Os amigos, o Twitter e O Número de Dunbar
Risoletta Miranda
Sempre adorei escrever e parecia natural ter um blog quando eles “estouraram”. Não
tive. Motivo: não se encaixava na minha agenda corrida uma programação de
publicação constante. E, como jornalista, tenho um compromisso meio espartano com
a qualidade do meu texto, especialmente do conteúdo. Não me interessava escrever
num blog sem esta responsabilidade clara e assumida.
Veio o Orkut e também montei o perfil muito mais por pesquisa profissional. A seguir o
Twitter, outra tentação. Olhei o microblog com certa desconfiança pela sua
reconhecida pergunta inicial que me parecia meio “boba”. Quando entendi a estrutura
de relacionamentos que ele criava e, especialmente, o quanto ele tinha “adequação”
ao formato de pensar e ao ritmo de vida que eu tenho, eu me vi juntando paixão por
comunicação e adequação.
Afinal, eu poderia exercitar minha técnica poética da concisão (estudada e largada em
algum canto obscuro e merecido do meu cérebro há muitos anos) e a técnica de
“manchetar” – que exerci em jornais impressos, quando fui editora. Misturar - sem me
sentir irresponsável - a frugalidade de uma notícia trivial, com uma informação de
serviço ou uma dica profissional. Esse amálgama que o Twitter proporciona o
transformou na rede social adequada para o meu ritmo de vida, entrando no meu
espaço de gostar de escrever e me comunicar.
Li recentemente que nos anos 90, o cientista Robin Dunbar, professor de Antropologia
Evolucionária da Universidade de Oxford, na Grã-Bretanha, criou uma teoria chamada
“Número de Dunbar”. Segundo ele, o tamanho do neocortex humano – a parte do
cérebro usada para o pensamento consciente e a linguagem – limita a capacidade de
administrar círculos sociais a até 150 amigos, independente do grau de sociabilidade
do indivíduo. Dunbar analisou desde agrupamentos sociais do neolítico até escritórios
do nosso século, cheios de criaturas conectadas como nós. E, ao contrário do que se
poderia imaginar (e até contrariando o que se fala muito desde que as redes sociais se
tornaram a “buzzword” da vez), os Facebooks e Twitters da vida não mudaram a
teoria. Você pode até se orgulhar de ter 500 mil seguidores no Twitter mas o fato é
que seu círculo de relacionamento e amizades não passará de 150. Perpetuação do
“Número de Dunbar” também na era da informação cibernética.
Lendo sobre a pesquisa de Dunbar fiquei pensando sobre esse mundo de conexões que
a gente estabelece nas redes. No caso do Twitter, por exemplo, é fato que você não
conseguirá ler um “timelime” com um volume de informação de 1000 pessoas. Não dá
para ler. Só se você nunca mais fizer nada na vida, o dia inteiro. Mas, a pergunta que
martelou meu cérebro (neocortex?? ) foi: se a pessoa só consegue ser ou ser “amiga”
de 150 pessoas, o que serão as outras todas que a seguem no Twitter, na rede de
relações dela?
O Twitter é efetivamente um lugar de celebração da individualidade expressa de
várias formas. Você quer exibir seu conhecimento sobre algo, sua vivência em alguma
situação, sua opinião e seu pensamento sobre seus ídolos, desafetos ou simplesmente
sobre o gato do vizinho. Ou ainda, sobre seu magnífico umbigo.
E é exatamente por ser um palco egóico, individualista e personalista que ele se torna
- aparentemente de forma paradoxal -, coletivo e comunitário. A contradição é
superada no momento em que, assim como nos grupos do neolítico de Dunbar, ao
exercer o “contar da sua história”, ou seja, a sua experiência com algo, uma pessoa do
seu círculo (incluindo ou não os 150 que cabem em suas sinapses) vai se beneficiar
desse relato.
Então, se a companhia aérea te tratou mal e você contou minúcias do fato e do seu
sentimento, de forma tão simples, direta e clara (além de “real time”), eu acredito
porque é uma história vivida. E, na minha próxima experiência com essa companhia
aérea, já vou chegar com essa vivência do outro processada. Na poesia existe um cara
chamado Ezra Pound, poeta e crítico seminal. Daqueles caras que influenciaram
muito. Um pensador que ia além da poesia. Pound chamava isso de “paideuma”. E o
que era o “paideuma”? É a ordenação do conhecimento lá do passado de modo a que
próxima geração possa achá-lo o mais rapidamente possível sem perder tempo com
itens obsoletos e que não funcionaram lá atrás. Assim, podemos potencializar esse
conhecimento com agilidade aliando agora ao que aprendemos de novo. O que é o
Twitter (ou qualquer outra rede social hoje) senão a versão do “Paideuma”
Poundiano?!?! Estou me arriscando com essa pergunta meio afirmativa? Sim, pedindo
reverencialmente licença poética e literária ao grande Pound.
Como exemplo prático ainda: se a minha amiga teve problema com a mala na viagem,
naquela companhia aérea, eu certamente vou ficar mais “esperta” com essa situação
e achar um jeito de não vivê-la da mesma forma negativa. Aproveitar a experiência
negativa ou positiva do outro e transformar isso em algo melhor para você e depois
recolocar na rede a favor de um terceiro - e assim “libertar” isso para crescer
exponencialmente - , é o grande ganho de vivenciar as redes.
É a parte onde a tecnologia “entendeu” sua humanidade e adequação para nos fazer
homens melhores. Como me disse Silvio Meira: é quando o sistema (ou redes) são
“social machines” que funcionam como meio. Nessa linha, eu vou na direção contrária
de Robin Dunbar. O conceito dele de amigos (usado para referenciar a pesquisa) é:
“aquela pessoa com a qual outra pessoa se preocupa e com quem mantém contato
pelo menos uma vez por ano.” Eu sempre questiono o uso literal de nossas definições e
referências estabelecidas no mundo off line transpostas sem adequações e de forma
literal para o mundo digital. Há um lugar onde, com diz o citado Pound, a gente pode
e deve aproveitar o que veio da experiência passada. Mas certos fatos – como a
internet - catapultam nossa visão e criam novas definições e referências. Então, eu
não preciso me preocupar em ter um contato anual com alguém para chamá-lo de
amigo se, com uma pequena história da sua vida, contada para mim ali no Twitter,
ele, que é - na visão minimal -, uma @ e um apelido até então desconhecidos,
conseguiu fazer a minha história ser muito melhor! Isso é sim amizade!
Agora, sair para a farra sempre, trocar confidências e presentes no aniversário, dividir
a mesma toalha na praia... são realmente coisas de velhos e bons amigos. Do modo
como sempre soubemos e não vai acabar. E, discordando de novo de Dunbar, com todo
o respeito, isso você não faz nem com 150. É coisa verdadeiramente para 5 ou 10
pessoas na sua vida toda. E defendo que isso não pode e nunca deve ser transposto
para as redes sociais como exemplo final e acabado de amizade. Então, do famoso
pesquisador, que é sério e competente, com certeza, eu discordo mesmo é da
referência usada de amizade, no final de contas. Do contrário, seria concordar com o
bêbado em momento filosófico: mister Dunbar, com 150 ou com 500 mil, na verdade
será que está acontecendo nada ou coisa nenhuma nas redes sociais? ;)
Está acontecendo muita coisa. E para a vida ficar muito melhor!
Risoletta Miranda é Diretora-Executiva da FSB PR Digital (www.fsb.com.br), braço da
FSB Comunicações, formada em jornalismo, MBA Marketing COPPEAD/UFRJ,
especializada em Planejamento Estratégico de Marketing e Comunicação Digital e uma
das criadoras do Conceito de VRM – Virtual Relationship Management.
www.twitter.com/rizzomiranda