Os olhos da garota ruiva

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OS OLHOS DA GAROTA RUIVA Por V. S. Nascimento Havia no reino do Céu Cinzento uma menina com os cabelos escuros e olhos cor de ébano. Ela era muito sorridente e sempre estava acompanhada de seu melhor amigo que possuía olhos de cores vivas que sempre mudavam, e cabelos muitíssimos curtos. Naquele mesmo reino existia, pedalando sempre sua bicicleta pelas ruas, um menino de cabelos loiros e olhos muito verdes. Ele usava seus olhos sempre com muita intensidade, principalmente quando falava de sua amiga especial, uma menina com cabelos vermelhos, como grandes labaredas de fogo. A menina de cabelos escuros não conhecia o menino de cabelos loiros. Mas um dia, em uma pequena sala de aula de uma das maiores universidades do reino, eles souberam da existência um do outro. Como reconheceram um grande amor recíproco pela música, a menina decidiu perguntar: - Vamos caminhar juntos? - Sim! – ele respondeu quase que imediatamente e sorrindo abertamente. E durante muitos dias eles caminharam juntos, riram até seus risos soarem na mesma freqüência, se olharam até se reconhecerem perfeitamente. Ela contou alguns segredos, e ele falou sobre todas as coisas que sabia sobre o mundo. Fizeram planos sobre andar de balão, plantar uma árvore e dar-lhe um nome de cão. Ir a um parque de diversões no

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OS OLHOS DA GAROTA RUIVA Por V. S. Nascimento Eles se despediram, ele virou as costas e partiu. A última vez que o menino de cabelos loiros a viu, ela estava distraída pedalando uma bicicleta toda azul, não parecia triste, mas suspirou brevemente enquanto ia desaparecendo em uma esquina qualquer.

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OS OLHOS DA GAROTA RUIVA

Por V. S. Nascimento

Havia no reino do Céu Cinzento uma menina com os cabelos escuros e olhos

cor de ébano. Ela era muito sorridente e sempre estava acompanhada de seu

melhor amigo que possuía olhos de cores vivas que sempre mudavam, e

cabelos muitíssimos curtos.

Naquele mesmo reino existia, pedalando sempre sua bicicleta pelas ruas, um

menino de cabelos loiros e olhos muito verdes. Ele usava seus olhos sempre

com muita intensidade, principalmente quando falava de sua amiga especial,

uma menina com cabelos vermelhos, como grandes labaredas de fogo.

A menina de cabelos escuros não conhecia o menino de cabelos loiros. Mas

um dia, em uma pequena sala de aula de uma das maiores universidades do

reino, eles souberam da existência um do outro. Como reconheceram um

grande amor recíproco pela música, a menina decidiu perguntar:

- Vamos caminhar juntos?

- Sim! – ele respondeu quase que imediatamente e sorrindo abertamente.

E durante muitos dias eles caminharam juntos, riram até seus risos soarem na

mesma freqüência, se olharam até se reconhecerem perfeitamente. Ela contou

alguns segredos, e ele falou sobre todas as coisas que sabia sobre o mundo.

Fizeram planos sobre andar de balão, plantar uma árvore e dar-lhe um nome

de cão. Ir a um parque de diversões no inverno, escreverem um livro com

muitos desenhos, viajar para a praia nas férias, ficar uma semana sem dormir,

e dezenas de outras coisas.

Mas um dia, o menino chegou com seus olhos muito apagados, com um verde

desbotado, e a menina logo perguntou:

- O que foi meu amigo?

- Nada. Quer dizer... eu estou triste. Minha grande amiga foi embora para um

outro reino, sentirei muita falta dela. Gostava muito da cor de seus cabelos, é

raro encontrar meninas com cabelos como aqueles.

- Sinto muito por isto – a menina tentou ser solidária – nunca me disseste como

eram os olhos dela, eram belos?

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- Nunca disse, e nunca saberei dizer. Uma vez em minha mente tentei

descrevê-los, mas meu vocabulário esgotou-se mesmo antes de começar a

tentar. Eram de uma beleza admirável e que sempre me forçavam a olhá-los

mais, para não me esquecer de sua raridade.

A menina de cabelos escuros não sabia o que dizer, mas fraternalmente o

abraçou, e disse que logo sua tristeza iria passar.

Mas sua tristeza não passou logo. A cada dia o menino parecia mais

desanimado. Andar de bicicleta não o fazia mais sorrir, nem a menina lhe

arrancava gargalhadas. E ele foi deixando de caminhar com ela. A menina de

cabelos escuros não compreendia aquele afastamento, e passou a pensar

sobre o caso.

Pensou durante dias, pediu às estrelas que a menina ruiva voltasse para

aquele reino, ou que por misericórdia a natureza tivesse forjado olhos como

aqueles em outra pequena, e que esta caminhasse com seu amigo, para

acalmar seu coração.

Um dia, finalmente ele a procurou:

- Minha amiga, eu preciso partir. Tenho que viajar ao encontro daqueles olhos,

pois nenhum dia tem mais sabor, sem eles.

- Eu sei disto – ela disse frente à solução dolorosa, e começou a chorar.

- Por que está chorando?

- Pois eu sabia que teria de partir um dia. Mas não posso deixar de sofrer um

pouco por sua ausência.

- Mas foi você quem primeiro me convidou para que caminhássemos juntos!

- É verdade, mas não me arrependo de nenhum minuto.

Eles se despediram, ele virou as costas e partiu. A última vez que o menino de

cabelos loiros a viu, ela estava distraída pedalando uma bicicleta toda azul, não

parecia triste, mas suspirou brevemente enquanto ia desaparecendo em uma

esquina qualquer.