UniversidadedeLisboaFaculdadedeDireito
MestradoProfissionalizanteemCiênciasJurídico-Forenses
DISSERTAÇÃO
AIMPUTAÇÃOOBJETIVAEMDIREITOPENAL
ALGUNSPROBLEMAS
INÊSDEORNELASFOUTOVARELA
ComaOrientaçãodaExma.SenhoraProfessoraDoutora
TeresaQuinteladeBrito
2018
ÍNDICE
RESUMOEPALAVRAS-CHAVE.........................................................................................................................1
ABSTRACTANDKEYWORDS............................................................................................................................3
AGRADECIMENTOS...............................................................................................................................................5
EPÍGRAFE...................................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO...........................................................................................................................................................8
AIMPUTAÇÃODEEVENTOSAAGENTESANTESDACAUSALIDADE:ASORDÁLIAS........11
ACAUSALIDADE:CONCEITOCIENTÍFICOEFILOSÓFICO...............................................................20
ACAUSALIDADE:CONCEITOJURÍDICO....................................................................................................24
ATEORIADASCONDIÇÕESEQUIVALENTES.........................................................................................27
AFORMULAÇÃODACONDITIOSINEQUANON.....................................................................27
ACONDIÇÃOEMCONFORMIDADECOMASLEISDANATUREZA................................29
CONDIÇÃOGLOBALSEGUNDOASREGRASDAESTATÍSTICAEDA
PROBABILÍSTICA..................................................................................................................................30
ATEORIADAADEQUAÇÃO.............................................................................................................................33
OCONCURSOREALDECAUSAS...................................................................................................................45
ACAUSALIDADECUMULATIVA.....................................................................................................45
ACAUSALIDADEALTERNATIVA...................................................................................................48
ATEORIADACONEXÃODERISCO.............................................................................................................53
ACRIAÇÃOOUAUMENTOPELOAGENTEDEUMPERIGOPARAOBEM
JURÍDICO...................................................................................................................................................54
OCARÁCTERPROIBIDODOPERIGO................................................................................................57
AMATERIALIZAÇÃODORISCONORESULTADO.......................................................................58
APRODUÇÃODEUMRESULTADOCOBERTOPELOFIMDEPROTECÇÃOE
ÂMBITODANORMA..................................................................................................................................59
OCONCURSOVIRTUALDECAUSAS...........................................................................................................64
ACAUSALIDADEVIRTUAL...............................................................................................................64
AINTERRUPÇÃODONEXOCAUSAL...........................................................................................68
OCOMPORTAMENTODAVÍTIMA.......................................................................................74
ACAUSALIDADEINDIRETA....................................................................................................77
OCOMPORTAMENTOLÍCITOALTERNATIVO......................................................................80
DIREITOCOMPARADO......................................................................................................................................87
AIMPUTAÇÃOOBJECTIVANOSSISTEMADECOMMONLAW.......................................87
AIMPUTAÇÃOOBJECTIVANODIREITOPENALBRASILEIRO.......................................95
CONCLUSÕES.........................................................................................................................................................98
BIBLIOGRAFIA
1
PALAVRAS-CHAVE:CAUSALIDADE,ADEQUAÇÃO,RISCO,MULTIPLICIDADE
A imputação objetiva em Direito Penal consiste na atribuição jurídica de um
resultadotípicoaumacondutadeumagente,apartirdaobservaçãodopadrãode
matriz científica e filosófica da causa-efeito, inerente ao estudo dos
comportamentos humanos e das suas consequências práticas, constituindo tal
atribuiçãoumdospassosfundamentaisdaclassificaçãodeumfactocomocrime.
Atravésdoreconhecimentodoconceitodacausalidadecomofiguradedestaque
no âmbito da problemática da imputação, e encontrando-se a presente
investigaçãoacadémicaestruturadaporreferênciaaosfactospraticadosporação
pelas pessoas singulares, inicia-se esta incursão apresentando breve exposição
relativaaopanoramaexistenteantesdaaplicaçãodesseconceitofundamentalao
Direito,nomeadamenteatravésdoempregodeordálias.
Assimdefinida a essencialidadeda causalidade emsedede imputaçãoobjetiva,
encontram-se reunidas as condições necessárias para a apreciação crítica dos
principais modelos teóricos de imputação objetiva, que se identificam como a
teoriadaequivalênciadecondições,ateoriadaadequaçãoeateoriadaconexão
derisco,bemcomo,atítulocomparativo,breveestudodossistemasdeimputação
dealgunsdosprincipaispaísesdosordenamentosjurídicosdecommonlawedo
Brasil.
A apreciação da evolução dos termos daquelas, dos seus métodos de
funcionamentoeaplicaçãoedascríticasrecebidas,permitedepoisaconcentração
investigativa, devidamente informada, nas questões centrais desta Dissertação,
relativasaoconcursodecausaseperigosnaproduçãodeumeventolesivo.
Nas sociedades modernas, a multiplicidade de fatores que pode convergir, de
forma real e efetiva, bem como virtual e não concretizada, na causação de um
determinado resultado, constitui um contexto de pluralidade factual
tendencialmente cada vez mais frequente, necessitando, por isso, de soluções
jurídicasquecompreendameacomodemtaisproblemas.
Estesnãosãodotados,porém,desoluçõesnormativasuniformes,sendoqueos
critérios e fundamentos apresentados para a resolução de tais questões, tanto
quando para a produção de um resultado concorrem, de forma neste
2
materializada,váriascausas,pormeiodediversaspossibilidadesdecombinação
causal,bemcomonocontextodasuaconcorrênciavirtual,emqueaconcretização
detodasestasficaaquémdasuamaterializaçãonoeventolesivofaceàinterrupção
donexocausal,edistintasproblemáticasasiestreitamenteassociadas,encontram
largasdivergênciasnadoutrinaenajurisprudência.EstaDissertação,atravésda
pesquisaeinvestigaçãoapresentadas,procuradar-lhesresposta.
3
KEYWORDS:CAUSALITY,ADEQUACY,RISK,MULTIPLICITY
Incriminallaw,objectiveimputationconsistsofthelegalattributionofatypical
result to an agent´s conduct, from the observation of the scientific and
philosophicaloriginofthecause-effectrelation,constitutingthatattributionone
ofthecriticalstepsinclassifyingafactasacrime.
Throughtherecognitionoftheconceptofcausalityastheprominentfigureinthe
study of imputation, and since this academic investigation is structured in
referencetofactscommittedbyaction,bynaturalpersons,thisincursionisstarted
with a brief exposition relating to a previous overview, existing before the
applicationof this fundamentalconcept in the fieldofLaw,namelythroughthe
employmentoftrialsbyordeal.
Then, having defined, in these terms, the importance of causality in objective
imputation,conditionsareaptforthecriticalappreciationofthemaintheoretical
modelsofattribution,whicharethetheoryofequivalenceofconditions,thetheory
ofadequacyandthetheoryofriskconnection,aswellasforabriefstudyofthe
attribution systems in place in some of themain countries in the common law
nationsandintheBrazilianpenalsystem.
Studyingtheevolutionoftheirsterms,theirfunctioningandapplicationmethods
andthecriticalreviewswhichthesetheorieshavebeensubjectedto,thenallows
the concentration of the investigative efforts, duly informed, in the central
questionsof thisDissertation, relating toconcurrentcausesandmenaces in the
originationofaharmfulevent.
Inmodernsocieties,themultiplicityoffactorswhichmayconverge,inarealand
effectiveway,aswellas inavirtualandnot fullymaterializedway, incausinga
certainresult,constitutesacontextoffactualpluralitytendentiallymorefrequent
and therefore more in need of juridical solutions which can understand and
accommodatesuchproblems.
However,theseproblemsdonotpossessevenandequalnormativesolutions,be
itinthesituationswhen,fortheproductionofaresult,severalcausescompete,in
actuality, in the production of the result, be itwhen that causal competition is
4
present in itsvirtual terms, inwhichnoallcausesdonotreachthecompletion
stageduetoaninterruptioninthecasuallinkandotherissuescloselyrelated.In
these instances, the criteria facing these questions provides instead several
different jurisprudence and doctrinal responses, without a consensus to these
questions. This Dissertation, through the research and investigation presented,
triestoanswerthem.
5
AGRADECIMENTOS
À minha Orientadora, EXMA. SENHORA PROFESSORA DOUTORA TERESA
QUINTELADEBRITO,pelagenerosidade,sapiênciaeconsideração,
AomeuPAI,peloapoioincondicional,amizadeemotivação,
ÀminhaMÃEeàminhaAVÓHÉLIA,pelacompreensãoeencorajamento,
Àminhaprima,PROFESSORADOUTORAANACALDEIRAFOUTO,peloconselho
amigo,
SemosquaisestaDissertaçãonãoteriasidopossível,
MUITOOBRIGADA.
6
7
“Intentions,goodorbad,arenotenough.
There'sluckorfateorsomethingelsethattakesover.”
—JohnSteinbeck,TheWinterofOurDiscontent
8
1. INTRODUÇÃO
ApresenteDissertação, intituladaAImputaçãoObjetivaemDireitoPenal -Alguns
Problemas,centra-senadiscussãodealgumasdasdivergênciaspresentesnoâmbito
desta matéria, no Direito Penal. Os comportamentos humanos e as suas
consequências jurídico-penalmente relevantes,bemcomoaanálisedaspossíveis
ligações normativas entre ambos, são campos de extremo interesse prático e
académico, em particular o estudo dos fundamentos e condições que permitem
afirmar a existência de uma verdadeira conexão entre uma conduta e um
acontecimentolesivo,mesmosendoestafuncionalmentediversaetemporalmente
separadadaquele.
Emboraaimputaçãosubjetiva,tendoemcontaacomponenteindividualeinterna
do agente, nomeadamente os seus estados de espírito e as suas intenções de
provocaçãodoresultado,sejatambémindispensávelnoâmbitoqualificativodeum
facto como crime, apenas a imputação objetiva permite, para alémdesse âmbito
particulare introspetivo, edeummodoqueédefinitivo, afirmarqueumevento
apenas teve lugar nomundo real face a e por causa de uma específica conduta,
devendoesta,porisso,serobjetivamenteatribuídaàquele.
Osproblemasjurídicosinerentesàanálisedasrelaçõesdecausaeefeitoeadifícil
conjugação e delimitação do espaço ativo de responsabilidade de um cidadão,
diretamente proporcional à sua liberdade de atuação prática, são temas de
incontornável importância faceàsuaessencialidadenaestruturaçãodopercurso
lógico-classificativo que permite qualificar, no nosso ordenamento jurídico, um
factocomocrime.
Naverdade,definindo-seocrimecomoumfactotípico,ilícito,culposoepunível,a
imputação objetiva é a figura de sentido que, antes de qualquer classificação
adicional,permiteligarjuridicamenteedeformadefinitivaacondutapraticadaao
resultadoocorrido,emtodososcrimesderesultadooumateriais.
9
PretendendoestaDissertaçãodedicar-seàanáliseemprofundidadedealgunsdos
problemasedivergênciasexistentesnoâmbitodotemadaimputaçãoobjetiva,que
énaturalmenteextensodevidoaoseucarácterabrangentedetodasasformasde
prática das condutas humanas e penalmente relevantes, tomou-se a decisão, ab
initio,deestruturaroescopodapresente investigaçãoacadémicaemrelaçãoaos
crimes praticados por ação, por pessoas singulares, excluindo do seu âmbito as
diferentes questões trazidas pela análise da imputação de factos praticados por
omissão,bemcomoaquelespraticadosporpessoascoletivas,acreditando-seque
esta opção permite uma melhor dedicação investigativa e concentração em
problemáticasespecíficas,emparticular,aapreciaçãodasquestõescentraisdesta
Dissertaçãorelativasàverificaçãodemultiplicidadedecausas,realouvirtual,na
produçãodeumresultado.
Dessaforma,inicia-seopresenteestudocomaapreciaçãohistóricaevalorativada
importânciadacausalidadeenquantoconceitoinovadoreprogressivoaquandoda
sua inicial aplicação ao Direito, para tal apreciando também os significativos
contributosdoscamposfilosóficosecientíficosparaasuadefinição,eobservando,
atítulocomparativo,opanoramajurídicoexistentepreviamenteàcrucialinclusão
deste conceito no âmbito da imputação objetiva, nomeadamente através da
utilizaçãodométododasordálias.
Partindo,nessestermos,daindispensávelfiguradacausalidade,etendoemcontaa
evoluçãodogmáticadasua invocaçãoeaplicaçãopráticanocampoda imputação
objetiva, são estudadas, numa perspetiva crítica e comparativa, as três grandes
teoriasdeimputaçãoobjetivahistoricamentepropostasedefendidaspeladoutrina
epelajurisprudência,constituídaspelateoriadascondiçõesequivalentes,ateoria
daadequaçãoeateoriadaconexãoderisco.
Aapreciaçãocriticadasreferidasteorias jurídicasde imputaçãoobjetivapermite
assim, de modo valorativamente informado e fundamentado, e com a devida
contextualização jurídica, em termos jurisprudenciais e doutrinais, realizar uma
investigaçãoespecíficarelativaàsdivergênciaspresentesnaanáliseeresoluçãodas
situaçõesdeconcursodecausaseriscos,quernocasodeconcorrênciareal,querna
virtualequestõesasiligadas,emparticularainterrupçãodonexodeligaçãoentre
10
aaçãoeoresultadoeafiguradocomportamentolícitoalternativo,sendocertoque
as diferentes soluções jurídicas que têm vindo a ser propostas quanto a estas
questõessãomuitopoucodotadasdeuniformidadedecisória.
Naverdade,emsociedadesglobalizadas,comoasatuais,tecnológicaesocialmente
desenvolvidas,nasquaisosperigosparaosbensjurídicosprotegidosedotadosde
dignidadepenalsãomúltiplos,concorrentesecadavezdemaisesubstanciaistipos
equalidades,asproblemáticasassociadasàconvergênciadefatoresnacausaçãode
lesõesdeformarealeefetiva,bemcomonoscasosemqueessamultiplicidadese
apresentaemtermosvirtuaisouhipotéticos,sãocadavaismaisfrequentes,sendo
por isso a posterior necessidade da sua individualização e análise da eventual
imputação objetiva ao resultado produzido essenciais para a apreciação da
tipicidadeedaqualificaçãodofactocomocrime.
Nesta sede, e de forma a enriquecer a pesquisa apresentada com elementos
comparativos relativos a ordens jurídicas distintas da portuguesa, é ainda,
previamente à apresentação das conclusões finais e críticas da presente
investigação,feitabreveincursãorelativaaopanoramageraldeimputaçãoobjetiva,
comfoquenasquestõescentraisdeconcursodecausaseperigosnaproduçãode
umevento lesivo,nosordenamentos jurídicosdecommon law enodireitopenal
brasileiro.
Assim, esta Dissertação propõe-se apresentar respostas às centrais questões
colocadas,paratalpartindodainvestigaçãorealizadaeaquiexposta,tendoemconta
assuascomponenteshistórica,comparativaevalorativa,apreciandoasindicadas
divergências doutrinais e jurisprudenciais de forma crítica e analítica,
possibilitando,afinal,aapresentaçãodesoluçõesdevidamentefundamentadas.
11
2. A IMPUTAÇÃO DE EVENTOS A AGENTES ANTES DA CAUSALIDADE: AS
ORDÁLIAS
A palavra ordália deriva do vocábulo anglo-saxónico ordǣl, com significado de
veredictooudejulgamentosemqualquerinterferênciahumana,antesderivadode
umaprerrogativadivinaeabsoluta.Porsuavez,originariamente,derivaaqueleda
expressãoproto-germânica1uzdailjam,significandoaquiloqueestátratado2.
A ordália é o processo através do qual o acusado de um crime é sujeito, por
imposiçãododecisordoprocessoouporsujeiçãovoluntáriadopróprioacusado,a
provascomelementostotalmentenaturalísticoscomoobjetivodeserafirmadaou
afastada a sua responsabilidade criminal, sendo o resultado deste procedimento
aceiteunanimementepelacomunidade.
TalcomopreconizaSirWalterScott,nasuaobraépicaIvanhoe,estajádoano1820,
“a vingança é um manjar dos Deuses” 3 , pelo que a utilização das ordálias se
acreditava legitimada pela crença da direta intervenção divina no processo de
julgamentojudicial,constituindoestas,porisso,nasuaessência,um judiciumDei,
isto é, um juízo de Deus, sendo realizadas dentro de um contexto estritamente
solene e sendo o seu resultado entendido e reconhecido por todos como prova
irrefutáveldavontadedosCéus.
OprimeiroregistonasuaaplicaçãoremontaaoperíododaAntiguidade,cominício
no século VIII a.C., na Mesopotâmia, embora o seu uso generalizado na Europa
apenas se tenha verificado após a queda do Império Romano, tendo-se assim
fortificadonessecontinente,bemcomonaÁfricaenaÁsia,duranteaIdadeMédia,
dosséculosVaXV(d.C.),massobretudoatéaoséculoXI.
1Aprotolínguabasecomumàslínguasgermânicas,nomeadamenteoalemão,oinglês,oholandês,osueco,odinamarquês,onorueguêseoislandês.2DeacordocomevoluçãolinguísticaapresentadapeloautorRobertBartlett,nasuaobraTrialbyFireandWater:TheMedievalJudicialOrdeal,na3ªediçãodaEchoPointBooks&Media,de2017,napágina26. 3 Na página 267 da edição da Baudry´s Foreign Library, na reimpressão de 1952.
12
Duranteestesperíodos,nãoexistindoaindaEstadosfortescomsistemasjurídicos
estruturados e solidamente regulamentados, sendo proferida uma acusação, sob
juramentoeperantejuiz,oueram,desdelogo,asprovasapresentadaspeloacusador
diretamente suficientes e adequadas para a decisão, sendo, à partida, obtida
confissãodoacusado,passando-se,semmais,diretamenteparaoproferimentoda
sentença,ou,nãosendotalpossível,nomeadamenteporinexistênciadeconfissão,
era“solicitada”aintervençãodivina,cujaconcretizaçãonoplanomaterialocorreria
através da ordália, sem qualquer possibilidade de contraditório por parte do
acusado.
Historicamente, tendo sido utilizados diversos tipos de ordálias, podiam estas
constituirumaprovadevidaoumorte,equivalendoasobrevivênciaàinocênciado
acusado,ou,alternativamente,umasujeiçãodestealesõesfísicas,casoemqueseo
suspeitoficasseilesoouserapidamenteserecuperasseseentendiaqueerainocente
emrelaçãoataisacusações.
Os meios utilizados eram bastante variados, desde que facilmente acessíveis e
quotidianos,sendoosseusprincipaiselementosofogoeaágua;oprimeiroporser
associadoàpurezaearenovaçãoeosegundopelaideiadelimpezaepurgaçãodo
espírito.
Importarealçarqueaordáliaetorturaseapresentamcomodiferentesconceitos,já
queaordáliaseentendiacomomeiodeprovaemsimesma,atravésdoresultado
concretoematerialqueproduziaedoqualseretiravaumsignificado,externamente
observávelpelo julgador.Atortura,poroutrolado,pretendefuncionarcomoum
meiodeobtençãodeprovas,nomeadamenteaconfissão.
Deste modo, vários tipos de ordálias eram utilizados, partindo a escolha
normalmentedojulgador,sendoosseguintesosmaiscomuns4:
4TalcomoapresentadonaobraTheTrial:AHistory,fromSocratestoO.J.Simpson,deSadakatKadri,na2ªediçãodaHarperPerennialde2005,naspáginas46a49.
13
i. Fogueiras,FerrosQuenteseCarvões
Atravésdestetipodeordálias,oacusadoeraobrigadoacaminharumnúmerode
passospré-definidoouamanterassuasmãossobreumafogueiraativa5,aandar
sobrecarvõesacessosousegurarumapeçadeferroembrasaduranteumperíodo
pré-determinado.
Depois, completada a prova, as lesões produzidas no âmbito desta esta eram
analisadas,sendoque,sepassadosunsdias(geralmentetrês),estastivessemsarado
rapidamenteeemboas condiçõesouse,porventura,nemse tivessemchegadoa
formar,eraoacusadoconsideradocomototalmenteinocentedaacusação.Todavia,
emcasocontrário,eraafirmadaasuaresponsabilidadecriminalpelofactodeque
eraacusado.
ii. ÁguaFerventeeÁguaFria
Afrequenteaplicaçãopráticadotipodeordáliasdeáguadividia-seemdoisgrupos:
asprovasdeáguaquenteeasprovasdeáguafria.
Nasprimeiras,erageralmenteimpostoaoacusadoqueretirasseumobjetocolocado
nofundodeumapanelaoucaldeirãocomáguaaferver(ouaté,nalgunscasos,mais
raros face à escassez desse material, óleo a ferver). Quanto mais grave fosse a
acusação,maioraprofundidadedaáguae,consequentemente,maioranecessidade
desubmersãodobraçoepossíveisferimentos.Depois,talcomonasprovasdefogo,
eraaextensão,grauecapacidadedecuradaslesõesquedeterminavaanecessidade
deatribuiçãodoeventoaoacusadoesuaconsequenteresponsabilidadecriminal.
Nas ordálias do segundo tipo, o acusado era amarrado, de forma a ter todos os
movimentostotalmenteconstrangidos,sendoimobilizadoatravésdautilizaçãodas
cordas,garantindoassimasuaimpossibilidadedesemovimentarlivremente.Nesta
condiçãoerasubmersoemáguasprofundas.Primariamente,colocava-seaquestão
imediatadesuasobrevivência,sendoqueamortedoacusadodurantearealização
da prova equivalia à sua responsabilidade criminal. Depois, caso conseguisse
sobreviveraoriscodamorteporafogamento,consoantefosseaofundoouflutuasse
naáguaeradepoisafirmadaaresponsabilidadepelofactoemrelaçãoaoqualera
acusado.
5Apartirdestaordália,utilizadaemPortugalatéaoséculoXIV,teveorigemaexpressãoaindaatualmenteutilizadadeformacorrentede“poramãonofogo”poralguém.
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Quantoà interpretaçãodoresultadodestaprova, importanotarque,consoantea
localização geográfica e período temporal em causa, inversos significados foram
atribuídosaumeoutrofacto;inicialmente,acreditava-sequeflutuardemonstrava
inocência,poisosculpadoseram“puxadosparabaixo”pelopesodassuasofensas.
Contudo, mais tarde, tal estipulação foi invertida, reconhecendo-se a
responsabilidade criminal do sujeito que flutuasse, julgando-se tal leveza como
sobrenaturalenecessariamenteassociadaaoespíritomaléficodosresponsáveis6.
iii. IngestãodeSubstâncias
Nestetipodeprova,eraoacusadoforçadoaingerirumveneno,normalmenteuma
planta,sendoque,seemconsequênciadaquela ingestão, ficassedoenteouatése
morresse, era considerado responsável pelo crime em causa. Pelo contrário, se
conseguissefazeraexpulsãodovenenoatravésdeumactoreflexivodevómitoera
reconhecidaasuainocência.Maistarde,nestetipodeordáliapassoutambémaestar
incluídaaingestãodeumpedaçodepãoseco,abençoadoporummembrodoclero7,
após o acusado proferir uma declaração solene, reconhecendo-se o facto de o
acusadonãoseengasgarousofrerconvulsõescomosinaldasuainocência.
iv. Cruz
Normalmenteaplicadaa casosemqueo suposto responsávelpoderia serumde
muitos, como, por exemplo, nas situações de verificação de lesões ou morte da
vítima no âmbito de uma rixa, os suspeitos eramdivididos em grupos de sete e
colocadosàvezemfrenteaumaltar.Nesteencontravam-seduasestacasenvoltas
empano,sendoqueumadelasestavapintadacomumacruzquenãoestavaassim
visível para os acusados. Era feita a seleção das estacas pelo juiz ou sacerdote,
entendendo-sequeaescolhadaquelaquecontinhaacruzindicavaapresençado
responsávelpelaofensaemcausanoâmbitodogrupoidentificado.Nessasituação,
repetia-se depois a ordália entre os sete para chegar aos especificamente
responsáveis.
6NaobraSuperstitionandForce,deHenryC.Lea,na9ªreimpressãode1978daHarvardUniversity,napágina58.7Esteritualveioaevoluirparaamodernaconceçãocatólicadatomadahóstia,queé,naverdade,umaordáliaporeucaristia,combasenacrençadequequematomenãoseencontrandoinocentedefactoemrelaçãoaoqualtenhaconhecimentoecujoperdãodivinoaindanãoprocurouobterficaráeternamentecondenadoaosolhosdeDeus.
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v. Duelos
Neste tipo de ordália, utilizada maioritariamente no Ocidente, perante uma
acusação, acusador e acusado debatiam-se pessoalmente, ou através de
representantes,muitasvezesatéàmorte,emdueloregulamentado,reconhecendo-
serazãoàquelequeconseguissedominaralutafisicamentee/ouquesobrevivesse,
entendendo-sequeasforçasdivinasoteriamconsideradodignodeproteçãofaceà
suainocência.
vi. IusCruentationis
A ordália do cadáver era aplicada apenas às acusações de homicídio. Nestas, o
acusadoeraobrigadoatocarnocadáverdavítima,sendodepoisesteanalisadode
formaaverificarsenoslocaisemqueaquelelhetocoualgumamarcaousinaltinha
entretantosurgidoouatésesangravanolocaldotoquedosupostohomicida8.
Destemodo,faceàgeneralizadaconvicçãoreligiosadascomunidadesrelativamente
ao carácter divino e à eficácia das ordálias, e caso não fossem estas, desde logo,
unilateralmenteimpostaspelojulgador,osacusadosqueseacreditavaminocentes
daacusação,namaiorpartedoscasos,desdelogorequeriamvoluntariamenteasua
sujeiçãoàprova,preferindo,poroutrolado,osquesesabiamculpadosconfessardo
8ApeçadeWilliamShakespeare,RicardoIII,referenotoriamenteaiuscruentationisquando,duranteotransportedocadáverdoReiHenriqueIV,noâmbitodasuaprocissãofúnebre,AnaNevilleobservaocorpoasangraraquandodaaproximaçãodoassassinodaquele,Ricardo,DuquedeGloucester,eprofereaseguinteacusação:«O,gentlemen,see,see!deadHenry'swoundsOpentheircongeal'dmouthsandbleedafresh!Blush,Blush,thoulumpoffouldeformity;For'tisthypresencethatexhalesthisbloodFromcoldandemptyveins,wherenoblooddwells;Thydeed,inhumanandunnatural,Provokesthisdelugemostunnatural.OGod,whichthisbloodmadest,revengehisdeath!Oearth,whichthisblooddrink'strevengehisdeath!Eitherheavenwithlightningstrikethemurdererdead,Orearth,gapeopenwideandeathimquick,Asthoudostswallowupthisgoodking'sbloodWhichhishell-govern'darmhathbutchered!».NoAto1,Cena2,Página3.
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quelhesserimpostaarealizaçãodaordáliaeconsequentesujeiçãoàdore,até,a
possívelriscodemorte.NaspalavrasdoeconomistaPeterT.Leeson,“oscrentesque
sesabiamculpadosdaacusaçãotinhamaexpectativarazoávelqueDeusrevelassea
sua responsabilidade, lesando-os durante a prova, antecipando a sua condenação.
Todavia,oscrentesinocentesesperavamaproteçãodivina,acurarápidadelesõesea
suaposteriorexoneraçãocriminal”9.
Adicionalmente, e por esse motivo, para os sacerdotes que administravam as
ordálias,avoluntariedadedoacusadocrenteemsersujeitoàsprovasfuncionava
como uma presunção da sua inocência, pelo que, em vários desses casos, os
administradoresdas provas facilitavam as condições do teste (por exemplo, não
preparandoaáguatãoquente,oudeixandoarrefecerobarrade ferroantesdea
apresentar),deformaaqueoresultadofavoráveldasordáliasreforçasseaprópria
superstiçãonasuabase,contribuindodessaformaparaasuaprópriaefetividade.
ApartirdoséculoXII,comofimdoperíodoaltodaIdadeMédiaeaintroduçãono
sistemajurídicodeummaiordestaqueemrelaçãoadireitosegarantiasindividuais,
as ordálias começaram a ganhar generalizada desaprovação. Em 1215, aMagna
Carta inglesa instituiu os tribunais de júri e durante os séculos XIV e XV, vários
papas,comoAlexandreIII,CelestinoIIIeInocêncioIII,manifestaram-secontraouso
das ordálias, apelando à sua substituição por um sistema penal inquisitório,
complementado pelo uso da tortura como meio de obtenção de confissões ou
testemunhos.
Embora o uso das ordálias tenha ainda sido reintroduzido de forma bastante
expressivanosordenamentosjurídicosdaEuropaCentraledeLesteenascolónias
norte-americanasduranteosséculosXVIeXVII,duranteoperíododasdenominadas
“caças às bruxas” 10 , depois deste, a utilização das provas para aferição da
necessidade de atribuição de um evento a um agente e sua responsabilidade
criminal foi totalmentesuprimidapelamaiorpartedospaíses,atéao finalséculo
XVIII.
9NoseuartigoOrdeals,publicadoem2012noJournalofLawandEconomics,novolume33,número3,napágina702.10Nestas,eramprincipalmenteaplicadas as ordália de água fria, entendendo-seque osacusados queflutuassemeramresponsáveispelasacusações.
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Algumas situações relativas à sua invocação ainda se verificaram depois desse
período,principalmenteemrelaçãoàordáliaporduelo,comonoprocessoAshford
vs.Thornton11,em1818,naInglaterra,emqueoalegadohomicidadesafiouoirmão
davítimaparaumdueloparaprovarasuainocência.Tendoesterecusado,avitória
docombate,nostermosdalei,foiatribuídaaoarguido,queotinhadesafiado,tendo
sidoestelibertadofaceàconsequenteimpossibilidadedasuaconsideraçãocomo
criminalmenteresponsável.Realça-sequea“esquecida”leiquepermitiuaoarguido
invocarestaordáliaequepossibilitoua sua libertação, semmais, foide seguida
imediatamenterevogadapeloparlamentoapósaconclusãodoreferidoprocessoem
181912.
Dereferiraindaque,noUruguai,aresoluçãodedisputasatravésdaordáliadeduelo
eradetalformapopularegeralmenteaceitecomopráticacomumpelapopulação
queasuautilizaçãoseencontroulegalmenteprevistaatéaoanode1992.
Atualmente,oempregodeordáliasé jábemmais raro, comaexceçãodealguns
paísesdocontinenteafricano,comdestaqueparaaLibéria,SerraLeoa,NigériaeIlha
de Madagáscar. Nestes, as ordálias por ingestão de venenos, nomeadamente do
feijãodeCalabar eda chamada sassywood13, sãoaindamuito comuns, apesarda
reprovação internacional de grupos de direitos humanos, incluindo a oposição à
práticapelasNaçõesUnidas14.
11Disponívelemhttps://www.birmingham.gov.uk12AmesmasortenãoteveLeonHumphreys,cidadãoinglêsde60anosqueem2002invocouareferidaleicomo meio de contestação de uma coima de trânsito, com a pretensão de combater um qualquerrepresentantedoEstadodeformaaque,sesaíssevitorioso,nãotivessedepagaromontantedevido.Oseupedido,semqualquerfundamentolegaldesdeháquase200anos,foiridicularizadopelaimprensaenaturalmenterecusadopelotribunal,talcomodescreveartigopublicadonaversãoonlinedapublicaçãoTheTelegraph,deDavidSapsted,disponívelemhttp://www.telegraph.co.uk/news/uknews/1416262/Court-refuses-trial-by-combat.html13Substânciaobtidaapartirdacascadaárvoreerythrophleumsuaveolens,comumentedesignadacomoa“ÁrvoredaOrdália”.14TalcomoartigopublicadoporChristopherJ.CoyneePeterT.Leesonem2012,intituladoSassywood,noJournalofComparativeEconomics,Nº12,naspáginas608a620.
18
Atravésdautilizaçãodasordálias, osprocedimentos criminais funcionavampela
sucessãodetrêsmomentosdistintos:
1.Acusaçãoformal,
2.Inexistênciadeprovassuficientesoudeumaconfissãodoacusado,
3.Realizaçãodaprovaesubsequentedecisãodivinamaterializadanesta,sem
possibilidadedecontraditório.
Nestes termos, o estabelecimento da imputação de um resultado a um
comportamentoanteriordeumagenteeranecessariamentefeitacombasenuma
superstição,superstiçãoessaquepensamostraduzirumjuízofalacioso.Partindode
uma acusação e observando-se a realização de uma ordália, não sendo esta
ultrapassadacomsucessopeloacusado,aacusaçãoinicialeraconfirmadaeoagente
criminalmente responsabilizado, o que, de um posto de vista lógico-formal, se
traduznoseguintesilogismo:
SeA,entãoB,
Bverifica-se,
EntãoAéverdadeiro.
SendoAahipotéticaresponsabilidadecriminaldoacusadoeBaordáliacompletada
sem sucesso (por exemplo, a mão queimada sem rápida recuperação ou a cruz
encontradanaestacaselecionada),éAtidocomonecessariamenteprovadoperante
a constatação da verificação de B, o que traduz a falácia lógica non-sequitur da
afirmação do consequente. Através deste raciocínio falacioso, partindo-se da
afirmação do consequente, retira-se, como resultado desta, a afirmação do
antecedente.Assim,comoosujeito,noâmbitodaordáliarealizada,porexemplo,
flutuounaágua, a sua responsabilidadepelaacusaçãoemcausaeradiretamente
afirmada, ou seja, pelo consequente, o resultado da ordália, um acontecimento
totalmentediversoelógicaematerialmenteseparado,eraobtidooantecedente,a
constataçãodaexistênciaderesponsabilidadecriminaldoagente.
Contudo, a supressão da utilização destas trouxe consigo a introdução nos
ordenamentos jurídicosda inovadoraconceção lógicadacausalidade,obtidacom
basenoscontributosdasciênciasnaturaiseda filosofia.Assimsepermitiuqueo
obscurantismo que, nas referidas épocas, toldava os ordenamentos jurídicos,
19
iniciasseasuadissipação.Atravésdasuainvocação,novasenecessáriasexigências
passaram a ser impostas pela lei para que um evento se possa afirmar como
diretamente causado por uma conduta humana, isto é, para que, com base no
conceitodacausalidade,possaserfeitaaimputaçãoobjetivadeumresultadoauma
açãodeumagente.
Constituindo a causalidade, «uma relação assente numa ideia de causa-efeito,
existenteentreumaaçãoeumevento,quepermiteafirmarqueaaçãodeuorigemou
causou esse evento»15, a sua aplicação no âmbito da análise da responsabilidade
penal pelos resultados lesivos verificados introduziu um adicional carácter
científicoeracionalnoâmbitodoDireitoPenal,afastandodefinitivamenteosjuízos
supersticiososeafalácialógicainerenteaousodasordálias.
15NoDicionárioJurídico,VolumeII,daProfessoraAnaPrata,na2ªediçãodaAlmedina,de2011,napágina81.
20
3.ACAUSALIDADE
3.1.ACAUSALIDADE:CONCEITOCIENTÍFICOEFILOSÓFICO
Nos campos científicos, a causalidade define-se como a relação, observável e
suscetíveldecomprovaçãometodológica,entreumeventoinicial,designandopor
causa,eumsegundoevento,suanecessáriaconsequência,ditoseuefeito,sendoque,
segundooprincípiogeraldauniformidade, todooefeitoteráasuacausaprévia,
sendo este um dos corolários essenciais de ciências como a Física, a Biologia, a
EstatísticaeaPsicologia.
Todavia,assimdefinidooconceitodecausalidade,sendoumdosfundamentosda
observação e análise dos fenómenos naturais para as disciplinas científicas, não
deverserconfundido,comoporvezesacontece,comodecorrelação.Acorrelação,
por oposição à causalidade, descreve a circunstância de dois eventos ocorrerem
normalmenteaomesmotempo,não implicandoessasimultaneidade,porém,que
umsejanecessariamentecausadordooutro.Anoçãodecorrelaçãoéumademaior
generalizaçãoeabrangênciadoqueadecausalidadequeimplicaumaligaçãodireta
ou linear entre eventos, sendo que vários tipos de relações, para além da de
causalidadeditapura,sepodemconternoâmbitodaquela,nomeadamenterelações
de causalidade indireta, cíclica ou até inversa, e situações de coincidência ou
aleatoriedadenaocorrênciadosfenómenosemsimultâneo,asaber16:
i.AcausaB—>relaçãodeverdadeiracausalidadepura
ii.AcausaCeCcausaB—>relaçãodecausalidadeindireta
iii.AcausaBeBcausaA—>relaçãodecausalidadedependenteoucíclica
iv.BcausaA—>relaçãodecausalidadeinversa
v.AeBocorrem juntosde formaaleatória—>nãoexistequalquer tipode
relaçãodesentido,existindoapenascoincidênciatemporalnaocorrênciados
fenómenosemsimultâneo
16EmOSignaleoRuído,deNateSilver,na1ªediçãoinglesadaPenguinPress,de2012,naspáginas120a125.
21
Assim, enquanto a correlação descreve, de forma generalista, uma associação
frequenteentredoisacontecimentos,associaçãoessaquepodeounãosercausal,da
causalidadededuz-seespecíficaenecessariamenteumnexológico,consequenciale
diretoentredoiseventos,encontrando-seoseuentendimentosubjacenteatodoo
pensamentohumano,naturalmentepredispostoparaaidentificaçãodepadrõese
sequênciasnasuacompreensãoeanálisedosfenómenosdomundoexterior,sendo,
porisso,aobservaçãoeverificaçãodasrelaçõescausaisumelementofundacionale
primáriodetodasasCiências.
NaFilosofia,noséculoIVa.C.,Aristótelesfoioprimeiroautorocidentalapensarea
tentar definir o conceito de causalidade. Segundo o filósofo grego, a análise dos
eventosconcretosverificadosnomundosempredeveriaserfeitaatravésdalente
dapergunta“Porquê?”,aqualteriarespostaatravésdeexplicaçõesdequatrotipos
-amaterial,aformal,adeeficiênciaeafinal17.
Nestestermos,aexplicaçãodeeficiênciacorrespondeàidentificaçãodomovimento
inicial que funcionou como fonte originadora de determinado fenómeno ou do
ímpetoquecausouamudançaefetivamenteverificada,istoé,acausaeficientedo
evento,servindoporissoaquestãodacausa-efeitocomoabaseteóricadoterceiro
tipodeexplicaçãodeAristóteles.
Já após o período da Idade Média, o filósofo David Hume, na obra Tratado da
Natureza Humana, de 173818 , defendeu que a mente humana não se encontra
capacitadaparaobservardiretamenteasrelaçõesdecausalidadejáqueapenassão
observáveisosacontecimentosemsienãoarelaçãoqueentreestesseestabelece,
relaçãoque,assim,apenasseconfiguracomoprodutodeumaoperaçãomentalde
inferência com base num hábito humano de associação regular de dois eventos,
entendendo este autor, desta forma, a causalidade como uma consequência do
mundoempíricoedassuasregrasnaturaisenãocomooseu fundamentológico,
presenteabinitio.
17EmAristotle'sTwoSystems,deDanielW.Graham,na2ªediçãodaClarendonPress,de1990,naspáginas267a275.18Na11ªediçãoinglesadaDoverPublications.de2003,ATreatiseofHumanNature,naspáginas102a147.
22
Paraestefilósofo,afirmarumarelaçãodecausalidadeentredoiseventos,dizendo
queAcausaB,significaqueoseventosAeBestãounidosde formapermanente,
existindoumaconexãonecessáriaentreambos,queapenassepoderáafirmarsese
verificarem,cumulativamente,váriosrequisitos:
i.Existeumaligaçãoespácio-temporalentreoseventosAeB;
ii.OeventoAocorreantesdoeventoB;
iii.OseventosAeBencontram-seuniversalmenteassociados.
Acrescentaaindaqueamesmacausaterásemprededarorigemaomesmoefeito,
nunca se verificando a ocorrência do efeito por causa diferente, requisito a
confirmarpelasregrasdosensocomumedaexperiência,aplicadasàreflexão,sendo
que,nocasoemquedediversascausaspossaresultarfenómenodomesmotipo,tal
significaquetodasessascausaspossuirãoumaqualidadecomumessencial,mesmo
queestaaindanãotenhasidoidentificadapeloobservadorhumano,quepermitea
causaçãodomesmoresultado.
EstavisãovalorativamentemaiscéticacontrastacomadofilósofoImmanuelKant.
Na obra Prolegómenos a Toda a Metafísica Futura, de 1783 19 , expressa o
entendimentodequeasrelaçõesdecausalidadesão,àpartida,essenciaisparaque
amentehumanapossaobservareentenderalógicatemporalesequencialdeum
conjunto de eventos. Para este autor, uma vez que tudo na natureza acontece
conforme leis fixas e irrevogáveis, um acontecimento terá sempre uma causa
determinada. Assim, defendendo que a objetividade lógica se constitui comoum
princípiouniversal,acausalidadeserásempreumaverdadeapriori,sendodepoisa
experiênciahumanamoldadaporesta,comoresultadoeemconsequênciadasua
abrangênciaeexpansãocategórica.
NoséculoXX,oautorJohnStuartMill,comapublicaçãodasuainfluenteobrade
1843 Sistema de Lógica Dedutiva e Indutiva 20 , defende a insuficiência, para a
afirmaçãodaexistênciadeumarelaçãodecausalidade,docarácterdeassociação
19NapublicaçãobrasileiradaEdições70,de2008,naspáginas31a49.20Na1ªediçãoinglesaASystemofLogic,RatiocinativeandInductive,anotada,daCreateSpaceIndependentPublishingPlatform,de2015,naspáginas288a315.
23
regularehabitualentrecausaseresultadosdeterminados,argumentadosersempre
necessárioqueestaassociaçãosejaincondicional.
Para que uma associação entre causa e resultado se possa afirmar como
incondicional, será necessário que a verificação do resultado em apreço não se
apresentedependentede fatoresadicionais,de formaaquetaleventonãopossa
ocorrer,damesmaforma,porforçadediferentesfatorescontributivos,paraalém
daqueles observados no caso concreto. Nesta sequência, define assim aquele a
relaçãodecausalidadecomoumasucessãoinvariáveldeleisnaturais,acrescentado,
comomáximasdefuncionamentoeobservaçãodacausalidademetafísicaque:
i. Todososeventostêmcausas,
ii. Cadaeventoterásempreumnúmerolimitadodecausas,
iii. Asmesmascausasdãoorigemaosmesmosefeitoseosmesmosefeitosterão
sempreasmesmascausas.
Étambémseuoméritodacriaçãodosmétodosfilosóficosdeinferênciadecausas,
emparticularométododaconcordânciaeométododadiferença,defuncionamento
pressuposto e ideal em ambiente de experiências controladas. Nos termos do
primeiro,observadoscasosdiversosemqueomesmofenómenoocorreemcadaum
deles,deveráidentificar-secomocausaofatorcomumentretodos.Nostermosdo
segundo,observadosdoiscasossemelhantesemquenumdosdoisoresultadotem
lugarenooutronão,acausaseráofactodediferenciaçãoinicialentreambos.
NoséculoXX,oautorMaxBorn21apresentouummodelodecausalidademetafísico
cujo conceito adaptou, em grande parte, a partir das leis científico-naturais e
partindo da inspiração da corrente determinista, definiu a causalidade como a
ligação entre uma causa e um evento observável segundo os princípios da
probabilidade,cujaverificaçãopoderáserfeitadeformaorientadaparaprevisões
futuraspeloobservadorcasoestereúna,apartirdefonteconfiávelecredível,um
númerodedadosnecessárioesuficienteparatalprevisão.
21EmNaturalPhilosophyOfCauseAndChance,na2ªediçãodaAndesitePress,de2017,naspáginas36a58.
24
Também jánesse século,o filosofoBertrandRussell22, apresentouadefiniçãode
causalidadeatualmenteaceitedeformageneralizadanestasuadisciplina;também
inspiradopelopensamentodefundamentodeterministaereconhecendooconceito
decausalidadecomoumanecessidadecategóricadopensamentohumano,afirmaa
sua verificável presença comoregraa priori segundo a qual a ocorrência de um
evento inicial, de forma teórica, prevê necessária e causalmente um evento
posterior.Assim,defende,acausalidadeéumacategoriadopensamentosemaqual
nenhuma ciência racional seria possível ou praticável, já que a existência e o
reconhecimentodasrelaçõescausa-efeitoentreacontecimentosservedepontode
partida,bemcomodejustificação,atodoopensamentológicoemetódico.
3.2.ACAUSALIDADE:CONCEITOJURÍDICO
A partir do estudo da importante inovação conceptual, assim como das
contribuiçõescientíficasefilosóficas,constituídapelanoçãodecausalidade,estão
reunidas as condições ideais para a apreciação desta como conceito jurídico
estruturanteecentralnaanálisedatipicidadeobjetiva,essencialemrelaçãoauma
dasformasderealizaçãodotipoincriminador.Naverdade,enquantooscrimesde
mera atividade, ou crimes formais, são consumados de forma direta e singular
atravésdaprópriacondutadoagente,semqualqueroutraexigênciaadicionalao
níveldo tipo, já emrelaçãoa todosos crimesmateriais, tambémdesignadospor
crimesderesultado,ésemprenecessárioqueseobserve,apósecomoconsequência
daatividadedoagente,aocorrênciadeumevento lesivo,daquelaautónomo,em
termostemporaiseespaciais,constituindo-seoresultadomaterialcomo“elemento
dotipodeilícito”23.
Destemodo,acondutadoagenteeoeventoefetivamenteverificado,sendoestea
lesãodobemjurídicoemapreçoou,emmenorgrau,aameaçadasualesão,nocaso
dos crimes de perigo concreto, são categorias conceptuais distintas, cuja dual
22EmOurKnowledgeoftheExternalWorldasaFieldforScientificMethodinPhilosophy,na3ªediçãodaCornellUniversityLibrary,de2009,naspáginas179e195. 23 Expressão do Professor Américo Taipa de Carvalho, em Direito Penal, Parte Geral, QuestõesFundamentaisdeTeoriaGeraldoCrime,na2ªediçãodaCoimbraEditora,de2008,napágina301.
25
existênciaéexigidanaconsumaçãodetodososcrimesmateriaiseparaorespetivo
desvalorjurídicodoresultadoverificado,paraalémdodesvalordaprópriaaçãodo
agente.
Comojáapresentadoejustificado,aformaespecíficaderealizaçãodotipoatravés
de factoomissivonãoéobjetonempertenceaoescopodapresenteDissertação,
opçãoquesetomoucomoobjetivodepermitirqueainvestigaçãodasidentificadas
problemáticas em sede de imputação objetiva seja aprofundada de forma mais
exaustiva e atenta relativamente aos crimes em que há comissão por ação, por
pessoas singulares, ao invés de pretender alargar-se apenas na sua extensão,
abrangendotodasascategoriasdeestudopossíveis.
TendoemcontaoprincípiodasubsidiariedadedoDireitoPenaleoseucoroláriode
queesteapenasdisciplina comportamentoshumanosevoluntários, temosqueo
estudodaimputaçãoobjetivaéessencialparaquepossamserapuradostodosos
requisitosexigíveisparaque sepossaafirmarqueumdeterminadoresultado foi
produzido por uma ação concreta, funcionando juridicamente os critérios da
imputaçãoobjetivadepontedeligaçãojurídicaentreaaçãodoagenteeoresultado,
resultadoessequeapenaseporcausadonexodeimputaçãoobjetivaestabelecido
sepodeatribuirjuridicamenteàcondutainicialdoagente.
Assim,torna-senecessáriaumaoperaçãomentaldeduplaverificação:emprimeiro
lugar, verificando se o resultado efetivamente se chegou a produzir de forma
completanomundoexterior,oquenãoacontece,nomeadamente,noscasosdemera
tentativae,sóapósessaconfirmação,constatandoseoresultadoproduzidodeverá
serjuridicamenteatribuídoàaçãodoagente.
Nesse primeiro nível dogmático, a atribuição é feita através do conceito da
causalidade.
Oconceitocientífico-naturaldecausalidade,emdestaquenoestudodosubcapítulo
anterior, deverá assim funcionar como a categoria base da imputação objetiva e
requisito mínimo desta, em termos iniciais, devendo a conexão da conduta ao
26
resultadoseranalisadaatravésdamáximadeque“aaçãoháde,pelomenos,tersido
acausadoresultado24”.
Paralelamente, para além de funcionar como sua “fundação teleológica" 25 , a
causalidade naturalística serve também de limite inultrapassável à imputação
objetiva.Talcircunstâncianãoseconstitui,detodo,comoafirmaçãoparadoxaluma
vezquenãoserácontrárioafirmaroseucarácterdepatamarmínimoexigívelde
imputaçãoede,simultaneamente,fundaçãodesentidovalorativomáximodesta,já
que, através do chamamento e aplicação da noção de causalidade à temática da
imputaçãoobjetivaemDireitoPenal,estaoperatantocomosuabasefundacional,
como sua baliza delimitadora, dando corpo e justificação primária à imputação
objetivae,aomesmotempo,edeformacategórica,impedindo-adeavançarpara
alémdoconteúdojurídicodaqueleconceito.
Ultrapassadooperíodohistórico26emqueaimputaçãodeumeventoaumagente
era feita, exclusiva ou quase exclusivamente, com base em superstições e
misticismoseatravésdaaplicaçãodejuízosfalaciosos,autilizaçãodacausalidade
na análise da imputação objetiva apresenta-se como passo essencial e
transformadornoâmbitodaestruturaclassificativadeumaaçãocomocrime,sendo
apenasdepois,sobreos fortesalicercesda confirmaçãoda tipicidadeobjetivada
açãodoagente,queoexamedetodasascategoriasposterioresrelativasaatribuição
subjetiva, ilicitude, culpa e punibilidade poderá, de forma lógica e coerente, ser
efetuado.
24ExpressãodoProfessorJorgedeFigueiredoDias,emDireitoPenal,ParteGeral,TomoI,na2ªediçãodaCoimbraEditora,de2007,napágina322.25 Tal como determina o autor alemão Richard Honig, em Causalidade e Imputação Objetiva, emHomenagemaReinhardvonFrank,porocasiãodoseu70ºaniversárioem1930,daEditoraMohr,naspáginas173e174. 26DescritoeanalisadonoCapítulo2destaDissertação.
27
3.2.1.ATEORIADASCONDIÇÕESEQUIVALENTES
a)AFORMULAÇÃODACONDITIOSINEQUANON
Ateoriadascondiçõesequivalentesconstituiaprimeiraformulaçãoteóricadeum
critériogeraldeimputaçãoobjetivabaseadanoconceitodecausalidade.
PropostapelosautoresJuliusAntonGlasereMaximilianVonBuri27,foiintroduzida
nopanoramajurídicoeuropeuemmeadosdoséculoXIX,definindo,nosseustermos,
como causa de um evento todas as condições essenciais à sua ocorrência.
Adicionalmente, sendo o resultado produzido encarado como um todo uno e
singular, não repartível, todas as condições devem ser entendidas em pé de
igualdade,ouseja,nãosósãocausastodasascondiçõesnecessáriascomosãocausas
demesmonível,grauepesojurídico.
De acordo com a sua formulação, de forma a poderem ser determinadas as
condiçõesditascausais,deveráserefetuadoumjuízodeeliminaçãonosseguintes
termos:tomandocomopontodepartidaoresultadoefetivamenteverificado,deve
olhar-seopassadoeobservarquaisascondiçõesabsolutamentenecessáriasparaa
verificação daquele evento lesivo, eliminando cada uma de forma singular e
constatandose,emcadacircunstância,oresultadoteria,aindaassim,ocorrido.Se
nãosepuderafirmarcomcertezaqueaocorrênciaterianamesmatidolugar,tal
significaqueessacondutaéumaconditiosinequanondaqueleresultado,istoé,uma
condição causal relevante para efeitos de imputação objetiva, implicando, assim,
umaconvergênciaquasetotalentreasnoçõesdecausaede“condiçãosemaqual
não pode ser”, para efeitos do estabelecimento donexo de causalidade nos seus
termos.
Areferidaconvergênciaresultantedaaplicaçãodateoriadaconditiosinequanon
nostermosdescritos,comomáximaúnicadaimputaçãoobjetivaemDireitoPenal,
apresenta vários problemas, sendo alvo do que acreditamos serem justificadas
críticas:
27Na obraÜber KausalitätUnd Deren Verantwortung, consultada na 6ª reimpressão da University ofMichiganLibrary,de1987.
28
i.Aoafirmarcomocausadeumresultadotodaacondiçãoessencialàsuaocorrência,
esta teoria sempre irá trazer à colação todas as condições, mesmo as mais
longínquaseafastadas,verificadasnoprocessocausal,peloque,comoconsequência
lógica desta circunstância, por mais distante, temporal e espacialmente, que se
encontre tal condição, esta será ainda assim relevante em sede de imputação
objetivadesdequenecessáriaparaaproduçãodoresultadoverificado,nãoobstante
as possibilidades concretas de a relação de causalidade se dever considerar
interrompida.Estacríticamantém-semesmoqueexcluídosdoseuâmbitorelativo
àsuaexcessivaextensãoteórica,juízosimprocedenteseincoerentescomoescopo
doDireitoPenalcomoosderegressãoinfinitaquelevam,porexemploàimputação
deumresultadoaosascendentesfamiliaresdoagente.
ii. Ométodo de aplicação desta teoria, através da subtraçãomental de todas as
condições e verificação de quais as que se apresentam como absolutamente
essenciaisparaaproduçãodoresultado,nãoéumsistemadotadodecapacidadede
aplicaçãogeraleabstrataemrelaçãoatodasasdiversasproblemáticasinerentesàs
questões da causalidade, não tendo aplicação satisfatória, nomeadamente, nas
situaçõesemqueseobserveaexistênciadeconcursodecausas,querseapresente
estenosseustermosreais,quercomodeformaaparenteouvirtual.
Naverdade,ométododa supressãomentaldepara-se com fortesdificuldadesna
obtençãoderespostaprecisaecerta,necessáriaàresponsabilizaçãodequalquer
agenteemDireitoPenal,umavezque,baseando-seaaplicaçãodestenacolocação
dapergunta“senãosetivesseverificadoaexistênciadestacondição,oeventoteria
aindaassimocorridodaquelaforma?”edeparando-seojulgador,porexemplo,com
a existência de um resultado e com a verificação de dois ou mais cursos de
causalidade que decorreramparalelamente e com aquelemesmo fim, ou com a
circunstânciadeumprocesso lesivo iniciadoporumagenteterporoutro,ouaté
pelamãodaprópriavítima,sidoperturbadodeformadiretaduranteoseudecurso,
ojuízomentaldesubtraçãológicanãosereputacomosuficienteparaaacomodação
detaiscircunstânciasnoâmbitodasuaanálisedeimputaçãoobjetiva,anteslevando
ajuízosexcessivoseinsatisfatórios28.
28TemasdesenvolvidoseemdestaquenosCapítulos5e7destaDissertação.
29
iii.Nassociedadesatuais,inseridasnumcontextodeglobalizaçãoediversificaçãode
riscosparaosbensjurídicos,àverificaçãodeacontecimentoslesivosestão,cadavez
mais, associados processos de causalidade difusa e dispersa por vários níveis
contributivos,bemcomoanecessidadede imputaçãoderesultadosproduzidosa
entes coletivos, em particular, em campos como a ciência genética e a ciência
ambiental.Aatribuiçãotípicaoperadaatravésdateoriadaconditiosinequanonnão
oferecesegurançajurídicanoestabelecimentodeumnexodeimputaçãoobjetiva
nasquestõesinerentesaestetipodesituações,demonstrando-seaextensãológica
doseuâmbitoteórico,quandoconfrontadacomosriscosdifusosemultinivelados
que, numa sociedade global, podem contribuir para a ocorrência de um
acontecimentolesivo,inadequadaparaaobtençãodeconclusõesclarasesuficientes
relativamenteà singularizaçãode causaseagentes,paraefeitosdesuaposterior
responsabilização.
iv.Aoafirmarcomocausadeumresultadotodasascondiçõessemasquaisestenão
seteriaverificado,ateoriadaconditiosinequanon,emtermosextremos,acabapor
levaro julgadoraumaaplicaçãodeargumentaçãocircular, incorrendoemjuízos
tendenciososdepetiçãodeprincípio,pressupondologoainícioaquiloqueapenas
no final poderia vir a concluir, através de uma comprovação metodológica da
existênciadeumnexocausal,paraefeitosdeimputaçãoobjetiva.
b)ACONDIÇÃOEMCONFORMIDADECOMASLEISDANATUREZA
Faceaestascríticas,aaplicaçãodateoriadascondiçõesequivalentesfundadano
conceitodaconditiosinequanon,nostermosanteriormenteexpostos,foi,noinício
do século XX, adaptada pelo autor alemão Karl Engisch na sua obra de 1931,A
Causalidade como Característica das Infrações Penais 29 . Subsequentemente, em
finaisdoséculoXX,osautoresalemãesHans-HeinrichJescheckeThomasWeigend,
em obra conjunta 30 , completaram o trabalho iniciado por aquele autor, desta
29Volume1publicadoeditoraalemãMohr,na1ªediçãode1931.30TratadodeDerechoPenal,ParteGeneral,naediçãoespanholadaeditoraCOMARESde2003,naspáginas50a78.
30
evoluçãoresultandoaproposiçãodeumateoriadascondiçõesequivalentesjánão
exclusivamentesuportadapelométododesubtraçãoteóricadecadacondição,mas
antesregulamentadapornovocritério,odaconformidadedacondiçãoemapreço
comasleisdanatureza.Destemodo,umaaçãodeveserconsideradacomocausade
umresultado,assimseestabelecendoarespetivaimputaçãoobjetiva,se,analisadas
deformaintuitivaasleisnaturaiseoscritériosdaexperiênciahumana,severificar
queaaçãoemapreçonormalmentesurgeassociadaàqueleresultadoespecífico,no
caso,oeventolesivoproduzido.
Não obstante a sua evolução, a teoriadas condições equivalentes, nestes termos
configurada, mantém ainda o carácter excessivamente abrangente das suas
soluções, agravadodesta feitapela introduçãode inadmissívelgraude incerteza,
associado ao referido procedimento de intuição com base nas leis naturais, na
observaçãoda relaçãoentre aaçãoeo resultado, sendoqueosdados científico-
naturaisnecessáriosparaempregardeformasatisfatóriaestametodologianãosão
qualitativa ou quantitativamente suficientes para a análise das relações de
causalidade em panoramas jurídicos como os característicos das sociedades
atuais31.
c)ACONDIÇÃOGLOBALSEGUNDOASREGRASDAESTATÍSTICAE
DAPROBABILÍSTICA
Aindaperanteocaráctermanifestamente insuficientedoconceitodecausalidade
obtidoapartirdeummodelodeimputaçãoobjetivacomoodescritoemb),jáno
século XXI, a jurisprudência alemã, com destaque para o juiz do Tribunal
Constitucional Federal alemão Winfried Hassemer, e alguns autores espanhóis,
particularmenteFranciscoMuñozConde32,têmvindoareconstruiressecritériode
imputaçãoobjetiva,substituindoaaplicaçãodoconceitodecondiçãoconformeàs
31Talcomocríticaiv..apresentadaemrelaçãoàteoriadascondiçõesequivalentes,combasenaformulaçãodaconditiosinequanon.32NaobraTeoríaGeneraldelDelito,na4ªediçãodaEditorialTirantLoBlanch,de2007,naspáginas124a136
31
leis naturais pelo de uma condição global, conforme às regras estatística e
probabilísticas33.Nostermosdestaformulação,ocaráctercausaldarelaçãoentre
umaaçãoeumresultadodeveráserdeterminadocomapeloàestatísticaeàsregras
deprobabilidade, apenas sedevendoafirmaronexocausal sea açãoem apreço
surgirassociada,emtermosestatisticamenterelevantes,aoresultadoefetivamente
verificado.
Contundo, não se coaduna a transferência direta de meras probabilidades
matemáticas, por mais altas que estas sejam, para um Direito Penal em que o
princípioindubioproreuébasilarnoâmbitodaresponsabilizaçãodosagentes.Isto
é, embora este método permita afirmar que, num determinado caso, com uma
certezamatemáticaquasetotal,oeventolesivofoicausadopelacondutadoagente,
oespaçopercentualdeincertezaque,mesmoassim,permanecenocontextofactual
sempre deveria funcionar a favor do agente, nunca contra este, devendo antes
conduzirànegaçãodaimputaçãoobjetiva.
Deste modo, não podendo “uma comprovação probabilística de causalidade
constituirmais de que umamerahipótese de causalidade”34, e não se bastando o
DireitoPenalcommerashipóteses,ostermosemquesefundamentaestemétodo,
aplicadosemmaisesóporsi,acabamporcolapsarsobresimesmos.
Todavia,mesmo tendo em conta as referidas críticas de que é alvo, a teoria das
condiçõesequivalentes,atravésdassuasváriasiteraçõesapresentadas,mantém-se
comoumadasfigurascentraisnopanoramadaimputaçãoobjetivaemDireitoPenal,
sendo expressamente consagrada, nomeadamente, no Direito Penal brasileiro 35
determinandooartigo13ºdoseuCódigoPenalque“oresultado,dequedependea
existênciadocrime,somenteéimputávelaquemlhedeucausa.Considera-secausaa
açãoouomissãosemaqualoresultadonãoteriaocorrido”.
33TalcomoexpostopeloProfessorJorgedeFigueiredoDias,naobraDireitoPenal,ParteGeral,noTomoI,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2007,napágina326.34NaobradoreferidojuizWinfriedHassemer,na1ªediçãoespanholadaEditorialTirantloBlanch,de2012,daobraIntroducciónalaCriminologíayalaPolíticaCriminal,napágina123.35 O tema da imputação objectiva neste sistema jurídico, bem como nos sistemas de common law, éexpandidoeanalisadonoCapítulo8destaDissertação.
32
NoDireitoPenalportuguês, a aplicaçãoda teoriadas condiçõesequivalentesem
sede de imputação objetiva é, de uma forma generalizada, invocada pela
jurisprudênciaepeladoutrinaemdoisplanosessenciaiseparalelos:porumlado,
reconhecendoaimportânciaenecessidadedoconceitodacausalidadepuraemsede
deimputaçãoobjetivae,poroutro,reconhecendotambémqueeste,porsisóesem
quaisquer valorações adicionais, não é suficiente para o estabelecimento da
imputaçãoobjetiva.
Oconceitodecausalidade,emboraindispensávelaoestabelecimentoeconfirmação
darelaçãotípicaentreaaçãoeoresultado,nãosereputacomosuficiente,deforma
singular, como já apreciado, para a afirmação da imputação no nosso sistema
jurídico-penal.Contudo,faceàsuaessencialidade,sempredeveráfuncionarcomoo
primeiroescalãodeexigibilidadeemsededestamatéria,talcomoajurisprudência
portuguesatemvindoaestabelecer.
Naverdade,noAcórdãodoSupremoTribunaldeJustiçade15deMarçode2007,no
Processo07B22036,édeterminadoque“arelaçãodecausalidadeficaliminarmente
afastadaseoatonãofoiconditiosinequanon[doresultado]”,acrescentando,nesse
sentido,oAcórdãodoTribunaldaRelaçãodeLisboade14deJaneirode2004,no
Processo8421/2003-337,que“arelaçãodecausalidadeentreocomportamentoeo
evento, quer se parta da teoria da equivalência das condições, quer do critério da
condiçãoconformeàsleisnaturais,basta-secomaafirmaçãodequeaaçãoéumadas
condições do resultado, ou seja, que a ação co-causou o resultado, não sendo
necessárioqueelasejaaprimeira(ouúltima)condiçãodasuaverificação”.
Desta forma, emboraa aplicaçãoda teoriadas condiçõesequivalentes semostre
insuficiente,emtermosabsolutos,paraaresoluçãodetodasasquestõescolocadas
no âmbito da análise e estabelecimento da imputação objetiva, o emprego do
conceitodacausalidadenaturalcomopontodepartidaepedradetoqueemsedede
atribuiçãotípicaobjetiva,mantém-se,assim,comonormativamenteimprescindível.
36Disponívelemhttp://www.dgsi.pt37Disponívelemhttp://www.dgsi.pt
33
4.ATEORIADAADEQUAÇÃO
Identificandoanoçãodecausalidadenaturalcomooseupontodepartidainicial,a
teoria da adequação, também designada por teoria da causalidade adequada,
introduz umnovo e necessário nível normativo no entendimento e aplicação da
causalidadeaoDireitoPenal,comofundamentodaimputaçãoobjetiva.
Naverdade,aocontráriodateoriadascondiçõesequivalentes,comfuncionamento
a partir de umabase exclusiva de observação dos acontecimentos naturalísticos
concretos,ateoriadacausalidadeadequadaéformuladacomoumcritériogerale
abstrato de imputação objetiva, não se bastando com a real existência de uma
relação de causalidade natural. A presença de um nexo de causalidade concreta
entre a ação e o resultado é uma exigência inicial e pressuposto efetivamente
necessário,masnãosuficiente,para,semmais,afirmara imputaçãoobjetivacom
base nesta teoria, sendo depois imprescindível que a relação causal possa ser
confirmadaatravésdocritériojurídicodaadequação.
Oconceitonormativodaadequaçãoeasuaaplicaçãoàproblemáticadaimputação
objetivaconstituem-secomoumainovaçãofundamental,representandoestauma
mudançadeextrema importânciaemrelaçãoaoanteriorparadigma.Nos termos
desteconceito, “paraquesepossaestabelecerumnexoentreresultadoeaçãonão
bastaquearealizaçãoconcretadaquelenãosepossaconcebersemesta;énecessário
que,emabstrato,aaçãosejaidóneaparacausaroresultado,ouseja,queesteseja
umaconsequêncianormaletípicadaquela”38.
DeacordocomoAcórdãodoTribunaldaRelaçãodeLisboade14deJaneirode2004,
no processo 8421/2003-3, referenciado no anterior Capítulo, “a relação de
causalidadeentreocomportamentoeoevento,quersepartadateoriadaequivalência
dascondições,querdocritériodacondiçãoconformeàsleisnaturais,basta-secoma
afirmaçãodequeaaçãoéumadascondiçõesdoresultado,ouseja,queaaçãoco-
causouoresultado,nãosendonecessárioqueelasejaaprimeira(ouúltima)condição
dasuaverificação”39.
38EmLiçõesDireitoPenal,ParteGeralI,deManuelCavaleiroFerreira,na4ªediçãodaVerbo,de1992,naspáginas201e202.39Disponívelemhttp://www.dgsi.pt
34
Todavia,observadaeagorarealçadaacontinuaçãotextualdoreferidodocumento
jurisprudencial, verifica-se continuar este acrescentando, imediatamente de
seguida,que“afirmadaarelaçãodecausalidade,háqueaveriguarseaimputaçãodo
resultadodeveserexcluídapeloscritériosdaadequação”.
Destaforma,enquantoquenostermosdateoriadaconditiosinequanontodasas
condições contributivas têm omesmo valor, afirmando-se como causa qualquer
condiçãonecessáriaparaaproduçãodoresultadoesemoqualestenãoteriatido
lugar, nos termos da teoria da adequação só se constitui como uma causa
juridicamente relevanteparaefeitosde imputaçãoobjetivaàação, aquelaque se
apresentecomoumacontecimentoque,deacordocomaexperiênciacomum,seja
emabstratoadequadoaproduzirtalresultadoespecífico,surgindoassimessecomo
umaconsequêncianormal,típicaeexpectáveldaquelaação.
Não é que a teoria da adequação funcione ou pretenda funcionar, em termos
dogmáticoseevolutivos,comoumcritériodesubstituiçãodateoriadascondições
equivalentes,antesconstituindooquecremosserasuacorretaevoluçãonormativa,
comintençãodecomplementarizaçãoeaprofundamentodoseusignificadojurídico,
tendo em conta os princípios estruturantes do Direito Penal. O conceito de
causalidadeéelevadoevalorizadoatravésdaexigênciaadicionaldeumcarácterde
idoneidadeedeprevisibilidadedoscomportamentosedassuasconsequências,que
vêm assim acrescer à necessidade de verificação da relação de causalidade pura
entreaaçãoeoresultado.
Paraquecombasenestateoriasepossaestabeleceraimputaçãoobjetivaentrea
condutaeoeventoefetivamenteproduzidonãobastaassimaexistênciadeumnexo
causalentreambos,sendonecessárioque,apriori,oresultadoseapresentasse,de
forma abstrata, como objetivamente previsível como consequência da conduta,
apenasseclassificandocomojuridicamenterelevanteacausaque,deacordocoma
experiênciageral,sedemonstreadequadaàproduçãodaqueleresultado.
NaspalavrasdoAcórdãodoTribunaldaRelaçãodeCoimbrade16deJulhode2008,
no processo 46/04. 0GTLRA.C1, “torna-se imprescindível apurar se, tomadas em
contatodasascircunstânciasconhecidasdoagenteeasmaisqueumhomemnormal
35
poderiaconhecer,aaçãosemostrava,àfacedaexperiênciacomum,comoadequada
àproduçãodoreferidoevento,havendofortesprobabilidadesdeooriginar”40.
Tomandocomopontodepartidaanoçãodecausalidadesimples,nosentidodeque
entreaaçãoeoresultadodevaexistirumarelaçãocausalsegundoasleisnaturais,
éposteriormenteintroduzidopelocritériodaadequaçãoaexigênciadapresença,
na relação causal, de um fator de idoneidade expressa, isto é, partindo de uma
perspetiva geral, aquela do chamado homemmédio comum, para que se possa
afirmaraimputaçãoobjetiva,aaçãotemdeseràpartida,edeformainicialmente
previsível, apta a produzir o resultado específico, que depois efetivamente se
verifica, não sendo assim suficiente que a ação tenha sido causa concreta do
resultado; énecessário, em termosobjetivos,queaação seja causaadequadado
resultado,apresentando-seestecomoaconsequênciaprevisíveleprováveldaquela.
Assim,“afirmadaarelaçãodecausalidade,importadepoisaveriguarseaimputação
objetivadeve ser excluídapelo critérionormativodaadequação,mantendo-se seo
resultado verificado surgia ex ante como previsível e não constituindo ocorrência
anómala ou rara”, tal como estabelecidono Acórdão do Tribunal da Relação de
Lisboade14deJaneirode2004,noprocesso8421/2003-3441.
Destaforma,aaplicaçãodateoriadaadequaçãoparaestabelecimentodaimputação
objetivaemDireitoPenalrequersempreaobservaçãoeoestudodedoisplanos
sucessivos: por um lado, a conformidade com as leis naturais da verificação do
resultadofaceàcondutadoagente,numprimeiroplanonaturalístico,relativoaos
factosconcretos,istoé,aconfirmaçãodequeexisteumarelaçãodecausalidadedita
puraentreosdoiseventosverificadose,sódepois,afirmadaestaconformidade,é
que,atravésdocritériodaadequação,jánoplanonormativo,sedeveapreciarseera
objetivamente previsível, em termos gerais, que aquela relação causal se
concretizasse daquela forma, ocorrendo tal resultado como consequência da
condutadoagente.
40Disponívelemhttp://www.dgsi.pt41Disponívelemhttp://www.dgsi.pt
36
A teoria da adequação foi criada e pela primeira vez apresentada comomodelo
jurídicode imputação objetiva em finais do séculoXIX, naAlemanha, pelo autor
Johannes Adolf von Kries 42 . Embora a extensa obra deste autor, psicólogo de
formação,secentre,maioritariamente,nocampodaPsicologiaFisiológica,istoé,“a
neurociência comportamental que estuda os mecanismos da perceção e do
comportamento através da manipulação direta da mente de sujeitos por meio de
experiências controladas” 43 , também contribuiu este, através dos trabalhos que
publicou, de forma inegável e bastante valiosa, para o desenvolvimento de
modernos conceitosessenciais aoDireito, atravésdos seusestudosno campoda
probabilidadeedasfundaçõespossibilísticasdacausalidadehumana.
Adefiniçãodecausaadequada,simultaneamentebaseadanacapacidadenaturale
humanadegerirecontrolarosprocessosnaturalisticamentecausaisenoprincípio
dequeaimputaçãodeumresultadoaumaaçãosóseapresentaráobjetivamente
justificadaseaqueletiversurgido,abstratamente,comoumaconsequênciaprovável
e necessariamente esperada desta, foi inovação deste autor. Este conceito, que
rapidamente foi aceitee aproveitadopela jurisprudênciaeuropeia, com iníciona
EuropaCentraleposteriorextensãoaorestantecontinente,ganhourápidatração
aplicativaeapoiodoutrinaltambémfaceànecessidadeevácuosentidosquantoà
imputaçãoobjetivarelativamenteaoscrimesagravadospeloresultado44.Quantoa
estetipodecrimes,emresultadodaaplicaçãodateoriadascondiçõesequivalentes,
qualificandoestacomocausatodaacondiçãosemaqualoresultadonãotivessetido
lugar,eramestabelecidosnexosdeimputaçãoobjetivatotalmentedesproporcionais
emrelaçãoàscondutasemapreço,acrescendoaindaaestefactoacircunstânciade
osgrausdeculpanãoseremaindatidosemconta,nessaaltura,deformaabsoluta,
aquandodapenalizaçãodestescrimes,porcomparaçãocomoatualquadropenal
emqueérequisitonecessárioaverificaçãodocometimentopeloagentedocrime
inicialatítulodolosoedocrimeconsequenteatítulonegligente.
42 Na sua obra Sobre o Conceito de Possibilidade Objetiva e Algumas Aplicações do Mesmo, de 1889. 43EmBiopsicologia,deJohnP.J.Pinel,2004,na9ªediçãodaPearson,de2013,napágina12344TalcomoindicadopelaProfessoraHelenaMoniz,emAgravaçãopeloResultado?-ContributoparaumaAutonomizaçãoDogmáticadoCrimeAgravadopeloResultado,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2009,naspáginas132a135.
37
A invocação e aplicação da teoria da causalidade adequada permitiu proceder à
necessáriacorreçãodestetipodesituações,sendoque,emPortugal,estateoriaé
adotada de forma expressa, encontrando-se consagrada tanto positiva com
negativamente,istoé,tantoatravésdasuaformulaçãopositiva,maisalargada,como
atravésdaformulaçãonegativa,maisrestrita.
Naverdade,aformulaçãopositivaencontraoseuâmbitodeaplicaçãoeexpoente
máximonoDireitoPenal,nostermosdoprincípiogeraldonúmero1doartigo10º
doCódigoPenal,quedispõeque“quandoumtipo legaldecrimecompreenderum
certoresultado,ofactoabrangenãosóaaçãoadequadaaproduzi--locomoaomissão
daaçãoadequadaaevitá-lo,salvoseoutraforaintençãodalei”.
Estediplomaconsagradiretaepositivamenteateoriadaadequação,combasena
noçãodequedeveráserafirmadaaimputaçãoobjetivaentreoresultadoeaconduta
do agente sempre que se verifique a existência de uma relação causal adequada
entreosdoiseventos.
Numaoutraperspetiva, segundoa formulaçãonegativadesta teoria, “o factoque
atuoucomocondiçãododanodeixadeserconsideradocomocausaadequadaquando
para sua produção tiverem contribuído definitivamente circunstâncias anormais,
excecionais,extraordináriasouanómalasquetenhamintercedidonocasoconcreto”,
talcomodeterminaoAcórdãodoSupremoTribunalde Justiçade01de Julhode
2003,noprocesso03A190245.
Defacto,aleicivil,noartigo563ºdoCódigoCivil,adotouaformulaçãonegativada
teoria, partindo esta da afirmação inicial da existência de uma relação causal e
implicandodepoisa averiguação relativamentea se,no caso concreto, a açãodo
agente“apenassetornoucausadodanoefetivamenteverificadoporcircunstâncias
extraordinárias, sendo na natureza geral dos acontecimentos normalmente
indiferenteparaaproduçãodaqueledano”46,casoemqueaimputaçãonãodeverá
serafirmada,oquesignificaque“namodalidadenegativa,prescindindo-sedanoção
deprevisibilidade,deimediaçãoouexclusividade,umfactoqueatuacomocondiçãosó
45Disponívelemhttp://www.dgsi.pt46DasObrigaçõesemGeralI,doProfessorJoãodeMatosAntunesVarela,na9ªediçãodaAlmedina,de2017,naspáginas743a744.
38
deixarádesercausadodanodesdequesemostreporsuanaturezadetodoinadequado
e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou
excecionais”,nostermosdoquedeterminaAcórdãodoSupremoTribunaldeJustiça
de18deDezembrode2013,noprocesso1749/06.0TBSTS.P1.S147.
Aformulaçãopositiva,normativamentemaisamplafaceaoseucarácterobjetivode
procuradeafirmaçãodaimputação,enãodefatoresmotivadoresdasuaexclusão,
é, como se disse, a solução legal consagrada do Direito Penal Português. Assim,
apenasdevendoserestabelecidaessaatribuiçãotípicanoscasosemque,apriori,a
conduta do agente se apresente como adequada a produzir aquele resultado, o
funcionamentoprático-normativodestecritérionecessitaderecorreraummétodo
específico para a aplicação do seu critério normativo aos factos concretos,
verificados no plano naturalístico. Esse método é o juízo de prognose póstuma,
tambémdesignadocomojuízoexante.
ComodispõeoAcórdãodoTribunaldaRelaçãodoPortode28deJunhode2000,no
processo0040170,“aprevisibilidadeemconcretodarealizaçãodofactosósepode
afirmarquandoesteeraconsequênciatípica,normalouadequadadacondutalevada
acabopeloagente”48,peloque,paraquesepossadeterminarseeraprevisível,a
início, que aquela conduta conduzisse à produção do evento lesivo efetivamente
verificado,énecessárioprocederaumaoperaçãomentalderetrocessoàscondições
iniciaiseprimáriasdoagentenomomentoemqueestepraticouaação,deformaa
poderseranalisadoocarácterdeprevisibilidadeeadequaçãodaproduçãodeuma
cadeiadeeventos,iniciadapelareferidacondutadoagente,daqualvemaresultar,
no final,oacontecimento lesivodobemjurídico.Paratal,necessitao julgadorde
realizar a uma “viagem no tempo”, voltando atrás e colocando-se nas mesmas
condiçõesecomosmesmoconhecimentoscomqueoagenteseencontravamunido
noprecisomomentodapráticadaação,paradepoisavaliarse,nessestermosede
uma forma geral, seria razoavelmente de esperar que o resultado assim se
materializasse.
47 Disponívelemhttp://www.dgsi.pt 48Disponívelemhttp://www.dgsi.pt
39
Arazoabilidadenecessáriaparataléaquelaquepoderiaserexigidaaodenominado
homemmédiocomum,oquetraduzamedidageraldaexperiênciapráticaedosenso
comum,funcionandocomodenominadormáximodoquenecessariamentepodiaser
exigido a qualquer agente, de forma suficiente, naquela situação. Destemodo, a
referidaviagem temporal teráainda semprede ser feita comesta “bagagem”;de
forma a confirmar se deverá ser feita a imputação objetiva entre o resultado
verificadoeaaçãodoagente,ojulgadorterádeolharparaopassado,pormeiode
umaprognosequeéassimpóstuma,porquerealizadaapósaocorrênciadosfactos,
paratalutilizandoosconhecimentoseascondiçõesintelectuaisedaexperiênciade
umcidadãocomum,casoesteseencontrassenasmesmascircunstânciasconcretas
daqueleagente.
Aidoneidadeabstratadaaçãodoagenteparaproduziroresultadoemapreçonão
deverá por isso ser enquadrada em termos absolutos, sendo que essa
previsibilidade concreta deve ser determinada “pelas regras da experiência dos
homens ou, até, nalguns casos, pelas regras da experiência de um certo tipo de
profissionaldehomem”49.
Acresce-sequenãoéafirmaçãoparadoxalaindicaçãodequeojuízonecessáriopara
aplicação da teoria da adequação é um juízo ex ante ou um juízo de prognose
póstuma;porumladoéexante,ouseja,edeformaliteral,umjuízo“doantes”,uma
vezqueénecessárioaojulgadorobservarapenasascondiçõesconhecidasnaaltura
e naquelas circunstâncias pelo agente, não empregando os conhecimentos já
necessariamente obtidos após a verificação do evento (ex post). Por outro lado,
estando o resultado já verificado, num plano espácio-temporal passado, é
necessário, postumamente à sua ocorrência, voltar atrás, ao contexto
correspondenteaoiníciodoenquadramentocircunstancialdoseventosverificados,
eefetuarumaprognose,istoé,umprognósticosobreseeraounãorazoavelmente
previsívelenormalquedacondutapraticadasobreviesseoeventolesivoemapreço
e que, no momento presente, se tem já conhecimento de que efetivamente se
verificou.
49TalcomooProfessorEduardoCorreiadeterminanasuaobraDireitoCriminalI,na3ªreimpressãodaAlmedina,de1971,napágina426.
40
Adicionalmente, na avaliação da adequação da ação do agente para a produção
daqueleresultado,pelojuízodeprevisibilidadeexanteouporprognosepóstuma,
atravésdamétricadohomemmédiocomum,temtambémdesertidaemcontaa
possibilidadedeexistênciadeconhecimentosindividuaiseespeciaisporpartedo
agente.Estesserãoconstituídosportodososconhecimentosadicionais,paraalém
daqueles que correspondem ao denominador comum da experiência geral do
homem,queumagenteespecíficoefetivamentepudesseternassuascircunstâncias
concretas, nomeadamente face à sua relação com a vítima ou possíveis
conhecimentos científicos detidos, já fora do plano de senso comum geral,
conferindoaoagenteuma“vantagem”criminosaemtermosdeprocuraeobtenção
doresultado.
Assim, a teoria da adequação, embora partindo do conceito de causalidade
naturalísticaparafundamentarasuaformulação,possuindodessaformaumasólida
fundação factual, aplica no estabelecimento da imputação objetiva, método
valorativonormativamentefundamentado,fortalecendooseuescopoelegitimando
juridicamenteosresultadosdasuaaplicação.
Naverdade,edeformaesquematizada,paraaanálisedanecessidadenormativade
estabelecimento da atribuição típica através desta teoria, deve proceder-se da
seguinteforma:
1. Noprimeiromomento,aconfirmaçãodaexistênciadeumarelaçãocausal
nocasoconcretoentreacondutadoagenteeoresultadoverificado,ainda
semvaloraçãojurídica;
2. Nosegundomomento,apósaconfirmaçãodaexistênciadarelaçãocausal
concreta que liga aaçãodoagente aoevento lesivo, aobservaçãodesse
nexocausalatravésdocritériodaadequaçãoabstrata,averiguandoseera
previsível,típico,normalenãoextraordinárioqueoresultadosurgissepor
efeitodaconduta.
41
Deste modo, para possibilitar a averiguação relativa à previsibilidade típica do
resultado,temojulgadorderecorreràsregrasdaexperiênciageral,nãopodendo
serexigívelaoagentenemmaisnemmenosdiligênciasdeprevisãodoqueasdo
referidopadrãomédio,derivadodosensocomumhumano.Adicionalmente,jánão
num plano abstrato mas ainda normativo, têm ainda de ser analisadas as
circunstânciasprópriaseindividuaisdoagente,relativasàeventualexistênciade
conhecimentos especiais deste, que lhe possibilitassem efetuar um prognóstico
objetivode concretizaçãodo resultadomaisalargado, sendoque, afirmadaa sua
presença, deverão esses conhecimentos ser adicionados aos que traduzem e
representam o senso comum geral, traduzindo este de forma geral o que seria
razoávelesperarqueacontecenumasituaçãodaqueletipo,faceàcondutapraticada.
Assimexpostaseanalisadasaevoluçãohistórica,aconsagraçãolegaleométodo
de aplicação e funcionamento da teoria da adequação, cumpre proceder à sua
apreciaçãocrítica,nomeadamenteatravésdaobservaçãodasquestõesinvocadas
por parte da doutrina relativamente aos termos da composição teórica do seu
métodoeasrespetivasconsequênciaspráticasdessascríticas.
i. Alguns autores, com destaque para o Professor Jorge de Figueiredo Dias 50 ,
invocam o facto de o âmbito de aplicação da teoria da adequação se mostrar
insatisfatórioparafazerfaceatodasasatividadesessenciaisaofuncionamentode
uma sociedade globalizada, algumas das quais inerentemente perigosas. Na
realidade, a convivênciamoderna resulta na prática de condutas que implicam
verdadeiroseconcretosperigosparaosbens jurídicosprotegidosedotadosde
dignidadepenal,sendoestes,todavia,emgeralaceitespelascomunidadesporse
mostrarem socialmente necessários ao funcionamento prático e contínuo
desenvolvimentodasociedade.
Concretizandoestacrítica,sãoinvocadasatividadescomoacirculaçãorodoviária,
o transporte de substâncias perigosas, as intervenções médicas arriscadas, as
tecnologias genéticas e intervenção humana e consequente modificação dos
50 Na sua obra Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, na 2ª edição da Editora Coimbra, de 2007, na página 331 e seguintes.
42
ecossistemasnaturais.Afirmamosseuscríticosquearealizaçãodestasatividades
comporta a prática de atos que, segundo um critério de adequação e de
previsibilidade abstrata, são suscetíveis de causar lesões aos bens jurídicos
envolvidos,entrandoassimtaladequaçãoobjetivaemconfrontocomocarácter
permitidoedeaceitaçãogeneralizadadestasatividades.Talsignificaque,embora
asaçõesnecessáriasàpráticadestasatividadessejamlegalmentetoleradas,visto
seremosperigosinerentesàsuaprossecuçãoencaradoscomoessenciaisparao
seudesenvolvimento,constituem-setambémessascondutascomoobjetivamente
adequadas,tendoemcontaoexpostocritérionormativo,paracausaroseventos
lesivosque,comomaioroumenorfrequência,sempreseacabamporverificarno
âmbitodasindicadasatividades.
Nestes termos, a teoria da adequação perderia a abrangência necessária para
funcionarcomomodelonormativoglobaldeimputaçãoobjetivaemDireitoPenal,
conduzindoàafirmaçãoda imputaçãoderesultadosàsaçõescompreendidasno
âmbitodasatividadesdescritas,nãosecoadunandotalpossibilidadedeatribuição
como factode estas serempela lei permitidas, istoé, impondoa afirmaçãoda
tipicidadeobjetivade consequências lesivasdeaçõescujapráticaésocialmente
aceite e permitida pela lei e cujo impedimento por esta traria consequências
desvantajosas e impeditivas do normal funcionamento da vida integrada em
comunidade.
Emborasecompreendaovalorargumentativodestacrítica,nãosepodedeixarde
discordarcomoseualcance,recordandoque,nessescasos,desdequeasaçõesem
apreço sejam praticadas com o cuidado devido e exigível pelos seus próprios
campos práticos, sempre se encontrarão em falta, em princípio, os elementos
necessários à afirmação da imputação subjetiva, não se podendo observar
verificadoodesvalordaação.
TalcomodeterminaoProfessorManuelCavaleirodeFerreira51, “pertencendo o
desvalorderesultadoeodesvalordeaçãoaoilícito,semdesvalordeaçãonãohá
ilícito,emborapossahaverilícitosemhaverdesvalorderesultado”,talsignificando
que “nunca pode haver ilícito sem desvalor de ação, isto é, sem ação dolosa ou
violadoradodeverdecuidado”.
51NasuaobraLiçõesdeDireitoPenal,ParteGeralI,ALeiPenaleaTeoriadoCrimenoCódigoPenalde1982,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2009,napágina299.
43
Embora a ilicitude constitua categoria qualificativa diversa, será importante,
mesmoassim,trazê-laàcolaçãonaapreciaçãodacríticaemanálise,vistoque,tal
como enunciado no excerto suprarreferido, para que uma ação possa ser
consideradailícitaestaterádeser,àpartida,penalmentedesvaliosa,sendoesse
carácteraferidoatravésdanecessidadedeafirmaçãodeimputaçãosubjetiva,nos
termos gerais do artigo 13º do Código Penal. Pense-se, por exemplo, no caso
clássico utilizado para ilustrar a crítica da suposta insuficiência dogmática da
teoriadaadequação,odeacidenterodoviárioemconsequênciadefenómenode
aquaplanagem, causando este lesões físicas a peão que se encontrava no local.
Desdequeorespetivocondutortenhacumpridoasimposiçõeslegaisdecuidado,
praticandoconduçãodiligenteedefensiva,asuaaçãonãopoderáserconsiderada
comodesvaliosa,nuncasechegandoacolocar,assim,esemmais,aquestãodasua
ilicitudefaceàinexistênciadoseudesvalorintrínseco,tornando-seaquestãoda
eventualafirmaçãodaadequaçãodeaçãoparaaproduçãodoresultadoirrelevante
noquadroglobaleclassificativodofactodoagentecomocrime,nãopodendotal
condutaserentendidacomodotadadedesvalorpenal.
ii.Indicadaétambémacircunstânciade,emboraateoriasepretendaestabelecer
comoumcritérioglobaleobjetivoparaaanálisedaimputação,pecarnoentanto
por necessariamente incluir no seu âmbito a intervenção e funcionamento de
elementos totalmente subjetivos, em particular, os possíveis conhecimentos
especiais do agente, conferindo ao critério uma vertente já fora do âmbito da
própriafiguradaadequaçãonosseustermosgerais,implicandoaintroduçãode
elementospessoaiseindividualizadoresnaaveriguaçãodaimputaçãoobjetiva.
Estaéumacríticaquenospareceválida,acrescendo-lheofactodeainclusãodeste
elementodesubjetividadedificultarasuaprovaemjuízo,vistocorresponderem
estesconhecimentosaelementospessoaisetotalmenteintelectuaisdoseuagente,
podendo, assim,nemsequer chegaraserdo conhecimentodo julgador,sempre
dependendo, todavia, da prova que destes for feita e apresentada, e sempre
considerando o princípio da livre apreciação da prova bem como o essencial
princípiodoindubioproreo.
44
iii. Acrescenta-se ainda, nos termos desta apreciação, que a velha máxima,
preconizadaporSirArthurConanDoyle,deque“Itiseasytobewiseaftertheevent”
tambémdeverá ser tidaemconta na análise e,principalmente,na aplicaçãoda
presenteteoria.
Na verdade, depois do resultado já se ter efetivamente verificado, sempre
constituirátarefateóricademaiordificuldadeanegaçãodaprevisibilidadeinicial
dasuaconcretização,sendoque,emtermosretrospetivos,circunstânciasque,no
momentopresente,seapresentamcomomaisóbviaseevidentespodiamnãooser,
damesmaforma,ainício,istoé,nomomentodapráticadoato.
Sempre se dirá, todavia, que, sendo a presente teoria constituída a partir da
normatizaçãodoconceitodeadequaçãosocial,aintervençãodamétricaglobalda
experiência,pelabitolaepadrãodohomemmédiocomum,colocadonasituação
em apreço, resolverá, em princípio, a possível tendência para o revisionismo
inerente ao pensamento humano linearmente cronológico, encaminhado o seu
discernimento analítico para os necessários termos objetivos do correto
funcionamentodateoriadaadequação.
45
5. O CONCURSO REAL DE CAUSAS NA PRODUÇÃO DO RESULTADO: A
CAUSALIDADECUMULATIVAEACAUSALIDADEALTERNATIVA
Osprocessoscausaishumanoscomrelevânciajurídico-penalpodemserdevários
tiposeassumirváriasformas,sendoque“comoonexocausaléelementodofacto
típico, a concorrência de causas é concorrência de ações na produção domesmo
resultado”52.
Umdosmaisimportantesdessescontextosdecausalidadepluraléaqueleemque
estaseestabeleceverificando-seapresençademúltiplascausasreaiseefetivasna
produçãodeumresultado,atuandoestasdeformaefetivamenteconcorrente,quer
seconfigurandoestasnumcircunstancialismodecausalidadecumulativa,querde
causalidadealternativa.
5.1.ACAUSALIDADECUMULATIVA
Verifica-se a existência de causas cumulativas nos casos em que um resultado
apenassetenhaverificadopelaexistênciaconjuntaesimultâneadeváriascausas
que,porseencontraremcombinadas,permitemamaterializaçãodoevento.
Nas palavras da Professora Fernanda Palma, existe causalidade cumulativa
quando“oevento típicoéprodutodemúltiplascausas, sendocadaumaporsi só
insuficienteparaproduziroresultado,oquepodeparalisaraimputação”53.
Destaforma,noscasosdeverdadeiracausalidadecumulativa,seapenasumadas
causas concorrentes se tivesse verificado não teria sido possível, naquelas
condições,obteroresultadoproduzido,sendoqueapenasacumulaçãofácticadas
forças conjugadas de cada ação permite a causação efetiva da ocorrência em
apreço.
52TalcomoensinaoProfessorEduardoCorreia,emDireitoCriminalI,na3ªreimpressãodaAlmedina,de1971,napágina157.53EmDireitoPenal-ParteGeral,na3ªediçãodaAAFDLEditora,de2017,napágina93.
46
Ilustraasuadefinição,o“exemplodasduasdosesdeveneno,ministradasporduas
pessoas diferentes, que atuam independentemente uma da outra, e que só em
conjunto (e não isoladamente) provocam, a morte”, tal como estabelecido pelo
AcórdãodoTribunaldaRelaçãodoPortode11deMarçode2015,noprocesso
10004/09.2TDPRT.P254.Nestestermos,apenasdasomadascondutaspodenascer
aproduçãodo evento lesivo,não tendo aquelas capacidade paraoproduzirde
formaindividualesingular.
De acordo com o enquadramento jurídico de análise da imputação objetiva
providenciado pela teoria das condições equivalentes, uma vez que ambas as
condutaspermitiramelevaramefetivamenteàproduçãodoresultadoverificado,
oresultadodeveránecessariamenteser imputadoacadaumdosagentes, tendo
todasascausasomesmovalor,combasenaformulaçãodaconditiosinequanon.
Nestesentindo,sendoquenãoteriasidopossível,nosexatosmoldesobservados,
obter tal resultado se não fosse a presença conjunta das múltiplas ações
combinadasepraticadaspelosdoisoumaisagentes,asváriascausasterãodeser
consideradas em igualmedida, comocondições essenciaisparaaocorrênciado
resultado,afirmando-seaimputaçãoobjetivadoeventolesivoemrelaçãoemcada
umadelas.
Estaé,porém,umasoluçãoexagerada,levandoàafirmaçãodaimputaçãoobjetiva
dofactoconsumadoaosagentescombasenumnexocausalassimjuridicamente
estabelecido que vai para além do escopo real da causalidade natural e fáctica
efetivamenteverificada.
Aatribuiçãodoresultadoverificadoatodasascondições,istoé,atodososagentes
decadaumadascausasconcorrentes,mesmoqueseintelectualmenteeliminada
umadas causas cumulativas não se pudesse afirmar que aquele acontecimento
teriatidolugar,naquelesprecisostermos,nãoésoluçãoaadotar.
Narealidade,asdistintasaçõesdosagentesnãoapresentavam,empiricamente,o
poder para, de forma singular, causar o resultado que veio a ocorrer, só se
concretizando este face à cumulação das múltiplas condutas, ou seja, face à
54Disponívelemhttp://www.dgsi.pt
47
conjugação cumulativa das ações praticadas, pelo que o entendimento de que,
mesmo assim, o resultado, enquanto ocorrência única e indivisível, deverá ser
imputadoacadaumdosautoresdecadaumadascausascontributivas,sendocerto
queestasnãodetinhamopoderpara,porsisó,separadamenteanalisadas,levarà
suaprodução,nãodeveráserentendidocomoconclusãojustaecorretaemsede
deimputaçãoobjetiva.
Comparativamente, através da teoria da causalidade adequada, verifica-se que,
emboranoplanonaturalístico,queconstitui,comojáanalisado,oprimeironível
de funcionamentoda teoria,possa ser afirmada a existência deumnexo causal
entre a ação de cada um dos agentes e o evento lesivo,mesmo que, de forma
individual, a contribuição dita percentual de cada um não tenha sido total e
absoluta,antesincompletaedependentedeoutraououtrascausasseguintesou
simultâneas para a produção do resultado, já no segundo plano, pelo critério
normativo da adequação e da previsibilidade, não pode a imputação objetiva
daquele resultado deixar de ser negada uma vez que a partir de cada umadas
condutas,individualmenteapreciadas,nãosepoderiarazoavelmenteesperarou
anteciparqueoresultadosurgissecomosuaconsequênciatípicaenormaldesta.
AindanaspalavrasdosuprareferidoAcórdãodoTribunaldaRelaçãodoPortode
11deMarçode2015,noprocesso identificado, tendoemcontao caso-exemplo
apresentado,“aaçãodecadaumadaspessoasqueministracadaumadasdosesserá
condição,masnãocausa(adequada)damortedavítima”55,istoé,embora,pormeio
do critério da supressãomental de fatores, não se possa afirmar que o evento
lesivo seria à mesma produzido se uma das ações fosse eliminada do
enquadramentoprático verificado, constituindo-se estas comoconditio sinequa
nondoevento,nãoé,poroutrolado,normativamenteadequadoimputaroevento
aaçõesque,emboratenhamcontribuídoparaaproduçãodoresultadoatravésda
conjugações das suas forças causais, não poderiam, de forma unitária e
inicialmenteprevisível,terlevadoàocorrênciadoeventoverificado.
55Disponívelemhttp://www.dgsi.pt
48
Destarte, para além de questões adicionais, aí já fora do âmbito da imputação
objetiva, emsedede análiseda eventual comparticipaçãocriminosa, relativasà
possível existênciade comparticipação pormeiode co-autoria entreosdoisou
maisagentesnaproduçãodoresultado,nostermosdateoriadaadequação,não
sendo possível a imputação do resultado, de acordo com a sua fundamentação
normativaepelosmotivosexpostos,ressalva-seapenas,casopresentesosdevidos
pressupostos subjetivos, a possibilidade de punição dos agentes pelo facto
tentado,oque,mesmoassim, implicaaultrapassagem,quesecrê, àpartida,de
raraedifícilverificação,doobstáculodispositivoimpostopelonúmero3doartigo
23ºdoCódigoPenal,queimpõeanãopuniçãodatentativaquando“formanifesta
a inaptidão do meio empregado”. Na realidade, as ações praticadas, que aqui
constituemomeioempregadopelosagentes,nãotendocapacidadeindividualpara
a produção do resultado, serão, por esse motivo, em princípio, inaptas para a
causaçãodo evento lesivo, tal como esteveioa ter lugar, acrescendo ainda que
sempreserianecessáriooessencialelementodolosorelativoàproduçãodoevento
lesivoefetivamenteverificado.
Consequentemente,faceàinexistênciadovínculonormativodaadequaçãoentre
asaçõeseoeventoverificado,nos termosdateoriadaadequação, a imputação
objetivadoresultadoproduzidoacadaumadascondutaspraticadasemcontexto
deconcursocumulativodecausasque,deformaconjugada,contribuemparaasua
produção,mas que não têm a capacidade concreta e individual para, de forma
tipicamente previsível, causar a produção do resultado, não deverá ser
estabelecida.
5.2.ACAUSALIDADEALTERNATIVA
Questãodiversaconstituiaproblemáticadacausalidadealternativa,circunstância
em que se observa, no caso concreto, a existência de duas causas reais, isto é,
concretizadasnoeventolesivo,que,emboratambémsimultâneaseconjuntas,tal
comonahipótese causalidadecumulativa,são, todavia, emabstratoeàpartida,
ambaspassíveis,porsisó,deconduziràproduçãodaqueleresultado.
49
Tomando o exemplo anteriormente apresentando pelo referido documento
jurisprudencial,tem-seagoraqueosdoisagentesministramduasdosesdeveneno
distintas, sem conhecimento da ação do outro, mas cada uma por si com a
capacidadelesivadecausaramortedavítima,vítimaessaquevemefetivamente
afalecer.
Ora,sendopossívelidentificar,deformacertaeespecífica,talcomooprincípioda
investigaçãodetermina,qualdascausasverificadasseconcretizouefetivamente
noresultadoproduzido,aquestãodaimputaçãoobjetivafica,nessestermosepor
essavia,definitivamenteestabelecida,devendoaoautordacausaadequadaque
efetivamente se concretizou no evento lesivo ser atribuída juridicamente a
produção do resultado, enquanto que ao segundo agente apenas resta a
possibilidadedeimputaçãodofactonasuaformatentada,desdequepresentesos
necessáriosrequisitossubjetivos.
Todavia,nãosendopossíveldeterminarcomcertezaaaçãocausadoradoevento,
porexemplo,nocasoreferido,qualdassubstânciasministradasecomcapacidade
natural e autónoma para tal levou à morte da vítima, não havendo assim
possibilidadede identificaçãoda causadeterminantedoresultadoverificadono
contextodeconcursodecausas,importaapreciarasdivergênciaspresentesnas
tentativasderesoluçãodestaquestão.
Nos termos da aplicação da teoria das condições equivalentes, a imputação
objetivaentrecadaumadasaçõeseoresultadodeveráserafirmadaumavezque,
face à dúvida sobre qual efetivamente o causou, aplicado o juízo de supressão
mentaldascondições,deacordocomoqualaimputaçãodeveráserestabelecida
desdeque,mentalmenteretiradadaequaçãofácticaconcretaumadascondições
verificadasnãosepossaafirmarqueoresultadoteriacertamenteedeigualforma
tidolugar,esteconduzàafirmaçãodanecessáriaexistênciadeumarelaçãocausal
entrecadacondutaeoeventolesivo.
Combasenocritériosinequanon,observadacadaação,peranteapergunta“teria
oresultadotidolugarsenãofosseacondutadoagente?”arespostaterádeser
negativaumavezque,estandooresultadoefetivamenteverificado,nãosetorna
possívelafirmar,deformacertaeempírica,talcomoexigidoporestateoria,que
50
este não teria ocorrido sem o facto em apreço, individualmente observado,
funcionandoassimaprópriadúvidacausalemdesfavordeambososagentes,em
sededadevidaimputaçãoobjetiva.
Assim,nãosendopossívelafirmar,deformaabsoluta,queoresultadoteriaainda
tido lugar com a supressão de cada uma das ações, todas estas deverão ser
consideradas causas, sendo afirmada a imputação objetiva e permitindo a
responsabilizaçãodeambososagentespelocrimenasuaformaconsumada.
Acreditamos que a solução apresentada pela teoria das condições equivalentes
sempre peca pelo seu raciocínio extremado, levando à afirmação da imputação
objetiva,emtermosabsolutos,comumaextensãodogmáticadesentidoque,face
aoseuexcesso,nãosepoderessalvarcomojustaoucoerentecomosprincípios
fundamentaisdeDireitoPenal.
Comparativamente, nos termos da aplicação da teoria da adequação à
problemática inerente num contexto de multiplicidade causal alternativa, a
doutrinaapresentadoistiposdesoluçõesparaaquestãocolocada.
Aindaquede formaminoritárianoquadrodoutrinalportuguês, algunsautores,
comdestaqueparaaProfessoraAnaPrata,defendemasoluçãodeque“seambas
as condições se concretizarem e se for possível concluir que o resultado tanto se
produziriaporforçadeumacomocomoporforçadeoutra,ambososagentessão
punidosporfactoconsumado”56.
Cremosqueestasoluçãoseencontraaindademasiadamenteinspiradanocritério
não normativo da teoria da condito sine qua non, não se podendo deixar de
discordardoentendimentodaexistênciadepossibilidade concretadeambasas
condições terem a possibilidade material de se concretizar no resultado. Na
realidade,emboraarelaçãoexistenteentrecadaumadasaçõeseoeventoocorrido
seja, nos termos da sua própria definição, constituída pela suscetibilidade
abstratamente adequada de cada uma das ações ter a capacidade teórica de
produção do resultado, no âmbito de um enquadramento de causalidade
56EmDicionárioJurídico,VolumeII,na2ªediçãodaAlmedina,de2011,napágina82.
51
alternativa, em que não se mostra possível determinar qual das condutas se
encontra causal e empiricamente ligada ao evento lesivo de formadefinitiva, a
imputaçãoobjetivadofactoconsumadoaambososagentesnãosepodedeixarde
considerar como um salto lógico excessivo e atentatório dos princípios
estruturantesdeDireitoPenal.
Por outro lado, a corrente doutrinária maioritária, com destaque para os
ProfessoresJorgedeFigueiredoDiaseManuelCavaleiroFerreira57,defendequea
imputação objetiva do resultado às condutas alternativas deverá ser negada,
apenas se ressalvando a possibilidade de os agentes poderem responder
criminalmentepelofactonasuaformatentada,casoestejamreunidososdevidos
requisitoslegais,oqueimplica,necessariamente,queasaçõesdosagentessejam
praticadasatítulodoloso,faceàinexistênciadetentativasnegligentes,nostermos
geraisdaleipenal.
NostermosdoAcórdãodoTribunaldaRelaçãodeCoimbradede07deAbrilde
2017,noprocesso424/13.3TTLRA.C1,aafirmaçãodojuízodeadequaçãocausal
depende de o resultado ter i. “decorrido naturalisticamente da ação”, ii. da
previsibilidadedasuaocorrência“nasconcretascircunstânciasemqueomesmo
ocorreuecomasconsequênciasdeledecorrentes”eiii.de“averificaçãonãoseter
ficadoadeveracircunstânciascontemporâneasdaação[asi]alheias”58.
Embora cada uma das ações apresente, por si só, o carácter adequado para
produçãodoresultado, a teoriada causalidadeadequada, eximiamentedefinida
nostermosdocitadoacórdão,nãopermiteafirmardeformasatisfatóriaecoerente
a imputação do resultado aos dois agentes já que em nenhum dos três pontos
apresentados se pode afirmar de forma categórica que i. o resultado tenha
decorrido naturalisticamente de uma ou de outra ação, não se podendo,
consequentemente, confirmar o ponto ii. quanto à previsibilidade da sua
verificação,nemtãopoucosendodepoispossívelestabelecerqueoresultadonão
57NasobrasDireitoPenal,ParteGeral,TomoIna2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2007,eemLiçõesdeDireitoPenal,ParteGeralI,ALeiPenaleaTeoriadoCrimenoCódigoPenalde1982,na4ªediçãodaEditorialVerbo,de1992,respetivamente,naspáginas325eseguintes,enapágina154.58Disponívelemhttp://www.dgsi.pt
52
setenhaficadoadeveriii.aoutracircunstânciasuacontemporânea,istoé,nocaso,
àcondutadooutroagente,faceàdúvidainerenteaosfactosconcretos.
Tendo“aadequaçãodesereferiratodooprocessocausal,enãosóaoresultado,sob
penadesealargaremdemasiaaimputação”,talcomodefendeoProfessorJorge
deFigueiredoDias59,aafirmaçãodaimputaçãoobjetivadoresultadoconcretoem
relação a ambos os agentes pelo mesmo e único resultado, como pretende a
correntedoutrináriaminoritária,constituioque,quantoanós,seenquadracomo
um claro excesso de atribuição objetiva, nos termos do critério da adequação,
desconsiderandotambémoprincípiodoindubioproreu.
Acrescenta-seaindaque,poroposiçãoàscircunstânciaspresentesnoscasosde
causascumulativas,maisdificilmentese colocarão, jánoâmbitodacausalidade
alternativa,questõesadicionais,jánãoemsededeimputaçãoobjetiva,relativasa
possível comparticipação criminosa dos agentes, antes sendo mais comuns
situações de erro e desconhecimento mútuo quanto à prossecução de objetivo
criminal alheio, até tendo em conta, se assim não fosse, o excesso de meios
utilizadospelosagentes.
Assim,emboracadaumadascondutaspossuaocarácterdeidoneidadenecessário
para, à partida, poder ser afirmada a sua imputação ao resultado, esta teoria
semprereservaespaçonoseuâmbito,faceaostermosemqueénormativamente
definida, por comparação com a teoria das condições equivalentes,
determinantementecasuístaepuramente factualnostermosdasuaformulação,
para o funcionamento integral dos princípios constitucionais de Direito Penal.
Assim, a previsibilidade abstrata de cada uma das ações não se reputa como
suficienteparaaafirmaçãodaimputaçãoobjetivanocircunstancialismoinerente
à causalidadealternativa face àdúvida empiricamente causal inerente aos seus
termos,devendoadescritadúvidafuncionarafavordosagentes,ouseja,proreo,
sendonegadaaimputação,ressalvando-se,nosseustermosgerais,apossibilidade
de responsabilização penal dos agentes por tentativa, desde que presente o
elemento necessário para a afirmação da imputação subjetiva, isto é, quanto à
produçãodoresultadoefetivamenteverificado.
59EmDireitoPenal,ParteGeral,TomoI,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2007,napágina330.
53
6.ATEORIADACONEXÃODERISCO
NostermosdoAcórdãodoTribunaldaRelaçãodeLisboade14deJaneirode2004,
noprocesso8421/2003-360,analisadoporreferênciaàapreciaçãodoconceitoda
causalidade,verificou-sequeesteestabeleceque“arelaçãodecausalidadeentreo
comportamentoeoevento,quersepartadateoriadaequivalênciadascondições,
querdocritériodacondiçãoconformeàsleisnaturais,basta-secomaafirmaçãode
que a ação é uma das condições do resultado, ou seja, que a ação co-causou o
resultado,nãosendonecessárioqueelasejaaprimeira(ouúltima)condiçãodasua
verificação.Afirmadaarelaçãodecausalidade,háqueaveriguarseaimputaçãodo
resultadodeveserexcluídapeloscritériosdaadequação”.Porém,concluiaindao
referido Acórdão, logo de seguida, afirmando que, para além da utilização dos
critérios da adequação para a confirmação da necessidade de imputação do
resultadoàconduta,deveaindaseraplicado,nestasede,ocritério“daconexãode
risco,comtodososseusmomentosespecíficos”.
A teoriada conexão de risco,defendidapelo autor ClausRoxin e formuladana
segundametade do século XX, na sua obra de 1970, com publicação e edição
portuguesas em 1986, com o título Problemas Fundamentais de Direito Penal,
estabeleceque“oresultadosódeveserimputávelàaçãoquandoestatenhacriado,
aumentadoouincrementadoumriscoproibidoparaobemjurídicoprotegidopelo
tipodeilícitoeesseriscosetenhamaterializadonoresultadotípico”61.
Naverdade,presidindoàteoriadaadequaçãoaideiade“limitaraimputaçãodo
resultado àquelas condutas das quais deriva um perigo idóneo de produção do
resultado”62,ateoriadoriscocolocaagoraemdestaqueacategoriaaxiológicado
perigoenquanto“possibilidadesignificativadeproduçãodeumresultadoproibido
60Disponívelemhttp://www.dgsi.pt61Napágina145dareferidaobra,na6ªreimpressãodaEditoraVega,de2004.62TalcomodeterminaoProfessorJorgedeFigueiredoDias,nasuaobraDireitoPenal,ParteGeral,TomoI,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2017,napágina331.
54
ouapossibilidadefortede lesãodeumbemjurídico”63paraefeitosde imputação
objetiva.
Destaforma,“haveráimputaçãoobjetivadoresultadoàcondutadoagentequando
este,comasuaação,tenhacriadoumrisconãopermitido,outenhaaumentadoum
risco já existente, e que esse risco tenha conduzido à produção do resultado
concreto”,talcomoestabeleceoAcórdãodoTribunaldaRelaçãodoPortode11de
Marçode2005,noprocesso10004/09.2TDPRT.P264.
Nostermosda formulaçãoapresentadapeloProfessorClausRoxin,paraquese
possa imputar objetivamente o resultado verificado à ação do agente torna-se
assimnecessárioqueestetenhacriadoumperigoparaobemjurídicoprotegido
ou que, alternativamente, tenha aumentado ou incrementado um perigo já
existente,apresentando-seesseperigo,emqualquerdoscasos,comoproibidopela
ordemjurídica,queesseperigosetenhamaterializadonoresultadoverificado,e
queoperigo,proibidoematerializadonoresultado,estejaaindacobertopelofim
epeloâmbitodeproteçãodanormapenalemcausa.
Para que possam ser analisados de forma completa, procederemos ao estudo
individualizadoesucessivodecadaumdosrequisitosnormativos.
6.1.ACRIAÇÃOOUOAUMENTOPELOAGENTEDEUMPERIGOPARAO
BEMJURÍDICO
Iniciandooagente,atravésdasuaconduta,umprocessolesivodobemjurídicoem
apreço,queantesnãoseencontravaverificadooupresentenocontextofácticoe
que,assim,apenaspormeiodasuaaçãopassaaexistir,observa-seacriaçãodeum
perigo, sendo que “a imputação ao tipo objetivo pressupõe que, no resultado, se
63Nos termosdefinidos pela ProfessoraAnaPrataemDicionário Jurídico, Volume II, na 2ª edição daEditoraCoimbra,de2011,naspáginas364e365. 64Disponívelemhttp://www.dgsi.pt
55
realizeprecisamenteoperigocriadopeloautor”,talcomodefinidopeloAcórdãodo
Tribunal da Relação de Évora de 29 de Abril de 2014, no processo
2545/07.2TAFAR-E65.
Contudo,“sucedemuitasvezesque,nasituação,jáestácriado,antesdaatuaçãodo
agente,umriscoqueameaçaobem jurídicoprotegido.Nãoobstante, o resultado
seráaindaimputávelaoagenteseeste,comasuaconduta,aumentououpotenciou
o risco já existente, piorando, em consequência, a situação do bem jurídico
ameaçado”,talcomodispõeoAcórdãodoTribunaldaRelaçãodeÉvorade03de
Dezembrode2013,noprocesso157/07.0GTBJA.E166.
De forma inversa, se a conduta do agente, ao invés de incrementar o risco já
presentenocasoconcreto,funcionarantescomoelementoapaziguadordoperigo
verificado, deverá a imputação ser afastada por não se encontrar verificado o
elementodatipicidadeobjetiva.
Quantoaestacircunstância,eemcomparaçãodiretacomateoriadaadequação,
assoluçõesjurídicasapresentadaspelasduasformulaçõesparaoscasosdeefetiva
causação de lesão, lesão essa que, todavia, serve para evitar uma outra,
qualitativamentemaisgrave,equeseapresenta,peranteascircunstâncias,como
inevitávelouextremamenteprovável,sãoestruturalmentediferentes.
Praticandooagente“umfactolesivoqueevitaaproduçãodoresultadomaisgrave
doqueaqueleque foiprovocadoemconsequênciadesse facto”67,defendea larga
maioriadadoutrinaqueocritériodaadequaçãoimplicaráanecessáriaafirmação
daimputaçãoobjetivadoeventoàaçãodoagente,desdequeacondutapraticada
por aquele se apresentasse, à partida, como adequada para a produção de tal
resultado,combasenumjuízodeprevisibilidaderazoável,efetuadopormeiode
prognosepóstuma.
65Disponívelemhttp://www.dgsi.pt 66Disponívelemhttp://www.dgsi.pt67TalcomoestabeleceaProfessoraAnaPrata,emDicionárioJurídico,VolumeII,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2011,napágina178.
56
Denotar,porém,quemesmonãoexcluída,nestestermos,aimputaçãoobjetivado
eventolesivoàaçãodoagente,talnãoimplicaráasuaresponsabilizaçãocriminal,
desdeque“hajasensívelsuperioridadedointeresseasalvaguardarrelativamente
aointeressesacrificadoesejarazoávelimporaolesadoosacrifíciodoseuinteresse
ameaçado”68,sendoailicitudedaaçãoexcluída,atravésdacausadejustificaçãodo
artigo 34º do Código Penal, o direito de necessidade, ou, dependendo do
entendimentoperfilhado,pelacausajustificativadosartigos38ºe39º,ambosdo
CódigoPenal,oconsentimentopresumido.
Consequentemente, a responsabilidade criminaldo agente sempreacabariapor
não ser estabelecida, realçando-se que, no nosso entendimento, a causa
justificativaainvocarsempredeverádependerdofactodeobemoubenslesados
pertenceremounãoaomesmoindivíduoquesofrealesão,apenaspodendoem
casonegativoserinvocadaafiguradodireitodenecessidade.
Por outro lado, os termos em que é formulada a teoria da conexão de risco
implicam,logoàpartida,anegaçãodaimputaçãoobjetivapelofactodeoriscojá
presentenocasoconcretotersidoefetivamentediminuídopeloagente,afastando
assim, de acordo com esta teoria, a possibilidade de afirmação da imputação
objetivafaceaessadiminuição.
Observe-se ainda que alguns autores, com destaque para o Professor Américo
TaipadeCarvalho69,discordamdanecessidadedeestabelecimentodaimputação
objetivacomoconsequênciado funcionamentopráticodo critérionormativoda
adequação, entendendo que a questão da imputação nem sequer deve, nesses
termos, ser colocada uma vez que a descrita ação do agente não pode ser
consideradacomodesvaliosa,nãopodendo,porisso,serafirmadaasuatipicidade,
peloqueaquestãodeanálisedasuaimputaçãoobjetivanemsechegaacolocar,
conduzindo a solução jurídica estruturalmente semelhante à determinada pela
teoriadaconexãoderisco.
68NostermosdoAcórdãodoSupremoTribunaldeJustiçade05deMaiode1993,noprocesso045679,disponívelemhttp://www.dgsi.pt69NasuaobraDireitoPenal,ParteGeral,QuestõesFundamentaisdeTeoriaGeraldoCrime,na2ªediçãodaCoimbraEditora,de2008,napágina310.
57
6.2.OCARÁCTERPROIBIDODOPERIGO
O carácter proibidodo risco inerente à conduta levada a cabopelo agente tem
comobaseanoçãofundamentaldequevidaemsociedadecomportaaexistência
deperigosmúltiplosparaosbensjurídicosmasque,simultaneamente,oDireito
Penal,ao ternaturezadeultima ratio, “nãopodesancionarcomportamentosque
tenhamproduzidouma lesãodosbens jurídicospelamaterializaçãode riscosque
são tolerados de forma geral, constando da vida social muitos riscos e perigos
tolerados pela suaassociação adesenvolvimentosque a sociedadenão pode nem
querprescindir”70.
Dessa forma, comportamentosque criemouaumentemo riscode lesãoparaos
bensjurídicospodemaindaseradmissíveis,istoé,toleradospelaordemjurídica
e, consequentemente, não dotados de tipicidade objetiva, se, não obstante a
introduçãodesseperigonaesferadobem, foraquele,noentanto, juridicamente
admissível por ser aceite e encarado pelo Direito como necessário ao
funcionamento e desenvolvimento da vida em comunidade nas sociedades
modernas, dentro do conceito do chamado “risco inerente a toda a atividade
humana”71.Emdestaquedentrodestetipodeatividadesapresenta-seacirculação
rodoviáriaeasatividadesdesportivasintensas,sendoqueaslesõescausadaspor
perigosqueseconcretizamefetivamentecomoresultadoeapartirdascondutas
praticadas no âmbito daquelas, desde que se localizem dentro dos limites do
referidorisconormalepermitido,implicamanegaçãodasuaimputaçãoobjetiva.
Contudo,aformulaçãodaquiloquedeveserentendidocomoconstituindotalrisco
geral e o seu âmbito não é dotada, em termos concretos e globais, de uma
enunciação específica, sendo apreciadade forma individual ede acordocom as
específicascircunstânciaspráticasnocasoemanálise.Nessasequência,edeforma
a colmatar tal problema, é invocado o apoio das legis artis de cada campo de
70TalcomodefendeoProfessorJorgeFigueiredoDias,nasuaobraDireitoPenal,ParteGeral,TomoI,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2007,napágina333.71ExpressãodoProfessorEduardoCorreia,emDireitoCriminalI,na3ªreimpressãodaAlmedina,de1971,napágina291.
58
atividade,sendoque,nostermosdestas,a“obediênciaàsregrasdojogoafastará
emprincípiootipo”72.
Porém,sempresedeveacrescentarque“ainversanãoéverdadeira:aviolaçãodas
regrasdojogonãotemnecessariamente-nemsequernormalmente-derealizaro
risco proibido capazde suportar a imputação objetiva do resultado típico.Tal só
sucederáquandoaviolaçãodasregras,pelasuaviolênciaedesproporcionalidadee
pelagravidadedaslesõesproduzidas,perdeaconexãodesentidocomojogo”73.
6.3.AMATERIALIZAÇÃODORISCONORESULTADO
NostermosdoAcórdãodoSupremoTribunaldeJustiçade21deJunhode2012,
noprocessode525/11.2PBFAR.S1,“nadoutrinadaconexãodorisco,nãobastaa
comprovaçãodequeoagente,comasuaação,produziuumriscoproibidoparao
bemjurídico,sendoprecisoaindadeterminarsefoiesseriscoquesematerializouou
concretizounoresultadotípico,peloqueaimputaçãoobjetivadoresultadoàação
pressupõearealizaçãodeumperigocriadopeloautorenãocobertoporumrisco
permitido”74.
Desta forma,nãoserásuficiente,paraaafirmaçãoda imputaçãoobjetiva,queo
agentetenhacriadoouaumentadoumrisconocasoconcreto,sendonecessário,
nomomentoposterior, espácio-temporalmente separadoda condutado agente,
face à natureza e às exigências objetivamente típicas do crimematerial ou de
resultado,queoevento lesivoproduzidoconstituaa concretizaçãodiretamente
consequencialdaquelaesferadeperigo,antescriadaouaumentadapeloagente,
devendoa“condutadoagenteconterumrisco implícito,umperigoem simesma
paraobemjurídico,perigoestequedeveráconsiderar-seconcretizadonoresultado
aimputaràcondutadoagente”,comoestabeleceoAcórdãodoTribunaldaRelação
doPortode06deJunhode2012,noprocesso409/05.3GCETR.C1.P75.
72TalcomoestabeleceoProfessorManueldaCostaAndrade,nasuaobraAslesõescorporais(eamorte)nodesporto,deManueldaCostaAndrade,emLiberDiscipulorumpara JorgedeFigueiredoDias,na1ªediçãodaEditoraCoimbra,de2003,napágina719. 73Idem,napágina720.74Disponívelemhttp://www.dgsi.pt75Disponívelemhttp://www.dgsi.pt
59
Várias dificuldades apresenta o cumprimento da verificação deste requisito de
imputação objetiva, principalmente, tal como destacado pelo autor Günter
Stratenwerth76,devidoàcircunstânciadeaobservaçãorelativaàrealexistência
de um perigo, a início, criado ou aumentado pelo agente, ser necessariamente
efetuadapormeiodeumjuízoexante(emtermossemelhantesaoaplicadopela
teoriadaadequação)masaanálisedasuamaterializaçãonumresultadoespecífico
apenasserteleologicamentepassívelderealizaçãoatravésdeumaapreciaçãoex
post.
Sendo que “a imputação ao tipo objetivo pressupõe que, no resultado, se realize
precisamenteoperigocriadopeloautor,sóéexcluídaaimputaçãoquandooautor
tenhacriadoumperigoparaumbemjurídicoprotegido,masoresultadoseproduz,
não como efeito desse perigo,mas apenas em conexão causal com ele”, tal como
dispõeoAcórdãodoTribunaldaRelaçãodeCoimbrade10deFevereirode2010,
noprocesso3/08.7GDFND.C177.Desta forma,reputa-secomoessencial,embora
constituído tarefa dogmática em que é necessária extrema precisão analítica, a
observaçãoespecíficasobrequalamaterializaçãoconcretadoperigopresentee
trazidopormeiodacondutadoagente,paraquesepossaafirmarnormativamente
queapenasapartirdaconcretizaçãodaqueleperigosurgiuoeventolesivo.
6.4. A PRODUÇÃO DE UM RESULTADO COBERTO PELO FIM DE
PROTECÇÃOEÂMBITODANORMA
Aindanoâmbitodosseusrequisitosnecessáriosparaaafirmaçãoda imputação
objetiva entreuma ação eumresultado,demonstra-se necessárioqueo evento
lesivoemanáliseseencontredentrodofimdeproteçãoeincluídonoâmbitoda
norma jurídicaemapreço,ouseja,queoresultadoproduzidosejaprecisamente
aquele que a norma invocada pretendia, face à política criminal existente e
implantada,evitar.
76NasuaobraDerechoPenal.ParteGeneralI,na4ªediçãodaHammurabi,de2016,naspáginas144eseguintes.77Disponívelemhttp://www.dgsi.pt
60
DeterminandooAcórdãodoTribunaldaRelaçãodoPortode06deJunhode2012,
noprocesso409/05.3GCETR.C1.P1,que,podendo“porvezesnãosersuficienteo
recurso à teoria da causalidade adequada para proceder à imputação de um
determinado resultado ao comportamentodo agente,muitas vezes, adoutrina se
socorre de critérios de imputação objetiva do resultado à conduta, baseados em
juízosdeadequação,deincrementodoriscopermitidoedecompreensãodoâmbito
deproteçãodanorma,comocorretoresdeculpabilidade”78,peloque,paraalémda
existênciadeumperigo,perigoesseque,comotemvindoaserexposto,deveser
juridicamenteproibidoequesedeveconcretizarde formaefetivanoresultado
verificado, este resultado necessita ainda de se encontrar normativamente
compreendido dentro do espaço valorativo da norma jurídica em apreço, quer
quanto ao seu fimdeproteção, isto é, relativamente aomotivo que levou à sua
introduçãonaordemjurídica-penal,queremrelaçãoaoseuâmbitonormativo,ou
seja,aolequedeocorrênciasjuridicamenteprevistasecompreendidasnoalcance
dispositivodaaplicaçãodanorma.
Emboraesterequisitopossaparecer,àpartida,umaconstruçãotendencialmente
teóricae comreduzidasconsequênciaspráticasemsedede imputaçãoobjetiva,
tem, na verdade, aplicaçãobastante concreta, tal comoespecificaoAcórdãodo
Tribunal da Relação do Porto de 09 de Julho de 2003, no processo
RP200307090340290. No âmbito deste, tendo o arguido sido condenado em
primeirainstânciapelocrimedehomicídionegligenteemresultadodamortede
outrocondutor,apósumembaterodoviário,tendosidoverificadoqueoarguido
circulava em excesso de velocidade, recorreu este da referida decisão de
condenação.Jánoâmbitodorecurso,oTribunaldaRelaçãodecidiuque,umavez
queo limitedevelocidadetemporário impostono localdoacidente tinha como
fundamentoofactodedecorremobrasdeconstruçãocivilnolocal,enãoofimde
acautelarapassagemeotrânsitonolocaldocruzamentoondesedeuochoque
dasviaturas,amortedavítimanãodeveriaserobjetivamenteimputadaaofacto
do agente circular a velocidade superior à legalmente imposta pela norma
invocada.
78Disponívelemhttp://www.dgsi.pt
61
Naspalavrasdoidentificadotribunal,“aproibiçãodecircularamaisde30Km/h,
tinha em vista uma concreta finalidade: as obras que decorriam na via em que
circulavaoarguido,enãoa existênciadequalquercruzamento,aaproximaçãoe
intersecçãodaestradadondevinhaavítima.
Logo,noâmbitodeproteçãodanorma,quetransitoriamentelimitavaavelocidade,
nãoestavaaproteçãodacirculaçãoquesefazianasestradasquecruzavamaquela
emqueoarguidocirculava.Seécertoqueoperigoqueseconcretizounoresultado
nãoéumdaquelesemvistadosquaisaaçãofoiproibida,nãoéassimumdaqueles
quecabenoâmbitodeproteçãodanorma”79.
Desta forma,esterequisitodemonstra-seaindaessencialemsedede imputação
objetiva, reforçando o carácter normativo que enforma e estrutura a teoria da
conexãoderiscoedotando-adeumfatordeadicionalespecificidadejurídica.
Expostas e analisadas a evolução histórica, a consagração doutrinária e
jurisprudencialeofuncionamentopráticodateoriadaconexãoderisco,quantoà
sua apreciação crítica sempre cumpre afirmar, em primeiro lugar, que, no
ordenamento jurídico português, esta teoria não se encontra consagrada
legalmente.
Naverdade,estaapresenta-se,essencialmente,comoumaconstruçãodadoutrina
alemã, com alguma aceitação e aplicação pelos tribunais portugueses, em
particular em contextos prático-normativos cuja complexidade, na opinião do
julgador,requerumaaferiçãoobjetivaadicional,sendoaconexãodoriscotrazida
àcolaçãonatentativaderesoluçãodequestõeslimiteemapreço.
79Acórdãodisponívelemhttp://www.dgsi.pt
62
Para além desta circunstância e, quanto a nós, ainda na sua sequência e
possivelmenteporsuacausa,adelimitaçãodostermosteóricoseenunciativosda
teoria, embora bem esquematizada, não se encontra ainda definida em termos
totalmente satisfatórios e que permitam a sua cristalização normativa,
nomeadamente para a problemática da definição do elenco dos perigos
permitidos.
Como analisado supra, o perigo criado ou aumentado pela ação do agente e
concretizadonoeventolesivoocorrido,paraalémdeterdeseencontrardentro
do âmbito de proteção da norma jurídica invocada e corresponder à
materializaçãodeumresultadodotipodaquelesqueofimdessanormapretendia
evitar,temtambémdeseconstituircomoimperativamenteproibidopelaordem
jurídica, sendo que, a contrario sensu, se o perigo criado ou incrementado for
permitido,aimputaçãoobjetivanãopoderáserafirmadaumavezquea“valoração
objetivanãopodeabstrairdoseufime,portanto,nãopodevalorarnegativamente
atividadesquandoelassemantêmdentrodoriscodelesãoeperigodelesãoquesão
inerentes a toda a atividade humana” tal como determina o Professor Eduardo
Correia80.
Todavia,adefiniçãoespecíficadaquiloquepodeserentendidocomofazendoparte
desse risco geral, inerente à vida em sociedademoderna e globalizada, não se
encontrandoainda,nostermosdasuapróprianoção,definidodeformataxativa.
Talcircunstânciaimplicaumcarácterdeindefiniçãodestateoria,denotandoclara
necessidadedesedimentação futuradosseusconceitos.Semumelenco fixoou,
pelomenos,semdiretivasdesentidomais concretasparaalémda indicaçãoda
necessidadedetaisperigosseencontrarem,normalmente,associadosàvidaem
sociedade, mesmo com o apoio das normas constantes das legis artis de cada
campodeatividade,torna-sedifícilnegaroespaçodeambiguidadejurídicaainda
inerenteàenunciaçãodateoriadaconexãoderisconestestermos.
80EmDireitoCriminalI,na3ªreimpressãodaEditoraCoimbra,de1971,napágina291.
63
Emúltimo lugar, a apreciação da possível verificação de uma conexão de risco
entreaçãodoagenteeoeventolesivoproduzido,paraefeitosdeanálisedasua
imputação objetiva, impõe um carácter de duplicidade analítica que, no seu
extremo,conduzaumaperdacategóricadeunidadejurídicanaanálisenormativa
dasrelaçõescausais,essencialemsededeimputação.Defacto,sendonecessário,
nos termos da formulação desta teoria, que o julgador aprecie se, a partir do
momento inicial, ocorreu realmente a criação ou o aumento efetivos do perigo
concretoparaobemoubens jurídicos lesados, fá-lo-ánecessariamentedeuma
perspetiva ex ante, em termos semelhantes ao método da prognose póstuma
estudadoaquandodaapreciaçãodateoriadaadequação,deformaapoderavaliar
se a condutado agente se traduziu em introduçãoou incrementodeperigo,no
contexto fáctico dos acontecimentos passados. Contudo, a verificação da
confirmaçãodamaterializaçãodesseperigonoeventolesivoocorridoapenasse
demonstrapossívelde acordocomos conhecimentosobtidosposteriormenteà
suaverificação,istoé,atravésdeumaperspetivaexpost,obrigandoassimàadoção
deummétodobipartidoe,porisso,commaiorpossibilidadedefalibilidadequanto
à sua desconexão funcional com a normatividade de um critério que se deve
constituircomomaisdoqueummétodocasuísticoenaturalísticodeaferiçãoda
imputaçãoobjetiva.
64
7.OCONCURSOVIRTUALDECAUSAS,AINTERRUPÇÃODONEXOCAUSALEO
COMPORTAMENTOLÍCITOALTERNATIVO
Fora do âmbito da múltipla causalidade nos seus reais termos, face à sua
materializaçãoefetivanoresultado,cujaanálisemereceudestaquenoCapítulo5
destaDissertação,diferentetipodequestõesseencontrapresentenaapreciação
da necessidade e fundamentos da imputação objetiva nos contextos em que a
multiplicidade causal se apresenta nos seus termos virtuais, ou seja, quando,
embora se observem presentes e iniciados diversos processos lesivos, a sua
concorrência é todavia aparente, face ao domínio factual de um deles sobre os
restantes.
7.1.ACAUSALIDADEVIRTUAL
Verifica-se a existência de uma causa virtual ou hipotética em relação a um
resultado“quandoexisteumprocessolesivoqueproduziriaoresultado,senãofosse
ainterposiçãodeumoutroprocessolesivoqueefetivamenteaproduziu”,talcomo
enunciadopelaProfessoraAnaPrata81.
Destemodo,acausavirtualnuncasechegaaconcretizarcomooefetivoevento
causadordo resultadoverificado, tendo,no entanto,de acordo com análisedos
factos ocorridos, a hipotética capacidade para tal, observando-se assim um
concursodefatorescausaisqueé,naverdade,apenasvirtual,ejánãoreal,como
nospreviamenteanalisadoscasosdecausalidadealternativaecumulativa,uma
vezqueasváriascausasnãoseconcretizamdeformaconjuntaoucombinadana
produçãomaterialdoresultadoverificado.
Talnãosignificaqueasuaocorrênciarealnoplanofácticonãosejaefetiva,jáque
aaçãodoagente,porsisó,foipraticadaporeste.Todavia,ecomosetemvindoa
realçar ao longo da presente Dissertação, os crimes de resultado apenas se
materializampelarealizaçãoseparadae consequencialdedoiseventosespácio-
81NoseuDicionárioJurídico,VolumeII,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2011,napágina82.
65
temporalmente distintos, sendo estes, de forma posterior, juridicamente
interligadosatravésdafiguradaimputaçãoobjetiva.
Ora, nesses termos, a ação do agente autor de uma causa hipotética existiu no
mundo real, tendo sido por este praticada e sendo dotada de suscetibilidade
abstrata de produção de um evento lesivo do mesmo tipo daquele que veio a
acontecer;contudo,acausavirtualdeumdeterminadoresultadonuncasechegaa
materializarnesseevento,apenastendoacapacidadeparatal,capacidadeessaque
éafirmadadeformanecessariamentehipotética.
Na sequência do exemplo apresentado pelo referido Acórdão do Tribunal da
RelaçãodoPortode11deMarçode2015,noprocessoreferido82,ter-se-iaagora,
noâmbitodestecontextocausal,que,emboraoprimeiroagenteenveneneavítima,
apósessaaçãoeduranteoperíododeatuaçãodasubstância,ouseja,antesdeesta
ter já produzido o efeito pretendido, provocando a morte daquela por
envenenamento,umterceiro,outroagente,disparasobreavítima, ferindo-ade
morte, vindo esta a falecer por efeito dos ferimentos causados pelo tiro e não
devidoaovenenoanteriormenteministrado,ou,aindaemsededesseexemplo,ao
invésdeumasegundaaçãohumana,avítimacaideumlancedeescadaspormeio
detropeçãofortuitoquesevemarevelarfatalporcausarafraturadoseupescoço.
Neste contexto prático, a ação inicial do agente que, a princípio, envenenou a
vítima,constitui-secomoacausavirtualdasuamorte,ouseja,emboratenhaeste
iniciadoumprocessocausaltendencialmentelesivodosbensjurídicosemcausae
dotadosdedignidadepenal,asuaaçãonãosepodeafirmarcomoobjetivamente
imputávelaoresultadoconcretoverificadoumavezque,emboracontendoemsi
própria a capacidade para tal, não se chegou a materializar no resultado
efetivamenteverificado.
Destarte, em sede de imputação objetiva do resultado à concreta ação, a causa
virtual não apresenta carácter prático-normativo em termos suficientes para a
afirmação daquela, obrigando tanto a teoria da adequação como a teoria da
conexãoderiscoàchegadaaestaconclusão,nosseguintestermos:
82Disponívelemhttp://www.dgsi.pt
66
Atravésdaaplicaçãodocritérionormativodaadequação,mesmofaceàocorrência
dacausavirtualnoplanoconcreto,eemboraestasejadotadadeprevisibilidade
abstrata para se constituir como elemento causador do resultado, na prévia e
necessáriaetapadeanáliseda causalidade factual,noplanonaturalístico,nãoé
possível a afirmação de que esta se tenha constituído como condição daquele
resultado,nãoseestabelecendoassimoprimeiroplanodecausalidadepráticae
naturalnocasoconcreto,obrigandoànegaçãodaimputaçãoobjetiva.
Naverdade,aindaque,deacordocomoexemplosupraapresentado,apartirda
açãointencionaldeenvenenamento,possaoseuautoresperar,deformarazoável,
queavítimavenhaafalecer,tendoestavindorealmenteafalecer,acontecequea
suamorteseconcretizapormeioemododiferentes, interpostopor terceiroou
constituídoumcaso fortuitoenatural, eque, emboracausandoummesmo tipo
qualitativo de resultado, não constitui efeito típico e adequado da ingestão de
substânciavenenosa.
Comparativamente,exigindoateoriadaconexãoderiscoapresençadosquatros
requisitosparaaafirmaçãodaimputaçãoobjetivadoresultadoàação,verifica-se
que, embora dois destes estejam presentes no circunstancialismo associado à
causalidadevirtualouhipotética,umterceironãosepodeafirmar.Concretizando,
embora o agente, autor da causa virtual, crie, através da sua ação, um perigo
previamente não existente para o bem jurídico protegido, sendo esse perigo
proibidopelaordemjurídicaesendoprecisamenteaquelequeoâmbitodanorma
jurídica abrange e que o seu fim de proteção pretende evitar, não se poderá
afirmar, nos termos desta teoria, que esse perigo se tenha concretizado ou
materializadonoresultadoqueefetivamenteocorreu.
Faceestaapreciação,respeitosamentesediscordadoentendimentoexpressado
poralgunsautores,comdestaqueparaoProfessor JorgedeFigueiredoDias,ao
determinaremque,noâmbitodacausalidadevirtualouhipotética,oagente“cria
umperigonãopermitidoeestematerializa-senoresultadotípico”83.Pelospróprios
termos em que é definida, a circunstância da sua falta de concretização no
resultado efetivamente verificado é elemento essencial e caracterizador da sua
existência, concretização essa que é substituída pela hipotética capacidade e
83TalcomoindicaoProfessorJorgedeFigueiredoDias,nasuaobraDireitoPenal,ParteGeral,TomoI,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2007,napágina342.
67
virtualidade teórica para tal materialização, face à interposição de diferente
processolesivodosbensjurídicosqueaoprocessoinicialsesobrepõeequeapenas
semantémpresentenosseustermosaparentes.
Destaforma,consideraçãoàpartedesta,cujoâmbitonãodeveráserconfundido
com o da imputação objetiva, é o da possível e debatida necessidade de
responsabilização criminal e punição do agente que iniciou o processo causal
hipotético,quenuncasechegaassimamaterializarnoresultado,mesmotendoem
conta,comoanalisado,queestenãopoderáserobjetivamenteatribuídoàsuaação,
mormentesepresentesereunidososelementossubjetivosdeumaaçãodolosa.
Emborapossaserentendidoquenãofarásentido“atribuiraoDireitoPenalasua
persistêncianatuteladeumbemjurídicoquejáestádefinitivamentecondenadoa
perder-se”84 , acreditamos que, desde que reunidos os respetivos pressupostos
legais,mormenteemrelaçãoàimputaçãosubjetivadoresultado,oagentesempre
deveráserresponsabilizadopelocrimenasuaformatentada.
Naverdade,emboraoDireitoPenaldevatercaráctersubsidiário,oabandonototal
e forçado do âmbito da sua proteção face à interposição de segundo processo
causal lesivo, que se sobrepõe a um que,mesmo assim, chegou a ser iniciado,
conduzindo, àpartida, ànãopuniçãodoautordeste,parece-nosconstituiruma
excessivareduçãodosseusprincípios,oquejánãoseencontrapatenteatravésda
responsabilizaçãodoagenteatítulodetentativa,casoseverifiqueaexistênciado
elemento subjetivodedolodo agente e seja admissível a punição do crime em
causapelasuaformatentada,nostermosgeraisdaleipenal.
Embora liminarmente afastada a imputação objetiva do resultado efetivamente
verificadoàação,pornãotraduziraqueleaconsequênciatípicaefactualdestenem
seapresentadocomoamaterializaçãodoperigointroduzidonaesferaderiscoda
vítimapeloagente,sempresediráque,casoestejapresenteoreferidoelemento
subjetivo doloso, tendo em conta que não se encontram legalmente previstas
tentativasnegligentesemDireitoPenal,estenãodeveráserdesconsiderado,sendo
oseuescopoaindaaproveitadoeutilizadoparaefeitosdeclassificaçãodetalfacto
comocrime,nasuaformatentada.
84ComodefendeoProfessorJorgedeFigueiredoDias,nasuaobraDireitoPenal,ParteGeral,TomoI,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2007,napágina343.
68
Realçamos,deumaperspetivainversa,ecomfrequenteinvocaçãopráticaemjuízo,
que parao autorda causa efetiva, isto é, aquela quenaprática acaboupor ser
objetivamente causadora do resultado, a existência, no plano concreto, de uma
adicionalcausa,estavirtual,que,emprincípioedeformaabstrata,teriaporefeito
aocorrênciadoresultadoemtermossemelhantesaosverificados,seestabelece
em Direito Penal 85 como irrelevante para efeitos da imputação objetiva do
resultado àquele e consequente possibilidade de exclusão da sua
responsabilização criminal já que “a causa real considera-se efetivamente causa
mesmoquesejacertoqueelesempreseproduziriaemresultadodacausavirtual,
umavezqueacausavirtualnãopossuiarelevâncianegativadeexcluí-la,poisem
nada afeta o nexo causal”, tal comodispõe o Acórdão do SupremoTribunal de
Justiçade15deMarçode2012,noprocesso3976/06.0TBCSC.L1.S186.
7.2.AINTERRUPÇÃODONEXOCAUSAL
Analisadosostermospuramentehipotéticosemqueacausavirtualcontribuipara
a produção de um determinado resultado verificado, configurando-se como
irrelevantequeremtermosdasuaimputaçãoobjetivaaoautordacausahipotética
quer para o autor da causa real efetivamente materializada no resultado,
constatou-sequea causavirtualnunca chega,noplanoprático,aomomentoda
cristalizaçãodasuaconcretizaçãofactualnaquele,sendoaprópriacircunstância
deestanãosematerializarnoeventolesivo,emboratendoaabstrata
capacidadetípicapara tal,oseu fatordefinidor.
Ora,acircunstânciadeestapoderseracausadeumresultadodomesmotipodo
ocorrido (não querendo isto significar que as lesões efetivamente verificadas
tenhamdeteramesmaqualidade,apenascumprindoobjetivotípicosemelhante),
embora essa capacidade nunca chegue a tomar contornos factuais de
concretização objetiva, tem origem na interposição nesse processo lesivo dito
inicialdeumoutroqueoafetadetal formaqueimpedeasuacontinuação.Esta
85Poroposição,emparticular,comoDireitoCivil,nocampodaResponsabilidadeCivil,emqueacausavirtualpoderáterrelevânciapositivaparaefeitosdeafirmaçãodaimputaçãoobjetiva.86Disponívelemhttp://www.dgsi.pt
69
interposição,desdequereunidososrespetivosrequisitosnormativos,temcomo
efeitoqueonexocausal,istoé,aligaçãodesentidoquepermiteafirmarqueum
eventolesivoapenastemlugarfaceàocorrênciapréviadacondutadeumagente,
seconsidereinterrompido.
Àconexãodesentidocausalàpartidapresente,éadicionadoumoutroprocesso
causal, que se lhe sobrepõe, esvaziando-o de sentido objetivo e afastando, se
reunidososrespetivosrequisitos,asuaimputaçãoemrelaçãoaoresultado.
Destemodo,ainterrupçãoconstitui-seassimcomoa“situaçãoemqueaoprocesso
lesivo desencadeado pelo agente se sobrepõe outro, autónomo, que produz
antecipadamenteoresultadoqueoprocessoinicialiriadesencadear”87,peloque“os
casosdeinterrupçãodacausalidadesãoaquelesemqueàcausapostapeloagente
sesobrepõeoutracausa,igualmenteadequadaparaproduziroresultado,masque
nãoprovémdomesmoagente,querdiretamente,quercomoconsequênciadacausa
inicial,sendocasosdeescola,porexemplo:oincêndionohospital,morrendoavítima
emconsequênciadesseincêndioenãodaslesõessofridas,eoacidentenotransporte
paraohospital,queprovocaoutraslesõesàvítima,sendoestasacausadamorte”,
comodeterminaoAcórdãodoTribunaldaRelaçãodoPortode04deOutubrode
2006,noprocessoJTRP0003953388.
Verificada a interrupção do nexo causal, a imputação objetiva não poderá ser
afirmada já que, como se tem vindo a expor, a inicial ligação existente entre a
condutaeoprevisívelresultadoperdeapossibilidadefácticadasuacontinuação
ematerializaçãofinalnoeventolesivo.
Todavia, quando e em que termos normativos se deve afirmar a existência da
interrupçãodonexocausal,excluindoaimputaçãoobjetiva?
87TalcomoestabeleceaProfessoraAnaPrata,noseuDicionárioJurídico,VolumeII,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2011,naspáginas279e280.88Disponívelemhttp://www.dgsi.pt
70
Nos termos da teoria das condições equivalentes, com base na operação de
retrocesso mental que o julgador deverá fazer para avaliar, com base nas
circunstâncias em apreço, a existência de um nexo causal entre o resultado
verificadoeaaçãoinicialdoagente,aimputaçãoobjetivadeverá,mesmoassim,
serafirmadaemtodosos casosemqueseverifiquequesenão fosseaconduta
inicial do agente a vítima nunca teria sido colocada no enquadramento prático
necessário que veio a permitir que esta sofresse a lesão efetiva dos seus bens
jurídicos, pelo que é ainda considerada condição factual e, por isso, segundo o
entendimentodaconditiosinequanon,causa jurídicaparaefeitosde imputação
objetiva,acondutadoagentesemaqualoeventonãoteriaefetivamenteocorrido.
Na realidade, nos termos em que a teoria é formulada, tornam-se bastante
infrequentes, senão quase impossíveis, os casosemque a interrupçãodonexo
causalpodesertidoemcontaparaefeitosdoafastamentodaimputaçãoobjetiva
doresultado.Sendoutilizadoumjuízomentaldesupressão,realizadoaposteriori
pelo julgador, e devendo ser afirmada como causa para efeitos de imputação
qualquer ação sem a qualo eventonão tivesseocorrido, a regressão subtrativa
posterior ao facto imposta por tal critério sempre tenderá a não perspetivar
quaisquerdesviosocorridos,pormaisrelevantesoudísparesemrelaçãoàação
inicialdoagente,comointerferindonoprocessolesivoinicial,estabelecendoasua
necessidadepráticaparaaproduçãodoresultado.
Consubstanciandoesteentendimentonostermosdosexemplosapresentadospelo
documento jurisprudencial suprarreferido, vindo a vítima a falecer em
consequênciadoindicadoincêndioouacidentedeviaçãoocorrido,ofacto,porsi
só,deavítimaseencontrarpresentenaambulânciaoujánohospital,tendosido
colocadanessacircunstânciaemconsequênciadaanteriorlesãoprovocadapelo
agente,queaobrigouadeslocar-seouaserlevadaparaohospital,vale,deforma
singular e em termos puramente causais, para afirmar a imputação objetiva,
desconsiderandodogmaticamentequalquerinterrupçãoverificada.
Assim, procedendo-se à subtração mental de cada uma das condições
contributivasparaoresultado,umavezquesemainicialcondutalesivadoagente
avítimanãoteriadeterestadopresente,naquelascircunstâncias,nolocalonde,
em ocorrência posterior, veio a deflagrar incêndio, ou dentro da viatura de
emergênciamédica que acaboupor se envolver em acidente rodoviário,não se
71
observa interrompida a relação causal uma vez que a ação do agente foi ainda
condiçãodaproduçãodoresultado,afirmando-seasuaimputaçãoobjetiva.
Consequentemente, nos termos desta teoria, “basta que o agente tenha posto
qualquerdascondições, semaqualoresultadoconcretonãosepoderia verificar,
para que este se lhe possa objetivamente imputar; o nexo de causalidade não se
haveráexcluídoquandoconcorramquaisquercircunstânciasestranhasaoagente,
dadoquebastaaexistênciadeumaúnicacondiçãopostapeloagenteparaqueo
resultadoselhepossaimputar”89.
Peranteaquestão“senãofosseapráticadestacondutapeloagente,teriaavítima
sofrido tal lesão?”, nuclear na aplicação da teoria das condições equivalentes,
apresenta-seassim,quantoanós,difícilaconfiguraçãodecontextofactualemque
uma ocorrência de interposição causal posterior à conduta obrigue à sua
descaracterizaçãoenquantocondiçãoparaaverificaçãodoresultado,sendoque,
desde que sepossa afirmar que a açãodo agente tenhacontribuído,de alguma
forma,paraaproduçãodoeventolesivo,sedeverámanterafirmadaaverificação
darelaçãodecausalidade,obrigandoàimputaçãoobjetivanessestermos.
As consequências práticas da aplicação desta teoria no contexto da análise da
interrupção do nexo causal constituem-se assim como claramente excessivas,
sofrendodebastantes insuficiências lógicas,principalmentenoquesecrêsera
faltadejustificaçãoteleológicadasuaafirmaçãodeimputação,desdelogoporque
noscasosemqueoprocessocausalinicialéintersectadoporoutro,distintodeste,
o resultado apenas a nível histórico e eventualmente subjetivo terá ainda uma
ligaçãocausalcomaaçãoinicialdoagente,autordaprocessolesivointerrompido,
implicandoaafirmaçãodaimputação,mesmoassimesemlevaressainterrupção
emconsideração,umaextensãoincomportáveldatuteladoDireitoPenal.
89TalcomodeterminaoProfessorEduardoCorreia,nasuaobraDireitoCriminalI,na3ªreimpressãodaAlmeida,de1971,napágina254.
72
Por outro lado, os termos da teoria da adequação, erigida e fundamentada em
termos normativos, e não puramente naturalísticos, implicam a invocação, tal
comoensinaoProfessorAméricoTaipadeCarvalho,doessencialcritériojurídico
da“adequaçãosocial”90,segundooqualarelaçãocausalapenasserárelevantepara
efeitosdeafirmaçãodeimputaçãoobjetivase,deacordocomumjuízodeprognose
póstuma,sepudesserazoavelmentepreverqueoresultadosurgiria,nostermos
em que veio efetivamente a ocorrer, como consequência normal, expectável e
típicada condutadoagente.Assim,a interrupçãodonexocausalserárelevante
desdequeainterposiçãodeoutroprocessolesivoemrelaçãoàquelequetinhasido
já iniciado pelo agente não fosse para este, ou para alguém com os seus
conhecimentoscolocadonasmesmascircunstâncias,edeacordocomasregrasda
experiênciacomonormaleexpectável.
Destaforma,asobreposiçãodeeventolesivo,diversoeposterior,apenaslevaráà
afirmaçãodaexclusãodaimputaçãoobjetivaseaoagentenãofosseinicialmente
possívelprevereesperarqueainterrupçãoviesseaocorrernostermosconcretos
em que depois efetivamente se verifica, de acordo com um critério de
previsibilidadetípicaerazoável,comoconsequênciadasuaacção.
Uma vez que critério da adequação se deve referir a todo o processo causal, a
atuaçãode terceiroouacircunstância fortuitanaturalquevenhama integraro
processocausaldesencadeadopeloagente,“excluemaimputaçãoobjetiva,anão
serquesemostremcomoprevisíveisouprováveis”91,faceàaçãodoagente.
Naverdade,deacordocomadeterminaçãodoAcórdãodoSupremoTribunalde
Justiça de 07 de Dezembro de 1988, no processo 039628, verificando-se que o
agente “despoletou todo o processo, e que ele previu [o resultado] como
consequência da sua atuação e afinal aceitou, sendo-lhe, assim, perfeitamente
previsíveisasconsequências”dessaatuação,mesmoqueporinterposiçãoposterior
a esta de outro processo causal, “não há, quanto a este, a interrupção do nexo
causal”92.
90ComodeterminaoProfessorAméricoTaipadeCarvalho,naobraDireitoPenal,ParteGeral,QuestõesFundamentaisdeTeoriaGeraldoCrime,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2008,napágina305.91TalcomodeterminaoProfessorJorgedeFigueiredoDias,emDireitoPenal,ParteGeral,TomoI,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2007,napágina330.92Disponívelemhttp://www.dgsi.pt
73
Talsignificaqueseosurgimentodaintervençãoouatuaçãodeumterceiroouaté
circunstâncias naturais provenientes de caso fortuito, embora empiricamente
distintasdacondutadoagente,pudessemsertidasporestecomorazoavelmente
expectáveis como consequência adequada da sua conduta, não deverá assim
considerar-se juridicamente interrompido o nexo causal, afirmando-se, dessa
forma,aimputaçãoobjetivadoresultadoàsuaação.
Já nos termos da teoria da conexão de risco, a análise da possível interrupção
deveráserfeitacombasenaapreciaçãodaafetaçãoconcretadasesferasderisco
presenteseemanálise,devendooperigoproibidocriadopeloagenteserainda
aquelequeseconcretizanaesferaderiscoafetadapelalesãosofrida.
Nessesentido,paraapuraranecessidadedeafirmaçãoouexclusãodaimputação
objetivadoresultadoverificadoàaçãoemapreço,ter-se-ádepartirdaafirmação
daassunçãodaesferaderiscodavítimaimpostaaoagenteprimáriodoprocesso
lesivoemanálise,comparandotalesferacomassubsequentementeafetadaspor
atuação de terceiro ou por circunstâncias naturais e fortuitas, para apurar a
necessidade de afirmação ou de exclusão da imputação objetiva do resultado
verificadoàaçãoemapreço,sendoque “seoagenteultrapassao limitedo risco
permitido, e faz subir as probabilidades de certo evento, pode-se tomar
juridicamenteresponsávelpelaproduçãodesseevento”93.Destemodo,oprocesso
causal apenas se pode considerar interrompido se a ultrapassagem do risco
realizadapeloagenteseconcretizaemeventojásemligaçãodesentidoprático-
normativoàsuaconduta,eporissoforadessaesferaderiscoporsiinicialmente
afetada.
Afirmadaainterrupçãodonexocausaleexcluídaaimputaçãoobjetivaentreaação
e o resultado por a ligação de sentido axiológico e normativo inicialmente
estabelecidaentreambostersidoquebradafaceàinterposiçãodeprocessolesivo
posteriornocontextofactual,apossibilidadederesponsabilizaçãodoagentepelo
crimenasuaformaconsumadafica,desdelogo,afastada.
93Tal como determina o autor Claus Roxin, na obraProblemas Fundamentais do Direito Penal, na 6ªreimpressãodaEditoraVeja,de2004,naspáginas157e158.
74
Todavia,talcomojáapreciadorelativamenteàquestãodacausalidadehipotética
na perspetiva do agente que vê o processo por si iniciado não sematerializar
naqueleresultado,semprepoderáoagentecujoprocessolesivoéintersectadopor
açãodeoutremouporcasofortuitodecorrentedecircunstancialismonaturalque
se lhe sobrepõe, ser penalmente responsabilizadopelo crimeem apreçona sua
forma tentada, desde que reunidos os respetivos elementos subjetivos
necessários,ouseja,odolo,nostermosdoartigo14ºdoCódigoPenal,admitindo
tambémotipolegalemcausaapuniçãodatentativa.
7.2.1.AINTERRUPÇÃODONEXOCAUSALEOCOMPORTAMENTODA
VÍTIMA
Merecedestaque,deformaisolada,oestudodainfluênciadacontribuiçãocausal
davítimaparaaproduçãodoresultadolesivo,queéaprópriaquevemasofrer,
paraefeitosdoestabelecimentodaimputaçãoobjetivadesseresultadoàaçãodo
agente.Váriassãoasquestõeslevantadasporestetema,principalmentenoscasos
associadosaoaumentodagravidadeoudoâmbitodaslesões jásofridas,ouaté
faceacondiçãopré-existentedaprópriavítimaquepotenciaamaterializaçãodo
resultado naqueles exatos termos, funcionado tais circunstâncias de forma
associadaouemcumulaçãoparaaproduçãodoresultado.
Partindo do entendimento doutrinário de que, “em princípio, o resultado não é
imputável em virtude da interposição da autorresponsabilidade da vítima” 94 ,
importaapreciarqualajustificaçãonormativaquepermitedistinguiroscasosde
relevânciadaatuaçãodavítimaparaefeitosdaimputaçãoobjetivadoresultado,
nomeadamenteparaoseuafastamento,eaquelesemqueacondutadestanãose
constituicomoentraveàafirmaçãodetalatribuição.
94TalcomoestabeleceoProfessorJorgedeFigueiredoDias,naobraDireitoPenal,ParteGeral,TomoI,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2007,napágina335.
75
Deacordocomocritérionormativodaadequação,desdequeaposteriorconduta
davítimaseapresentecomoanormaleatípica,nãopodendooagente,deacordo
comumjuízoexante,preverobjetivamentetalocorrênciaemconsequênciadasua
ação,talintervençãopessoaldoofendidoterácomoefeitoaexclusãodaimputação
objetiva,faceàinterrupçãodonexocausalditoinicialdesteprocessocomaação
doagente.
Segundoestateoria,acontribuiçãocausaldaprópriavítimaparaaproduçãodo
eventolesivo,terácomoefeitoanegaçãodaimputaçãoobjetivaaoagentedesde
queaquelanãopudessetersidoobjetivamenteprevistaeesperadapeloautorda
conduta,comoconsequêncianormaldosacontecimentos,apreciaçãoquedeveser
feitanostermosdeumjuízodeprognosepóstuma,talcomoanalisado95,esempre
se ressalvando, caso seja negada a imputação objetiva do resultado, a
possibilidadederesponsabilizaçãodoagentepelocrimenasuaformatentada,se
reunidososrespetivospressupostonecessários.
Porém, o escopo mais generalizado da formulação do critério normativo da
adequação, quando aplicado à problemática inerente à intervenção de
comportamentodaprópriavítimanaproduçãodeumresultadoqueéparaaquela
lesivodosseusbens jurídicos,apresenta-se,nonossoentendimento,demasiado
vago, principalmente tendo em conta os diversos graus de contribuição causal
concretosepossíveiseaquestãodanecessidadedasuacumulaçãocomconduta
ofensivadoagente.
Nesse sentido, podendo configurar-se a participação causal da própria vítima
como uma “colaboração dolosa na sua autocolocação em risco”, bem como
uma“heterocolocação em risco por esta consentida” 96 , o âmbito aplicativo do
critériodaadequaçãoparece-nos ficarnormativamenteaquémda consideração
absolutadestascircunstâncias,nãopermitindoojuízodaprevisibilidadefazerjus
àtotalidadedesentidovalorativodestascircunstâncias.
95NoCapítulo4destaDissertação.96TalcomodeterminaoProfessorPauloPintodeAlbuquerque,nasuaobraComentárioaoCódigoPenalàLuzdaConstituiçãodaRepúblicaedaConvençãodaUniãoEuropeia,na3ªediçãodaAlmedina,de2015,napágina79.Refereaindaterceirocasodentrodestecampodeestudo,quedesignacomoode“imputaçãoaumâmbitoderesponsabilidadealheio”,quenãojulgamos,porém,mereceraconsideradoautonomizadanoâmbitodaanálisedeparticipaçãodiretadavítimanaproduçãodoresultado,antespertencendoaoquadrogeraldeapreciaçãodaimputaçãoobjetivafaceàcausaçãodoeventolesivojánaesferadeterceiro.
76
Ocritériodo riscopermitido, juntamente coma importânciadaprovamaterial
apresentada relativa ao peso efetivo das contribuições concorrentes, deverá
erigir-secomoatravemestranaapreciaçãodovalordacondutadoofendidoeda
possívelnegaçãodaimputaçãoobjetivadoresultadoverificadofaceàafirmação,
poressemotivo,dainterrupçãodonexocausal.
Embora a imputação objetiva não deva, em termos gerais, ser afastada face “à
circunstância de a conduta do arguido ser apenas uma de várias causas desse
resultado”97,aprovaproduzidarelativamenteaopesodacontribuiçãodaatuação
davítimaparaaocorrênciaconcretadoeventolesivoseráfundamental,ilustrando
talentendimento,acontrario,oAcórdãodoTribunaldaRelaçãodeGuimarãesde
21 de Janeiro de 2016, no processo 1238/11.0TBBCL.G1, ao dispor que “a
circunstânciadeafalecidanãolevarcolocadoocintodecirculaçãosóporsinãoa
torna responsável ou corresponsável pela produção da sua morte, não se tendo
provadoqueanãocolocaçãodocintoconcorreuparaaproduçãodoresultado”98.
Acresceque,jáforadoâmbitodatipicidadeobjetiva,oartigo38ºdoCódigoPenal
excluiailicitudedacondutadoagenteseestaforpraticadacomoconsentimento
davítima,desdequeestejamemcausa“interessesjurídicoslivrementedisponíveis”.
Todavia, ainda em sede da imputação objetiva, o facto de a vítima contribuir
causalmenteparaoaumentoouparaacriaçãodoperigoquedepoisseconcretiza
noeventolesivoverificado,podeservir,desdelogo,ecomosedisse,paranegara
imputaçãovistopoderteraparticipaçãodoofendidocomoefeitoainterrupçãodo
nexocausalestabelecido,nãosendosequernecessáriooposteriordebaterelativo
à presença depossível causade justificação no caso concreto.Nestes termos, a
contribuição da vítimapara a produçãodo resultado lesivo,que a própriavem
depoisasofrer,deverásersuperioràaçãoquecriaouaumentaoperigoemapreço
equeoagente introduznaesferaprivadaeprotegidadaquela,peloqueamera
contribuiçãodopróprioofendidoparaaproduçãodoresultado,apenascomoum
fatorderiscoadicionalno contextoprático,nãose constituirá,porsisó,paraa
afirmaçãodainterrupçãodonexocausaledeperigo;asuacontribuição,istoé,a
suaheterocolocaçãoconsentidaouaautocolocaçãodolosaemperigo,temdeser
97 Assim o estabelece o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de Março de 2015, noprocesso10004/09.2TDPRT.P2,disponívelemhttp://www.dgsi.pt98Disponívelemhttp://www.dgsi.pt
77
determinanteparaacriaçãoouincrementaçãodoriscoque,narealidade,seacaba
porconcretizar,deformanegativa,nasuaesferajuridicamenteprotegida.
Estaéumaanálisedeterminantementecasuísta,peloque,comosereferiu,aprova
produzida em juízo será decisiva para a diferenciação e individualização dos
diversosriscosedasuaconcretamaterialização,sendoestes,nostermosdateoria
da conexão de risco, os fatores determinantes para a apreciação da eventual
interrupção do nexo causal nestes termos e consequente afastamento da
imputaçãoobjetiva.
7.2.2.AINTERRUPÇÃODONEXOCAUSALEACAUSALIDADE
INDIRECTA
Ainda no âmbito do estudo da interrupção do nexo causal, questão bastante
debatidaedecontornosefronteiraspoucodefinidoséadeatéquepontoéque
umresultado se pode ainda atribuirobjetivamente aumaconduta quando este
surgeligadoàquelademodonãolineareimediatomasdeformaindiretaequando
sedeveantesafirmarainterrupçãoefetivadarelaçãodesentidocausalentreos
eventosejánãooseucarácterindireto.
ComoensinaoProfessorManuelCavaleiroFerreira,“Acausaaquesesegueoutra
causaqueédaquelanecessárioefeitoéaindacausaadequada”99.
Desta forma, acausa indireta,posteriormente interpostanoprocesso lesivoem
apreço,éaindarelevanteparaaimputaçãoobjetivadoresultadoàaçãodoagente,
sempre que esta apenas tenha tido lugar face à existência da conduta prévia
daqueleepormotivodesta, istoé,nãosurgindocomouma “causaacidental”100
interpostanodecorrerdoprocessolesivo.
Deformaesquematizada,tem-seque,aoinvésdeaaçãodoagentesematerializar
diretamentenoresultado,asuacondutalevaantesàocorrênciadeoutraououtras
99NaobraLiçõesdeDireitoPenal,ParteGeralI,ALeiPenaleaTeoriadoCrimenoCódigoPenalde1982,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2008,napágina156.100Naobrasuprarreferia,napágina154.
78
causas,sendodepoisessasqueconduzemàproduçãodiretadoeventolesivo,mas
apenasocorrendoestasfaceàquelaaçãoinicial,aafirmaçãodestaligaçãodeveser
feitacombasenocritériodaadequação.
Nestes termos,desdequepresenteorequisitodaadequaçãoeprevisibilidade,é
ainda possível afirmar a imputação objetiva nos casos em que se verifique um
intervalodetempo,mesmoquesignificativo,entreaaçãoeoresultado,ouseja,
mesmoqueentreaproduçãodoeventolesivoeaaçãosuacausadoraseverifique
interposto um período temporal, não se observando a produção da ocorrência
lesiva de forma imediata.Este períodonão interromperá,mesmoassim,o nexo
causaldesdequesemantenhaainda,pelocritériodaadequação,umarelaçãode
sentidonormativoquepermitaaindaafirmaraprevisibilidadedaquelaocorrência,
comoderivadadacondutaemapreço.
Na realidade, o confronto das figuras da interrupção do nexo causal e da
causalidadeindireta,queimpõeaindaanecessidadedaafirmaçãoda imputação
objetiva nos termos expostos, é divergência bastante presente no contexto
jurisprudencialdosistema jurídico-penalportuguês,principalmenteaonívelda
apresentação em juízo de argumentações de defesa da exclusão da imputação
objetiva por motivo de decurso de tempo ou face à evolução da lesão inicial
produzidaparaumadeoutrotipo,merecendoporissoumaanáliseemdetalhe.
DeterminaoAcórdãodoSupremoTribunaldeJustiçade15deMarçode2007,no
processo07B220,que,noâmbitodestaproblemática,devesertidoemconta,de
formadeterminanteo"evoluirlógicodascoisas,atémesmocompreensívelàluzda
experiência comum, da realidade da vida; a morte não surgiu de imediato, mas
posteriormente por ato daquela agressão, em nenhum caso se afirmando que as
intercorrências infeciosas não sejam no imediatismo temporal derivadas da
encefalopatia, conducente, depois, àmorte, pese embora o lapso de tempo de 11
mesese20diasquedecorreuentreaagressãoeamorte,quenãodestruiuaquele
nexo”101.
101Disponívelemhttp://www.dgsi.pt
79
Concretizandoesteentendimento,oAcórdãodoTribunaldaRelaçãodoPortode
30deOutubrode2013,noprocesso10004/09.2TDPRT.P1,expressaque“nãose
pode afirmar a quebra no nexo de causalidade entre as lesões causadas e a sua
subsequente morte porque aquelas foram ainda a causa necessária desta; o
resultado produzido mostra-se causalmente ligado à conduta do arguido, não
consubstanciando aquelamorte uma consequência imprevisível ou de verificação
rara, nem para a mesma tendo contribuído qualquer fator imprevisível ou raro.
Entre o comportamento do arguido e a morte da vítima existe uma relação de
causalidade necessária, englobando o requisito da previsibilidade - o agente da
condutapoderiapreverquedamesmaresultariaaofensanavidadeumapessoa,
nenhumfatorestranho,imprevisívelourarosetendointrometidonodecursodonexo
causalqueseinicioucomacondutailícitaeculminounareferidamorte”102.
DerealçaraindaoAcórdãodoTribunaldaRelaçãodeÉvorade03deNovembro
de2015,noprocesso9558/12.0TDLSB.E1,aoestabelecer,nestesentidoque“éde
afirmaraimputaçãoobjetiva,emcasodemorteporbroncopneumoniaeemcasode
infeçãopulmonarporbactériacontraídasemmeiohospitalarcercademêsemeio
apósoacidente”103,bemcomooAcórdãodoTribunaldaRelaçãodeCoimbrade25
deMarçode2010,noprocesso1828/06.3TALRA.C1,aodisporque“seconcluique
a causaúltima damorte foiapneumonia que contraiu, como se conclui que esta
pneumonia foi determinada, maioritariamente, pelas lesões sofridas como
consequênciadoembate (…)apneumonia,na sequênciadas lesõessofridascomo
consequência do embate (…) ocorreria com alta probabilidade. Assim, não pode
afirmar-se,nocaso,averificaçãodequalquerquebranonexodecausalidadeentre
as lesõescausadaseasuasubsequentemorte–aquelasforamacausanecessária
desta;oresultadoproduzido(morte)mostra-se,pois,causalmenteligadoàconduta
doarguido,nãoconsubstanciandoaquelamorteumaconsequênciaimprevisívelou
deverificaçãoraranemparaamesmatendocontribuídoqualquerfatorimprevisível
ouraro.Emsuma,entreocomportamentodoarguidoeamortedavítimaexisteuma
relação de causalidade, nos termos constantes da matéria de facto considerada
provada,englobandoorequisitodaprevisibilidade–oagentedacondutapoderia
prever que da mesma resultaria a ofensa na vida de uma pessoa, nenhum fator
102Disponívelemhttp://www.dgsi.pt103Disponívelemhttp://www.dgsi.pt
80
estranho, imprevisível ou raro (designadamente a aludida pneumonia) se tendo
intrometido no decurso do nexo causal que se iniciou com a conduta ilícita e
culminounareferidamorte”104.
Deste modo, o critério da adequação, traduzido num juízo de previsibilidade
razoável, aplicado pelo julgador através de uma prognose póstuma, sempre se
deverá constituircomoamáximaregentedaanáliseedeterminação legaldesta
questão,deformaaestabeleceraessencialdistinçãoentreumnexodecausalidade
presentemasnãoimediatamenteverificávelnaconcretizaçãodocrimemateriale
umainterrupçãoconcretaenormativadonexocausalinicialmenteestabelecido.
7.3.OCOMPORTAMENTOLÍCITOALTERNATIVO
Sendoapresentados factossuficientes, em juízo,quepermitam“demonstrarque
um comportamento alternativo lícito em nada teria servido para evitar o
resultado”105, a imputação objetiva deverá, em princípio, ser excluída.De facto,
“nassituaçõesemquesevemaverificar,posteriormente,quemesmoqueoagente
tivesseatuadolicitamente,oresultadoseverificarianamesma,(…)ter-se-ádenegar
aimputaçãodoresultadoàconduta”106.
Importarealçarqueocritériodocomportamento lícitoalternativonãopartilha
significado prático-normativo com os casos de causalidade virtual. Nestes, o
processo lesivodito virtualnunca chega a terapossibilidade, real e efetiva,de
produziroresultado,resultadoessequeacaba,noentanto,porserealizar,faceà
interposiçãodeumoutroprocessodomesmotipo.
Comofoianalisado,enãosendopossívelimputarobjetivamenteoresultadoaessa
causa,queapenasfuncionaassimemtermoshipotéticosenãoconcretizadospara
aproduçãodoeventolesivo,paraoautordesseprocessovirtual,reserva-se,no
104Disponívelemhttp://www.dgsi.pt 105TalcomodeterminaoAcórdãodoTribunaldaRelaçãodoPortode22deAbrilde2015,noprocesso46/11.3TAMCD.P1,disponívelemhttp://www.dgsi.pt106 Como determina o Professor Américo Taipa de Carvalho, na sua obra Direito Penal, Parte Geral,QuestõesFundamentaisdeTeoriaGeraldoCrime,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2008,napágina311.
81
máximodosseustermoslegais,apuniçãodocrimeemcausaatítulodetentativa,
sendoque,paraoautordacausareal,emconcursoapenashipotéticocomaquela,
aexistênciadeprocessoadicionalcomacapacidadeabstrata,masnãorealizada,
deproduçãodeumresultadosemelhanteaoquecausou,éparasiirrelevantepara
efeitosdeimputaçãoobjetiva.
Porém,aproblemáticaoraemanáliseimplica,pelocontrário,queoagentetenha
atuadoequeasuacondutasetenhaconcretizadoemresultadoefetivoelesivodos
bensjurídicosemcausa.Narealidade,doqueagorasetrataédapossibilidadede
exclusãodaimputaçãoobjetivafaceàverificação,posterioraoseventosocorridos,
dequeseoagentetivessetidoumaatuaçãoconformeaoDireito,oresultadoteria
aindatidolugar,nasmesmascondições.
Importa quanto à referida verificaçãodenotarque,noâmbitoda apreciaçãodo
comportamento lícito alternativo enquanto critério de exclusão da imputação
objetiva,seexigeque,aposteriori,sejapossívelafirmarqueoresultadoemcausa
teriaocorridomesmoqueacondutadoagentetivessesidolícita,comumgraude
segurança,nomínimo,bastanterazoável.
Assim,questãoàpartedestaéa levantadapeloscasosemqueseverificaquea
ocorrênciadoeventolesivo,mesmoqueaaçãodoagentetivessesidoconformeà
lei,teriaaindaassimtidolugar,verificaçãoessaapenaspassívelderealizaçãode
deummodoprováveloupossível.
Não cremosque estesproblemas sedevam entender enquanto pertencentes ao
verdadeiro âmbito dos comportamentos lícitos alternativos face à inerente
distorção do conceito destes a que a sua inclusão obrigaria; poder afirmar, de
formaefetivaecomsegurançajurídica,quealgoteriaocorridomesmoseoagente
tivessecumpridoasimposiçõesjurídicas,importaumgraudecertezaque,quanto
anós,deveráserbastanteparagarantirarazoávelprobabilidadedessaafirmação,
nãosendosuficienteasuamerapossibilidade.
82
Este entendimento não é partilhado pela totalidade da doutrina, comdestaque
para a alemã, emparticularparao autorRolfDietrichHerzberg107,defendendo
que, nos casosemque a afirmaçãodaocorrênciado evento lesivo, face aoutra
condutadoagente,estaconformeàleiapenaspossaserfeitaemtermosdasua
possibilidade abstrata, mesmo assim deve a imputação objetiva ser afastada,
justificandotalposiçãoatravésdainvocaçãodoprincípiodoindubioporreo.
Sendo verificado, de forma puramente provável, que o resultado, ainda assim,
poderiatertidolugar,aafirmaçãoouoafastamentodaimputaçãoobjetiva,jánão
pormeiodaaplicaçãodiretadocritériodocomportamentolícitoalternativo,não
estandopresentes,comoindicámos,elementossuficientesparaasuainvocação,
depende antes da prova concreta apresentada em juízo, tanto quanto à
contribuição efetiva da conduta para a produção do resultado bem como em
relação às circunstâncias alternativas que teriam tido lugar se o agente tivesse
agido licitamente. O princípio do in dubio por reonão será assim ferido, nesta
circunstância,desdequerespeitadooprincípiodalivreapreciaçãodaprova,sendo
afastadaaimputaçãoemcasodedúvidafundada,masapenasapósaapresentação
eanálisedetodaaprovadisponível,partilhandotalentendimentooTribunalda
Relação de Coimbra, no seu Acórdão de 21 de Setembro de 2011, no processo
794/04.4GBILH.C1,aoestabelecerque“Roxinsóadmiteaabsolviçãosesepuder
afirmarqueocomportamentolícitoalternativoteria,comsegurança,conduzidoao
mesmoresultado”108.
Acreditamostambémqueoescopodoscomportamentoslícitosalternativosganha
reais contornos práticos aquando da sua aplicação ao estudo das condutas
negligentes, istoporqueocarácteressencialdestecritérionormativoéodanão
responsabilizaçãopenaldoagenteporaçãoindevidaquandoumcomportamento
seuconformeaodireitoteriatido,seguramente,omesmoresultado.Ora,sendo,
deacordocomessabitola, afastadaa imputaçãoobjetiva,permanece, todavia, a
necessidadedeanálisedacomponentesubjetivadenotadanaaçãodoagente,no
momentodapráticadofacto.Seesteagiudeformanegligente,ouseja,violando
107NoartigoDieKausalitätbeimunechtenUnterlassungsdelikt,publicadonarevistadedireitoMDR,número64,naediçãode1971,disponívelemhttps://www.mdr-recht.de.108Disponívelemhttp://www.dgsi.pt
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objetivamenteumdever de cuidado que,no caso concreto, lhe era exigível que
tivesserespeitado,enãosendopossívelaimputaçãoobjetivanostermosdescritos,
asuaresponsabilizaçãotorna-se,afinal,nessestermosimpossível,conduzindoà
suaimpunidadepenal109.
Contudo, a sua atuação com dolo permite ainda, por outro lado, a
responsabilização pelo crime na sua forma tentada, sendo tal legalmente
admissível. Destarte, não é que o critério não se possa, de acordo com esta
apreciação, ser invocado em relação às condutas dolosas sendo que, lá está, o
poderáser;todavia,aaplicação,combasenoseusignificadojurídico,nostermos
emquesefundamentaenoseuresultadoprático-normativo,apresenta-secomo
bastantemaisfrequenteemrelaçãoàscondutasnegligentes.
Assim, apreciados as circunstâncias em que a verificação de uma realidade
alternativa de comportamento lícito com os mesmos efeitos práticos leva à
negaçãodaimputaçãoobjetivadoresultadoàação,importa,noentanto,perceber
ajustificaçãonormativaparatalexclusão.Defacto,trata-seaqui,aposteriori,de
negarumvínculocausaledeperigoexistenteentreacondutaeumalesão,existido
demarcadadivergênciadoutrinalquantoàfundamentaçãodesseafastamentode
imputação.
Deacordocomosapologistasdateoriadaconexãoderisco,averificaçãodeum
enquadramentodecomportamentolícitoalternativo,nostermossupraexpostos,
implicará a negação da imputação objetiva com base numa dupla vertente
justificativa.
Por um lado, exigindo esta teoria a presença dos seus essenciais requisitos
normativos110paraoestabelecimentodaimputaçãoobjetiva,aafirmaçãodeque
mesmoqueseacondutadoagentetivessesidolícitaoresultadoaindaassimteria
ocorrido,levaàimpossibilidadedaafirmaçãodeque,narealidade,oagentetenha
chegadoaaumentaroucriarumrisconãopermitidoparaobemjurídico,nãose
109 Não se pretende, porém, indicar excluídos todos os tipos de responsabilidade legal, mormente, acontraordenacional,sepresentesosdevidospressupostosparaasuainvocação.110AnalisadosnoCapítulo6destaDissertação.
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podendoassimverificar,posteriormente,qualquermaterializaçãodestenoevento
lesivoobservado.
Poroutrolado,umavezquetantoacondutadesconformeaoDireitocomoasua
alternativalícitateriamproduzidoigualefeitolesivo,afirmamosapologistasdesta
teoria que se imputação objetiva não fosse negada, tal seria atentatório do
princípioda igualdade,poisconstituiriaa“puniçãodaviolaçãodeumdevercujo
cumprimento teria sido inútil”, tal com enuncia o Professor Jorge de Figueiredo
Dias111,aosubscreveroentendimentodoautoralemãoClausRoxinnestamatéria.
NessesentidodispõetambémoAcórdãodoTribunaldaRelaçãodeÉvorade10de
Dezembrode2012,noprocesso30/03.0TASTR.E2, a estabelecer que, quanto à
“ausência de conexão de risco entre a conduta e o resultado, (…) tal ausência
verificar-se-ianoscasosemqueoresultadoseapresentassecomoinevitávelmesmo
queoagentetivessecumpridoodever”112.
Esta teoria justifica assim o afastamento da imputação objetiva partindo da
aplicaçãodoprincípiogeraldaigualdadeedesteretirandoosentidodainutilidade
jurídicadocumprimentododeverimpostoaoagente,negandoainexistênciada
criaçãooudeincrementoefetivodoumrisco,nocontextodasuaação,desdeque
oresultadotivesseocorridomesmoseoagentetivesseagidolicitamente.
No seguimento dessa lógica, indicam ainda os seus defensores que a teoria da
adequaçãoémanifestamenteinsuficienteparaaapreciaçãodaimputaçãoobjetiva
uma vez que, de acordo com esta, sendo o resultado em abstrato adequado à
produção do resultado em apreço a imputação sempre teria de ser, semmais,
afirmada.
Discorda-se da fundamentação exposta, entendendo-se, aliás, que a justificação
normativa oferecida pela teoria da adequação, para além de permitir a efetiva
consideraçãodoscomportamentoslícitosalternativosparaefeitosdoafastamento
daimputaçãoobjetiva,édotadademaiorjuridicidadeesuperiormétodológicona
suaanálise.
Ateoriadaconexãoderiscoempregaummétodoqueseconfiguracomoatitude
teóricaexcessivamenterevisionistadosacontecimentospassados,procedendoa
111NasuaobraDireitoPenal,ParteGeral,TomoI,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2007,napágina338.112Disponívelemhttp://www.dgsi.pt
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um afastamento da ilicitude da ação do agente, de ummodo necessariamente
retroativo.Naverdade,aoestabelecerainutilidadedocumprimentododeverpelo
agente,fá-lojácomcompletoconhecimentodosacontecimentosfuturos,nãopor
meiodejuízoexante,sendocertoquenomomentodapráticadoatonãoexistiam
condiçõesquepermitiamaoagente,semmais,afirmartalinutilidade.
Adicionalmente,nãoseconcorda comaafirmaçãoda inexistênciadecriaçãoou
incrementodoriscoconcretopeloagente, constituindoesta,quantoanós,uma
negaçãodorealdesvalordaaçãopraticada.Sendoafastadoodesvalordoresultado
faceaoenquadramentolegaldocomportamentolícitoalternativo,talnãoimplica
arecusadequeacondutadaqueleagentefoi,emsimesmaeporquecontráriaao
Direito,penalmentedesvaliosa.
Pormeiodateoriadaadequação,aimputaçãoobjetivadoresultadoàação,sempre
queseverifique,deformarazoável,quemesmoqueacondutadoagentetivesse
sido lícita o evento lesivo teria sido produzido, terá de ser negada face à não
verificaçãodaexistênciadeumarelaçãodecausalidadesinequanonentreação
realeresultadoocorrido,sendoque“nãoexistenexocausalefetivoentreaconduta
ilícitaeo resultado (…),pois,mesmoque,emvezdela, fossepraticadaaconduta
lícita,oresultadoter-se-iaproduzidoigualmente”113.
Aanálisedocarácterabstratamenteadequadodaaçãoparaproduzirumresultado
determinado114, enquanto critérionormativo queé, apenasé trazidoà colação
após aprévia enecessáriaafirmaçãodeumnexode causalidade real e efetivo,
existentenoplanonaturalístico.Em facedo comportamento lícitoalternativo, a
conduta ilícita do agente não se pode afirmar como condição estritamente
necessáriadaocorrênciadoacontecimentolesivo,antesconduzindoàafirmação
dequeesteteriaocorridomesmosemaquela,peranteaçãoconformeaoDireito,
nãoseconfigurandoestacomocondiçãofactualsemaqualoresultadonãoteria
tidolugar,acrescentando-seaindaque,emgrandepartedoscontextosdescritos,
os resultados concretamenteobtidos no plano empírico se configuram ainda já
foradoespaçodeprevisibilidadetípicaemfacedosconhecimentoseexperiência
113 Afirmação do Professora Américo Taipa de Carvalho, em Direito Penal, Parte Geral, QuestõesFundamentaisdeTeoriaGeraldoCrime,de,na2ªediçãodaEditoraCoimbra,de2008,napágina314.114 NostermosapreciadosnoCapítulo4destaDissertação.
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comuns, aplicados à situação, tal como defendo o Professo Paulo Pinto de
Albuquerque115.
Estafundamentaçãonãorepresentaumaregressãoteóricaaostermosdateoria
das condições equivalentes pois, como apreciado a esse propósito, a teoria da
adequação, embora não se limitando a esta, sempre terá de partir da noção
fundamental da ação enquanto indispensável elemento causador do resultado,
sempre funcionando a causalidade como garantia inultrapassável e essencial
pedra-de-toquedatodaaimputaçãoobjetivaemDireitoPenal.
115 Na sua obra ComentárioaoCódigoPenalàLuzdaConstituiçãodaRepúblicaedaConvençãodaUniãoEuropeia,na3ªediçãodaAlmedina,de2015,napágina80.
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8.DIREITOCOMPARADO
8.1.AIMPUTAÇÃOOBJECTIVANOSSISTEMADECOMMONLAW
Nos ordenamentos jurídicos de common law, em que o Direito se estabelece e
desenvolve, fundamentalmente, atravésdasdecisões judiciasdos tribunais, por
comparaçãocomosordenamentosdecivil law,deinfluênciaromano-germânica,
erigidosefundamentadosatravésdaprimaziadosatoslegislativos,aimputação
objetivaemDireitoPenalfuncionaatravésdeumsistemadeduplaverificaçãode
causalidade.
Pormeio do sistema em vigor, a verificação da imputação objetiva é realizada
através de dois níveis sucessivos de confirmação: no primeiro, é analisada a
causalidadefactualentreumacondutaeoresultadoproduzido,sendoque,sendo
estaconfirmada,seavançaparaosegundoplano,emqueéanalisadaapossível
existênciadacausalidadenostermosdoscritériosjurisprudenciaisfixados,para
quepossaseraferidaachamadacausalidadelegal(legalcause)116.
A existência de uma relação de causalidade factual entre o comportamento do
agente eo evento lesivo queefetivamenteocorreu é analisadapormeio deum
testedesignadoporTestedoSeNãoFosse.Nostermosdeste,éimpostoaojulgador
que,peranteosresultadosproduzidos,coloqueaperguntarelativaa“senãofosse
aquelaaçãodoagenteoresultadoter-se-iaverificado?”
De acordo com esta enunciação, a verificação da causalidade factual, nesse
primeiroplano,éefetuadaatravésdeumtestedenecessidadecausal,devendoser
questionado pelo julgador se a conduta do agente se apresentou como
estritamentenecessáriaparaaocorrênciadoevento,funcionandoesteteste,em
termosteóricosecomparativos,porcontornoseditamessemelhantesàquelesque
regemateoriadaconditiosinequanon.
116 ExpressãoemCausationintheLaw,dosautoresH.L.A.HarteTonyHonoré,na2ªediçãodaOxfordUniversityPress,de1985,napágina126.
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Para a realização da análise da necessidade causal de determinado
comportamento do agente para a específica ocorrência lesiva verificada,
estabelecem os tribunais que a causalidade deve ser compreendida através do
critério base do entendimento de um homem comum mediano, devendo este
depois ser suplementado e reforçado pela métrica do senso comum, tal como
estabeleceadecisãoproferidapeloSupremoTribunaldaAustrália,noprocesso
MarchvStramare,de1991117.
Numsegundograu,esendopreviamente,nostermosdescritos,pormeiodeuma
resposta positiva no âmbito do teste de necessidade, afirmada a relação de
causalidadefactual,estabelecendo-seassimqueaaçãodoagentefoiestritamente
necessária para a produção daquele resultado, impõe-se a análise da sua
causalidadelegal.Talrelaçãodeveráseravaliadapormeiodeumjuízojánãode
necessidademasdesuficiência,sendoestabelecidacomocausaemsentidolegal,
demododefinitivoemtermosdeimputação,aaçãoquesetenhaconstituídocomo
um elemento necessário de um conjunto de condições, condições essas
conjuntamentesuficientesparaamaterializaçãodoresultadoemapreço.
Ostermosdestaavaliaçãoforamformulados,pelaprimeiravez,pelosautoresH.L.
A.HarteTonyHonoré,nasuaobraCausalidadenaLei,sendoestarealizadaatravés
do teste NESS, sigla designativa da expressão necessary element of a set of
conditionssufficientfortheresult118.
Segundoeste,considerar-se-ácausalegalparaefeitodeimputaçãoobjetivaacausa
maispróximaaoeventolesivo.Estejuízodeproximidadeempregadopelotestede
suficiência, proximidade essa necessária quer em termos temporais quer em
relação à sua localização e espaço físico, serve para limitar as anteriores
possibilidadesdaobtençãodeumlequedesoluçõesdemasiadoextenso,inerente
àanálisedacausalidadefactualafirmadapormeiodotestedenecessidade,não
sendoassimrequisitoqueacondutadoagenteseconfigure,porsisó,comoacausa
únicadoresultado,exigindo-se,noentanto,queasuacontribuiçãocausal tenha
sidosignificativa.
117Disponívelemhttp://www.austlii.edu.au118Naspáginas182eseguintesdareferidaobra,supraidentificada.
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Destemodo,osordenamentosdecommon law encontrama legitimação jurídica
paraassoluçõesobtidasemsededeimputaçãoobjetivaatravésdeumaaferição
duplamentereforçada,sendoemcadacasoexigidoque,numnívelmínimoinicial,
a conduta do agente tenha sido necessária para a concretização do resultado e
depois,jáafirmadoessecarácternecessáriodaaçãodoagente,quesetenhaesta
demonstrado,emsimesma,comosuficienteparaaocorrência.Comosedisse,a
afirmaçãoda suficiência não implicará a exclusividade causalou a exigência de
inexistência de quaisquer processos causais adicionais a contribuir para o
resultado. Todavia, e mesmo assim, a conduta do agente deverá ter sido
determinanteparaaocorrênciadoprocessolesivo.
Nessa sequência, observada a existência de causas concorrentes, ambas se
concretizado no processo lesivo, mas não sendo possível determinar o seu
específicoautor,numenquadramentodesignadoporsobredeterminaçãocausal,
em correspondência de sentido à figura da causalidade alternativa, nos termos
apreciados no Capítulo 5 desta Dissertação, a diretiva fixada pelo processo
Summers v. Tice 119 , de 1948, determina que o resultado seja objetivamente
imputadoatodososagentes.
Adicionalmente, verificadas causas concorrentes no concreto contexto prático,
verificando-se,noentanto,queapenasdasuacombinaçãofactualfoipossívelobter
tal resultado lesivo, numa situação de causalidade cumulativa, o entendimento
jurisprudencial generalizado é o de que, mesmo assim, deverá ser afirmada a
imputação objetiva aos vários autores das condutas em apreço, nos termos do
decididonoprocessoHillv.Edmonds120,de1966.
Nestestermos,paraquepossaserdadarespostapositivaaotestedesuficiência,a
relação causal em apreço não se poderá observar interrompida, pelo que, de
acordocomajurisprudênciafixada,averificaçãodeumasituaçãodenovusactus
interveniens, que constitui uma intervening cause 121 na relação de causalidade
119Disponívelemhttps://scocal.stanford.edu/opinion/summers-v-tice-26161120Disponívelemhttps://h2o.law.harvard.edu/cases/120121ConformeoartigodoautorMichaelS.Moore,intituladoMetaphysicsofCausalIntervention,publicadopelaCaliforniaLawReview,disponívelemhttp://scholarship.law.berkeley.edu/californialawreview/vol88/iss3/10
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factualprimária,implicaráanegaçãodaexistênciadelegalcauseeaconsequente
impossibilidadedeimputaçãoobjetiva.
Onovus actus interveniens, que constitui assim a quebra da ligação de sentido
jurídicosentreoseventos,podeserconstituídopordiferentescircunstâncias,com
requisitosdeterminados,asaber:
i.AParticipaçãodaVítima
Averificaçãodainterposiçãodeumcomportamentodavítimanoprocessocausal,
emprincípio,não interromperáo nexode imputação. Contudo, se a atuaçãodo
ofendido se tiver demonstrado, no caso concreto, como uma reação
desproporcionaloudesrazoávelemrelaçãoàlesãoporsisofrida,constituiráum
novus actus interveniens, excluindo assim a imputação objetiva.De notar que o
tribunalapenasconsiderarárelevante,faceaoseucaráternegligente,aatuaçãoda
vítima que, após as lesõespor esta sofridas, demonstreumgraudedescuido e
incúria de tal forma grosseiro que tenha este vindo, de formapredominante, a
determinaropróprioresultadoporsisofrido.Nabastaqueoseudesleixopessoal
tenhafuncionadocomomeroacréscimocausalaoprocessoiniciadopeloagente,
talcomodeterminaadecisãonoprocessode1996RvDear122.Noâmbitodeste,
tendo a vítima vindo a falecer por efeito das facadas desferidas pelo agente,
invocouo arguido aexistênciadenovusactus interveniensdevido ao factode a
vítima,aosofreraslesões, terexpressadoqueasmerecia,nãotendoprocurado,
porisso,estancarassuashemorragias,comaintençãodeseesvairemsangue.O
tribunalcriminalinglêsconsiderouqueofactodeavítimanãoter,porqualquer
forma, tentado parar o sangramento ou aplicado pressão sobre os cortes, por
acreditar que “merecia morrer”, não deveria afastar a imputação da morte ao
agente,mantendo-se a condutadeste como a causaoperativa e significativado
resultadomorte,sendocausasuficientedoresultado.
122Disponívelemhttp://www.bailii.org
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Nomesmosentido,noprocessoRvRoberts123,de1971,damesmajurisdição,não
foi afastada a imputação objetiva das lesões graves sofridas pela vítima,
produzidasaquandodoseuprocessodefugaaoagente,tendoestasaltadodeum
carroemandamentoemrespostaàameaçadelesãofísicaporsisentidadentroda
viatura. Esta decisão jurisprudencial firmou o entendimento de que não releva
para efeitos de atribuição jurídica o facto de o agente não ter previsto a
possibilidadedeumareaçãodaqueletipoporpartedavítima,bemcomoassuas
consequênciaspráticas.Narealidade,nostermosdestadecisão,foifixadoqueum
comportamentodavítimaapenaspoderáserinvocadoenquantofactointerruptivo
darelaçãodecausalidadeemcasosextremosdeatitudestotalmenteinesperadas
ouestranhasdoofendido, face à lesãoou ameaçade lesãopor aquele sentidas.
Assim,aoagenteforamaindaimputadasaslesõesqueavítimasofreuporseatirar
da viatura, que seguia a alta velocidade, entendendo-se que a ameaça de lesão
efetuada pelo agente foi suficiente, segundo o tribunal, para causar tal reação,
devendoesterespondercriminalmentepelasconsequênciasdesta.
Aestaregrateórico-jurisprudencialdecaráctergeral,acresceaindaumadiretiva
de imputação objetiva, aplicável na análise de qualquer processo causal lesivo,
designadaporregradocrâniofinoetambémconhecidaporteoriadacascadeovo.
Segundoesta,ainesperadafragilidadedavítimanãopodeserinvocadacomofator
justificativo da negação da imputação objetiva, principalmente como meio de
defesa de lesões cuja gravidade apenas se torna possível ou é exacerbada por
condiçãopré-existentedavítima,mesmoquenãoconhecidadoautor.
Poroutraspalavras,“thedefendantmusttaketheplaintiffwithallhisweaknesses,
beliefs and reactions aswell as his capacities and attributes, physical, social and
economic”,talcomoafirmadopelojuizMichaelMcHughdoSupremoTribunalda
Austrália,noprocessoNadervUrbanTransitAuthorityofNewSouthWales124.
Também em cumprimento desta regra de imputação, o Supremo Tribunal do
Estado do Iowa, nos Estados Unidos, no processoBenn v. Thomas125, de 1994,
determinouqueaimputaçãodoresultadomorteàcondutadoagentenãodeveria
123Disponívelemhttp://www.bailii.org 124Disponívelemhttp://www.austlii.edu.au125Disponívelemhttps://law.justia.com/cases/iowa/supreme-court/
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serafastadaquandoavítima,apósumacidentedeviação,causadopelaconduta
doagente,venhaafalecerporacidentecardiovascularfataldavítima,mesmoque
apenas alguns dias depois. A vítima, previamente ao acidente, já sofria de
problemas cardíacos, tendo o agente invocado que a condição cardíaca pré-
existentedavítima,encontrando-seestamedicamentemaissuscetívelasofrertais
episódios,interrompiaonexocausal,nãopodendoporissooresultadomorteser-
lheimputado.
Todavia,oSupremoTribunaldeterminounãoexistirqualquerinterrupção,antes
afirmando a causalidade factual e legal, e por isso a devida imputação,mesmo
sabendo, face à prova produzida, que o acidente, naquelas circunstâncias
concretas, em relação a uma outra pessoa sem problemas cardíacos, não teria
seguramentecausadoamorte.
Destemodo,osresultadosproduzidospormotivodasespeciaisvulnerabilidades
da vítima, mesmo que estas não constituam condições normais, expectáveis e
comuns numa “vítima média”, deverão ainda ser tidas em conta em sede de
imputaçãoobjetiva,quersejamconhecidasounãopeloagente,nãoafastandoo
nexodeimputação.
Étambémpormotivodestaregraqueostribunaistêmvindoaestabelecerquea
imputaçãodeveráserafirmadamesmonoscasosemqueaprópriavítimatenha
recusado,devidoacrençasououtrosmotivospessoais,tratamentosmédicosque
podiamtersalvoasuavidaouevitadolesõespermanentes.
Nessesentido,noprocessoRv.Blaue126,de1975, tendooarguidoesfaqueadoa
vítima,verificou-se,jánohospital,queestairianecessitardeumatransfusãode
sangue. Contudo, sendo esta Testemunha de Jeová, recusou perentoriamente
qualquertipodetransfusãosanguínea,vindoa falecer.Mesmoassim,otribunal
inglêsafirmouanecessidadedeimputaçãoobjetivadamorteàcondutadoagente,
apesardaquelarecusa,recusaessaque,comaltaprobabilidade,teriasalvoasua
vida,tendoconsideradoquesenão fossepelaatuaçãodoagenteavítimanunca
teria sido colocada na situação de ter de aprovar ou recusar o seu curso de
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tratamento, devendo quem causa lesões a outrem “aceitar a vítima tal como a
encontra”.
TambémnoprocessoRvHolland,127maisantigo,de1841,otribunaldomesmo
modo decidiu pela afirmação da imputação do resultado verificado, no caso a
mortedavítima,mesmofaceàrecusadestaemaceitaro tratamentonecessário
(nocaso,umaamputação)parasalvarasuavida,umavezquealesãopraticada
peloagenteinicioutodooprocessocausal,nãodevendoestatalrelaçãotípicaser
assimafastadanostermosdateoriadacascadeovo.
ii.AIntervençãodeTerceiro
Emtermossemelhantesaoestabelecidosemcivillawpelateoriadaadequação,a
atuação de um terceiro que interfira no processo causal iniciado pelo agente
interromperáarelaçãodecausalidade,anãoserqueestaseapresentassecomo
inicialmente previsível e esperada em consequência da conduta do agente, tal
comoestabelecidopeladecisãodotribunaldeapelaçãocriminaldeInglaterra,em
1981,noprocessoRvPagett128.
No âmbito desteprocesso, tendoo agente sequestrado a vítima e, cercadopela
polícia, tendo-autilizadocomoseuescudohumanonasua tentativade fuga,de
forma a evitar a sua captura, acabou aquela por ser baleada pela polícia, que
respondiaatirosdisparadospeloagente.
Em julgamento, o arguido defendeu-se invocando a exclusão da imputação do
resultadomorteàsuaação,faceàinterposiçãodaatuaçãopolicial,afirmaçãoque
nãoteveprovimento,faceàefetivaprevisibilidadedaqueletipoderespostapor
partedasautoridadesemsuapróprialegítimadefesa,emrelaçãoaosdisparosdo
arguido.
DenotartambémoinfluenteprocessoinglêsRvMalcherek129,de1971.Noâmbito
deste,tendooagentecausadoassériaslesõesfísicasqueimplicaramqueavítima
fosse colocada em máquina de suporte à vida, e sendo depois medicamente
determinado que aquela se encontrava em morte cerebral sem qualquer
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possibilidadedereversão,foidecididopelaequipamédicadesligarasmáquinas,
tendoavítimafalecidoesendodepois,nessasequência,oagenteacusadodocrime
dehomicídio.
Emjulgamento,esteinvocouqueoresultadomortenãolhedeveriaserimputável
face à ação dosmédicos de desligar asmáquinas, ação essa que, quanto a ele,
deveriaserencaradacomointerrompendoonexocausal.Esteargumento,todavia,
nãoprocedeu,sendodeterminadoqueaslesõesfísicasporaqueleproduzidas,no
caso,asváriasfacadasquedesferiunoabdómendavítima,foramaverdadeirae
operativacausadamorte,sendosuficientesparatal,apenastendofuncionadoas
referidasmáquinas comoummétododesuspensãotemporaldosefeitosdessas
lesões,estassimasdeterminantesdamortedavítima,nãodevendoporissonegar-
seaimputaçãoobjetivadoresultadoàsuaação.
iii.IntervençãoMédica
Embora a análise da imputação objetiva, nos casos em que se verifica a
interposiçãodeatomédicoinadequadooudeficientenãodisponha,nossistemas
decommonlaw,ecomonoscasosanteriormenteapresentados,deentendimento
totalmentepacíficoegeneralizadoemsededeimputaçãoobjetiva,ocritériobase
presente nas respostas jurisprudenciais centra-se, maioritariamente, no
entendimentodequeumaintervençãomédicaapenaspoderáexcluirarelaçãode
causalidadelegaljáafirmadapelotestedenecessidadenascircunstânciasemque
seja observado um contexto de negligência médica tão grave que o resultado
verificadotenhajáperdidoasualigaçãodesentidocausalcomaatuaçãodoagente,
talcomoestabelecemosprocessosRvCheshire,de1991,eRvJordan,de1956130.
Desta forma, constituindo a causalidade o essencial conceito que determina a
organizaçãodosistemadeimputaçãoobjetivadescrito,eprocedendoesteauma
dupla análise e confirmação do nexo causal, tanto quanto ao seu carácter de
necessidade bem como ao da sua suficiência para a produção do resultado, as
regrasjurisprudênciasfixadasnosordenamentosdecommonlawconfiguramum
130Ambosdisponíveisemhttp://www.bailii.org
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sistemadeimputaçãoobjetivaemqueaatribuição jurídicados factoslesivosàs
condutas dos agentes se apresenta tendencialmente mais extensiva, tendo em
contaamenortónicavalorativaatribuídaqueraoconcursorealdecausasqueràs
causasconsideráveisparaefeitosdeafirmaçãodainterrupçãodonexocausal.
Face às distintas políticas criminais implementadas, a imputação demonstra-se
maisabrangentedoqueaimpostapelasnormaspenaisnossistemasdecivillaw,
desconsiderando diversas circunstâncias que estes tomam como entrave à
imputação epermitindo, nummaior conjuntode circunstâncias, a afirmação da
verificaçãodelegalcause,nostermosdasdecisõesjurisprudenciaisapresentadas.
8.2.AIMPUTAÇÃOOBJECTIVANODIREITOPENALBRASILEIRO
TalcomoindicadonoCapítulo3,oartigo13ºdoCódigoPenalbrasileiro,emsede
deimputaçãoobjetiva,consagralegalmentea teoriadascondiçõesequivalentes.
Comoapreciado,segundoestateoria,pelasuaformulaçãodaconditiosinequanon,
paraefeitosdaatribuiçãoobjetivadoeventolesivoaoagente,considera-secausa
todaacondiçãoquetenhacontribuídoparaaproduçãodoresultado,desdeque
semaquela,deacordocomumposteriorjuízodesubtraçãomental,nãosepudesse
afirmarqueeleteriatidolugar.
Desta forma, face aos termos em que esta teoria é configurada, desde que
concretamentenecessáriasparaoeventolesivo,todasascausastêmigualvalore
pesojurídicoindistinto,afirmaçãocomváriasconsequênciaspráticasderelevo.
Narealidade,talcomoestabeleceoProfessorE.MagalhãesNoronha131,“dentrodas
teoriasquemaiorprestígiodesfrutam,salienta-seaabraçadapornossoestatuto:a
daequivalênciadosantecedentes,oudaconditiosinequanon.Consoanteela,tudo
quanto concorre para o resultado é causa. Todas as forças concorrentes para o
evento,nocasoconcreto,apreciadas,querisolada,querconjuntamente,equivalem-
senacausalidade.Nemumasódelaspodeserabstraída,pois,decertomodo,seteria
de concluir que o resultado, na sua fenomenalidade concreta, não teria ocorrido.
131NoseulivroDireitoPenal,VolumeI,na38ºediçãodaEditoraRideel,de2009,napágina227.
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Formam uma unidade infragmentável. Relacionadas ao evento, tal como este
ocorreu,foramtodasigualmentenecessárias,aindaquequalqueruma,semoauxílio
dasoutras,nãotivessesidosuficiente.
Emconsequência,aindaqueapenasdacombinaçãodasdiversascondutasresulte
a produção do evento lesivo verificado, num contexto de causas concorrentes
cumulativas,desdequeemrelaçãoatodaspossaserafirmadaasuacontribuição
concretaparaaocorrênciadoresultado,dever-se-áprocederàimputaçãoobjetiva
doresultadoacadauma,conduzindoàresponsabilizaçãodosagentespelofacto
consumado.
Adicionalmente, a interrupçãodonexocausal,particularmentepor interposição
decomportamentodaprópriavítimaoupelaverificaçãodeexistênciaderelações
causaisindiretas,combastantemenorfrequênciaseencontraconfiguradocomo
elementoquepermitaaexclusãodonexocausal.
De facto, ainda segundoaquele autor brasileiro, “o nexo causal entrea açãoe o
eventonãoéinterrompidopelainterferênciacooperantedeoutrascausas.Assim,no
homicídio,onexocausalentreacondutadodelinquenteeoresultado,morte,não
deixadesubsistir,aindaquandoparatalresultadohajacontribuído,porexemplo,a
particularcondiçãofisiológicadavítimaouafaltadetratamentoadequado.Diante
donossoCódigo,ohomicídionãodeixadesertal,aindaqueparaoexícioconcorram
outrascausas,comoseogolpeédadoemumhemofílicoouemumdiabético,ouseo
ofendido não tiver seguido, ainda que voluntariamente, as observações médicas
impostasporseuestado.Todassãocausasconcorrentesparaoresultadoenãosehá
deexcluiradevidaaoagente”132.
Todavia,importasalientaraprevisãodomesmodiploma,nostermosdoseuartigo
14º, em como “a superveniência de causa relativamente independente exclui a
imputaçãoquando,porsisó,produziuoresultado”,relevandoassimparaefeitosde
interrupção da relação e consequente exclusão da imputação, apenas o facto
posterior, interposto ao processo lesivo iniciado pelo agente, que tiver a
capacidadede,porsisó,conduziràproduçãodaqueleresultado.
132Nosupraidentificadolivrodoreferidoautor,napágina228.
97
Acresceque,talcomodeterminaadecisãodoSuperiorTribunaldeJustiçade18
deNovembrode2002,noprocessoRHC11685RS2001/0094041-8, “o Código
Penal,aoadotaraconditiosinequanonparaaaferiçãoentreocomportamentodo
agenteeoresultado,ofezlimitandosuaamplitudepeloexamedoelementosubjetivo
- somente assume relevoa causalidade dirigida pelamanifestação davontadedo
agente,culposaoudolosamente.
Dentrodaação,a relação causalestabeleceo vínculoentreocomportamentoem
sentidoestritoeoresultado.Elapermiteconcluirseofazerdoagentefoiounãoo
queocasionouaocorrênciatípica,eesteéoproblemainicialdetodainvestigação
quetenhaporfimincluiroagentenoacontecerpunívelefixarasuaresponsabilidade
penal”133.
Assim, e quanto a essa faceta em termos semelhantes aos do sistema penal
português,mesmoconfirmadaanecessidadedeatribuiçãoobjetivadoresultado
típicoàaçãodoagente,sempresedemonstranecessárioqueestelhesejaainda
imputáveldeformasubjetiva,correspondendoasuacondutaafactodolosoou,nos
casosespecialmenteprevistospeloCódigoPenalbrasileiro,factoculposodaquele,
correspondendoestafiguradaculpa,essencialmente,àdanegligêncianodireito
penal português, dotando, dessa forma, o carácter de subjetividade essencial à
atribuição, dita completa, do resultado lesivo à ação do agente, na apreciação
global da sua conduta, de uma necessária e maior exatidão jurídico-penal,
limitando, em parte, a expansividade objetiva da teoria das condições
equivalentes.
133Disponívelemhttps://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?aplicacao=processos.ea
98
9.CONCLUSÕES
EstaDissertaçãodeMestradotevecomoobjetivodasuademanda investigativa,
quepartiudeumaopçãodecentralizaçãotemáticaemsededeimputaçãoobjetiva
emDireitoPenal,aprocuraderespostasdevidamentefundamentadasemrelação
àsprincipaisquestõespresentesnaanálisedaconcorrênciadeprocessoscausais
naproduçãodeumresultadoeproblemáticasasiassociadas,masdestadistintas,
naóticadosfactospraticadosporação,pelaspessoassingulares.
Reconhecendo o conceito de causalidade como a essencial trave mestra da
tipicidade objetiva nos crimes materiais, observou-se, a título de contraste, o
diferente panorama histórico existente antes da sua invocação jurídica,
nomeadamente através da utilização de ordálias. Estas, religiosamente
fundamentadas pela crença de um juízo divino que se acreditava presente e
diretamenteobservávelnessasprovassolenes,substituíamaobservaçãodeuma
relação causal por um judicium dei obtido através de conclusões falaciosas e
místicas.
Assim, a causalidade, enquanto relação de causa-efeito entre dois eventos,
permitindoaafirmaçãofácticaecomprováveldequeumresultadolesivoapenas
teve lugar como consequência de uma prévia conduta, erigindo-se com apelo
axiológicoedesignificadoemrelaçãoàsciênciasnaturaiseàfilosofia,constituiu-
se como a baseda primeira teoriade imputaçãoobjetiva,propostana segunda
metadedoséculoXIX.
Equiparando as noções de causa e de condição, na sua original formulação da
conditiosinequanon,comométododaoperaçãomentaldesubtraçãoindividual
decadacondiçãoobservada,àteoriadascondiçõesequivalentesnãopodedeixar
desernegadooméritorevolucionárionaconsolidaçãodarelaçãocausalenquanto
escalãomínimoexigívelàafirmaçãodaimputaçãoobjetiva.Contudo,nãosereputa
este conceito, no seu enquadramento exclusivamente naturalístico, enquanto
suficientebitolamáximaeúnicadeatribuiçãoobjetiva.
99
Assim,aevoluçãojurídicadaformulaçãoempíricadestaenunciaçãotomouforma
atravésdateoriadaadequação,propostanofinaldoséculoXIX.Emborapartindo
aindadoconceitopráticodacausalidade,nãoselimitaaeste,antesoutilizando
comoprimeiroescalãodeapreciaçãodosfactosconcretos.
Subsequentemente,sendoarelaçãocausalassimafirmada,deformasemelhanteà
análiseimpostapelaformulaçãodaconditiosinequanon,ateoriaintroduzdepois,
num segundoplano, através da imposição de um crivo de adequação social na
avaliaçãoda relação entre a açãoeo resultado, por intermédiodeum juízode
prognosepóstuma,umcaráterdenormatividadeque legitimaasuaapreciação,
apenasdevendoaimputaçãoserafirmadacasooresultadoverificadopudesseser,
no momento da ação e por qualquer agente nas mesmas circunstâncias,
identificado e previsto como consequência típica, expectável e normal da sua
conduta.
JánoséculoXX,ateoriadaconexãoderiscosurgiucomomodelodetentativade
resoluçãodeinvocadosproblemaspráticosqueoâmbitodateoriadaadequação
não permitia acomodar. De formulação essencialmente doutrinária e
jurisprudencial,esemconsagraçãolegislativageneralizada,trouxeàcolação,na
apreciaçãodonexode imputação,para alémda relação causal, que semantém
como a base dessa análise, o conceito de perigo e das esferas de risco
intervenientesnoprocessolesivo.
Destemodo,aimputaçãoobjetivaapenaspoderáserafirmadaquandoseverifique
queaaçãodoagentecriououincrementouumperigoproibidoparaobemjurídico
em apreço,perigo esse que sematerializouno resultado e cuja concretizaçãoo
âmbitoeofimdanormajurídico-penalemcausapretendiamevitar.
Consagrandoo regimepenalportuguêsa teoriadaadequação, comadicionaise
importantescontributosjurisprudenciaisrelativamenteàaplicaçãodocritérioda
conexão de risco como método da aferição das respostas obtidas pela teoria
legalmente prevista, principalmente em relação a casos limite de maiores
dificuldades dogmáticas, verificámos também, a título comparativo, o
enquadramentogeralde imputaçãoobjetivaemalgunsdosprincipaispaísesde
commonlawenoBrasil,tendodestapesquisaresultadooentendimentoexpresso
100
dequeaproblemáticadosconcursosdecausasencontraumquadronormativo
bastantemaiscompletoedesenvolvidononossosistemapenal.
Na realidade, no âmbito da verificação da multiplicidade de causas reais na
produção de um evento lesivo, concorram essas causas cumulativa ou
alternativamente entre si, a teoria das condições equivalentes demonstra-se
tipicamenteexcessivatendoemcontaaafirmaçãodaimputaçãoobjetivapelofacto
consumadoaqueosseustermospuramentecasuísticosobrigam,estabelecendo
assim um nexo de imputação que ultrapassa a causalidade factual e que se
demonstraatentatóriadoprincípiodoindubioproreo.
Já a teoriadaadequaçãonospareceresolveruniformee fundamentadamentea
questão da imputação no concurso real de causas, tanto se verificando que a
condutadoagentecontribuiuadequadamenteparaaproduçãodoresultadomas
semostrou,singularmente,comoinsuficienteparatalprodução,bemcomoquea
sua ação, abstratamente adequada à condução ao evento lesivo, constituiu, no
entanto,umadeumconjuntodeoutrasdequalidadesemelhanteederealização
temporalsimultânea,sempossibilidadedeposteriorindividualizaçãodarelação
causal concreta, levando a sua formulação à negação da imputação objetiva,
ressalvando, nos termos da lei penal aplicável, a possibilidade de
responsabilizaçãodosagentespelofactotentado.
Questões diversas se debateram em sede de concurso aparente de causas,
expressão que abrange as divergências relativas à causalidade virtual e à sua
estreita relação com a interrupção do nexo causal, bem como a figura do
comportamentolícitoalternativo.
Estabelecidaarelevâncianegativadacausavirtualparaefeitosdasuaimputação
objetiva,queremrelaçãoàqueleque intervémcomoagenteefetivodoprocesso
concretizado, quer emrelação aoautordopróprio processohipotético, face ao
carácternãomaterializadono processo lesivoda sua ação,observámoscomoo
resultadonãodeveserimputadofaceàinexistênciadeumarelaçãodecausalidade
factual,quenãoseconcretizoudevidoàinterposiçãodeumaoutranoseudecurso,
afastandoestaquebracausalonexodeimputaçãopormotivodasuainterrupção.
Todavia, os fundamentos normativos que permitam afirmar tal interposição e
101
consequentenecessidadedenegaçãodaimputaçãoobjetivaapresentamdiversas
particularidades.
Enquantoqueateoriadascondiçõesequivalentesimpõeoentendimentodeque,
desde que o autor tenha contribuído para a colocação da vítima no preciso
contexto fático que permitiu a lesão dos seus bens jurídicos, não deverão tais
circunstâncias ser consideradas como fator de quebra da relação causal e de
interrupçãodaquelenexo,devendoaimputaçãoserestabelecida,jáasteoriasdo
riscoedaadequaçãoobtêmdiferentetipoderesposta,aoempregaremmétricas
normativasnoestabelecimentoobjetivodaimputação.
Deacordocomaprimeira,serádecisivaaavaliaçãoconcretadasesferasderisco
afetadas,particularmenteseoresultadosedemonstraaindacomoaconcretização
doperigoinicialmentecriadoouaumentadopeloagentee,nostermosdasegunda,
só se apresentará como relevante para o afastamento da imputação face à
interrupção causal a circunstância que, de forma ex ante, não se pudesse
apresentarcomoadequadamenteprevisívelparaoagente,comoconsequênciada
suaação.
Adicionalmente,faceàsuaimportânciapráticaeàfrequênciadasdivergênciasnas
soluçõesjurisprudenciaisassociadas,aparticipaçãodecomportamentodavítima
e os processos causais indiretos foram também colocados em destaque dentro
desteâmbitodeestudo.
Quantoàprimeiraquestão,emboraacontribuiçãocausaledeperigodaprópria
vítimaexclua,emprincípio,aimputaçãodoresultadoaoagentedacondutalesiva
primária,afundamentaçãodetalexclusãonãoéunânime.
Ocritériodaadequaçãoapresenta-se,comosedefendeu,demasiadovagoeinexato
nosseustermosnormativosparaaavaliaçãodanecessidadedenegaçãotípicada
imputação, principalmente não tomando em consideração, através do critério
geral da adequação, a possibilidade de existência de diversos graus de
contribuiçãocausaldavítimaeaposteriornecessidadedecumulaçãodestacom
conduta ofensiva do agente, ainda para efeitos de responsabilização daquele.
Destarte,ocritériodaconexãoderisco,atravésdamétricaessencialdoprincípio
da autocolocação em risco dolosa da vítima, sempre levará à exclusão da
imputaçãoseacondutadoagentesetivermantidodentrodocontextonormativo
102
doriscopermitido,riscoesse cujaesferasevêaumentar,paralelamente, coma
criaçãovoluntáriadeperigopelavítima.
Poroutrolado,relativamenteàsegunda,edevendoasrelaçõescausaisindiretas,
nomeadamenteemfacedainterposiçãodeperíodotemporalverificadoentreação
eresultado,seraindatidasemcontaparaefeitosdeimputaçãoobjetivaaoagente,
acreditamos que o critério da adequação se apresenta, neste âmbito, como a
métricanormativaquemelhorfundamentaaavaliaçãotípicanecessária,aoimpor
aafirmaçãodaimputaçãodesdequeoeventolesivoverificadocorrespondaainda
amaterializaçãoconsequencial,normale expectável,daconduta inicialdaquele
agente.
Aindanoâmbitodatemáticadosprocessoscausaisconcorrentes,nosseustermos
aparentes,finalizámosaapreciaçãocríticacomodestaqueeadiferenciaçãoem
relaçãoàsproblemáticasanteriormenteestudadasda figurado comportamento
lícitoalternativo.Nestecontexto,emboraaaçãodoagentesetenhaefetivamente
materializado em resultado lesivo e essa conduta se apresente contrária à lei
aplicável, verifica-se, todavia, que mesmo que se aquele tivesse agido em
conformidadeaoDireito,cumprindoalei,oeventolesivoteriaocorridonamesma,
emcontornossemelhantes.
Sendoreconhecidaanecessidadedeexclusãodaimputaçãoobjetiva,ajustificação
doutrinalejurisprudencialdaimposiçãodetalexclusãoé,porém,divergente.
Embora para os defensores da aplicação da teoria da conexão de risco o
fundamentodetalexclusãosedevaobterapartirda inexistênciade criaçãoou
incremento efetivo de um risco e na inutilidade prática do dever jurídico em
apreço,cremosqueestaargumentaçãonãodeveráproceder.Sendoqueaconduta
do agente se concretizou num resultado, negar, depois de verificado tal evento
lesivo,asuamaterializaçãofaceaposterioresverificaçõesteóricasnãonosparece
correto e consonante com a lógica do nosso sistema de imputação objetiva.
Adicionalmente,ocarácterdeinutilidadedodeveremcausanãopodefuncionar
retroativamente,sendoquenãoeraesteconhecidopeloagentenomomentoda
práticadoato,deacordocomumjuízoexante.
Assim,acredita-sequeateoriadaadequaçãoserevestedemaiorméritoevalor
lógiconaapreciaçãodestaproblemática,aoconduziràexclusãodaimputaçãopela
103
verificaçãode inexistência,noseuprimeiroplanodeapreciaçãoda causalidade
naturalística, de ligação entre a ação e o resultado, aferida nos termos da
formulaçãodaconditiosinequanon,umavezquesetornapossívelafirmarqueo
mesmo acontecimento teria ocorridomesmo sem aquela ação ilícita do agente,
casotivesseesteagidoconformeaoDireito.
Desta forma, a multiplicidade de contribuições, reais ou aparentes, para a
produçãoderesultadoscomrelevânciajurídico-penal,semprenecessitatambém
de uma multiplicidade de soluções normativas que permitam, através da
verdadeira combinação dos seus termos e fundamentos, oferecer, tal como
exposto, respostas coesas e valorativamente justas em face dos princípios
estruturantesdeDireitoPenal.
Terminamos expressando o imenso gosto intelectual e pessoal tido, através da
oportunidade académica de realização de Dissertação de Mestrado, na sua
pesquisa,investigaçãoedesenvolvimentoescrito.
Comosecomeçouporindicar,ostemasdacausalidade,risco,imputaçãoobjetiva
e possibilidade de quebra de sentido nas ligações entre as ações e seus efeitos
práticos são, para nós, campos de extremo interesse. O estudo das relações de
causa-efeitoofereceumportaldepassagemparaumplanodeestudodotadode
considerávelassertividadeeclarezaintelectuais,circunstânciasquenemsempre
seachampresentesnoâmbitodasnecessáriasreflexõesrelativasaosmotivose
consequências dos comportamentos humanos, onde a aleatoriedade e
imprevisibilidaderegemgrandepartedasuarealidade.
Concluímoscomosincerodesejodequeestegostotemáticotenhatransparecido
noenquadramentoinvestigativodasquestõesapresentadasenaescritaqueselhe
apôs, na senda de apresentação de respostas e opiniões informadas e
fundamentadas, fazendo jus a tema de primordial importância em sede
classificativadeumfactocomocrimeedetantaconsideraçãoeinteressedaaluna
eautora.
BIBLIOGRAFIAALBUQUERQUE,PauloPintode,ComentárioaoCódigoPenalàLuzdaConstituiçãodaRepúblicaedaConvençãodaUniãoEuropeia,Almeida,3ªEdição,Coimbra,2015;ANDRADE,ManueldaCosta,Aslesõescorporais(eamorte)nodesporto,de,emLiberDiscipulorumpara JorgedeFigueiredoDias,CoimbraEditora,1ªEdição,Coimbra,2003;BARTLETT,Robert,TrialbyFireandWater:TheMedievalJudicialOrdeal,EchoPointBooks&Media,3ªEdição,ReinoUnido,2014;BORN, Max,Natural Philosophy Of Cause And Chance, Andesite Press, 2ª Edição,EstadosUnidos,2017;BROWN,Peter,SocietyandtheSupernatural:AMedievalChange,Daedalus,Volume104,Número2,MITPress,1975;CARVALHO,AméricoTaipade,DireitoPenal,ParteGeral,QuestõesFundamentaisdeTeoriaGeraldoCrime,CoimbraEditora,2ªEdição,Coimbra,2008;CLARKE, Adam.TheHoly Bible:Containing theOld andNewTestaments, SagwanPress,2ªEdição,ReinoUnido,2015;CONDE,FranciscoMuñoz,TeoríaGeneraldelDelito,EditorialTirantLoBlanch,4ªEdição,Espanha,2007;CORREIA,Eduardo,DireitoCriminalI,Almedina,3ªReimpressão,Coimbra,1971;COSTA, Antonio Manuel de Almeida, Ilícito Pessoal, Imputação Objectiva eComparticipaçãoemDireitoPenal,TomoI,6ªEdição,Almedina,Coimbra,2015;COSTA,JosédeFaria,DireitoPenal,Almedina,5ªEdição,Coimbra,2017;COYNE, Christopher J. e Peter T. Leeson, Sassywood, Journal of ComparativeEconomics,GeorgeMasonUniversity,Número12,EstadosUnidos,2012;CUNHA, M. Conceição Ferreira da, Os Crimes Contra as Pessoas, UniversidadeCatólica,2ªEdição,Lisboa,2017;
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