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Sa'iu-me da pena esta historia ao ter presente o n,ovo bende,gó ca'ido lia dias lá para as bandas do Araranguá.
Narram os jornaes o terror dos habitantes ao ouvirem o estrondo do aerolitho. Não menor susto soffreram os nossos antepassados com a explosão da nau do Mgzzabarba fundeada perto dá ilha das Cobras, além do baixio existente entre a referida ilha e o forte de Santiago (hoje Arsenal de Guerra).
Houve paredes fendidas, vidros de janellas quebrados, ataques e chili'ques. Não refere a chronica si houve victimas.
1 Que a cousa ioi medonha, não ha dúvida. Trinta barris de :oolvora a explodirem nunca foi, nem ·será ·brincadeira ou marimba que preto toca.
Domingo, 8 de Ollltubro de 19H.
MORRO DA VIUVA Amavel compatricio apreciador de velharias foi em
companhia de amigos dar uma volta pela esplenclida Avo .. nida Beira-Mar.
·Mao gráo o dia carrancudo de Domingo passa'do chegaram os passeiantes "sem accidente" ao Morro da Viuva.
Iam em alegre palestra recordando factos, que tiveram por theatro a praia do Flamengo (outr'ora da Aguada dos MarinheiMs, de Pedro Martins Namorado, do sapateiro Sebastião Gonçalves e tambem de Lery ou Leripe) .
Contemplavam o Pão de Assucar envolto em nuvens. Viram o sitio da Sapoicatoba, a fóz do Carioea e Vi!legagnon tão célebre nos nossos annaes, aforada depois pelos J esui tas por seís gallinrhas, etc.
Ao chegarem ao supradicto morro, grande foi o espanto dos joviaes excursionista,s ao verem restos de uma fortificação, e em uma griu:ta deHa as armas da cidade.
Interrogado o chauff eur, ·que os conduzià, disso ser tudo uquillo, propriedade da Municipalidade, que naturalme·nte comprou ao Governo .
Tudo isto foi assumpto de amistosa carta, que me dirigiu o referido compatrício pedindo lhe puzesse a cousa em pratos limpos ·. Quer o sr. Galvão (tal o nome do missivista), saber si a Municipalidade obteve, c-0mprando, esse immovel, o qual segundo o mesmo senhor devia pertencer ao Governo por alli exiiStirem restos de um fortim.
;Antes de ir adeante devo dar o parabem aos passeantes do Domingo passado. Encontraram . um chauffeur intclligente
326 REVIS'!'.\ DO lNS'l'J'l'lJ 'l'O H!STOHICO
(~ sabedor de cousa·s cariocas, um bom. cicerone, cousa rara, pois que a gente dessa: classe cm sua maioria não dá a taramelha nem cuida de taes ninharias'. Estou em dizer que üste modesto guia, alêm da pericia com que conduziu o SC'. Galvão e seus amigos a porto e salvamento, lavrou um tfmto. Assegurou, até certo ponto sem o querer, o direito inconcusso da Municipa1idade sôbre o Morro da Viuva. E digam lá que o Rio de Janeiro não é a cidade das mara .. vilhas !
!Para tralliquillizar o eS1Pirito do· meu interroigador vplto-me para o passado. E se cai:r em alguma repetição dr. cous·as muito sabidas dos leitores, carregue o sr. Galvão com . a responsabilidade dessa falta. F-0i elle quem encommendou o sermão de hoje.
Entro em mataria. O actual morro da Viuva teve esta denominacão por haver pertencido o seu dominio util a d. Joaquina Figueiredo Pereira Barros, por heranca do mar ;do .Toaqruim José Gomes de Barros.
Até 17'53 não teve tal morro nome especial. Foi chamado tambem de Lery ou Lerype por ter residido na chamada casa de pedra, durante quatro mezes, o célebre protestante João de Lery, que para fugir ás perseguições de Villegagnon veio residir no continente. Esta "casa" foi, segundo uns. edificada pelo mesmo Víllegagnon, e conforme outros. levantada por Martim Affonso de Sousa quando em 15:?12 aqui esteve durante tres mezes .
.Tá por vezes procurei provar: - o primitivo ·morro do Lr.ry foi o da Gloria. E só depois qiue este, graças a ermida alli levantada. foi perdendo a primeira denominação dada, foi transferida para o actual morro da Viuva. Trinta e quatro br·aças afastadas delle e servindo de peão á referida casa de pedra, começou a linha ·divisoria da sesmaria
da Camara, nas medições de 1667 e 175;3. Que muito antes destas duas diligencias, 'ª Camara se
ju!g·ava senhora do referido morro, prova o seguinte documento que darei em resumo. Aos officiaes do Concelho João de Sousa Pereira, Ohrispim da Cunha, Manuel Rodrigues Sepulveda e Luiz Cabral de Tavora foi dirigido o seg·u inte requerimento pedindo por aforamento terras. Seu teôr é o seguinte: "O abbade e mais .clerigos do Mosteiro do P1atriarcha S. Bento, desta cidade, querem: com o favor dr Deus começar sua egrej·a, para a qual hão mistér muita pedra para arcos, portaes, col1umnas, janellas, e frestas, a qual. se não acha em nenhuma parte a não ser em um ouf riro que está nas terras do Concelho, indo para Carioca á mão esquerda da banda do mar, passando a primeira praia,
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onde ha muita cópia della. Pedem a Vossas Mer.cês que visto ser a bem o que querem edificar para obra pública e que muito augmenta a nobre;/ja desta cidade e o que principal é ser necessario para o oulto divino e veneração de Deus. Nosso Senhor, lhes deem vinte braças de pedreira no dicto outeiro pegadas á pedreira, que no caminho abriu no d1cto sitio Sebastião Gonçalves, das quaes se lhes passe carta. Receberão mercê e esmola."
Foi concedida a competente carta em 9 de Dezembro de 1618. Pagariam os religiosos Benedictinos duzentos réis de fôro em cada anuo.
Obtida a concf)lssão, começaram os monges a levar o material necessario para as obras do Mosteiro.
Houve alli uma especie de grangearia, onde habitava um religioso. Tinha por incumbencia fiscalizar o serviço. Nnst.e · posto estava frei João do Rosario, requerido como louvado por parte da Camara, na segunda medição de sua fies maria ( 1753), presidida pelo desembargador corregedor da comarca dr. Mailiuel Monteiro de Vasconcellos.
·Comquanto o morro ficasse fóra do rumo desta segunda medição, todavia a Camara sempre se julgou senhoria direeta delle. Ou fosse devido á posse antig.a ou em virtude d::t chamada sesmariá de sobejos, nunca lhe foi disputado tal direito.
Esta sesmaria concedida pelo governador d. Pedro de Mascarenhas ( 1667) consistia em todos os terrenos para a parte da ci-Oadc, os quaes ficara:m fóra do rumo da primeira medição.
Significa isto que a Camara se · tornava senhora de terras não occupadas por outros, isto é, do que sobejasse das possessões allodiaes. Assim · sempre tenho interpretado similhante concessão de sesmarias.
Pretendem alguns, sem nenhum "fundamento, serem os sobe.ius todo o· territorio da cidade, desde a antiga Guarda Yelha até o mar.
Não se com:prehende como um simples governador pudesse por um rasgo de penna offender direitos allodiaes adquiridos pelos primeiros habitantes e seus successores. E isto saltando por cima da lei das Ordenações, em que pelos legisladores era respeitado o direito de propriedade cm toda sua plenitude l
Pelo referido já se deixa ver que a Municipalidade podia mandar collocar as armas da cidade em um immovcl pertencente a seu patrimonio,
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Naturalmente, e é facil averiguar, da antiga pedreira se utiliza a Prefeitura para as muitas obras de melhoramentos da cidade.
Passo aos restos da fortificação observada pelo Sr. GalYão e seus amigos companheiros de passeio. São <le data . moderna. Foi construida por occasião do conflicto com a Inglaterra, a chamada Questão Christie. "Era uma bateria levantada em 1863 com o fim de defender a bahia de Bptafogo e a enseada do Flamengo, até em frente do Passeio Publico, auxiliando a defesa de algumas das faces <las fortalezas do S. João, Lage e Villegagnon'', refere o illiustre engenheiro militar dr. Augusto FJJ.usto de Sousa· em uma memoria impressa na Revista do Instituto Historico, tomo 48º.
"O espaço acanhado, de que dispunha a mesma bateria, accrescenta o mesmo profissional, a pouca elevacão e a facilidade de ser offendida por fogos curvos, não permittem ligar a esta obra grande importanci,a". Eis explicado o abandono desta posição.
Ignoro porque os antigos não fortificaram o morro da Yiuva, o qual tantos serviços prestou· por occasião ela re
volta de 1893-94. Não tenho noticias de fortim alli collocado nos tempos coloniaes. Nada dizem a respeito o marquez do Lavradio, os generaes Roscio e Funks que deram planos para ser fortificada a nossa cidade. Nada encontro a respeito nas relações enviadas á metropole pelos governadores como Antonio de Brifo Meneses, Aires de Saldanha e outros e os vice-reis Luiz de Vasconcellos, conde de Azambuja e conde de Resende.
No tempo deste foi aqui escripto um Almana.k pelo tenente de Bombeiros Antonio Duarte Nunes. Neste documento, publicado no tomo 21 º da Revista do Instituto, não se menciona fortificação alguma no morró collocado na entrada da antiga bahia de Fran<iisco Velho, de João de Sousa Botafogo.
Fica assim provado qme os restos da bateria não têm o valor historico, que se prende ás ruinas de antigas edificações.
E'. tempo de terminar esta parlenda. Quando os governos para obras de defesa, fortificações ou salvação pública se apoderam de qualquer terreno particular, nem por isto perdem o direito de domínio e poss€1 os legitimas proprietarios da zona utilizada. Isto é mais velho que azeite e vinagre. Cessada a urgencia ou necessidade, tudo volta ao poder dos antigos donos.
Aconteceu o mesmo com o Morro da Viuva. Abandonada a bateria, a Camtara tomou passe do que era seu, como se-
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nhora directa, bem como os que lá possuem o dominio util. DesLe modo, salvo êrro, repito, a Prefeitura podia mandar collocar, quantas vezes quizesse, as armas da nossa SebastianopoHs.
Não sei si o meu amavel consulente ficará satisfeito. Cada um enterra seu pae como póde.
Corre-me, porém, ao findar estas mal traçadas regras, agradecer ao benevolente missivista as expressões de gentiieza, com que me honrou em sua carta de 10 do andanlc mez.
Domingo, 15 de Outn.Ibro de f911.
CONVENTO DA AJUDA I
M:Uito soffreu · a velha casa claustral da Ajuda GOm u revolta de parite da A'l'm,ada - em 1893. ·
Para exercer mistéres da minha profissão entrei pela primeira vez no interior da Ajuda e pude observar os estragos feitos por uma bala no tecto do templo e l:lffi varias outras dependencias do Convento. Apresentava este o aspecto tristonho de immenso casarão dos tempos coloniaes: grande, feio, pesado e forte.
Tempos depois lá voltei, a convite ainda de monsenhor ~du ardo, para substituir o dr. Sicioso, medico das religiosas, o qual se achava enfermo. Pasmüstl transformação se havia operado, graças á actividade daquelle digno e exemplar sacerdote, a CiUja memoria as religiosas da Ajuda votam perpcf ua e justa gratidão. Por toda parte: o conforto, luz e ar, corredores amplos, illuminação a gaz, cellas bem mobiliadas, e as grossas grades de cadeia substituidas por outras mais elegantes e não menos fortes.
Pelas columnas d'A Noticia pubUquei então a descripcão do notavel chafariz das "Saracuras'', obra artistica, construida com material das nossas pedreiras e ornatos de bronze fun<lidos no Arsenal de Guerra.
Esta fonte foi ergmida pela gratidão de uma abbadessa ao conde de Resende. Este vice-rei concedera ás rcligioi:;as 1.Jma penna d' agua derivada dos encanamentos da Carioca. O precioso liquido era conduzido do morro de Sancto Antonio por um cano, que ao alto atravessava a rua dos Barbonos
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