidade Aberta.
PONTE, J. P. (2005). Gestão curricular em Matemática. In GTI (Ed.), O
professor e o desenvolvimento curricular (pp. 11-34). Lisboa: APM.
ROGIERS, X. (2001). Une Pedagogie de l’ Integracion. De Boeck, Bruxelles
20
ROLDÃO, M. C. (2009). Estratégias de Ensino – o saber e o agir do professor.
Fundação Manuel Leitão. Vila Nova de Gaia.
ROLDÃO, Maria do Céu (2007). Função docente: natureza e construção do
conhecimento profissional. In Revista Brasileira de Educação. Vol. 12, nº 34.
Rio de Janeiro
SOUSA, J. M. (2007). A inadequação da escola num cenário de transição
paradigmática. In J. M. SOUSA & C. N. FINO (Org.). A escola sob suspeita.
(pp. 15-29). Porto: Edições ASA.
VALADARES, J. (2001). Estratégias Construtivistas e Investigativas no Ensino
das Ciências. Conferência proferida no Encontro «O Ensino das Ciências no
Âmbito dos Novos Programas», na Faculdade de Engenharia da
Universidade do Porto.
VALADARES, J. (2006). Fundamentação epistemológica da Teoria da
Aprendizagem Significativa. Lisboa. Universidade Aberta de Portugal
WILDER, M., & Shuttleworth, P. (2005). Cell Inquiry: A 5E learning cycle lesson.
Science Activities, 41(4), 37-43.
Top Related