Manuel Joaquim Pinho Moreira de Azevedo
O ensino secundrio na
Europa, nos anos noventa
O neoprofissionalismo e a aco do
sistema educativo mundial: um estudo
internacional.
Dissertao de Doutoramento em
Cincias da Educao sob orientao
do Prof. Doutor Antnio Nvoa.
Universidade de Lisboa Faculdade de Psicologia e de Cincias da Educao
Lisboa,1999
iii
Atravs do socilogo - agente histrico historicamente situado, sujeito social
socialmente determinado - a histria, isto , a sociedade na qual ele subsiste,
volta-se por um momento sobre si prpria e faz uma reflexo; e, atravs dele,
todos os agentes sociais podem saber um pouco melhor o que so e o que
foram.
Pierre Bourdieu
Ns no sabemos o que se passa e isso justamente o que se passa.
Ortega y Gasset
A realidade no claramente legvel. A nossa realidade no mais do que a
nossa ideia da realidade.
Morin e Nair
As revolues no so aceleradores da histria, mas traves para refrear
uma evoluo que, entregue a si mesma, leva catstrofe. Trata-se de fazer
melhor, evitando o pior.
Walter Benjamim
iv
v
Agradecimentos
Registamos uma palavra de gratido para com pessoas e organizaes que
nos apoiaram directa e tecnicamente na realizao desta investigao. Aos
nossos interlocutores em cada um dos pases, que nos abriram muitas
portas: Jens Pehrson, Inspector Geral de Educao, da Dinamarca;
Alejandro Tiana Ferrer, Professor da UNED, na altura Director do INCE, da
Espanha; Jukka Sarjala, Director Geral do Ministrio da Educao, da
Finlndia; Alain Michel, Inspector Geral da Educao, de Frana; Mark
Frequin, do Ministrio da Educao da Holanda; Ugo Panetta, do Ministrio
da Educao da Itlia; Morten Lauvbu, do Ministrio da Educao da
Noruega; Ulf Lundgreen, da Agncia Nacional para a Educao, da Sucia;
Michel Rohrbach, da Confederao Suia dos Directores Cantonais da
Instruo Pblica. Ao CIDE-Centro de Investigacin y Documentacin
Educativa do Ministrio da Educao de Espanha e sua Biblioteca, sempre
disponvel no apoio bibliogrfico. Associao Industrial Portuense, pela
disponibilidade que me proporcionou e pelo apoio logstico oferecido. Aos
meus amigos Jos Matias Alves e Jos Maria Azevedo, pelas sucessivas
leituras de textos mais ou menos dispersos e pelo seu incentivo contnuo.
E, por ltimo, uma especial palavra de agradecimento ao meu orientador,
Prof. Doutor Antnio Nvoa, pela sua enorme disponibilidade, pela sua
ateno gratuita e pelo seu efectivo apoio cientfico ao longo do estudo e
uma ltima palavra para recordar a minha famlia, sempre presente e sempre
disponvel.
vi
vii
Resumo
Na primeira metade dos anos noventa, ocorreram, em vrios pases da
Europa Ocidental, processos de reforma educativa que visaram integrar
percursos e modalidades de ensino e de formao de nvel secundrio e
desespecializar as formaes de tipo tcnico e profissional.
Tendo por objecto de anlise as reformas neoprofissionalistas do ensino e
da formao de nvel secundrio, em nove pases europeus, esta
investigao ergue-se com base em quatro hipteses: (i) estas reformas so
uma expresso de uma crise poltica generalizada acerca da funo social
do ensino e da formao de nvel secundrio e evidenciam a presena de
conflitos entre as racionalidades configuradoras das polticas para este
sector; (ii) as reformas seguem preferentemente o funcionalismo tcnico -
-econmico, como motor da aco poltica, e o ensino geral acadmico,
como modelo de organizao; (iii) ao seguirem o modelo do ensino geral
acadmico, as reformas neoprofissionalistas especializam o ensino e a
formao de nvel secundrio na funo propedutica de estudos
posteriores, legitimando uma ordem social existente, mais do que um outro
modo de promoo de uma formao de base, mais aberta e promotora do
desenvolvimento de cada ser humano; (iv) os decisores polticos nacionais,
no palco europeu, agem simultnea e similarmente, sob o efeito do sistema
educativo mundial, que exerce um efectivo poder estruturante das retricas e
das polticas educativas nacionais.
A investigao sustenta-se em contributos tericos da sociologia da
educao e da sociologia do trabalho e segue um percurso que contempla
uma anlise da evoluo histrica do ensino secundrio na Europa e uma
viii
pesquisa que se realizou em dois tempos e modos: o primeiro consistiu na
anlise documental das reformas educativas dos nove pases europeus
escolhidos e o segundo traduziu-se na realizao de um inqurito junto de
um conjunto de actores sociais relevantes, seleccionados em cada um dos
nove pases.
A investigao decorreu de modo sequencial entre 1993 e 1998 e teve como
principais motivaes tanto a experincia poltica do autor, na rea
educativa, quer no plano nacional quer no plano da representao do pas a
nvel internacional, como a sede de desocultar e conhecer o que realmente
se passa, sob a aparncia do que se est a passar.
ix
Abstract
During the first half of the nineties, processes of educational reform occured
in several Western European countries, aiming to integrate upper secondary
education and training pathways and modalities and to de-specialize
technical education and training.
This research projects subject of analysis deals with neovocationalist reforms
of education and training at upper secondary level, in nine European
countries, built upon four hypothesis: (i) these reforms are the expression of a
general political crisis regarding the social role of education and training at
upper secondary level; highlighting conflits between rationalities that shape
the policies for this sector; (ii) these reforms follow mostly technical-economic
functionalism, as the motor of political action and the general academic
education, as the educational organizational model; (iii) the neovocationalist
reforms, by following the general academic education model, specialize the
upper secondary education and training in the propedeutic function for further
education, thus legitimating an existing social order, more than another form
of promoting a basic training, more open and able to promote the
development of every human being; (iv) national policy-makers act, in the
European set, simultaneously and similarly, under the effect of the world
educational system, which actually has a structuring impact on the national
education rethorics and policies.
This research is based on the theoretical contributions from educational
sociology and labour sociology, including an analysis of the historical
evolution of secondary school in Europe and a research carried out in two
x
phases and under two methods: firstly, a documental analysis of school
reforms developed in the nine selected countries; secondly, an empirical
research based upon a survey targeted to a set of relevant actors selected in
each of those nine countries.
This research took place sequencially from 1993 to 1998 and its main
motivations were the authors political experience in the field of education, at
national level and as national representant abroad, as well as the will to
unveil and learn how reality is really like beyond the illusionary process of
keeping up appearances.
xi
Sumrio
Prefcio Um acto perguntador xix-xxv
Captulo 1 A ordem e a desordem no ensino secundrio 1
Uma selva sem identidade? 1
Os principais modelos de referncia 3
Os modelos escolar, dual e no-formal 6
Tipos de ensino e de formao 13
Tipologia de diversificao curricular 24
Diferentes modelos de integrao 31
Uma polarizao dominante 35
Tenses entre finalidades 40
Profissionalismo e neoprofissionalismo 45
Desespecializao e desprofissionalizao 49
Captulo 2
Introduo geral investigao 55
Reformas integradoras e desespecializadoras 59
As hipteses de partida 64
Principais opes metodolgicas 70
Um estudo internacional 72
Delimitao do campo de anlise 79
A pesquisa documental 82
Questionrio: objectivos e limites 85
Pesquisa emprica : quem inquirir e como inquirir 89
O questionrio e as suas partes 92
Captulo 3
A educao e a economia: desocultar a fora de um encadeado
ideolgico 97
3.1. A sociologia da educao e a correspondncia entre educao-
-economia 98
O funcionalismo e a teoria do capital humano 98
Uma evidncia sempre interrogada 105
A reproduo das relaes sociais de produo 109
As credenciais e a sua funo de informao 115
xii
Uma falcia chamada ensino profissional 120
Um desajustamento praticamente inevitvel 124
Um alargado desajustamento estrutural 132
As teorias da no-correspondncia 138
3.2. A sociologia do trabalho e os novos mandatos da economia 146
As novas tecnologias e o ps-fordismo 149
Da crise ao ps-fordismo, passando pelo neo-fordismo 153
A produo flexvel e a flexibilidade 163
Qualificao, requalificao e desqualificao 170
Teorias da segmentao do mercado de trabalho 182
Das qualificaes s competncias: o que muda? 186
O ensino geral como modo de especializao 194
3.3 A globalizao e o sistema educativo mundial 200
A globalizao, um processo multidimensional 202
A educao, uma instituio mundial 209
A teoria do sistema mundial 211
Convergncia e divergncia 215
A construo e a aco dos modelos educacionais 223
A consolidao do Estado-nao e a expanso da escolarizao
de massas 225
Expanso da ideologia da modernizao 233
A evoluo do sistema econmico mundial 236
O sistema de comunicao cientfica 239
A aco prolongada das organizaes internacionais e o caso
da UE
245
A educao comparada e internacional 250
A externalizao dos sistemas nacionais 261
A construo do sistema educativo mundial 264
Captulo 4
O ensino secundrio na Europa (1945 1995) 271
Os anos dos grandes mitos e a expanso da oferta e da 272
A unificao e o ensino de massas 283
Os choques dos anos 70 e os anos de crise 288
Um profissionalismo crescente 294
Anos 80 e 90: ensino secundrio, uma alternativa 309
xiii
Um novo mandato econmico internacional 319
Uma retrica optimista e valorizadora da formao geral 324
Captulo 5
As recentes reformas do ensino e da formao de nvel secundrio (anos 90) 339
O caso da Dinamarca 341
O caso da Espanha 354
O caso da Finlndia 369
O caso da Frana 378
O caso da Holanda 389
O caso da Itlia 404
O caso da Noruega 417
O caso da Sucia 430
O caso da Suia 447
As reformas da integrao e da desespecializao 453
Uma acentuada desespecializao nos Anos 90 457
Concluindo 479
Captulo 6
O neoprofissionalismo em questo 483
O ajustamento face ao desemprego 486
Um ajustamento procura social 488
O ajustamento face s novas competncias 493
O ajustamento ao mundo empresarial 497
O impacto do sistema educativo mundial 503
Processo de unificao e funo propedutica: ligaes 506
Um conflito entre mandatos societais 511
O corpo das hipteses de investigao 517
Captulo 7
O inqurito e os seus resultados 527
As motivaes e os objectivos das reformas 531
A atraco pela formao geral e a desespecializao da 550
A deciso poltica: presses internas e externas 565
Adeso-resistncia s reformas 574
Concluso geral 578
xiv
Captulo 8
Reflexo final e concluses 583
Um desequilbrio -reequilbrio entre racionalidades 584
A evoluo da economia e da procura social 589
A formao geral como modo de especializao 595
A aco do sistema educativo mundial 602
A ambiguidade das reformas neoprofissionalistas 608
Sntese de um percurso em espiral 612
Principais concluses da investigao 616
Limites da investigao e sugestes para novas aborgagens 631
Nota final, em jeito de psfacio 637
Bibliografia 647-680
Anexos Questionrio 683
Quadros complementares 701-706
Lista dos respondentes, pas por pas 707
Ficha 719
xv
Relao de quadros, grficos e figuras
Quadro 1.1. Sntese comparativa entre modelos de ensino e de formao dominantes no ensino secundrio (grupo etrio 16 - 19 anos).
13
Quadro 1.2. Comparao entre pases da Europa relativamente durao da escolaridade obrigatria e ao incio da diversificao escolar (1995).
26
Quadro 1.3. Tipologia da incidncia da diversificao escolar. 27
Quadro 1.4. Tipologia de sistemas de ensino secundrio segundo o grau de integrao/diversificao. 34
Figura 1.1. Polarizaes dominantes exercidas sobre o ensino secundrio inferior e superior. 39
Figura 3.1. Hierarquia dos espaos da empresa e seu diferente posicionamento face mudana. 157
Quadro 3.1. Do fordismo ao neo e ps-fordismo: caracterizao de modelos de desenvolvimento nacional.
164
Quadro 3.2. Dimenses do processo de globalizao. 207
Quadro 4.1. Taxa de crescimento do nmero de alunos inscritos no ensino secundrio superior em alguns pases europeus 1960-1970.
276
Quadro 4.2. Proporo da populao de dois grupos etrios que terminou pelo menos os estudos secundrios de segundo ciclo (1992).
277
Quadro 4.3. Taxas de desemprego de jovens em pases da OCDE. 291
Quadro 4.4. Evoluo da distribuio das frequncias segundo o tipo de ensino secundrio.
307
Quadro 4.5. Os investimentos do Banco Mundial no Ensino Tcnico e Profissional (1963-1988).
309
Quadro 4.6. Evoluo das taxas de escolarizao de estudos superiores (1980 - 1992).
313
Quadro 4.7. Taxas de desemprego juvenil (15-24 anos) em pases da OCDE.
314
Grfico 4.2. Do tringulo ao hexgono. 323
Figura 5.1. Organigrama do sistema escolar da Dinamarca -Ensino Secundrio.
342
Quadro 5.1. Distribuio da populao escolar aps a escolaridade obrigatria, na Dinamarca, entre 1981/82 e 1990/91.
343
Figura 5.2. Organigrama do sistema educativo Espanhol - LOGSE (1990).
357
xvi
Figura 5.3. Articulao entre o sistema de ensino geral e o sistema de formao profissonal especfica (FPE).
361
Quadro 5.2. Evoluo da frequncia da FPI, FPII, Ciclos Formativos de grau Mdio e de Grau Superior, em Espanha, entre 1987 e 1997.
366
Figura 5.4. Organigrama do Sistema Edcuativo da Finlndia-Ensino Secundrio.
370
Quadro 5.3. Novas reas de formao tcnico-profissional no ensino secundrio na Finlndia (reforma de 1991).
373
Figura 5.5. Processo de Experimentao entre 1991 - 1999. 375
Figura 5.6. Organigrama do sistema educativo em Frana. 380
Quadro 5.4. Distribuio da frequncia do ensino secundrio superior em Frana 1992/1993.
382
Figura 5.7. Organigrama do sistema escolar holands. 391
Quadro 5.5. Frequncia dos estabelecimentos de ensino secundrio de 1970 a 1990.
393
Figura 5.9. Fluxos de transio dos alunos entre modalidades de ensino e escolas.
394
Grfico 5.9. Distribuio das frequncias do ensino secundrio superior em Itlia por tipo de escola (1991/92).
405
Figura 5.10. Sistema educativo em Itlia. 408
Quadro 5.6. Componentes de formao dos cursos dos Institutos Profissionais.
412
Quadro 5.7. Estrutura de reas de formao adoptadas em Itlia. 413
Quadro 5.8. Situao (a 1 de Outubro de 1992) dos jovens que concluiram a escolaridade obrigatria na Primavera de 92, na Noruega.
419
Quadro 5.9. Progresso do nmero de especializaes dentro do ensino secundrio superior na Noruega (1994).
423
Figura 5.11. Nova organizao do ensino secundrio na Noruega. 425
Figura 5.12. Oferta educativa da escola secundria superior integrada na Sucia.
432
Quadro 5.10
Percentagem de alunos que tendo terminado a escolaridade obrigatria se matricularam no ano lectivo seguinte no ensino secundrio superior (escolas pblicas), na Sucia.
435
Quadro 5.11. Alunos no ensino secundrio superior (local, regional e independente) segundo o tipo de estudos que frequenta (1988-1992), na Sucia.
435
xvii
Figura 5.13. Distribuio dos alunos do 1 ano do ensino secundrio superior, na Sucia (outubro de 1993).
436
Quadro 5.12. Novas reas de formao/programas nacionais de ensino secundrio na Sucia.
443
Figura 5.14. Organigrama do sistema educativo da Suia - ensino secundrio.
448
Quadro 5.13 Elevao do nvel de formao geral, entre 1960 e 1990, dos que saem do sistema de ensino secundrio.
454
Quadro 5.14. Matriz comum aos percursos de formao sistemtica ps-obrigatria em Portugal (1992).
456
Quadro 5.15. Desespecializao no Esino Tcnico e Profissional na Europa.
459
Quadro 5.16. Evoluo da participao dos jovens de 16 e 17 anos no ensino e na formao.
466
Quadro 5.17. Evoluo da distribuio das frequncias segundo o tipo de ensino secundrio (Tempo inteiro + parcial).
468
Grfico 5.15. Evoluo das frequncias do ensino secundrio Geral e Tcnico e Profissional, entre 1970 e 1995.
469-471
Quadro 5.18. Tendncias da evoluo do ensino secundrio Geral, na Europa (anos 90). 472
Grfico 5.16. Evoluo do desemprego na rea da OCDE (1950-1996). 480
Quadro 7.1. Distribuio dos respondentes por pas e segundo o tipo de actor social.
528
Quadro 7.2. Questionrio enviados e recebidos, por pas e por actor social.
529
Quadro 7.3. Pincipais razes que levaram os responsveis polticos a desencadearem as reformas.
535
Quadro 7.4. Aspectos mais relevantes (entre os muito relevantes) que levaram os responsveis polticos a desencadear as reformas, segundo os actores inquiridos.
539
Quadro 7.5. Em poucas palavras, a reforma do ensino secundrio visou essencialmente o seguinte objectivo.
541
Quadro 7.6.
As reformas escolares, para alm do modo como foram veiculadas pelos decisores polticos, correspondem efectivamente, na opinio dos actores sociais, a um processo centrado sobre.
543
Quadro 7.7. Qual das afirmaes traduz melhor a finalidade principal das reformas em anlise.
547
Quadro 7.8. Valorizao de afirmaes sobre a relao escola-empresa.
549
xviii
Quadro 7.9. Motivos a que se fica a dever a reduo do nmero de especializaes no ensino e na formao ao nvel do ensino secundrio.
555
Quadro 7.10. Resultados esperados para as reformas de desespecializao e de integrao curricular, considerando a histria de cada Pas.
557
Quadro 7.11. Porqus da promoo da ampliao dos troncos comuns, da desespecializao e da integrao curricular no ensino secundrio, na ptica dos actores sociais.
559
Quadro 7.12. Modos como os actores sociais valoram a formaogeral e o ensino- tcnico-formao profissional antes das reformas.
562
Quadro 7.13. Presses internas sobre as reformas do ensino e da formao ao nvel secundrio.
567
Quadro 7.14. Organismos internacionais que influenciaram as reformas nacionais.
569
Quadro 7.15. Em que que, do ponto de vista do contedo, foi mais notria a influncia de organismos internacionais.
572
Quadro 7.16. De que modo concreto que a influncia internacional se exerceu.
573
Quadro 7.17. Comparao entre o peso das influncias internas e externas sobre a deciso poltica das reformas.
574
Quadro 7.18. Adeso e resistncia s reformas. 576
Quadro 7.19. As resistncias sociais reforma empreendida partiram sobretudo de que sectores.
577
Quadro 8.1. Elementos de compreenso do modo de funcionamento do sistema educativo mundial.
630
xix
Prefcio
Um actor perguntador
No s a razo que comanda os impulsos em direco investigao.
Talvez nunca o tenha sido, mas, como um dia ouvi dizer, esse um segredo
no revelado. Talvez seja bem mais determinante a torrente das guas
impetuosas que inundam o leito da existncia de cada um. O autor desta
investigao, durante duas dcadas de vida profissional no campo da
educao, embrenhou-se por entre prticas e crenas, formulou polticas e
executou projectos, enleou-se em enigmas e em evidncias, na tentativa de
se situar na desordem envolvente, consciente da sua condio de actor-
autor, balanceando permanentemente, como todos os outros actores e
autores, entre o nascimento e a morte. Ao longo dos anos, manteve os
ouvidos e os olhos abertos para uma imensido de vozes, diversas e
conflituosas, debaixo de um manto de consensos que porventura nunca
tero existido. Habituou-se a navegar num mar de perguntas, inmeras e
desordenadas, no como prtica de investigador mas como atitude
permanente diante das coisas e da vida.
medida que os anos iam passando, a arca das perguntas enchia-se, a par
de uns quantos papis e notas que parecia darem contributos pertinentes
para a compreenso dos fenmenos que o actor e autor observava e em que
participava. s perguntas do estudante e do dirigente estudantil sucederam-
se as do professor, nos fins dos anos setenta. Depois veio o olhar, o ouvir e
o sentir do tcnico de planeamento regional da rea da educao e o
contacto com um territrio, o norte de Portugal, as suas gentes, as suas
inquietaes, anseios e projectos, vieram as equipas de trabalho e os
primeiros estudos no terreno: os abandonos escolares em reas rurais, o
xx
ensino tcnico e profissional, o papel e a imagem dos professores, as
opes escolares e profissionais dos jovens. E a, cada uma das perguntas
de partida transformava-se num emaranhado de questes de percurso e,
sempre, em novas perguntas chegada. Tnhamos muito gosto em fazer
essa escalada que vai da informao at ao conhecimento e, por vezes,
durante breves segundos, ousvamos pensar ter alcanado a sabedoria.
Seguiram-se, nos ltimos dez anos, a experincia de activa participao na
construo de uma "reforma educativa", o perodo de direco da
administrao pblica no domnio da educao, em particular no ensino
secundrio, e a fase da governao, na mesma rea. Paradoxalmente,
aquele que parecia ser o tempo privilegiado das respostas, da sobrelevao
das crenas e das solues estruturadas, pouco mais foi do que o tempo da
experimentao dos maiores limites, o terreno frtil de novas e bem mais
demolidoras constataes e interrogaes. O tempo primordialmente
predestinado ao fazer destinou-se mais ao ouvir. A torrente das perguntas,
supostamente em "stand by", irrompia no momento mais inoportuno. Em
contrapartida, a viso ampliava-se, percorria caminhos insuspeitados, novos
ngulos de abordagem se impunham e um sem nmero de evidncias eram
abaladas e, quantas vezes, desmoronavam-se, caindo, por vezes
espectacularmente, no mais calado silncio, como se a vida fosse sobretudo
o defluir de um filme sem som.
Os palcos internacionais de encontro na rea da educao sucederam-se,
anos a fio, com destaque para os cenrios da UNESCO, da Unio Europeia
e da OCDE, particularmente do CERI-Centre dtudes et Recherches sur
lInnovation. As polticas de educao e de formao passavam velozmente
a ser tomadas como instrumento de tecnologia social e as polticas nacionais
de educao comeavam a ficar cada vez mais submersas pelo peso
compressor das dinmicas de reflexo e pelas sucessivas recomendaes e
at iniciativas polticas dos organismos internacionais.
xxi
O nascimento de novas perguntas significava o esquecimento e a morte de
umas quantas anteriormente enunciadas. E, assim, lentamente, sem rumo
definido, sem sobredeterminao racional aparente, renovaram-se os
"stocks" de interrogaes, mudaram-se os olhares, fizeram-se e refizeram-se
planos de pesquisa, que por trs vezes se encetaram, entre 1987 e 1994. O
ensino secundrio foi o terreno que se imps pela sua centralidade na
experincia pessoal do autor, embora a escolha do objecto de investigao
tenha apenas surgido aps sucessivos actos eleitorais interiores.
Dentro da problemtica das reformas do ensino secundrio emergiu
paulatinamente um problema particularmente interessante. Ao mesmo tempo
que uns pases continuavam a investir na profissionalizao do ensino
secundrio superior, criando at novas vias de especializao tcnica e
profissional, muitos outros empreendiam vrias reformas que apostavam
claramente na desespecializao e na unificao de percursos escolares,
at ento separados por vrios ramos e at por diferentes tipos de escolas.
A paixo por este problema no resultou de uma escolha muito objectiva e
racionalizada. Como em todas as paixes, o que sabemos to-
simplesmente que estamos apaixonados, raramente sabemos quando, onde
ou como foi que isso aconteceu.
Os discursos reformadores e os seus relatrios polticos de suporte eram
lidos com avidez. Neles emergia, como no laboratrio fotogrfico, uma
inquietante convergncia na considerao da necessidade de se proceder a
um urgente reforo da formao "geral", ao abandono das vias de
especializao, desprofissionalizao do ensino secundrio e a um
"regresso em fora cultura geral", como se afirmava. Documento atrs de
documento e conversa atrs de conversa levantava-se um rol de
interrogaes sem resposta.
xxii
Em Phoenix-Arizona, por ocasio de um seminrio internacional da OCDE
sobre os novos papis do ensino tcnico e da formao profissional, em
Maro de 1991, uma questo sobreps-se a tantas outras, em pginas e
pginas de notas: porqu este movimento, aparentemente to inesperado e
drstico, de desespecializao e de unificao porque que ele ocorrer
simultaneamente e to similarmente em tantos pases do continente
europeu?
Como seria de esperar, o terreno da aco poltica e da participao cvica
foi, por fora das guas deste rio, o terreno da emergncia de uma pergunta
que no mais abandonaria o ncleo das motivaes pessoais. este terreno
que, ao mesmo tempo, abre e fecha e caracteriza o olhar do autor e disso se
d conta, sem rodeios.
Ao longo destes anos os materiais continuaram a recolher-se e a acumular-
se: artigos de revistas, livros, publicaes oficiais de muitos pases, e at
estudos oferecidos e ainda por publicar. As conversas em roda da questo
sucederam-se, muitas vezes com interlocutores bastante qualificados, em
encontros, seminrios e conferncias internacionais. Estes contactos
pessoais revelam-se, revistos agora da frente para trs, como um elemento
decisivo na fabricao do olhar do sujeito sobre o objecto a investigar.
E, uma vez conseguida a necessria disponibilidade, iniciou-se um novo
ciclo de relacionamento com a problemtica seleccionada, o ciclo da
investigao. A questo de ontem j no era a questo de hoje; ela surgia
agora envolvida por satlites de conceitos, tais como novo sistema produtivo,
desemprego estrutural, globalizao, mercados de trabalho, requalificao e
desqualificao, procura social de ensino, credenciais escolares, unificao
escolar, unificao curricular e unificao institucional, mimetismo social,
convergncia internacional e sistema educativo mundial.
xxiii
A pergunta de partida reformulava-se, fazendo surgir novos contornos no
objecto de investigao. A desespecializao e a desprofissionalizao que
marcam, de modo similar e simultneo, vrios pases europeus, mormente os
seus percursos de ensino tcnico e profissional do ensino secundrio,
correspondero a um objectivo de reforo das competncias humanas dos
cidados ou traduziro sobretudo uma nova etapa na subordinao dos
sistemas de ensino aos mandatos da economia, agora em profunda
reestruturao? Assiste-se efectivamente a uma reorientao das finalidades
educativas do ensino secundrio ou antes se refora, agora com um novo
rosto, a sua finalidade produtiva? Como que os actores sociais se
apropriam destas novas orientaes? Que sentido lhes atribuem? Que rumos
gerais norteiam a evoluo do ensino secundrio na Europa, s portas do
Sc. XXI?
A construo da Unio Europeia viria a realar, ano aps ano, nos anos
noventa, a perspectiva de que est em lenta construo um sistema
educativo europeu. As intervenes cada vez mais numerosas e mais
orientadoras e sustentadas da Comisso Europeia nos domnios da
formao profissional, do ensino tcnico e da educao escolar, em geral,
configuram um terreno propcio manifestao de processos isomrficos e
de homogeneizao supranacional capazes de influenciarem vigorosamente
a evoluo dos sistemas educativos dos pases membros ( e at dos no
membros). A constituio, em 1997, do Europasse-formao constitui talvez
o facto mais paradigmtico da evoluo que se est a desenhar, como que
imperceptivelmente1.
este o problema que sucessivas interrogaes, formuladas anos a fio, a
tempo e a destempo, foram resgatando voragem dos dias. Uma vez
retirado do fluxo ininterrupto das coisas e da vida e em ordem a conferir-lhe
1 Cfr. documentao produzida pela Direco Geral XXII sobre esta matria, em 1997.
xxiv
um outro sentido, decidimos reinscrev-lo em novas lgicas de
inteligibilidade potencial (Berthelot, 1996).
Em resumo, foi no seio de uma aco poltica concreta e pessoal que se
ergueram, como uma bola de neve, certas evidncias e alguns enigmas em
torno dos novos rumos do ensino secundrio na Europa, uma longa srie de
perguntas sem resposta ou com respostas insatisfatrias, demasiado
envoltas no verniz dos discursos polticos. Ao assinal-lo o autor quer tornar
bem explcito o facto de que esta experincia pessoal impe um certo modo
de ouvir, de olhar, de pensar e de comunicar, que se assume com todos os
seus limites e todas as suas virtualidades. O rasto de conhecimento que se
empreendeu e de que aqui se d conta, destri uns enigmas e reconstri
outros e porventura constri novas evidncias. Mas assim. Ambos so o
vento que anima os dias que correm, cleres, aparentemente sem princpio
nem fim.
Deste modo, o objecto da investigao foi eleito no seio de uma experincia
pessoal de aco social, e a andou envolto no jogo dos actores em que o
autor se envolveu. Ao vincar este percurso pessoal o autor quer to-s
assinalar, como primeiro passo de enunciao metodolgica, a emergncia
do observador no objecto observado: ele determina a natureza da
observao e influi no fenmeno observado. Desde a eleio do prprio
objecto, da sua descrio e explicao, passando pela escolha dos campos
tericos de anlise, pelos modos de interrogar a problemtica, at s
escolhas metodolgicas, em todos os passos se respira a subjectividade do
investigador.
O autor simultaneamente reconhece, com Boaventura Sousa Santos (1987),
que o conhecimento adquirido no exerccio profissional um saber com um
sabor indisciplinado e indisciplinar que, embora capaz de lanar perguntas
xxv
ao objecto, tem muita dificuldade em romper com o conhecimento existente,
um saber que navega nas guas de um rio imensamente fluente que o rio
da retrica poltica, sempre evidente, convincente, prtico e superficial. O
autor reconhece tambm que a manifestao inequvoca da personalidade
do observador no observado e da unio ntima e inexpurgvel de quem
estuda aquilo que estuda, marca o processo de investigao com vrios
riscos, entre os quais se encontra o de tomar como resultados da
investigao as suas opinies, resultantes de uma grande e contnua
familiaridade com o objecto em anlise.
Partiu-se, assim, para a construo de um percurso pessoal de investigao
que favorecesse um forte distanciamento crtico em relao ao tipo de
conhecimento anteriormente construdo sobre o objecto, sujeito irrupo
fcil de preconceitos e de falsas evidncias. Desse percurso se d conta nas
pginas que se seguem. Com todos os seus limites, e so muitos, ele
enriqueceu muito o autor. Fica-lhe particularmente registada a necessidade
de maior rigor analtico permanente, a conscincia da complexidade do real
e dos grandes limites ao seu conhecimento profundo, a conscincia de que
somos um elo na cadeia do conhecimento humano e de que a solidariedade
a massa invisvel com que se forja a cincia.
E, como diz Karl Popper "quando nos damos conta de que no podemos
trazer o cu terra, mas to-s melhorar as coisas um pouco, tambm
vemos que s podemos melhor-las pouco a pouco".
1
Captulo 1
A ordem e a desordem no ensino secundrio.
A anlise da problemtica (aqui entendida como uma organizao
rudimentar de um campo de fenmenos que permite identificar problemas,
em ordem a uma investigao) da crescente integrao curricular e da
desespecializao que ocorrem simultaneamente no ensino secundrio na
Europa, com particular nfase nos anos noventa, reclama antes de mais a
procura, entre a ordem e a desordem que o caracterizam, de um "espao de
visibilidade" prprio (Almeida e Pinto, 1995:18) e uma definio conceptual
estvel, em torno de termos cujo controlo semntico se torna crucial, tanto
mais que se empreende uma abordagem de mbito internacional. Os termos
da linguagem comum relativos ao ensino secundrio superior2 so de uma
enorme variedade e amplitude semnticas e, frequentemente, os mesmos
termos apresentam significados muito diversos, em funo dos contextos
sociais e histricos nacionais, dando lugar a um emaranhado bastante
informe de significaes. com a caracterizao deste tipo de ensino e de
formao, em que se apresentam as suas diversas faces, e com a definio
dos principais conceitos que mobilizaremos no presente estudo, que
iniciamos o percurso de um conjunto de patamares analticos que visam
reconhecer e atribuir espessura e complexidade a uma problemtica que
consideramos crucial e profundamente actual nos sistemas educativos, em
todo o mundo.
Uma selva sem identidade?
A diversidade patente no segmento do ensino secundrio superior enorme,
2Utilizaremos a designao de "ensino secundrio" como equivalente de "ensino secundrio superior" ou de "ensino
secundrio de segundo grau", uma vez que, em Portugal, a primeira forma a que corresponde s restantes, em outros
pases europeus. A delimitao destes conceitos explicitada j em seguida.
2
o que lhe tem motivado a atribuio dos mais contundentes eptetos por
parte de vrios autores. Um relatrio ingls sobre a situao do ensino ps-
obrigatrio no Reino Unido, referenciado por Pedr (1992), descrevia o
panorama de possibilidades que eram oferecidas aos jovens no ensino
secundrio como uma verdadeira "selva". O mesmo termo referido por
Leclercq (1992), conjugando-o com uma "impresso de complexidade
excessiva e desencorajante". Por sua vez, J. Lesourne (1988), ao analisar as
relaes entre educao e sociedade, sublinha que ao nvel do ensino
secundrio de massas que se pem com mais acuidade as questes
relativas a programas de estudo e a pedagogia. A amplitude dos problemas
de conjunto que enfrenta hoje o ensino secundrio e a profunda influncia
que sobre ele tero os desafios do futuro fazem dele "potencialmente a parte
mais frgil do nosso sistema educativo" (Lesourne,1988:249). Depara-se,
assim, ab initio, com a ausncia de uma definio unvoca e comum
(Pedr,1996) e com uma classificao algo paradoxal do ensino secundrio,
representado ao mesmo tempo como uma selva e uma parte frgil do
sistema escolar.
Ibarrola e Gallart (1994), embora situadas perante o contexto latino-
americano, referem ainda que este grau de educao "carece de identidade
prpria", o que comungado por muitos outros autores europeus. Por um
lado, porque permanentemente atravessado e influenciado pelas polticas
da educao bsica e superior, seja enquanto prolongamento da
escolaridade obrigatria seja como percurso propedutico do ensino superior
e ocasio de seleco daqueles que lhe devem aceder. Por outro, porque
evoluiu de um ensino s para elites para um ensino de massas, que se
confronta em permanncia com a atribuio social de objectivos muito
diversos e, em parte contraditrios ou, no mnimo, muito divergentes. o
caso, por exemplo, das funes de orientao e de seleco ou o caso das
funes de preparao para a continuao de estudos superiores e de
preparao para o exerccio profissional imediato, a par das funes de
3
desenvolvimento das capacidades individuais e da formao de cidados
responsveis.
Estamos, de facto, perante um segmento do sistema educativo onde existe
uma irrecusvel diversidade de situaes e onde impera a disperso da
oferta escolar, contrariamente ao ensino bsico, segmento onde, em geral,
predomina o modelo unificado. Esta disperso espelha a presena de uma
multiplicidade de objectivos e de funes atribudas ao ensino secundrio
superior. Garrido (1992) e Leclercq (1992) assinalam que esta diversidade
acompanhada por uma hierarquia entre percursos institucionais e entre
cursos, hierarquia que se estabelece no s entre as formaes escolares
gerais e as formaes tcnicas e profissionais, mas tambm entre as
diferentes modalidades destas ltimas.
Esta percepo comum acerca da multiplicidade de funes sociais do
ensino secundrio remete necessariamente para um terreno onde se
confrontam diferentes racionalidades, no s em termos de opes polticas
que se formulam para este nvel de ensino, como tambm no que se refere
s representaes sociais que em torno dele se movimentam.
face a esta diversidade de racionalidades que se impe comear por
proceder definio dos conceitos-chave que aqui se vo utilizar e, se
possvel, fazer ressaltar em categorias a variedade existente. Se este
empreendimento tem a desvantagem de reduzir a complexidade e os
particularismos, comporta em si mesmo a vantagem de revelar as grandes
tendncias que os estruturam e de sublinhar as diferenas nucleares que se
mantm entre os pases europeus. Com base nestes conceitos e categorias
cremos que ser bem mais rigorosa esta empresa analtica.
Os principais modelos de referncia
Na Europa, o ensino secundrio compreende geralmente dois ciclos: um
4
primeiro ciclo ou grau, inferior, normalmente integrado na escolaridade
obrigatria e sequencial em relao ao ensino primrio, e um segundo ciclo
ou grau, de nvel superior, situado entre a formao geral , universal e
bsica e o ensino superior. O primeiro ciclo, regra geral, unificado e o
segundo ciclo diversificado, no s em termos curriculares, mas inclusive
do ponto de vista institucional. Podem tomar-se, por isso, como sinnimas as
designaes "ensino secundrio de segundo ciclo", "ensino secundrio
superior", "ensino secundrio de segundo grau". este o ciclo escolar que
aqui analisamos e que optamos por designar apenas por ensino secundrio,
que alis a designao actualmente usada em Portugal.3
No panorama europeu, o segmento do ensino secundrio o que apresenta
a maior diversidade de situaes nacionais e tambm o que maior
controvrsia tem suscitado nos ltimos trinta anos. Define-se como a
componente dos sistemas educativos em que se englobam as modalidades
de ensino e formao que so oferecidas no nvel ps-obrigatrio e os vrios
tipos de instituies formativas em que aquelas normalmente se
desenvolvem - liceus, escolas secundrias, escolas tcnicas e escolas
profissionais. Exclui-se deste conceito o conjunto das modalidades de
formao permanente, mas integra-se nele tambm uma srie de iniciativas
de qualificao inicial dos jovens que tm em vista facilitar a sua insero
socioprofissional, includas no que se costuma designar por sector de
educao no-formal ou por programas de formao-emprego.
Opta-se, assim, por um conceito abrangente de ensino secundrio, pois nele
no se abarcam apenas as tradicionais vias de ensino, a mais conhecida das
quais o liceu, mas um leque multifacetado de percursos de ensino e de
formao profissional inicial.
3 Note-se, todavia, que o facto de tomarmos estas designaes como equivalentes no significa que se desvalorizem as diferenas que lhes subjazem. Na verdade, o simples facto de o ensino secundrio se iniciar no termo do ensino primrio ou no termo da escolaridade bsica e universal reflecte uma intencionalidade poltica, orientaes e modos de organizao diversos, de sistema educativo para sistema educativo, de pas para pas.
5
A oferta da educao secundria destina-se ao grupo etrio 16-18/19 anos,
variando em funo do nmero de anos de durao da escolaridade bsica e
dos seus prprios cursos. O patrimnio analtico desta problemtica
considera que o ensino secundrio de segundo ciclo se organiza em trs
sectores principais, a saber: o escolar, o dual e o no-formal ( cfr., por
exemplo, Garrido, 1992; Pedr, 1992; OCDE, 1985).
O sector escolar do ensino secundrio compreende as instituies que
oferecem, a este nvel e para esta populao, cursos normalmente
estruturados em trs percursos: o geral ou acadmico, o tcnico e o
profissional. O sector encontra-se sob tutela da administrao educativa,
havendo evolues recentes em direco a uma partilha de
responsabilidades com outros departamentos da administrao e com outros
actores sociais.
O sector dual ou de "aprendizagem" corresponde a uma oferta de formao
profissional inicial que decorre ao mesmo tempo em centro de ensino-
formao e em empresa. A tutela mista, dos empresrios e da
administrao pblica, e os cursos conduzem obteno de certificaes
reconhecidas por ambas as partes.
O sector no formal compreende uma panplia de programas de formao e
de formao-emprego, desenvolvidos com a interveno do Estado e das
empresas, que integra cursos de durao superior a um ano e cursos de
curta durao. Este sector visa constituir uma alternativa aos estudos
escolares e ao desemprego, abarcando, por isso, jovens que j saram do
sistema escolar e que procuram uma qualificao especfica para ingressar
no mercado de emprego. Ele no se confunde, todavia, com a educao
informal, uma vez que se trata de formaes organizadas e sistemticas,
com carcter deliberadamente qualificante e devidamente planificadas,
6
destinadas normalmente a grupos especficos da populao.
Adopta-se esta categorizao na medida em que ela nos permite no s
definir mais rigorosa e separadamente cada sector, que tem uma histria e
uma racionalidade prprias, como tambm ler melhor a diversidade inter e
intranacional existentes na Europa. Ser no ensino e na formao que se
inscrevem no modelo escolar que esta investigao se ir centrar, como
veremos mais adiante.
Os modelos escolar, dual e no-formal
queles trs sectores correspondem trs modelos organizativos do ensino
secundrio, cuja predominncia varia de pas para pas e cujas
caractersticas importa definir.
Aos diversos modelos organizativos da escolarizao secundria subjazem
diferentes modos de percepcionar a funo social do ensino secundrio e,
consequentemente, modos diferenciados de seleccionar e de organizar os
contedos e os processos educativos. Nesta seleco e organizao
intervm tambm as culturas prprias de cada pas, os seus modos de
organizao social e produtiva e o peso da estruturao tradicional do
ensino secundrio, segmento do sistema educativo dirigido anteriormente a
uma pequena elite da populao.
Hoje, praticamente em todos os pases europeus, encontramos os trs
modelos dominantes, mas, de pas para pas, difere a relevncia de cada
modelo, fruto tambm de tradies histricas diversas e de uma grande
variedade de polticas nacionais e de polticas educativas.
O modelo escolar tende a constituir-se como o modelo aglutinador de quase
7
todas as formas de escolarizao ps-obrigatria no seio dos sistemas
formais de ensino e aquele que melhor tem favorecido uma escolaridade
ps-obrigatria de massas e a tempo completo. Ele agrupa os mais variados
tipos de escolas ou institutos de ensino secundrio, desde os liceus mais
tradicionais, at escolas tcnicas e escolas profissionais, conforme os
pases. Desenvolvido inicialmente nos EUA, este modelo de escolarizao
do grupo etrio 16-19 anos, aps a II Guerra Mundial, teve uma grande
expanso em pases como a Blgica, a Sucia, a Noruega, a Dinamarca, a
Holanda e a Finlndia, pases onde, j em meados dos anos 80, mais de
dois teros dos jovens de 17 anos estavam escolarizados.
Este modelo igualmente dominante em pases que apresentam, no
contexto europeu, as mais baixas taxas de escolarizao, como a Turquia, a
Grcia, a Espanha e Portugal, pases estes onde o modelo dual coexiste
com o modelo escolar, embora apresente sempre uma diminuta expresso.
De forma muito pertinente, Husn (1990:40) identifica, na sua matriz, dois
submodelos includos neste modelo mais geral. Para este autor sueco, tendo
presente a estrutura e o currculo dos diversos subsistemas de ensino
secundrio, o modelo escolar comporta um submodelo bipartido e um
submodelo compreensivo. O primeiro um submodelo europeu tradicional
em que as escolas acadmicas e as escolas tcnicas ou profissionais
coexistem como escolas paralelas; diferem bastante no "background" social
da populao que as frequenta e existe tradicionalmente um baixo grau de
mobilidade entre elas. O segundo compreende escolas com uma enorme
diversidade curricular em que todos os cursos esto sob o mesmo tecto. O
tipo clssico da escola compreensiva a "high school" americana, a que se
veio juntar, segundo o mesmo autor, a "gymnasium school" da Sucia, onde
a diversidade acolhida num nico tipo de escola.
A certificao escolar a que se acede neste modelo est intimamente
8
associada perspectiva de "transfer" ou de transporte, ou seja, abertura
das portas para o prosseguimento de estudos ainda que, em alguns casos, a
certificao tenha o rosto de um diploma tcnico ou profissional.
A este modelo escolar, em que predominam diversas modalidades de
formao a tempo inteiro e uma orientao em relao ao prosseguimento
de estudos, est subjacente uma cultura "educacionalista", para usar a
expresso de Kmrnien (1996), em contraponto com uma cultura
"profissionalista", prxima do modelo dual, eminentemente articulada com a
renovao da fora de trabalho e assente na cooperao estreita entre
escolas e empresas.
O modelo de formao escolar dominante na Europa o que contempla a
diversificao institucional, havendo uma sulco histrico de separao,
geralmente bastante rgida, desde os programas, aos tipos de docentes e
aos diplomas, entre centros ou escolas de formao profissional inicial e
escolas de ensino secundrio geral ou liceus.
Um dos mais srios problemas de poltica educativa, nos pases onde
predomina o modelo escolar de organizao do ensino secundrio, prende-
se com a sua incapacidade em acolher, nas tradicionais modalidades
escolares, a totalidade do grupo etrio correspondente, deixando de fora
uma percentagem mais ou menos significativa de jovens. Estes "grupos
residuais" (Gordon, 1990) ou grupos resultantes do "insucesso da escola"
(Banks, 1994), que podem atingir em casos extremos mais de 30% dos
jovens do respectivo grupo etrio, tm vindo a ser alvo de mltiplas
iniciativas polticas nos domnios da formao e do emprego, que mais se
aproximam dos modelos no-formal e dual , o que admite, desde logo, a
enunciao da hiptese de que talvez se esteja, nos anos 90, perante um
novo cenrio em que ter deixado de existir o modelo escolar, puro e
tradicional, passando a haver combinaes diversas entre os modelos
9
organizativos, neste caso sempre sob a predominncia do modelo escolar e
geralmente sob o controlo das administraes educativas.
O modelo dual, caracterizado por um forte segmento de formao em regime
de aprendizagem, formao em alternncia escola-empresa, predominante
na Alemanha, na Suia, no Luxemburgo e na ustria, onde a maioria dos
jovens de 17 anos o frequentam, e significativo em pases como a
Dinamarca e a Holanda. Esta a forma mais antiga de combinar formao e
trabalho. Nos anos 80, este modelo de organizao do ensino e da formao
esteve muito em voga e quase todos os pases o adoptaram, assistindo-se
actualmente existncia de uma grande variedade de estatutos e de tipos
de qualificaes sob a designao de "aprendizagem". Nos pases do sul da
Europa, este modelo, pela ausncia de condies sociais e produtivas
idnticas aos pases onde predominante e ainda pelo seu carcter de
modelo migrante em contexto cultural "educacionalista", minoritrio e
destina-se frequentemente a grupos populacionais "insucedidos" no sistema
escolar formal, assumindo-se como alternativa ocupacional s tradicionais
escolas tcnicas ou profissionais.
Pode considerar-se ainda dentro deste modelo a tradio dos cursos
"sandwich" das escolas tcnicas do Reino Unido, cursos estes que
compreendem seis meses de estudos a tempo completo, alternados com
perodos longos de trabalho em empresa, dentro de um quadro geral de
estreita cooperao entre as escolas e a indstria local.
A principal caracterstica especfica deste modelo de organizao da
formao, que repetidamente ensaiada em novos pases, o envolvimento
activo e directo das empresas na concepo, seleco, organizao e
transmisso da formao. A empresa o elemento central do processo
formativo. Combina-se no mesmo processo formativo a socializao escolar
mais tradicional com a socializao para o trabalho, fazendo envolver
10
geralmente dois "locus" sociais habitualmente separados nos outros
modelos, a escola e a empresa. Tal prtica revela um potencial de
ajustamento entre a formao e o exerccio profissional que, partida, tem
sido tomado como um instrumento til para a formulao de polticas de
ensino tcnico e de formao profissional que visam, antes de mais,
melhorar o ajustamento entre a formao inicial e o mercado do primeiro
emprego.
A certificao profissional atribuda pelos parceiros sociais, em sede de
concertao social, reconhecida ipso facto no mercado de emprego, alm
de comportar tambm uma equivalncia escolar. A formao em
aprendizagem, ao nvel ps-obrigatrio, tem, por isso mesmo, um cunho
predominantemente terminal e uma natureza ocupacional. Retomando a
designao de Kmrnien, h uma coerncia cultural "profissionalista" que
envolve e estrutura o modelo dual de organizao da oferta educativa.
O pas onde o modelo organizativo no-formal est mais presente, embora
sem ser dominante, o Reino Unido. Aqui as modalidades ps-escolares de
formao e ocupao englobam um quinto da populao do grupo etrio 16-
17 anos. No entanto, estas modalidades no-formais de formao tm vindo
a desenvolver-se um pouco em todos os pases, nomeadamente naqueles
onde existe ainda um potencial de crescimento do atendimento escolar e
formativo do grupo etrio 16-19 anos, sobretudo aps a constatao do
fracasso do sistema de ensino e formao na qualificao de todos os jovens
e diante da persistncia de elevados ndices de desemprego juvenil. O seu
incremento surge, muitas vezes, associado expanso de modalidades de
ensino profissional ligadas a experincias de trabalho, com uma
predominante intencionalidade ocupacional.
Nos anos 80 e 90, as mltiplas configuraes de que se revestem as
11
modalidades aqui includas, de formao-emprego, de formao para a
insero socioprofissional, de articulao ensino profissional e trabalho,
comeam a revestir-se de uma durabilidade tal que as catapulta para um
estatuto de alternativa formativa permanente, ora prxima do modelo escolar
ora adstrita lgica dual. Esta ltima verso tende, entretanto, a ser a
configurao predominante, pois o que est em jogo principalmente a
formao de um mercado de primeiro emprego mais vasto, capaz de
funcionar como um verdadeiro mercado de pr-contratao ou mercado de
substituio do emprego, para uma boa parte dos jovens.
Tomando como referente uma categorizao de Pedr (1992), este modelo
no-formal integra trs funes sociais relevantes, variando de pas para
pas: a de "transio" entre o sistema escolar e o emprego, desempenhando
um papel social ocupacional, que visa combater os longos perodos de
desemprego juvenil; a de "recuperao" ou remedial, na medida em que se
visa completar uma formao de base para aqueles adolescentes e jovens
que abandonaram prematura e/ou desqualificadamente a escola; a de
"complementaridade" face ao ensino formal, o que se traduz na oferta de
uma enorme diversidade de especializaes curtas, estgios, experincias
de trabalho.
Esta multiplicidade de funes da formao inicial no-formal assenta num
cruzamento conflituoso de percepes acerca do papel social das formaes
integradas no ensino secundrio. Neste cruzamento destacam-se, no
entanto, no s a tradicional retrica da preparao dos jovens para o
exerccio profissional qualificado, mas sobretudo o efeito social de
parqueamento juvenil, como imperativo de uma economia que oferece cada
vez menos emprego.
Estas formaes no so, por regra, conferentes de uma certificao
reconhecida partida quer pelo sistema escolar quer pelo sistema
12
profissional e visam sobretudo conferir competncias prticas e
imediatamente utilizveis num contexto profissional concreto, uma vez
encontrado um emprego.
Em sntese, os modelos organizacionais dominantes de ensino e de
formao para o grupo etrio 16-19 anos, na Europa, podem caracterizar-se,
como se evidencia no Quadro 1.1, pela finalidade principal dos cursos, pelo
"locus" privilegiado onde decorre a formao, pela tutela e pelo controlo da
iniciativa da oferta de formao e pelo tipo de certificao a que conduz.
Sublinhe-se ainda que, actualmente, quase todos os pases da Europa
adoptam os trs modelos de organizao do ensino secundrio, numa
grande variedade de configuraes nacionais. A necessidade de fazer
expandir a oferta e de responder procura massificada do nvel secundrio
conduz quase inevitavelmente a um tal cenrio. De certo modo e nesta
ptica, o ensino e a formao de nvel secundrio de qualquer pas europeu,
nos anos noventa, escolar, dual e no-formal, um sistema combinado, com
predominncias diversas, palco de tenses inevitveis entre culturas
educacionalistas e profissionalistas.
13
Quadro 1.1
Sntese comparativa entre modelos de ensino e formao dominantes no ensino secundrio (grupo etrio 16-19 anos)
5 Caractersticas "Locus " Finalidade
privilegiado Iniciativa/Tutela Certificao principal Modelo de formao dos cursos
Formao
Tutela da
Certificao
Educativa e de
Escolar escolar a tempo administrao escolar e, por "transporte (2) completo educativa vezes, profissional
Formao
Orientao comum
Certificao
Ocupacional(1) Dual profissional inicial, da administrao escolar e e terminal
alternando escola educativa e das profissional e empresa
empresas
Formao
Tutela de
Normalmente no
Ocupacional(1)
No-formal profissional inicial organismos h certificao e terminal de curta durao tripartidos e de (ou ela apenas de acesso ao
emprego, em escola e empresa
empresas profissional e prpria de cada
entidade)
(1) Ocupacional = quando a finalidade principal a capacitao para o emprego imediato (2) Transporte =as modalidades de ensino e de formao aqui includas asseguram o transporte para o prosseguimento de estudos, no ensino e na formao de tipo ps-secundrio e superior.
Tipos de ensino e formao
habitual considerarem-se, no ensino secundrio de segundo grau, trs
grandes tipos de ensino e formao: o ensino geral, o ensino tcnico e o
ensino profissional. Vejamos pormenorizadamente cada um destes tipos de
ensino, tendo em vista esclarecer o que dizemos quando usamos os termos
geral, tcnico e profissional. O ensino secundrio geral compreende as
formaes tradicionalmente ligadas preparao para o prosseguimento de
estudos ps-secundrios e superiores, o que abarca uma multiplicidade de
percursos escolares. Esta variedade engloba desde percursos dominados
pela perspectiva acadmica, a mais comum no ensino secundrio liceal
tradicional, at percursos escolares mais articulados com o mundo do
14
trabalho.
O termo "geral" aplicado ao ensino secundrio frequentemente tomado
como sinnimo de liceal. Seria porventura assim no passado, mas, ao longo
do sc.XX, o ensino secundrio, tradicionalmente elitista, foi-se
transformando; ocorreu um processo vasto de massificao escolar, o ensino
liceal evoluiu para novas configuraes e o ensino "geral" j no se pode
confundir mais com ensino liceal. No entanto, a educao geral esteve
sempre muito ligada, no ensino secundrio, preparao para o
prosseguimento de estudos superiores, tal como educao profissional
"especializada" sempre se atribuiu a funo de preparao para o trabalho.
Ao ensino geral cabe sobretudo o papel de assegurar o "transporte" dos
alunos entre os estudos obrigatrios e os estudos ps-secundrios e
superiores. Enquanto o ensino geral se organiza para exercer esta funo de
continuidade, sendo por isso profundamente condicionado pela
racionalidade prpria do ensino superior e, de certo modo, obrigado a
identificar-se com ele, o ensino profissional organiza-se predominantemente
sob um paradigma de descontinuidade face a estudos ulteriores e tende a
estabelecer as suas bases de identidade e de legitimao identificando-se
com o ambiente profissional e as necessidades do sistema produtivo. Por
isso, em boa verdade, ambos os tipos de ensino so especializados,
cabendo ao currculo "geral" o papel especializado de assegurar o acesso ao
ensino ps-secundrio e superior.
Para se apreender a actual complexidade em torno do conceito de ensino
geral mister explicitar algumas das significaes mais importantes que lhe
foram atribudas, ao longo deste sculo. Assim, as polticas de ensino
secundrio desenvolvidas em todo o mundo tm subjacentes, mais implcita
do que explicitamente, vrias perspectivas de educao geral. Segundo
Lauglo (1983), existem trs perspectivas dominantes, a acadmica, a
pragmtica e a politcnica, que passamos a descrever, em ordem sua
15
apropriao pelo quadro analtico em construo.
A perspectiva acadmica est muito identificada com a tradicional funo do
ensino secundrio de preparao para a universidade, atravs da
transmisso de uma "cultura geral", que constitui o substracto de uma
formao moral, em sintonia com a tradio racionalista e com o
enciclopedismo. Os saberes cognitivos e tericos so elevados excelncia
dos saberes escolares, como libertadores do erro e fundadores da virtude e
dos valores, em geral. Este modelo de educao geral tem sido criticado por
trs motivos principais, a saber: (a) os currculos esto "intrinsecamente
ligados cultura das classes altas", o que pode traduzir-se em dificuldades
concretas acrescidas ao nvel da eficincia, na actual escola secundria de
massas; (b) o currculo escolar menospreza a integrao na comunidade e
os saberes necessrios ao desempenho social de qualquer cidado; (c) os
planos curriculares esquecem a importncia e o valor formativo de algumas
"foras extrnsecas de motivao para a aprendizagem", absolutizando os
"sistemas intelectuais estabelecidos", as disciplinas.
A perspectiva pragmtica tem origem no pensamento norte-americano e
baseia-se num modelo de ensino-aprendizagem centrado em problemas e
na "education for life", distinguindo o conhecimento "useful" do conhecimento
"ornamental". Segundo o autor que nos serve de referncia, Dewey
influenciou muito esta perspectiva curricular, nomeadamente ao propor que a
educao deve desencadear-se com base em "problemas reais" e que so
ilimitados os recursos para aprender, se o currculo for centrado nos
interesses, preocupaes, necessidades e potencialidades criativas que o
prprio aluno tem em si.
Este modelo encorajou as escolas a incluir nos planos de estudos uma
grande variedade de cursos, mdulos e de opes formativas, nos domnios
da educao para a sade, para a qualidade de vida, para a participao
16
comunitria e para o exerccio profissional. Criticado pela sua permissividade
curricular e pela sua dbil considerao da coerncia e da sequncia
curriculares, este modelo seria particularmente atacado, pelo menos na sua
modalidade mais "soft", na sequncia do lanamento do Sputnik, no incio
dos anos 60. Gerou-se, nos EUA, um movimento que enfatizou a
necessidade de impor um currculo que fomentasse o desenvolvimento de
competncias prticas e mensurveis, que valorizasse a aprendizagem da
Matemtica e das Cincias Naturais e no se limitasse a uma difusa
"preparao para a vida" ou a um vago "learning by doing".
Este movimento viria a tornar mais consistente uma diviso entre, por um
lado, as caractersticas da educao pr-escolar e bsica e, por outro, do
ensino ps-obrigatrio, reservando a este ltimo o desenvolvimento de
actividades tericas e conceptuais autnomas dos "problemas reais", os
saberes disciplinarmente organizados, as atitudes de trabalho, persistncia e
concentrao.
A perspectiva politcnica da educao geral foi desenvolvida nos pases do
leste europeu e sublinha a importncia do trabalho e da realizao de
experincias de trabalho no seio da formao geral proposta pelo currculo
escolar. Khrushchev, em 1958, acusou as escolas soviticas de estarem
"divorciadas da vida" e ordenou a aplicao do princpio da integrao das
aprendizagens escolares com a participao na produo, como o mais
importante postulado organizativo da escola secundria. A educao
politcnica seria formulada, em primeiro lugar por N. Krupskaya, esposa de
Lenine, com base em trs elementos centrais: (a) o maior volume possvel de
conhecimentos cientficos e tecnolgicos deve ser ensinado e integrado no
treino de competncias manuais; (b) criada a nova disciplina de
"organizao do trabalho" para facilitar a ligao da escola com a envolvente
econmica e poltica; (c) o trabalho produtivo dos alunos desenvolvido,
lado a lado, com os trabalhadores das fbricas e dos campos.
17
Este modelo, que se expandiu bastante nas polticas escolares de outros
pases europeus, seria criticado sobretudo pelas contradies reveladas na
forma como foi aplicado: os locais de produo no estavam preparados
para serem locais de aprendizagem escolar, os problemas que surgem na
produo aparecem de modo desordenado e exigem solues em um tempo
e a um ritmo que ignoram as necessidades pedaggicas e, alm disso, as
prticas de ensino continuaram em grande parte a pautar-se pelas
tradicionais formas de ensinar, muito intelectual-acadmicas e pouco
experimentais.
A crtica ao romantismo desta viso da educao levou progressiva criao
de "centros escolares politcnicos", separados dos contextos de produo,
onde se desenvolviam prticas de produo, a formao pelo trabalho e at
o ensino acerca da produo (Lauglo,1983:292). O movimento de unificao
escolar que se espalhou por toda a Europa contm uma clara "interface" com
esta perspectiva de educao geral, tendo esta sido adoptada tanto no termo
do ensino obrigatrio e universal como no currculo do ensino secundrio
ps-obrigatrio, atravs da introduo de experincias de trabalho produtivo.
Estes trs modelos desenvolveram-se, de modo dominante, como
paradigmas internacionais de educao geral. A seu lado assistiu-se
adopo de outros modelos localizados, como o do humanismo e do
idealismo romntico de cariz nacional, como o que se associa historicamente
s "folk high schools" da Noruega.
Assinale-se, em tempo, que, nas polticas educativas adoptadas na Europa,
no existem compartimentaes muito estanques entre estas perspectivas.
, alis, a combinao entre a perspectiva pragmtica e a perspectiva
politcnica que mais parece influenciar a proliferao da escola polivalente
na Europa, nos anos 50 e 60 (Pedr,1992 e Papadopoulos,1994). Existe
18
como que uma dupla herana, que se comea a desenhar e a concretizar,
logo aps a I Guerra Mundial, tanto nos EUA como na URSS, num novo tipo
de oferta escolar, geral e comum, para a populao at aos 15-16 anos.
A pertinncia deste quadro de inteligibilidade acerca do ensino geral
elevada, sobretudo quando, muito frequentemente se associa ensino geral a
ensino acadmico, o que afasta aquele do ensino profissional e lhe retira,
logo na matriz conceptual, muitas potencialidades de enriquecimento por
fora da integrao de mltiplas valncias do conhecimento e de vrias
facetas do desenvolvimento de competncias.
Alm do ensino secundrio geral, comum identificarem-se tambm os
ensinos tcnico e profissional. Estes apresentam uma tradio de grande
ligao aos contextos oficinais e produtivos, onde se aprendia um ofcio ou
mester. Sob orientao de um mestre, os aprendizes realizavam a sua
aprendizagem, recorrendo sobretudo ao acto de imitar e de fazer pelas suas
prprias mos. A transferncia da educao tcnica e profissional do local
de trabalho para o tecto escolar processou-se, na Europa, ao longo dos
sculos XVIII e XIX. Adoptando a perspectiva de Bruno Belhoste (1989),
quatro factores favoreceram de modo significativo esta passagem: (a) a crise
do modelo de aprendizagem, que era o modo tradicional de transmisso dos
saberes-fazer tcnicos, crise esta que est muito ligada evoluo do papel
das corporaes de artfices e ao nascimento de novas actividades fora do
quadro das corporaes; (b) o reconhecimento, sob a nova viso das Luzes,
da cultura tcnica como um gnero de cultura erudita, condio necessria
para a escolarizao das formaes para as profisses manuais e
mecnicas; (c) o papel do Estado que, desde o sc. XVIII, adopta a formao
escolar como modo de produo dos quadros tcnicos de que carecia, tanto
nas foras armadas como na administrao do territrio; (d) a transformao
progressiva e simultnea dos modos de produo e dos processos de
19
trabalho, com a expanso da esfera mercantil, o desenvolvimento da
maquinaria aplicada produo e com a proletarizao crescente dos
trabalhadores. O capitalismo industrial, embora desempenhe um papel
determinante nas transformaes que ocorrem na educao tcnica e
profissional, no pode ser lido apenas como a causa, isolada ou no, do
desenvolvimento deste tipo de educao, uma vez que este tipo de
educao estatal, nomeadamente as escolas superiores tcnicas que se vo
criando, tambm favorecem o arranque dos processos de industrializao
em alguns pases da Europa.
Ao longo do sc. XIX, como assinala Benavot (1983), consolida-se um
movimento lento de assuno, por parte de empresas e organizaes
colectivas de industriais e por parte de entidades estatais, de uma oferta de
programas pblicos de formao profissional. Por um lado, externalizava-se
a funo aprendizagem, tendo em vista aumentar a produtividade do
trabalho industrial, mormente do trabalho em srie. Por outro, criava-se uma
oferta escolar para preparar profissionalmente os filhos dos trabalhadores da
produo, para uma indstria trabalho-intensiva que desabrochava.
Finalmente, os referidos promotores acreditavam que o ensino pblico, se
estivesse ligado s necessidades da economia nacional, podia desempenhar
um importante papel no desenvolvimento nacional.
Na primeira metade do sc.XX, desenvolveram-se na Europa, a par dos
"liceus" tradicionais, novos segmentos de ensino e formao; em alguns
casos combinava-se o exerccio profissional na empresa com a instruo
tcnica e profissional e noutros casos incorporavam-se novas escolas no
sistema educativo pblico, escolas tcnicas, comerciais e industriais.
Existe, efectivamente, uma distino entre ensino tcnico e ensino
profissional (o que, em lngua inglesa, se designa por "vocational education"
e por "vocational training"). Por ensino profissional entende-se aqui a
20
preparao para ocupaes profissionais qualificadas e altamente
qualificadas, compreendendo usualmente os estudos prticos e profissionais
oferecidos em escolas profissionais, a formao em aprendizagem e tambm
outras formas de combinao entre a formao em escola e na empresa, os
programas de formao-emprego. O ensino profissional apresenta vrias
configuraes, que se distribuem pelos trs modelos de ensino secundrio
acima definidos. Mas, no modelo escolar, cabem apenas as formaes
profissionais essencialmente escolares, promovidas geralmente pelo Estado,
atravs do Ministrio da Educao, e realizadas a tempo inteiro. O ensino
profissional, para alm de ser oferecido no mbito do ensino secundrio
superior, -o tambm no ensino secundrio de primeiro ciclo, por exemplo,
na Holanda e na Alemanha, e no ensino ps-secundrio, como o caso do
Japo e dos EUA.
O conceito de ensino tcnico que aqui se emprega refere-se aos programas
e aos cursos que preparam para profisses tcnicas e altamente tcnicas,
todas elas oferecidas aps o nvel obrigatrio da escolaridade, geralmente
de maior durao que os anteriores. A sua frequncia requer nveis mais
elevados de formao entrada e os cursos tm uma orientao terica e
cientfica mais forte e as mais das vezes qualificam para a entrada no ensino
superior, por vezes de modo equivalente aos cursos e diplomas do ensino
geral.
Dada esta situao, oportuna e pertinente a observao de M. McLean
(1995) ao apontar para a existncia de dois tipos de "ensino profissional" na
Europa: um ensino profissional estatal-escolar (o que aqui designamos por
ensino tcnico) e um ensino profissional empresarial-laboral. No primeiro
vemos a marca da cultura educacionalista e da interveno estatal no
planeamento econmico, e ainda a dominao de uma cultura
enciclopedista, que faz migrar as tradicionais disciplinas, ditas gerais (tais
como Matemtica, Lngua Materna, Cincias Naturais, Cincias Sociais e
21
Filosofia), do ensino geral acadmico para o ensino profissional. O segundo
est centrado sobre o local de trabalho e dominado pela interveno
directa dos empregadores, corolrio de uma cultura profissionalista. Aqui, o
ensino profissional vlido por se desenvolver autonoma e firmemente
separado do ensino geral.
As referncias tradicionais do ensino tcnico so, por exemplo, o
"enseignement technique", em Frana, o ensino tcnico ou tcnico-
profissional, em Portugal, ou ainda o "insegnamento tecnico", em Itlia. Pode
tambm incluir-se neste tipo de ensino de base escolar, o modelo da Sucia,
da Noruega e da Finlndia (Lauglo, 1983). Na Sucia desenvolveu-se a mais
radical tentativa de promover o ensino de tipo tcnico-profissional em ntima
articulao com a educao geral.
A este ltimo tipo de ensino secundrio, o ensino tcnico, est tambm
associada uma perspectiva de "transporte", orientada para uma continuao
da formao, enquanto que ao primeiro surge acoplada uma perspectiva
mais terminal. As diferenas entre os dois tipos de programas de formao e
as distines sociais que sobre eles recaem variam substancialmente de
pas para pas e, em parte, so responsveis pela enorme diversidade de
fluxos na sua procura social.
Os ensinos tcnico e profissional podem ser entendidos, como em Garrido,
Pedr e Velloso (1992), como um conjunto de formaes directamente
orientadas para a preparao para o trabalho e para o exerccio de uma
ocupao profissional. Deste modo, os ensinos tcnico e profissional
constituem tipos especializados de formao, que se apresentam como
sequncia e visam completar formaes mais gerais e bsicas.
Refira-se ainda que se empregam, por vezes, os conceitos de ensino
profissional e de formao profissional como conceitos equivalentes. So-no,
22
na medida em que na sua concepo e na sua implantao, no sistema
educativo, predomina uma perspectiva ocupacional e terminal, a preparao
para o exerccio profissional mais imediato. Existe, no entanto, uma
diferena, mais vincada em uns pases do que em outros, que consiste no
facto do ensino profissional estar normalmente concebido sob a luz do
modelo escolar e das suas formaes mais gerais e tradicionais, tambm
designado por vocational education, enquanto que o conceito de formao
profissional est geralmente mais distanciado dos referentes escolares, dos
seus planos de estudo, das suas normas de avaliao e de certificao. A
este conceito est associado o termo training e um contexto de educao
menos formal e, as mais das vezes, exclusivamente no-formal e no-
regular. Assim, alm dos termos de ensino tcnico e profissional, usar-se-
isoladamente o termo formao profissional, sendo este mais
recorrentemente aplicado por referncia ao sector no-formal.
Entre estes trs tipos de ensino secundrio- geral, tcnico e profissional-
existe uma hierarquia de prestgio ligada a mltiplos factores, cada um deles
com diferente relevncia de pas para pas: estatuto social da populao que
neles ingressa, funes sociais atribudas pelos decisores polticos,
credenciais que conferem e tipos de reconhecimento social destas
credenciais, mormente para efeitos de exerccio profissional, tipo de
empregos e nvel no sistema de remuneraes, tipos de escolas, centros de
formao e tipos de docentes e formadores e ainda modos de avaliao e de
seleco. Mesmo onde no so maioritrios em termos de oferta educativa e
de procura social, as formas organizativas escolares constituem a referncia
tradicional e dominante de estruturao do ensino secundrio na Europa e,
dentro delas, predomina a referncia ao ensino geral, o mais enraizado e o
que se destina, tradicional e inequivocamente, a promover a passagem para
estudos ulteriores, nomeadamente para o ensino superior.
Os modelos escolares so os mais abrangentes e podem abarcar, na sua
23
oferta, desde tipos de ensino geral a tipos de ensino tcnico e profissional. A
sua amplitude e a sua elasticidade interna so notveis e, em alguns pases,
desdobram-se em tipos e em instituies de ensino to diversos que,
incorporando modalidades de formao dual e no-formal, as reduzem a
segmentos meramente residuais e desvalorizados, como sucede em Frana,
Espanha, Blgica ou em Portugal.
Nos pases onde a formao profissional inicial no tem uma base escolar,
antes derivando de uma forte responsabilizao empresarial pelos processos
de aprendizagem, como o caso da Alemanha ou da Sua, a hierarquia de
prestgio entre os percursos escolares no deixa de existir. No entanto, como
aquela formao baseada numa relao fortemente instituda entre o sistema
de formao e o emprego e como os mercados internos de trabalho valorizam
o modelo de formao profissional institudo, participando na sua definio e
promoo e reservando-lhe um papel estruturante, a sua funo social
diversa, o seu prestgio maior e a sua procura "encantada" mais
acentuada. Um pouco mais adiante analisa-se mais pormenorizadamente esta
hierarquia de prestgio, procurando-se indagar os seus sentidos, os conflitos
subjacentes e as suas consequncias sociais.
Refira-se, no entanto, que comummente reconhecida ao ensino tcnico e
formao profissional inicial, sobretudo nos pases europeus em que esta
oferta se centra no campo escolar, uma marca de estigmatizao social e que
grande parte das medidas de poltica que lhe foram direccionadas no ps-
Guerra visaram libert-lo do estigma das vias de formao para os
deserdados. Pedr (1992) descreve, em cinco elementos sintticos, o quadro
da estigmatizao destes tipos de ensino e formao, construindo o crculo
vicioso em que eles se encontram submersos, em particular nos modelos
escolares da Europa do Sul. Os elementos referidos constituem um encadeado
que se pode descrever com a seguinte ondulao: este tipo de formaes
mais caro do que o ensino geral e normalmente no lhe so afectos mais
24
recursos; os empregadores valorizam, regra geral, as mais altas credenciais
escolares; os diplomas profissionais detm um escasso valor no mercado de
emprego e do acesso aos empregos com menor remunerao; o ensino
tcnico e a formao profissional inicial renem um escasso prestgio social,
que conduz a uma fraca e at desencantada procura social; e, finalmente, o
acesso a estas formaes baseado em caractersticas sociais e acadmicas
dos alunos, fazendo parte de uma orientao negativa por parte dos jovens,
das famlias e das escolas. Associa-se, assim, ao ensino tcnico e formao
profissional inicial, particularmente no conjunto de pases j referido e
diferentemente do que acontece em outros pases do Europa do Norte, um
ambiente sociocultural de escassez, desvalorizao e estigmatizao.
Este ambiente parece relacionar-se, antes de mais, com o facto de ser
generalizada a constatao social de que as probabilidades de obteno de
um emprego e de um estatuto socioprofissinal elevado so maiores entre os
jovens que possuem diplomas do ensino geral e do ensino superior, em
particular do ensino superior universitrio (OCDE, 1995; Verdier,1995;
Bourdon, 1995). O mercado de emprego utiliza a hierarquia dos ttulos
escolares como sinal adequado de hierarquizao dos postos de trabalho.
Provam-no muitos estudos da sociologia da educao, promovem-no as
estratgias de recrutamento dos empregadores e lem-no os ambientes e as
decises familiares, construdas em boa parte sobre as representaes acerca
daquelas probabilidades. Assim, tambm a hierarquizao das formaes
escolares no seio do ensino secundrio parece inelutvel (Leclercq, 1992 e
1994).
Por outro lado, o sistema escolar desempenha um importante papel orientador
e selectivo dos diversos percursos escolares dos alunos. Para a problemtica
em apreo particularmente relevante o momento do trminus da escolaridade
obrigatria. A, o acesso s diferentes vias posteriores de formao regulado
por prticas de orientao e por disposies administrativas que relevam de
orientaes e opes polticas e que consagram geralmente uma "orientao
25
pelo fracasso". Como refere, em 1976, o relatrio da OCDE sobre as
transformaes estruturais no segundo ciclo do ensino secundrio (OCDE,
1976), os alunos que seguem os estudos tcnico-profissionais so aqueles
que j foram excludos da admisso ao ensino geral e os que apresentam
nveis socioeconmicos mais baixos. A esta funo selectiva est ligada uma
funo de participao dos sistemas escolares na produo de uma hierarquia
de poder e de prestgio no sistema produtivo e no sistema social, em geral.
Tipologia de diversificao escolar
As caractersticas do ensino e da formao de nvel secundrio esto
relacionadas tambm com a sua inscrio em cada um dos sistemas
educativos nacionais, onde ocupam diferentes posicionamentos e
desempenham funes diferenciadas. um facto que a diversificao est
presente em todos os sistemas escolares, embora de modos diferenciados. A
diversificao escolar pode analisar-se sob dois prismas principais: o
momento em que ocorre e o modo como ocorre. Quanto ao momento, ela
pode considerar-se precoce ou tardia. Ela precoce se ocorre dentro do
perodo da escolaridade obrigatria, que uma escolaridade geral e comum,
na generalidade dos pases europeus. Ela tardia quando surge aps o
termo da escolaridade obrigatria. O quadro 1.2 apresenta a situao
europeia em 1995.
26
Quadro 1.2
Comparao entre pases da Europa relativamente durao da escolaridade obrigatria e ao incio da diversificao escolar (1995)
Pas Escolaridade
obrigatria
(a tempo inteiro)
Idade em que se
inicia a
diversificao
escolar
Durao
(anos)
Idade em que
termina
Alemanha 10 15/16 10
ustria 9 15 10
Blgica 10 16 12
Dinamarca 9 16 16
Espanha 10 16 16
Finlandia 9 16 16
Frana 10 16 15(1)
Grcia 9 15 15
Holanda 11 16 12
Irlanda 8-9 15 12
Itlia 8 14 14
Noruega 9 16 16
Portugal 9 15 15
R.Unido 11 16 12
Sucia 9 16 16
Fonte: Comission Europenne (1997) (1) Existe uma possibilidade de orientao para percursos tcnicos, nos ltimos dois anos do collge.
Quanto ao modo, a diversificao pode ser apenas curricular, ou seja, gera-
se no seio de percursos e modalidades, dentro de um mesmo tipo de
instituio educativa, e institucional ou estrutural, quando diferentes
percursos de formao so oferecidos a um mesmo grupo etrio em
diferentes instituies (ex. liceus, escolas tcnicas, escolas profissionais,
centros de formao profissional). Tomaremos em considerao, neste
27
trabalho, apenas a diversificao curricular claramente diferenciada em
percursos e modalidades e no aquela que existe, por vezes escamoteada,
em percursos ditos comuns, sob a designao de opes ou de percursos de
orientao.
Esta delimitao permite situar a diversidade de situaes existentes em
torno de quatro grandes tipos. o que se apresenta no Quadro 1.3.
Quadro 1.3
Tipologia da incidncia da diversificao escolar
Diversificao Precoce
Diversificao tardia
Tipo A1
Tipo A2
Tipo B1
Tipo B2
Caractersticas
A diversificao ocorre logo no
termo do ensino primrio ou no
incio do 1 ciclo do ensino secundrio
inferior.
A diversificao ocorre ao longo
do ensino secundrio
inferior ou na sua fase terminal .
A diversificao ocorre no ensino
secundrio superior.
A diversificao
ocorre sobretudo no ensino superior.
Pases-Tipo
Alemanha ustria
Holanda
(diversificao institucional)
Frana (diversificao
curricular)
Sucia Portugal
Japo EUA
Alguns pases mantm a ocorrncia da diversificao escolar institucional
em nveis etrios correspondentes aos anos subsequentes ao termo da
escolaridade primria. o caso da Alemanha e da ustria, em que as
escolhas se tm de fazer aos 10 anos, e os casos da Holanda, Blgica e
Irlanda, em que se produzem aos 12 anos. Neste conjunto de pases, a
28
diversificao precoce e institucional, o que denota a existncia de uma
funo selectiva desde o ensino secundrio inferior. No entanto, na maioria
dos pases europeus, o momento da diversificao tardio, na sequncia de
uma unificao progressiva do ensino bsico e do ensino secundrio
inferior4.
O conjunto destes pases subdivide-se em duas grandes tendncias. Por um
lado, aqueles em que a escolaridade bsica e universal de nove ou dez anos
assegurada por um mesmo tipo de escola (Grundskola, na Sucia, a
Peruskoulu, na Finlndia, a Folkeskole, na Dinamarca, o Ensino Bsico, em
Portugal5). Nestes pases no existe o ensino secundrio inferior enquanto
tal, uma vez que o nvel secundrio se inicia aps a formao geral de base,
universal e obrigatria, e restringe-se por isso apenas ao ensino secundrio
superior, sendo geralmente de trs anos de durao, promovido em
diferentes tipos de escolas e subdividido em vias gerais, tcnicas e
profissionais. Por outro lado, existe um grupo de pases em que h um
ensino secundrio inferior, geral e comum, promovido seja num mesmo tipo
de escolas - o caso da Educacion Secundaria Obligatoria, em Espanha (de
4 anos), o Collge, em Frana (de 4 anos), a Scuola Media, em Itlia (de 3
anos)- seja em escolas diferentes, embora com um programa geral de base
comum, como o caso da Holanda, com quatro tipos de escolas diferentes e
um programa inicial comum de trs anos de durao. Curiosamente, a
diversificao curricular pode ocorrer dentro de um mesmo tipo de escola,
como acontece nos dois ltimos anos do Collge, em Frana, e uma certa
unificao curricular avanada pode coexistir com a diversificao
institucional, como recentemente o caso da Holanda. A nossa investigao
ir incidir sobre alguns pases em que h uma tnue diversificao precoce
e, geralmente, sobre pases de d