“De todo modo, é na redação do Jornal da Tarde que vai reboar
com estrondo o New Journalism, o Novo Jornalismo que vicejava
com vigor nos Estados Unidos desde os anos de 1960, a boa-nova
que nasceu. Como defendiam os novos jornalistas, era
hora de aposentar aquele jornalismo pouco
inspirado, sisudo, careta e cartorial e botar o pé
no mundo, para viver e contar histórias.”
"Abaixo o lide (lead) e suas seis questões básicas a
responder, o quê, quem, quando, onde, como e por quê, abaixo o suposto
cientificismo, as hierarquias forçadas, de contar do mais para o menos
importante, de ficar exclusivamente no nível dos dados e
declarações. Prática, aliás, nascida e desenvolvida com
a crescente produção industrial de notícias por grupos de
comunicação a partir da segunda metade do sec XIX.”
“No contexto sociocultural da renovação de valores no mundo
ocidental, era hora de arriscar outros pontos de vista na
reportagem, para dar a dimensão da complexidade do fato,
experimentar o mundo até como protagonista, narrar tudo, até
em primeira pessoa, como narrador-protagonista, com precisão e
envolvimento, captando a atmosfera que enformava os fatos,
descrevendo lugares e pessoas, tudo com palavras bem-postas,
precisas, avessas a normas preestabelecidas. “
“Com o Novo Jornalismo, em síntese, era hora de experimentação, de criatividade, de liberdade com
decisões editoriais tomadas no fazer, jamais de forma antecipada.”
“Embora muitas vezes seja lido como ficção, o novo jornalismo não é ficção. Ele é, ou deveria ser, tão fidedigno quanto a mais fidedigna reportagem, embora busque uma verdade mais ampla que a obtida pela mera compilação de fatos passíveis de verificação, pelo uso de aspas e observância dos rígidos princípios organizacionais à moda antiga. O novo jornalismo permite, na verdade exige, uma abordagem mais imaginativa da reportagem, possibilitando ao autor inserir-se na narrativa se assim o desejar, como fazem muitos escritores, ou assumir o papel de um observador neutro, como outros preferem, inclusive eu próprio” Gay Talese, em Fama e Anonimato
As lições dos mestres do New Journalism nos Estados Unidos prontamentechegaram até aqui e ganharam adeptos e difusores, entre seus mais entusiastas, Marcos Faerman.
Audálio Dantas: “― Não tenho dúvida nenhuma. O Jornal da Tarde, naquela fase, era, naqueles anos, em 1966 ele surgiu, uma revolução na imprensa diária, na medida em que eles valorizavam o texto de maneira extraordinária. Logo depois veio a Realidade [revista Realidade, lançada em abril de 1966, pela editora Abril, que se tornou outra grande escola de reportagem no Brasil]. Foi o espaço de formação que ele teve, ele não teve formação na área jornalística, porque fez Direito.― E ele nem concluiu.― Nem concluiu. Ele já era aquele... Ele era um escritor, mas que escolheu esse caminho do jornalismo. Escolheu? Sei lá, foi a vida dele pelo jornalismo.”
“Simultaneamente ao trabalho como editor e repórter do Jornal da Tarde, Marcos Faerman manteve longa contribuição com algumas das publicações mais importantes dos chamados anos de chumbo. Escreveu e editou o jornal Ex-, com o grupo original que fundara a revista Realidade em 1966 e dela saíra no fim de 1968, sob a liderança de Sérgio de Souza, entre outros. (...) Nosso autor também colaborara, entre outras publicações, com o Pasquim (1969-1991), jornal que lutava por liberdade com muito humor, irreverência e inteligência.
Mas a principal contribuição de Marcos Faerman à história da imprensa independente parece mesmo ter sido o jornal Versus.”
“Fundado em outubro de 1975, pela iniciativa de Marcos Faerman, o Versus logo marcou posições inovadoras, como a articulação pela integração do Brasil com os demais países da América Latina, via aproximação com alguns dos grandes nomes da cultura latino-americana, como o jornalista argentino Tomáz Eloy Martinez e o escritor uruguaio Eduardo Galeano, que editava, à época, a revista Crisis, em Buenos Aires.
Manteve, de forma vanguardista, espaço específico
para a difusão da cultura negra, contra o racismo
no Brasil, e tratou a questão indígena com viés
crítico e corajoso.”
“Audálio Dantas também assim entende a aventura em Marcos Faerman: ‘A reportagem, em si, para ele, é uma aventura, uma
descoberta. É um trajeto que se faz para chegar a algum ponto’. ― E aventura como uma forma de conhecimento.― Isso, da busca. Da descoberta.― Certamente precisa de uma abertura para isso, não adianta viajar fechado.― Precisa estar aberto para o mundo, para o outro, principalmente. O repórter que tem essa concepção deve estar aberto para o outro, o seu outro lado, seu interlocutor. O interlocutor é a tua razão de ser. É ele quem vai te contar as histórias.”
“O jornalismo de Marcos Faerman era, como visto, o exercício da aventura. Na prática, significava abandonar a redação refrigerada e tantas vezes sem janelas e botar o pé na rua, na estrada, ao vento, para bem conhecer a vida e os homens”.
“É um jornalismo que se fia na experiência imediata como
possibilidade epistemológica, como expressa por Michel de
Montaigne no ensaio ‘Da experiência’: ‘O desejo de
conhecimento é o mais natural. Experimentamos todos os meios
suscetíveis de satisfazê-lo, e quando a razão não basta apelamos
para a experiência. (...) Este segundo processo é menos seguro
do que o primeiro e menos digno; mas a verdade é tão valiosa que nada devemos desdenhar, capaz de nos levar a ela’. A reportagem, como forma de experiência, é um método de descoberta do mundo. “
“Marcos Faerman, como outros repórteres de sua
estirpe, são os narradores tradicionais, mas já
atuando num contexto que lentamente os alheia e
os despreza, contexto da transformação da
narrativa mais tradicional em indústria da
informação, com seus modos industriais de fazer e
de narrar.”
“É essa mudança, aliás, que Benjamin indica como principal motivo para o declínio do narrador e da narrativa, hoje. ‘Se a arte da narrativa é hoje rara, a difusão da informação é decisivamente responsável por esse declínio’, escreve. Segundo Benjamin, apesar de recebermos a cada manhã notícias de todo o mundo, seguimos carentes de histórias que nos surpreendam. ‘Arazão é que os fatos já nos chegam acompanhados de explicações. Em outras palavras: quase nada do que acontece está a serviço da narrativa, e quase tudo está a serviço da
informação. Metade da arte narrativa está em evitar explicações’”.
“ (...) marca fundamental do texto de Marcos Faerman era a dúvida, consciente da precariedade e da falibilidade da apreensão da realidade na hora da reportagem. Era um jornalismo, portanto, avesso a explicações fáceis e simplificadoras e contrário, portanto, ao discurso da certeza do jornalismo que então se impunha, sobretudo, a partir dos anos de 1970”
“Duvidar, inclusive de si mesmo, parece dar a dimensão da
complexidade da tarefa de conhecer o
mundo, sempre tão diverso, misterioso,
fluido. Não estamos aqui, portanto, no universo das certezas,
da razão desmedida. Não há, decerto, certeza de praticamente
nada, exceto aquela de que nada sabemos, muito pouco
sabemos.”
“A realidade é, no mínimo, feita de camadas e exige cavoucá-la
com sofreguidão. O que se mostra pode ser mentiroso, o que
está escondido pode ser verdadeiro. Como distinguir um do
outro? Que recurso, que instrumento, que
técnica pode ajudar na tarefa de conhecer e compreender o
homem? O repórter se equilibra e caminha sobre o abismo.”
OS PERFIS DE VOCÊS, como estão?
18/11: Edição dos perfis entre pares e entrega final
25/11: Comentários da correção, entrega das notas e balanço do bimestre
cerca de 5 mil caracteres
Top Related