Morro da Viúvareficio.cc/wp-content/uploads/2018/04/vieira_fazenda_morro_viuva.pdf · ... Antes de...

5
ANTIQUALHAB E MEMORIAS DO RIO DE J'ANEJRO 325 Sa'iu-me da pena esta historia ao ter presente o n,ovo bende,gó ca'ido lia dias para as bandas do Araranguá. Narram os jornaes o terror dos habitantes ao ouvirem o estrondo do aerolitho. Não menor susto soffreram os nossos antepassados com a explosão da nau do Mgzzabarba fundeada perto dá ilha das Cobras, além do baixio existente entre a referida ilha e o forte de Santiago (hoje Arsenal de Guerra). Houve paredes fendidas, vidros de janellas quebrados, ataques e chili'ques. Não refere a chronica si houve victimas. 1 Que a cousa ioi medonha, não ha dúvida. Trinta barris de :oolvora a explodirem nunca foi, nem · será ·brincadeira ou marimba que preto toca. Domingo, 8 de Ollltubro de 19H. MORRO DA VIUVA Amavel compatricio apreciador de velharias foi em companhia de amigos dar uma volta pela esplenclida Avo .. nida Beira-Mar. · Mao gráo o dia carrancudo de Domingo passa'do che- garam os passeiantes "sem accidente" ao Morro da Viuva. Iam em alegre palestra recordando factos, que tiveram por theatro a praia do Flamengo (outr'ora da Aguada dos MarinheiMs, de Pedro Martins Namorado, do sapateiro Se- bastião Gonçalves e tambem de Lery ou Leripe) . Contemplavam o Pão de Assucar envolto em nuvens. Viram o sitio da Sapoicatoba, a fóz do Carioea e Vi!lega- gnon tão célebre nos nossos annaes, aforada depois pelos J esui tas por seís gallinrhas, etc. Ao chegarem ao supradicto morro, grande foi o espanto dos joviaes excursionista,s ao verem restos de uma fortifi- cação, e em uma griu:ta deHa as armas da cidade. Interrogado o chauff eur, ·que os conduzià, disso ser tudo uquillo, propriedade da Municipalidade, que naturalme·nte comprou ao Governo . Tudo isto foi assumpto de amistosa carta, que me di- rigiu o referido compatrício pedindo lhe puzesse a cousa em pratos limpos·. Quer o sr. Galvão (tal o nome do missi- vista), saber si a Municipalidade obteve, c-0mprando, esse immovel, o qual segundo o mesmo senhor devia pertencer ao Governo por alli exiiStirem restos de um fortim. ;Antes de ir adeante devo dar o parabem aos passeantes do Domingo passado. Encontraram . um chauffeur intclligente

Transcript of Morro da Viúvareficio.cc/wp-content/uploads/2018/04/vieira_fazenda_morro_viuva.pdf · ... Antes de...

Page 1: Morro da Viúvareficio.cc/wp-content/uploads/2018/04/vieira_fazenda_morro_viuva.pdf · ... Antes de ir adeante devo dar o parabem aos passeantes ... /ja desta cidade e o que prin

ANTIQUALHAB E MEMORIAS DO RIO DE J' ANEJRO 325

Sa'iu-me da pena esta historia ao ter presente o n,ovo bende,gó ca'ido lia dias lá para as bandas do Araranguá.

Narram os jornaes o terror dos habitantes ao ouvirem o estrondo do aerolitho. Não menor susto soffreram os nossos antepassados com a explosão da nau do Mgzzabarba fundeada perto dá ilha das Cobras, além do baixio existente entre a referida ilha e o forte de Santiago (hoje Arsenal de Guerra).

Houve paredes fendidas, vidros de janellas quebrados, ataques e chili'ques. Não refere a chronica si houve victimas.

1 Que a cousa ioi medonha, não ha dúvida. Trinta barris de :oolvora a explodirem nunca foi, nem ·será ·brincadeira ou marimba que preto toca.

Domingo, 8 de Ollltubro de 19H.

MORRO DA VIUVA Amavel compatricio apreciador de velharias foi em

companhia de amigos dar uma volta pela esplenclida Avo .. nida Beira-Mar.

·Mao gráo o dia carrancudo de Domingo passa'do che­garam os passeiantes "sem accidente" ao Morro da Viuva.

Iam em alegre palestra recordando factos, que tiveram por theatro a praia do Flamengo (outr'ora da Aguada dos MarinheiMs, de Pedro Martins Namorado, do sapateiro Se­bastião Gonçalves e tambem de Lery ou Leripe) .

Contemplavam o Pão de Assucar envolto em nuvens. Viram o sitio da Sapoicatoba, a fóz do Carioea e Vi!lega­gnon tão célebre nos nossos annaes, aforada depois pelos J esui tas por seís gallinrhas, etc.

Ao chegarem ao supradicto morro, grande foi o espanto dos joviaes excursionista,s ao verem restos de uma fortifi­cação, e em uma griu:ta deHa as armas da cidade.

Interrogado o chauff eur, ·que os conduzià, disso ser tudo uquillo, propriedade da Municipalidade, que naturalme·nte comprou ao Governo .

Tudo isto foi assumpto de amistosa carta, que me di­rigiu o referido compatrício pedindo lhe puzesse a cousa em pratos limpos ·. Quer o sr. Galvão (tal o nome do missi­vista), saber si a Municipalidade obteve, c-0mprando, esse immovel, o qual segundo o mesmo senhor devia pertencer ao Governo por alli exiiStirem restos de um fortim.

;Antes de ir adeante devo dar o parabem aos passeantes do Domingo passado. Encontraram . um chauffeur intclligente

Page 2: Morro da Viúvareficio.cc/wp-content/uploads/2018/04/vieira_fazenda_morro_viuva.pdf · ... Antes de ir adeante devo dar o parabem aos passeantes ... /ja desta cidade e o que prin

326 REVIS'!'.\ DO lNS'l'J'l'lJ 'l'O H!STOHICO

(~ sabedor de cousa·s cariocas, um bom. cicerone, cousa rara, pois que a gente dessa: classe cm sua maioria não dá a taramelha nem cuida de taes ninharias'. Estou em dizer que üste modesto guia, alêm da pericia com que conduziu o SC'. Galvão e seus amigos a porto e salvamento, lavrou um tfmto. Assegurou, até certo ponto sem o querer, o direito inconcusso da Municipa1idade sôbre o Morro da Viuva. E digam lá que o Rio de Janeiro não é a cidade das mara .. vilhas !

!Para tralliquillizar o eS1Pirito do· meu interroigador vplto-me para o passado. E se cai:r em alguma repetição dr. cous·as muito sabidas dos leitores, carregue o sr. Galvão com . a responsabilidade dessa falta. F-0i elle quem encom­mendou o sermão de hoje.

Entro em mataria. O actual morro da Viuva teve esta denominacão por haver pertencido o seu dominio util a d. Joaquina Figueiredo Pereira Barros, por heranca do ma­r ;do .Toaqruim José Gomes de Barros.

Até 17'53 não teve tal morro nome especial. Foi cha­mado tambem de Lery ou Lerype por ter residido na cha­mada casa de pedra, durante quatro mezes, o célebre pro­testante João de Lery, que para fugir ás perseguições de Villegagnon veio residir no continente. Esta "casa" foi, se­gundo uns. edificada pelo mesmo Víllegagnon, e conforme outros. levantada por Martim Affonso de Sousa quando em 15:?12 aqui esteve durante tres mezes .

.Tá por vezes procurei provar: - o primitivo ·morro do Lr.ry foi o da Gloria. E só depois qiue este, graças a er­mida alli levantada. foi perdendo a primeira denominação dada, foi transferida para o actual morro da Viuva. Trinta e quatro br·aças afastadas delle e servindo de peão á refe­rida casa de pedra, começou a linha ·divisoria da sesmaria

da Camara, nas medições de 1667 e 175;3. Que muito antes destas duas diligencias, 'ª Camara se

ju!g·ava senhora do referido morro, prova o seguinte do­cumento que darei em resumo. Aos officiaes do Concelho João de Sousa Pereira, Ohrispim da Cunha, Manuel Rodri­gues Sepulveda e Luiz Cabral de Tavora foi dirigido o se­g·u inte requerimento pedindo por aforamento terras. Seu teôr é o seguinte: "O abbade e mais .clerigos do Mosteiro do P1atriarcha S. Bento, desta cidade, querem: com o favor dr Deus começar sua egrej·a, para a qual hão mistér muita pedra para arcos, portaes, col1umnas, janellas, e frestas, a qual. se não acha em nenhuma parte a não ser em um ou­f riro que está nas terras do Concelho, indo para Carioca á mão esquerda da banda do mar, passando a primeira praia,

Page 3: Morro da Viúvareficio.cc/wp-content/uploads/2018/04/vieira_fazenda_morro_viuva.pdf · ... Antes de ir adeante devo dar o parabem aos passeantes ... /ja desta cidade e o que prin

ANTIQUALHAS E MEMORIAS DO RIO DE JANEIRO 327

/

onde ha muita cópia della. Pedem a Vossas Mer.cês que visto ser a bem o que querem edificar para obra pública e que muito augmenta a nobre;/ja desta cidade e o que prin­cipal é ser necessario para o oulto divino e veneração de Deus. Nosso Senhor, lhes deem vinte braças de pedreira no dicto outeiro pegadas á pedreira, que no caminho abriu no d1cto sitio Sebastião Gonçalves, das quaes se lhes passe carta. Receberão mercê e esmola."

Foi concedida a competente carta em 9 de Dezembro de 1618. Pagariam os religiosos Benedictinos duzentos réis de fôro em cada anuo.

Obtida a concf)lssão, começaram os monges a levar o material necessario para as obras do Mosteiro.

Houve alli uma especie de grangearia, onde habitava um religioso. Tinha por incumbencia fiscalizar o serviço. Nnst.e · posto estava frei João do Rosario, requerido como louvado por parte da Camara, na segunda medição de sua fies maria ( 1753), presidida pelo desembargador corregedor da comarca dr. Mailiuel Monteiro de Vasconcellos.

·Comquanto o morro ficasse fóra do rumo desta segunda medição, todavia a Camara sempre se julgou senhoria di­reeta delle. Ou fosse devido á posse antig.a ou em virtude d::t chamada sesmariá de sobejos, nunca lhe foi disputado tal direito.

Esta sesmaria concedida pelo governador d. Pedro de Mascarenhas ( 1667) consistia em todos os terrenos para a parte da ci-Oadc, os quaes ficara:m fóra do rumo da primeira medição.

Significa isto que a Camara se · tornava senhora de terras não occupadas por outros, isto é, do que sobejasse das pos­sessões allodiaes. Assim · sempre tenho interpretado simi­lhante concessão de sesmarias.

Pretendem alguns, sem nenhum "fundamento, serem os sobe.ius todo o· territorio da cidade, desde a antiga Guarda Yelha até o mar.

Não se com:prehende como um simples governador pu­desse por um rasgo de penna offender direitos allodiaes adquiridos pelos primeiros habitantes e seus successores. E isto saltando por cima da lei das Ordenações, em que pelos legisladores era respeitado o direito de propriedade cm toda sua plenitude l

Pelo referido já se deixa ver que a Municipalidade podia mandar collocar as armas da cidade em um immovcl perten­cente a seu patrimonio,

Page 4: Morro da Viúvareficio.cc/wp-content/uploads/2018/04/vieira_fazenda_morro_viuva.pdf · ... Antes de ir adeante devo dar o parabem aos passeantes ... /ja desta cidade e o que prin

328 REVISTA DO INSTITUTO HISTORICO

Naturalmente, e é facil averiguar, da antiga pedreira se utiliza a Prefeitura para as muitas obras de melhora­mentos da cidade.

Passo aos restos da fortificação observada pelo Sr. GalYão e seus amigos companheiros de passeio. São <le data . mo­derna. Foi construida por occasião do conflicto com a Ingla­terra, a chamada Questão Christie. "Era uma bateria levan­tada em 1863 com o fim de defender a bahia de Bptafogo e a enseada do Flamengo, até em frente do Passeio Publico, auxiliando a defesa de algumas das faces <las fortalezas do S. João, Lage e Villegagnon'', refere o illiustre engenheiro militar dr. Augusto FJJ.usto de Sousa· em uma memoria im­pressa na Revista do Instituto Historico, tomo 48º.

"O espaço acanhado, de que dispunha a mesma bateria, accrescenta o mesmo profissional, a pouca elevacão e a fa­cilidade de ser offendida por fogos curvos, não permittem ligar a esta obra grande importanci,a". Eis explicado o aban­dono desta posição.

Ignoro porque os antigos não fortificaram o morro da Yiuva, o qual tantos serviços prestou· por occasião ela re­

volta de 1893-94. Não tenho noticias de fortim alli collo­cado nos tempos coloniaes. Nada dizem a respeito o marquez do Lavradio, os generaes Roscio e Funks que deram planos para ser fortificada a nossa cidade. Nada encontro a res­peito nas relações enviadas á metropole pelos governadores como Antonio de Brifo Meneses, Aires de Saldanha e outros e os vice-reis Luiz de Vasconcellos, conde de Azambuja e conde de Resende.

No tempo deste foi aqui escripto um Almana.k pelo te­nente de Bombeiros Antonio Duarte Nunes. Neste documento, publicado no tomo 21 º da Revista do Instituto, não se men­ciona fortificação alguma no morró collocado na entrada da antiga bahia de Fran<iisco Velho, de João de Sousa Botafogo.

Fica assim provado qme os restos da bateria não têm o valor historico, que se prende ás ruinas de antigas edifi­cações.

E'. tempo de terminar esta parlenda. Quando os governos para obras de defesa, fortificações ou salvação pública se apoderam de qualquer terreno particular, nem por isto perdem o direito de domínio e poss€1 os legitimas proprie­tarios da zona utilizada. Isto é mais velho que azeite e vi­nagre. Cessada a urgencia ou necessidade, tudo volta ao poder dos antigos donos.

Aconteceu o mesmo com o Morro da Viuva. Abandonada a bateria, a Camtara tomou passe do que era seu, como se-

Page 5: Morro da Viúvareficio.cc/wp-content/uploads/2018/04/vieira_fazenda_morro_viuva.pdf · ... Antes de ir adeante devo dar o parabem aos passeantes ... /ja desta cidade e o que prin

1 ANTIQUALHAS E MEMORIAS DO RIO DE JANEIRO 329

nhora directa, bem como os que lá possuem o dominio util. DesLe modo, salvo êrro, repito, a Prefeitura podia mandar collocar, quantas vezes quizesse, as armas da nossa Sebas­tianopoHs.

Não sei si o meu amavel consulente ficará satisfeito. Cada um enterra seu pae como póde.

Corre-me, porém, ao findar estas mal traçadas regras, agradecer ao benevolente missivista as expressões de genti­ieza, com que me honrou em sua carta de 10 do andanlc mez.

Domingo, 15 de Outn.Ibro de f911.

CONVENTO DA AJUDA I

M:Uito soffreu · a velha casa claustral da Ajuda GOm u revolta de parite da A'l'm,ada - em 1893. ·

Para exercer mistéres da minha profissão entrei pela primeira vez no interior da Ajuda e pude observar os es­tragos feitos por uma bala no tecto do templo e l:lffi varias outras dependencias do Convento. Apresentava este o as­pecto tristonho de immenso casarão dos tempos coloniaes: grande, feio, pesado e forte.

Tempos depois lá voltei, a convite ainda de monsenhor ~du ardo, para substituir o dr. Sicioso, medico das religiosas, o qual se achava enfermo. Pasmüstl transformação se havia operado, graças á actividade daquelle digno e exemplar sa­cerdote, a CiUja memoria as religiosas da Ajuda votam per­pcf ua e justa gratidão. Por toda parte: o conforto, luz e ar, corredores amplos, illuminação a gaz, cellas bem mobi­liadas, e as grossas grades de cadeia substituidas por outras mais elegantes e não menos fortes.

Pelas columnas d'A Noticia pubUquei então a descripcão do notavel chafariz das "Saracuras'', obra artistica, construida com material das nossas pedreiras e ornatos de bronze fun­<lidos no Arsenal de Guerra.

Esta fonte foi ergmida pela gratidão de uma abbadessa ao conde de Resende. Este vice-rei concedera ás rcligioi:;as 1.Jma penna d' agua derivada dos encanamentos da Carioca. O precioso liquido era conduzido do morro de Sancto Antonio por um cano, que ao alto atravessava a rua dos Barbonos