OS OLHOS DA GAROTA RUIVA
Por V. S. Nascimento
Havia no reino do Céu Cinzento uma menina com os cabelos escuros e olhos
cor de ébano. Ela era muito sorridente e sempre estava acompanhada de seu
melhor amigo que possuía olhos de cores vivas que sempre mudavam, e
cabelos muitíssimos curtos.
Naquele mesmo reino existia, pedalando sempre sua bicicleta pelas ruas, um
menino de cabelos loiros e olhos muito verdes. Ele usava seus olhos sempre
com muita intensidade, principalmente quando falava de sua amiga especial,
uma menina com cabelos vermelhos, como grandes labaredas de fogo.
A menina de cabelos escuros não conhecia o menino de cabelos loiros. Mas
um dia, em uma pequena sala de aula de uma das maiores universidades do
reino, eles souberam da existência um do outro. Como reconheceram um
grande amor recíproco pela música, a menina decidiu perguntar:
- Vamos caminhar juntos?
- Sim! – ele respondeu quase que imediatamente e sorrindo abertamente.
E durante muitos dias eles caminharam juntos, riram até seus risos soarem na
mesma freqüência, se olharam até se reconhecerem perfeitamente. Ela contou
alguns segredos, e ele falou sobre todas as coisas que sabia sobre o mundo.
Fizeram planos sobre andar de balão, plantar uma árvore e dar-lhe um nome
de cão. Ir a um parque de diversões no inverno, escreverem um livro com
muitos desenhos, viajar para a praia nas férias, ficar uma semana sem dormir,
e dezenas de outras coisas.
Mas um dia, o menino chegou com seus olhos muito apagados, com um verde
desbotado, e a menina logo perguntou:
- O que foi meu amigo?
- Nada. Quer dizer... eu estou triste. Minha grande amiga foi embora para um
outro reino, sentirei muita falta dela. Gostava muito da cor de seus cabelos, é
raro encontrar meninas com cabelos como aqueles.
- Sinto muito por isto – a menina tentou ser solidária – nunca me disseste como
eram os olhos dela, eram belos?
- Nunca disse, e nunca saberei dizer. Uma vez em minha mente tentei
descrevê-los, mas meu vocabulário esgotou-se mesmo antes de começar a
tentar. Eram de uma beleza admirável e que sempre me forçavam a olhá-los
mais, para não me esquecer de sua raridade.
A menina de cabelos escuros não sabia o que dizer, mas fraternalmente o
abraçou, e disse que logo sua tristeza iria passar.
Mas sua tristeza não passou logo. A cada dia o menino parecia mais
desanimado. Andar de bicicleta não o fazia mais sorrir, nem a menina lhe
arrancava gargalhadas. E ele foi deixando de caminhar com ela. A menina de
cabelos escuros não compreendia aquele afastamento, e passou a pensar
sobre o caso.
Pensou durante dias, pediu às estrelas que a menina ruiva voltasse para
aquele reino, ou que por misericórdia a natureza tivesse forjado olhos como
aqueles em outra pequena, e que esta caminhasse com seu amigo, para
acalmar seu coração.
Um dia, finalmente ele a procurou:
- Minha amiga, eu preciso partir. Tenho que viajar ao encontro daqueles olhos,
pois nenhum dia tem mais sabor, sem eles.
- Eu sei disto – ela disse frente à solução dolorosa, e começou a chorar.
- Por que está chorando?
- Pois eu sabia que teria de partir um dia. Mas não posso deixar de sofrer um
pouco por sua ausência.
- Mas foi você quem primeiro me convidou para que caminhássemos juntos!
- É verdade, mas não me arrependo de nenhum minuto.
Eles se despediram, ele virou as costas e partiu. A última vez que o menino de
cabelos loiros a viu, ela estava distraída pedalando uma bicicleta toda azul, não
parecia triste, mas suspirou brevemente enquanto ia desaparecendo em uma
esquina qualquer.