MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
1
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO vem,
com espeque no artigo 29, inciso I da Lei 8.625/93; artigo 30, inciso XVI, da
Lei Complementar Estadual 95/97 - Lei Orgânica do Ministério Público;
artigo 112, inciso III da Constituição do Estado do Espírito Santo; e artigo 168
e seguintes do Regimento Interno do Tribunal de Justiça - RITJES, propor a
presente
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Em face da Lei nº. 1.471/2011 do Município de Marataízes (em anexo),
requerendo, desde logo, seja concedida a antecipação dos efeitos da
tutela pretendida, in limine litis e inaudita altera parte, pelos fatos e
fundamentos abaixo aduzidos.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
2
I - DA COMPETÊNCIA DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO PARA
O PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DA AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI MUNICIPAL EM FACE DA CONSTITUIÇÃO
ESTADUAL
Tendo em vista que o Brasil é uma Federação, tipo de Estado
caracterizado pela descentralização territorial do poder, no qual os
Estados-Membros e os Municípios possuem autonomia, manifestando-se
essa unidade de Estado em três esferas, cada qual delimitada pelas
normas da Constituição Federal, que atua como Estatuto da Federação.
Nos termos dos artigos 18 e 29 da Constituição Republicana de 1988, o
Município goza de autonomia, o que equivale dizer que tais entes detêm
competência para gerir seus próprios interesses. A competência municipal
funda-se em quatro capacidades: I) auto-organização, através da lei
orgânica; II) autogoverno, com a eleição de seu próprio corpo de agentes
políticos; III) capacidade legislativa, preparando o ordenamento jurídico
local e; IV) autoadministração, organizando e mantendo o serviço público
local.
Essa feição autônoma dos Municípios não tem par nas ordens
constitucionais pretéritas. De fato, as Constituições anteriores
determinavam que os Estados-Membros deveriam organizar seus
municípios, assegurando-lhes autonomia. Note-se que a autonomia era
dirigida aos Estados-Membros, porque a estes cabia organizar os
Municípios.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
3
Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de
1988, ficou diretamente assegurada a autonomia Municipal, de maneira
que a ingerência do Estado nos assuntos do Município ficou limitada aos
aspectos expressamente indicados na Constituição Cidadã.
Pelo fato de o Município não mais sofrer ingerência do Estado-Membro,
estando a disciplina jurídica principiológica do Município quase que
totalmente inserta na Carta da República, há poucas questões que, por
força da própria Constituição Federal, foram atribuídas à regulação pela
Constituição Estadual (e.g., fusão, desmembramento de municípios, etc.).
Com efeito, somente em raras hipóteses estar-se-á diante de
inconstitucionalidade de Lei Municipal em face da Constituição Estadual,
uma vez que, conforme visto, a Constituição do Estado-Membro pouco ou
quase nada tem a ditar, em termos de diretrizes, ao Município.
Pode ocorrer, contudo, de as Constituições Estaduais repetirem norma já
constante na Constituição da República, caso em que uma eventual
inconstitucionalidade de Lei Municipal ofenderia tanto a Constituição
Federal quanto a Constituição Estadual.
Assim, como em nosso sistema não se admite ação direta de
inconstitucionalidade de Lei Municipal em face da Constituição da
República Federativa do Brasil, abre-se a possibilidade de controle de
constitucionalidade da Lei Municipal por meio de jurisdição constitucional
estadual, a ser exercida pelo Tribunal de Justiça do Estado.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
4
A esse propósito, assim se manifesta o Professor André Ramos Tavares1
[...] somente pode existir jurisdição constitucional no âmbito
do Estado-membro se a Constituição Federal assegurar às
unidades federadas não só a liberdade para criar
Constituições autônomas, mas também o poder de regular a
defesa judicial de sua específica Constituição. É exatamente
o que fez a atual Lei Magna, no § 2º do mesmo art. 125.
Nesse dispositivo, a Constituição Federal declara a
competência dos Estados para criar mecanismos de
proteção de suas Constituições contra leis inferiores que lhes
sejam contrárias. Permite-se, assim, uma verdadeira
jurisdição constitucional estadual, a que estarão submetidos
os atos normativos emanados tanto do Estado-membro
como de seus Municípios. Determina o referido dispositivo
constitucional: “Cabe aos Estados a instituição de
representação de inconstitucionalidade de leis ou atos
normativos estaduais ou municipais em face da Constituição
Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a
um único órgão.
Vê-se, pois, que a defesa da Constituição Estadual mira, em última análise,
a defesa da Constituição Federal, por garantir a melhor interpretação das
normas constitucionais em todos os níveis da federação. Ganha, com isso,
a unidade e a força normativa da Lei Fundamental.
Não por outra razão, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite
que cabe Recurso Extraordinário do acórdão que decide representação
de inconstitucionalidade estadual quando o parâmetro é norma presente
na Constituição Estadual por repetição obrigatória:
Reclamação com fundamento na preservação da
competência do Supremo Tribunal Federal. Ação direta de
1 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional / André Tavares Ramos. 5. ed.
São Paulo: Editora Saraiva, 2007. p. 385-386.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
5
inconstitucionalidade proposta perante Tribunal de Justiça
na qual se impugna Lei municipal sob a alegação de ofensa
a dispositivos constitucionais estaduais que reproduzem
dispositivos constitucionais federais de observancia
obrigatoria pelos Estados. Eficacia jurídica desses dispositivos
constitucionais estaduais. Jurisdição constitucional dos
Estados-membros. - Admissão da propositura da ação direta
de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça local,
com possibilidade de recurso extraordinário se a
interpretação da norma constitucional estadual, que
reproduz a norma constitucional federal de observancia
obrigatoria pelos Estados, contrariar o sentido e o alcance
desta. Reclamação conhecida, mas julgada improcedente.
(Reclamação 383. Relator: Ministro Moreira Alves. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Data do Julgamento: 11/06/1992).
Sobressai, então, com clareza, que é cabível o conhecimento de ADI pela
Corte Estadual, mesmo que a norma constitucional estadual violada seja
repetição de disposição da Carta Magna, cabendo, da decisão do
Tribunal de Justiça, recurso extraordinário com fulcro no artigo 102, inciso III,
da CRFB/88.
Destarte, revela-se plenamente possível a argüição de
inconstitucionalidade, via processo objetivo de controle concentrado
abstrato, perante o Tribunal de Justiça, mesmo quando o dispositivo
violado for norma de repetição obrigatória da Constituição da República.
Portanto, se o Supremo Tribunal Federal tem a missão precípua de atuar
como guardião da Constituição da República Federativa do Brasil,
declarando a inconstitucionalidade de leis e atos normativos que com ela
conflitam, resta evidente que cabe a esse Colendo Sodalício Estadual
atuar como guardião da Constituição do Estado do Espírito Santo,
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
6
controlando a constitucionalidade das leis e atos normativos municipais ou
estaduais com esta conflitantes.
II – DA INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL
A inconstitucionalidade de uma norma, de acordo com os ensinamentos
solidificados na perfeita doutrina pátria, pode ocorrer tanto pela violação
substancial de preceitos da Lei Fundamental – inconstitucionalidade
material ou nomoestática2, quanto pela não observância de aspectos
técnicos no devido processo legislativo do qual derivou sua formação –
inconstitucionalidade formal, orgânica ou nomodinâmica3.
Como leciona o Ministro Gilmar Ferreira Mendes4:
[...] costuma-se proceder à distinção entre
inconstitucionalidade material e formal, tendo em vista a
origem do defeito que macula o ato questionado. Os vícios
formais afetam o ato normativo singularmente considerado,
independentemente de seu conteúdo, referindo-se,
fundamentalmente, aos pressupostos e procedimentos
relativos à sua formação. Os vícios materiais dizem respeito
ao próprio conteúdo do ato, originando-se de um conflito
com princípios estabelecidos na Constituição.
2 “Ocupa-se da análise dos elementos estruturais das normas jurídicas, prescindindo de
seus elementos evolutivos a partir de um jogo de categorias teóricas”- Hans Kelsen. 3 “A nomodinâmica estudaria o processo de criação e aplicação das normas jurídicas a
partir de uma análise relacional de seus órgãos com a exterioridade dos conteúdos. A
nomodinâmica é também alheia à história. Por esta razão, deve ser vista como uma
análise diacrônica realizada no interior de uma sincronia” - Hans Kelsen. 4 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade: aspectos jurídicos e políticos /
Gilmar Ferreira Mendes. São Paulo: Editora Saraiva, 1990. p. 28.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
7
Com efeito, um ato jurídico inconstitucional é aquele cujo conteúdo ou
forma se contrapõe, de maneira expressa ou implícita, ao conteúdo do
preceito constitucional.
III - DO PROCESSO LEGISLATIVO QUE CULMINOU NA LEI Nº 1.471/2011:
O Projeto de Lei nº. 142/2011, de iniciativa do Chefe do Executivo
Municipal, que “estima a receita e fixa a despesa do Município de
Marataízes para o exercício financeiro de 2012”, foi encaminhado à
Câmara dos Vereadores com o escopo de ser aprovado pela casa
legislativa.
Iniciado o processo legislativo, as comissões que analisaram o referido
projeto de lei concluíram que o seu artigo 5º, em que se autoriza a
suplementação do orçamento em até 40% das despesas fixadas pela Lei
orçamentária sem prever a autorização do legislativo, está em dissonância
com o artigo 167, V da Constituição Federal, vez que a abertura de crédito
suplementar deve ter prévia autorização da casa de leis.
Salientaram, outrossim, que o projeto de lei deve receber voto da maioria
absoluta dos vereadores e, ainda, que deve tramitar como projeto de lei
complementar,em respeito à Constituição Federal.
Ademais, argumentam que o limite de suplementação, geralmente, é
calculado em relação à receita orçada e não em razão da despesa,
como pretendeu o referido dispositivo.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
8
Diante disto, foi feita emenda ao r. artigo para acrescentar a possibilidade
de abertura de crédito suplementar ao Poder Legislativo, adequando-se à
Carta Magna, bem como alterar o limite da suplementação, que passou
de 40% para 25%, mantendo-se conformidade com as leis orçamentárias
dos exercícios anteriores.
Além desta, foram elaboradas pela Câmara Legislativa outras 24 emendas
ao Projeto de Lei em questão. Desta feita, foi enviado ao Poder Executivo
o autógrafo de lei nº 108/2011, contendo as emendas modificativas, para
sanção do Prefeito Municipal.
Em 29 de dezembro de 2011, a despeito do autógrafo de lei apresentado
pela Câmara Legislativa, o Prefeito Municipal publicou a Lei Municipal nº.
1.471/2011.
Assim, o Chefe do Poder Executivo Municipal sancionou e promulgou a
referida lei com texto diverso daquele que fora examinado e aprovado
pela Câmara Municipal de Marataízes, conforme autógrafo nº 108/2011.
Em seguida, na mensagem nº 001/2012, de 02 de janeiro de 2012,
apresentou veto parcial ao autógrafo de Lei nº. 108/2011, sob a seguinte
fundamentação:
Inicialmente, devemos deixar consignado que a iniciativa de
Leis de natureza orçamentária (proposta inicial do
orçamento e créditos adicionais à execução orçamentária),
na forma dos preceitos estabelecidos pela Constituição
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
9
Federal, por simetria, pertence a competência exclusiva do
Chefe do Poder Executivo Municipal. Portanto, para a
ocorrência de emendas, existe obrigatoriedade do Poder
Legislativo, ao realizá-las, de promover a demonstração da
existência de recursos, como determina o art. 166, §3º, da
Constituição Federal. Ademais, ainda em observância ao
principio da simetria, as emendas ao orçamento não podem
ofender o disposto no art. 166, §3º da Carta Magna. Com
efeito, quanto às emendas de números 01; 05; 06; 08; 09; 010;
011; 012; 013; 014; 015; 016; 017; 018; 019; 020; 021; 022; 023 e
024, as mesmas apresentam sua inconsistência técnica, pois
não há viabilidade de desmembrar um projeto com a
mesma funcional programática cadastrado no PPA.
Além das emendas acima rejeitadas em razão de “inconsistência
técnica”, o Prefeito Municipal ainda considera as emendas 02, 03 e 04
“tecnicamente inadmissíveis”.
Entretanto, cabe destacar que, embora o veto não se manifeste acerca
das emendas 07 e 25, as alterações feitas por estas também não foram
reproduzidas pela Lei 1.471/2011, publicada no Diário Oficial do Município
de Marataízes, de 29 de dezembro de 2011 (em anexo). Portanto,
vislumbra-se que a lei publicada está em dissonância com o veto parcial
dado pelo Chefe do Executivo.
Sendo assim, conclui-se que a lei ora em análise foi publicada nos exatos
termos do projeto de Lei encaminhado à Câmara Legislativa pelo Chefe
do Executivo, a despeito das 25 emendas trazidas pelo Legislativo. Além
disso, constata-se que o veto foi publicado dias após a promulgação da
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
10
Lei 1.471/2011, não tendo sido oportunizado ao Legislativo Municipal se
manifestar quanto ao veto.
IV – DO VÍCIO FORMAL – PROCESSO LEGISLATIVO IRREGULAR – NO QUE
TANGE AO VETO E À SANÇÃO DA REFERIDA LEI – VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO
CONSTITUCIONAL DA SEPARAÇÃO DOS PODERES
A inconstitucionalidade formal se dá, como já explicitado anteriormente,
pela não utilização da técnica adequada ao processo legislativo. Como
afirma Alexandre de Moraes5 no seguinte trecho:
“A inobservância das normas constitucionais de processo
legislativo tem como consequência a inconstitucionalidade
formal da lei ou ato normativo produzido, possibilitando
pleno controle repressivo de constitucionalidade por parte
do Poder Judiciário, tanto pelo método difuso quanto pelo
método concentrado.”
O referido autor determina a existência de dois tipos de
inconstitucionalidade formal, quais sejam: subjetivo e objetivo. Enquanto o
primeiro refere-se à questão da iniciativa, o segundo leva em
consideração as outras fases do processo legislativo6.
À presente ação interessa analisar o requisito formal objetivo de
constitucionalidade da norma. Requisito este em que as espécies
5 Idem, p. 701. 6De acordo com o que leciona Alexandre de Moraes , os requisitos objetivos da
inconstitucionalidade formal “ referem-se às duas outras fases do processo legislativo;
constitutiva e complementar. Assim, toda e qualquer espécie normativa deverá respeitar
todo o trâmite constitucional previsto nos arts. 60 a 69.” (MORAES, Alexandre de. Direito
Constitucional. 23.ed. São Paulo: Editora Atlas, 2008. P. 702).
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
11
normativas devem observar o processo legislativo adequado para
determinada espécie normativa, segundo os trâmites constitucionais.
Portanto, deve-se observar o devido processo legislativo, garantido pelo
princípio da legalidade, em que ninguém será obrigado a fazer ou deixar
de fazer algo senão em virtude de lei devidamente elaborada pelo
agente político competente, conforme as regras do processo legislativo
constitucional.
Neste aspecto, cumpre ser feito um breve esboço acerca de quais são os
trâmites legais estabelecidos constitucionalmente para elaboração de lei
complementar.
Destaca-se que, apesar de lei complementar diferir de lei ordinária tanto
em seu aspecto formal7 quanto material8, sabe-se que estas distinções não
implicam em substanciais diferenças no procedimento legislativo adotado.
A esse respeito vejamos o que ensina Uadi Lammego Bulos9:
Pelo procedimento legislativo especial de formação de leis
complementares, elas só podem ser aprovadas pela maioria
absoluta dos membros do Congresso Nacional (CF, art. 69).
Quer dizer, são necessários 257 votos na Câmara dos
Deputados e quarenta e um, no Senado da República, para
aprovar os projetos de lei complementar. No mais, adota-se,
7 “Da ótica formal a distinção entre ambas está na fase de votação. Enquanto o quórum
para a lei ordinária ser aprovada é por maioria simples (CF, art. 47), o quórum para a
aprovação da lei complementar é por maioria absoluta (CF, art. 69)”. (BULOS, Uadi
Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 6. Ed. São Paulo: Saraiva 2011, p. 1174); 8 “Do ângulo material, a diferença entre tais espécies normativas é facilmente percebida.
A lei complementar caracteriza-se pelo fato de que somente ela poderá dispor sobre um
dado assunto. Nesse caso, o constituinte faz-lhe menção expressa”. (Idem. P. 1174). 9 Idem. P. 1176.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
12
nesse procedimento especial, o modelo usado na
elaboração das leis ordinárias.
Sendo assim, de acordo com o estabelecido pela doutrina o processo
legislativo ordinário, também aplicado ao processo legislativo
complementar, apresenta as seguintes fases: fase introdutória, fase
constitutiva e fase complementar, que estão disciplinadas nos artigos 61 a
68 da Constituição Estadual.
Na fase introdutória, que compreende a iniciativa de lei, deflagra-se o
procedimento que culminará com a formação da espécie normativa.
Nela devem ser respeitadas as regras de iniciativa previstas na
Constituição Federal e Estadual.
Já na fase constitutiva o projeto de lei é apresentado à Câmara Legislativa
para que haja ampla discussão e votação acerca da matéria,
delimitando-se o objeto a ser aprovado ou rejeitado pelo Poder Legislativo.
É a chamada deliberação parlamentar, em que o projeto de lei,
inicialmente, será submetido às comissões de Constituição e Justiça e
Temáticas, e se for aprovado por estas será remetido ao plenário da casa
legislativa para votação.
Após aprovado pelo Poder Legislativo o projeto de lei seguirá para o
autógrafo, que, conforme leciona Alexandre de Moraes, “constitui o
instrumento formal consubstanciador do texto definitivamente aprovado
pelo Poder Legislativo, devendo refletir, com fidelidade, em seu conteúdo
intrínseco, o resultado da deliberação parlamentar, antes de ser remetido
ao Presidente da República. O autógrafo equivale a cópia autêntica da
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
13
aprovação parlamentar do projeto de lei, devendo refletir as
transformações introduzidas na proposição legislativa”10.
A este respeito, entende-se que não cabe ao chefe do Poder Executivo
suprimir, no ato de sanção, qualquer emenda ao projeto de lei feita pelo
legislativo.
Vejamos o que colaciona Uadi Lammêgo Bulos:
O autógrafo é “o instrumento formal consubstanciador do
texto definitivamente aprovado pelo Poder Legislativo”.
Deve “refletir, com fidelidade, em seu conteúdo intrínseco, o
resultado da deliberação parlamentar. Na realidade, o
autógrafo equivale à verdadeira cópia da aprovação
parlamentar do projeto de lei, devendo refletir todas as
transformações introduzidas, mediante emenda, na
proposição legislativa. Vê-se, desse modo, que o exercício
do poder de sanção/veto, pelo Chefe do Executivo, incide
sobre o texto formalmente consubstanciado no autógrafo,
que não pode, nem deve, divergir do resultado final da
manifestação Parlamentar”. Logo, “o Presidente da
República não pode sancionar texto de projeto de lei cujo
autógrafo contenha, indevidamente, clausulas que foram
expressamente suprimidas pelo Congresso Nacional, na fase
da deliberação parlamentar”. (STF, ADIn 1.393, Tel. Min. Celso
de Mello, DJ de 11-10-1996)11.
Terminada a fase de discussão e votação pelo poder legislativo, o projeto
de lei aprovado seguirá para deliberação do executivo, que se cinge no
“ato em que o Presidente da República analisa o Projeto de Lei, aprovado
pelo Congresso Nacional, para vetá-lo ou sancioná-lo. Realiza-se no texto
formalmente consubstanciado no autógrafo, que, como vimos, deve
10 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 653/654. 11 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 6. Ed. São Paulo: Saraiva 2011, p.
1162.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
14
retratar, com fidelidade, o projeto de lei aprovado pelo Congresso
Nacional”12.
Nesse aspecto, caso seja sancionada, a lei segue para a fase final - fase
complementar - em que é promulgada e publicada.
Merece maior atenção os casos em que o Chefe do Executivo veta, total
ou parcialmente, o autógrafo de lei apresentado pelo Poder Legislativo. A
esse respeito, prevê o texto da Constituição Federal:
Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação
enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que,
aquiescendo, o sancionará.
§ 1º - Se o Presidente da República considerar o projeto, no
todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse
público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze
dias úteis, contados da data do recebimento, e
comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente
do Senado Federal os motivos do veto.
§ 2º - O veto parcial somente abrangerá texto integral de
artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea.
§ 3º - Decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do
Presidente da República importará sanção.
§ 4º - O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de
trinta dias a contar de seu recebimento, só podendo ser
rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e
Senadores, em escrutínio secreto.
§ 5º - Se o veto não for mantido, será o projeto enviado,
para promulgação, ao Presidente da República.
§ 6º - Esgotado sem deliberação o prazo estabelecido no §
4º, o veto será colocado na ordem do dia da sessão
imediata, sobrestadas as demais proposições, até sua
votação final.
§ 7º - Se a lei não for promulgada dentro de quarenta e oito
horas pelo Presidente da República, nos casos dos § 3º e §
5º, o Presidente do Senado a promulgará, e, se este não o
12 Ibidem. P. 1163.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
15
fizer em igual prazo, caberá ao Vice-Presidente do Senado
fazê-lo.
No mesmo sentido, em enunciado quase idêntico, o texto estadual:
Art. 66. Concluída a votação de um projeto, a Assembleia
Legislativa o enviará ao Governador do Estado que,
aquiescendo, o sancionará.
§ l° Decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do
Governador do Estado importará sanção.
§ 2° Se o Governador do Estado considerar o projeto, no
todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse
público, vetá-lo-á, total ou parcialmente, no prazo de quinze
dias úteis, contados da data do recebimento, e
comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente
da Assembleia Legislativa os motivos do veto.
§ 3° O veto parcial deverá abranger texto integral de artigo,
de parágrafo, de inciso ou de alínea.
§ 4º O veto será apreciado pela Assembleia Legislativa
dentro de 30 (trinta) dias, a contar do seu recebimento, só
podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos
Deputados.
§ 5° Se o veto for rejeitado, será o projeto enviado ao
Governador do Estado para promulgação.
§ 6° Esgotado, sem deliberação, o prazo estabelecido no §
4°, o veto será colocado na ordem do dia da sessão
imediata, sobrestadas as demais proposições até sua
votação final.
§ 7° Se a lei não for promulgada dentro de quarenta e oito
horas pelo Governador do Estado, nos casos dos §§ 1° e 5°,
o Presidente da Assembleia Legislativa a promulgará. Se este
não o fizer em igual prazo, caberá ao Vice-Presidente fazê-
lo.
Desta feita, o veto, necessariamente, deverá ser apreciado pela casa
legislativa e poderá ser afastado, pela maioria absoluta dos representantes
do legislativo, produzindo-se os mesmos efeitos que a sanção.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
16
Embora a lei ora questionada seja oriunda de processo legislativo
municipal, não mencionado no texto federal e no estadual, cumpre
destacar que, pelo princípio da simetria, lei municipal deve guardar
conformidade com a Carta Estadual.
Insta destacar que essa utilização do princípio da simetria, ou paralelismo,
para efeitos de declarar inconstitucionalidade de lei é bem difundida no
ordenamento jurídico, tanto estadual quanto federal, o que pode ser
verificado na jurisprudência pátria:
Ementa: AÇÃO DECLARATÓRIA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
PRINCÍPIO DA SIMETRIA OU PARALELISMO. MATÉRIA DE
INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. LEI
MUNICIPAL Nº 5.938⁄07 DE INICIATIVA DO LEGISLATIVO. VÍCIO
FORMAL. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE.
INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA COM EFEITOS EX.
NUNC. 1. A Lei Municipal nº 5.938⁄07, de iniciativa do Poder
Legislativo, deve ser declarada inconstitucional, por vício
formal de iniciativa, já que deveria ter sido de iniciativa do
chefe do Poder Executivo. 2. Seguindo o princípio do
paralelismo, a CF⁄88 prevê que a matéria objeto da presente
lei é de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo,
assim como também dispõe a Constituição do Estado do
Espírito Santo. 3. Pedido julgado procedente para declarar a
inconstitucionalidade da aludida lei, com efeitos ex nunc.
(TJES, Classe: Ação de Inconstitucionalidade, 100070023062,
Relator : JOSENIDER VAREJÃO TAVARES, Órgão julgador:
TRIBUNAL PLENO, Data de Julgamento: 17/04/2008, Data da
Publicação no Diário: 21/07/2008)
Ação Direta de Inconstitucionalidade - Lei Orgânica do
Município de Fronteira dos Vales - Proposta de Emenda -
Artigo 43, §1º - processo legislativo - Vício Formal - 'Quorum'
qualificado não observado - Artigo 64, §3º, da Constituição
do Estado de Minas Gerais - princípio da simetria -
Observância Obrigatória. - Uma Lei (ou ato normativo) será
considerada formalmente inconstitucional quando
verificada violação ao devido processo legislativo. - Se a
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
17
Constituição do Estado de Minas Gerais prevê, para a
aprovação de emenda ao seu texto, o 'quorum' de 3/5 (três
quintos) dos votos de todos os membros da Assembleia
Legislativa, não, apenas, dos membros presentes na
votação, não pode o Município dispor de forma diferente,
em razão do princípio da simetria com o centro, de
observância obrigatória por todos os Municípios. (TJMG -
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N°
1.0000.09.512066-3/000 - RELATOR: EXMO. SR. DES. RONEY
OLIVEIRA
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. SERVIÇOS PÚBLICOS E ORGANIZAÇÃO
ADMINISTRATIVA. PROCESSO LEGISLATIVO. INICIATIVA. PODER
EXECUTIVO. À luz do princípio da simetria, são de iniciativa
do Chefe do Poder Executivo estadual as leis que versem
sobre serviços públicos e organização administrativa do
Estado. Agravo regimental a que se nega provimento. (RE
396970 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma,
julgado em 15/09/2009, DJe-191 DIVULG 08-10-2009 PUBLIC
09-10-2009 EMENT VOL-02377-03 PP-00492)
Sendo assim, pode-se afirmar, pelo princípio da simetria, que o processo
legislativo para elaboração de leis municipais é o mesmo aplicado a leis
federais e estaduais.
Ante o exposto, é de se concluir que houve irregularidade no processo
legislativo da Lei Municipal nº. 1.471/2011, nos seguintes aspectos: o
Prefeito Municipal sancionou a lei em desconformidade com o autógrafo
de lei apresentado pelo legislativo municipal; e, somente após sancioná-la,
o Prefeito apresentou veto ao Projeto de Lei.
Quanto à primeira irregularidade, conforme demonstrado alhures, cabe
ressaltar que não pode o Chefe do Poder Executivo sancionar lei em total
dissonância com o autógrafo apresentado pelo poder legislativo.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
18
Isso porque, o autógrafo é o instrumento formal pelo qual se sabe que a lei
foi devidamente votada e aprovada pelo legislativo, e, portanto,
representa fielmente a vontade parlamentar.
Ademais, conforme estabelece o caput do artigo 66 da Constituição
Estadual, a sanção é dada em relação ao projeto de lei encaminhado
pelo legislativo após a votação, ou seja, contendo as modificações feitas
em plenário.
Desta forma, alterar arbitrariamente o conteúdo de projeto de lei já
votado e aprovado consubstancia grave violação ao princípio da
independência e harmonia entre os Poderes, disposto no art. 17 e seu
parágrafo único da Constituição Estadual, in verbis:
Art. 17. São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre
si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Parágrafo único. É vedado a qualquer dos Poderes delegar
atribuições de sua competência exclusiva. Quem for investido na
função de um deles não poderá exercer a de outro, salvo as
exceções previstas nesta Constituição.
Corrobora o entendimento esposado, o seguinte julgado do Colendo
Tribunal de Justiça de São Paulo:
Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei
orçamentária promulgada pelo Prefeito em total
desconsideração do autógrafo devolvido da Câmara
Municipal. Inconstitucionalidade configurada pela ofensa ao
princípio da separação dos poderes e ao regular processo
legislativo. Preliminar afastada. Procedência, no mérito.
Entretanto, houve transcurso do exercício financeiro da Lei
Orçamentária de 2010. Perda do objeto. Processo extinto,
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
19
sem resolução do mérito, diante da perda do objeto.
(ADI/TJSP 0016908-89.2010.8.26.0000, Rel. Cauduro Padin, DJ
14/09/2011).
A segunda irregularidade no processo legislativo da lei em comento foge à
lógica, uma vez que o veto se deu somente após a sanção da lei. É bem
sabido que o veto só é possível enquanto estivermos diante de projeto de
lei, logo, a partir do momento que a lei é sancionada não cabe mais o
veto.
Em outros termos, é incoerente vetar o autógrafo de uma lei que já foi
sancionada.
O § 2º, do art. 66 da Constituição Estadual é claro quando dispõe que “se
o Governador do Estado considerar o projeto, no todo ou em parte,
inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á”. Portanto, o
veto diz respeito ao projeto de lei, e nunca à lei já sancionada.
Diante disto, o veto apresentado pelo Prefeito Municipal não pode sequer
ser considerado válido, tendo em vista a impossibilidade de veto à lei já
vigente.
Ademais, ao vetar o autógrafo de lei nº 108/2011 dias após a publicação
da lei 1.471/2011, o Executivo Municipal impediu que legislativo se
manifestasse acerca do veto, o que implica, mais uma vez, em violação
ao princípio da separação dos poderes.
Portanto, diante de tudo que fora exposto, a Lei Municipal nº 1.471/2011,
viola substancialmente o regular processo legislativo, conforme estabelece
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
20
o artigo 66, bem como macula o princípio da separação dos poderes
inserto no art. 17 e parágrafo único, ambos da Constituição do Estado do
Espírito Santo, acima transcritos, tratando-se, portanto, de
inconstitucionalidade formal/nomodinâmica, em seu aspecto objetivo.
VI – DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA PRETENDIDA
Resta patente que o princípio constitucional básico do direito à tutela
jurisdicional assegura, também, ao jurisdicionado, o direito a uma sentença
potencialmente eficaz, capaz de evitar dano irreparável a direito
relevante.
Nestes termos, não se pode olvidar que inexiste no ordenamento jurídico
pátrio direito mais relevante do que aquele relacionado com o respeito ao
nosso ordenamento fundamental, consubstanciado nas Constituições
Republicana e Estadual.
Urge salientar que, na presente Ação Direta de Inconstitucionalidade, não
se almeja a análise de um caso concreto, mas sim de legislação em tese,
com o escopo de declarar sua inconstitucionalidade em face da Carta
Política Estadual, extirpando do mundo jurídico lei que com esta conflite.
Destarte, necessário se faz a concessão antecipada dos efeitos da tutela
pretendida na presente Ação Direta de Inconstitucionalidade, com
espeque no art. 10 e seguintes da Lei nº 9.868/99, c/c artigo 273 do Estatuto
Adjetivo Civil, pelos fundamentos adiante demonstrados:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
21
O primeiro requisito imprescindível à concessão da tutela satisfativa in
limine litis, o fumus boni iuris, é facilmente constatado ao demonstrar-se
que copiosas doutrina e jurisprudência não admitem que lei seja feita em
desconformidade com o devido processo legislativo, tendo em vista que
as emendas apresentadas pela casa legislativa foram completamente
ignoradas pelo Chefe do Executivo Municipal, e ainda, apresentou veto a
lei já promulgada, em clara violação ao processo legislativo constitucional
estabelecido do artigo 61 ao 68 da Constituição Estadual.
Já o segundo requisito - periculum in mora, verifica-se em razão do dano
que pode ser causado ao interesse público com a vigência de lei
orçamentária passível de nulidade, eis que é fatalmente inconstitucional.
Ademais, é temerário permitir que o Chefe do Executivo Municipal interfira
nas atribuições do Poder legislativo de tal forma, o tem se mostrado ser
prática corriqueira do Prefeito daquela Municipalidade.
Isso porque, tramita perante este Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do
Espírito Santo, a ADI de nº 100110037502, em face da lei 1.386/2011 do
Município de Marataízes, na qual, assim como no presente caso, houve a
publicação da lei nos exatos termos da proposta de lei apresentada pelo
Executivo, desconsiderando as emendas elaboradas pela casa de leis, e
ainda, com veto do autógrafo posterior à publicação da lei no diário
oficial.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
22
Além disso, a lei em questão, flagrantemente inconstitucional, traz em seu
bojo, por meio de seu artigo 5º, autorização prévia para abertura de
créditos adicionais em limite muito superior ao regularmente aplicável.
Logo, em razão do r. artigo, o Executivo Municipal detém autorização para
que as despesas do município sejam majoradas em até 40%, sem que haja
qualquer análise prévia por parte do Legislativo, o que pode causar graves
danos ao erário municipal. Ainda mais quando se considera que as
despesas do município para o ano de 2012 serão de, aproximadamente,
82 MILHÕES de reais, o que implica dizer que o Chefe do Poder Executivo
tem prévia autorização para majorar as despesas em até 32 milhões e
oitocentos mil reais.
Obviamente, depois de verificada a ocorrência dos danos, será de difícil
(quiçá impossível) o ressarcimento aos cofres públicos.
Verifica-se que potencial dano decorre da demora no trâmite da ação, de
modo que, não sendo suspensa a vigência das normas em apreço, os
titulares do bem jurídico protegido (a sociedade) poderão sofrer com a
irreparabilidade ou a difícil reparação desse direito ou, até mesmo, estarem
obrigados a suportar os efeitos oriundos da demora da decisão judicial.
Sobressai, por oportuno, a lição de Luiz Rodrigues Wambier13:
A expressão fumus boni iuris significa aparência de bom
direito, e é correlata às expressões cognição sumária, não
exauriente, incompleta, superficial ou perfunctória. Quem
13 WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de e TALAMINI, Eduardo, in
Curso Avançado de Processo Civil – Processo Cautelar e Procedimentos Especiais, 5ª ed.
vol. 3, rev., atual. e ampl., 2ª tir. – São Paulo: RT, 2004.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
23
decide com base em fumus não tem conhecimento pleno e
total dos fatos e, portanto, ainda não tem certeza quanto a
qual seja o direito aplicável. Justamente por isso é que, no
processo cautelar, nada se decide acerca do direito da
parte. Decide-se: se A tiver o direito que alega ter (o que é
provável), devo conceder a medida pleiteada, sob pena do
risco de, não sendo ela concedida, o processo principal não
poder ser eficaz (porque, por exemplo, o devedor não terá
mais bens para satisfazer o crédito).
Está última característica de que acima se falou (o risco) é o
que a doutrina chama de periculum in mora. É significativa
da circunstância de que ou a medida é concedida quando
se a pleiteia ou, depois, de nada mais adiantará a sua
concessão. O risco da demora é o risco da ineficácia.
De fato, o fumus boni iuris e o periculum in mora são
requisitos para a propositura de ação cautelar; são requisitos
para a concessão de liminar; e são, também, requisitos para
a obtenção de sentença de procedência.
Desta forma, assaz urgente a concessão da medida liminar por esse
Colendo Sodalício, a fim de se extirpar do cenário jurídico a lei municipal nº
1.471/2011, do Município de Marataízes, e obstar a clarividente lesão à
harmonia entre os poderes, bem como ao erário público, posto
cabalmente comprovada a inconstitucionalidade do diploma legislativo
em análise.
VII – DOS PEDIDOS
Ex positis, o Procurador-Geral de Justiça requer:
a) A suspensão liminar da vigência da Lei nº. 1.471/2011, do Município
de Marataízes, nos termos do artigo 169, alínea “b”, do Regimento
Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo - RITJES e
do artigo 12 da Lei 9.868/1999;
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA
24
b) A notificação do Presidente da Câmara e do Prefeito Municipal de
Marataízes, para os fins previstos no artigo 169, alínea “a”, do
Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo
- RITJES;
c) E, por derradeiro, seja a presente Ação Direta de
Inconstitucionalidade julgada procedente in totum, declarando-se a
inconstitucionalidade formal da Lei nº. 1.471/2011, do Município de
Marataízes, adotando-se as providências necessárias para que
cessem, ex tunc, todos os seus efeitos.
VII – VALOR DA CAUSA
Dá-se à presente causa, por força de expressa disposição legal, o valor de
R$ 100,00 (cem reais).
Pede deferimento.
Vitória, 13 de março de 2012.
FERNANDO ZARDINI ANTONIO
PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA
Top Related