MILHO PRODUZ HORMÔNIO DE CRESCIMENTO
UMA PUBLICA~ÃO MENIAL DA fUNDA~ÃO DE AMPARO À PEIQUIIA DO EITADO DE IÃO PAULO
NOVOS CILINDROS DEAÇOP~ AS SIDERURGICAS
O presidencialismo de
11 A Internet 2, a mais avançada e rápida comunicação entre computadores, começa a operar em São Paulo para a comunidade científica. Chamada de Advanced ANSP, a nova rede foi inaugurada pelo governador Mário Covas
20 Pesquisadores da Unicamp desenvolvem processo que permite a produção de hormônio de crescimento em sementes de milho
Capa: Hélio de Almeida, sobre
foto de Ricardo Azoury/Pulsar
24 O comportamento e os hábitos alimel}tares
de um grupo de macacos-prego, vivendo em liberdade na mata Atlântica, foi objeto de estudo
da bióloga Patrícia Izar, da PUC-SP. Graciosos e inteligentes, esses macacos se mostraram também
excelentes dispersares de sementes
EDITORIAL 5 MEMORIAS 6
OPINIÃO 7
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLOGICA 8 CIÊNCIA 20 TECNOLOGIA 34 HUMANIDADES 40 LIVROS 48 LANÇAMENTOS 49 ARTE FINAL 50
34 A parceria entre a USP, o IPT e a Villares resultou na confecção de cilindros de aço mais resistentes e eficazes para a indústria siderúrgica. Com eles, é possível fabricar chapas de aço com maior produtividade e qualidade
40 Projeto temático reúne pesquisadores da Unicamp, USP e Cebrap e faz uma análise do atual sistema presidencialista brasileiro. O estudo mostra que ele tem mais virtudes que defeitos
44 O Projeto Cinema nos anos 90 traça um panorama da produção cinematográfica brasileira dos últimos quatro anos
PESQUISA FAPESP · DEZEMBRO DE 1999 • 3
PESQUISA FAPESP É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL
DA FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO
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PROE DR. PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO VICE-PRESIDENTE
PROE DR.ADILSON AVANSI DE ABREU PROE DR.ALAIN FLORENT STEMPFER
PROE DR. ANTÔNIO MANOEL DOS SANTOS SILVA PROE DR. CELSO DE BARROS GOMES
DR. FERNANDO VASCO LEÇA DO NASCIMENTO PROE DR. FLÃ VIO FAVA DE MORAES
PROE DR. JOSÉ JOBSON DE A. ARRUDA PROE DR. MAURÍCIO PRATES DE CAMPOS FILHO
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EDITORA CHEFE MARILUCE MOURA
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EDITO R DE A RTE HÉLIO DE ALMEIDA
EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CIÊNCIA) CARLOS HAAG (HUMANIDADES)
MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA) MÁRIO LEITE FERNANDES (TEXTO)
DIAGRAMAÇÃO E PRODUÇÃO GRÁFICA T ÃNIA MARIA DOS SANTOS
COLABORADORES ANA MARIA FlORI
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ECONÔMICO
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4 • DEZEMBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP
Jornalismo científico
Li com grande interesse os artigos ''A lenta conquista do espaço na imprensa" e "A formação de jornalistas científicos no Brasil", no especial Jornalismo Científico. As autoras conseguiram traçar um retrato fiel e completo dos esforços que vêm sendo feitos para divulgar ciência no país. Mas gostaria de destacar que, entre as iniciativas para formar profissionais na área, ficou faltando uma: desde 1998, o Projeto Ciência Hoje mantém um programa de estágio em divulgação científica junto com a FAPERJ. No primeiro ano do convênio, foram selecionados dois estudantes de comunicação da UFRJ. Esse número foi ampliado para cinco, em 1999. O objetivo do programa de estágio é ampliar o número de profissionais habilitados a transmitir conceitos científicos de forma simples e adequada para o público geral. Todos os estagiários passam durante um ano pelos diferentes meios do Projeto Ciência Hoje (revistas Ciência Hoje e Ciência Hoje das Crianças e a página virtual CH on line) para se familiarizar com as diferentes linguagens e enriquecer ainda mais súa formação profissional.
ALíCIA ! VAN ISSEV ICH
Editora executiva da Revista Ciência Hoje
Rio de Janeiro, RJ
Qualidade da revista
Somente agora tomei conhecimento dessa importante revista. A qualidade técnica está de alto nível, com excelente diagramação; a qualidade da impressão esta compatível com o que há de melhor no setor. O conteúdo foi muito bem explorado, principalmente o encarte do número 47 que, brilhantemente, discorreu sobre o Jornalismo Científico. Enfim, foi bom ter conhecido esse importante veículo, mais uma fonte de informações com que este setor poderá contar pa-
ra repassá-las àqueles interessados que nos consultam de vez em quando sobre as áreas abordadas.
Colocamo-nos à disposição dos editores para quaisquer assuntos relacionados à nossa Universidade, pois aqui temos os Centros de Ciências Agrárias, Humanas, Letras e Artes, Exatas e Tecnológicas e o da Saúde. Parabéns a todos e continuem assim.
ED ILSON CAM ILO M ENDES
Coordenadoria de Comunicação Social da Universidade Federal de Viçosa
Vi çosa-MG
Cobertura abrangente
Tenho recebido mensalmente a revista Pesquisa FAPESP aqui no Departamento de Fisiologia vegetal. Esta revista tem altíssimo nível e trata de todos os assuntos das áreas de ciência de uma maneira ao mesmo tempo profunda e didática.
SI MONE L. KIRSZENZAFT SH EPH ERD
Professora Assistente do Departamento de Fisiologia Vegetal
Instituto de Biologia - Unicamp
Pesquisa de rádio
Primeiramente, gostaria de parabenizá-los pela brilhante publicação da revista Notícias FAPESP. Estou matriculado no programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação -FAAC/Unesp/Bauru, e estou pesquisando as rádios comunitárias. Gostaria de obter informações sobre outros pesquisadores dessa área. Em março estaremos estreando um programa radiofônico na Rádio Universitária Unesp FM 105,7 MHz chamado: "Ciências sem limites" e gostaríamos de receber e poder divulgar os assuntos em destaque.
) OÃO M ORETTI ) R
Assessoria de Imprensa - Faculdade de Ciências - Un esp/Bauru
Fone/Fax: (Oxx l4) 221 -60.02 www.bauru.unesp.br
EDITORIAL
Um campo abrangente para leitura e reflexão
Da ciência política à genética, da siderurgia ao cinema
knatéria de capa desta edição de Pesquisa FAPESP, a última de 1999, traz os primeios resultados de uma pesquisa financiada
por esta Fundação sobre o sistema presidencialista, tema que volta, neste momento, ao debate político nacional, confrontado com seu opositor direta, o sistema parlamentarista.
O estudo, de caráter científico, coordenado por pesquisadores de reconhecida competência em seu campo de conhecimento, com-para características do atual presi-dencialismo brasileiro com aquele vigente entre 1946 e 1964. Mostra,
nho para a fabricação, em larga escala e a custo reduzido, de um composto químico de enorme interesse médico. O hormônio é fundamental, por exemplo, no tratamento de crianças com nanismo e outros problemas de crescimento. Trata-se, como se pode perceber, de uma pesquisa de múltiplos significados, e se novos testes confirmarem os resultados já obtidos, ela representa um reforço substancial para a posição brasileira numa área
recente da pesquisa internacional em biotecnologia que vem sendo denominada Molecular Farming.
Outra matéria de destaque nescom rigor, problemas e virtudes do sistema de hoje. Examina criteriosamente o grau de governabilidade que o presidencialismo possibilita no Brasil contemporâneo. E ao fornecer essas e muitas outras informações, oferece para reflexão e uso da sociedade, como é próprio das pesquisas científicas, abundante material novo retirado - ou decifrado -, com método, de uma realidade que antes se apresentava revestida
" Esse estudo ta edição de Pesquisa FAPESP refere-se à parceria estabelecida entre a Aços Villares- maior fabricante nacional de cilindros de laminação -, a USP e o IPT, para o desenvolvimento de cilindros mais resistentes e eficazes para a indústria siderúrgica. As peças envolvidas no projeto, financiado parcialmente pela FAPESP no âmbito do Programa de Parceria para Inovação Tecnológica-
mostra
problemas e
virtudes do
presidencialismo
de hoje"
por certo grau de opacidade. Os resultados desse estudo são,
portanto, uma contribuição cientí-fica, acadêmica, ao debate político sobre sistema de governo na democracia brasileira, que interessa a toda a sociedade. Ao publicar matéria sobre o projeto, Pesquisa FAPESP continua a cumprir sua função essencial de apresentar à opinião pública resultados de pesquisas financiadas, por esta Fundação, com recursos do contribuinte. Permanece ao largo de tendências diversas que, no campo político, permeiam o debate sobre presidencialismo versus parlamentarismo.
Esta edição traz também os resultados preliminares de uma importante pesquisa para produção do hormônio de crescimento humano a partir de sementes de milho geneticamente modificadas. O hGH (sigla do inglês human Groth Hormone) assim obtido por uma equipe de pesquisadores da Unicamp, e até aqui idêntico em tudo àquele produzido pelo próprio corpo humano, poderá abrir cami-
PITE, são os chamados cilindros de • trabalho para laminadores de tiras a quente, que recebem chapas de aço em temperaturas superiores a
1.000° C. No mercado mundial, esse tipo específico de cilindros é responsável pela geração de 25% da receita resultante das vendas totais de cilindros de laminação para a indústria siderúrgica. A Villares já fabricava a linha em questão, mas precisava aperfeiçoá-la para acompanhar os avanços tecnológicos que nos últimos lO anos vêm sendo agregados a esse tipo de produto no mercado internacional e enfrentar a competição feroz que se registra no setor.
Pesquisa FAPESP traz ainda, nesta edição, matéria sobre o começo da Internet 2 em São Paulo, com a inauguração da rede Advanced ANSP, traz os resultados do projeto Cinema nos anos 90, que dá conta da retomada da produção cinematográfica brasileira nos últimos quatro anos, e conta as aventuras e desventuras de uma pesquisa realizada para estudar o comportamento de macacosprego em liberdade. Entre muitas outras coisas.
PESQUISA FAPESP • DEZEMBRO DE 1999 • 5
Damy (ao fundo), Jânio e Juscelino: inauguração do R I , ainda em funcionamento
O primeiro reator nuclear do Brasil Em instantes, o presidente Juscelino Kubitschek (sentado) moveria a alavanca para pôr em operação o reatar nuclear IEA-R1, o primeiro da América do Sul. A seu lado se encontram o governador do Estado de São Paulo, Jânio Quadros, e o físico Marcello Damy de Souza Santos, diretor do Instituto de Energia Atômica, hoje Instituto de Pesquisas Energéticas e Espaciais (Ipen). A data: 28 de janeiro de 1958. O R1 continua em operação: produz radioisótopos para uso médico e fundamenta pesquisas em Física Nuclear.
Da Bahia ao Rio, a epopéia do meteorito Bendengó O meteorito Bendengó, o maior do Brasil e durante séculos o maior do mundo (hoje na 15a posição), repousa desde 1888 no Museu Nacional do Rio de Janeiro- onde chegou depois de enfrentar uma série de peripécias. Foi encontrado em 1784 próximo ao rio Vaza-Barris, na cidade de Monte Santo, na Bahia, com 2,15 metros de comprimento por 1,5 metro de largura. Pesava 5.360 kg.
Real Sociedade de Londres descobriram que se tratava de um meteorito de ferro e níquel. Em 1886, o imperador D. Pedro II recebeu em Paris um grupo da Academia de Ciências, que lhe pediu para remover o meteorito para um museu. De volta ao Brasil, D. Pedro II pediu a um engenheiro da Marinha, José Carlos de Carvalho,
Levá-lo ao Rio foi .~ r-~----.----.-:;-7r~~~:;;;r::::-.:R~
uma aventura. Na L' :J o
primeira tentativa, ~ em 1785, o eixo do s carretão em que fora ~ colocado, com 12 o
"" juntas de bois, pegou ~ fogo ao descer ~
C§
de uma colina. Pior: o § -o carretão não tinha freios e a rocha rolou para o leito do riacho Bendengó, afluente do Vaza-Barris. Em 1810, peritos da
~
6 • DEZEMBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP
que organizasse uma expedição para levar o meteori to ao Rio. Em 1887, a equipe de engenheiros retirou a rocha do rio e a pôs sobre um carretão de ferro, que se deslocava sobre dormentes. Tarefa árdua: em 126 dias, percorreram 118 km (900 metros por dia) de riachos e colinas. O Bendegó caiu seis vezes do carretão, cujo eixo partiu quatro
vezes até chegarem à estação ferroviária de Jacurici e, dois meses depois, ao Rio.
Bahia, setembro
de 1887: o meteorito com mais de cinco
toneladas é suspendido
no riacho Bendengó
OPINIÃO
JOÃO CARLOS DE SOU ZA MEIRELLES
O agronegócio e os homens da pesquisa Somente expandindo-o, o Brasil voltará a crescer com consistência
O melhor do fracasso da assembléia da Organização Mundial do Comércio, que terminou inconclusiva, no último mês de 1999
- em meio a inesperadas e violentas manifestações de rua e à muito previsível nova demonstração de arrogância dos países mais ricos - foi ter colocado em pauta a importância do agronegócio para a imensa maioria dos países.
Quem, do ponto de vista do Brasil, analisa friamente o que ocorreu antes, duran-te e depois dessa reunião de repre-sentantes de 134 países percebe ter soado, afinal, o derradeiro sinal da
todos os setores da atividade económica, a partir da pesquisa, traduzida para o trabalhador mais simples de modo a resultar em ferramenta operacional, capaz de resultar em produtos de alta qualidade, e de qualidade certificada, destinada aos mercados mais exigentes, o interno e o externo.
Basta fazer algumas contas para entender oraciocínio: 40% das exportações brasileiras são de produtos do agronegócio, que em 1998 somaram
US$ 20,3 bilhões dos US$ 51 bilhões do total exportado pelo Brasil, garantindo uma balança comercial do setor superavitária em US$ 10,4 bilhões.
alerta para a necessária revisão da política de desenvolvimento económico, que resolva, definitivamente, os problemas estruturais e conjunturais do desemprego e de seu corolário, a fome.
Está aí, para quem quiser ver: só expandindo o agronegócio e a exportação de seus produtos o Brasil voltará a crescer com consistência. Tome-se o agro negócio no seu conceito mais justo, que é processo e produto
"A pesquisa
deve apoiar
a produção,
garantindo-lhe
a cert ificação
da qualidade"
De janeiro a outubro de 1999, o saldo já é de US$ 9,8 bilhões.
Para ampliar sua faixa no mercado mundial, de US$ 5,4 trilhões por ano, o Brasil precisa aperfeiçoar seu comércio e, para isso, deve ser feito um grande chamamento aos homens das ciências. Mais que nunca o pesquisador deve pautarse pela ótica mais moderna da pro·dução, que é a visão do mercado.
da ação integrada dos agentes sociais e económicos incluídos nas cadeias produtivas de origem rural. Nesse sentido, é o agronegócio a única fronteira capaz de gerar trabalho e renda para todos- desde trabalhadores analfabetos a pesquisadores científicos.
É bom repetir que São Paulo, o Estado mais industrializado do país, tem no agronegócio 34% de seu Produto Interno Bruto. Sua produção agropecuária, em valores não agregados, somou R$ 11,3 bilhões em 1998 e, considerando o conjunto do agronegócio, mais que decuplica, passando de R$ 121 bilhões. No Brasil, 17 milhões de pessoas (25% da População Economicamente Ativa) trabalham no campo e produzem 8% do Produto Interno Bruto. Em São Paulo, estão no campo 1 milhão de pessoas; na cadeia do agronegócio, 3 milhões.
O agronegócio é, também, a grande fronteira tecnológica a exigir a participação integrada de
É hora de buscar novos nichos de mercado e aperfeiçoar produtos, conferindo-lhes qualidade certificada, para evitar uma outra
forma de barreira comercial, a das barreiras sanitárias. Exatamente nesse quadro é que se faz necessária atuação mais firme da pesquisa: ela deve apoiar a produção, que já prima pela quantidade, garantindo a certificação da qualidade.
A pesquisa e a inovação tecnológica nos capacitaram a produzir bem e bastante, com qualidade suficiente para vencer qualquer tentativa de barreira sanitária ou fitossanitária. O que o Brasil precisa, agora, é de profissionalismo de mercado, criatividade e percepção da relevância do comércio internacional.
]OÃO CA RLOS DE SOUZA M EIRELLES é secretário de Agri
cultura e Abastecimento do Estado de São Paulo
PESQUISA FAPESP • DEZEMBRO DE 1999 • 7
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
INSTITUIÇÃO
Das idéias à construção concreta FAPESP homenageia personalidades que definiram sua história
Num final de tarde chuvoso, dia 8 de dezembro passado,
mais de uma centena de pessoas reunidas no hall nobre da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo-FAPESP ouviram atentamente breves relatos e alusões a alguns dos mais combativos e significativos momentos da história desta instituição. Natural: tratava-se ali de prestar uma homenagem póstuma a personalidades cujos nomes, independentemente de ações que os tornaram reconhecidos também em outros campos e ambientes, estão profundamente ligados à trajetória da FAPESP. Evocados com certa carga de emo-
Adriano Marchini
< õ ·< v ::>
" ~
• Engenheiro, primeiro diretor
superintendente do Instituto
de Pesquisas Tecnológicas
do Estado de São Paulo (IPT).
Foi um dos principais autores do documento "Ciência e Pesquisa",
peça-chave para sensibilizar
os deputados da Constituinte
de 1947 sobre a necessidade
de uma fundação destinada a
impulsionar a ciência e tecnologia
no Estado de São Paulo.
8 • DEZEMBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP
Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto
Governador do Estado de São
Paulo ( 1959-1963), sancionou em
18 de outubro de 1960 a lei
número 5.918, que instituiu a
FAPESP. Disse: "Se me fosse dado
destacar alguma das realizações
da minha despretensiosa vida
pública, não hesitaria em eleger
a FAPESP como uma
das mais significativas para
o desenvolvimento econômico,
social e cu I tu ral do país".
Antonio Barros de Ulhoa Cintra
• Professor da Faculdade
de Medicina, foi reitor
~
"l ~ < " o v § t;; ]'
'" "l I:
da Universidade de São Paulo
( 1960-1963) e secretário
da Educação e Cultura do Estado
no governo Abreu Sodré.Atuou
na elaboração do primeiro
projeto de lei com o objetivo
de tornar realidade o Artigo 123
da Constituição de 1947. Foi o
primeiro presidente do Conselho
Superior da FAPESP (1961-1973).
ção por diferentes oradores, os nomes trouxeram fatos, experiências e episódios de resistência e luta dos quais os homenageados foram protagonistas, e que ajudaram a moldar o caráter da fundação.
Os homenageados eram Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto, Adriano Marchini, Antonio Barros de Ulhoa Cintra, Jayme Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti, Caio Prado Junior, Florestan Fernandes e André Franco Montoro.
Políticos, pesquisadores ou intelectuais, esses homens, em diferentes momentos e circunstâncias, tiveram atuação decisiva para que a FAPESP, vencendo sempre resistências retrógradas, fosse prevista na Constituição paulista de 1947, se tornasse realidade 13 anos depois, começasse efetivamente a funcionar em 1962 e, mais tarde, visse aperfeiçoadas e ampliadas as bases financeiras
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" ~
Jayme Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti
• Professor da Faculdade de
Medicina da USP, participou dos
Fundos Universitários de Pesquisa
para a Defesa Nacional, criados
para "apoiar a contribuição da
universidade para a vitória das
forças democráticas" na Segunda
Guerra. Fez parte da elaboração
do documento "Ciência
e Pesquisa". Foi o primeiro
diretor-presidente da FAPESP,
no período de 1961 a 1969.
para seu funcionamento eficiente e autônomo, de modo a garantir suporte e estímulo contínuos ao desenvolvimento científico e tecnológico do Estado de São Paulo.
A homenagem naquela tarde de dezembro tinha uma motivação direta: o lançamento, na mesma data, dos livros FAPESP - Uma História de Política Científica e Tecnológica e Para Uma História da FAPESP -Marcos Documentais, resultado de uma extensa pesquisa coordenada pelo professor Shozo Motoyama, diretor do Centro Interunidade de História da Ciência, da USP (ver resenha na edição 48 da revista Pesquisa FAPESP) . Os homenageados têm lugar de destaque entre os mais de cem personagens dessa obra.
Atos de estadistas - Em sua saudação aos familiares dos homenageados, o professor José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP, disse que nesta condição está "há seis anos entrando no prédio da Fundação e, nos quatro anos anteriores entrava como coordenador da área de física, experimentando, a cada dia, a mesma sensação de respeito e admira-
~
o r-ã'
~ ~ 5 ~ ~
Caio Prado Junior
• Historiador, foi deputado pelo Partido Comunista Brasileiro
na Constituinte de 1947. Em 2 de outubro de 1947, a bancada do PCB apresentou o projeto de lei número 248,
propondo a criação da "Fundação Paulista de Pesquisas Científicas".
Sempre se empenhou para evitar
que a legislação desse margem à ingerência política na fundação, que deveria ter autonomia plena.
ção por aqueles que plantaram a semente e construíram esta instituição".
Perez lembrou o papel fundamental do governador Carvalho Pinto na implantação da FAPESP, destacando que "ele acreditou no modelo de fundação proposto e aprovado na lei votada pela Assembléia Legislativa- que previa recursos vinculados à receita tributária do Estado e apoio a pesquisas em todas as áreas do conhecimento- e liberou os recursos para formar o patrimônio inicial desta Fundação".
Reverenciou a memória do governador Franco Montoro, observando que em seu governo (1983-1987) foi sancionada a lei que tornou mensais os repasses financeiros do Tesouro Estadual para a FAPESP, rigorosamente cumprida, desde então, como um compromisso por "todos os governos paulistas".
A idéia do "compromisso político sólido" do governo paulista com a ciência e a tecnologia foi retomada mais adiante pelo Secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, José Aníbal Peres de Pontes, ressaltando que a história da FAPESP é
Florestan Fernandes
• Sociólogo, professor da Universidade de São Paulo,
conselheiro da FAPESP de 1961 a 1963, foi deputado federal pelo
Partido dos Trabalhadores (PT). Na Assembléia Nacional Constituinte de 1988, destacou-se
como autor de emenda
que permite aos Estados destinar parcela da arrecadação de impostos ao fomento ao ensino e à
pesquisa científica e tecnológica.
um dos exemplos nesse sentido. O secretário observou que, das sete personalidades homenageadas, duas governaram o Estado de São Paulo -Carvalho Pinto e Franco Montoro -e tomaram decisões arrojadas que resultaram diretamente na existência e na expansão da FAPESP. "Eles agiram com visão de estadista, assumiram compromissos e os cumpriram", disse.
José Aníbal referiu-se ao aumento do percentual de 0,5% para 1% das receitas tributárias do Estado destinado à FAPESP, que foi definido na Constituição Estadual de 1989, como uma prova de que "a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo teve a sensibilidade de ampliar a generosa dotação do povo paulista para a pesquisa".
O secretário voltou a citar os dois governadores homenageados ao di zer que Carvalho Pinto, criando a Fundação, e Franco Montoro, ampliando as condições para a FAPESP atender às necessidades de novos tempos- separados por um intervalo de quase 30 anos -, "representam uma feliz convergência de iniciativas de homens públicos comprometidos
André Franco Montoro
• Governou o Estado
~
~ ~ o u >;' Q.
de São Paulo de 1983 a 1987.
Apoiou vivamente o projeto que aumentaria de 0,5% para I%
o percentual sobre a arrecadação do ICMS e outros impostos
estaduais destinado às atividades de pesquisa apoiadas pela FAPESP.
Em seu governo, a FAPESP passou a receber recursos na forma de duodécimos, calculados sobre
a arrecadação do mês anterior.
PESQUISA FAPESP · DEZEMBRO DE 1999 • 9
com as tendências dos seus tempos e não apenas com as respostas para questões imediatas".
Vontade política - A visão das personalidades homenageadas, "que já nos anos 40 compreendiam o quanto é importante para uma nação a capacidade de gerar e aplicar conhecimento", foi destacada pelo presidente da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz. "Isso que agora nos parece muito evidente, talvez não fosse assim tão óbvio naquele tempo", disse. Enfatizou que o Estado de São Paulo tem apoiado as atividades de educação, ciência e tecnologia, mesmo em momentos de dificuldades orçamentárias, "o que coloca a FAPESP diante de uma imensa responsabilidade, pois trabalha com recursos do contribuinte e deve manter o compromisso de apoiar atividades que de alguma maneira gerem benefícios para a sociedade".
Carvalho Pinto
Adriano Marchini
O diretor presidente da FAPESP, Francisco Romeu Landi, definiu a Fundação como "uma das instituições paulistas surgidas da convergência de interesses legítimos da sociedade, que expressa uma cultura típica deste Estado, capaz de criar e bancar empreendimentos voltados para a ciência". Landi observou que muitas outras personalidades, além das que estavam sendo homenageadas naquele momento, "merecem gratidão e reconhecimento por terem participado da saga de criação e desenvolvimento da Fundação".
Mais adiante, o pró-reitor de pesquisas da Universidade de São Paulo (USP), Hernan Chaimovich, detendo-se na relação da FAPESP com a comunidade científica do Estado de
I O • DEZEMBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP
Placas para os familiares
Ulhoa C intra
O tributo póstumo a Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto, Adriano Marchini, Antonio Barros de Ulhoa Cintra, Jayme Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti, Caio Prado Junior, Florestan Fernandes e André Franco Montoro reconhece o empenho que tiveram estes políticos, pesquisadores e intelectuais, nos seus respectivos campos de atuação, para criar as condições que levaram o Estado de São Paulo a ter uma liderança forte no desenvolvimento científico e tecnológico nacional, responsável por colocar o Brasil em posição de destaque no Hemisfério Sul.
Jayme Cavalcanti
Caio Prado Junior
São Paulo, lembrou sua própria experiência ao se mudar de seu país, o Chile, para o Brasil, há trinta anos. Ele contava com uma bolsa de pesquisa da FAPESP para trabalhar no laboratório do professor Alberto Carvalho da Silva (ex-diretor presidente da Fundação), na Faculdade de Medicina. "Era um período complexo para este país, o doutor Alberto tinha perdido seus direitos políticos e já não era mais docente da USP. Mas a FAPESP manteve o compromisso, incluindo a liberação de recursos para montar o Laboratório de Enzimologia."
Segundo Chaimovich, este é apenas um exemplo numa história muito mais ampla de apoio à comunidade científica em São Paulo. "Não por acaso a FAPESP é identificada com a
Estiveram presentes na cerimônia de 8 de dezembro familiares de cinco dos homenageados: Maria Thereza Marchini, filha de Adriano Marchini; Regina de Ulhoa Cintra, filha de Antonio Barros de Ulhoa Cintra; Jayme Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti Filho, filho de Jayme Arcoverde de Albuquerque Cavalcanti; Miriam Fernandes, viúva de Florestan Fernandes; Fernando Montoro, filho de André Franco Montoro.
Placas simbolizando a homenagem da FAPESP foram entregues aos familiares pelo diretor administrativo da Fundação, Joaquim José de Camargo Engler.
Florestan Fernandes
Franco Montoro
construção social do conhecimento, do saber, da tecnologia, no Estado de São Paulo, pois foi fundada, como a USP, com base em vontade política que expressava o sentimento de uma sociedade que acredita na criação do conhecimento."
O reitor da USP, Jacques Marcovich, que, preso em outro compromisso, já fora representado pelo pró-reitor de pesquisa, conseguiu chegar à FAPESP antes que a cerimônia fosse encerrada e também dirigiu simpáticas palavras de saudação às personalidades homenageadas e à Fundação.
Um toque final: o clima emocionante da homenagem a personalidades que marcaram a história da FAPESP foi acentuado pela música do Coral da USP. •
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
INFORMÁTICA
A Internet 2 chega a São Paulo Entra em operação a Advanced ANSP, nova e rápida rede acadêmica
Ainternet 2, versão avançada de comunicação por computado
res com muito mais recursos que a Internet atual, chega ao país menos de dois anos depois de sua criação nos Estados Unidos. O lançamento oficial no Estado de São Paulo, um marco para a comunidade científica nacional, aconteceu no último dia 16 de dezembro, com a interligação via rede de várias instituições paulistas, dando início à Advanced ANSP, uma nova rede acadêmica e científica, mais ágil, generosa e rica no quesito transmissão de dados.
O governador Mário Covas abriu o evento, com uma videoconferência transmitida diretamente de sua sala no Palácio dos Bandeirantes e recebida on-line em múltiplos pontos,
dando, assim, uma pequena amostra do potencial da Internet 2.
Estavam, naquele momento, agregados à nova rede, além dos convidados que se encontravam na sala do governador, pesquisadores e outros convidados distribuídos pelos auditórios da FAPESP, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), do Instituto do Coração (Incor-HC) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) - situados em diferentes pontos da cidade de São Paulo -, do Centro de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Prefeitura Municipal de Campinas. A partir de qualquer um desses sete locais conectados à FAPESP, era possível acompanhar a solenidade e uma série de exemplos de uso da Internet 2, em forma de vídeos e conferências a longa distância. Tudo isso tornou-se possível por conta de alta velocidade de transmissão de dados da nova rede, que exibe poten-
cial pelo menos cem vezes maior que o da Internet comum.
Covas inaugurou o sistema dizendo que a Internet 2, "um serviço criado nos Estados Unidos, chega ao Brasil com enorme velocidade e ímpeto". O governador ressaltou o potencial do novo meio para o aprimoramento da tecnologia e elogiou a iniciativa dos que trabalharam para estruturar a nova rede: "Devemos isso à comunidade científica, à FAPESP, à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico e a todos os que estão envolvidos nessa tarefa."
Na apresentação das redes de alta velocidade, José Fernando Per~z, diretor científico da FAPESP, destacou, a partir do auditório da instituição, o papel da Internet 2 como "instrumento poderoso de cooperação': Perez lembrou que a Internet deve ser vista não só como ferramenta, mas também como objeto de pesquisa. "O potencial e o impacto social da Internet, em muitas dimensões de nossas vidas, são incalculáveis", disse. Aprovei-
PESQUISA FAPESP • DEZEMBRO DE 1999 • li
tou para anunciar que a FAPESP deverá lançar proximamente um programa destinado a financiar projetos que se relacionem com a Internet em suas diversas facetas. "Seja no aspecto de criar aplicativos específicos, seja no entender das ciências humanas, por conta do impacto socioeconômico, e até mesmo nas questões que se referem às políticas públicas", complementou, exemplificando.
Numa segunda parte do evento, foram transmitidos simultaneamente, e em monitores distintos, três exemplos de uso para a Internet 2. A Politécnica da USP exibiu aplicativos de teleducação, gerenciamento e segurança. O Incor e a Escola Paulista de Medicina, da Unifesp, demonstraram a possibilidade de diagnóstico a distância, com acesso a exames complexos do paciente. Ao mesmo tempo, na Unicamp, ocorreu uma mesa-redonda que destacou o impacto social da nova rede, com especial destaque para a transferência de tecnologia agropecuária, através da Embrapa.
Recursos inovadores- Essas apresentações específicas trouxeram apenas uma minúscula parte do que deverá ser a Internet 2. "Neste primeiro momento, ela estará voltada principalmente para os meios acadêmico e de pesquisas, com aplicações sem dúvida inovadoras e que, hoje, não podem ser exploradas satisfatoriamente pela Internet 1", explica Hartmut Richard Glaser, Coordenador da Advanced ANSP e professor da Escola Politécnica da USP.
Estima-se que seu impacto social positivo deverá ser mais bem notado daqui a alguns anos, quando a tecnologia estiver mais bem definida, desenvolvida e assimilada. O diretor do Laboratório de Arquitetura e
ç-RNP
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Inauguração da Advanced ANSP: no auditório da FAPESP, chegam imagens geradas ...
Grupo de Educação voltado para a Internet 2, defende esse ponto de vista: "Muito provavelmente, a maioria das aplicações ainda não foi concebida ou sequer imaginada':
A possibilidade de transporte de um grande volume de informações e com rapidez e grande quantidade entre os institutos deverá trazer, dentre outras facilidades, a socialização de tecnologias entre centros distantes e a disseminação de pesquisas e da educação através de informações em áudio e vídeo de alta resolução, abrindo um novo patamar qualitativo para a comunicação de dados. Bibliotecas digitais de alta fidelidade documental, recursos multimídia antes impensáveis, tais como projeções de telas em três dimensões e controle remoto de microscópios eletrônicos, estarão ao alcance das comunidades acadêmica,
Vias da Internet 2
São José 0 do Rio Preto
Ribeirão Preto o
Araraquara O São Carlos o
médica e científica, mesmo quando distantes dos principais centros tecnológicos. Tudo isso apresentado com qualidade, rapidez, sigilo no tráfego de dados e a um custo barato, várias vezes menor que qualquer outra forma de comunicação disponível e, sem dúvida, sem a mesma agilidade.
A Internet 2 opera nesses termos desde 1997 nos Estados Unidos e apenas em alguns outros países do Primeiro Mundo. O Brasil vem se alimentando dessa vanguarda desde aquele mesmo ano, quando a idéia começou a germinar por iniciativa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ciente da evolução constante por que passam as telecomunicações, a informática e, por conseqüência, a Internet. Através da publicação de edital especial do Ministério da Ciência e Tec-
nologia foram iniciadas, há 8 (} dois anos, as pesquisas para z êí o desenvolvimento de redes o
·~ de alta velocidade nacionais, tendo como pontos de partida abrangências regionais.
Através de um investi
Bauru O Rio O Cachoeira Claro Ó iracicaba Paulista
Campinas .C) o o
Redes de Computadores (LARC) da Politécnica da USP, Wilson Vicente Ruggiero, também coordenador da Rede Metropolitana de Alta Velocidade de São
SÃO PAULO sã3 aulo S.J.dosynpos
mento previsto deUS$ 32,6 milhões, estão sendo estruturadas desde então 14 Redes Metropolitanas de Alta Velocidade, as RMAVs, que,
Paulo (RMAV-SP) e do
12 • DEZEMBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP
além de São Paulo e Campinas, incluem as áreas de Belo Horizonte, Brasília,
. .. a partir da sala do governador (de costas à esquerda), no Palácio dos Bandeirantes
Curitiba, Fortaleza, Florianópolis, Goiânia, João Pessoa, Natal, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e Salvador. Várias dessas redes já estão em pleno funcionamento com relação à atuação regional. Quando essas redes de abrangência metropolitana iniciarem a interligação entre elas, como agora aconteceu entre a capital paulista e Campinas, estará sendo formada a Rede Nacional da Internet 2, a ser gerida pela futura RNP2 (Rede Nacional de Pesquisa 2). Um programa comum entre o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e o Ministério da Educação (MEC) prevê investimentos de R$ 215 milhões até 2004 para garantir essa segunda etapa de interligação de todas as redes metropolitanas.
Uma nova rede acadêmica paulistaO funcionamento da Internet 2 brasileira começou, na prática, a partir da inauguração da Advanced ANSP, com a interligação de duas das redes de alta velocidade já em fase operacional. A rede em funcionamento principal, porque a mais ampla e abrangente, é a Rede Metropolitana de Alta Velocidade de São Paulo (RMAV-SP), que interliga a Universidade de São Paulo (USP), a PUC de SP, o Hospital das Clínicas, no qual se inclui o Instituto do Coração, a Unifesp, à qual pertence a Escola Paulista de Medicina, e a FAPESP, mais as empresas pri-
vadas de telecomunicação Globocabo e Telefônica- que fornecem parte da infra-estrutura da rede, principalmente quanto à implantação das fibras ópticas que carregam os dados em vias largas.
A interligação da RMAV-SP com a Rede Metropolitana de Alta Velocidade de Campinas (ReMet) permite agora a comunicação com os institutos ligados à Unicamp, mais a Embrapa, a Prefeitura Municipal de Campinas, apoiadas no consórcio pela operadora de tevê por assinatura NET-Campinas, que oferece a estrutura de cabeamento óptico já instalada na região. Essa é apenas uma primeira etapá e que começa a moldar uma nova Academic Network at São Paulo (rede acadêmica paulista), a Advanced ANSP, rede de comunicação de alta velocidade que, em princípio, interligará instituições de ensino e pesquisa de 11 municípios de São Paulo. A atual Rede ANSP, também mantida e gerenciada pela FAPESP desde o longínquo ano de 1989, une por meio dos atuais recursos da Internet todas as instituições do Sistema de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo.
Como próximo passo, a Advanced ANSP deverá estender essa interligação São Paulo-Campinas para a inclusão de Piracicaba (USP), Rio Claro (Universidade Estadual Paulista -UNESP), São Carlos (Universidade Federal de São Carlos - UFSCAR),
Araraquara (UNESP), Ribeirão Preto (USP), São José do Rio Preto (UNESP), Bauru (UNESP), São José dos Campos (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE) e Cachoeira Paulista (INPE). Essas 11 cidades poderão trocar informações a velocidades que variam de 34 a 155 Megabits por segundo, dependendo do equipamento instalado e ou disponível. "Um salto fantástico, levando-se em conta que hoje têm-se, com a Internet 1, velocidades disponíveis de, no máximo, 2 Megabits por segundo", anuncia Glaser, o coordenador da Advanced ANSP.
Essas próximas conexões já estão sendo viabilizadas por meio de um acordo de cooperação conjunta negociado pela FAPESP com a Telefônica e Nortel Networks, empresa de informática especializada em produtos para redes digitais. "Os links entre essas cidades paulistas, por sua vez, ainda receberão equipamentos com capacidade de transmissão de 2,5 Gigabits por segundo, de forma que a Advanced ANSP possa ser ampliada conforme as necessidades de demanda", adianta Glaser.
Outro pilar da implantação da RMAV-SP é o LARC, laboratório da Escola Politécnica da USP. Especializado nas áreas de arquitetura e redes de computadores, o LARC ficou responsável pela escolha da metodologia de trabalho das instituições participantes, além do desenvolvimento dos aplicativos nas áreas de teleducação, gerência e segurança da rede.
Um salto maior poderá ocorrer a partir do ano 2000, com a implantação de cabos ópticos submarinos que têm potencial para conectar as comunidades acadêmicas do Brasil e dos Estados Unidos. Este país, por sua vez, deverá fornecer o caminho de comunicação por alta velocidade para o restante do mundo. Estima-se que, para o internauta comum, o uso comercial da Internet 2 passará a ocorrer no Brasil a partir do ano de 2002. Da mesma forma que a atual Internet, a Internet 2 poderá, num futuro breve, ser uma ferramenta de serviços e lazer para milhões de usuários. •
PESQUISA FAPESP · DEZEMBRO DE 1999 13
Discriminação de mulheres na Europa
A posição altamente desvantajosa das mulheres no quadro geral da pesquisa científica "não tem nada a ver com cuidar de filhos". O que acontece é que "os cientistas - como os militares - têm um talento todo especial para deixar as mulheres de fora". A fina ironia é da lavra de Agnes Wold, da Universidade de Gotemburgo, Suécia, autora de um estudo sobre as tendências na concessão de auxílios à pesquisa, publicado pela Nature número 387, de 1997, e participante da European Technology Assessment Network (Etan). Seu comentário veio a propósito de um relatório recente da Etan sobre discriminação na ciência contra mulheres, que ela definiu como "um marco". Preparado para a Comissão Européia, em Bruxelas, e entregue em 23 de novembro, o relatório afirma que práticas de emprego discriminatórias e a participação restrita de mulheres em cargos elevados estão minando os
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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
esforços dos países europeus na busca de excelência na pesquisa científica.
professores universitários de tempo integral, apesar dos diferentes sistemas
O documento, noticiado pela Nature de 25
de pesquisa e culturas
de novembro, mostra que as mulheres representam menos de 15% dos
na Europa. E apresenta dados sobre os associados de academias de ciência espalhadas pelo mundo
Participação feminina nas Academias de Ciência
País
Turquia Islândia Noruega Finlândia Nova Zelândia Irlanda Croácia Estados Unidos Suécia Canadá China Escócia Áustria Alemanha Terceiro Mundo* França Reino Unido Dinamarca t1ungria lndia Espanha Itália Ucrânia Polônia Rússia Japão Holanda
%
14,6 12,3 11 , I 8,0 7,3 6,4 6,3 6,2 5,5 5,3 5,1 4,5 4,2 4,0 3,9 3,6 3,6 3,5 3,3 3, I 2,7 2,6 2,6 2,5 1,7 0,8 0,4
N° de Mulheres
(total)
16 (110) 19 (155) 82 (736) 36 (445) 19 (259) 18 (280) 9 (142)
118 (1904) 19 (347) 48 (899) 27 (533) 54 (1148) 13 (311) 56 (1378) 20 (512)
5 ( 139) 43 (1185)
5 (143) 6 (183)
21 (679) 9 (336)
13 (496) 5 (192) 5 (199)
10 (600) I ( 133) I (237)
*Academia de Ciências do Terceiro Mundo
Fome: Nawre
que, segundo o relatório, compõem um quadro "espantoso" e antidemocrático das instituições vinculadas à política científica. O estudo deve agora ser avaliado pelos representantes dos governos da União Européia envolvidos na promoção de mulheres na pesquisa científica. Entre as recomendações da Etan estão a adoção de medidas legais para garantir o equilíbrio de gênero em instituições públicas e a permissão de acesso aos registros públicos de avaliação por pares na concessão de auxílios, bolsas e cargos. Isso depois de ressaltar que práticas "antiquadas"
persistem em algumas instituições acadêmicas, onde "a dependência de apadrinhamento, a 'rede velho-amigo' e os convites pessoais para preencher cargos se contrapõem a procedimentos limpos e efetivos de emprego".
Menos mal, no Brasil
Para as cientistas brasileiras, uma boa notícia: se o Brasil figurasse na lista da Nature de participação feminina nas Academias de Ciências, apareceria em quarto lugar, com um percentual de participação de quase 9% (mais exatamente, 8,85%), bem acima, portanto, de países como Estados Unidos, Suécia, Alemanha, França e Reino Unido, para citar apenas alguns onde a luta pela ampliação da presença das mulheres nas instituições de pesquisa já é organizada há um bom tempo. Segundo dados da própria Academia Brasileira de Ciências, ela conta hoje com 542 membros, dos quais 48 são mulheres.
Presidente da FAPESP na Academia
Ainda na Academia Brasileira de Ciências: no finalzinho do ano, dia 29 de dezembro, foram eleitos 45 novos integrantes da instituição, entre eles 11 estrangeiros. Um dos novos membros da Academia é o presidente da FAPESP e diretor do Instituto de Física da Unicamp, professor Carlos Henrique de Brito Cruz.
Bolsas para o Jornalismo Científico
Segue até o dia 31 de março o prazo de solicitação de bolsas para o Programa José Reis de Incentivo ao Jornalismo CientíficoMídia/Ciência, que apóia a execução de propostas de pesquisa jornalística que resultem na produção e na divulgação de reportagens em jornais, revistas, rádio, televisão ou mídia eletrônica. Podem se candidatar às bolsas alunos
de graduação ou de pós-graduação, de qualquer área, sem vínculo empregatício, já aceitos como alunos por um Curso de Introdução ao Jornalismo Científico, oferecido por uma instituição acadêmica ou não, com duração mínima de um semestre, e como estagiários por empresa de comunicação ou departamento de comunicação de uma instituição de pesquisa. Os interessados devem encaminhar uma proposta de pesquisa jornalística, com no máximo 20 páginas datilografadas, avalizada por seu supervisor (pesquisador experiente na área da proposta ou um jornalista com experiência em Ciência
e Tecnologia) . Detalhes sobre a elaboração da proposta de pesquisa, o formulário de inscrição, a relação de documentos necessários à inscrição e mais informações sobre o Mídia/Ciência podem ser obtidos no endereço www.fapesp.br, seção programas espeCiais.
FAPESP reelege diretor científico
O físico e engenheiro eletrônico José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP, foi reconduzido
pela segunda vez ao cargo para um mandato de três anos. O decreto de nomeação, de 20 de dezembro, foi publicado na edição do dia seguinte do Diário Oficial
do Estado de São Paulo e também registra
a nomeação do médico e diretor da Faculdade
de Medicina da Universidade Estadual Paulista (UNESP) de Botucatu, Paulo Eduardo de Abreu Machado, membro do Conselho Superior da FAPESP, para a função de vice-presidente da Fundação.
Novos nomes no Ministério
O ministro de Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, empossou, no dia 22 de novembro passado, os três novos secretários do Ministério. São eles: o médico Esper Abrão Cavalheiro, da Universidade Federal de São Paulo, na Secretaria de Desenvolvimento Científico, Antônio Pizarro Fragomeni, na Secretaria
de Desenvolvimento Tecnológico, e o astrónomo João Steiner, na Secretaria de Acompanhamento e Avaliação.
Um Plano das FAPs
Está em fase de discussão o Plano Nacional de Fortalecimento das FAPS (fundações estaduais de amparo à pesquisa), lançado durante a última reunião dessas instituições em 1999, nos dias 2 e 3 de dezembro em Beberibe, Ceará. O documento analisa o papel das FAPs, o sistema nacional de inovação e os mecamsmos de entrosamento entre os centros de pesquisa. Propõe, como objetivo geral, "o desenvolvimento harmónico de uma Política Nacional de Ciência e Tecnologia que contemple as três esferas de governo (União, Estados e Municípios)", de modo a garantir que o conhecimento científico e tecnológico assegure a implantação de políticas sustentáveis de desenvolvimento económico e social do país. O documento pode ser acessado no endereço www.facepe.pe.gov.br/forpesq e comentários e sugestões devem ser enviados até o dia 15 de janeiro. O presidente da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco, José Carlos Silva Cavalcanti, que preside também o Fórum Nacional das Fundações, Fundos e Entidades de Amparo à Pesquisa (Forpesq), pretende concluir a redação final do plano até o final de janeiro para, no mês seguinte, entregar
o documento ao ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg.
Homenagem a Crodowaldo Pavan
A Universidade de São Paulo homenageou, no dia 10 deste mês, o cientista Crodowaldo Pavan, professor emérito da USP e da Universidade Estadual de Campinas, ex-presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da FAPESP, por ocasião dos seus 80 anos. Para homenageá-lo, foi organizado um simpósio, com o tema "Universidade, Pesquisa e Globalização-o Caso Brasil numa Perspectiva Histórica", realizado na Sala do Conselho Universitário. O evento foi aberto pelo reitor da USP, Jacques Marcovitch, seguido de conferências do professor Paulo Nogueira Neto, sobre "O Brasil e o Meio Ambiente", do pesquisador e diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Warwick Kerr, sobre "Universidade e Bem-Estar da Sociedade Globalizada", e do diretor científico da FAPESP, José Fernando Perez, sobre "Financiamento de Pesquisa na Era da Globalização". À tarde, foi realizada uma mesa-redonda sobre o tema "Vale a Pena Falar em Desenvolvimento no Brasil? O papel da Universidade e da Pesquisa", seguida da palestra "Pavan, o Homem e o Cientista", proferida por Oswaldo Frota-Pessoa, do Instituto de Biociências da USP.
PESQUISA FAPESP · DEZEMBRO DE 1999 • I 5
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
Com suas flores amarelas, a cássia é uma das mais belas representantes da flora paulista, destacando-se no conjunto da Mata Atlântica
BIODIVERSIDADE
Comitê externo aprova programa
Biota-FAPESP passa pela primeira reunião de avaliação das pesquisas
D epois de ganhar o Quarto Prêmio Ford de Conservação Am
biental, na categoria Iniciativa do Ano em Conservação, em novembro, o programa Biota-FAPESP, o Instituto Virtual da Biodiversidade, recebeu, no início de dezembro, mais um aval importante: o dos pesquisadores estrangeiros que compõem seu Comitê Científico Consultivo. "É um programa empolgante, talvez único no mundo", disse um deles, o professor Arthur Chapman, coordenador científico do
16 • DEZEMBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP
Environmental Resources Information Network (ERIN), do governo australiano.
Chapman participou da primeira reunião de avaliação do programa, entre os dias 6 e 9 de dezembro, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), juntamente com o professor James Staley, do Departamento de Microbiologia da Universidade de Washington, em Seattle, e o professor Donald Potts, do Departamento de Ciências Terrestres e Marinhas da Universidade da Califórnia, em Santa Cruz. O quarto integrante do Comitê, o professor Barry Chernoff, não pôde vir ao Brasil para o encontro. Além dos cientistas estrangeiros, participaram da reunião os coordenadores dos 15 projetas temáticos do
programa já em curso naquele momento (hoje são 18) e 11 pesquisadores com projetas em fase de avaliação na FAPESP (há agora um total de 21 projetas nesse estágio).
O ambicioso objetivo do BiotaFAPESP, lançado em 25 de março de 1999, é mapear e analisar o conjunto da fauna e da flora do Estado de São Paulo, desde os microorganismos até as formas de vida mais complexas encontradas nesse território de 250 mil quilômetros quadrados. E entre alguns resultados iniciais do programa, apresentados em Campinas, estão a identificação de compostos biológicos importantes para a indústria farmacêutica e a descoberta de novas espécies de peixes de água doce, além do término da estrutura básica do
banco de dados do programa (ver mais detalhes na Pesquisa FAPESP47).
Integração - "A avaliação mostrou que o programa é também muito saudável porque congrega projetos com enfoques diferentes", diz o coordenador-geral do Biota-FAPESP, o professor Carlos Alfredo Joly, do Departamento de Botânica do Instituto de Biologia da Unicamp. Mas justamente essa variedade de enfoques levantou entre os consultores estrangeiros uma certa preocupação quanto ao risco de dispersão do programa, caso seus vários projetos não sejam ligados de forma eficiente. Joly concorda. "Precisamos alinhavar todos os estudos para não perder o foco do programa': diz.
De qualquer sorte, isso não parece difícil, dada a própria estrutura do programa, em rede virtual, seguindo o bem-sucedido modelo da rede Onsa, do Programa Genoma-FAPESP. Tal estrutura facilita o contato constante entre os pesquisadores por meio da Internet e desfavorece situações em que cada um volta-se apenas para suas preocupações. "O Biota proporciona a integração de informações e o uso de ferramentas comuns", diz Joly.
Entre essas ferramentas estão o sensoreamento remoto, ou seja, o uso de fotografias tiradas por satélites, e o amplo uso do GPS (Global Position System), sistema que permite a determinação exata da latitude e longitude de um local por meio de comunicações com uma rede de satélites. Esses novos métodos chegam em boa hora. "A escala das mudanças é tão rápida e atinge áreas tão enormes que, usando apenas os métodos tradicionais, jamais conseguiríamos documentar o que está ocorrendo", diz, por exemplo, o professor Potts.
Documentar é exatamente uma das metas do Biota-FAPESP- e tornar disponíveis para governos e sociedade informações que possam ser usadas para proteger o que ainda resta da biodiversidade em São Paulo. Por isso as informações colhidas passam para um banco de dados, no qual mapas e modelagens mostram o que es-
A fonte de todos os remédios O professor Arthur Chapman
é coordenador científico do Environmental Resources Information Network (ERIN), organismo do governo australiano encarregado da coleta e distribuição de informações sobre o meio ambiente. O objetivo do ERIN, que funciona em Canberra, a capital do país, é dar subsídios ao governo para a formulação de políticas ambientais, fundamentadas em fatos e informações reais. "Aos políti
dar temas diversos e compartilhar informações de muitas disciplinas, da química, biologia e informática à lógica.
As experiências podem ser trocadas internacional-mente?
cos, cabe usar os fa- Chapman: empolgante
Acho que há enormes possibilidades. É importante que a política ambiental se baseie em informações científicas e um programa bem feito fornece-as em muito maior volume. É importante, então, ter uma política científica capaz de produzir infortos para a tomada
de decisões políticas': diz Chapman. Como pesquisador, seu principal interesse é o mapeamento de espécies em perigo.
Como funciona o ERIN? O programa é antigo e irre
gular. Seus recursos vêm das verbas públicas para desenvolvimento da ciência. O programa ajudou muito a organizar o Gonhecimento sobre a biodiversidade no país, mas depende das verbas que recebe do governo, e elas dependem da prioridade que o governo quiser dar ao assunto.
Há semelhanças entre o ERIN e o Biota?
O Biota é um programa empolgante, talvez único no mundo. A segurança do financiamento permite o desenvolvimento de projetos em prazo muito curto. Impressiona como ele se desenvolveu em apenas dois anos, desde que começou a ser discutido, em Serra Negra. E é revigorante ver dezenas de pessoas se r eunindo com seriedade, para estu-
mações sobre o meio ambiente.
E se ela não existir? Nesse caso, simplesmente não
saberemos o que está acontecendo. O grande problema, do ponto de vista mundial, é que a biodiversidade está desaparecendo de forma mais rápida que nossa possibilidade de conhecê-la. Nos últimos 300 anos, houve um grande esforço científico para tentar descrever a amplidão do mundo. Mas só conseguimos chegar a uma pequena fração do que existe. Agora corremos o risco de perder a biodiversidade.
O que aconteceria? A biodiversidade é um recur
so importante para todo o mundo. Por vários motivos. Mantém a temperatura média estável. Fornece recursos para a sobrevivência do homem. Afinal, tudo vem da biodiversidade. Todos os remédios vêm da biodiversidade. É importante entendê-la da maneira mais rápida possível, antes que ela desapareça.
PESQUISA FAPESP · DEZEMBRO DE 1999 • 17
tá acontecendo em cada parte do Estado de São Paulo com relação à biodiversidade. "Isso permitirá que seja determinada a localização numa área de uma espécie animal ou vegetal e que sejam traçados planos para protegêla, se, por exemplo, houver a necessidade da construção de uma rodovia nesse local", lembra o professor Joly.
Essa integração com a sociedade é um fator muito importante para os contatos entre os coordenadores, previstos para os próximos meses. "Vamos rediscutir continuamente o programa, no sentido da colaboração que podemos oferecer com relação ao avanço do conhecimento, ao aperfeiçoamento da legislação de conservação e à melhoria do ensino nesse campo, nos três níveis escolares", afirma o professor da Unicamp. "Estaremos permanentemente definindo as metas e os impactos dos estudos do programa para a sociedade", acrescenta.
Finda a reunião em Campinas, nenhum dos três consultores estrangeiros voltou imediatamente para seus países. Potts visitou o Centro de Biologia Marinha, em São Sebastião,
Sinais de perigo no gelo marinho A principal área de interesse do
pesquisador norte-americano James Staley, professor do Departamento de Microbiologia da Universidade de Washington, em Seattle, é a diversidade e a taxonomia dos micróbios. Nos últimos anos, ele vem dedicando atenção especial às chamadas comunidades do gelo, grupos de microorgamsmos que vivem no gelo marinho dos oceanos polares. Outras áreas de
Qual a importância dos microrganismos do gelo marinho?
Eles têm uma importância muito grande. Um terço da produção
primária das partes meridionais dos oceanos vem das comunidades do gelo, grupos de microorganismos que vivem no gelo marinho das regiões polares. Essas comunidades estão em perigo. Elas sentem os efeitos do aquecimento global sobre os pólos.
estudo do professor Staley: aquecimento global A situação é muito grave, então? Staley são as diversi
dades de bactérias que compõem poluentes, especialmente os carbônicos do meio ambiente marinho, além da evolução e extinção de microorganismos em geral.
Sim. O acelerado crescimento da população humana e as práticas industriais e agrícolas estão levando a biodiversidade ao colapso. E acordos internacionais sobre o
Impacto sobre a população de corais todos os ecossistemas onde vivem os corais estão mudando devido a transformações globais.
Donald Potts é professor de Biologia, diretor do programa Education Aboard e responsável pela Iniciativa Internacional da Biodiversidade Marinha do Departamento de Ciências Terrestres e Marinhas da Universidade da Califórnia, em Santa Cruz. Sua principal área de trabalho é a ecologia e evolução das barreiras de coral e dos ecossistemas associados a essas estruturas. Também estuda o desenvolvimento de novas técnicas de sensibilidade de alta resolução para o mapeamento em escala dos organismos de ambientes biológicos. "Junto um trabalho de pesquisa em áreas pequenas, bem localizadas, com outro em áreas amplas, com centenas de metros quadrados", comenta. "Procuro juntar técnicas novas a teorias tradicionais."
18 · DEZEMBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP
Qual a importância de programas como o Biota?
A escala das mudanças na biodiversidade é tão rápida e atinge áreas tão grandes que, usando apenas os métodos tradicionais, jamais conseguiremos documentar o que está ocorrendo. Estou falando só do que está mudando, não do conhecimento global da biodiversidade. Mudanças excepcionalmente rápidas estão acontecendo, por exemplo, nas áreas onde ocorre a maior parte da população de corais do mundo. Nos países em desenvolvimento, onde muitas pessoas vivem da economia costeira, esses ecossistemas estão mudando rapidamente devido ao impacto humano, crônico e local. Mas as transformações não se limitam a essas áreas. Já se acredita que
Como assim? Veja, o aumento do dióxido de
carbono na atmosfera faz com que a água dos oceanos se torne mais ácida. Pode ser que estejamos chegando a um ponto no qual se torna fisiologicamente difícil a produção de argonita, um mineral de carbonato de cálcio presente nos esqueletos dos corais. É possível que estejamos chegando a um ponto no qual não será mais possível produzir essa substância em quantidade suficiente. Os biólogos estão cada vez mais insistindo nisso. Comunidades costeiras que não deveriam mudar estão mudando. Sistemas inteiros estão sendo dominados por outros tipos de carbonato de cálcio, mais estáveis em águas ácidas, mas que
meio ambiente são importantíssimos para que isso não continue acontecendo.
Qual o papel do Brasil nesse contexto? O Brasil é uma fonte excepcio
nal de recursos da biodiversidade do planeta. O programa Biota vai ajudar a aumentar a compreensão da vasta e fascinante diversidade deste país.
O programa, então, é importante? Sim. O programa não é um mo
delo apenas para o Brasil, mas para o mundo inteiro. Nos Estados Unidos, não temos um quadro tão claro sobre como abordar os problemas da biodiversidade.
E por que o Biota é um modelo? Uma das vantagens do progra
ma Biota-FAPESP é que ele se concentra num Estado de um país. Nos Estados Unidos, a maior parte das pesquisas é feita olhando-se os aspectos de toda a nação. Aqui no
não entram na composição dos esqueletos de corms.
O que isso significa? É possível que a
composição do conjunto da biodiversidade da natureza esteja passando por uma completa transformação. Achamos que já existem sinais disso.
Brasil, há um grupo de cientistas, representando todas as disciplinas, que pode se encontrar numa sala e conversar. Não conseguiríamos fazer isso nos Estados Unidos. Realmente não conseguiríamos. E fico empolgado ao ver todo esse potencial do Biota, que é simplesmente maravilhoso. Podemos dizer que todos os aspectos da biodiversidade estão representados aqui.
Como é possível coordenar este programa de São Paulo com outros programas internacionais?
Eu acredito que o interesse de cientistas de vários outros países no Biota-FAPESP é muito grande. E existe um desejo natural de que programas desse tipo sejam realizados em conjunto. O intercâmbio de informações em bases mundiais é um assunto empolgante e, na minha opinião, deve ser livre e aberto. Na minha avaliação, o papel do Brasil é importantíssimo para que isso se torne realidade.
Qual o potencial do programa Biota?
Em termos gerals, o programa Biota tem o poten- • cial, embora local, em São Paulo, de transformar-se numa fonte responsável e objetiva de opiniões, informa-ções, juízos e aconselhamento sobre
Isso é um problema. Existem os efeitos lo
Potts: mudanças rápidas assuntos ligados à biodiversidade e às
cais da atividade humana, as conseqüências daquilo que as pessoas fazem diretamente com o meio ambiente. Mas também há coisas além do controle da sociedade. Os efeitos da emissão de dióxido de carbono para a atmosfera estão nesse caso. As conseqüências da poluição em geral, também.
conseqüências das mudanças no meio ambiente. Isso para toda a sociedade. Por isso, acho importante que o Biota seja visto sempre como independente. Não deve tomar partido em questões ambientais, mas apresentar resultados confiáveis, que sejam aceitos pela comunidade.
onde conversou com uma equipe que aguarda a aprovação de um projeto sobre biodiversidade marinha para ingressar no programa Biota. Staley esteve na Fundação André Tosello, conversando com um grupo que trabalha em um projeto sobre ecologia molecular e taxonomia de bactérias com importância para o meio ambiente e a agroindústria. Quanto a Chapman, continuou em Campinas, conversando com o grupo que elabora o projeto do sistema de informação ambiental do programa. "No bom sentido, nós sugamos dele o máximo de informações'; comenta Joly. "E ele, certamente, aprendeu muito com a gente."
No balanço sobre a reunião de avaliação, o coordenador do Biota-FAPESP pôde ainda comemorar "a forte impressão causada nos especialistas estrangeiros pelo grau de maturidade atingido na execução dos estudos feitos em tão curto espaço de tempo", o reconhecimento explícito de todos três à importância do programa e sua admiração manifesta pela possibilidade de integração dos objetivos do programa com demandas da sociedade. •
Há algo mais que o senhor gostaria de acrescentar sobre o programa?
Abordei um lado da questão. Há outro. Pelo que pude observar aqui em Campinas nesses últimos dias, o programa Biota me parece único. Há outros programas semelhantes, ao redor do mundo, mas nenhum tem potencial e características tão abrangentes.
Isso significa que o programa pode se tornar referência para iniciativas similares, inclusive internacionais?
Sim, acho que ele pode ser um modelo para outros programas não só no Brasil, mas no mundo. Se seu desenvolvimento prosseguir da forma como se apresenta hoje, creio que criará muitas oportunidades para que o Brasil desempenhe um papel importante no futuro da pesquisa da biodiversidade, em escala mundial.
PESQUISA FAPESP · DEZEMBRO DE 1999 • 19
CIÊNCIA
ENGENHARIA GENÉTICA
Milhos produtores de hormônio
Substância de origem vegetal abre perspectivas ao tratamento do nanismo
Todas as células de um determinado organismo contêm os mes
mos genes. Mesmo assim, não há confusão entre as funções que as células desempenham. O fígado não vai deixar de produzir enzimas para fazer cabelo nem a pele vai liberar adrenalina. A harmonia se deve aos chamados promotores, regiões regulatórias dos genes que determinam em que momento, quantidade e local as substâncias devem ser produzidas. A partir do controle desses maestros do organismo, o pesquisador Adilson Leite, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), desenvolveu com sua equipe um processo de produção de proteínas em plantas e fez com que sementes de milho produzissem o hormônio de crescimento humano.
Os resultados obtidos no final de setembro ainda são preliminares, mas promissores. As sementes de mi-lho modificadas geneticamente elaboraram um hormônio de crescimento ou hGH (do inglês human Growth Hormone) que até o momento tem se mostrado idêntico ao produzido pelo organismo humano. Pode estar se abrin- ~
do um caminho para a fabricação, em larga esca
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la e a custos reduzidos, de um composto químico de grande interesse médico. Indispensável no tratamento de crianças com problemas de crescimento, o hGH é atualmente obtido por meio de bactérias. Segundo Leite, com o rendimento
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Leite: as plantas podem viabilizar a produção de medicamentos a baixo custo
já obtido, bastaria uma área equivalente a um campo de futebol para produzir uma tonelada de milho, o suficiente para o tratamento de aproximadamente mil crianças por ano.
Paranaense, graduado em Farmácia, Leite resolveu há três anos
aplicar os conhecimentos das pesquisas básicas sobre a r.egulação de genes em sementes, que estudava desde 1988, quando ingressou no Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da Unicamp. O trabalho com o hormô-nio de crescimento faz parte do projeto temático Sementes: Regulação Cênica da Síntese de Proteínas de Reserva e Metabolismo de Lisina; e Estudos da Expressão de Proteínas, sob sua coordenação, com um financiamento
de R$ 98 mil da FAPESP.
O milho transgênico: primeira geração
Enfoque diferenciado - Há anos os centros de pesquisa do mundo inteiro procuram induzir os vegetais a produzir substâncias que lhes são estranhas, utilizando toda a planta, as folhas ou a raiz. Na trilha de poucos especialistas dos Estados Unidos e do Canadá, Leite elaborou um mecanismo de expressão genética específico em semente, o órgão da planta mais apropriado para armazenar proteínas. As sementes- sobretudo a de cereais, como o milho, o sorgo e o arroz - têm um tecido especializado, o endosperma, um reservatório natural de proteínas, utilizadas quando o embrião germina.
Leite iniciou seu projeto separando as duas regiões básicas de todo gene: a estrutural, que indica o que o gene deve produzir (glicose, enzimas ou hormônios, por exemplo), e a regulatória, que controla em que partes do organismo, quando e com que intensidade ele deve atuar.
Seu plano: tomar o promotor que controla a produção de proteínas de reserva em sementes de sorgo (Sorghum sp.), uma planta próxima do milho (Zea mays), e a ela anexar a região
estrutural do gene que controla a síntese de hGH. Assim, o gene estaria preparado para produzir hGH, como se fosse uma proteína a ser armazenada nas sementes, de acordo com as ordens transmitidas pelo trecho regulador. Os músicos seriam trocados, mas o maestro não perceberia. Detalhe: Leite assegura que mesmo produzindo menos proteína ou amido a semente germinará do mesmo modo, porque as variedades atuais resultam de melhoramento genético e há bastante material de reserva para o embrião.
No início, Leite trabalhou em colaboração com Hamza El-Dorry, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), que isolou o gene do crescimento humano, usado em estudos de produção de hGH em bactérias. Com uma cópia desse gene, moldou uma estrutura, o chamado cassete para a expressão de proteínas heterólogas (não produzidas pelo organismo em condições normais) em plantas transgênicas.
O plasmídeo (DNA circular) que os pesquisadores fizeram, para funcionar direito, precisa de dois genes: um que levará à produção de hGH e outro que promove a resistência a um herbicida, cuja função é selecionar as plantas modificadas, aptas a produzir hGH. Esse material genético tem origens variadas. Há material genético proveniente do de Coix ( Coix lacrymajobi, também conhecida como lágrimas-de-nossa-senhora), uma gramínea aparentada do milho, e do vírus do mosaico-da-couve-flor (ver esquema ao lado).
O plasmídeo integrou-se ao genoma de uma agrobactéria, a Agrobacterium tumefaciens, hábil em infectar plantas (são elas que causam os tumores ou protuberâncias facilmente perceptíveis em caules de árvores). Definido como um veto r de transformação, o plasmídeo encaixa o gene estranho em regiões ativas do cromossoma do milho.
Leite fez com que as bactérias infectassem inicialmente folhas de tabaco (Nicotiana tabacum), que permitem a transferência de genes sem grandes dificuldades. Após seleção
O plasmídeo
Estes são os elementos básicos do plasmídeo com o gene do hormônio de crescimento humano
que a agrobactéria poderá implantar no genoma do milho
• Onde, quando e quanto fazer? PGK ou promotor de gama-kafirina é a região regulatória do gene que codifica a proteína de reserva gama-kafirina no sorgo. Informa a molécula de RNA polimerase, no núcleo da célula do milho, sobre quanto, quando e onde do trecho seguinte do gene deve ser copiado na forma de RNA mensageiro e enviado para o citoplasma, onde servirá de molde para a produção do hGH.
• Para onde levar? PS ou peptídeo-sinal, retirado da região estrutural de um gene de Coix, direciona a produção de hGH para o retículo endoplasmático, um dos compartimentos da célula, onde o hGH é enovelado corretamente. Uma enzima retira o PS enquanto a molécula de hGH entra no retículo, na etapa final do processo. Depois desse corte, a proteína processada está pronta para ser liberada pela célula.
• O que fazer? O hGH representa a região do gene retirado da hipófise que contém as informações necessárias para a produção do hGH.
• Quando parar? O 3'355 é um sinal de terminação do processo de transcrição (cópia) do ge-
Fonte:Adilson Leite, CBMEG, Unicamp
As bordas direita e esquerda limitam o trecho de DNA a ser transferido da agrobactéria para o genoma do milho
As setas indicam o sentido de leitura dos genes
ne para RNA mensageiro. É um trecho de RNA do vírus que causa o mosaicoda-couve-flor.
• Onde, quando e quanto fazer? O P35S é um promotor, que controla a expressão do gene seguinte, o bar. Também se origina do vírus que causa o mosaico-da-couve-flor.
• O que fazer? O gene bar promove a resistência a um herbicida, que vai ajudar na seleção das plantas transformadas geneticamente. Contém as informações para a produção da enzima fosfinotricina acetil-transferase, que confere resistência ao herbicida fosfinotricina.
• Quando parar? O 3'NOS é um trecho de um gene da própria agrobactéria que atua como sinal de terminação e assinala o ponto final do processo de produção do RNA mensageiro a partir do gene bar.
• Como selecionar? Spc• é um gene que promove a resistência ao antibiótico espectinomicina. Funciona como uma marca para selecionar e reconhecer as agrobactérias: as que receberem o plasmídeo serão resistentes ao antibiótico e poderão ser implantadas no genoma do milho.
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com um antibiótico, 67 plantas cresceram normalmente e produziram hGH. Mas nem tudo estava resolvido. "Para produzir proteína, a semente de tabaco é amadora, com um espaço restrito de armazenamento de proteínas", diz ele.
A passagem para o milho exigiu alguns ajustes. Um deles, a substituição do antibiótico por um herbicida, ficou a cargo de Paulo Cézar De Lucca, que faz doutorado, e de Edson Luís Kemper, em pós-doutoramento, e Márcio José da Silva, pesquisador do CBMEG. As sementes de milho, estas sim, são profissionais, bem maiores -um galpão de uma fábrica, enquanto a outra seria equivalente a um carrinho de supermercado. Com o tabaco, diz Leite, o rendimento era de 0,2%. Em milho, os resultados preliminares indicam uma produção próxima a 0,5% de proteína solúvel, de modo que de uma tonelada possam ser extraídas 250 gramas de hGH.
Germinaram 4.000 sementes de milho, cujas linhagens incorporaram o gene de hGH (ver ilustração do processo). Das 300 já analisadas, quatro incorporaram o gene estrangeiro ao genoma e uma, pelo menos, produz a proteína desejada na semente. "Foi uma surpresa que tenha funcionado", reconhece Leite. Tabaco e milho, lembra ele, são plantas bem distintas. A primeira, uma dicotiledônea, tal qual o feijão e soja, é mais conhecida e, principalmente, sensível às agrobactérias disponíveis quando o trabalho começou. O milho, uma monocotiledônea, como o arroz, era indiferente às agrobactérias de três anos atrás. Só pôde ser atingido por um novo plasmídeo, chamado superbinário, que fez as bactérias mais virulentas.
Mas o gene continuará se expressando? Leite não arrisca um palpite, mas conta que no tabaco a técnica permitiu que o gene se mantivesse ativo durante sete gerações seguidas- um resultado considerado ótimo, que indica que o material foi incorporado pelo genoma da planta.
Moléculas idênticas - Leite ainda não estimou os custos da purifica-
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Agrobactéria
As mudanças na semente de milho
O matérial genético com as informações para a prara a produção de hormônio de crescimento humano chega ao genoma
do milho por meio de agrobactérias
• Hipófise
O Os pesquisadores
isolam o trecho do DNA do núcleo
das células da hipófise que contém o gene que induz à produção
de hormônio de crescimento (hGH).
/
A Da semente de V sorgo, retiram a região regulatória, um trecho do gene que controla a produção de uma proteína de reserva.
e O trecho do gene com a mensagem
gue codifica o hGH é fundido com a região egulatória do sorgo
O DNA está preparado para produzir hGH,
Plasmideo o :...:::.::==---em vez de proteínas da semente.
Cultura de embriões
Célula vegetal
Fonte: Adilson Leite. CBMEG. Unicamp
O O DNA recombinante é adicionado a um veto r de transformação, um plasmídeo (DNA circular),
que será implantado em agrobactéria.
A Células de embriões imaturos de mílho são V colocadas em contato com uma solução com as agro bactérias, que vão infectar as plantas e transferir-lhes o gene de hGH. As agrobactérias recebem também um gene que promove resistência a um herbicida, que servirá para as selecionar as células transformadas, eliminando as sensíveis ao herbicida, que não incorporaram o plasmídeo
O Os embriões são transferidos para um meio de cultura semi-sólido com o herbicida,
que só permite o crescimento das células que receberam o conjunto de genes de hGH e de resistência a esse herbicida.
O O genoma das células selecionadas obrigatoriamente incorpora
o DNA recombinante.
A As células de embrião, crescendo, podem V regenerar a planta inteira, que vai produzir hGH apenas na semente.
O Por meio de métodos físico-químicos, o hGH é extraído das sementes,
que podem também ser armazenadas
Fusão genética: o embrião de milho transgênico (esquerda, em início de regeneração) contém material de sorgo (centro) e de Coix
ção do hormônio de crescimento, mas se certificou de que pode ter aberto um caminho inovador. O hGH é produzido atualmente em bactérias em condições muito melhores do que no início do século, quando era retirado da hipófise de cadáveres, sob risco de contaminação. "Em plantas, esse risco é muito menor", assegura.
Além disso, o hGH extraído de sementes está pronto para ser usado. Segundo o pesquisador, o hGH pro-
duzido em bactéria tem um aminoácido a mais, a metionina, que pode ser vista como antígeno pelo organismo e originar uma reação alérgica. No sintetizado em plantas, diz ele, o primeiro aminoácido é a fenil-alanina, tal qual ao produzido normalmente em humanos.
Leite conta que é importante verificar com o máximo rigor se o hormônio produzido pela planta é idêntico ao elaborado pelo organismo humano. Segundo ele, todas as análi-
A nova frente da biotecnologia Pesquisas como a realizada
pela equipe de Adilson Leite, na Unicamp, reforçam a posição do Brasil em uma nova área de pesquisa biotecnológica que avança rapidamente no exterior. É achamada Molecular Farming ou Agropecuária Molecular, que consiste no uso de plantas e de animais como biorreatores ou minifábricas de proteínas de interesse farmacêutico ou industrial, como enzimas, anticorpos e vacinas, a baixo custo e em grande quantidade.
Já há empresas nos Estados Unidos que produzem anticorpos monoclonais em plantas, em
lotes milhares de vezes maiores que os hibridomas (cultura de células de camundongos), a ponto de permitir seu uso intensivo, até mesmo em pomadas. Mesmo os desvios das pesquisas estão se mostrando úteis. Pesquisadores norte-americanos anunciaram há quatro anos que foram capazes de produzir um anticorpo do tipo IgA, a partir de tabaco. Esse anticorpo reconhece a adesina, uma proteína da parede da bactéria responsável pela fixação da bactéria na dentina. Foi o bastante para ganhar uma aplicação mais trivial, como aditivo em dentifrício.
ses realizadas até o momento indicam que são indistinguíveis. Quanto maior a semelhança, menor a necessidade de testes a serem feitos e mais concreta a possibilidade de licenciamenta da tecnologia para início de comercialização. ''A ação depende da estrutura", diz ele. Por garantia, estão previstos experimentos em animais sem hipófise, que vão se somar aos já realizados com o hormônio proveniente de semente de tabaco, que, como se verificou, reconhece os receptores das células-alvo de fígado de coelho, usadas nas experiências, tal qual o hormônio produzido pelo próprio organismo. •
PERFIL:
• ADILSON LEITE, 42 anos, graduouse em Farmácia na Universidade Estadual de Ponta Grossa, no Paraná, e obteve o doutoramento em Bioquímica pela Universidade de São Paulo. Trabalhou na Fundação de Tecnologia Industrial (FTI), de Lorena, e na Agroceres. Ingressou em 1988 no Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ). Projeto: Sementes: (1) Regulação Cênica da Síntese de Proteínas de Reserva e Metabolismo de Lisina; (2) Estudos da Expressão de Proteínas Investimento: R$ 98.010,00
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CIÊNCIA
Macacos-prego: no Brasil, vivem em florestas, cerrado, caatinga e em áreas degradadas, mas são pouco estudados fora da Amazônia
COMPORTAMENTO ANIMAL
O mais inteligente das Américas Macacos-prego são estudados em liberdade na Mata Atlântica paulista
Curiosos, inquietos e relativ~mente pequenos, com no ma
ximo meio metro de altura quando em pé e um tufo de pêlos no alto da cabeça que lembra um topete, eles impressionam. Não há matuto ou especialista em primatologia que fique indiferente ao ver um macaco-prego ( Cebus apella) usar ferramentas- wna pedra, por exemplo, para quebrar cocos. Os estudos científicos têm demonstrado que tão intrigante quanto a habilidade manual é a organização social e o comportamento dessa espécie, considerada por especialistas como a mais inteligente das Améri-
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cas. Pesquisadores brasileiros, norteamericanos e italianos, entre outros, interessam-se de modo crescente ppr esse campo, até como uma opção para estudos comparativos com o chimpanzé (Pan troglodytes), que na natureza vive longe do Brasil, na África.
Os macacos-prego espalham-se pela América do Sul, da Colômbia à Argentina. No Brasil, ocupam ambientes tão variados quanto a Floresta Amazônica, o cerrado, a caatinga e a Mata Atlântica. Mas pouco se conhece sobre seus mecanismos de adaptação a cada um desses ambientes, porque a maior parte dos estudos a respeito dos hábitos alimentares e sociais dessa espécie foi realizada na Amazônia, sujeita a um regime anual de chuvas e de seca, que determina a abundância ou a escassez de alimentos, com implicações sobre a estrutura social dos animais. A bióloga Pa-
trícia Izar quis saber como o Cebus apella se comportaria em outro espaço, não sujeito a tamanhas variações de clima e oferta de alimento.
Professora de etologia humana na Faculdade de Comunicação da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, Patrícia partiu de um estudo feito nos anos 80 pelo biólogo norteamericano Charles Janson. Trabalhando na Amazônia peruana, Janson identificou uma hierarquia de dominância perfeitamente linear na estrutura social dos macacos-prego. Na prática: o chefe do grupo bate em todos os outros e ninguém bate nele, o subordinado imediato só apanha dele e bate nos outros, e assim por diante. Havia também muitas relações agressivas.
Para descobrir se haveria uma estrutura social diferente nwn ambiente com outras características ecológicas e de oferta de alimento, Patrícia esco-
lheu uma área de Mata Atlântica, a Base Saibadela, no Parque Estadual Intervales, no município de Sete Barras, no sul do Estado de São Paulo, a cerca de 300 km da capital. E, de 1995 a 1997, desenvolveu o estudo que resultou em sua tese de doutoramento na área de psicologia experimental, apresentada em junho de 1999 no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) sob o título Aspectos de Ecologia e Comportamento de um Grupo de Macacos-Prego ( Cebus apella) em Área de Mata Atlântica, São Paulo.
Durante o mestrado, Patrícia havia estudado a análise da estrutura
Em fuga- Com bússola, binóculo, caderneta de campo, um lanche para atravessar o dia e sacos plásticos para embalar as fezes dos macacos, indicadoras de seus hábitos alimentares, a bióloga dedicava de 8 a 13 horas diárias para observar os animais. Permanecia em sua área de estudos durante 19 dias seguidos (entre dias 1 o e 20 de cada mês), desde abril de 1995 a dezembro de 1997. Não foi fácil: de modo inesperado, o grupo de 14 a 16 macacos que escolheu para acompanhar não se habituou à presença de observadores humanos durante os 33 meses da pesquisa. "Foi um com-
próxima a Campinas, por exemplo, agricultores espantam com cachorros e tiros de sal os macacos que invadem plantações de milho, mas os animais não estranham os seres humanos.
O comportamento de fuga desapareceu durante a c~va, um recurso comum utilizado por primatologistas. Pondo alimento, normalmente bananas, os macacos se aproxm1am e começam a ver os humanos talvez como amigos. Depois de tanto se aproximar dos animais e eles fugirem gritando, Patrícia refez os planos de trabalho com seu assistente de campo, Valmir Jorge, ex-palmiteiro e planta
dor de arroz e banana de 32 anos que morou no próprio parque. Montaram um tablado de madeira a dois metros de altura em que, diariamente, deixavam 60 bananas. Os macacos aprmamavam-se, pegavam as bananas, talvez encarando a situação como inofensiva, habituavam-se com a presença humana durante alguns minutos e em seguida fugiam.
social de um grupo de macacos-prego em condições de semicativeiro, no Parque Ecológico do Tietê, na região metropolitana de São Paulo. Para fazer o doutorado, foi diferente. Orientada pelo especialista em psicologia experimental Takechi Sato, coordenador da pesquisa Estrutura Social de Macacos-Prego (Cebus apella) em Mata Atlântica, que contou com recursos de R$ 10 mil da FAPESP, passou um total de 5 mil horas na floresta. Escolhida
Patrícia e Sato: constatação de reações atípicas nos macacos
Num último recurso, Patrícia e Valmir construí-
por causa da elevada pluviosidade, que mantém a oferta de alimentos mais ou menos constante ao longo do ano, a Base Saibadela é uma mata praticamente homogênea, com árvores de 20 a 30 metros, abundância de trepadeiras e epífitas, o grupo das orquídeas e bromélias.
Como Patrícia verificaria, as folhas das bromélias constituem a dieta alimentar mais procurada pelos macacos-prego quando a variedade dos alimentos preferenciais torna-se menor, em épocas de chuvas mais raras. Sabe-se desde os anos 80 que esses macacos se alimentam principalmente com frutos maduros, mas não dispensam insetos, brotos, flores e sementes como complementos à dieta. A pesquisadora conta que a utilização do recurso mais abundante é uma característica de Cebus apella, que se adapta inclusive a áreas degradadas.
portamento atípico para a espécie", diz ela. Não houve a chamada habituação, como é chamada a tolerân<;ia à presença de seres humanos.
O imprevisto gerou um fato novo para análise. "O mais provável é que o comportamento desse grupo se deva a contatos anteriores com caçadores", justifica a pesquisadora. Intervales fora uma área particular onde havia caça até 1987, quando se tornou reserva florestal. Como um macacoprego pode viver até 18 anos na natureza, Patrícia acredita que os animais adultos do grupo estudado tenham sido submetidos a episódios de caça e aprenderam a fugir - esse é o chamado condicionamento operante, nascido de um estímulo hostil e repetido em situações semelliantes. Mas ela sabe que o suposto trauma pode coexistir com outras razões, pois há grupos que vivem em áreas de caça. Numa região
ram uma gaiola e - era 13 de fevereiro de 1997 - capturaram uma fêmea adulta. Prenderam-llie um radiocolar, sob anestesia. O cuidado era extremo: durante essa operação, a equipe - da qual participavam também o veterinário Alexandre Lima e a bióloga Valesca Zipparro - usava um capuz preto cobrindo o rosto, para que os animais não os estranhassem ainda mais. Do alto das árvores, os outros animais observavam. A fêmea reintegrou-se ao grupo, mas um mês depois o colar foi perdido, provavelmente arrancado. "Deve haver uma conjunção de fatores, inclusive características de temperamento do grupo, que explique esse comportamento': diz a pesquisadora. Para Sato, seu orientador, o conceito de habituação ainda é mal definido: "Esses fatos ajudam a refletir melhor sobre os processos de habituação e suas conseqüências para uma pesquisa".
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Dispersar de sementes - O trabalho não se perdeu. Patrícia, que recolheu restos de alimentos e amostras de fezes, levantou informações importantes para o estudo da espécie em liberdade e seu papel ecológico. Constatou que o macaco-prego atua intensamente na dispersão de sementes, uma idéia já delineada em estudos anteriores e comprovada quando ela encontrou sementes de 88 espécies de plantas, a maioria de árvores, em 93 amostras fecais de Cebus apella. Em suas andanças, recolheu também o material deixado pelos mono-carvoeiros (Brachyteles arachnoides), a maior espécie de macaco das Américas, exclusivo da Mata Atlântica, com um resultado semelhante: em 27 amostras fecais ela encontrou 30 espécies de sementes. Obviamente, quanto mais sementes espalhadas, maiores as chances de sobrevivência das plantas.
Um teste feito em laboratório com sementes da Virola bicuhyba, uma árvore que pode chegar a 30 metros de altura, mostrou esse poder de dispersão. Germinam So/o das sementes contidas nas fezes dos macacos. Segundo Patrícia, é um resultado superior ao encontrado por sua colega Valesca, que estudou essa planta durante seu mestrado em ecologia na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro. Valesca distribuiu 2 mil plântulas de virola embaixo de uma árvore - e só uma sobreviveu, isto é, 0,005%.
Outro ganho de sua pesquisa diz respeito à movimentação dos animais. O grupo estudado muda de área de anos em anos e assim amplia a área total de que se utiliza. Segundo a pesquisadora, esse fato não era tão conhecido. Charles Janson, o mesmo cuja obra forneceu a teoria inicial para o trabalho de Patrícia, desenvolve em Iguaçu, na Argentina, um estudo sobre a estratégia de forrageamento do macaco-prego, com a utilização de plataformas com alimentos. Verificou que os animais seguem trajetórias retas entre uma plataforma e outra e levam em consideração a relação entre o custo e o benefício para se desloca-
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rem de uma plataforma a outra. "Para efetuarem grandes deslocamentos, a fonte de alimento deve ser realmente compensadora, de modo que o ganho seja maior do que o esforço", diz Patrícia. Suas observações, realizadas numa área diferente, confirmam as análises de Janson a respeito da seqüência de deslocamentos dos animais. "Essa idéia explica por que os macacos-prego ficam por um tempo demorado numa subárea antes de se deslocar para outra", diz ela.
Comparações - Para Sato, o mérito essencial do trabalho da bióloga é ter estudado o macaco-prego em liberdade, fato destacado por outro especialista, Eduardo Ottoni, também do Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da USP. Três orientandos de Ottoni, além dele próprio, estudam o comportamento dessa espécie no Parque Ecológico do Tietê. Analisam o uso de ferramentas e a dinâmica do aprendizado, verificando como os filhotes aprendem com a observação dos adultos.
Segundo Ottoni, o macaco-prego representa um modelo comparativo exemplar para contraste dos estudos
A dieta: de preferência, frutos como a banana ou o bocuva, da vi rola (ao lado)
de comportamento e cognição com primatas mais próximos do homem, como o chimpanzé. "Mesmo que esteja distante em termos filogenéticos, o macaco-prego possibilita um contraponto para o estudo do comportamento e da capacidade cognitiva do chimpanzé", diz ele. Segundo Patrícia, um renomado especialista em comportamento social de chimpanzés, o primatólogo holandês Frans de Waal, que trabalha nos Estados Unidos, tem se interessado pelo estudo da estrutura social do macaco-prego, que ele considera o Chimpanzé das Américas. •
PERFIS:
• TAKECHI SATO, 52 anos, especialista em Psicologia Experimental, fez a graduação, o mestrado e o doutorado no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), onde leciona desde 1975. • PATRíCIA IZAR, 31 anos, é bióloga graduada pelo Instituto de Biociências da USP, com mestrado e doutoramento em Psicologia Experimental pelo Instituto de Psicologia da USP, e professora de Etologia Humana na Faculdade de Comunicação da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo desde 1999. Projeto: Estrutura Social de Macacos-Prego (Cebus apella) em Mata Atlântica Investimento: R$ 10.020,00
' J.
CIÊNCIA
García, da Unicamp: valorização das amêndoas de Theobroma
Chocolate de cupuaçu
Estão avançadas as pesquisas para a produção do cupulate, um produto análogo ao chocolate, feito com amêndoas de cupuaçu. Pouco conhecido no Sudeste, o fruto do cupuaçuzeiro ( Theobroma grandijlorum), uma árvore da Amazônia, é ovalado, com peso médio de 1,2 kg. Fornece a polpa, usada em doces, sorvetes e licores, e as amêndoas, ainda mal utilizadas -normalmente, como adubo. A situação pode mudar. Os pesquisadores Jaime Aguiar e Giorgini Venturieri, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), de Manaus, comprovaram que as sementes podem ser fermentadas e secas em uma caixa de madeira e em seguida torradas, moídas e moldadas. Tornamse assim uma fonte de energia: de cada quilograma de amêndoas se obtém 350 gramas de chocolate bruto em bastão. O teor de gordura e o poder calórico são equivalentes aos do chocolate comum,
feito com as amêndoas de uma planta do mesmo gênero, ocacaueiro ( Theobroma cacao) . Na Unicamp, um grupo conduzido por Marisa Jackix, Nelson Pezoa García e Lireny Gonçalves, em colaboração com Georginni Venturieri, da Universidade Federal do Pará, trabalham na otimização dos processos de fermentação, torração, temperagem e na caracterização físico-química e organoléptica da manteiga e pós de várias espécies de Theobroma. •
Plantas que sobrevivem à seca
Num congresso realizado em novembro em Londres, Julian Schroeder, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, comunicou um progresso na busca de plantas resistentes à seca, cada vez mais estudadas em vista da crescente escassez de água no mundo. Sua equipe conseguiu identificar os genes que controlam um hormônio responsável pela abertura e pelo fechamento dos estômatos (poros da superfície das fo-
lhas), por mew dos quais ocorrem a troca gasosa e a evaporação de água. Na seca, esse hormônio, o ácido abscísico, dispara uma série de reações químicas, que fecha os poros e reduz a perda de água. Um dos genes controlados pelo ácido abscísico, o Era1, age como um freio de mão no fechamento dos estômatos. Plantas sem esse gene são hipersensíveis ao hormônio e fecham os poros muito rapidamente. Resistiram a 12 dias sem água e se mantiveram verdes, enquanto as do grupo controle morreram. •
Os insetos e a qualidade da água
Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) testaram com sucesso um método de avaliação ambiental, em uso nos Estados Unidos e na Europa, que aponta o grau de contaminação dos rios. Chamada Conceito pe Rio Contínuo, essa técnica faz uma previsão de como as comunidades biológicas se organizam da cabeceira à foz de um rio, de acordo com a largura, profundidade, vazão, vegetação e poluição. A equipe coordenada por Darcílio Fernandes Baptista estudou as
comunidades de invertebrados, sobretudo insetos, do rio Macaé, no sudeste do Rio. A variação nas populações, determinada pela concentração de substâncias químicas e dejetos orgânicos, indicou as áreas dos rios mais afetadas e as mudanças na biodiversidade. O plano agora é analisar outros rios, de modo a contribuir para a implantação de uma nova metodologia de avaliação de água no Brasil, hoje realizada por análises químicas, físicas e bacteriológicas, e facilitar os procedimentos de redução do impacto ambiental. •
Centro de pesquisas em citricultura
Começou a funcionar em novembro em Araraquara o Centro de Diagnósticos de Pragas e Doenças de Citros, criado pelo Fundo Paulista de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), a pedido dos produtores, a um custo estimado de R$ 1,5 milhão, com apoio financeiro da FAPESP. Na inauguração, o ministro da Agricultura, Marcos Vinícius Pratini de Moraes, ressaltou: "Este centro de pesquisas representa o momento em que a ciência brasileira entende a contribuição que pode dar para o desenvolvimento econômico". Com um laboratório de 470 metros quadrados, três estufas climatizadas e oito pesquisadores e um gerente científico, o centro de pesquisas vai ampliar o estudo e o combate de doenças que atacam os citros, como a CVC (Clorose Variegada dos Citros), o cancro cítrico, a pinta preta, o bicho-furão e outras que ainda não chegaram aos pomares brasileiros, mas já se manifestam em outros países. •
PESQUISA FAPESP · DEZEMBRO DE 1999 27
CIÊNCIA
Alvarez: software desenvolvido no Instituto de Zootecnia substitui as fichas em papel e dá autonomia a veterinários e pecuaristas
PECUÁRIA
Bois criados pelo computador Programa simplifica o acompanhamento da produtividade do rebanho
A ntes limitados à prevenção e ao tratamento de doenças em ani
mais, os veterinários estão ganhando mais espaços e responsabilidades, como resultado das necessidades específicas de seus clientes, os criadores. No mundo todo, adquirem uma participação crescente no acompanhamento e no planejamento das técnicas de criação, sobretudo de bovinos leiteiros e de corte. Os novos tempos exigem decisões rápidas, apoiadas em informações precisas da saúde e da produtividade dos rebanhos. No entanto, as fichas zootécnicas, tradicionalmente utilizadas para compilar manualmen-
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te essas informações, embora eficientes para controlar um número reduzido de animais, são de valor limitado para acompanhar e avaliar o desempenho de rebanhos relativamente grandes, maiores que 100 animais.
Por padecer desse problema, um pesquisador do Instituto de Zootecnia de Nova Odessa resolveu se valer da informática para agilizar esse processo. Especialista em reprodução animal, o veterinário Rafael Herrera Alvarez, que trabalha com pesquisas em inseminação artificial, transferência de embriões e outras técnicas de reprodução, precisava de diagnósticos precisos e instantâneos para fazer o manejo adequado dos rebanhos bovinos envolvidos nas suas pesquisasalgo bastante difícil com as fichas de papel. Três anos depois de apresentar à FAPESP o projeto de pesquisa Desenvolvimento de um Sistema Compu-
tacwnal para o Controle Zootécnico e Reprodutivo de Bovinos, para o qual recebeu um financiamento de R$ 11,2 mil, Alvarez está concluindo um programa de computador que permite aveterinários, pesquisadores e pecuaristas um gerenciamento mais eficiente da produção, da saúde e da reprodução de rebanhos bovinos.
Como quase tudo em Ciência, o Sistema de Gerenciamento de Rebanhos, SGR, é uma obra coletiva. Foi desenvolvido em parceria com Carlos Renato Vilela, técnico em informática e diretor da empresa Prisma Informática, de Nova Odessa. Alvarez, um mexicano que mora e trabalha no Brasil desde 1985, contou também com a colaboração de outro especialista em estatística e.computação, Antônio Álvaro Duarte de Oliveira, também pesquisador do Instituto de Zootecnia. Já na etapa de ajustes finais, o soft-
ware deve ser oferecido às instituições públicas de pesquisa no Estado de São Paulo a partir de meados do ano 2000, segundo o coordenador do projeto.
Embora possa atender ao ensino, à pesquisa e à extensão rural, o SGR tomou forma sob a inspiração das necessidades do veterinário, o profissional mais capacitado para exercer a função de guardião da saúde integral do rebanho e conselheiro dos pecuaristas na tomada de decisões a respeito do manejo dos animais. No caso brasileiro, lembra Alvarez, o veterinário é fundamental para os pecuaristas que encaram a exploração animal como um negócio que depende da rentabilidade econômica. Esses pecuaristas, que detêm aproximadamente 10% dos rebanhos no Brasil, atualmente respondem por cerca de 40% da produção nacional de carne e leite.
Autonomia - O Catálogo de Software Rural, distribuído pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) lista uma dezena de programas para o setor leiteiro e de corte, mas nenhum, na avaliação de Alvarez, cobria satisfatoriamente as necessidades do veterinário, particularmente na área de reprodução. Há, segundo ele, bons sistemas de controle zootécnico centralizados pelas associações, que enviam relatórios mensais aos produtores de leite. Alvarez examinou também os sistemas de informática para controle de bovinos em uso desde os anos 70 nos Estados Unidos, Canadá, Austrália, Grã-Bretanha, Holanda, França e Bélgica até chegar ao modelo teórico que levou ao SGR.
Quando instalados na própria fazenda, os sistemas de computação podem permitir o acesso imediato aos registras, a adequação às necessidades de rebanho e a independência em relação a um computador central. E o veterinário pode atualizar os dados a cada visita: basta colocar o disquete do computador da fazenda no do veterinário. Ficará mais fácil, enfim, analisar o comportamento do rebanho. Segundo Alvarez, no caso de um rebanho de porte médio, de até 200 va-
cas, com parições durante todo o ano, uma visita mensal é o suficiente para o veterinário realizar o exame do rebanho e discutir com o produtor mudanças na rotina de manejo para alcançar os objetivos previamente estabelecidos.
"Desenvolvemos um programa que registra, processa e recupera informações sobre as atividades zootécnicas envolvidas na criação de bovinos e fornece relatórios que permitem
O sistema considera os critérios zootécnicos básicos, organizados na forma de menus. Um deles, o cadastro, apresenta a identificação de cada animal, com seu nome, um código, o registro da associação de criadores, data de nascimento, raça, origem e identificação completa dos pais e dos avós. Outro, o eventos, leva em conta os eventos reprodutivos, sanitários e de manejo. Inclui a profilaxia, manejo, indu-
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Um dos men us do SGR: em detalhes, a identificação e o desem penho de cada animal
avaliar, a qualquer momento, o desempenho produtivo, reprodutivo, incluindo transferência de embriões, e sanitário do rebanho", diz o pesquisador. Segundo ele, o software pode elaborar também um banco de dados das atividades de transferência de embriões para análise dos fatores que influenciam os resultados de produção de embriões e índices de prenhez.
A estrutura - Segundo seu criador, o SGR controla a maioria dos eventos referentes à rotina de manejo dos rebanhos de gado de corte e de leite. O banco de dados contém informações detalhadas sobre o desempenho reprodutivo, a identificação de novilhas em idade de reprodução mas que ainda não estão no cio, de vacas em diferentes fases de reposição que estão em lactação e ainda não entraram num novo ciclo para serem cobertas.
ção de cios, cios, serviços, diagnóstico de prenhez, transferência de embriões, secagem, parição, exames reprodutivos e clínicos, aborto, descartes de animais e controles produtivos.
Mais adiante, o menu produção registra a produção individual ou do rebanho e o ações cataloga as atividades diárias do animal ou do rebanho, como as observações de cio, parições, exames reprodutivos e clínicos, inseminações, profilaxia, tratamentos veterinários e manejo. Além disso, no inventário, o programa permite o controle do estoque de embriões, de sêmen e de medicamentos e a verificação global dos índices reprodutivos, produtivos e de transferência de embriões. Acompanhado de um manual de orientação do usuário, o programa pode emitir relatórios com informações provenientes de qualquer um desses menus.
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Cada usuário pode armazenar as informações de acordo com o critério ou padrão que achar melhor. No Centro de Genética e Reprodução do Instituto de Zootecnia, o padrão utilizado para acompanhar o rebanho experimental de cerca de 500 animais determina, por exemplo, que as vacas devem entrar no cio 40 dias após o primeiro parto- as que ultrapassarem esse período serão identifi-
O SGR avalia o desempenho dos inseminadores, cadastrados com nome e código, da mesma forma que controla a eficiência do sêmen de cada touro, o valor da dose, a quantidade disponível, o número de doses utilizadas na inseminação. Com essas informações, pode elaborar um histórico da fêmea inseminada. O controle de coleta de embriões funciona de modo semelhante: o sistema registra o códi-
A composição do rebanho: gráficos permitem a visualização e a tomada de decisões
cadas pelo computador. Nos padrões estabelecidos para os bezerros, o programa estabelece que o desmame deve ocorrer aos 21 O dias, as bezerras devem apresentar cio aos 14 meses e devem estar aptas para a reprodução (monta natural, inseminação ou transferência de embriões) aos 15 meses, quando devem ter um peso mínimo de 340 quilos, dependendo da raça.
A reprodução - Alvarez conta que, com a mesma precisão, pode ser acompanhada a superovulação das vacas. O programa define o tipo de hormônio que será utilizado, quantidade de doses que serão aplicadas e o intervalo entre horas e entre as doses. Pode também determinar os melhores momentos e condições para a transferência, congelamento e descongelamento de embriões.
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go e o nome da doadora, a data da coleta, o operador, as dificuldades e soluções encontradas, os meios de coletjls e a qualidade e o total de embriões.
Num plano secundário, em uma subpasta, o SGR apresenta os dados de reprodução, com número de parição, histórico de produção de leite, desempenho ponderai (peso, altura e ganho de peso), histórico reprodutivo, profilaxia de vacinas e medicamentos utilizados. Permite também selecionar os animais por grupo- vacas adultas, novilhas, bezerros e bezerras, touros e garrotes, por exemplo. A produção de leite é controlada a partir do código e do nome do animal, com o registro da data, o número e a quantidade de leite de cada ordenha, incluindo a percentagem de proteína e de gorduras no leite.
O sistema emite uma planilha com os dados de cada acontecimento e os procedimentos adotados, na qual são
anotadas as informações e reintroduzidas no sistema, que elabora um gráfico com a evolução reprodutiva, produtiva e sanitária do rebanho durante o ano, mês a mês. "O SGR faz uma avaliação global da criação, da eficiência dos procedimentos adotados e identifica os animais-problema", resume Alvarez. Conhecedor da realidade, ele sabe que o veterinário trabalha normalmente com vários rebanhos.
Se todos os animais estiverem cadastrados no computador, ele imagina, será possível fazer comparações entre os plantéis e analisar o desempenho global e individual, com a finalidade de alertar os produtores sobre novos procedimentos a serem tomados. Contudo, o computador é apenas uma ferramenta para agilizar a análise de dados. "Se for deficiente a coleta de informações que alimenta o sistema, os problemas na criação persistirão e não serão resolvidos mesmo se o controle for informatizado", diz o pesquisador, empenhado em incorporar novas variáveis propostas pelos primeiros usuários, ainda no Instituto de Zootecnia. Seu plano é, num prazo de um a dois anos, poder oferecer o programa aos veterinários e pecuaristas interessados em cuidar dos rebanhos por computador. •
PERFIL:
• RAFAEL HERRERA ALVAREZ, 42 anos, formou-se em Medicina Veterinária e Zootecnia na Universidade de Durango, no México, onde nasceu. Fez o mestrado na Escola Nacional Veterinária de Alfort, na França, e o doutorado na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Jaboticabal. É pesquisador científico do Centro de Genética e Reprodução Animal do Instituto de Zootemia de Nova Odessa e professor do curso de pós-graduação de Medicina Veterinária da Unesp de Jaboticabal. Projeto: Desenvolvimento de um Sistema Computacional para o Controle Zootécnico e Reprodutivo de Bovinos Investimento: R$ 11.245
CIÊNCIA
GENÔMICA
Passo adiante na análise de genes
Laboratório de biochips facilita a pesquisa e o diagnóstico de câncer
A comunidade científica brasileira terá mais facilidade para in
corporar os benefícios proporcionados pelas sucessivas descobertas no campo da genética. No dia l3 de dezembro, o Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer inau-gurou o Laboratório de Genoma Funcional, que vai se dedicar à análise dos genes identificados pelos pesquisadores do Projeto Genoma Humano do Câncer, desenvolvido pelo Ludwig em parceria com a FAPESP, com um orçamento aproximado de US$ lO milhões. Trata-se do primeiro laboratório de biochips, também chamados de microarray (microarranjos) ou de chips de DNA no país.
"O interesse pelo biochip está ligado ao grande potencial desta metodologia em gerar informações importantes para o diagnóstico e prognóstico do câncer, além de identificar potenciais alvos para novas drogas", diz o bioquímico Luís Fernando Lima Reis, coordenador de RNA do Projeto Genoma Humano do Câncer e responsável pelo novo laboratório, construído pelo Instituto Ludwig a um custo estimado de US$ l milhão.
A identificação de seqüências genéticas, na etapa preliminar do estudo do genoma, apóia-se na metodologia conhecida pela sigla Orestes ( Open Reading Frames EST Sequences). Essa técnica aumenta a chance de obter informação funcional, por analisar o gene do meio para as extremidades.
Regina e Reis (ao /ado): de 1.000 a I 0.000 genes aval iados ao mesmo tempo
Desde a implantação do Projeto Genoma Huma-no do Câncer, l1á
seis meses, os pesquisadores realizavam a análise dos perfis de expressão dos genes descobertos por meio da técnica differential display, de alcance limitado. Mesmo assim, permitiu a identificação dos genes ligados a processos inflamatórios em tecidos de camundongos e das seqüências derivadas do câncer de estômago em humanos.
''Até recentemente, utilizávamos arrays de baixa complexidade e densidade que chegaram a impulsionar projetas de identificação de novos marcadores genéticos para o câncer de estômago, tireóide e mama", comenta Reis. Segundo ele, as análises de expressão gênica tomam outra dimensão com a técnica de microarray. De 1.000 a 10.000 genes poderão ser analisados simultaneamente, depen-
dendo da complexidade e densidade das combinações.
A nova metodologia consiste na fixação de moléculas de DNA complementar ( cDNAs, geradas a partir do RNA), que contêm os genes seqüenciados, sobre um suporte sólido, geralmente de vidro. Por meio de raios ultravioleta, uma reação química fixa as seqüências de genes ao suporte de vidro e permite comparações que indicam quando um gene é expresso: se no tecido normal, na alteração pré-maligna ou na fase maligna.
Sob os cuidados da biomédica Regina Nomizo, um robô chamado Fle:xys distribui os cDNAs sobre o vidro. Em duas horas, processa cerca de 10.000 fragmentos de DNA ou ESTs (Expression Sequence Tags, etiquetas de seqüências expressas), a matéria-prima da metodologia Orestes. Desse modo, será possível ampliar o leque de pesquisas e incluir o estudo dos perfis moleculares de tu mores de cabeça, pescoço e estômago, os tipos mais comuns no Brasil e pouco estudados no exterior. •
PESQUISA FAPESP • DEZEMBRO DE 1999 31
CIÊNCIA
MAPA PEDOLÓGICO DO ESTADO DE SA- 0
PAULO
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Oliveira: mapa para prefeituras, empresas de engenharia e fazendeiros, em escala adequada para análises regionais
CARTOGRAFIA
Terra bem examinada
Mapa de solos ajuda a rever expansão agrícola e urbana de São Paulo
N o final do século passado, os fazendeiros do Vale do Paraíba
teriam evitado problemas se tivessem à mão um mapa de solos. Descobririam, por exemplo, que o solo daquela área, entre as serras do Mar e da Mantiqueira, exigiriam cuidados especiais para manter a produtividade do café. A natureza mostrou-se lógica: o solo se esgotou, as lavouras se desfizeram e as cidades do Vale viveram um período de estagnação até encontrarem a vocação industrial. Embora não tenham cessado os exemplos de uso inadequado do solo- as plantações e as cidades ainda se espalham
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sem respeitar as limitações e as potencialidades do terreno -, os agricultores de hoje não precisariam viver tlS
mesmas emoções. O novo mapa de solos do Estado
de São Paulo informa sobre a variação de profundidade, a suscetibilidade à erosão, a composição granulométrica (ou textura), a fertilidade e as classes de relevo. Permite, enfim, avaliar o potencial de uso agrícola e urbano do território paulista e evitar erros. Elaborado ao longo de três anos e publicado com apoio financeiro da FAPESP, é o resultado do trabalho de quatro pesquisadores: João Bertoldo de Oliveira e Márcio Rossi, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), Marcelo Nunes de Camargo, já falecido, e Braz Calderano Filho, do Centro Nacional de Pesquisas de Solos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), do Rio de Janeiro.
Segundo Oliveira, sua escala, de 1:500.000 (um centímetro representa cinco quilômetros), é apropriada para análises regionais. O mapa poderá ser usado, por exemplo, por prefeituras, secretarias de Estado e empresas de engenharia e de planejamento, além de fazendeiros; para ampliar a margem de acerto na escolha de espaços reservados para áreas industriais ou agrícolas, conjuntos residenciais, estradas, aterros sanitários ou cemitérios, que se tornam inevitáveis à medida que as cidades crescem, ou no planejamento da propriedade rural.
"O mapa será um documento básico também no ensino, especialmente em escolas de engenharia, de agronomia, ecologia, geologia e geografia", exemplifica o pesquisador. A utilização pode ser ainda mais ampla, incluindo o planejamento militar, por indicar a capacidade de suporte do terreno, uma informação fundamental para o transporte de veículos pesados e a construção de estradas ou de campos de aviação.
Essa obra cobre a lacuna deixada pelo mapa anterior, de 1960, elaborado pela antiga Comissão de Solos do
Ministério da Agricultura, atual Embrapa-Solos. O detalhamento, evidentemente, é maior: há 387 unidades de mapeamento identificando trechos do território com tipos de solos diferenciados, no lugar das 39 estabelecidas no anterior.
Solos predominantes - O mapa de solos apresenta dez categorias de solos, diferenciadas com base em variáveis como características químicas, cor, textura, espessura, presença de cascalhos e tipos de horizontes superficiais. Como para cada classe de solo é indicada a classe de relevo predominante, torna-se possível concluir, associando com as informações a respeito do solo, sobre a maior ou menor facilidade de erosão do terreno e sobre as práticas de conservação ambiental mais indicadas.
No Estado, de acordo com esse mapa, predominam duas categorias de solos, os latossolos e os argissolos. Oliveira conta que os primeiros apresentam uma discreta capacidade de reter bases, como cálcio, magnésio e potássio. A profundidade pode variar alguns metros, mas, quanto mais profundos, apresentam apenas ligeiro aumento de argila. "Os latossolos situam-se geralmente em relevos aplainados ou suave ondulado e apresentam boa permeabilidade interna, o que lhes confere uma grande resistência à erosão': comenta o pesquisador. São também fáceis de serem preparados para o plantio e apresentam variado grau de fertilidade. "Mesmo os pouco férteis, uma vez adequadamente manejados, podem se tornar bastante produtivos': lembra Oliveira.
Os argissolos, o outro tipo de solo predominante no Estado de São Paulo, apresentam uma característica que os distingue: um apreciável acréscimo de argila abaixo da camada superficial. Comuns em terrenos de declive mais acentuado que os latossolos, são mais sujeitos à erosão. Requerem, pois, cuidadosas práticas de conservação, ressalta o pesquisador, que lembra que há uma grande variação de argissolos, desde os ácidos e pouco férteis até os ricos em bases.
Matérias orgânicas - As terras roxas do interior paulista, famosas pela fertilidade, embora com teores reduzidos de materiais orgânicos, encontram-se entre os latossolos. Mas nem sempre a cor vermelha está associada à fertilidade do solo, notam os autores do mapa, que deixam evidente: existem solos vermelhos pobres e amarelos ricos, também valendo a situação inversa. De todo modo, esse trabalho mostra que os teores de ma-
também variam, de 1:250.000 a 1:50.000. Sem problemas: os pesquisadores desenvolveram uma metodologia de ajustes e redefiniram as legendas até chegar à obra final.
Apresentado em julho no Congresso Brasileiro de Solos, em Brasília, o novo mapa pedológico do Estado de São Paulo é um dos primeiros a aplicar o novo Sistema Brasileiro de Classificação de Solos, elaborado por cerca de 70 pesquisadores, sob a coordena-
Amostras de latossolos (à esq. e ao centro) e de argissolo: os tipos predominantes
téria orgânica no solo não são muito elevados no Estado. Mesmo assim, há solos que, bem manejados, suportam o cultivo das principais culturas, como cana-de-açúcar, laranja e café.
O mapa é complementado pelo Boletim Científico 45 do IAC, com informações a respeito da constituição química e física e do comportamento agrícola dos solos pertencentes a cada uma das dez categorias básicas de solo. A publicação apresenta descrições morfológicas e análises de perfis representativos dessas classes de solos, além de estabelecer a relação entre os solos identificados no atual mapa com os dos mapas anteriores.
O mapa pedológico resulta da compilação e adequação de uma série de oito mapas, provenientes do Projeto RadamBrasil, que nos anos 70 mapeou o território nacional, e de outros 15 do próprio IAC. As escalas
ção da Embrapa-Solos. Entre as mudanças, os especialistas desdobraram uma ampla categoria de solos, os podzólicos, em três classes diferentes, os argissolos, luvissolos e alissolos (o termo podzólico não existe mais). O mapa pode ser adquirido na seção de publicações do IAC por R$ 50,00, e o Boletim Científico 45, por R$ 20,00. •
PERFIL:
• }OÃO BERTOLDO DE OLIVEIRA, 65 anos, agrônomo, é pesquisador aposentado do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e professor do Departamento de Água e Solos da Faculdade de Engenharia Agrícola da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) . Projeto: Mapa Pedológico do Estado de São Paulo Investimento: R$ 84.750
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TECNOLOGIA
ENGENHARIA SIDERÚRGICA
Nova geração de cilindros de aço USP, IPT e Villares constroem peças mais resistentes e eficazes
I mperceptíveis, embora presentes no cotidiano da maioria das pes
soas, as chapas de aço estão em toda parte, nas carrocerias de automóveis e até dentro de casa, nas portas de geladeira, entre outros produtos. Insumo essencial nas montadoras de veículos e de eletrodomésticos, elas são produzidas pela indústria siderúrgica, um setor que vive severa competitividade no mercado nacional como conseqüência do período de privatizações e necessita se modernizar para enfrentar o mercado externo.
A vantagem do Brasil é ser um dos poucos países que fabricam, para consumo próprio e para exportação, cilindros de laminação, que são as ferramentas de conformação das chapas. Porém, nos últimos dez anos, a concorrência em países como Japão, Estados Unidos, Canadá e na Europa tem conduzido a produção desses cilindros para uma transformação tecnológica que torna essas peças mais resistentes e eficazes.
Para acompanhar esse avanço, a Aços Villares, maior fabricante nacional de cilindros de laminação, uniuse à Escola Politécnica (Poli) da Universidade de São Paulo (USP) e ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) para desenvolver uma nova série desses produtos. A empresa, que produziu 23 mil toneladas de cilindros em 1998, exporta 50% de sua produção para Argentina, Chile, Venezuela, México, Estados Unidos, Canadá, África do Sul, Alemanha, Holanda, Hungria, Taiwan, Singapura e Malásia, por exemplo. A união tem o apoio da FAPESP, dentro do progra-
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Boccalini e Sinato ra: soma de capacidades e aproveitamento de infra-estrutura
ma Parceria para Inovação Tecnológica (PITE), que financia projetas de pesquisa entre uma empresa e uma instituição acadêmica. O projeto intitulado Desenvolvimento da Produção de Cilindros de Aço Rápido para Laminação de Tiras a Quente conta com recursos de R$ 145 mil e US$ 30 mil da Fundação, enquanto a Aços Villares disponibilizou R$ 467 mil.
Teste na produção - Iniciado em dezembro de 1997, o projeto está com o término previsto para o final de 2000. Até lá, os pesquisadores têm a intenção de obter indicativos seguros em testes de campo. "Esses testes são demorados, porque são realizados com a utilização dos cilindros nos laminadores das indústrias siderúrgicas, ou seja, é um teste real, na produção", explica o engenheiro metalurgista Mário Boccalini Júnior, pesquisador do Laboratório de Fundição do IPT.
De acordo com o coordenador-geral do projeto, o engenheiro metalurgista Amilton Sinatora, da Poli, está havendo uma soma de capacidades, tanto do IPT quanto da USP, num aproveitamento da infra-estrutura existente no Laboratório de Fundição do IPT e no Laboratório de Fenômenos de Superfície da Poli-USP. "Trabalhamos em pé de igualdade e a interação entre nossos laboratórios permite que o projeto saia a um custo muito menor do que teria caso fosse realizado inteiramente na USP ou no IPT", afirma Sinatora.
O gerente de engenharia e desenvolvimento de cilindros da Aços Villares, de Pindamonhangaba, Miguel Angelo de Carvalho, explica que esses cilindros recebem as chapas em temperaturas superiores a 1000°C, deformando-as de acordo com a necessidade de espessura. São vários tipos de cilindros de laminação, sendo que os
envolvidos nesse projeto são os chamados cilindros de trabalho para laminadores de tiras (de aço) a quente. Eles representam mais de 25% dareceita com a venda de todo tipo de cilindro fabricado para a indústria siderúrgica, em nível mundial. "Além desses cilindros, existem aqueles para laminação de tiras a frio, para a fabricação de barras e também de encosto, nos quais os de trabalho ficam apoiados", explica Carvalho.
Como macarrão - Para se ter uma idéia de como estão montados os cilindros de trabalho no laminador de tiras a quente, Boccalini sugere a imagem daquelas máquinas caseiras de fazer macarrão. "A massa que passa entre os dois rolinhos de metal, instalados na posição igual à dos cilindros da siderúrgica, sai do outro lado em forma de macarrão e pode ser comparada às chapas de aço. O laminador é formado por vários conjuntos - chamados de gaiolas - desses dois cilindros de trabalho, que são apoiados nos cilindros de apoio e vão diminuindo a espessura da chapa, progressivamente."
Esse sistema é uma forma de transferir a carga de laminação, impedindo a flexão e evitando a produção de chapas deformadas. A permanência da qualidade da chapa, em níveis adequados, por um maior espaço de tempo é um dos trunfos da nova série de cilindros de trabalho produzidos com aço do tipo rápido, uma categoria mais resistente, por exemplo, que o aço carbono e o aço inoxidável.
Todos os aços têm como base o ferro e o carbono, ao qual são adicionados elementos químicos como cromo e manganês, conforme a necessidade do produto final. O aço rápido possui carbonetos- compostos de carbano com outros elementos químicos- finamente dispersos na liga, o que determina mais resistência ao desgaste abrasivo que ocorre durante a laminação. Os cilindros da geração anterior, produzidos com ferro fundido branco de alto-cromo, têm carbonetos menos duros, maiores e mais
No laboratório de fundição do I PT: testes com ligas metálicas em minicilindros
concentrados em determinadas regiões do material.
Durabilidade - A oxidação da superfície dos cilindros de aço rápido também é menor do que a sofrida pelos cilindros de ferro fundido e, no conjunto, as propriedades da nova geração permitem que eles permaneçam em atividade por até três vezes mais do que seus antecessores, explica Miguel Carvalho. Esse diferencial é muito importante para a indústria siderúrgica, uma vez que qualquer parada para a substituição dos cilindros -feita periodicamente, para retífica da superfície- representa perdas na produção de toneladas de aço.
Há laminadores de tiras a quente que chegam a produzir 400 mil toneladas de aço por mês, o que representa cerca de 500 toneladas por hora. "A indústria siderúrgica ganha no volume e qualquer acidente com o laminador representa uma falha gravíssima", ele diz. Por isso, os pesquisadores trabalham buscando o melhor processo de fabricação do cilindro, que depende tanto do projeto e dos componentes da liga metálica quanto do modo de construção - se com temperatura maior ou menor, resfriamento mais ou menos rápido. Tudo vai influir na microestrutura do material, que é o ponto que comanda todo o processo de desgaste.
Em 2000, a Vil lares pretende exportar 60% da produção de cilindros de aço
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Na produção do aço rápido, os metais utilizados recebem a adição de substâncias químicas e são derretidos. Todo esse material é colocado num molde centrífugo que gira a rotações muito altas. Com isso, o aço rápido adere ao molde, formando um cilindro oco como um tubo. Internamente, ele recebe um núcleo de material menos nobre, cuja característica principal é resistir aos esforços sem quebrar.
Todo o desenvolvimento do novo cilindro trouxe resultados positivos, tanto em acúmulo de conhecimento para os engenheiros da USP e do IPT quanto para a empresa, que investe na formação de seus funcionários . Em 2000, a Villares pretende exportar 60% da produção de cilindros de aço e, em 2002, espera produzir um total de 30 mil toneladas de cilindros por ano. Um aumento de 30% na produção, em quatro anos, que mostra a disposição da empresa em continuar competitiva e ganhar novos mercados produtores de chapas de aço. •
PERFIS:
o AMILTON SINATORA é professor do Departamento de Engenharia Mecânica da Poli-USP desde 1986, onde coordena o Laboratório de Fenômenos de Superfície. Graduou-se na Poli, em 1975, fez mestrado, em 1986, e doutorado, em 1990, na Unicamp. o MARIO BOCCALINI JúNIOR é pesquisador do Laboratório de Fundição do IPT desde 1989. Graduou-se pela Poli, em 1981, onde concluiu o mestrado, em 1990, e o doutorado, em 1996. o MIGUEL ANGELO DE CARVALHO é gerente de engenharia e desenvolvimento de cilindros da Aços Villares SI A, há dois anos. Está na empresa desde 1987, ano de sua graduação pela Universidade Federal de São Carlos. Em 1995, concluiu o mestrado na Poli. Projeto: Desenvolvimento da Produção de Cilindros de Aço Rápido para Laminação de Tiras a Quente Investimento: R$ 145 mil e US$ 30 mil, da FAPESP, e R$ 467 mil, da Villares.
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TECNOLOGIA
AGROINDÚSTRIA
Doce filtro da garapa Technopulp desenvolve equipamento para a indústria canavieira
Oconsumidor que conhece o açúcar apenas pela sua forma
final, branco e refinado, não imagina as diferentes e complexas fases para a obtenção desse adoçante. Antes de se tornar tão alvo ao ponto de ser
nopulp Consultaria e Comércio de Equipamentos Industriais. Composta por 13 funcionários e situada em Ribeirão Preto, um dos maiores centros produtores de açúcar e álcool do país, a empresa desenvolveu um filtro com alto poder de retenção de impurezas e baixo teor de perda de sacarose, capaz de substituir com vantagens o sistema convencional, chamado rotativo, utilizado há quase um século pela indústria canavieira.
Na solução oferecida pela Tech-
Pedro Córdoba e Pedro Júnior: Vacuum Press diminu i a perda de sacarose
sinônimo de brancura, o açúcar é um caldo escuro que exige um sofisticado processo de purificação em várias etapas.
Essa complexidade de depuração aliada à competitividade atual da indústria canavieira, no Brasil e no exterior, estão exigindo uma mudança de perfil tecnológico em busca de inovação, eficiência e produtividade. Um desafio que está sendo enfrentado por uma pequena empresa de engenharia de equipamentos, a Tech-
nopulp, a capacidade de retenção de sólidos em suspensão do líquido extraído da cana-de-açúcar sobe de 52 a 62%, no sistema tradicional, para 92 a 94%. O aperfeiçoamento desse novo sistema, chamado de Vacuum Press (VP) ou Filtro Contínuo deDupla Tela, recebeu o apoio da FAPESP, a partir de 1997, por meio do programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) . A Fundação disponibilizou R$ 248 mil para o desenvolvimento do novo equipamento
Fluxograma da produção de açúcar
MOAGEM
EVAPORAÇÃO
com a instalação de um laboratório e planta piloto, enquanto a empresa investiu R$ 104 mil.
A equipe da Technopulp está segura dos avanços que a nova tecnologia vai possibilitar ao setor açucareiro. "É o filtro do futuro", comemora Pedro Gustavo Córdoba, engenheiro químico, diretor e fundador da empresa, que foi criada em 1978, inicialmente voltada para o segmento de papel e celulose. Atuando no desenvolvimento e fabricação de equipamentos, a Technopulp percebeu o nicho de mercado representado pelas usinas de açúcar. Desenvolveu o filtro VP e partiu para instalar o primeiro protótipo, ainda em 1995, na destilaria Virálcool, na cidade de Viradouro, SP, onde se perceberam as boas perspectivas técnicas e comerciais do produto.
O processo - Pelo novo conceito do Vacuum Press, a ftltração da garapa se dá por meio de um sistema gradual, que consiste na drenagem por gravidade seguida da separação do líquido
SUFITAÇÃO CALAGEM AQUECIMENTO DECANTAÇÃO FILTROVACUUM PRESS
COZIMENTO CENTRIFUGAÇÃO SECAGEM
por pressão física e baixo vácuo- com pressão atmosférica menor que o ambiente, facilitando a sucção de matéria orgânica indesejada. O VP utiliza telas de poliéster com elevado poder de retenção. Ele recebe o lodo do decantador, onde é separada parte das sujeiras da cana, como terra e pallía, do restante das impurezas que contêm sacarose. O novo ftltro também pode ser usado como auxiliar dos rotativos, efetuando a ftltragem sem implicar a parada da máquina para limpeza, como acontece no processo antigo.
A operação do VP é efetuada por meio de um sistema intermitente que lava o lodo com água quente, prensa e seca a torta resultante, obtendo um caldo mais limpo, que será utilizado na indústria açucareira. "Isso diminui as perdas de açúcares", afirma Pedro Córdoba Júnior, engenheiro químico e filho do proprietário da empresa, que atua como coordenador do projeto.
A primeira unidade piloto do VP aperfeiçoado começou a funcionar
li] Cristalizadores !
! AÇÚCAR
na Usina da Pedra, no município de Serrana, SP, no primeiro semestre de 1998. "Essa fase serviu para consolidar as nossas hipóteses técnicas em relação às melhorias tecnológicas pretendidas, além de servir para ensaios e medições visando à escala industrial", afirma Pedro Córdoba.
A segunda fase, em andamento, consiste no funcionamento do protótipo industrial na Usina Diamante, no município de Jaú, no Estado de São Paulo. A máquina foi montada no final da safra, em novembro, e está pronta para os testes definitivos, em maio, no início da próxima. "O novo equipamento deve superar com ampla margem de vantagem as demais opções, inclusive o equivalente de origem americana, mais caro e defasado em tecnologia", diz Pedro Córdoba. Ele lembra ainda que o mercado internacional está ávido por produtos de qualidade.
Mais barato - O plano da empresa é ativar o protótipo na próxima safra e concluir o relatório científico em se-
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a 1 O filtros por ano, ao preço de R$ 160 mil a unidade na versão maior, que atende a 7 mil toneladas de cana por dia.
O valor do novo filtro é altamente competitivo em relação ao rotativo, estimado em R$ 3 70 mil. O Vacuum Press também leva vantagem na economia de ocupação da área útil na usina, menor em até cinco vezes, além de pesar 8 toneladas contra 40 do antigo. O consumo de energia elétrica com o novo produto é outro item vantajoso, cai entre 5% e 8%.
Lavagem do lodo com água quente antes da prensagem e da separação do caldo filtrado e da torta
Pedro Córdoba destaca os benefícios sociais do projeto, já que os
principais componentes do filtro, tais como rolos, caixas de sucção e todas as peças e os serviços de usinagem e calderaria, são encomendados a um grupo de quase uma dezena de micro e pequenas empresas da cidade, por meio de terceirização. Essa estratégia certamente vai reforçar e ampliar o modelo de economia baseada nesse tipo de empreendimento. Outras utilizações do filtro VP também devem colaborar para esse cenário. Segundo Pedro Córdoba, a indústria de sucos, especialmente a de laranja, tem interesse na utilização desse produto. Bom para a Technopulp, bom para a agroindústria. •
tembro do ano 2000, o que permitirá à empresa ingressar na terceira fase do projeto - a produção em série do equipamento para os mercados interno e externo. Somente na fabricação de açúcar, a Technopulp estima a
existência de 400 filtros rotativas em funcionamento, dos quais 5% são substituídos a cada ano, por se tornarem obsoletos. A empresa calcula que terá condições de atender a, pelo menos, metade dessa demanda, equivalente
Impurezas do xarope
A Technopulp também investe num novo método de filtração do xarope, que é o caldo açucarado concentrado, uma fase posterior à garapa que sai do Vacuum Press. "O objetivo é eliminar impurezas insolúveis existentes na fase de concentração do caldo que depreciam, de forma considerável, o valor final do nosso açúcar no mercado externo", afirma Pedro Córdoba. O açúcar demerara, produto que precede a fase de refinação, produzido nas usinas brasileiras é vendido no mercado internacional por US$ 160 a US$ 180 a tonelada, mas acaba sendo purificado no exterior, onde ganha valor agregado de cerca deUS$ 200.
Também baseado nos con-
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ceitas do VP, a Technopulp estuda um sistema de tratamento das impurezas da garapa que sai das moendas e é destinada à produção de álcool. É o tratamento de caldo misto a frio, com um filtro que terá utilidade na eliminação das etapas de pré-aquecimento e decantação, as quais são supridas por um processo de filtração direta com membranas de alta porosidade. "Com isso, a indústria economizaria o vapor do aquecimento e o resfriamento do líquido, hoje etapas muito caras", afirma Pedro Córdoba. O novo sistema é muito bem-vindo neste momento em que as metas desse setor industrial são de ampliar a produção do álcool nos próximos anos.
PERFIS:
• PEDRO GusTAVO CóRDOBA, engenheiro químico formado na Escola Superior Técnica de Santiago Del Estero, Argentina. • PEDRO GUSTAVO CóRDOBA JúNIOR, engenheiro químico formado pela Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp ). Projeto: Aperfeiçoamento do Filtro Vacuum Press para a Indústria de Açúcar e Álcool Investimento: R$ 248 mil da FAPESP e R$ 104 mil da Technopulp.
Casanova apresenta projeto na Unesco
Na Reunião Anual da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) realizada em Paris, em outubro, mais de 1.400 pessoas aplaudiram de pé o professor Francisco Casanova, da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele apresentou o projeto Auto-Construção para População de Baixa Renda, que aperfeiçoou uma técnica milenar de fabricação de tijolos, chamada cimento-solo. Essa mistura utiliza a própria terra do local da casa a ser construída e um pouco de cimento, em proporção que varia de 5 a 10% do total, dependendo da consistência do solo. A massa é colocada em prensas manuais ou hidráulicas para compactação. Depois os tijolos devem ficar em um ambiente úmido, sem vento e sem sol, durante uma semana. As peças são produzidas para serem simplesmente encaixadas uma nas outras, dispensando o uso de argamassa. Por esse método, uma casa de 70m2 é construída com apenas R$ 2,5 mil (dois mil e quinhentos reais) gastos em material de construção, diminuindo em até 50% o preço das casas populares. Depois da apresentação na sede da Unesco, membros da diretoria da entidade se interessaram em fazer um convênio com a Coppe para possibilitar a utilização desse método em outros países como acontece, atualmente,
TECNOLOGIA
Casanova: t ijolo aperfeiçoado para a população de baixa renda
na periferia e favelas da cidade do Rio de Janeiro.
Serviços do INPE atraem empresas
O Laboratório de Integração e Testes (LIT) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) tem a função primordial de preparar satélites científicos e de comunicações para serem lançados ao espaço. No entanto, uma outra atividade tem ocupado 32% do tempo do LIT. É a prestação de serviços para indústrias de vários segmentos. São testes de qualificação de produtos ou o desenvolvimento de softwares para a otimização da produção de uma fábrica, por exemplo.
A análise inclui áreas de interferência eletromagnética, aferição, calibração, testes climáticos e de vibrações acústicas. O leque de beneficiados é grande, abrange as indústrias automobilística e de telecomunicações, os fabricantes de equipamentos eletrônicos e cirúrgicos. "O LIT tem 480 clientes catalogados e, em 1999, a arrecadação com essa prestação de serviço foi de US$ 1,5 milhão", informa· Benjamim · Gaivão, gerente do LIT. O laboratório espera, agora, uma ampliação em suas dependências, que depende de verba do governo federal, no total de US$ 8 milhões, para abrigar uma nova câmara de testes de interferência eletro-
Carro passa por testes eletromagnéticos em câmara do INPE
magnética e de vibração acústica. A ampliação também prevê a parceria financeira de indú ;trias usuárias do LIT como a Volkswagen e a Mercedes-Benz.
Plástico, no rumo do biodegradável
Uma ampla discussão sobre os rumos da produção de plástico biodegradável no país vai acontecer entre os dias 9 e 11 de fevereiro de 2000, no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), durante o seminário Produção e Uso de Plásticos Biodegradáveis. O evento vai reunir pesquisadores e representantes da cadeia produtiva de plásticos e faz parte das comemorações dos 100 anos do IPT. Entre os objetivos do seminário estão a discussão do potencial de uso desse produto, que se decompõe no solo e não deixa resíduos por centenas de anos, como os plásticos comuns produzidos com substratos de petróleo. Outro ponto importante será a discussão sobre a legislação desse produto. Hoje, inexistem normas técnicas no Brasil e em outros países que determinem as suas características e em quanto tempo ele deve se degradar no solo. No seminário também serão discutidos modelos de incentivos fiscais para fabricantes de plástico biodegradável como forma de incentivar a produção. O IPT pesquisa esse tipo de polímero desde 1992 e, no momento, os pesquisadores do agrupamento de biotecnologia aperfeiçoam um tipo de plástico produzido com cana-de-açúcar.
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HUMANIDADES
CIÊNCIA POLÍTICA
Presidencialismo torna fácil governar
Estudo revela que o sistema tem mais virtudes que defeitos
RI C ARDO AGUIAR
P olíticos de expressão, como o governador Tasso Jereissati (PSDB),jornalistas e cientistas políticos acreditam que há uma
origem comum nas graves crises políticas enfrentadas pelo país. O suicídio de Vargas, em 1954, a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, a queda seguinte de João Goulart, e até mesmo as dificuldades atuais do presidente Fernando Henrique Cardoso teriam como causa básica o sistema presidencialista brasileiro. Tal sistema provocaria um insolúvel conflito entre os Poderes Executivo e Legislativo, emperraria a administração, mas não o fisiologismo. O sistema teria de ser reformado urgentemente ou substituído pelo parlamentarismo.
Mas um estudo, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo-FAPESP e coordenado pelos cientistas políticos Argelina Cheibub Figueiredo, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), e Fernando Limongi, da Universidade de São Paulo (USP), com pesquisadores do Centro Brasileiro de
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Análise e Planejamento ( Cebrap ), põe em xeque essas análises. Não só haveria diferenças fundamentais entre o presidencialismo do período de 1946 a 1964 e o atual, formado a partir da Constituição de 1988, como o sistema em vigor, do ponto de vista da governabilidade, teria mais virtudes do que defeitos, ao garantir ao Executivo liberdade de traçar e dar andamento a seus planos e de compor com o Congresso uma relação sobre bases partidárias, que dispensa o fisiologismo.
Algumas descobertas e conclusões importantes já são reveladas pelas fases iniciais do projeto temático Instituições Políticas, Padrões de Interação Executivo-Legislativo e Capacidade Governativa: 1) O Congresso não constitui uma instância institucional de veto à agenda do Executivo; 2) o Executivo, sob o presidencialismo, pode dispor de recursos institucionais que induzam os parlamentares a cooperar com o governo e a sustentá-lo; 3) o governo organiza o apoio à sua agenda legislativa (a pauta dos projetas e das reformas de seu interesse) em bases partidárias no Congresso e, desta forma, repete moldes muito similares àqueles encontrados em regimes parlamentaristas ao compro-
/ Argelina: livre para governar
meter partidos, que recebem pastas na administração federal e não parlamentares individualmente, com os planos do governo; 4) os governantes recentes, ao contrário do que se propala, têm tido considerável sucesso na Câmara e no Senado, ainda que não tenham conseguido aprovar tudo o que quisessem; 5) a concentração de poderes no Executivo brasileiro é institucional, caracterizando, portanto, um sistema distinto do "presidencialismo imperial" de base personalista, tido como peculiar dos sistemas políticos da América Latina.
A pesquisa teve início em abril de 1997, com financiamento de R$ 110 mil da FAPESP, e será concluída em março de 2001. O trabalho envolve cerca de dez profissionais, dos coordenadores a bolsistas nos níveis de doutorado, mestrado e graduação, contando também com a colaboração de pesquisadores de outras instituições nacionais e estrangeiras. A pesquisa buscou como fonte básica de informações, no lugar de entrevistas e arquivos dos jornais, o extenso e altamente organizado banco de dados do Congresso.
Os primeiros estudos já produziram o livro Executivo e Legislativo na
Congresso Nacional, em Brasília: Executivo e Legislativo nacionais não
teriam conflitos infindáveis
Nova Ordem Constitucional, publicado pela FGV, de autoria de Argelina e Limongi. Esse trabalho, que analisa a relação entre os dois Poderes no período de 1989 a 1999, é ponto de partida para as etapas em andamento, que visam a comparar esta "nova ordem" com o sistema presidencialista multipartidário do período de 1946 a 1964 e com o regime democrático de outros países da América Latina. O tema, como destacam os coordenadores do projeto, não é algo periférico no interesse da sociedade e dos cidadãos, já que "o padrão de inter-relação destes Poderes define a própria capacidade do governo em governar':
Algumas das revelações da pesquisa já provocam polêmica entre especialistas no país e no exterior. De acordo com Argelina, predomina a visão de que "o presidencialismo multipartidário é um sistema caótico que torna qualquer país ingovernável, e nosso trabalho mostrou que tal generalização não se sustenta, pois há diferentes tipos de presidencialismo':
Na introdução do livro publicado, essa tese é reforçada: "Vale notar que a literatura especializada tende a descartar a possibilidade de que coalizões partidárias em apoio ao Executivo se formem e funcionem a contento sob o presidencialismo". Portanto, não haveria, no atual sistema, conflito infindável entre Executivo e Legislativo, que acarretasse crises institucionais de tempos em tempos.
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Engrenagem - São destacados dois importantes fatores na dissecação da engrenagem que sustenta a vida política nacional desde a última Constituição. O primeiro é a concentração de poderes do presidente, a partir dos chamados poderes de agenda, reunidos aí o direito do chefe do Executivo de editar Medidas Provisórias, de pedir urgência para a votação de projetos e de ter poder, exclusivo, para a iniciativa legal em áreas fundamentais, como a tributária e a do
Orçamento. O segundo ponto é a revelação de que, no interior do Congresso, os grandes jogadores são os partidos políticos, que da esquerda à direita, contam normalmente com uma bancada fiel. Trata-se da disciplina, que vai do PT ao PPB.
Dessa forma, o comportamento dos parlamentares não seria determinado unicamente pela forma de governo e pelas leis eleitorais e partidárias, como destacam os coordenadores. As bases para a estruturação das bancadas, que garantem a disciplina nas votações, vêm do controle exercido pelos líderes dos partidos sobre a agenda dos trabalhos, afirmam eles. As regras
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internas da Câmara e do Senado permitem esse controle. Estatísticas elaboradas, com dados de 1989 a 1999, revelam que tanto nos governos de José Sarney, de Fernando Collor, de Itamar Franco e de Fernando Henrique Cardoso a média, por partido, de fidelidade dos parlamentares em relação aos líderes é constante. A disciplina média do plenário da Câmara dos Deputados é de 89,9%. Dos sete maiores partidos, o PMDB é o menos disciplinado, mas ainda assim
do investigado, os presidentes contaram, em média, com os votos de nove entre dez parlamentares dos partidos-membros da coalizão presidencial", ilustra o texto.
"No Congresso, há blocos ideológicos e os partidos funcionam como partidos", observa a coordenadora. Essa realidade reduziria o poder individual do parlamentar e inibiria sua capacidade de atuar em favor de sua "clientela eleitoral': A cooptação de aliados do governo não se daria, por-
Congresso: governantes de hoje têm mais sucesso no trato com o Legislativo do que seus antecessores
PT: deputados são I 00% fiéis ao partido nas votações
apresenta disciplina média em torno de 85%. No PT as médias de votação dos deputados em conformidade com os líderes é próxima a 100%.
Líderes - "A literatura assume que a lei eleitoral não confere aos líderes o controle sobre os mecanismos usuais de sanção por meio dos quais a disciplina costuma ser obtida", critica o texto do livro. As regras que fortalecem o papel dos líderes são fundamentais nessa engrenagem de poder. Verificou-se que os presidentes organizam ministérios em bases partidárias e as coalizões tendem a funcionar dessa forma no Congresso. "Durante o perío-
FHC: presidente pode controlar o processo legislativo
tanto, na negociação com cada um dos 513 deputados ou dos 81 senadores, o que significa um duro golpe no fisiologismo tradicional. Mas não se pode dizer que o Congresso está alijado das decisões políticas nacionais ou que o Executivo possa impor sua vontade sobre a maioria dos parlamentares.
Parlamentarismo - Esses dois fatores descritos permitem resultados políticos surpreendentes. "O poder de agenda do presidente e o controle do processo interno no Legislativo, por meio da disciplina partidária, produzem efeitos semelhantes ao do sistema parlamentarista", afirma Argelina,
ao lembrar que o controle pelo Executivo da pauta do Legislativo, assim como o processo de centralização das decisões, são pontos considerados como peculiaridades do parlamentarismo.
Os dados da pesquisa apontam para uma performance legislativa dos governos recentes comparável à dos países parlamentaristas. O sucesso pode ser medido pela proporção de projetos de leis de iniciativa do Executivo aprovados no mesmo ano em que foram apresentados. No Bra-
sil, de 1989 a 1998, este índice foi de 68%. Na Alemanha, parlamentarista, no período de 1971 a 1976, este índice de sucesso foi de 69,2%, na Inglaterra, berço deste sistema, de 93,2%, e no Canadá, de 71 o/o. No Brasil, a dominância do Executivo- a proporção de leis do Executivo sobre o total de leis sancionadas (excluídas as de iniciativa do Judiciário) também se assemelha aos países parlamentaristas. Assim como na Inglaterra na década de 70, cerca de 84% das leis sancionadas desde 1989 foram projetos propostos pelo Executivo. Os coordenadores defendem que essa situação já produziria os efeitos buscados pelos
que, em nome de maior governabilidade, propõem mudanças na legislação eleitoral e partidária para reduzir o número de partidos e o acesso ao Legislativo.
1946 - O grau do sucesso recente do Executivo é distinto do medido no período de 1951 a 1964, quando o índice de leis apresentadas pelo presidente e aprovadas no mesmo ano foi de apenas 16,7%. Os primeiros levantamentos mostram que há distin
ção inequívoca entre os modelos de governo de 1946 a 1964 e o atual. "Por serem sistemas presidencialistas multipartidários, as pessoas tendem a tratar como se fossem a mesma coisa, mas não são", ressalta a coordenadora. Os principais argumentos estão, como diz, nas mudanças feitas pela Constituição de 1988 na distribuição de poderes entre o Legislativo e o Executivo. "O período atual é de preponderância do Executivo", acrescenta Argelina.
Outra diferença está na ausência, no passado, do direito hoje exclusivo do presidente de ter a iniciativa em matéria orçamentária, por exemplo. Quem prepara .o Orçamento e pede verbas suplementares para esta ou aquela área é o governo. "No
sistema que teve início em 1946, os deputados podiam fazer pedidos de recursos suplementares ao Orçamento e tinham estes pedidos aprovados", conta a professora da Unicamp.
O poder do presidente de editar as Medidas Provisórias é também uma novidade do sistema. Todos os presidentes lançaram mão desse poderoso ínstrurnento legislativo. Fernando Henrique Cardoso usou-o de forma mais sistemática e regular, editando a média de 2,8 novas MPs por mês, e foi o campeão das reedições. Igualmente aqui o estudo procura destacar as contrapartidas que o Legislativo pode obter desta ação. "A edição de MPs
não significa necessariamente confr-onto entre Executivo e Legislativo. Em governos de coalizão, poderes institucionais de agenda podem facilitar e preservar acordos entre o governo e sua maioria parlamentar ", observa a pesquisadora. "Em alguns casos, há, por exemplo, o interesse de sua base parlamentar de proteger-se da impopularidade de terminada decisão."
Países- O projeto vai comparar a dinâmica da democracia brasileira com o sistema presidencialista de cinco países latino-americanos (Chile, Venezuela, Costa Rica, Argentina e Colômbia) e de dois países europeus, França e Portugal, onde vigora o regime conhecido como semipresidencialista (para outros trata -se do parlamentarismo, mas com chefe de Estado eleito por votação direta). A base desses trabalhos é esta convicção de que o padrão de relações entre o Executivo e o Legislativo depende dos poderes legislativos outorgados ao Executivo e da organização interna do Congresso.
O trabalho vai terminar nas vésperas da largada da campanha pela sucessão do presidente Fernando Henrique Cardoso, cujo primeiro turno de votação está marcado para outubro de 2002. Os tucanos acalentam o sonho de ver instalado no país em 2006 o sistema parlamentarista. O debate sobre sistemas de governo tende a crescer menos de dez anos depois do plebiscito que deu vitória ao presidencialismo por 37 milhões de votos contra 16,5 milhões de votos a favor do parlamentarismo. •
PERFIL:
• ARGELINA MARIA CHEIBUB FIGUEI
REDO é graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense, mestre em Sociologia pela Universidade de São Paulo e PhD em Ciência Política pela Universidade de Chicago Projeto: Instituições Políticas, Padrões de Interação Executivo-Legislativo e Capacidade Governativa Investimento: R$ 110 mil
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HUMANIDADES
Cena de Terra Estrangeira, de Walter Salles Jr.: cineastas dos anos 90 criam no presente sem negar o nosso cinema do passado
CULTURA
Mostrando a nova cara do cinema
Lúcia Nagib está traçando o panorama do cinema nacional dos anos 90
Longa é a tradição do cinema no Brasil, que descobriu o fil
me sete meses depois da primeira exibição pública em Paris, realizada pelos irmãos Lumiere, em 1895. Não por outro motivo, a história cinematográfica nacional não pode ser contada apenas por periódicos de vida efêmera, como vem ocorrendo.
Há três anos, a professora Lúcia Nagib, presidente do Centro de Estudos de Cinema (CEC) do Programa de Estudos Pós-Graduados em Co-
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O~ filmes dessa década es- tão estritamente vin~ culados à tradição do E cinema novo e do ci-
nema marginal e, de forma mais sutil , às chanchadas canocas da Atlântida, à concorrente paulista, Companhia Cinematográfica Vera Cruz, ao cinema
municação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo, tem coordenado uma equipe de 13 pessoas, para a realização do projeto Cinema nos Anos 90. Trata-se de um mapeamento da produção cinematográfica brasileira dos últimos quatro anos, tendo como marco a entrada em vigor
da Boca e à belle époLúcia Nagib: estudo de 3 anos que da Embrafilme.
da Lei 8.685, de 20 de julho de 1993, conhecida por Lei do Audiovisual.
Para construir um panorama da produção cinematográfica brasileira recente, Lúcia teve de recorrer a mo-vimentos anteriores, uma vez que os
Como se vê, nada impede que, de um período curto, extraia-se a historiografia do cinema nacional. É só dar uma passada de olhos em alguns nomes da lista de entrevistados: Nelson Pereira dos Santos, Carlos Diegues, Walter Hugo Khouri,
Paulo César Saraceni ao lado de Walter Salles Jr., Tata Amaral, Guilherme de Almeida Prado. Anos 90 ou 60?
A equipe coordenada por Lúcia Nagib já entrevistou 80 do total de 99 cineastas que produziram nesse tempo, segundo dados da pesquisa realizada pelo CEC. Todos cara a cara. As viagens, assim como o material permanente e de consumo e a reserva técnica, foram financiados pela Fundação de Amparo à Pesqui-sa do Estado de São Paulo (FAPESP), que calculou em R$ 12,6 mil o investimento para um ano de apuração e pesquisa.
O ritmo acelerado de produção, aliado à alta qualidade, tem apagado o estigma de outrora, em que o cinema nacional era visto como cinema de alegorias, como cinema de Terceiro Mundo. Nada além disso.
O reconhecimento pode ser sentido nas constantes indicações e prêmios de filmes brasileiros nos Festivais Internacionais. Central do Brasil, de Walter Salles, levou o Urso de Ouro de melhor filme e o Urso de Pra-
lação à cultura. Lúcia comenta que há um consenso entre cineastas sobre alguns pontos da Lei do Audiovisual. "A produção está sendo relativamente fácil, mas a distribuição e a exibição ainda são mal-organizadas", dizem. "Discutem-se mudanças na lei, com duração até 2003, como a cota de tela, que não é cumprida, e o aumento na taxação dos filmes estrangeiros, a fim de ser superior ao de brasileiros." Uma prática protecionista e vital.
A princípio, o projeto vai constituir um livro, dividido em dois volumes, com fôlego enciclopédico. A edição está a cargo da Paz e Terra, tendo lançamento previsto para o segundo semestre deste ano. Além de textos dos pesquisadores, organizados a partir de uma síntese dos depoimentos, a obra trará uma seleção de artigos sobre o(s) filme(s) lançado(s) de cada cineasta no período, uma filmografia, uma bibliografia e a biografia de cada um deles. Ambiciosa,
Amor & Cio., de Helvécio Ratton: filmes hoje preferem observar o comportamento cotidiano
Lúcia adianta que a intenção é transformar a pesquisa num projeto temático, a ser atualizado ano após ano.
Estagnação- Com a extinção da Embrafilme pelo governo de Fernando Collor de Mello, o cinema nacional ficou praticamente estagnado. Nada foi colocado no lugar da estatal e, assim, nos três anos que se seguiram, foram rodados apenas 14 filmes. Foi em 1994 que a Lei do Audiovisual entrou em vigor na prática. E, a partir daí, assistiu-se à ascensão da produção de longas-metragens e documentários no País. Naquele ano, foram rodados 11 filmes; em 1995, 19; em 1996, 15; em 1997, 21; e, no ano passado, 35. Essa é uma média que, muitas vezes, supera a de países europeus.
ta de melhor atriz para Fernanda Montenegro no Festival de Berlim; além de ter sido indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro e Fernanda ao de melhor atriz. Além disso, O Quatrilho, de Fábio Barreto, e O que é isso Companheiro?, de Bruno Barreto, também já haviam concorrido ao prêmio. Um Céu de Estrelas, de Tata Amaral, ganhou o troféu de melhor filme e interpretação (atribuídos aos protagonistas Alleyona Cavalli e Paulo Vespúcio Garcia), do 12° Festival de Trieste, na Itália. E não se pode esquecer de que Orfeu, de Cacá Diegues, ainda pode surpreender na votação do Oscar.
Muito mais do que trabalhar sobre cifras e números, Cinema nos Anos 90 enfoca a ação pública em re-
O secretário de Audiovisual do Ministério da Cultura, José Álvaro Moyses, concorda com as críticas dos cineastas e com eles tem discutido as deficiências da lei de incentivo. Hoje, um filme brasileiro estréia com número de cópias que varia de 5 a 60, enquanto as grandes produções norte-americanas chegam com cerca de 150.
Longe do prejuízo - Se não fossem esses entraves, principalmente no que diz respeito à distribuição, o cinema nacional não estaria relegado a segundo plano. Pelo menos, é o que diz a bilheteria. Nas ultramodernas salas multiplex, que têm se espalhado pela cidade, Central do Brasil e O No viço Rebelde, com Renato Aragão, de
PESQUISA FAPESP · DEZEMBRO DE 1999 • 45
Tizuka Yamazaki, nem de longe deram prejuízo.
Enquanto cineastas debatem problemas "técnicos", Lúcia aponta para uma propensão temática. Ela observa que, a partir da Lei do Audiovisual, os cineastas retomaram os temas genuinamente brasileiros, revertendo a tendência da era Collor de se fazer produções e co-produções internacionais. Hector Babenco, que havia filmado Brincando nos Campos do Senhor, agora não apenas volta as câmeras para o país, como para a sua origem argentina em Coração Iluminado. Walter Lima Jr. trocou a paisagem de O Monge e a Filha do Carrasco pelo Ceará e o Paraná, em A Ostra e o Vento. E quem nega que o terceiro longa-metragem de Walter Salles, Central do Brasil, seja uma reviravolta na estética de A Grande Arte.
A dualidade entre o novo e o velho tem regrado os anos 90. Na abertura do livro, Lúcia assina uma longa introdução- única parte opinativapara construir um painel das novas tendências e reafirmar os elos históricos. "Não houve um choque de gerações: o cinema dos anos 90 não nega o que veio antes para se impor como melhor, revolucionário. Ao contrário, existe uma reverência, um desejo de homenagear, freqüentemente, os cineastas do cinema novo e do cinema marginal e de todos os outros movimentos que existiram no Brasil", analisa.
Dependência- Apesar de terem estilos bem diferentes, Nelson Pereira dos Santos, Gláuber Rocha, Cacá Diegues, Saraceni, David Neves, entre outros, estavam unidos pela sagacidade de refletir e propor saídas às condições de dependência do país.
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Yndio do Brasil, de Silvio Back (destaque): diretores mostram ao público várias opções culturais
Saídas essas que, por sinal, eram sempre de inclinação esquerdista.
Hoje, porém, os novos produtores e cineastas não têm essa diretriz. "Não há mais revoluções, o socia!ismo é uma bandeira derrotada", acredita Lúcia. Assim, o que se vê nas telas é a discussão de décadas passadas sob nova modelagem.
Exemplos não faltam. "Central do Brasil é típico desse quadro, ao pegar contribuições de Nelson Pereira, Gláuber e Ruy Guerra e, inclusive, filmar nos mesmos lugares; com o único diferencial de incorporar os fatos históricos desses 40 anos de diferença", analisa Lúcia. Há também Orfeu, de Cacá Diegues. Primeiro, foi a peça Orfeu da Conceição, de Vinícius de Morais, em 1956. Três anos mais tarde, o filme Orfeu Negro, do francês Marcel Camus -um cineasta com uma visão totalmente idílica do morro. O diretor Cacá Diegues reinterpretou essa
imagem: agora, a favela é de traficantes, da guerra do tráfico.
E, ainda, há Baile Perfumado, dos estreantes Paulo Caldas e Lírio Ferreira, que nada mais é do que uma homenagem àquele primeiro mascate libanês, Benjamin Abrahão, que filmou os cangaceiros e fez as primeiras e únicas imagens de Lampião e de seu grupo. A frase final do filme, atribuída a Abrahão- "Os inquietos mudarão o mundo"- deveria ser encarada, pelos novos cineastas, como uma intimação. Não sem tempo.
Identidade - O cinema nacional dos anos 90 aparenta estar criando uma identidade, com ou sem o apelo de público, mas, na verdade, poucos filmes são realmente inovadores. Mais raros ainda são os que transgridem a estética ficcional ou documental. A maioria deles conformou-se em reutilizar a linguagem do cinema novo e do cinema marginal. Ou, ainda, submeter-se aos interesses de mercado. O que se percebe, indo além da análise superficial, é um pseudo-ecletismo de assuntos, a repetição de temáticas e de recursos estéticos. É o cangaço, o Nordeste pobre. Sempre.
Enfim, qual a identidade do cinema dos anos 90, pergunta-se. Com o
referencial no cinema das décadas de 1950 e 1960, Lúcia esclarece: "Os novos cineastas são meros observadores de comportamentos cotidianos. Nada propõem, nada criticam. Essa postura difere radicalmente da adotada por Gláuber Rocha, entre outros, que sempre interpretava a realidade, a cultura popular brasileira." Os fUmes da nova geração são, em sua maioria, acríticos e ingênuos. O Cinema Novo desvendava o Brasil. O novo cinema
ainda busca a definição de uma identidade nacional, mas falta a ele o espírito de brasilidade.
Coletividade - Além disso, o foco da maioria dos novos fUmes recai sobre a individualidade e não mais, como na década de 60, sobre a coletividade. É um típico sintoma dos tempos modernos. Um Céu de Estrelas, filme de estréia de Tata Amaral, é rodado na Mooca, em São Paulo, bairro que atraiu os primeiros imigrantes italianos. Pouco importa. Não há cenas externas. A história transita no espaço claustrofóbico de uma casa. Resume-se ao drama de um casal, Dalva (Alleyona) e Vitor (Vespúcio Garcia). Abriu-se mão do contexto social e privilegiou-se o plano individual.
Padre Cícero - Noutro, Baile Perfumado, dos também estreantes Lírio Ferreira e Paulo Caldas, Lampião não é aquele temido cangaceiro, mas um burguês acomodado, que vende proteção a fazendeiros, ostenta luxo e riqueza, usa perfume francês e prefere uísque à cachaça. Tudo registrado
pela lente do mascate libanês Benjamin Abrahão, que, munido de uma carta de apresentação do padre Cícero Romão em Juazeiro, pôde seguir e fUmar Lampião, Maria Bonita e seu bando. Predomina a figura do homem e não seu significado, seus feitos, sua lenda.
No plano político, a professora afirma que, do embrião revolucionário, passou-se ao discurso politicamente correto. Os jovens cineastas
Central do Brasil, de Walter Salles Jr. (ao /ado): Brasil enfático até no título
optaram por uma abordagem neutra, pela impessoalidade. A ideologia nacionalista virou elemento puramente estético.
Tenta-se construir uma utopia, ligada à profecia de Gláuber Rocha, em Deus e o Diabo na Terra do Sol. Disse ele: o sertão vai virar mar. A frase ecoa numa imagem, a de grandes superfícies d'água, que são um nota constante nos filmes dessa nova geração. Lúcia sustenta a argumentação acima: "No fim de Baile Perfumado, Lampião está sobre um rochedo,
com aquele gigantesco Rio São Francisco passando embaixo; em Bocage (Djalma Limongi Batista), o minúsculo poeta olha aquele mar imenso; em Primeiro Dia (Daniela Thomas e Walter Salles), o cangaceiro chega à praia, mas é assassinado antes de chegar ao mar", repara.
"A utopia está reverberando e, por enquanto, os personagens, e o Brasil, estão morrendo na praia, em virtude da submissão aos interesses da classe dominante, à corrupção, à guerra do tráfico:' Talvez falte a reverência ao impulso nacionalista dos anos 60. •
P ERFIL:
• LúCIA NAG IB é graduada em Direito pela Universidade de São Paulo, onde fez seu mestrado, com
a dissertação Werner Herzog: O Cinema como Realidade, e seu doutorado, com a tese Nascido das Cinzas -Autor e Sujeito nos filmes de Oshima. Articulista do jornal Folha de São Paulo, editora executiva da revista Imagens (editora da Unicamp) e editora executiva da revista Estudo de Cinemas. É professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP Projeto: Cinema nos Anos 90 Investimento: R$ 12.625,00
PESQUISA FAPESP · DEZEMBRO DE 1999 • 47
L U í ZA M ENDES F U RI A
A face suja da polidez social Uma análise da linguagem do sadismo de Clarice Lispector
Muitos leitores de Clarice Lispector talvez não se tenham dado conta da origem do mal-estar que por vezes acompanha a
leitura de seus livros, seduzidos por sua linguagem poética e pela intimidade que sempre se estabelece entre essa revolucionária escritora e quem a lê. A explicação certamente nos chega agora com As Metamorfoses do Mal - Uma Leitura de Clarice Lispector (volume n.0 17 da coleção "Ensaios de Cultura", Edusp/Fapesp, 192 págs., R$ 20,00), de Yudith Rosenbaum, psicóloga e doutora em Teoria Literária pela Universidade de São Paulo.
Yudith abandonou o já explorado campo dos instantes epifânicos na obra clariciana para concentrarse na vertente mais obscura, a análise do sadismo e suas manifestações - da perversidade à ironia, da inveja à destrutividade- nessa literatura, demonstrando que o mal é, muitas vezes, o poder que mobiliza o enredo, operando a destruição de qualquer estrutura conservadora.
O estudo abrange o romance de estréia da escritora, Perto do Coração Selvagem, passa pelos contos Os Desastres de Sofia, Felicidade Clandestina, A Legião Estrangeira, A Imitação da Rosa, A Fuga, Obsessão, O Búfalo e a Quinta História e culmina na análise do "vertiginoso" romance A Paixão segundo G.H., dando prioridade à construção estilística vista sob o ângulo da psicanálise.
Inspirada na "leitura circular" de Leo Spitzer, "que procura relações significativas entre uma intuição abrangente e os traços estilísticos particulares que estruturam e dão unidade à obra': Yudith fez uma análise minuciosa dos textos, à luz da obra de Freud, de clássicos da literatura universal, dos estudos de Garcia-Roza, Anatol Rosenfeld, Antonio Candido, Benedito Nunes e Berta Waldman, entre outros.
"Buscaremos surpreender uma linguagem do sadismo- modulação bastante peculiar e contun-
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dente da presença do mal-, notadamente na desconstrução da sintaxe tradicional, na transgressão dos modos convencionais da narração e na expressão de um sujeito pulverizado e descentrado, muito diverso do retrato da maioria dos heróis da literatura do século XIX", diz Yudith na introdução. Segundo ela, a escritura de Clarice e a psicanálise têm um grande ponto em comum- ambas "buscam desmascarar as forças inconscientes que movimentam o homem e suas relações com o mun-
do, desvelando, pelas vicissitudes do desejo, nossas pulsões primordiais':
Conforme explica, "o exercício da crueldade, nos textos de Clarice Lispector, evolui de modo a enredar as personagens e a própria narrativa em jogos perigosos, onde a fruição de prazer se mescla aos movimentos destrutivos do sujeito e da palavra': E assinala: "O exercício do mal em Clarice aparece no imbricamento de relações duais que configuram um
• campo atravessado pela desordem como força maléfica e perturbadora de urna estabilidade até então existente':
Yudith não trata apenas das tra-mas e seus personagens: esmiúça as
relações sádicas existentes "na tríade leitor-textopersonagens': "Como Machado de Assis, Clarice cria uma intimidade com o leitor de modo a enlaçá-lo melhor; o que se poderia cautelosamente chamar de 'narrador sádico' parece aproveitar da cumplicidade com o leitor e estaria a serviço de deslocá-lo de um repouso, sempre adiado", escreve.
Metamorfoses do Mal é um belo, minucioso e apurado estudo, fundamental para quem quer entender mais a fundo a escritura de Clarice - que, como bem observa Yudith, pertence àquela "espécie incômoda de escritores que denunciam a face suja e reversa da polidez social".
L u íZA MENDES FURIA é jornalista e poeta, autora de Inventário da Solidão (editora Giordano, 1999)
LANÇAMENTOS
As Sete Maiores Descobertas Científicas da História
David e Arnold Brody
As Sete Maiores Descobertas (Companhia das Letras, 436 págs.) é um guia delicioso e perfeitamente acessível para leigos das grandes revoluções do pensamento, da gravidade
e suas leis à estrutura da molécula de DNA, passando pela teoria da relatividade, a composição do átomo, a teoria da evolução e as análises de como se deu o Big Bang que gerou o universo.
f ísica
f ilosofi:
Física e Filosofia
Werner Heisenberg
Esta é a quarta edição (294 págs, Edições Humanidades) da célebre coletânea das conferências proferidas pelo cientista alemão na Escócia, nas chamadas Conferências Gifford, entre 1956 e 1957. Nobel de Física em 1932, Heisenberg foi diretor
do Instituto Max Planck e membro da Royal Society de Londres. Nessa obra, um clássico entre os especialistas, Heisenberg procura revelar as relações entre a física atômica e os problemas fi losóficos atuais, em preleções que misturam conhecimento científico aprofundado e muita poesia.
Sexualidade - O Olhar das Ciências Sociais
Maria Luiza Heilborn (organização)
O estudo (Jorge Zahar, 206 págs.) organizado por Maria Luiza Heilborn, doutora em antropologia pelo Museu Nacional!UFRJ, expressa as tendências contemporâneas
de pesquisas socioantropológicas sobre a sexualidade, demonstrando, a partir de pesquisas de campo, como as práticas sexuais são em muito condicionadas pelas práticas sociais. Fruto de um seminário sobre o tema, Sexualidade é leitura obrigatória e instigante.
REVISTAS
Faz Ciências Minas
Este é o primeiro número (dez. 99) desta publicação, trimestral, feita pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), cujo objetivo é promover a integração entre a comunidade científica e tecnológica e outros setores
da sociedade, revelando os resultados das muitas pesquisas financiadas pela instituição. Neste volume de estréia, o Prof. Paulo César Peregrino, da Sociedade Brasileira de Virologia, alerta para os perigos futuros das armas biológicas. A revista ainda discute a tecnologia nacional no combate do câncer e traz um mapa sonoro dos ruídos de Belo Horizonte.
Esruoos AvANÇADOs J7
kiemória
Estudos Avançados USP n.0 37
A celebrada publicação quadrimestral do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo traz neste novo número (set./dez 99) um Dossiê Memória com uma série de bons artigos sobre o tema
em suas vária,:; formas. Destaque para o notável escrito de Ecléa Bosi sobre o campo de concentração de Terezin. Ainda: Jeanne-Marie Gagnebin escreve sobre Teologia e Messianismo em Walter Benjamin; João Máximo traz as Memórias do Futebol Brasileiro.
DADOS Neste número: Ftdmlismos, Mídi~ e Cam~nha Eleitool
Dados - Revista de Ciências Sociais no 2
Neste número da publicação trimestral do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), a política nacional é dissecada em artigos de Alfred Stepan, analisando o Federalismo, Luís Felipe
Miguel, sobre a participação da Globo nas eleições de 1988, e Rogério Schmitt discute as estratégias de campanha no horário gratuito de propaganda eleitoral na televisão.
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