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Nacionalismos e Iberismo na Formao dos Sistemas de Ensino Peninsulares
Justino Magalhes
Universidade de Lisboa
1. Quando aceitei participar neste Encontro denominado Exlios e Viagens: iderios de liberdade e discursos educativos Portugal-Espanha, sculo XVIII-XX, com uma comunicao sobre as relaes ibricas na 1 metade do sculo XIX, vieram-me mente os
depoimentos de Victor de S1, que previne que s a partir dos primeiros anos da dcada de
cinquenta do sculo XIX surgem sinais de interaco e de superao do longo silncio
subsequente Guerra da Restaurao, e que, iniciada com a gerao de 1852, essa circulao
de ideias tendeu para uma federao ibrica republicana e socialista.
No necessariamente no contraponto, mas abrindo um outro horizonte de observao,
os registos da Histria de Portugal, relativos luta contra os franceses e Guerra Civil,
reportam a uma factologia em que a animosidade contra os franceses levou os batalhes
portugueses (alguns de organizao popular) a frequentes incurses em territrio espanhol,
perseguindo e dando curso a um anti-iberismo. Tal clima teria, em algumas circunstncias,
sido estimulado pelo catolicismo ibrico em ofensiva ao jacobinismo. No mbito desta
rivalidade, toma relevo a denncia das tentativas de coalizo entre Madrid e as Potncias da
Santa Aliana (ustria, Rssia, Frana) para instaurar o absolutismo e recuperar o domnio
sobre Portugal. Teriam sido frequentes as tentativas de bilateralismo Frana/ Espanha para:
combater a Inglaterra; recuperar o domnio sobre Portugal e o seu imprio, particularmente o
Brasil recm-independente; assegurar o regime colonial na Amrica do Sul. Desse mal-estar
foram vtimas os exilados portugueses de 1828.
H um terceiro elemento que o da Modernizao Ibrica, no quadro da nova ordem
econmica e poltica, de que resultou manifesta a dificuldade portuguesa em proceder a
reformas estruturais em tempo e na escala oportunas. Houve um vai-vm de nacionalismo e
iberismo, mas foram as Naes-Estado que vingaram, sendo a formao dos sistemas
escolares nacionais uma forma de o comprovar.
Tudo aconteceu num quadro histrico mais amplo. As Invases Napolenicas
prolongaram na Pennsula os ideais de Liberalismo e de Revoluo, iniciados em 1789; esto
na origem de um novo regime poltico assente na aliana Estado-Nao. Na sequncia da
derrota de Napoleo em Waterloo, as potncias vencedoras estabeleceram uma Conveno
como forma de conter o clima revolucionrio e restaurar as monarquias absolutas na Europa.
Foi a primeira confederao do Norte contra o Sul. Na Europa mediterrnica, a Revoluo
Liberal veio a ficar associada independncia poltica, construo dos Estados-Nao, ao
fomento econmico e cultural, transformaes que ocorreram na primeira metade do sculo
XIX. Como adverte Joel Serro:
numa Europa conjunturalmente apaziguada, aps o maremoto da
Revoluo Francesa e suas prolongadas e ressurgentes sequelas, que a
1 S, V., Perspectivas do Sculo XIX (2 ed.). Porto: Limiar, 1976, p. 210-216.
S, V., A Crise do Liberalismo e as Primeiras Manifestaes das Ideias Socialistas em Portugal (1820-1852) (3
ed.). Lisboa: Livros Horizonte, 1978, p. 284-287.
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Pennsula Ibrica (Espanha, em 1812 e 1820, Portugal, em 1820), a Itlia
(Npoles, em 1820) e a Grcia (1821) despertam para a experincia poltica
da liberdade, inseparvel, alis, da assuno revolucionria das
virtualidades das respectivas naes como Estados ou a criar ou a renovar.
Deste modo, ali, como alhures, liberalismo e nacionalismo deram-se as
mos e fundiram-se numa generalizada esperana de autonomia, sentida e
pensada como condio da ruptura com o passado imediato, ao qual eram
atribudas as responsabilidades directas da mesquinhez do presente2.
Eric Hobsbawm referiu-se ao longo ciclo 1789-1848, como A Era das Revolues ou a
grande revoluo, designao que tambm admite para caracterizar a sublevao gmea
ocorrida na Gr-Bretanha e em Frana e que se propagou ao mundo inteiro3. Foi um tempo
assinalado por fenmenos de transversalidade e estrangeirismo, invases, guerras-civis,
exlios e emigrao. Em Portugal, enquanto os estrangeirados, notveis na segunda metade do
sculo XVIII e na primeira gerao Liberal, procuraram introduzir mudanas vindas do
exterior, os exilados tenderam a interpretar e incorporar a mudana desejada, aproximando
Portugal, como Estado-Nao, da Europa Romntica, Liberal e moderna. Senhores de capital
financeiro, desejosos de investir e inscrever o seu nome no processo de modernizao, os
emigrados, cujo peso foi mais notrio a partir da segunda metade do sculo XIX, tornaram
efectivas algumas transformaes estruturantes, designadamente na rede viria, na
urbanizao do mundo rural, na escolarizao, na filantropia, revitalizando o municipalismo.
2. A historiografia tende a reconhecer aos exilados uma percepo antecipada e assertiva
da evoluo em devir. Por contraste, os emigrados representam a nao pobre e madrasta,
vida de ingressos financeiros, fertilizantes e rejuvenescedores. Aqueles prefiguram a negao
do horizonte esperado; estes comportam o horizonte desejado, incorporam a crise, sofrem
com a ausncia de oportunidade, mas so a esperana. Em tal quadro, os estrangeirados
tendem a capitalizar o discurso da salvao, importando o modelo externo. Decorrente da
Revoluo Liberal, a situao de guerra-civil foi recorrente. No campo da educao, estava
em curso a construo da nao escolar. Neste clima de convulso, com perseguio e fuga,
nas distintas conjunturas, pode perguntar-se se os exilados portugueses da primeira metade de
Oitocentos tero tido conscincia do processo em curso e em que medida protagonizaram a
mudana. Tero assumido as circunstncias do seu tempo e percebido o que estava em causa?
Estrangeirismo/ exlio/ emigrao um dos eixos historiogrficos para conhecer e
interpretar o desenvolvimento do sculo XIX. A cada um destes segmentos correspondeu um
ciclo de transformao, um agenciamento, enfim, um projecto histrico.
Ainda que a primeira metade do sculo XIX tenha resultado da interseco destes trs
grupos, o primeiro Oitocentismo portugus ficou assinalado por um ciclo de estrangeirados e
por um ciclo de exilados. A partir de meados do sculo, com o movimento da Regenerao, o
ciclo de emigrados tornou-se mais notrio. Estes ciclos respeitam histria no seu todo, mas
aqui interessam sobretudo na construo da nao escolar. Agregando, no essencial, o ncleo
de exilados, o que mais releva e distingue a Gerao Romntica/ liberal a tomada de
conscincia por parte dos seus membros de que podiam e deveriam intervir na sociedade; que
2 Serro, J. Democratismo versus Iberalismo. In Pereira, M. H.; S, M. Ftima S e Melo Ferreira, M. F. S. M.;
Serra, J. B. (org.)., O Liberalismo na Pennsula Ibrica na Primeira Metade do Sculo XIX (1 volume). Lisboa:
S da Costa Editora, 1981, p. 3.
3 Hobsbawm, E., A Era das Revolues 1789-1848 (2 ed.). Lisboa: Editorial Presena, 1982, p. 10
3
no s era possvel, como necessrio faz-lo, tendo em ateno uma nova racionalidade do
tempo histrico e a inevitabilidade de um Contrato Social, de alcance nacional, que tornasse
viveis a Revoluo Liberal e o progresso. A tradio poderia e deveria ser convertida em
histria e iderio nacionalista, que, dando curso lngua nacional associada modernizao
econmica e administrativa, constituam o fundamento do Estado-Nao. A sociedade poderia
ser desejada/ imaginada, como sucedia com outras sociedades, em circunstncias anlogas4. O
presente deveria ser tomado como tempo/ construo, reificando um projecto poltico atravs
da(s) guerra(s) e da revoluo e firmando a mudanas por meio de leis fundadoras, ajustadas
cultura fundamental e aos intentos patriticos, assentes nas lnguas nacionais.
Nacionalismo ou iberismo? Havia questes referentes Revoluo poltica e ao
Liberalismo/ constitucionalismo, e havia tambm questes de nacionalismo e de
nacionalismos. A conjuntura poltica e a instabilidade econmica levaram homens, cultural e
politicamente esclarecidos, como Almeida Garrett, ao dilema de ou admitirem um
nacionalismo forte e promissor, ou declinarem num federalismo ibrico politicamente
negociado, tomando a soluo menos indigna. A construo dos Estados-Nao Ibricos foi
apoiada na Cultura Escrita e na Escola. As reformas educativas reflectiam as distintas
conjunturas histricas; o sentido da instruo e da escolarizao beneficiou de uma evoluo
semntica.
3. A longa durao do Oitocentismo mediou entre a derrocada do Antigo Regime,
imperialista e feudal, e a consolidao da Europa democrtica; entre uma instabilidade
econmica e demogrfica dependente do sector primrio e uma economia aberta ao espao-
mundo, fundada na mecanizao do sector secundrio e na escriturao e urbanizao
tercirias, expansionista e hegemnica no plano financeiro; entre um humanismo de base
Iluminista (neo-escolstico) e um racionalismo tcnico-cientfico. Diversas conjunturas
cruzaram transversalidades e singularidade. Para a temtica que aqui nos prende, assinalem-se
as seguintes:
a) Das Invases peninsulares consolidao da independncia poltica e construo de uma base sociocultural, assente na cultura escrita, de apoio modernizao do Estado
e diferenciao entre os campos do pblico e do privado.
Esta conjuntura foi determinada pela primeira gerao romntica, a quem ficaram a
dever-se a emergncia da nao lingustica, para retomarmos a acepo proposta
por Herder; a nacionalizao da cultura escolar; a criao de uma estrutura pedaggica
e didctica, de alcance universal para assegurar a alfabetizao em vernculo como
base de comunicao, formao cvica, humanstica e tcnica; a cidadania como
matriz do contrato Estado-Nao.
b) A pacificao civil e o fomento de grandes investimentos, em transportes e circulao de produtos e pessoas, criando um mercado econmico nacional e fazendo emergir
plos industriais, de que resultaram as primeiras concentraes proletrias e a
emergncia de metrpoles urbanizadas.
4 Retomo aqui a expresso comunidades imaginadas consagrada por Benedict Anderson. Com ela, Anderson,
inventariando e documentando com um conjunto de casos e de circunstncias histricas, pretender significar que
a combinao dos elementos lingustico-impresso com o econmico e o administrativo constituiu a origem da
conscincia nacionalista (cf. Anderson, B., Imagined Communities. Reflections on the Origin and Spread of
Nationalism. London/ New York: Verso, pp. 37-46).
4
Com o urbanismo e a proletarizao ganharam alento as ideias socialistas e o
programa republicano. A educao e a instruo pblica centraram-se na escola; ficou
definido o perfil de um profissional docente normalizado e funcionrio pblico.
Estruturada e assegurada uma instruo elementar, com sede escolar, o debate
concentrou-se sobre a educao secundria humanstica, cientfica, tcnica,
profissional.
c) Contudo, na transio do terceiro quartel do sculo XIX, a ameaa de decadncia ibrica no esvanecia; a crise tardava em resolver-se.
Progressistas e regeneradores, procuravam sustentar-se no poder, congregando os
sectores pblico e privado; republicanos e socialistas disputavam a primazia no
aparelho de Estado e na politizao dos pblicos neo-alfabetizados. A mquina
educativa e escolar desafiou a uma estrutura orgnica, hierrquica e escriturada, de
que resultou uma burocracia que inspirava os sectores econmico e poltico. A
modernizao administrativa e orgnica dos aparelhos de Estado gerou alianas e a
partidarizao da vida poltica. A interdependncia entre os quadros interno e externo
deram origem a confederaes de Estados: econmicas, culturais, ideolgicas.
As duas naes ibricas desenvolviam-se a ritmos diferentes, na economia, na
alfabetizao, na conquista de lugar na economia-mundo. Palco de trusts econmicos, a
Espanha aproximou-se do modelo alemo. A exploso econmica e demogrfica das
periferias desenvolvidas forava ao compromisso poltico com o Centro (Madrid) como motor
do nacionalismo e da coeso econmica e social, de que a alfabetizao em castelhano e a
criao de um sistema escolar nacional, modernizado e de alcance obrigatrio, foram
condio inadivel. Portugal distanciava-se. As taxas de alfabetizao, os investimentos
pblicos nas ferrovias e na rede de estradas, a resoluo da questo fundiria, o equilbrio
entre litoralizao e interioridade, apresentavam-se como desafios sistematicamente adiados.
Com a Gerao de 70 e estando no horizonte a disputa entre socialismo e republicanismo, o
iberismo ganhou novo significado.
4. Entre os protagonistas de cada uma destas conjunturas cruzavam os partidrios da
idealizao de naes progressistas e independentes, e os grupos mais receptivos ao iberismo,
fosse por inevitabilidade poltica e econmica, fosse por idealizao de um modus vivendi
confederado, convergindo num horizonte social e cultural de elevada qualidade, ou fosse to
s para garantir um lugar digno e tranquilidade face concorrncia econmica das grandes
metrpoles e ameaa geoestratgica dos imprios na hegemonia-mundo.
Referindo-se Revoluo que teve incio no Porto, em 24 de Agosto de 1820, Julio
Soares de Azevedo concluiu:
no um movimento popular. No h nela uma participao activa e
espontnea do elemento da populao, a que os nossos cronistas teimam em
chamar arraia mida. No o povo, mesteirais e braceiros, homens das cidades e homens dos campos, que vai pelas ruas gritar a Liberdade e se
coloca frente da manifestao.5
E quando, no ms seguinte, a Junta do Porto chegou a Lisboa, prossegue este autor com a
seguinte observao:
5 Azevedo, J. S., Condies Econmicas da Revoluo Portuguesa de 1820 (2 ed.). Lisboa: Bsica Editora,
1976, p. 167.
5
o povo no ia a S. Carlos entoar panegricos liberdade. Ocupava-se
noutras manifestaes6. [Os governantes e os deputados eram]
proprietrios, comerciantes, industriais, legistas: a burguesia () sobre a qual pesavam, principalmente, as consequncias da residncia real no
Brasil e o desfalecimento da indstria e do comrcio.7
A Revoluo de 1820, em Portugal, no teve um carcter social, mobilizando as
camadas populares para a modernizao e o constitucionalismo. O desgnio poltico do
constitucionalismo submergia na procura do retorno da prosperidade comercial e industrial e
na reabsoro do Brasil. O jornal de Londres O Campeo Portugus, sado a 16 de Setembro
de 1820, admitia que, dadas as circunstncias de momento, Portugal teria um de trs destinos:
pas independente; unir-se ao Brasil; unir-se a Espanha8.
Nas memrias e relatrios apresentados s Cortes Gerais, a necessidade e as
virtualidades do progresso chegaram pela voz avisada de Borges Carneiro e de Fernandes
Toms. Este ltimo advertia:
Vs no ignorais, Senhores, que sem estradas os frutos e objectos de
indstria so quase perdidos na massa geral dos interesses sociais, porque o
transporte excede muitas vezes o valor das mercadorias.9
A nacionalizao dos smbolos, da lngua e da tradio, a descrio da tradio e a
construo da histria ptrias, replicando as iniciativas de outras naes, constituiu um
desgnio para a primeira gerao romntica e liberal. Antes mesmo da Revoluo, o Morgado
de Mateus tinha patrocinado a edio de Os Lusadas, sob argumento que no podia fazer
cousa mais agradvel minha Patria, do que huma boa edio daquelle Poema, que he o
maior monumento da gloria nacional10. Anos depois, Jernimo Soares Barbosa organizou uma edio anotada, destinada a fins escolares. Tinha assim lugar a reaco manifesta de
nacionalizar a Epopeia e Cames, fazendo esquecer no tempo a edio monumental, de
Manuel de Sousa, publicada em Madrid, no sculo anterior.
No incio da segunda dcada do sculo XIX, haviam sado publicadas duas histrias
literrias de Portugal, da autoria de Bouterwek e Sismondi, respectivamente. No entanto,
quando, em 1826, Almeida Garrett desenvolvia um curso de Histria Literria de Portugal,
advertiu que teve de encetar matria nova, porque aquelas histrias tinham erros. Referia-se
sobretudo necessidade que sentiu de resgatar o elemento celta e contraditar a exclusividade
da base latino-mediterrnica da Lngua Portuguesa.
Em Espanha tinham lugar iniciativas semelhantes, tendentes determinao da raiz
lingustica do Castelhano. Mas, relativamente a Portugal, quando, em 1870, Tefilo Braga
redigia a Introduo a Histria da Literatura Portuguesa, de que era autor, no deixou de
interrogar-se sobre como vencer a indiferena geral, numa terra aonde nada se estuda e nada
se respeita11
.
6 Idem, p. 171.
7 Ibidem, pp. 174-175.
8 Apud Azevedo, op. cit., p. 186.
9 Apud Azevedo, op. cit., p. 203.
10 Apud Cunha, C., A Construo do Discurso da Histria Literria na Literatura Portuguesa do Sculo XIX.
Braga: Centro de Estudos Humansticos/ Universidade do Minho, 2002, p. 168.
11 Apud C. Cunha, idem, p. 169
6
5. urgncia de superar a indiferena, inclusive face ameaa externa, se referiu
Almeida Garrett, em Portugal na Balana da Europa, obra publicada, em 1830, durante o
exlio em Inglaterra e Frana. Abordando o que Portugal tem sido e o que lhe convm ser na
nova ordem de coisas do Mundo Civilizado, proclamava:
Assim estabelecida a liberdade, a liberdade verdadeira e real; e com esta
condio no h que hesitar para os Portugueses na opo da proposta e
forosa alternativa. Todos daremos o derradeiro sangue pela independncia
nacional. Mas se a intriga estrangeira ajudada da traio domstica
prevalecerem, e nos tirarem a condio sine qua non de nossa
independncia, ou directamente destruindo a constituio, ou
indirectamente anulando-a nos seus efeitos, como at aqui tm conseguido;
ento relutantes e forados, mas deliberadamente resolutos, s nos resta
lanar mo do segundo membro da alternativa, unir-nos para sempre a
Espanha. (p. 320)
Denunciava, deste modo, o temor das ameaas da Santa Aliana (ustria, Rssia,
Frana), a que associava a inoperncia da oligarquia interna, pelo que no apenas expressava
uma opinio muito positiva sobre o regime de repblica que os Estados Unidos da Amrica
estavam a criar e de que o Brasil mais tarde ou mais cedo se aproximaria, como abria lugar
ideia de federao.
Aqui viria naturalmente o tratar o modo e condio com que a unio deve
ser feita para que menos pesada e mais vantajosa nos seja. Mas a
esperana, a querida esperana, que ainda nutrimos e afagamos de no
serem constrangidos a essa extremidade, me arreda a pena do repugnante
assunto. () Praza a Deus que no seja necessrio volver a ele! Mas se for, se a oligarquia nos obriga a queimar nos altares da liberdade o palcio da
independncia nacional, faamo-lo com dignidade e prudncia; nem
sacrifiquemos de nossa glria e nome antigo seno o que exactamente for
indispensvel para evitar a servido. () Talvez uma Federao. () Mas suspendamos por ora todas as reflexes sobre este objecto
12.
Garrett sentia que a revoluo no tinha atingido a massa democrtica [o povo],
pelo que esta no reconhecia o pendor ideolgico, nem estava em condies de avaliar o que
defende. E, voltando-se para os responsveis da histria, proclamava: Para isso preciso
ilustr-lo de palavra e obra. De palavra, por via de escritos prudentes e assisados, de escolas e
instruo. De obra, fazendo-lhe ver e sentir em seus resultados a excelncia do sistema
adoptado13
.
Nos anos imediatos, durante a Regncia, Mouzinho da Silveira converteu em lei a
desamortizao e o novo quadro poltico e econmico. No perodo de Regncia, na Ilha
Terceira, foram publicadas leis que integraram a alfabetizao na modernizao da
administrao do Estado. Com o Setembrismo (iniciado em 1836), foi j o elemento pequeno
burgus e popular que saiu rua, em defesa da Constituio de 1822 e da liberdade. Mas a
ameaa de reposio do Absolutismo em Espanha e a instabilidade civil, entre partidrios da
Carta e partidrios da Constituio, abriram lugar, em Espanha como em Portugal, ao poder
moderado e consolidao do Estado, da sociedade burguesa e do governo centralizador.
12
Almeida Garrett, Portugal na Balana da Europa. Cartas ntimas. Do que tem sido e do que ora lhe convm
ser na nova ordem de coisas do Mundo Civilizado (2 ed.). Lisboa: Crculo de Leitores, 1984, pp. 182-183.
13 Serro, op. cit., p. 12
7
Com o afastamento do regente progressista, Baldomero Espartero (1840-1843), muitos
liberais espanhis procuraram refgio em Portugal, onde encontraram eco nos manifestos
contra Costa Cabral, que havia subido ao poder em 1842. Em 1844, quase em simultneo,
houve sublevaes em Alicante (28 de Janeiro de 1844), em Cartagena (1 de Fevereiro de
1844) e em Portugal (Torres Novas, 4 de Fevereiro de 1844). A Inglaterra estava apostada em
retirar a hegemonia francesa na Pennsula Ibrica, instaurando o livre-cmbio, mas sempre
que houve sublevaes em Portugal, acorreu a repor a ordem.
As sublevaes e a revolta contra o governo Costa Cabral, culminando em 1846,
levaram Costa Cabral ao exlio em Madrid, onde permaneceu a partir de Maio. Foi notria a
sua simpatia pelo moderantismo espanhol, protagonizado por Gonzlez Bravo (1843) e
Narvez (1844), e consignado na Constituio de 1845. De um e outro lado da fronteira, tinha
lugar uma orientao poltica comum de fomento da economia atravs de obras pblicas,
reforma dos municpios, reforma do ensino. Estava eminente uma aliana poltico-militar para
conter o poderio ingls e tambm francs em Portugal.
Os acontecimentos de 1848, em Frana, em Espanha e em Portugal, gerados em boa
parte por exilados republicanos e progressistas, tiveram contudo desfechos distintos.
Enquanto na Frana triunfava a revoluo, em Espanha e em Portugal, mantinham-se as
monarquias e os governos centralizadores. Com a Reforma da Carta pelo Acto Adicional de
1852, teve incio um perodo de acalmia poltica. S na dcada de setenta voltariam as
alteraes da lei fundamental.
6. Os trs perodos de agitao revolucionria europeia (1818-1825; 1830-1834; 1848-
1851) envolveram Portugal e tiveram como resultado a consolidao dos ciclos de
estatalizao e de nacionalizao na formao dos Estados-Nao. Abriram tambm a
possibilidade de uma confederao dos Estados revolucionrios da Europa de Sul (Npoles,
Piemonte, Espanha e Portugal). Por meados do sculo, estava em curso a generalizao do
ecumenismo romntico e comeavam a alinhar-se as primeiras manifestaes de convergncia
socialista no espao ibrico. Em 1812, fora proclamada a Constituio Liberal espanhola, em
Cdiz. Reposto no poder, em 1814, D. Fernando comprometeu-se a cumprir a Constituio,
mas acabou por destru-la. Em Agosto de 1820 formara-se a Junta Revolucionria do Porto,
dando incio Revoluo Liberal, na sequncia da qual foi proclamada, em 1822, a
Independncia do Brasil. Aps o Tratado de 25 de Novembro de 1825, ao contrrio da coroa
espanhola, receosa da perda das suas colnias, D. Joo VI reconheceu o Brasil como Estado
independente.
Publicada no Brasil, em edio pstuma, a obra Memrias Historicas, polticas e
filosficas da Revoluo do Porto em 1828 de Joaquim Jos da Silva Maia e, dos emigrados
Portugueses pela Espanha, Inglaterra, Frana, Blgica, colocava Espanha do lado do poder
absoluto. Editada por Emlio Joaquim da Silva Maia, a obra de Joaquim Jos da Silva Maia
(que foi redactor de Imparcial) continha uma caracterizao detalhada da cidade do Porto e da
influncia inglesa sobre as classes activas (comerciantes, capitalistas e homens de letras).
Descrevia tambm o percurso dos exilados no interior de Espanha, particularmente os que
seguiram pela Galiza at ao Ferrol de onde embarcaram para Inglaterra. Se bem que a opinio
do autor sobre a posio de Espanha relativamente aos acontecimentos de 1828, no Porto,
tenha sido formulada com base na convico de que a Corte de Madrid era partidria do
absolutismo, denuncia alguns casos de perseguio aos contingentes de exilados em marcha
pela Galiza.
8
A radicalizao entre absolutistas e liberais mantinha-se no ponto de ruptura. No incio
da dcada de trinta ocorreu um movimento insurreccional contra o autoritarismo
governamental.
Um movimento insurreccional agitou, com efeito, a Espanha, nesta poca, e
atingiu o ponto culminante a 12 de Agosto com a chamada revolta dos
sargentos da Granja, no mesmo local em que se refugiara a Corte, revolta
que obrigou a rainha a prestar juramento antiga Constituio de Cdis e a
trocar por ela o estatuto real, em vigor desde 1834.14
Em sentido contrrio, era convico que a rebelio de Lisboa (Vilafrancada), que
ocorreu em 31 de Maio de 1831, viesse a pr cobro tambm revoluo liberal em Espanha,
principalmente colaborando no cerco martimo praa de Cdis, primeiro foco e ltimo
bastio do liberalismo na Pennsula, finalmente dominada, nos ltimos dias do ms de
Agosto, aps encarniada resistncia15
. Unidos pela ideia de federalismo ibrico, os exilados
portugueses e espanhis fundaram em Paris o Club Democrtico Ibrico, tendo cerca de 400
dos seus membros desfilado at ao Htel de Ville, aclamando a Revoluo de 184816
.
Os planos de conhecimento da realidade espanhola, federalismo ou unio eram
simultneos. Em 1841, Antnio Feliciano de Castilho clamava em Revista Universal
Lisbonense pela unio e conhecimento mtuo das literaturas peninsulares. Mais tarde, a
Revista Popular fazia permuta com duas revistas publicadas em Madrid: o Semanrio
Pitoresco e a Ilustracin. Em 1849 foi publicado, em Badajoz, El Frontero, revista literria de
Espanha e Portugal. Seguiu-se-lhe Revista del Mediodia, em que escreveram Rebelo da Silva,
Lopes de Mendona, Lobo de vila, Barbosa e Silva, etc.
Desde o Outono de 1851 que a Sociedade de Instruo dos Operrios,
criada em Coimbra pelo visconde de Ouguela e pelo Dr. Filipe de Quental,
institura cursos de instruo primria e secundria; pois logo no 1 curso,
alm da leitura e da escrita, se ensinavam os princpios gerais de geografia
com especialidade a da Pennsula17.
Segundo Victor de S, os partidrios do iberismo dividiam-se entre federalistas
(socialistas que defendiam uma federao de preferncia republicana) e unionistas que
defendiam a unio dos dois pases, sem qualquer condio poltica. Henriques Nogueira, na
introduo a Estudos (1851), escreveu:
Quisera que Portugal, como povo pequeno e oprimido, mas cnscio e zeloso
da sua dignidade, procurasse na federao com os outros povos
peninsulares a fora, a importncia e a verdadeira independncia que lhe
falta na sua escarnecida nacionalidade.18
Casal Ribeiro, em carta datada de 4 de Outubro de 1851, afirmava: a unio
peninsular no possvel, no pode ser espontnea e pacfica, lgica e racional seno sob a
forma de repblica federativa19
. O socialista Pedro de Amorim Viana preferia a unio
14
S (1978, pp. 98-99).
15 Idem, p. 68
16 Idem, p. 286
17 Carvalho, J. M., Apontamentos para a Histria Contempornea, Coimbra, 1888. Apud S (1976, p. 212).
18 S (1978, p. 286).
19 Idem, p. 286.
9
ibrica sujeio a Inglaterra: Prefiramos a unio ibrica transfuso da raa britnica20
.
Os meios de propagao de ideias, arbitrando entre iberismo e iberismos, ganhavam novo
dinamismo. Em Dezembro de 1851, foi publicada em Lisboa a memria espanhola A Ibria,
proclamando fraternidade, igualdade, unio, entre Portugueses e Espanhis e propondo a criao da nao ibrica.
Em Portugal no circulavam livros espanhis, e em Espanha no estava venda um
nico livro portugus. Foi com a Gerao de 1852 que passou a ser regular o intercmbio com
Espanha e teve lugar uma aproximao cultural, consubstanciada na Revista A Pennsula, cujo
nmero 1 foi publicado no Porto, em Janeiro de 1852. Publicado regularmente entre 1852/53,
o peridico A Pennsula abriu uma nova fase no conhecimento sobre Espanha em Portugal,
informando sobre a literatura espanhola e o grau de desenvolvimento que alguns ramos da
cincia social ali tinham atingido. No n 21 (8 de Junho de 1852), Ribeiro da Costa, autor de
um artigo Sobre as Relaes Literrias de Portugal com a Espanha lamentava: Em Portugal no h um s livro moderno espanhol impresso em alguma tipografia espanhola. O
que sabemos e o que podemos haver da literatura e cincia modernas de Espanha devemo-lo
s edies francesas21
. Tambm segundo um relatrio apresentado ao governo por um
professor universitrio de Coimbra no mesmo ano de 1852, nas lojas de livros de Espanha
no se encontra venda um s livro portugus, nem os homens lidos tm conhecimento das
obras modernas de Portugal, e mesmo das antigas apenas conhecem poucas22
.
Foi a partir da gerao de 1852 que comearam os contactos regulares na aproximao
cultural dos dois povos peninsulares. A Gerao de 70 abriu ao positivismo e encetou um
discurso contra o Krausismo. Enquanto os espanhis se abriram ao krausismo e ao
proudouninismo, os socialistas portugueses revelaram-se mais sensveis aos falanstrios de
Fourier. Por contraponto, os republicanos deram novo alento ao entendimento ibrico. A
partir de ento, o federalismo ibrico passou a estar intrinsecamente ligado ao republicanismo.
7. Na primeira metade do sculo XIX, os acontecimentos polticos de Portugal e de
Espanha tiveram lugar nos mesmos perodos e orientados em sentidos idnticos. No entanto,
transversalidade das datas e dos eventos, contrape-se a singularidade dos contextos e dos
efeitos. Uma vez assegurada a superintendncia da Universidade de Coimbra sobre a cultura e
a instruo, a legislao promulgada por D. Joo VI foi no sentido de valorizao das
Provncias. Tambm em Espanha o Provincialismo surgia como alternativa oposio entre
centralizao e federao.
Na primeira metade do sculo XIX, o quadro ibrico manteve-se indefinido entre
provincialismo e federalismo, ainda que a primeira viso tivesse sido mais bem acolhida pelos
independentistas portugueses e pelos integralistas espanhis. De um e outro lado da fronteira,
a legislao sobre a instruo pblica foi orientada no mesmo sentido: submeter a Escola a
uma normalizao, que em Portugal foi mais dependente do Estado e ficou associada
estatalizao e, em Espanha foi mais dependente da Igreja Catlica e ficou associada
nacionalizao; criar condies para a universalizao da alfabetizao em lngua nacional;
modelar o exerccio da aco docente; fomentar a criao e edio de livros didcticos. A
instruo elementar mantinha-se distinta do ensino liceal e do ensino tcnico-profissional. Na
20
Idem, p. 287.
21 Apud S (1978, p. 214).
22 Idem, p. 215
10
instituio de um currculo escolar nacional, a histria ptria narrada em lngua verncula e a
gramtica passaram a ter um lugar de relevo.
Em Espanha, onde a escolaridade obrigatria tinha sido decretada pela constituio de
1824, por meados do sculo, era intenso o processo de alfabetizao em lngua castelhana.
Em Portugal, Almeida Garrett, liberal e principal figura do romantismo portugus,
pronunciando-se sobre a orientao do sistema escolar, proclamou que a educao ou
nacional ou despe-se de sentido. Ficou a dever-se ao poeta Antnio Feliciano de Castilho, a
criao de um Mtodo de Alfabetizao em Lngua Portuguesa, o Mtodo Portuguez, bem
como a sua organizao didctica sob a modalidade de compndio.
As duas principais reformas para a Instruo Elementar em Portugal, foram a de 1835,
assinada por Rodrigo da Fonseca Magalhes e a de 1844, assinada por Costa Cabral.
Consistiram, fundamentalmente, na instituio da escola como sede de alfabetizao em
lngua portuguesa; na paroquializao da rede escolar; na fixao de um programa e de uma
pragmtica estruturada pela escrita caligrfica; na municipalizao do agenciamento escolar;
na normalizao do perfil do professor primrio. A Reforma de 1844, alis, foi j uma
reforma integrada dos vrios segmentos de ensino e tornou obrigatria a frequncia escolar. A
reforma de 1836, assinada por Passos Manuel, estruturou e nacionalizou o ensino liceal. A
escolarizao do ensino profissional, tcnico, agrcola, comercial, e sua insero no plano
geral da instruo pblica, foram objecto do normativo legal de 1852, assinado por Fontes
Pereira de Melo.
Com a transferncia do Conselho Superior de Instruo Pblica para Lisboa, passando
a funcionar junto da Secretaria do Reino, no s a Universidade de Coimbra perdeu a
prerrogativa de coordenao do ensino nacional, como teve lugar uma nacionalizao do
sistema escolar, em estruturao. Correlativamente, estava em organizao uma inspeco de
mbito nacional. A legislao de 1866, fixando as normas sobre programas, desempenho
profissional, construo e aprovao de edifcios escolares e abrindo lugar iniciativa de
privados e cooperao com o Estado e com a esfera pblica, em matria de alfabetizao e
de escolarizao, consagrou a nacionalizao do sistema escolar. Nesse quadro legislativo de
abertura ao capital privado, gerido e aplicado em conformidade com os regulamentos do
pblico, se integra o legado do Conde Ferreira, benemrito pblico, falecido naquele mesmo
ano e que deixou uma verba destinada construo de escolas pelo todo nacional.
A escola pblica em Espanha, que, no que se refere instruo primria, foi
normalizada por dois Regulamentos de aplicao nacional (Plan y Reglamento de las escuelas
de primeras letras, de 1825, e Reglamento de escuelas, de 26 de Novembro de 1838, ainda
em vigor no incio do sculo XX), foi um elemento estruturante da modernizao23
. A gnese
e a primeira configurao do sistema educativo foram as manifestaes mais notrias do
impulso reformador do primeiro liberalismo, entre 1834 e 1857-5824
. A partir de 1834 foram 23
Es evidente que la implantacin de la escolaridad comporto el take off de una nueva cultura, la escolar, en la
que la definicin de los tiempos en los planos emprico, acadmico y normativo constituy un aspecto esencial que afectaba a la redefinicin de la infancia y a la invencin de nuevas reglas de gobernabilidad del
orden institucional de la educacin formal con amplias repercusiones en las relaciones de los sujetos sometidos a
las nuevas disciplinas con los contextos sociales en que construyeron sus propias identidades narrativas
(Escolano Benito, A., La Invencion del Tiempo Escolar. In Fernandes, R. & Mignot, A. C. V., O Tempo na
Escola. Porto: Profedies, 2008, p. 52-53).
24 A colectnea Historia de la Educacin en Espaa: Textos y Documentos apresenta a seguinte periodizao:
Tomo I, Del Despotismo Ilustrado a las Cortes de Cdiz; Tomo II, De las Cortes de Cdiz a la Revolucin de
1868. Cf. Historia de la Educacin en Espaa: textos y documentos. 2 Tomos (2 ed.). Madrid: Servicio de
Publicaciones del Ministerio de Educacion y Cincia.
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criadas comisses de instruo primria provinciais, de partido e locais; a partir de 1835,
institutos de ensino secundrio; a partir de 1838, escolas de meninos; a partir de 1839, escolas
normais para mestres. Em 1846, foi criada a Direco Geral de Instruo Pblica; em 1849, o
corpo de inspectores do ensino primrio; em 1858, escolas normais para mestras. A
Universidade Complutense foi transferida de Alcal de Henares para Madrid, em 1836,
passando a assumir o estatuto de Universidade Central. Em 17 de Setembro de 1845, foi
apresentado o plano Pidal que articulava o sistema educativo. Com base nesse Plano, em 9 de
Setembro de 1857, foi apresentada a Ley de Instruccin Pblica, tambm conhecida por Ley
Moyano. O impulso reformador de teor centralista, uniformizador e que foi interrompido no
perodo subsequente, reflectiu um progressivo recuo do laicismo face Igreja. Em 1851, foi
assinada a Concordata, pela qual a Igreja Catlica poderia inspeccionar o ensino pblico e
privado25
. Entre 1868 e 1874, houve um esforo reformador, assinalado, entre outros
aspectos, pela proliferao de institutos livres criados pelos municpios. O impulso de
inovao prolongou-se pela fundao, em 1876, da Institucin Libre de Enseanza e criao
dos primeiros jardins-de-infncia; pela criao do Museo de Instruccin Primaria, em 1882;
pela introduo das colnias escolares (1887). No obstante este movimento, as taxas de
analfabetismo mantinham-se elevadas. Num e noutro dos pases ibricos, na sequncia da
estatalizao que assinalou a ruptura do Antigo Regime, foram desencadeadas movimentaes
polticas e sociais de constituio da escola nacional e de uma cultura escolar nacionalista. Por
meados do sculo, estava em curso uma alfabetizao escolar nas lnguas nacionais,
organizada por cartilhas maternais e estavam em aprovao leis gerais integradoras dos
distintos segmentos de ensino.
8. As reformas sobre a educao, visando a formao de sistemas escolares integrados e
de alcance nacional, sucederam-se no decurso da primeira metade do sculo XIX. Em
Portugal e em Espanha, houve aspectos estruturais comuns e a alfabetizao escolar tornou-se
uma prioridade. Por meados do sculo, as taxas de alfabetizao eram muito semelhantes nos
dois pases. Num e noutro, estavam aliceradas as bases e as estruturas dos sistemas escolares
nacionais; todavia, nas dcadas seguintes, o avano em Espanha foi notvel. Nacionalismos e
Iberismo, reconfigurando-se, sofrendo avanos e recuos, indexados a diferentes grupos e
obedecendo a orientaes poltico-ideolgicas elas prprias variveis, foram dois movimentos
presentes na primeira metade de Oitocentos.
A formao dos sistemas escolares foi, no entanto, determinante no abono dos
nacionalismos, no apenas na consagrao das distintas lnguas maternas, como criando e
aplicando um currculo escolar de progressiva diferenciao. Nesse sentido, a histria e o
patrimnio etnogrfico e literrio foram fortalecidos como factores de identidade. Os
Lusadas, que, com Manuel de Sousa Faria, tinham sido elevados a Epopeia Ibrica, foram
adequados didctica escolar, no mbito da nacionalizao do currculo em portugus.
Viao Frago que sistematiza a parte mais significativa da informao histrica, abordando La Educacin en la
Espaa del siglo XX. Un anlisis diacrnico, estabelece a seguinte periodizao: La situacin heredada (1800-
1900), em que salienta o movimento reformador liberal de meados do sculo XIX e as transformaes das
dcadas de setenta e oitenta; Los incios de la renovacin y modernizacin educativa (1900-1931); La II
Republica (1931-1939) y el exlio republicano; La dictadura franquista y los aos de la transicin (1936-
1977); La restauracin democrtica (1977-2000) (Viao Frago, Escuela para Todos. Educacin y
Modernidade n la Espaa del Siglo XX. Madrid: Marcial Pons Historia, 2004: 15-130).
25 Cf. Fernndez Soria, Educar en Valores. Formar Ciudadanos. Vieja e Nueva Educacin. Madrid: Biblioteca
Nueva, 2007, p. 61.
12
O binmio soberania-nacionalismo sobreps-se ao iberismo, frequentes vezes negado
pelas rivalidades ou comprometido pela poltica de alianas, internas e externas ao espao
peninsular. No s, face intruso absolutista em nome da uniformidade do regime, foram
organizados movimentos poltico-ideolgicos de tendncia socialista e federativa, como, face
inoperncia das transformaes polticas e debilidade econmica, os sectores mais
esclarecidos se viram forados a admitir a possibilidade de uma federao ibrica, tendo
alguns outros chegado a antever o regresso unio ibrica. At Revoluo Liberal, tinha
permanecido um grande desconhecimento das culturas, das tradies e das polticas de um e
outro lado da fronteira entre Portugal e Espanha. O silncio instaurado com a Restaurao da
Independncia veio a ser quebrado com a dominao napolenica e posteriormente com a
Revoluo Liberal, cuja consolidao ficou intrinsecamente associada nacionalizao da
cultura escolar e constituio de sistemas escolares nacionais.
A abordagem da primeira metade de Oitocentos foi assim o pretexto para revisitar de
forma breve os conceitos de romantismo, liberalismo, republicanismo, iberismo, socialismo.
Foi de igual modo o motivo para ordenar, no binmio modernizao/ sistema escolar, trs
geraes assinaladas pela mobilidade, mas distintas pela tnica de afectao: estrangeirados,
exilados, emigrados. A cada uma ficou a dever-se uma orientao distinta: herdeiros da
estatalizao, os primeiros, entre os quais se distinguiu Mouzinho da Silveira, procuraram
aplicar ao Portugal Liberal uma soluo importada (anglfona ou francfona); os segundos,
liberais e romnticos, entre os quais se distinguiu Almeida Garrett, ficaram responsveis pela
nacionalizao cultural e escolar, apostados que estavam em encontrar um lugar e um
caminho para Portugal no quadro das naes liberais e progressistas; os terceiros, entre os
quais pode referir-se o Conde Ferreira, aplicaram os seus capitais por forma a viabilizar as
principais reformas regeneradoras, que se mantinham adiadas.
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