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NOTÍCIA - 21 de setembro de 2016

BEATRIZ BOTELHO

“A preocupação com o patrimôniohistórico não pode ser apenas de adultosou de pessoas mais esclarecidas eescolarizadas. É um direito de todos,inclusive das crianças. E nós acredita-mos que as crianças e adolescentes sãointeressadas, elas só precisam de oportu-nidade e que sejam estimuladas parafazerem essas descobertas”. A afirma-ção é da professora Regina Célia Alegro,diretora do Museu Histórico de Londri-na/UEL e coordenadora do projeto deextensão “Memória e patrimônio culturale imaterial: cartografia dos ‘causos’circulantes em Londrina-PR como es-tratégia de preservação e educaçãopatrimonial”, que atua diretamente comcrianças e adolescentes de escolas públi-cas da cidade, na coleta das históriasorais, conhecidas como causos.

O projeto teve início em dezembro de2014 e foi finalizado recentemente, emagosto, com financiamento do Fundo Paranáe do Programa Universidade sem Frontei-ras. O objetivo é promover estudos e refle-xões sobre a memória regional junto aprofessores e alunos do ensino básico pormeio de ações voltadas para a educaçãopatrimonial e preservação das memóriasde antigos moradores na região.

Como explica Regina, o patrimônioimaterial é “aquilo que as pessoas carre-gam e nem sempre percebem como seupatrimônio”, como histórias pessoais eda cidade, e os causos. A professoraafirma que o causo é uma tradição que semantém viva, apesar de não ser tãodifundido. “Os grandes responsáveis sãoavós e tios, e os causos são passados degeração em geração. A maioria é deassombração, lendas urbanas e causosque se referem ao passado da família, àsmudanças, à vida na roça”, afirma.

O causo mantém sua estrutura, comnarrativas curtas de fundo moral, comono “A moça da língua grande”, transcritopor uma estudante do 2º ano do EnsinoFundamental de uma escola pública deLondrina. “Na fazenda onde minha bisa-vó morava, tinha uma moça que eramuito ruim para sua mãe. Ela respondiae xingava. Um dia o galo cantou e alíngua dela ficou muito grande que nãocabia mais na sua boca”.

Assim como o causo citado, foramcoletados outros em escolas dos bairrosde todas as regiões de Londrina. Ao todo,foram 80, que serão reunidos em umcatálogo, com inventário das histórias oraisde Londrina e região, registros e fotogra-fias. Também será publicado um livro

CULTURA

Vou te contar um “causo”Projeto valoriza patrimônio imaterial e memória, enriquece a prática dos professores da rede estadual

e aproxima a escola da comunidade, dando voz aos idosos

com artigos dos participantes do projeto,tanto de professores do ensino público,como alunos da graduação e pós-gradu-ação da UEL. A produção do material edas ilustrações está sendo desenvolvidapelos estudantes de Desenho Industrial edesign Gráfico da Unopar, sob orienta-ção do professor Edson Viera.

O projeto faz parte do programa“Contação de História do Norte doParaná”, um programa educativo doMuseu Histórico de Londrina/UEL, quetem apoio do Programa de ExtensãoUniversitária (ProExt). O programa en-volve vários outros projetos, com pers-pectiva tanto da educação para a pre-servação, do patrimônio material eimaterial, quanto para educação dasensibilização do olhar para as questõesdo patrimônio.

Oficinas - Antes da coleta doscausos nas casas e no bairro, os alunosforam preparados em oficinas de entre-vista e de fotografia, ministrada porparticipantes do projeto, entre elas ascolaboradoras bolsistas Juliana SouzaBelasqui e Aryane Kovacs Fernandes,graduadas em História na UEL. Asoficinas foram realizadas no MuseuHistórico e também nas escolas.

Nas oficinas de entrevista, os alunosaprenderam sobre a criação do roteiro,a forma de coletar as respostas, comousar gravador, como transcrever a en-trevista. Toda a técnica pode ser usadana coleta dos causos.

Já na oficina de fotografia, os alunos

aprenderam, além das técnicas básicasde produção da fotografia, a sensibilizaçãodo olhar para a História. “Eles percebe-rem a mudança que existiu no lugar, eprincipalmente olhar a fotografia comoum documento histórico”, afirma Aryane.Os estudantes produziram material nasescolas e nas coletas de causos queserão utilizadas no catálogo.

Para as colaboradoras, a oficina trans-forma as crianças e adolescentes, pois

Para Eliane Aparecida Candoti, mem-bro do Apoio Pedagógico da SecretariaMunicipal de Educação de Londrina eprofessora de História na rede estadual,o projeto contribuiu para a formação dosalunos, pois os causos se tornaram temadas aulas e oportunizou o que a escolanão tinha dimensão de ser possível.

“A princípio, quando apresentada aproposta para os professores, eles pen-saram que já tinham conteúdo demaispara dar conta em sala de aula. Masperceberam que, com os causos, esta-vam trabalhando com conteúdos de lín-gua portuguesa, envolvendo Matemáti-ca, História, Geografia, Ciência pelasabedoria popular, até a construção detexto. Então concluíram: ‘não estou fa-zendo algo a mais, estou enriquecendo aprática’”.

Outro ponto de destaque, segundoEliane, foi reaproximar a escola da co-

munidade. “Nas escolas municipais,as coleta de causos trouxe pessoasnas escolas para serem entrevistadas,como avós, tios, vizinhos, parentes.Foi interessante para esses idososserem ouvidos”.

Um dos casos mais interessantesvivenciado pela professora foi de umaluno do Ensino Médio, que se desco-briu conversando com a avó, e sesurpreendeu com o conhecimento devida que ela possuía. Num primeiromomento, o aluno teve muita resistên-cia para produzir o roteiro em sala e nãoqueria fazer as entrevistas com a famí-lia. “De repente, ele vem com o cader-no sobre o que a avó falou. E o relatodele foi o prazer em conversar com aavó. Foi importante para os alunosperceberem essa parcela da comuni-dade e da família como detentora deconhecimento”, conta a professora.

“Estou enriquecendo a prática”

eles passam a ouvir o outro e tambémuns aos outros. “A partir das oficinas edo material que produzem, eles passama se sentir mais sujeitos daquele espaçode vivência, não só da escola, mas dolugar que eles vivem”, afirma JulianaBelasqui. “Eles entendem a importân-cia deles no processo e sabem que estãoajudando. É uma forma de sensibilizá-los a sentir parte da história da cidade”,completa Aryane Fernandes.

Projeto coordenado pela professora Regina Allegro (segunda à esquerda) atua diretamente com criançase adolescentes de escolas públicas da cidade na coleta das histórias orais, conhecidas como causos