Luciano Bernart
Livre concorrência como limitação ao poder de tribu tar
Dissertação de Mestrado
Centro de Ciências Jurídicas e Sociais Programa de Pós-Graduação em Direito
Curitiba, agosto de 2006
Luciano Bernart
Livre concorrência como limitação ao poder de tribu tar
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-PR.
Orientador: Roberto Catalano Botelho Ferraz
Curitiba, agosto de 2006
Luciano Bernart
Livre concorrência como limitação ao poder de tribu tar
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da PUC-PR. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.
Roberto Catalano Botelho Ferraz PUCPR
Dalton Luiz Dallazem PUCPR
Fernando Facury Scaff UFPA
Jussara Maria Leal de Meirelles Coordenador(a) Setorial do Centro de Ciências Jurídicas e Sociais - PUC-
PR
Curitiba, setembro de 2006
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, do autor e do orientador.
Luciano Bernart
Graduado em Direito pela PUC-PR, especialista em Direito Processual Tributário pelo UNICENP, Advogado.
Ficha Catalográfica
B523L 2006
Bernart, Luciano
Livre concorrência como limitação ao poder de tributar / Luciano Bernart; orientador, Roberto Catalano Botelho Ferraz. – 2006.
148 f. : il. ; 30 cm
Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2006
Inclui bibliografia
1. Livre iniciativa. 2. Intervenção (Governo federal). 3. Tributos. 4. Liberdade. 5. Igualdade. I. Ferraz, Roberto Catalano Botelho. II. Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Programa de Pós- Graduação em Direito. III. Título.
Dóris 4. ed. – 341.2734 341.27341 341.39
Para todos aqueles a quem as palavras constantes neste trabalho possam ser úteis.
Agradecimentos
Agradeço inicialmente a Deus, sem o qual não haveria sequer começado qualquer
coisa.
A minha esposa, por todos os momentos que deixei de estar com você.
Aos meus familiares, principalmente minha avó e minha mãe.
Ao Professor Roberto Ferraz que além de ser preciso em suas orientações as
transmitia com cautela e paciência.
Aos meus amigos de Escritório (Prof. Blanchet e Robinson), por suas
considerações sobre o trabalho em horas de aperto.
Ao meu grande amigo Flávio Pansieri, cuja participação foi fundamental para a
conclusão do trabalho.
A todos os outros amigos que fizeram parte deste grande projeto: Vania, Gustavo,
Fabio, Kaline, Adriana, o pequeno Vincenzo, Karine, e todos os demais que
cometo uma injustiça em não nominá-los.
A todos os funcionários e professores da PUC-PR.
Resumo
Bernart, Luciano. Livre concorrência como limitação ao poder de tributar. Curitiba, 2006. 148p. Dissertação de Mestrado - Departamento de Programa de Pós-Graduação em Direito, Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
A intervenção do estado no domínio econômico tornou-se historicamente
essencial ao desenvolvimento e à garantia das necessidades públicas. No Brasil, o
contorno econômico delineado pela Constituição prevê a adoção do modelo
liberal, cuja execução das atividades econômicas foi resguardada principalmente
aos particulares. Mesmo assim, ao Estado foi assegurada sua intervenção na
economia tanto direta como indiretamente; contudo, em casos excepcionais. A
intervenção estatal pode ser realizada de diversas maneiras, desde o monopólio de
determinadas atividades até a indução dos participantes no processo econômico.
Uma das mais utilizadas é a tributação, pois apenas pelo processo legislativo pode
gerar os efeitos desejados. Ocorre que ao Poder Público não é concedida liberdade
plena na utilização daquele instrumento, senão até certo ponto. Além dos limites
estabelecidos no Sistema Constitucional Tributário, há outros, quer seja na própria
Constituição ou em normas infraconstitucionais, como ocorre com a análise do
Princípio da Livre Concorrência, cujo significado culmina no atendimento da
Igualdade e Liberdade. Desta forma, e a despeito de o modelo ser liberal, ao Poder
Público cabe a promoção da concorrência econômica nos moldes estabelecidos
pelo ordenamento jurídico, principalmente pela Livre Concorrência.
Palavras-chave Livre Concorrência; Intervenção do Estado no Domínio Econômico;
Tributação; Liberdade; Igualdade; Limitação.
Abstract
Bernart, Luciano. Free competition as a restriction to tax collection power. Curitiba, 2006. 148p. Master Degree Dissertation - Law Post Graduation Program Department, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
The government intervention over the economic domain has become
historically essential to the public necessities development as well as its warranty.
In Brazil, the economic profile determined by the Constitution foresees a liberal
model, where the economic activities are safeguarded mainly to the private sector.
Even so the government’s economic direct as well as indirect intervention was
guaranteed, however, in special cases. The government intervention can be
performed in several ways, from monopoly of certain activities to the induction of
the participants in the economic process. One of the most used ways is the
taxation, since only by the legislative process it can generate the desired effects.
Nevertheless the government does not have absolute freedom to use that
instrument, up to a certain point. Beyond the restrictions established in the
Constitutional Tributary System, there are others, in the Constitution itself or in
subconstitutional rules, as it is in the Principle of Free Competition, which utmost
importance is to serve Equality and Freedom. So that, despite the liberal model,
the government promotes an economic competition in the patterns established by
the juridical ordain, mainly Free Competition.
Key words: Free Competition: Government Intervention over the Economic Domain;
Taxation; Freedom; Equality; Restriction.
Sumário
1 Introdução 11
2 Livre Concorrência 15
2.1. Noção 15
2.2. Histórico da concorrência 18
2.2.1. No mundo 18
2.2.2. No Brasil 29
2.3. Concorrência como princípio — Livre Concorrência 32
3 Intervenção do estado no domínio econômico e tributação 39
3.1. Formas de Intervenção 43
3.2. Extrafiscalidade 46
3.3. Dirigismo Fiscal 48
3.4. Principais formas de intervenção do estado na concorrência por meio
da tributação 49
3.4.1. Imunidade tributária 50
3.4.2. Isenção tributária 56
3.4.3. Exercício de Competência para a instituição de tributos 60
3.4.4. Obrigações tributárias acessórias 62
3.4.5. Controle de constitucionalidade 65
4 Liberdade 68
4.1. Liberdade e livre concorrência 68
4.2. Liberdade e tributação 74
4.2.1. Neutralidade tributária 81
4.2.1.1. Natureza jurídica dos tributos como limitação à tributação 87
4.2.1.2. Limitações ao poder de tributar 92
5 Igualdade 102
5.1. Igualdade em matéria tributária 119
12
5.1.1.1. Capacidade contributiva e extrafiscalidade 124
5.2. Igualdade, liberdade e livre concorrência 129
5.3. O artigo 146-A da Constituição 131
6 Conclusão 134
7 Referências Bibliográficas 138
1 Introdução
A arrecadação tributária no Brasil vem crescendo fortemente já há algum
tempo, o que não tem ocorrido apenas em âmbito federal1, mas também no
estadual2 e conseqüentemente no municipal.
O aumento é produto de um misto de elevação na carga tributária em
conjunto com uma maior e mais eficiente metodologia de fiscalização, tal como a
que ocorre com a substituição tributária no ICMS, cuja fiscalização e arrecadação
são concentradas em apenas uma de todas as futuras operações de circulação de
mercadoria ou de prestação de serviços de competência dos estados.
Quando esse efeito ocorre nos tributos incidentes sobre as atividades
econômicas, verifica-se que em geral a carga fiscal é repassada ao consumidor, e
conseqüentemente o Estado interfere no mercado, pois uma mesma mercadoria
que era comercializada por preço x o será, em momento posterior ao aumento de
carga tributária, por preço x + t3.
A interferência por meio da tributação no mercado, como modo de
intervenção no domínio econômico, é incluída na modalidade de indução4.
Entretanto, o aumento de carga tributária não é o único meio de ser incluída
naquela modalidade, mas toda e qualquer interferência que as pessoas políticas
efetuem por meio da tributação e influencie a atividade econômica, incluídos os
incentivos fiscais, obrigações acessórias, entre outras.
São vários os exemplos em que é possível se constatar que a tributação gera
efeitos no exercício da atividade econômica, efeitos muitas vezes benéficos,
1 http://www.receita.fazenda.gov.br/Historico/Arrecadacao/ResultadoArrec/default.htm.
2 https://www.fazenda.pr.gov.br/index.php/. Notícia cujo título é Recorde histórico na
arrecadação paranaense (“Receita estadual estabelece recorde histórico de arrecadação”), veiculada
em 23/02/2006 22:58:47. https://www.fazenda.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=52. 3 O “t” representa o valor do tributo ou acréscimo proveniente dele. 4 GRAU, E. R.. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica, p.
148 et. seq.
12
outras vezes maléficos. É o caso da Lei 9.718/98, cujo texto permitiu que os
contribuintes que obtivessem lucro líquido pudessem compensar o montante pago
pelo recolhimento da CSLL com a COFINS recolhida em determinado período.
Ocorre que, ao se analisar a efetiva aplicação do instituto, os contribuintes que são
sujeitos passivos dos citados tributos, mas que não obtiveram lucro, sofreram uma
elevação na carga fiscal percentualmente muito maior5 do que aqueles que
obtiveram lucro no mesmo período6. Tal circunstância gera a conclusão de que a
legislação supracitada tratou o contribuinte que teve prejuízo em sua atividade
como se fosse possuidor de maior capacidade contributiva do que em relação
aquele que obteve lucro, já que deveria recolher proporcionalmente aos cofres
públicos mais dinheiro.
Outro exemplo é o caso da Lei 10.182/01, cuja redação, em seu artigo 5,º,
isenta as montadoras e fabricantes em quarenta por cento do recolhimento do
imposto de importação sobre determinados tipos de veículos automotores, bem
como sobre algumas partes e peças com características determinadas pelo texto
legal7. Tal fato conduz à conclusão de que o incentivo visa a fomentar a atividade
econômica, mas, por outro lado, é inegável que o benefício somente alcançará as
montadoras e fabricantes.
A tributação, independentemente de ser utilizada com intuito de intervir,
deve respeitar o regime jurídico específico a ela atribuído pela Constituição da
República e legislação infraconstitucional, o qual estabelece limites e
possibilidades à instituição, majoração ou redução de tributos. Entretanto, a
questão que se coloca é que se pelo fato de intervir sobre o domínio econômico a
5 Em relação à CSLL e ao COFINS. 6 Cf. FERRAZ, R. C. B., Igualdade na tributação — qual o critério que legitima
discriminações em matéria fiscal? in Princípios e limites da tributação, p. 461 et. seq. 7 O texto do artigo Art. 5.º. Fica reduzido em quarenta por cento o imposto de importação
incidente na importação de partes, peças, componentes, conjuntos e subconjuntos, acabados e
semi-acabados, e pneumáticos. § 1.º O disposto no caput aplica-se exclusivamente às importações
destinadas aos processos produtivos das empresas montadoras e dos fabricantes de: I - veículos
leves: automóveis e comerciais leves; II - ônibus; III - caminhões; IV - reboques e semi-reboques;
V - chassis com motor; VI - carrocerias; VII - tratores rodoviários para semi-reboques; VIII -
tratores agrícolas e colheitadeiras; IX - máquinas rodoviárias; e X - autopeças, componentes,
conjuntos e subconjuntos necessários à produção dos veículos listados nos incisos I a IX, incluídos
os destinados ao mercado de reposição.
13
tributação poderia sofrer influência — quer seja por limitação ou permissão — do
regime jurídico aplicável à ordem econômica.
Nos casos apresentados, é possível conceber que determinados contribuintes
em situação equivalente ou favorecida obtêm benefícios fiscais que lhes permitem
possuir vantagens na concorrência. O exemplo do contribuinte que não obtém
lucro, mas mesmo assim deve recolher tributos percentualmente maiores do que
um competidor em sua atividade econômica, permite concluir que a
descompetitividade entre eles se acentuará na medida em que o segundo é
beneficiado porque, além de possuir maiores recursos, estará tendo menores
gastos, ainda que proporcionais, no âmbito tributário.
Também no caso do benefício concedido às montadoras ou fabricantes dos
produtos descritos no artigo 5.º da Lei 10.182/01, é de se perguntar por que a
vantagem somente atinge as montadoras e fabricantes tais como Ford, Fiat,
Volkswagen e outras empresas que apresentam, em tese, elevada capacidade
contributiva, quando há empresários, por vezes de médio e até pequeno porte, que
vão importar o mesmo produto, mas que não são montadoras nem fabricantes, e
por este motivo não serão isentados em quarenta por cento no imposto de
importação. Uma redução desse montante no imposto pode gerar
descompetitividade no mercado.
Estas situações revelam que a tributação pode gerar desequilíbrio ou até
mesmo a eliminação da concorrência, na medida em que concede vantagens a
determinados agentes econômicos.
A Constituição da República prevê a possibilidade da concessão de
incentivos fiscais8, bem como de tratamento jurídico diferenciado para empresas
de pequeno porte9. Entretanto, tais concessões não são ilimitadas, pois devem
respeitar os limites constitucionais, entre eles, a legalidade, igualdade, liberdade,
bem como outros princípios do sistema jurídico. Assim, se o texto da lei possui
mandamento que não observa a igualdade, por exemplo, a lei em questão deve ser
retirada do sistema jurídico, declarada sua inconstitucionalidade.
8 Entre outros, podem-se destacar os seguintes textos constitucionais que tratam sobre
incentivos fiscais: Art. 43, § 2.º, III; Art. 151, I e Art. 174. 9 Artigo 179 da Constituição da República.
14
Além da igualdade, os incentivos fiscais também não podem privilegiar o
particular, mas devem atender à finalidade do Poder Público, qual seja a
promoção do bem comum10.
São várias as limitações constitucionais impostas aos privilégios fiscais, e,
entre elas, pode-se destacar o princípio da livre concorrência, disposto no art. 170,
inciso IV da Constituição da República, o qual leva à conclusão de que o Poder
Público tem o dever de manter a concorrência nas atividades econômicas,
conforme os ditames da justiça social, não podendo eliminá-la ou desigualá-la. A
preocupação com o uso da tributação como forma de desequilíbrio ou eliminação
da concorrência deu-se de tal forma que o legislador constitucional, por meio da
Emenda Constitucional n.º 42/2003, incluiu no texto da Constituição o artigo 146-
A, com a seguinte redação: Lei complementar poderá estabelecer critérios
especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da
concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer
normas de igual objetivo.
Tendo em vista o exposto, algumas questões principais podem ser
levantadas: 1) a tributação interfere na concorrência do exercício das atividades
econômicas? 2) a Livre Concorrência estabelece limitação ao poder de tributar? 3)
essa limitação somente deve ser observada a partir da inserção do artigo 146-A no
texto constitucional, e feita somente a partir de edição de lei complementar ou de
ordinária? 4) trata-se de possibilidade ou dever do Poder Público a prevenção de
desequilíbrios da concorrência por meio de critérios especiais de tributação?
10 FERRAZ, R. C. B. Incentivos fiscais – um enfoque constitucional in Revista de Estudos
Tributários. v. 5. n. 28. Porto Alegre: Síntese, Nov/Dez. 2002. p. 101 e seguintes.
15
2 Livre Concorrência
O imprescindível conhecimento das origens, da necessidade, do conteúdo e
das finalidades de qualquer objeto de estudo legitima a pesquisa de sua evolução
no tempo, previamente ao exame de sua configuração atual. É por essa razão que,
apesar de o título deste capítulo referir-se à livre concorrência — expressão cujo
significado automaticamente leva atenção para o princípio previsto no inciso IV
do artigo 170 da Constituição da República —, optou-se por tratar inicialmente da
evolução histórica da concorrência, pois é em virtude da necessidade de sua
limitação que o princípio existe.
Os valores expressos nos princípios constitucionais foram conquistados ao
longo do tempo. Assim como a livre concorrência deve ser entendida em unidade
com o contexto constitucional, incluídos os fundamentos da República —
principalmente a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da
livre iniciativa —, todo o restante do texto constitucional também deve ter esse
direcionamento.
2.1.Noção
Em sentido semântico a concorrência traz a noção de oposição de
...interesses, de dois ou mais indivíduos ou grupos que perseguem um mesmo objetivo, e em que cada lado visa suplantar o(s) outro(s); competição, competência, disputa... ato ou efeito de disputar com a primazia com outra(s) pessoa(s) ou coisa(s)... competição mercantil entre produtores ou comerciantes ...com conjunto de recursos para atrair a clientela (ofertas, publicidade, bom preço, qualidade, serviços, prazos para pagamento, etc.)... conjunto de pessoas que exercem uma mesma atividade ou atuam no mesmo campo...11
No mesmo sentido, De Plácido e Silva entende que a noção de concorrência
está ligada a “disputa, porfia ou pretensão, o ato pelo qual a pessoa procura
11 HOUAISS, A.; VILLAR, M. S.; FRANCO, F. M. M., Dicionário Houaiss da língua
portuguesa, p. 788.
16
estabelecer competições de preços, a fim de que apure as melhores condições em
que possa efetivar a compra ou realizar a obra12”.
A definição etimológica da palavra traz sua importância para seu significado
no âmbito da linguagem; apesar disso, a concorrência pode ser entendida de
formas diferentes, isto de acordo com o contexto em que é utilizada. Entre os
sentidos que ela assume, é possível identificá-la como fenômeno natural,
econômico e jurídico.
Como fenômeno natural, a concorrência expõe uma idéia comum com a de
competição, e apesar de não serem sinônimos13, representam a idéia de disputa, de
rivalidade.
Já no sentido econômico, pode-se entender que haveria concorrência “entre
empresas que disputassem os recursos, sempre escassos do público14”. Nesse
sentido, todas as empresas concorreriam entre si; entretanto, por ser muito vasta a
noção, sua aplicação é difícil, uma vez que até numa economia de direção isso
ocorreria, bastando que os concorrentes tivessem um mínimo de disponibilidade
de seus recursos.
John Maurice Clark, em definição mais restrita, estabelece concorrência
como pressuposto de que “a emprêsa vise ao seu auto-interesse e controle essa
fôrça explorando a necessidade de conquistar a preferência do cliente (sic)15”,
constituindo assim “a viga mestra indispensável de um sistema em que o caráter
do produto e seu aperfeiçoamento, o volume e a eficiência crescente da produção,
e preços e margem de lucros, são deixados ao critério da iniciativa privada16”.
Ainda no âmbito econômico, vale a pena comentar sobre duas noções de
concorrência que se referem a sua perfeição ou imperfeição.
A concorrência perfeita caracteriza-se por ser um modelo que apresenta
condições ideais para o funcionamento da economia de mercado, apresentando
metas e objetivos a serem buscados, mas sua realidade não é concreta, pois
12 SILVA, D. P., Vocabulário jurídico, v. I, p. 489. 13 Cf. VAZ, I., Direito econômico da concorrência, p. 22., vide também CUÉLLAR, L.,
Abuso de posição dominante no direito de concorrência brasileiro, dissertação de mestrado, p.
19., e DUTRA, P., Livre concorrência e regulação de mercados: estudos e pareceres, p. 279. 14 ASCENSÃO, J O., Concorrência desleal, p. 111.
15 CLARK, J. M., A concorrência como processo dinâmico, p. 23. 16 Ibid., p. 23.
17
apresenta um número tão grande de requisitos que seria praticamente impossível
realizá-la17. Entre alguns requisitos, estão:
a) grande número de compradores e de vendedores em interação recíproca; b) nenhum deles suficientemente importante a ponto de exercer qualquer influência nas condições de compra ou de venda do produto em questão (atomização de mercado); c) homogeneidade do produto objeto das operações; d) plena mobilidade dos agentes operadores e de seus fatores, isto é, facilidade de acesso ao mercado e de retirada dele por parte de qualquer interessado; e) pleno acesso dos operadores a todas as informações relevantes; f) ausência de economias de escala; g) ausência de economias externas18.
Por outro lado, a concorrência imperfeita, também chamada de concorrência
pura19, seria aquela em que há um grande número de compradores, mas não
comparecem ou existem precariamente os outros requisitos da concorrência
perfeita20.
José Cretella Júnior entende que o vocábulo “concorrência” representa para
os negócios, de forma equivocada, “disputa entre particulares, pessoas físicas ou
jurídicas, que operam perante o consumidor, a quem oferecem produtos ou
serviços21”. Noção muito semelhante é adotada pelo mesmo autor para o âmbito
jurídico, o qual entende que a linguagem técnica do direito, bem como a dos
mercados, acolhe a concorrência como “a disputa entre particulares, indivíduos ou
empresas, em relação a compras ou vendas de bens e serviços22”.
Entretanto, e também no âmbito jurídico, uma das noções que melhor
esclarece a concorrência é a de Francesco Galgano, cuja compreensão é de que:
...designa um modo de ser da iniciativa econômica, ou seja, a condição de liberdade, para todos, com algumas limitações, de entrar e agir no mesmo mercado,
17 Cf. NUSDEO, F., Curso de economia: introdução ao direito econômico, p. 263. 18 Ibid., p. 263. 19 VAZ, I., Direito econômico da concorrência, p. 32. 20 Cf. NUSDEO, F., op. cit., p. 263. 21 CRETELLA JÚNIOR, J. Livre iniciativa e direito concorrencial in Direito
concorrencial: aspectos jurídicos e econômicos / comentários à Lei n.º 8.884/94 e estudos
doutrinários, p. 69. 22 Ibid., p. 69.
18
atual e potencial, oferecendo bens ou serviços suscetíveis de satisfazer necessidades e interesses idênticos, similares ou complementares23.
Tal noção se diferencia das outras, pois ao mesmo tempo em que demonstra
o conteúdo econômico que é inerente ao instituto, evidencia as limitações
jurídicas impostas à sua abrangência.
2.2. Histórico da concorrência
2.2.1. No mundo
A concorrência como competição, no sentido de busca de aumento de
clientela, tem seu nascedouro tão logo haja a existência do comércio. Em havendo
duas ou mais pessoas que exerçam a mesma atividade econômica em proximidade
uma da outra e com isto a clientela de uma possa ou queira buscar a mercadoria
ou serviço da outra, então há a possibilidade de existir, senão certamente existirá,
competição entre elas.
Sempre que num meio qualquer duas ou mais pessoas se dedicarem isoladamente à mesma atividade profissional, num só lugar e servindo a um grupo único de consumidores ou usuários, ele surgiu sob formas diversas, despertando, aqui e ali, providências várias dos legisladores, ora no sentido de garanti-lo, ora no de limitá-lo24.
Difícil é o estabelecimento do marco histórico para o início do comércio,
uma vez que muitas das relações sociais ou se iniciaram ou se estreitaram com a
prática comercial. Assim, é possível afirmar que, tão logo na história da
humanidade seja constatado o comércio, este vem a aproximar as pessoas
reafirmando os laços sociais, e muitas vezes criando novos.
23 GALGANO, F., apud CUÉLLAR, L., Abuso de posição dominante no direito de
concorrência brasileiro, dissertação de mestrado, p. 20. 24 Cf. SOUZA, Ferreira de apud VAZ, I., Direito econômico da concorrência, p. 53. O
texto refere-se ao “fenômeno econômico da concorrência”.
19
Tratando economicamente o comércio, além de reconhecer que não é apenas
fato econômico, mas social, Rubens Requião25 identifica duas fases no
desenvolvimento daquele.
A primeira refere-se a uma fase mais primitiva da sociedade, na qual as
relações comerciais são realizadas por meio de permuta, ou seja, há a troca de
objetos uns pelos outros: bem por bem, bem por serviço ou serviço por serviço;
não há uma moeda comum de troca, e o que importa aos sujeitos é aquilo de que
necessitam naquele momento. Esse período foi caracterizado como economia de
troca. A troca era comum na comercialização das sociedades antigas, inclusive há
relatos bíblicos26 sobre ela, mais especificamente — e um dos primeiros casos —
no Egito antigo.
Ocorre que o uso dos objetos ou serviços nem sempre era necessário de
forma imediata, dependendo da ocasião, pois aquele que precisava trocar algo
podia não possuir nem o objeto nem o serviço procurado por outrem que possuía
algo procurado pelo primeiro. Assim, se um lenhador precisava de um machado e
possuía um animal para trocar, de nada adiantava encontrar um artesão que
quisesse trocar um machado por cereal, pois a troca possivelmente não ocorreria,
visto que apenas a necessidade de um seria atendida.
Foi com o desenvolvimento da civilização e o estreitamento dos laços
sociais que as necessidades começaram a ficar mais complexas, e os então
“comerciantes” passaram a dispor de objetos ou mercadorias comuns e
interessantes a todos, cuja troca fosse facilitada ou simplificada em todos ou na
maioria dos casos. O objeto de procura de uso imediato passou a ser visto como
objeto de uso futuro; dessa forma, aqueles que mesmo não necessitando daquele
para troca no momento a realizavam, pois sabiam que futuramente poderiam
trocar o objeto em seu poder por outra coisa27. Vários eram os artefatos utilizados,
25 REQUIÃO, R., Curso de direito comercial, v. 1, p. 3 et. seq. 26 Gênesis 47:17 - Então trouxeram o seu gado a José; e José deu-lhes pão em troca dos
cavalos, e das ovelhas, e dos bois, e dos jumentos; e os sustentou de pão aquele ano em troca de
todo o seu gado. 27 Cf. NUSDEO, F., Curso de economia: introdução ao direito econômico, p. 48.
20
tais como conchas do mar, vinho e gado, mas um dos objetos mais amplamente
adotados era o sal28.
Tendo em vista que o desenvolvimento comercial passou a ultrapassar
horizontes em busca de novos clientes, assim criando novas formas de comércio, e
que a necessidade de facilitação das trocas de mercadorias passou a existir
constantemente, os diversos objetos utilizados como moeda comum deram lugar
aos metais. A escolha pela nova moeda se deu por motivos práticos tanto de
ordem usual como econômica; no primeiro caso, pela falta de necessidade de
cuidados específicos, pelo transporte mais simplificado, fácil manuseio, guarda e
transporte, além de permitir a “divisibilidade” e a “fungibilidade” da moeda, e, no
segundo, por permitir a possibilidade de “reserva de valor29” — a moeda metálica
representava um valor que era mantido por seu peso ou pela descrição em sua
“face”.
E foi com o aparecimento da moeda metálica que o comércio se
desenvolveu, surgindo sua segunda fase, também chamada de economia
monetária. Esse modelo econômico não visa apenas a atender às necessidades
pessoais do agente que realiza a troca, mas à produção de riquezas por meio da
comercialização de mercadorias ou serviços, com a finalidade de angariar capital
para reinvesti-lo novamente no ciclo produtivo.
Relato de igual importância, desta vez referindo-se à ligação da
concorrência ao monopólio, foi descrito por Aristóteles em seu livro A Política30,
no qual, ao fundamentar o modo de enriquecer, o autor apresentou a história de
Tales de Mileto.
A pobreza de Tales era reprovada por alguns, que diziam que sua filosofia
de nada adiantava; entretanto, pelos seus conhecimentos sobre a natureza, o
filósofo previu que haveria grande colheita, apesar de ainda estar no inverno, e
procurou dinheiro e arrendou todas as prensas de Mileto e Quio por preço baixo.
Quando a colheita ocorreu, grande número de pessoas o procurou e ele pôde
cobrar o preço que desejava.
28 A utilização do sal foi tão grande como moeda comum que alguns autores afirmam que é
possível que a palavra “salário” tenha sua origem devido a esse fato, Cf . NUSDEO, F., p. 49. 29 Cf. NUSDEO, F., op. cit., p. 49. 30 Cf. ARISTÓTELES, A política, p. 34.
21
Assim como na Grécia, havia monopólios em Roma, os quais geravam parte
da riqueza do governo31. O sal, como visto, era o produto principal do regime
adotado, porém, durante a fase final do Império, outros monopólios foram
concedidos com a finalidade principal de arrecadar, já que as concessões eram
realizadas mediante pagamentos. O Édito de Zenão tinha por objetivo regular os
monopólios; tal regulação tinha como finalidade proteger as pessoas contra abusos
ou excessos provenientes dos monopólios.
Ainda em relação aos monopólios, é possível citar a Idade Média, em que,
ao contrário de Grécia e Roma, os monopólios concedidos pelo Estado32 tinham
objetivos sociais e/ou políticos33. Como exemplo, aos particulares era possível
exercer regime de monopólio sobre determinada atividade, resguardada a
possibilidade de o poder concedente ter preferência quando necessário.
Paula Forgioni34 destaca que, nesse momento histórico, que se passa na
baixa Idade Média, havia duas formas de atividades desenvolvidas: a) a primeira
era composta de artesãos e da organização destes, chamadas corporações de
ofício; b) a segunda era a dos grandes mercantes.
Os grandes mercantes tinham como característica sua atuação isolada, não
na atividade, mas sozinhos, já que sua força comercial e econômica permitia que
exercessem determinada atividade sem muita ou nenhuma concorrência, e por isto
passavam a ter controle muito grande sobre a regulamentação da atividade. Essa
vantagem lhes permitia conseguir favores e benefícios provenientes tanto da coroa
como do papado.
Quanto às corporações de ofício, estas nasceram com a organização dos
pequenos artesãos. Tal apontamento histórico tem sua importância no fato de que
é a partir do agrupamento daqueles que muitas normas concorrências surgem35,
inclusive permanecendo sua influência aos legisladores até os dias atuais.
31 Cf. FORGIONI, P. A., Os fundamentos do antitruste, p. 34 et. seq. 32 A palavra “Estado” é aqui utilizada para designar a pessoa, quer fosse na condição de
monarca ou não, mas aquele que tinha o poder para conceder benefícios relativos ao monopólio de
determinada atividade. 33 Cf. FORGIONI, P. A., op. cit., p. 37 et. seq. 34 Ibid., p. 37 et. seq. 35 Ibid., p. 37 et. seq.
22
O objeto da organização desses pequenos artesãos no exercício da atividade
era a segurança. A atuação realizada de forma conjunta não nasceu de qualquer
imposição, mas da própria vontade, o interesse da união era a busca pelo bem
comum. Unindo os interesses e as vontades, eles conseguiam permanecer
exercendo a atividade e de forma segura. Tal escolha talvez não permitisse um
maior desenvolvimento, que com o liberalismo se poderia obter, entretanto
permitia não se ter o risco inerente àquele.
Destaca-se, ainda, que as corporações de ofício deviam respeitar tanto as
próprias normas quanto as normas advindas do Poder Público exercido nas
comunidades à época. Em relação à normatização das corporações, era possível
identificar três tipos de normas:
(i) normas que estabeleciam o monopólio da corporação; (ii) normas que fixavam regras de conduta para os membros da corporação que acabavam por neutralizar qualquer concorrência que se pudesse estabelecer, seja entre os agentes econômicos, seja potencial; (iii) normas que estabeleciam a jurisdição e o poder de fiscalização econômica da corporação sobre seus membros36.
Apesar de haver o monopólio da atividade por parte dos participantes das
corporações, isto não representava de todo o impedimento do ingresso de novas
pessoas na atividade, mas sim que os ingressantes deveriam ser aceitos pelos
outros e, ao ingressar, deveriam respeitar as normas concernentes criadas
anteriormente.
Durante bom tempo, do século XV ao século XVIII37, a Europa obteve um
crescimento favorável no que concerne ao aspecto econômico e social, isto porque
o fato de as corporações imporem limites à concorrência não exigia que se
requeresse excessiva utilização do trabalho, nada além do necessário;
conseqüentemente, era possível haver harmonia entre empregados e
empregadores38. As normas particulares das corporações geravam segurança entre
elas e seus participantes, não havendo necessidade nem possibilidade da
concorrência.
36 Ibid., p. 43. 37 Cf. VAZ, I., Direito econômico da concorrência, p. 56. 38 Ibid., p. 56. A nomenclatura correta à época, pelo menos na França, era de maîtres para
“patrões” e compagnons para os “empregados”.
23
As corporações tendiam a crescer cada vez mais, pois os soberanos, com
suas guerras e necessidades econômicas cada vez maiores, tendiam a procurá-las
para angariar fundos com a finalidade de pagar as dívidas; em contrapartida,
aquelas exigiam concessões cada vez maiores por parte dos governantes.
Atividades que até então não eram objeto do regime das corporações passaram a
ser incluídas no sistema39 por conta disso.
Apesar do bom desenvolvimento social e econômico proveniente da quase
inexistente concorrência, a falta de evolução e da necessidade de desenvolvimento
na produção foi uma conseqüência. A busca pelo aprimoramento técnico e
evolutivo tanto no aspecto pessoal como produtivo não tinha muito sentido, na
medida em que, tivessem ou não os participantes de determinada corporação tais
aperfeiçoamentos, estariam limitados pelas próprias normas, sob pena de exclusão
do ramo.
Ocorre que, enquanto parte da Europa trabalhava com essa perspectiva
(corporações de ofício), outra parte40 acompanhava o nascimento e crescimento
da Revolução Industrial, que estaria a modificar toda a estrutura econômica até
então desenvolvida.
Com a Revolução Industrial, o sistema de produção sofreu modificações
severas, a concorrência não era mais regulada pelas corporações, as fábricas
adotaram sistemas inovadores para produzir mais e melhor, os produtos artesanais
passaram a ser considerados ultrapassados, já que os novos — industrializados em
série — podiam ter a mesma qualidade e ser entregues em velocidade muito
menor.
A relação de cordialidade entre empregado e patrão, incluída a paciência do
ensino para a produção manufaturada, começou a desaparecer, na medida em o
tempo passou a ser fundamental para a produção — quanto mais tempo se tivesse
para produzir, mais se poderia ganhar; conseqüentemente, quanto mais o
empregado ficasse na produção, mais ele produziria.
O patrão passou a assumir o risco, pois realizava o investimento, mas
também ficou dependente da produção; em contrapartida, buscou mais
39 Ibid., p. 56. 40 Inicialmente na Inglaterra.
24
liberdade41. Não se podia mais conceber a compatibilidade da limitação da
concorrência com o novo sistema42. Era o surgimento do Estado Liberal, com a
influência do individualismo político e filosófico43.
Com a necessidade do novo sistema, as corporações perderam espaço e a
concorrência entre os praticantes da atividade foi restabelecida. O interesse dos
concorrentes não estava na mera competitividade — sendo esta até prejudicial, na
medida em que gerava desgaste —, mas sim no fato de poder procurar novos
mercados, atender a novos consumidores, praticar preços diferenciados dos
comuns estabelecidos anteriormente e, talvez o mais importante, a possibilidade
de novos ganhos44.
Conseqüentemente, o próximo passo foi a extinção das corporações de
ofício, e tal fato começou a ocorrer em diversos países europeus por meio de suas
legislações. Por outro lado, o sistema da concorrência e a quebra do monopólio
passaram a ser desgastantes para os comerciantes e industriais, e não gerando
efeitos apenas para estes, mas também para os consumidores45 e os trabalhadores.
A concorrência começou a ser vista como a solução de alguns problemas
econômicos, com o fundamento de que a liberdade de concorrer gerava, entre
outros efeitos, o desenvolvimento na produção por meio da inovação de produtos
com velocidade espantosa; a possibilidade de estabelecer preços próprios
beneficiaria os consumidores, que comprariam os melhores produtos com os
menores preços; o aumento de produção geraria maior consumo e,
conseqüentemente, maior produção46.
41 Cf. FORGIONI, P. A., Os fundamentos do antitruste, p. 53. 42 Apesar de esta afirmação fazer sentido à época, tendo em vista a evolução do sistema de
produção, ficou comprovado que as limitações impostas somente pelo mercado à concorrência não
são suficientes para o adequado desenvolvimento social. 43 Cf. CUÉLLAR, L., Abuso de posição dominante no direito de concorrência brasileiro,
dissertação de mestrado, p. 4. 44 Cf. FORGIONI, P. A., Os fundamentos do antitruste, p. 54. 45 Inclusive, em alguns casos, a concorrência é direcionada inicialmente com a finalidade de
proteger os consumidores, como ocorreu nos Estados Unidos da América (EUA), com o Sherman
Act, que será objeto de comentários em momento posterior neste trabalho. 46 SMITH, A., Uma investigação sobre a natureza e causa da riqueza das nações, p 153.
25
O liberalismo adotado em âmbito político gerou a inércia do Estado frente
às inovações do novo modelo econômico.
O plano decisório político ficaria adstrito àquelas funções elementares do Estado: a defesa externa, a ordem interna, o relacionamento com os outros Estados, a edição da lei e a administração da justiça. Entre este plano e o das decisões econômicas, idealmente, não existiria qualquer intersecção e eles operariam independentemente um do outro, cada qual impulsionado por princípios motores próprios47.
A crença era de que a economia, livre da interferência do Poder Público,
seria regulada pelo mercado, pois caso houvesse muita demanda não havendo
procura, os preços e a produção ajustar-se-iam. Entretanto, passou a se perceber
que a liberdade de concorrência, da forma como estava sendo adotada, causava
também efeitos maléficos. As altas concentrações de riquezas encontradas nas
corporações de ofício da Idade Média também podiam ser vistas no modelo
liberal; ademais, a disputa de mercado gerada pela liberdade continha determinado
grau de periculosidade, pois o risco havia aumentado.
No âmbito das relações de trabalho, os conflitos foram inevitáveis. Com a
pressão gerada pelo aumento de produção e mediante a mudança de parâmetros de
trabalho, os trabalhadores se viam acuados e esgotados.
Era necessário que o Poder Público interferisse no modelo liberal sob pena
de graves danos sociais e econômicos, e foi o que ocorreu48. Apesar de a
intervenção do Estado ocorrer de forma crescente em diversas partes da Europa,
dois momentos foram marcantes para tal acontecimento, sendo que um deles se
passou nos EUA e o outro na Alemanha.
Os EUA passavam por um período significativo para a adoção de medidas
que limitariam a concorrência. Pode-se dizer que a influência tanto econômica
como social advinham de três principais fatores49.
O primeiro era conseqüência da guerra civil, a qual fez com que o governo
tivesse uma maior tolerância em relação aos preços exercidos pela indústria
47 NUSDEO, F., Fundamentos para uma codificação do direito econômico, p. 8. 48 Até então, toda a narrativa histórica estava concentrada na Europa, até mesmo porque
esse continente refletia o perfil ocidental do Planeta. Entretanto, um momento marcante que se
demonstrou foi a intervenção do Estado no modelo econômico nos EUA. 49 Cf. SALOMÃO FILHO, C., Direito concorrencial: as estruturas, p. 58 et. seq.
26
bélica, o que gerou o incentivo à concentração de riqueza e também o
fortalecimento da monopolização de algumas atividades. As estradas de ferro e os
telégrafos foram dois setores que se destacaram em demonstrar aqueles efeitos.
Com as estradas de ferro monopolizadas, havia o descontentamento da
maioria da população rural, que se dava por dois principais motivos50.
Primeiramente, o desagrado pela área industrial, proveniente em parte pela guerra,
cujo desenho era de um Norte industrializado vencedor e de um Sul ruralista
perdedor.
O segundo motivo de descontentamento era que, além do monopólio, havia
também, com o intuito de um crescimento industrial, a facilitação de acesso e
participação nas atividades econômicas. Como exemplo, tem-se o fim da
autorização legislativa para instalação das sociedades anônimas51, sendo que, com
essa política, as pessoas, inclusive os ruralistas, eram incentivadas a participar das
sociedades.
Contudo, algumas dessas grandes sociedades não eram bem administradas, e
as pessoas não recebiam seus dividendos no momento adequado ou nem
chegavam a recebê-los, quando havia a quebra da sociedade. Desse modo, os
investimentos eram perdidos, o que, além de desagrado, gerava também
desconfiança e incerteza.
Por fim, o último fator foi a alteração da economia norte-americana de
pequenas empresas para uma economia de grandes empresas fundadas na
produção, inovação e agilidade.
Estes definitivamente foram fatores decisivos para a intervenção do Estado
na concorrência52. Assim foi que em 1890 se criou o Sherman Act, lei cujo nome é
o mesmo de seu propositor — Senador John Sherman —, oficialmente
denominada The Sherman Antitrust Act. Composta de sete seções53, sua finalidade
50 Ibid., p. 58 et. seq. 51 Cf. COELHO, F. U., Curso de direito comercial, v. 2, p. 62. 52 Cf. SALOMÃO FILHO, C., op. cit., p. 60. 53 As seções tinham os seguintes títulos: Section 1. Trusts, etc., in restraint of trade illegal;
penalty; Section 2. Monopolizing trade a felony; penalty; Section 3. Trusts in Territories or
District of Columbia illegal; combination a felony; Section 4. Jurisdiction of courts; duty of
United States attorneys; procedure; Section 5. Bringing in additional parties; Section 6. Forfeiture
27
era a de combater os abusos da concorrência, e já em sua primeira seção dispunha:
Cada contrato, combinação na forma de “trust” ou outra coisa semelhante, ou
conspiração, em restrição à negociação ou comércio entre os vários Estados, ou
com nações estrangeiras, é declarado ilegal54.
A despeito da necessidade de frear os efeitos negativos da concorrência, o
governo norte-americano não tinha interesse em que ela fosse extinta, pois a
liberdade da concorrência fora adotada em momento anterior à intervenção com a
finalidade de ampliar o mercado das atividades55.
Tendo como objetivo reduzir e até evitar os efeitos da concorrência o
Sherman Act era preponderantemente direcionado à defesa dos consumidores.
Calixto Salomão Filho alega que os senadores à época não tinham a preocupação
com os fatores econômicos que hoje se tem56, por isso o direcionamento foi dado
quase que exclusivamente àqueles.
Tão logo o Sherman Act passou a vigorar, suas imperfeições apareceram.
Com o texto lacunoso e sem muita especificação sobre os termos nele utilizados,
não servia para atender aos diversos interesses que sofriam a influência da
competição, tais como a concorrência leal ou o interesse dos concorrentes, mas
apenas protegia a relação de consumo.
O problema deveria ser resolvido, e, para tanto, houve a necessidade da
criação de nova legislação que complementasse e atendesse ao motivo pelo qual
se havia criado o Sherman Act. Dessa forma, duas novas leis, chamadas Clayton
Act57 e Federal Trade Commission Act58, foram criadas.
of property in transit; Section 6a. Conduct involving trade or commerce with foreign nations;
Section 7. ''Person'' or ''persons'' defined. (g.n) 54 Every contract, combination in the form of trust or otherwise, or conspiracy, in restraint
of trade or commerce among the several States, or with foreign nations, is declared to be illegal. 55 Cf. SCAFF, F. F., Responsabilidade do estado intervencionista, p. 83. 56 Cf. SALOMÃO FILHO, C., op. cit. 57 O nome oficial dado foi de Clayton Antitrust Act, também em homenagem ao seu criador,
Henry de Lamar Clayton, em 1914. 58 A legislação também é de 1914, mas a comissão somente foi criada em 1915.
28
Na Alemanha, os monopólios estavam ligados à concorrência dos Estados,
pois a evolução inglesa na economia, com sua industrialização, gerava risco à
economia alemã, que teve de permitir o crescimento das grandes empresas59.
Ao contrário dos norte-americanos, o governo alemão deu início à limitação
da concorrência não para proteger os consumidores, mas com o foco voltado para
os concorrentes. O interesse encontrava fundamento na medida em que os
monopólios não eram encarados de forma negativa.
Com a criação da UWG (lei para uma competição pura60), surgiu a primeira
legislação alemã sobre a concorrência, que cuidava do tratamento formal da
concorrência, cujo objetivo era exatamente esse, já que não se tinha em mente
proteger a concorrência material, pois, nesse sentido, afirma Calixto Salomão
Filho, a lei se resumia praticamente ao artigo 1.º, que considera ilegal todos os
atos contrários às boas prática comerciais61, conduzindo a limitação da atuação
dos agentes econômicos ao respeito de padrões éticos, muito vagos
legislativamente.
A não preocupação com os outros efeitos do monopólio, como, por
exemplo, os relacionados ao consumidor, dava-se porque o próprio Reich tinha
interesse e participava na mantença dos grandes grupos econômicos monopolistas.
A concorrência na Alemanha passou a contar com uma legislação eficaz62, a
despeito da existência de outros atos (inclusive leis), mas sem o resultado
esperado. Somente a partir de dois atos normativos — UWG e Tratado de Roma,
cujos efeitos implicavam em uma normatização rígida sobre a concorrência,
defendendo a liberdade de concorrência e não somente o aspecto formal63 —
surgiu a defesa material da concorrência na Alemanha.
Foi no século XX que o Estado passou a atuar de forma mais decisiva na
economia, buscando o bem-estar social. A intervenção deveria servir como
instrumento para que o Poder Público pudesse utilizá-la visando a atender às
necessidades públicas de seus administrados. Naquele século, o Estado passou de
59 Cf. SCAFF, F. F., op. cit, p. 83. 60 A tradução representa semelhantemente o título da Lei: Gesetz gegen den unlauteren
Wettbewerb. 61 SALOMÃO FILHO, C., Direito concorrencial: as estruturas, p. 66. 62 Eficaz, no contexto, significa atender aos interesses públicos na medida do possível. 63 SALOMÃO FILHO, C., op. cit., p. 71.
29
um simples garantidor das liberdades a uma entidade cuja função era a de atender
aos interesses públicos; para isso, incluiu a economia em seu âmbito de atuação.
Essa nova política possibilitou que se chame o Estado dessa época de Estado
Social Fiscal64-65.
Importante é frisar que ainda que o Estado adotasse esse novo
comportamento, ele ocorreu com vistas não a suprimir o liberalismo, mas
controlá-lo, atuando “como agente de políticas públicas, enriquecendo suas
funções de integração, de modernização e de legitimação capitalista”66.
2.2.2. No Brasil
Antes da vinda da família real para o Brasil, ainda no Brasil Colônia,
enfrentava-se uma fase basicamente de exploração. Portugal exigia do Brasil o
pagamento de diversos tributos. Naquela época, não se havia de falar em
concorrência, pois a disputa pelas atividades econômicas não era expressiva, tão
pouco havia de se falar em defesa do consumidor, haja vista o desinteresse do
Poder Público à época com as pessoas que consumiam67.
O pleno controle de Portugal sobre sua colônia não permitia qualquer
iniciativa, ou seja, qualquer atividade econômica, tanto nacional quanto
internacional, sofria forte limitação por parte do país colonizador, e não era
permitido qualquer tipo de negociação que não fosse entre Brasil e Portugal68. A
limitação era dirigida para atender aos interesses da coroa e para a coroa.
Parte da população insatisfeita com os monopólios concedidos pelo governo
português tentou, sem maiores efeitos, combater certos abusos praticados contra
os consumidores. Assim, poucas eram as demonstrações de interesse pela
concorrência e pela política econômica que se desenvolvia, se é que existia
alguma.
64 Cf. TORRES. R. L., Curso de direito financeiro e tributário, p. 6. 65 As mudanças não ocorrem somente na área econômica, mas política, financeira, etc. 66 GRAU, E. R.. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica., p.
45. 67 Cf. FORGIONI, P. A., Os fundamentos do antitruste, p. 88 e 89. 68 Cf. FURTADO, Celso. Formação econômica da América Latina. 2 ed. Rio de Janeiro:
Lia, Editor, 1970.
30
Depois que a família real, fugindo da invasão francesa, veio para o Brasil
estabelecer seu governo, foi adotada nova política econômica, inclusive em
relação à concorrência. A coroa portuguesa necessitava então que houvesse um
desenvolvimento de sua colônia, que passara a ser seu local de moradia. Para
tanto, não podia mais impor uma restrição tão grande, até mesmo porque não
havia mais a relação Portugal–Brasil.
Como modelo, o regente brasileiro — Dom João VI — adotou o
liberalismo. Com isso, diminuiu o descontentamento da população no que
concerne às práticas comerciais, pelo menos inicialmente69.
Entretanto, o liberalismo econômico brasileiro,, naquele momento
encontrava dois entraves, o primeiro dizia respeito aos interesses da coroa —
havia a liberdade de iniciativa das atividades econômicas quando interessava ao
rei; caso contrário, não era permitida. Por outro lado, mas não diferentemente, a
Inglaterra, que mesmo antes da vinda da família real já era o principal parceiro
comercial de Portugal, impunha limitações ao comércio pátrio tendo em vista os
acordos e tratados comerciais realizados70.
Decorrido um período após a independência do Brasil, também não há
grandes exemplos de interesse nem da efetivação de um controle mais acirrado na
concorrência por parte do Poder Público, até mesmo porque a maioria dos
produtos vinha do exterior, a indústria interna não tinha se desenvolvido a ponto
de ser a concorrência preocupante, no comércio havia certa disputa, entretanto,
preços e produtos diferenciados a caracterizavam71.
Depois da primeira guerra mundial, em período atribulado, no qual as
políticas brasileiras não foram suficientes para solucionar os problemas nacionais,
incluídos nestes — e principalmente — os sociais, surgiram controvérsias sobre a
política liberal que dispunha sobre a economia72.
69 Cf. FORGIONI, P. A., Os fundamentos do antitruste, p. 94. 70 Cf. VAZ, I., Direito econômico da concorrência, p. 59 e 60. A mesma autora menciona
que há autores, entre eles W. Cunningham, que entendem que foi graças ao ouro do Brasil que a
Inglaterra conseguiu suportar as guerras napoleônicas. 71 Cf. FORGIONI, P. A., Os fundamentos do antitruste, p. 96 e 99. 72 Cf. GUEDES, M. A. P., Estado e ordem econômica e social: a experiência
constitucional da república de Weimar e a Constituição brasileira de 1934, p. 99 e 100.
31
Foi nesse momento histórico, mais especificamente em 1933, que passou a
existir a primeira lei que tratava sobre a concorrência desleal no Brasil73, o
Decreto 22.989/33, que aprovou a regulamentação do Departamento Nacional da
Propriedade Industrial, cuja função, entre outras, era reprimir a concorrência
desleal74.
Apesar de o decreto demonstrar indícios de uma atitude por parte do Poder
Público em relação à concorrência, por outro lado representava uma previsão
genérica sem muito direcionamento.
Foi em 1934 que se teve a inserção do Título IV por parte do constituinte
originário quando da adoção da nova Constituição. Tal título tratava sobre a
Ordem Econômica e Social e, em seu artigo 115, previa: A ordem econômica deve
ser organizada conforme os princípios da Justiça e as necessidades da vida
nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro desses limites,
é garantida a liberdade econômica.
Paula Forgioni ressalta que grande influência sofreu o legislador constituinte
pela quebra da bolsa dos EUA em 1929, bem como pelos efeitos decorrentes ao
longo da década de trinta. Essa influência foi marcante para a adoção de uma
política de limitação à liberdade econômica75.
A partir daí e nas constituições que seguiram, todas tiveram incluídas em
seus textos uma parte que se referia à Ordem Econômica, ora incluindo ora não
incluindo no título conjuntamente a palavra “social”, mas o fato é que atualmente
é improvável não se tratar das limitações jurídicas da economia. Como tempo de
73 Cf. CAMPELLO, D., O direito da concorrência no direito comunitário Europeu: uma
contribuição ao Mercosul, p. 54. 74 O artigo 1.º do Regulamento a que se refere o decreto n. 22.989, de 26 de julho de 1933,
tem a seguinte redação: Art. 1.º - O Departamento Nacional da Propriedade Industrial, subordinado
ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, reger-se-á pelo presente regulamento e terá a seu
cargo os seguintes serviços, executados nos termos da legislação em vigor: a) a concessão de
patentes de invenção, de melhoramento, de modelo de utilidade, de desenho ou modelo industrial e
garantia de prioridade; b) o registro de marcas de indústria e de comércio, nome de
estabelecimentos, insígnias e emblemas; c) a repressão, dentro da esfera de suas atribuições, da
concorrência desleal; d) a manutenção da Biblioteca e a direção da Revista Propriedade Industrial;
e) a execução das convenções internacionais, de que o Brasil fizer parte, concernentes à proteção
da propriedade industrial, na conformidade das leis que as promulgarem e seus regulamentos. 75 Cf. FORGIONI, P. A., Os fundamentos do antitruste, p. 100 e 101.
32
concomitantemente às constituições brasileiras, foram editadas leis com o objetivo
de limitar a concorrência76.
A Constituição de 1988 trata da Ordem Econômica e Financeira e, no artigo
170, dispõe que sua fundamentação se dá na valorização do trabalho humano e na
livre iniciativa.
2.3. Concorrência como princípio — Livre Concorrência
Apesar de a Constituição ter “Ordem Econômica” como título na parte que
trata sobre a economia, o que se conclui é que não se trata de um modelo
socialista, totalmente regulado pelo Estado; ao contrário, demonstra que a escolha
do modelo econômico de produção foi o capitalista77.
Outro fato que também confirma a escolha é que a economia se apóia
principalmente sobre a produção privada, cabendo ao Poder Público atuar
diretamente na atividade econômica, somente com a autorização da lei, e quando
necessário aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse
coletivo, ou seja, como exceção.
O fato de o Estado poder intervir sobre o domínio privado ou possuir o
monopólio sobre determinados bens ou atividades também não contradiz o
modelo capitalista, porque essa forma de atuação tem sua adequação a este, cujo
objeto é a concentração da produção por determinados agentes. Entretanto, as
normas constitucionais não são inúteis, mas têm o objetivo de limitar os efeitos do
liberalismo, que sem controle demonstrou historicamente e até hoje produzir
efeitos danosos. Assim, apesar de adotar o modelo capitalista, há a preocupação
76 Entre as principais, podem-se destacar, além do Decreto 22.989/33, o Decreto-lei
7.666/45, a Lei 4.137/62, a Lei 8.158/91 e a Lei 8.884/94. 77 Cf. BASTOS, C. R.; MARTINS, I. G. S., Comentários à Constituição do Brasil:
promulgada em 5 de outubro de 1988, p. 12.
33
com o direcionamento da economia com a intenção de regular a vida econômica e
social78-79.
A Livre Concorrência, conjuntamente com outros princípios80, tem como
objetivo a defesa do desenvolvimento econômico, que grande parte dos países do
mundo, pelo menos os ocidentais, busca atualmente. Sem a livre concorrência não
há como se fundamentar o modelo econômico atual.
Ocorre que o Princípio da Livre Concorrência, por vezes, recebe críticas
sobre a necessidade de sua exteriorização, pois “se há liberdade de comércio há
concorrência81”, assim a Livre Concorrência seria uma decorrência necessária e
até lógica da Livre Iniciativa.
Esta assertiva tem fundamento na medida em que não há como haver
liberdade de iniciativa ou de comércio sem haver concorrência; se é permitido
livremente o ingresso em determinada atividade econômica, não existe motivo
para não se permitir que haja a permanência na atividade escolhida, cujo efeito
decorrente gera a concorrência.
O fato de se afirmar que a Livre Iniciativa tenha como decorrência a Livre
Concorrência não impede o pensamento inverso, ou seja, é possível afirmar,
partindo da análise da Livre Concorrência, que a Livre Iniciativa é decorrência
necessária e lógica daquela82. O âmbito dos dois princípios tem atuação em todos
78 Cf. SILVA, J. A., Curso de direito constitucional positivo, p. 764. 79 Para Eros Grau, “a ordem econômica na Constituição de 1988 consagra um regime de
mercado organizado, entendido como tal aquele afetado pelos preceitos da ordem pública clássica
(Geraldo Vidigal); opta pelo tipo liberal do processo econômico, que só admite a intervenção do
Estado para coibir abusos e preservar a livre concorrência de quaisquer interferências, quer do
próprio Estado, quer do embate econômico que pode levar à formação de monopólios e ao abuso
do poder econômico visando ao aumento arbitrário dos lucros — mas sua posição corresponde à
do neo-liberalismo ou social-liberalismo, com a defesa da livre iniciativa (Miguel Reale); (note-se
que a ausência do vocábulo "controle" no texto do art. 174 da Constituição assume relevância na
sustentação dessa posição)”. GRAU, E. R.. A ordem econômica na Constituição de 1988:
interpretação e crítica., p. 60 et. seq. 80 A Livre Concorrência é tratada como princípio pela Constituição da República, conforme
artigo 170, IV. 81 RIPPE, S., La concurrencia desleal, p. 12. Texto original: “En efecto, si hay libertad de
comercio hay concurrencia.” 82 Cf. FORGIONI, P. A., Os fundamentos do antitruste, p. 228.
34
os momentos da concorrência, desde o ingresso na atividade escolhida até a
manutenção da competição, um princípio é complemento do outro.
A concorrência gera efeitos não somente na relação entre concorrentes, mas
também em outras relações, como, por exemplo, a de consumo83. Por conseguinte,
podem também ser afetadas outras relações ou situações que sofram ou possam
sofrer sua influência.
A Livre Concorrência como Princípio limitador e permissivo da
concorrência também exerce efeitos sobre todas as relações que esta possa
influenciar; assim, quer seja direta ou indiretamente, é possível analisar o
Princípio sob diversas maneiras e/ou enfoques.
Isabel Vaz entende que a Livre Concorrência tem como pressupostos a
propriedade privada e a liberdade de empreender e de contratar84. Desse modo,
qualquer que seja a relação que tenha ligação com esses pressupostos e que sofra
ou possa sofrer a influência da concorrência, pode também ser alcançada pelos
efeitos do Princípio.
Em análise, é possível supor alguns dos elementos da concorrência: a)
pluralidade de sujeitos econômicos; b) os sujeitos operam contemporaneamente
em um determinado período de tempo; c) oferecem produtos ou serviços
homogêneos ou sucedâneos (para satisfazer às mesmas necessidades ou similares)
sobre o mesmo mercado; d) adquirir ou atrair para si clientela (que obterá o bem
ou o serviço, que é objeto da competição)85.
Na visão de Calixto Salomão Filho, para que haja garantia da concorrência é
necessário proteger duas coisas distintas86. Primeiro, que a lealdade seja
83 Calixto Salomão Filho faz diferença entre proteção da concorrência e proteção dos
concorrentes. Esta última, segundo o autor, era adotada anteriormente e visava tutelar, a
concorrência por meio da proteção dos concorrentes, o que nem sempre era eficaz. Já a proteção
da concorrência tem por fim tutelar indiretamente tanto os concorrentes quanto os consumidores.
SALOMÃO FILHO, C., Direito concorrencial: as condutas, p. 52. 84 Cf. VAZ, I., Direito econômico da concorrência, p. 54. 85 Cf. RIPPE, S., La concurrencia desleal, p. 13. O texto original tem a seguinte redação:
“a) una pluralidad de sujetos económicos; b) estos sujetos operan contemporáneamente o en una
determinada unidad de tiempo; c) ofrecen productos o servicios homogéneos o sucedáneos (para
satisfacer los mismos o similares necesidades) sobre el mismo mercado; d) el fin, adquirir o atraer
para sí clientela (para obtener el bien o el servicio, objeto de la competición).” 86 Cf. SALOMÃO FILHO, C., Direito concorrencial: as condutas, p. 55.
35
desenvolvida, ou seja, deve haver o respeito a regras mínimas de comportamento
entre os concorrentes, sendo que desta indagação resultam dois objetivos87: a) que
o sucesso dos concorrentes dependa de sua eficiência, não sendo permitido o
desvio de consumidores por outros meios que não em dados do mercado; b) a
informação ao consumidor, para que ele possa claramente distinguir os produtos
ou serviços que queira adquirir ou contratar. A segunda é a garantia do equilíbrio
das relações econômicas, evitando a formação de poder econômico no mercado
que não decorra exclusivamente da maior eficiência econômica.
A tutela dessas duas garantias é indispensável para o estabelecimento da
concorrência, inclusive com o atendimento prático e específico da necessidade
concorrencial. Tais garantias, também decorrentes da aplicação de princípios e
previsões constitucionais, são aplicáveis no âmbito da relação concorrencial,
incluindo-se o direcionamento para a relação entre concorrentes e consumidores.
No entanto, existem limitações que atingem outro âmbito, qual seja a atuação
estatal em relação à concorrência.
A despeito de o Poder Público ser compelido pela Constituição a limitar a
concorrência, como ocorre com o § 4.º do art. 173 da Constituição88, nas relações
entre concorrentes com o intuito de defender a concorrência. Também há
imposição, pela própria Constituição, ao Estado em relação a sua intervenção no
domínio econômico, quer seja atuando direta ou indiretamente89. Ao Poder
Público, como interventor, não é lícito desequilibrar a relação concorrencial,
desde que não atenda aos próprios princípios e valores estabelecidos pela
Constituição.
Assim, os Princípios do artigo 170 da Constituição não são aplicáveis
apenas quando o Estado atua com a edição de normas direcionadas para as
relações entre particulares, mas sobre todo o ordenamento jurídico, incluindo,
entre os destinatários, o próprio Poder Público.
87 Ibid., p. 55. 88 § 4.º - A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à
eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. 89 Sobre intervenção no domínio econômico se comentará posteriormente, no momento é
importante estabelecer as limitações.
36
Mas quais seriam as limitações impostas ao Estado pelo Princípio da Livre
Concorrência? Dentro de uma intervenção indireta, na qual uma das formas é a
tributação, podem-se inferir duas limitações principais a partir da análise do
enunciado do Princípio: a) a atuação do Estado não pode impedir que alguém
participe da concorrência, no sentido de ingressar nela; b) a atuação do Estado não
pode impedir que alguém se mantenha na concorrência90.
Tais limitações são de caráter genérico, apesar de possuir aplicação
concreta, porque são decorrentes de dois outros princípios, o da liberdade e o da
igualdade91. A Livre Concorrência não visa apenas a que haja liberdade entre os
concorrentes em sua atuação, mas a que também seja possível o ingresso na
concorrência, pois parte do direcionamento dado pela expressão “livre” é feita
neste sentido, até mesmo porque de nada adiantaria o ingresso na atividade
econômica se não fosse possível se manter nela.
A proximidade desses dois princípios (liberdade e igualdade92) é tão grande
a ponto de ser difícil de divisá-los. A atuação livre entre concorrentes, no processo
de concorrência, ao mesmo tempo em que demonstra que eles têm liberdade para
atuar, também representa que eles devem ser tratados de forma igualitária, ou seja,
ao Estado não é possível suprimir nem a liberdade nem a igualdade dos
concorrentes no processo de concorrência93.
O mesmo ocorre em momento anterior ao processo de concorrência, em seu
acesso: ao se permitir o ingresso de alguém no processo de concorrência, está-se
garantindo sua liberdade, já que a escolha para iniciar uma atividade econômica é
livre, mas há também de ser resguardada a igualdade no ingresso a essa atividade.
Se dois iniciantes na mesma atividade tiverem um processo desigual no ingresso,
primeiro que se estará desrespeitando a igualdade — o que não é aceitável dentro
do sistema constitucional —, segundo que a liberdade pode ser restringida na
90 Esta afirmação engloba todos aqueles que não estão em desacordo com o sistema
jurídico, tal como aqueles que abusam do poder econômico. 91 SCAFF, F. F., Efeitos da coisa julgada em matéria tributária e livre concorrência in
Grandes questões atuais do direito tributário, v. 9, p. 110. 92 Decorrentes tanto da Livre Iniciativa como da Livre Concorrência. 93 Entendido processo de concorrência como a disputa de dois ou mais concorrentes já
estabelecidos que atuam na mesma atividade econômica com o fim de atrair maior clientela.
37
medida em que o tratamento desigual pode gerar empecilho ao ingresso da
concorrência.
Assim, como componente adjetivo do enunciado dos princípios da Livre
Iniciativa e da Livre Concorrência, a liberdade também encontra fundamento na
igualdade e vice-versa.
É possível fazer referência, neste momento, à liberdade igual apontada por
Canotilho, na qual existe relação indissociável entre direitos econômicos, sociais e
culturais, bem como direitos, liberdades e garantias. Assim, na visão daquele
autor, “se os direitos econômicos, sociais e culturais pressupõem a ‛liberdade’,
também os direitos, liberdades e garantias estão ligados a referentes econômicos,
sociais e culturais94”. Infere-se daí que todos têm possibilidade de acesso a bens
econômicos, sociais e culturais95. Por isso é que se pode afirmar que a Livre
Concorrência tem ligação tão intrínseca e é a expressão da Livre Iniciativa, porque
ambos os princípios expressam o mesmo96, tanto a liberdade igual de iniciar na
atividade (iniciar ou adentrar à concorrência), como a igualdade livre de
permanecer na atividade (se manter na concorrência).
É importante ressaltar que essas duas limitações ao Estado não impedem sua
atuação, quer seja como interventor ou como normatizador, mas, ao contrário,
estabelecem limites à sua atuação. Nem tão pouco se alega que são apenas essas
as restrições impostas pelo ordenamento jurídico ao Poder Público, pois, como
demonstra Eros Grau:
Inúmeros sentidos, de toda sorte, podem ser divisados no princípio, em sua dupla face, ou seja, enquanto liberdade de comércio e indústria e enquanto liberdade de concorrência. A este critério classificatório acoplando-se outro, que leva à distinção entre liberdade pública e liberdade privada, poderemos equacionado o seguinte quadro de exposição de tais sentidos: a) liberdade de comércio e indústria (não ingerência do Estado no domínio econômico): a.l) faculdade de criar e explorar uma atividade econômica a título privado —liberdade pública;
94 CANOTILHO, J. J. G., Direito constitucional e teoria da constituição, p. 470. 95 Ibid., p. 470. 96 Sérgio Varella Bruna, ao citar as garantias prestigiadas pela Livre Iniciativa, escreve:
Através desse princípio, garante-se não só 1) a liberdade de acesso ao mercado, mas também 2) a
liberdade de permanência no mercado. BRUNA, S. V. O poder econômico e a conceituação do
abuso em seu exercício. p. 134.
38
a.2) não sujeição a qualquer restrição estatal senão em virtude de lei — liberdade pública; b) liberdade de concorrência: b.l) faculdade de conquistar a clientela, desde que não através de concorrência desleal — liberdade privada; b.2) proibição de formas de atuação que deteriam a concorrência — liberdade privada; b.3) neutralidade do Estado diante do fenômeno concorrencial, em igualdade de condições dos concorrentes — liberdade pública97.
Porém é de se reconhecer que essas são duas das principais limitações
impostas pela Livre Concorrência ao Estado quando em sua atuação como
interventor.
97 Cf. GRAU, E. R., A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica,
p. 204.
39
3 Intervenção do estado no domínio econômico e tribut ação
Com o desenvolvimento histórico das finanças públicas e a conseqüente
separação entre o patrimônio público e o patrimônio dos governantes, bem como
pela cisão entre a economia e a política, há um aparente afastamento do Estado na
vida econômica. Tal afastamento, contudo, não é absoluto. Ainda que haja mais
liberdade na execução de atividades econômicas por parte dos particulares no
Estado Liberal, o Estado se faz presente na economia de forma tal, que há quem
diga que o econômico esteve sempre subordinado ao político98.
Ainda que se tenham ressalvas sobre esta última afirmação, pela sua
generalização, entende-se que a intervenção do estado no domínio econômico é
aspecto marcante na maioria das economias. Com maior segurança é possível
afirmar que atualmente não se encontra qualquer ordem jurídico-econômica
capitalista que não possua um modelo intervencionista estatal99 em maior ou
menor amplitude.
Antes de abordar o assunto “intervenção do estado no domínio econômico”
— de que se trata e quais suas formas —, cumpre esclarecer uma distinção
levantada por alguns autores sobre a diferença entre intervencionismo e
intervenção.
Eros Grau entende o intervencionismo como:
...descrição do conjunto de ações — que designo como de intervenção — que o Estado, nos dias que correm, desenvolve no e sobre o processo econômico, objetivando a correção de distorções inevitáveis no regime de liberalismo econômico e visando à relação dos fins do Estado Social: justiça social e desenvolvimento100-101.
98 VENÂNCIO FILHO, A., A intervenção do Estado no domínio econômico: o direito
público econômico no Brasil, p. 4. 99 SOUZA, N. J., Intervencionismo e direito: uma abordagem das repercussões, p. 43. 100 GRAU, E. R., Elementos de direito econômico, p. 63. 101 De forma mais ampla, outro entendimento sobre intervencionismo: “...como ação do
Estado que se projeta sobre a comunidade, precisamente, para alcançar algum fim concreto, que,
40
O intervencionismo representa o fenômeno de intervir, o conjunto de ações
que são desenvolvidas pelo Poder Público sobre o processo econômico, com
vistas a uma relação entre o político e o econômico102.
Já a intervenção, etimologicamente, deriva do latim interventus, com o
significado de ação ou efeito de intervir103. A palavra “intervenção” como forma
de ação subentende a ideologia liberal, na medida em que se constata a abstenção
do Estado em atuar na economia, sendo a intervenção uma exceção104. Dessa
forma, é possível concluir que a intervenção está ligada diretamente à atuação em
área de outrem. Ora, se o Estado deve intervir em área de outrem, somente poderá
fazer na do setor privado105.
O disposto no artigo 175 da Constituição prevê que Incumbe ao Poder
Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão,
sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Daí se percebe que
os serviços públicos são próprios da atuação do Estado, não havendo de se falar
em intervenção em serviços público, pois a intervenção representa, como visto, a
atuação em área de outrem.
Por outro lado, no artigo 173 da Constituição, há a previsão de que a
exploração direta de atividade econômica pelo Estado, ressalvados os casos
previstos na própria Constituição, só será permitida quando necessária aos
imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme
definido em lei. O texto impõe a impossibilidade de participação direta do Estado
na atividade econômica, exceto os casos previstos no próprio artigo — isto
demonstra que esta não é área do Estado, mas dos particulares. Existindo somente
dois destinatários na divisão público e particular, sendo um excluído pelo outro, a
de outra maneira, não seria realizável”. Cf. MARTUL-ORTEGA, P. Y., Los fines extrafiscales del
impuesto in Tratado de derecho tributario, p. 356. Texto original: “…como acción del Estado que
se proyecta sobre la comunidad, precisamente, para alcanzar algún fin concreto que, de otra
manera, no sería realizable.” 102 Cf. GRAU, E. R., op. cit., p. 63 et. seq.. 103 Cf. SOUZA, W. P. A., Direito econômico, p. 398. 104 Cf. Id., Primeiras linhas de direito econômico, p. 251. 105 Cf. GRAU, E. R., A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica,
p. 93.
41
atividade econômica, não constituindo área do público, somente pode ser do
particular, e, se a intervenção se dá na área de outrem, então ela é feita pelo
Estado na área do particular.
Do exposto, é possível afirmar que os serviços públicos são de alçada do
Poder Público, diferentemente da atividade econômica, que é de alçada dos
particulares. Nesta concepção, a intervenção se daria apenas na atividade
econômica.
Ocorre que a distinção entre serviços públicos e atividade econômica pode
gerar confusão, pois “não há uma distinção intrínseca entre atividade econômica e
serviço público. O serviço público consiste na organização de recursos escassos
para a satisfação de necessidades individuais. Portanto, trata-se de uma atividade
de natureza econômica106”.
Os artigos 173 e 175 da Constituição delimitam claramente quais são as
áreas de atuação do Estado e qual é a área de atuação do particular. O problema é
que ambos os artigos prevêem exceções à regra tanto no que concerne à atividade
econômica quanto aos serviços públicos: no primeiro, quando ressalvado pela
Constituição o atendimento aos imperativos da segurança nacional ou há relevante
interesse coletivo; no segundo, quando sob o regime de concessão ou permissão
os particulares possam prestar serviços públicos.
Além da própria confusão de conceitos (atividade econômica e serviço
público), há também a confusão da nomenclatura a ser utilizada, pois atuação do
Estado pode representar tanto a ação em serviços públicos como em atividade
econômica. Para que o problema de nomenclatura seja resolvido, adotar-se-á
atividade econômica em sentido amplo, englobando tanto os serviços públicos
como a atividade econômica em sentido estrito107, sendo que, para facilitação, a
expressão adotada para esta última será apenas “atividade econômica”.
106 JUSTEN FILHO, M., Curso de direito administrativo, p. 457. Em sentido oposto, Celso
Antonio Bandeira de Mello entende que o serviço público não pode ser atividade econômica. “À
vista das disposições constitucionais, bem se vê o quanto é absurdo — disparatado, mesmo —
falar em “serviços público econômico”, pois se estaria a associar duas expressões que, em nosso
Direito Constitucional, designam antinomias jurídicas, necessariamente submetidas, então, a
regimes normativos antagônicos. MELLO, C. A. B. Curso de direito administrativo, p. 749. 107 Representa a atividade econômica em sentido amplo, excluídos os serviços públicos.
42
Outra questão de nomenclatura que merece citação é a expressão domínio
econômico, que integra o título do estudo “intervenção do estado no domínio
econômico”. Em relação ao título, o domínio econômico representa a limitação de
atuação no Estado por meio da intervenção; como esta não faz parte de sua área
comum de atuação, domínio econômico representa atividade econômica108.
Resolvido o problema da nomenclatura, cumpre agora adotar solução para o
problema de conceito, já que atividade econômica e serviço público não possuem
comum conceito por parte dos autores, nem tão pouco têm conceito definido pela
Constituição, quer seja implícito ou explícito.
O que certamente se pode afirmar é que, na atuação do Estado na atividade
econômica em sentido amplo, um instituto exclui o outro. Se caracterizado o
serviço público, então não pode ser intervenção; por outro lado, se caracterizada a
atividade econômica (em sentido estrito), trata-se de intervenção.
Sobre a distinção entre os dois institutos, Eros Grau entende que quando
houver interesse social há a exigência da prestação de um serviço público por
parte do Estado, já quando houver imperativo da segurança nacional ou relevante
interesse coletivo, a ação estatal será uma atividade econômica109.
Apesar da importante noção de serviço público do autor supracitado, adota-
se para o trabalho o seguinte conceito:
...é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público — portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais —, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo110.
Dessa forma, toda atividade econômica em sentido amplo que não for
serviço público é atividade econômica, sendo que a intervenção estatal se dá
somente nesta última.
108 Cf. SOUZA, W. P. A., Primeiras linhas de direito econômico, p. 252. 109 Cf. GRAU, E. R., A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica,
p. 133. 110 MELLO, C. A. B., Curso de direito administrativo, p. 634.
43
3.1. Formas de Intervenção
Várias são as formas de intervenção adotadas pelos mais diversos autores.
Cumpre citar algumas: Luis S. de Cabral Moncada111 entende que a intervenção
por intermédio do Poder Público pode ser feita conforme vários critérios, e cita
quatro formas. A primeira forma tem como critério o âmbito da intervenção: se
feita no conjunto da economia, de forma ampla, a intervenção é global; se
realizada em determinado setor, como exportação, por exemplo, é chamada de
setorial; e se a intervenção for feita em uma empresa específica, que pode estar
em situação financeira complicada, a intervenção é chamada de pontual ou avulsa.
O critério que define a segunda forma de intervenção é o modo como o
Poder Público atua na economia: se atua especificamente com vistas à economia,
como, por exemplo, por meio de medidas de polícia, a intervenção chama-se
imediata; por outro lado, se a atuação do Estado não tiver apenas objetivos
econômicos, mas repercussão econômica, como ocorre com as medidas de política
fiscal, a intervenção é chamada mediata.
A terceira forma de intervenção é se ela é unilateral ou bilateral. A
unilateral ocorre quando o Poder Público proíbe ou autoriza certas atividades em
determinados setores por intermédio de regulamentos e atos administrativos, que
representam objetos de autoridade. Já a intervenção bilateral representa a procura
do Estado por uma intervenção em que os parceiros sociais concordem que ela
ocorra — geralmente se reduz a oferta de benefícios pelo Poder Público para sua
adesão.
A quarta e última forma de intervenção citada por Moncada possui como
critério a participação do Estado como agente produtivo econômico ou não. Se for
o Estado que, por meio de sua participação na vida econômica, criando empresas
públicas ou atuando por intermédio delas, realiza a intervenção, então ela é direta.
Mas se os órgãos públicos exercem medidas de caráter fiscalizador por meio da
função de polícia ou de estímulo por intermédio de fomento, então a intervenção
será indireta.
111 Cf. MONCADA, L. S. C., Direito Econômico, p. 32 et. seq.
44
André de Laubadère112 também adota as mesmas quatro modalidades de
intervenção adotadas por Moncada.
Afonso Insuela Pereira113 divide as “formas atuais de intervenção” em sete:
1) Despesa Pública, cuja possibilidade de fomento monetário e político fiscal
compensatório permite a intervenção; 2) Impostos114, que podem estimular ou
reduzir as atividades econômicas; 3) Dívida Pública, dependendo da forma como
é feita, pode gerar mais empregos; 4) Estabilização dos Preços; 5) Empresas
Públicas; 6) Política Orçamentária, como meio de correção das oscilações
econômicas; 7) Planificação econômica, quando da adequação da produção,
consumo e preços.
Em outro entendimento sobre as formas de intervenção, Alberto Venâncio
Filho115, tratando sobre o “Direito Regulamentar Econômico”, as divide por
atividades: Agricultura; Indústria Extrativa; Indústria de Transformação; Setor
Energético; etc.
Hely Lopes Meirelles116, fazendo a distinção entre propriedade e ordem
econômica, chama a intervenção de “meios de atuação na ordem econômica”,
quais sejam: 1) monopólio; 2) repressão ao abuso do poder econômico; 3)
controle do abastecimento; 4) tabelamento de preços; 5) criação de empresas
estatais. Mais parece, neste caso, que a classificação adota tanto formas de
intervenção como finalidades da intervenção.
Celso Antonio Bandeira de Mello117 entende que o Estado interfere na
ordem econômica de três modos: pelo poder de polícia, sua própria atuação ou por
meio de incentivos à iniciativa privada.
112 Cf. LAUBADÈRE, A., Direito público econômico, p. 28 et. seq. José Wilson Nogueira
de Queiroz adota somente a intervenção direta e a indireta. Cf. QUEIROZ, J. W. N., Direito
Econômico, p. 85. 113 PEREIRA, A. I., Direito econômico na ordem jurídica, p. 166 et. seq. 114 Aparentemente, apesar de o autor utilizar a palavra “impostos”, que é restritiva no que
corresponde aos tipos tributários, acredita-se que o mais correto seria a utilização da palavra
“tributos”, pois todos eles podem servir para a intervenção. 115 VENÂNCIO FILHO, A., A intervenção do Estado no domínio econômico: o direito
público econômico no Brasil, p. 77 et. seq. 116 MEIRELLES, H. L., Direito administrativo brasileiro, p. 601 et. seq. 117 MELLO, C. A. B., Curso de direito administrativo, p. 749.
45
Em posição semelhante, Simone Lahorgue Nunes118 acredita que as formas
de intervenção estão descritas pelos artigos 173 e 174 da Constituição, que são as
funções de fiscalização, incentivo e planejamento (art. 174), além da função
empresarial do artigo 173. Entretanto, a autora entende que a classificação das
formas de intervenção é a de Eros Grau.
Por fim, as formas de intervenção que serão adotadas para este trabalho são
as de Eros Grau119, autor que entende existirem três modalidades de intervenção:
por absorção ou participação, por direção e por indução.
A intervenção por absorção é aquela em que o Estado atua em regime de
monopólio, como a exemplo do artigo 177 da Constituição120. Na intervenção por
participação, em vez de o Poder Público assumir integralmente a produção em
determinada atividade econômica (monopólio), ele participa da atividade
concorrendo com os particulares. É o caso da previsão do artigo 173 também da
Constituição.
Quer seja na intervenção por absorção ou por participação, o Estado
intervém no domínio econômico, pois detém total ou parcialmente o exercício da
atividade econômica; no primeiro caso, monopólio, e no segundo, a concorrência
com os particulares.
Nas duas últimas formas, a intervenção não é no domínio econômico, mas
sobre ele, pois, no lugar de participar, o Poder Público, de forma indireta, interfere
na economia.
Na intervenção por direção, o Estado estabelece “normas de comportamento
compulsórias” para os particulares que atuam na atividade, ou seja, as normas na
intervenção por direção têm o condão de impelir que determinados sujeitos
obrigatoriamente realizem a conduta descrita na norma, e caso haja o
descumprimento da previsão normativa há a imposição de uma sanção121.
118 NUNES, S. L., Os fundamentos e os limites do poder regulamentar no âmbito do
mercado financeiro, p. 25. 119 Cf. GRAU, E. R., A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica,
p. 148 et. seq. 120 Art. 177. Constituem monopólio da União: I - a pesquisa e a lavra das jazidas de
petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos; II... 121 Cf. SCAFF, F. F., Responsabilidade do estado intervencionista, p. 83.
46
Já na intervenção por indução, “o Estado manipula os instrumentos de
intervenção em consonância e na conformidade das leis que regem o
funcionamento do mercado122”. Nessa forma de intervenção, o Poder Público visa
a conduzir os participantes da atividade em que houve a intervenção para realizar
condutas almejadas pelo próprio Estado. A vantagem de seguir os
comportamentos estipulados é o recebimento de privilégios, não há qualquer
sanção aplicável ao não cumprimento dos comportamentos aspirados, apenas o
não recebimento de vantagens. Nesse tipo de intervenção, o Estado pode atuar
tanto com vistas a incentivar ou desestimular determinada atividade econômica —
o importante é que, ao contrário da intervenção por direção, não há a proibição da
conduta, apenas seu incentivo ou não.
É na intervenção por indução que há a possibilidade da utilização dos
tributos com vistas a interferir sobre o domínio econômico. É importante
comentar que o Estado pode estimular ou desestimular as atividades econômicas
não somente pelos tributos em si, ou seja, aumentando ou reduzindo a alíquota,
mas também pode fazê-lo isentando os sujeitos do pagamento do tributo, exigindo
um número excessivo de obrigações acessórias, entre outras. Assim é que a
tributação, entendida em sentido amplo, incluindo seus mais diversos institutos123,
serve como forma de intervenção e não somente os tributos, sendo a importância
daquela tão grande que, para alguns autores, se trata do instrumento fundamental
para realizar a intervenção pelo estado sobre domínio econômico124.
3.2. Extrafiscalidade
Os tributos como o principal dos itens das receitas públicas125 têm o
objetivo precípuo de arrecadar verba aos cofres públicos. Quando utilizados para
esse fim, é possível afirmar que são utilizados com um fim fiscal (de fiscalidade).
Ocorre que, apesar de o fim de arrecadar ser o principal, constantemente os
122 GRAU, E. R., op. cit., p. 149. 123 Isto não representa que todos os institutos da tributação possam ser utilizados na
intervenção, mas que esta não se dá unicamente pelos tributos. 124 BECKER, A. A., Teoria geral do direito tributário, p. 593. 125 Cf. TORRES. R. L., Curso de direito financeiro e tributário, p. 184.
47
tributos são utilizados com outros objetivos, quaisquer que sejam, que não o de
arrecadação. A utilização dos tributos dessa forma é conhecida como fim
extrafiscal, por isto a expressão “extrafiscalidade”. Como conceito para o
instituto, pode-se dizer que se trata de uma “forma de manejar elementos jurídicos
usados na configuração dos tributos, perseguindo objetivos alheios aos meramente
arrecadatórios126”.
Para Luís Eduardo Schoueri, o conceito de extrafiscalidade supracitado
estaria incluído no “sentido estrito” do termo. Pois, ao tratar do tema, entende que
inerentemente sobre o “conjunto de funções da norma diversas da mera
fiscalidade”, ou seja, qualquer coisa diferentemente da função de arrecadação do
tributo tem duas concepções. Em sentido genérico, inclui todos os casos em que o
tributo é utilizado como finalidade diversa da de arrecadar, incluídos os casos de
simplificação, como, por exemplo, o lucro presumido. Em sentido estrito, teria a
função de induzir alguém a um comportamento127.
O fundamento para a utilização dos tributos com fins extrafiscais encontra-
se na importância no manejo do Estado em seu papel intervencionista, pois como
forma de intervenção na economia atinge um dos principais componentes da
atividade econômica o “capital”, sendo que estimula riquezas ou as restringe.
Nesse mesmo sentido, o texto constitucional permite entendimento claro da
utilização dos tributos com fins diferentes do de arrecadação quando, primeiro,
permite a criação de um tributo chamado de Contribuição de Intervenção sobre
Domínio Econômico e, segundo, quando possibilita que as alíquotas de certos
tributos — alguns com uma ligação estrita com a economia, como é o caso do
imposto de importação — tenham um processo simplificado em seu aumento ou
redução.
126 Cf. CARVALHO, P. B., Curso de direito tributário, p. 13 et. seq. 127 Cf. SCHOUERI, L. E., Normas tributárias indutoras e intervenção econômica, p. 32 et.
seq. É por este motivo que o autor fundamenta a utilização da expressão “normas indutoras” e não
“normas extrafiscais”.
48
3.3. Dirigismo Fiscal
O dirigismo estatal, apesar de ser peculiar no pós-guerra, é algo que
historicamente tem sido permanente128. Como expressão de intervenção do estado
no domínio econômico, o dirigismo fiscal pode ser caracterizado:
...pelo fato que as medidas a ele imputadas tendem a favorecer ou prejudicar relativamente, mediante um gravame fiscal diferenciador — que, naturalmente, não se justifica pelo princípio da capacidade contributiva ou pelo afã de compensar as distorções ocasionadas pela concorrência —, a grupos econômicos isolados (pressupostos privados, empresas, figuras empresariais, etc.), a determinados setores da produção, a algumas categorias de consumo, a estruturas criadoras ou aplicativas do capital, etc., seja por razões puramente econômicas ou por razões metaeconômicas (especificamente políticas, militares, sociais, etc.)129 [...].
Tal situação revela um aspecto da intervenção que não tem sintonia com o
modelo constitucional atual, pois, ao passo que a Constituição prevê uma série de
limitações ao poder de tributar, como direitos e garantias dos contribuintes, o
dirigismo fiscal pressupõe uma decisão política fundamentada em interesses que
podem ser individuais, ou exclusivamente de governo, muitas vezes, inclusive,
sem observar o compromisso com o ordenamento jurídico vigente.
O dirigismo fiscal é efetuado por meio de gravames fiscais, ou seja, pelo
aumento de carga tributária sobre alguém especificamente ou sobre diversas
pessoas que executam uma atividade econômica. Pode também ocorrer pela
concessão de benefícios tributários a um ou alguns com o intuito, em qualquer dos
casos, de privilegiar alguns ou um indivíduo.
128 Cf. MONCADA, L. S. C., Direito Econômico, p. 32. 129 NEUMARK, F., Principios de la imposición, p. 275. Texto original: “...por el hecho de
que las medidas a él imputadas tienden a favorecer o perjudicar relativamente, mediante un
gravamen fiscal diferenciador — que, naturalmente, no se justifica por el principio de la capacidad
de pago o por el afán de compensar las distorsiones ocasionadas por la competencia —, a grupos
económicos aislados (presupuestos privados, empresas, figuras empresariales, etc.), a
determinados sectores de la producción; a algunas categorías del consumo, a las estructuras
creadoras o aplicativas del capital, etc., sea por razones puramente económicas o por razones
metaeconómicas (específicamente políticas, militares, sociales, etc.)..”
49
De acordo com Fritz Neumark, o princípio antidirigista prevê que a política
fiscal não deve possuir intervenções de maneira desordenada no mercado
favorecendo grandes ou pequenos setores da economia130.
Apesar da formulação de um princípio específico, inclusive com nome
próprio para a proibição do dirigismo, entende-se que a proibição encontra
fundamento principalmente na igualdade e na liberdade.
Com o intuito de manter a relação concorrencial, ao Estado é necessário
que, quando intervenha, o faça respeitando tanto a liberdade de ingressar na
concorrência, como a igualdade dos concorrentes na mantença dela; caso
contrário, o Princípio da Livre Concorrência estaria sendo desatendido, quer seja
na igualdade ou na liberdade. Por fim, é de se alegar que o dirigismo fiscal não
encontra fundamento de validade no ordenamento jurídico brasileiro.
3.4. Principais formas de intervenção do estado na conco rrência por meio da tributação
A tributação utilizada como forma intervenção no domínio econômico
enquadra-se dentro da divisão das formas de intervenção, na por indução, sendo
que não é somente pelo aumento ou redução dos tributos que há a ingerência nas
atividades econômicas, mas por várias outras formas que têm ligação com a
tributação.
Gian Pietro Borras caracteriza de duas maneiras a utilização dos
instrumentos tributários para o desenvolvimento, entendidos estes, pelo autor,
como uma categoria ou classe dos incentivos econômicos. A caracterização
chamada de catalogação divide-se entre a reestruturação do sistema tributário e a
adequação de um ou mais tributos (inclusive todos), dos seguintes modos:
I) Reestructuración del sistema tributario (primordialmente en su ámbito impositivo, que es el que tiene mayor proyección al respecto). II) Adecuación de uno o más tributos (incluso todos). 1. Mediante el abatimiento o supresión de la carga tributaria. a) De modo directo: 1) estableciendo exenciones tributarias; 2) disponiendo franquicias o reducciones tributarias;
130 NEUMARK, F., Principios de la imposición, p. 275.
50
3) supeditando la obligación tributaria al cumplimiento de condiciones (verbigracia, admisión temporaria), etc.
b) De modo indirecto: 1) elevando los mínimos libres de la respectiva figura tributaria; 2) fijando nuevos gastos deducibles o elevando los existentes para Ia
respectiva liquidación tributaria; 3) atenuando el importe del devengo tributario por procedimientos diversos,
como, por ejemplo: estableciendo bases cálculo tributario bajas (aforos bajos); disponiendo regímenes de liquidación tributaria que reduzcan la carga del tributo, tales como escalonamientos progresionales en la liquidación con alícuota creciente, etc.; fijando porcentajes diferenciales de amortización para el cálculo de la cuan la cuantía del tributo; estableciendo tratamientos especiales deductivos por depreciación acelerada o reinversión; mediante el otorgamiento de plazos para el pago de la carga tributaria, etc.;
4) asimilando al contribuyente a otras categorías de personas que disfruten de condiciones o situaciones tributarias beneficiosas (como, verbigracia, declarar a determinadas actividades de ellas exportaciones indirectas, equiparándolas, así, en las ventajas tributarias que a éstas se confieren; huelga que en el supuesto corriente, de que dispongan de ellas), etc.;
5) suspendiendo el pago tributario, condicionándolo o aplazando el pago del tributo, etc.
2. Mediante el resarcimiento de la carga tributaria. a) Por reembolso (total o parcial) de importes tributarios pagados (como, por
ejemplo: draw-back, devolución de tributos pagados; ejemplos: a la renta, patrimonio, etc.).
b) Por atribución (derecho) de facultad para pagar débitos tributarios preexistentes o ulteriores (verbigracia: reintegros por exportaciones; créditos por impuestos u otros tributos a pagarse con ellos, etc.)131.
Dentro das mais diversas formas de, por meio da tributação, realizar a
intervenção na economia, citar-se-ão a seguir algumas das que se acredita sejam
as mais importantes no caso do Brasil.
3.4.1. Imunidade tributária
O tema imunidade tributária é bastante discutido pelos autores de direito
tributário, sendo que as teses mais comuns são de limitação de competência132,
previsão de incompetência133 ou de não-incidência134.
131 BORRÁS, G. G., Incentivos tributarios para el desarrollo, p. 72 et. seq. 132 Cf. MACHADO, H. B., Curso de direito tributário, p. 260. 133 Cf. BARRETO, A. F.; BARRETO, P. A., Imunidades tributárias: limitações
constitucionais ao poder de tributar, p. 9. Cf. MELO, J. E. S., Curso de direito tributário, p. 113.
Cf. CARRAZZA, R. A., Curso de direito constitucional tributário, p. 682. 134 NOGUEIRA, R. B., Curso de direito tributário, p. 167.
51
Apesar da discordância a respeito da natureza das imunidades tributárias, há
consentimento quanto à origem das normas de imunidade, cuja origem é
constitucional. As imunidades mais conhecidas, a despeito de não serem as
únicas135, são as do artigo 150, VI, cuja disposição imuniza dos impostos as
pessoas políticas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) umas das outras;
os templos de qualquer culto; os partidos políticos, inclusive suas fundações; as
entidades sindicais dos trabalhadores; as instituições de educação e de assistência
social sem fins lucrativos; bem como livros, jornais, periódicos e o papel
destinado a sua impressão.
Para Paulo de Barros Carvalho o conceito de imunidade tributária é
construído com auxílio da natureza jurídica da imunidade, e tem como
fundamento a incompetência dos entes políticos.
...a classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficiente-mente caracterizadas136.
A determinação de incompetência de instituição de tributos, por parte do
texto constitucional, assenta-se no fato de o legislador constitucional levar em
consideração idéias e/ou valores sociais, culturais, religiosos, educacionais,
econômicos137, entre os diversos estabelecidos na Constituição, para não permitir
que incidisse a tributação sobre eles. Por conseguinte, não haveria motivos, como
sistema, para se consagrar tais valores no ordenamento jurídico e não fazê-lo na
tributação.
O fato é que a instituição de imunidades tributárias pelo legislador
constitucional faz com que determinados atos, fatos, situações, bens, pessoas, etc.
não sejam tributados, constituindo assim uma forma de auxílio ou benefício no
atendimento daqueles valores. Ocorre que, a despeito desse atendimento, as
135 Cf. ICHIHARA, Y., Imunidades tributárias, p. 117 et. seq. O autor procura identificar
as previsões normativas referente às imunidades tributárias. 136 Cf. CARVALHO, P. B., Curso de direito tributário, p. 185. 137 Cf. BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à
Constituição do Brasil: promulgada em 5 de Outubro de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989.
52
imunidades geram efeitos econômicos, até mesmo porque se não gerassem não
atenderiam suas finalidades.
Do discorrido até agora, dois pontos principais podem ser discutidos sobre
imunidade e concorrência. O primeiro ponto refere-se ao fato de haver ou não
intervenção do estado no domínio econômico por intermédio das imunidades; o
segundo é se há infração à igualdade ou à liberdade por parte do estabelecimento
das imunidades e, conseqüentemente, desequilíbrio concorrencial.
Para uma melhor compreensão sobre ambos os assuntos, necessário é dividir
o momento em que há o estabelecimento da imunidade. Demonstrou-se que as
imunidades são estabelecidas na Constituição; entretanto, o momento em que há
essa introdução no ordenamento jurídico deve ser verificado.
A Constituição como lei fundamental ou lei maior de uma Nação
organizada em Estado138 teve sua existência após a conclusão da atividade de
constituinte139. Com o nascimento da Constituição, houve o nascimento do
Estado140, bem como o nascimento do direito141, e mesmo após todos esses
acontecimentos, sendo a Constituição o fundamento de todos eles, o constituinte
originário achou por bem inserir no texto constitucional a possibilidade de atuação
do chamado poder originário derivado, que tem como característica realizar
emendas à Constituição.
Assim, é possível separar em dois momentos a produção das normas
constitucionais142: as que são criadas pelo constituinte originário, quando sequer
há a existência do Direito, da Constituição ou do Estado, sendo que de sua
138 Cf. SILVA, J. A., Poder constituinte e poder popular (estudos sobre a Constituição), p.
67. 139 Ibid., p. 69. 140 Cf. MIRANDA, J., Teoria do estado e da constituição, p. 359. Para esse autor, o Estado
nasce com a primeira Constituição, pois, após isso, segundo ele, o princípio é de continuidade do
Estado. 141 GRAU, E. R., A constituinte e a constituição que teremos, p. 39 et. seq. No caso, o autor
afirma que não há de se falar em Estado sem falar de Direito. Sendo a Constituição a criadora do
Direito, também é criadora do Estado. Assim, se o poder constituinte originário cria novo direito,
substituindo o anterior, conseqüentemente isto ocorre com o Estado. 142 Há ainda outro poder constituinte comentado pelos autores, o terceiro, que seria o poder
constituinte dos estados federados, também chamado de poder constituinte decorrente, mas que
neste momento não convém citar. Cf. FERREIRA FILHO, M. G., O poder constituinte, p. 146.
53
atividade é que passará a haver tudo isso, e as que decorrem do poder constituinte
derivado, o qual encontra fundamento de existência na própria Constituição.
Tal diferença é importante porque, em relação às normas constitucionais
provenientes do poder constituinte originário, não há que se falar em intervenção
do estado no domínio econômico, pois nem sequer há Estado no momento de sua
elaboração, que somente passa a existir com a existência do Direito, que advém da
Constituição.
Dificilmente é possível conceber intervenção do constituinte originário no
domínio econômico, isto em razão de alguns motivos: primeiro, porque
intervenção pressupõe atuação em domínio de outrem, sendo que antes da
Constituição não há domínios delimitados, todos os domínios são do legislador;
segundo, porque a própria sociedade143 está sendo organizada com a elaboração
da Constituição, e somente após o seu término e aprovação pela constituinte é que
aquela será definida. Além disso, não existe modelo econômico definido, podendo
a suposta intervenção não ser intervenção. Também se pode questionar sobre
atuação do poder constituinte originário, pois o poder constituinte originário não é
o Estado.
Já as normas constitucionais provenientes do poder constituinte derivado, ao
contrário das originárias, são provenientes do Estado, pois este já existe e é dele
que emanam tais normas, cuja limitação se encontra na Constituição. Das normas
constitucionais provenientes do poder constituinte derivado, que tratam sobre
imunidade, é possível se fazer referência à intervenção sobre domínio econômico,
sendo que o que as diferencia é a via escolhida para sua introdução, qual seja
constitucional, por meio de emenda.
Não que com isto se queira diminuir a importância do poder constituinte
derivado ou suas limitações, até mesmo porque estas estão definidas pela
Constituição, mas o fato é que na atuação desse poder — o derivado — há uma
ordem jurídica estabelecida, adotando-se a postura de que tal poder é limitado.
Ainda que sua abrangência seja grande a ponto de alterar em parte ou
integralmente a Constituição, as alterações devem respeitar os limites da ordem
jurídica imposta144.
143 GRAU, E. R., A constituinte e a constituição que teremos, 40. 144 Cf. BONAVIDES, P., Curso de direito constitucional, p. 150.
54
Outro assunto a ser analisado é se há ou pode haver desequilíbrio na
concorrência pelas imunidades. Novamente, deve-se primeiramente levar em
consideração se as imunidades são estabelecidas pelo poder constituinte originário
ou derivado.
O fato de não haver ordenamento jurídico, ou Direito, nem sequer Estado
antes do término dos trabalhos da constituinte, cujo objetivo é a elaboração e
aprovação da Constituição, produz características especiais ao trabalho do
legislador constitucional, tal como ser um poder de fato145 ou um poder não
tangido pelo Direito, pois não está sujeito a nenhuma norma de processo
legislativo anterior146. Dessa forma, o poder constituinte originário é “inicial,
absoluto, soberano, ilimitado e incondicionado147”. Então não há de se cogitar a
possibilidade de desatendimento à igualdade ou à liberdade nesses termos, nem de
desequilíbrio concorrencial, pois se está definindo quais são os parâmetros para
esses princípios148, até mesmo porque nem se trata de intervenção, como visto.
Por outro lado, as normas constitucionais inseridas por meio do poder
constituinte derivado, bem como o próprio poder derivado, têm como
características serem secundários, relativos e limitadas pela Constituição149. Isso
faz com que o poder constituinte derivado e as normas emanadas dele devam
respeitar os limites impostos, quer seja no aspecto formal (processo legislativo) ou
no aspecto material (dispositivos de direito material)150 constitucional.
O desrespeito à Constituição por parte de norma emanada do constituinte
derivado permite que esta seja declarada inconstitucional e seja retirada do
ordenamento jurídico. O Supremo Tribunal Federal tem em seu repertório de
145 Cf. FERREIRA, P., Comentários à Constituição brasileira, p. 7. 146 Cf. GRAU, E. R., A constituinte e a constituição que teremos, p. 39. 147 FERREIRA, P., op. cit, p. 7. 148 Com entendimento diferenciado, Sieyés escreve que a Assembléia constituinte está
adstrita à Nação, assim não possui liberdade plena, mas deve estabelecer uma Constituição que
represente os anseios do povo, devendo respeitar tais limites. Cf. SIEYÉS, E. J., A constituinte
burguesa, p. 69. 149 FERREIRA, P., op. cit, p. 7 150 Cf. BACHOF, O., Normas constitucionais inconstitucionais?, p. 52.
55
jurisprudência a declaração de inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n.º
3/93.151
As normas constitucionais que inserirem no ordenamento jurídico as
imunidades devem então respeitar tanto a liberdade como a igualdade para não
gerar desequilíbrios também na concorrência. Entretanto, devem-se observar com
cuidado os parâmetros utilizados para aferição daqueles princípios, porque sobre a
liberdade dificilmente há de se caracterizar a falta dela, tendo em vista a
imunidade, já que esta trata da incompetência das pessoas políticas para instituir
tributos, sendo uma das características do instituto o de obstar o exercício da
atividade legislativa do ente estatal152. A imunidade, por si só, já gera a
impossibilidade de criação do tributo; se assim o faz, pela impossibilidade de
gravame econômico do Estado por meio da instituição daquele tributo, então não
há de se falar de limitação ou de restrição de liberdade, o que pode ocorrer quando
o tributo impõe à limitação.
Sobre a noção de concorrência de Francesco Galgano, comentada
anteriormente, cuja situação é a de entrar e agir no mesmo mercado, nesse sentido
também dificilmente há de se afirmar sobre desequilíbrio concorrencial pelo
tratamento tributário desigual, porque a imunidade é concedida a todos que atuam
no mesmo mercado. Como exemplo, utiliza-se o caso dos livros153: há imunidade
de impostos sobre eles, consoante artigo 150, VI, “d”, dessa forma todos os que
produzem ou comercializam livros não pagam impostos que incidiriam sobre eles.
Isto quer dizer que não há diferença de tratamento entre as pessoas que trabalham
com os livros, porque nenhuma delas sofre a incidência dos impostos.
O que se quer esclarecer é que as todas as pessoas que trabalham com livros
recebem o mesmo benefício, que não é parcial, como no caso da capacidade
contributiva, mas pleno, sequer há a possibilidade de instituição dos impostos, não
havendo de se falar em desigualdade no seguimento de produção ou
151 ADI 939/DF, Rel. Min. Sydney Sanches, julgado em 15.12.1993, Tribunal Pleno, DJ
05.01.1994 e republicada em 21.01.1994. 152 Cf. SOUZA, L. M., Imunidade tributária: entidades de educação & assistência social
(atualizado com a Lei Complementar 104/2001), p. 62. 153 Que apesar de ter sido inserido no texto constitucional pelo constituinte originário será
apenas utilizado como exemplo.
56
comercialização de livros; caso contrário seria se a imunidade beneficiasse apenas
um ou uns indivíduos.
Talvez seja possível falar em desigualdade referente ao tratamento tributário
no que concerne a produtos semelhantes em sua finalidade, mas diferentes na
estrutura.
O legislador constitucional previu a imunidade sobre livros154 para que sua
produção e circulação fosse economicamente facilitada, com vistas a permitir o
acesso à cultura; entretanto, escolheu apenas os livros, jornais, periódicos e o
papel destinado a sua impressão, mas não incluiu nesse rol os meios materiais de
produção e comercialização de música, por exemplo, que também não deixa de
ser caracterizada como cultura.
A despeito disso, não há de se cogitar a possibilidade de estabelecer
imunidade aos CDs, DVDs ou LPs musicais simplesmente porque também são
caracterizados como cultura, pois não há a imunização destes por parte do
legislador, ou seja, não há norma prevendo o benefício.
3.4.2. Isenção tributária
Ao contrário das imunidades, as isenções tributárias são concedidas por
meio de leis infraconstitucionais. São, também, uma das formas mais conhecidas
de utilização da tributação como forma de intervenção sobre o domínio
econômico, por meio da indução, já que sempre que houver uma isenção tributária
haverá um motivo extrafiscal155 a fundamentando, ainda que ela não seja
direcionada especificamente à economia (apesar de ser a forma mais comum de
utilização das normas de isenção), como no caso de isenção visando a atender
valores estabelecidos na Constituição não abrangidos pelas imunidades.
O Código Tributário Nacional dispõe sobre isenções como forma de
exclusão do crédito tributário e, nos artigos 176 a 179, dispõe generalidades sobre
o instituto, no entanto sem esclarecer qual sua natureza.
Rubens Gomes de Sousa, autor do Ante-Projeto daquele Código, movido
pelos ensinamentos de Giannini156, entendia que a isenção tributária é “o favor
154 Novamente utiliza-se o exemplo dos livros apenas de forma ilustrativa. 155 SANCHES, J. L. S., Manual de direito fiscal, p. 174. 156 Cf. AMARO, L., Direito tributário brasileiro, p. 283.
57
fiscal concedido por lei, que consiste em dispensar o pagamento de um tributo
devido157”. Alfredo Augusto Becker, com entendimento diverso do anterior, tratou
das isenções como não incidência das normas tributárias158.
Por outro lado, Paulo de Barros Carvalho aborda as isenções sob o aspecto
normativo, constatando a diferença entre regras de estrutura e regras de
comportamento, sendo que as isenções estariam incluídas no primeiro tipo. As
regras de conduta são aquelas que se dirigem às condutas das pessoas, e as regras
de estrutura prescrevem o relacionamento entre as regras de conduta159.
Adstrito à legalidade, as isenções recebem uma grande influência política, e
é exatamente isso que as pode tornar tão efetivas no desequilíbrio concorrencial.
Pelo fato de o legislador constitucional originário ter adotado, por intermédio da
Constituição, um tipo de governo descentralizado (Federação), e também porque
todas as pessoas políticas têm competência para instituir os tributos especificados
na Constituição, a possibilidade de tratamento diferenciado ou reduzido na
instituição de tributos é grande, permitindo afetação à concorrência. Não que isso
ocorra em todos os casos no exercício de competência relativamente a isenções,
até mesmo porque a Constituição prevê limitações à instituição de isenções160,
ocorre que muitas delas são por meio de princípios, o que dificulta sua aplicação.
Um ponto importante que pode gerar o desequilíbrio é que as isenções
podem ser previstas não somente em âmbito geral, mas com o enfoque
direcionado. Foi o caso das montadoras de veículos atraídas para o estado do
Paraná nos anos de 1996 e 1997. Entre um exemplo de isenções direcionadas,
tem-se a Lei n.º 03, de 18 de março de 1996, do Município de São José dos
157 SOUSA, R. G., Compêndio de legislação tributária, p. 97. Com o mesmo entendimento,
FANUCCHI, F., Curso de direito tributário brasileiro, v. 1, p. 370.; LEITE FILHO, N., Da
incidência não incidência isenção e imunidade, p. 112. e FALCÃO, A. A., Fato gerador da
obrigação tributária, p. 65. 158 Cf. BECKER, A. A., Teoria geral do direito tributário, p. 305 et. seq. 159 Cf. CARVALHO, P. B., Curso de direito tributário. p. 488 et. seq. 160 Como é o caso do art. 155, § 2.º, XII “g” da Constituição, cuja disposição é a seguinte:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:... § 2.º O imposto
previsto no inciso II atenderá ao seguinte:... XII - cabe à lei complementar:... g) regular a forma
como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios
fiscais serão concedidos e revogados.
58
Pinhais, cuja redação previa uma série de isenções às indústrias que atuavam ou
que viriam a atuar no setor automotivo, mais especificamente a Renault do Brasil.
Art. 16. A RENAULT DO BRASIL e demais indústrias implantadas e empreendimentos realizados no Parque Industrial Automotivo terão isenção de impostos e taxas municipais, inclusive de contribuição de melhoria, pelo período de 10 (dez) anos, a partir da data do ato da transmissão imobiliária do terreno àquela empresa. Parágrafo único — As indústrias implantadas e a serem implantadas no Município, bem como, empreendimentos realizados ou a serem realizados no Município, localizadas fora do Parque Industrial Automotivo, e que vierem a fornecer ou prestar serviços à RENAULT DO BRASIL, gozarão, relativamente a estes fornecimentos ou serviços, da isenção de que trata o “caput” deste artigo.
Entre as modalidades de isenções pode-se citar161 as transitórias, que têm
prazo específico para a duração da isenção; permanentes, sem prazo estipulado
para o fim do benefício; condicionais, em que há uma condição para se obter a
dispensa do pagamento do tributo; incondicionais, em que não é exigida nenhuma
condição para o recebimento da isenção. Podem, ainda, ser citadas162 as isenções
objetivas, que se referem a determinados bens; subjetivas, cujo estabelecimento se
dá em virtude de determinada qualidade ou circunstância relativa às pessoas; entre
outras modalidades.
A possibilidade de concessão de isenções advém da competência tributária,
que é concedida a todas as pessoas políticas por intermédio da Constituição.
Assim, a regra é que quem tem competência para instituir o tributo também o tem
para isentar.
Ao constatar a busca pelo desenvolvimento econômico por parte União,
Estados, Distrito Federal e Municípios, tanto o legislador constitucional como o
infraconstitucional previram possível disputa entre as pessoas políticas.
Amparados pelo interesse do estabelecimento de sujeitos passivos em seus
territórios, o que conseqüentemente geraria maior arrecadação tributária, a
tendência da atuação das pessoas políticas seria a de reduzir gastos dos
contribuintes por meio das isenções, os quais, buscando melhores condições,
poderiam se manter em vantagem sobre os concorrentes que porventura não
obtivessem os mesmos benefícios.
161 Cf. CARRAZZA, R. A., Curso de direito constitucional tributário, p. 844. 162 Cf. BORGES, J. S. M., Teoria geral da isenção tributária, p. 258 et. seq.
59
O problema de disputa entre as pessoas políticas sobre a promoção de
benefícios aos sujeitos passivos em troca de sua instalação nos territórios ocorre
principalmente nos âmbitos estaduais e municipais, pois são diversas as pessoas
políticas sob o mesmo ordenamento jurídico intentando maior arrecadação. Em
âmbito federal não há tal problema, visto que a União não tem com quem
disputar, salvo com outros países163.
Tal disputa é conhecida como guerra fiscal, cuja prática não ocorre
exclusivamente por meio das isenções, nem tão somente pela tributação, mas por
meio de diversos instrumentos, como vantagens financeiras, estímulos para infra-
estrutura, entre outros164, sendo que “as piores vítimas de incentivos distorcidos
por medidas que reduzem ou eliminam o ônus dos impostos são os agentes
econômicos eficientes, forçados a suportar uma carga tributária maior do que seria
desejável no quadro da livre concorrência165”.
O principal tributo que seria utilizado como instrumento eficaz para a guerra
fiscal é o imposto sobre circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços
de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, o ICMS, pois além
de ser um tributo que incide sobre diversas atividades econômicas166, que por sua
vez são abrangentes, como a circulação de mercadorias, é o imposto que mais gera
arrecadação aos cofres públicos dos Estados e Distrito Federal.
Por este motivo é que o legislador constitucional estabeleceu regime
específico para as isenções, cabendo à lei complementar regular a forma como,
mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, seriam concedidas
isenções, incentivos e benefícios fiscais (art. 155, § 2.º, XII, “g”), cuidado que já
163 Isto não quer dizer que a União não promove por vezes o desequilíbrio concorrencial por
intermédio das isenções, apenas que em âmbito federal ela é a única pessoa política. 164 MELO, J. E. S., ICMS: teoria e prática, p. 274 et. seq. 165 FERRAZ JÚNIOR, T. S., Guerra fiscal, fomento e incentivo na Constituição Federal in
Direito tributário: estudos em homenagem a Brandão Machado, p. 281. 166 “A sigla ICMS alberga pelo menos cinco impostos diferentes; a saber: a) o imposto
sobre operações mercantis (operações relativas à circulação de mercadorias), que, de algum modo,
compreende o que nasce da entrada de mercadorias importadas do exterior; b) o imposto sobre
serviços de transporte interestadual e intermunicipal; c) o imposto sobre serviços de comunicação;
d) o imposto sobre produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e
combustíveis líquidos e gasosos e de energia elétrica; e, e) o imposto sobre a extração, circulação,
distribuição ou consumo de minerais.” CARRAZZA, R. A., ICMS, p. 34 et. seq.
60
era tomado mesmo antes da Constituição de 1988, e que sua edição veio a
perpetuar. A Lei Complementar 24/75, que em seu artigo 1.º criou o CONFAZ167
— Conselho Nacional de Política Fazendária — já dispunha que as isenções
relativas ao ICMS somente serão válidas nos termos dos convênios celebrados e
ratificados pelos Estados e Distrito Federal168.
O fato é que as isenções são instrumentos importantes para a atuação do
Estado na economia; contudo, não podem ser utilizadas de forma ilimitada, mas
devem respeitar os limites estabelecidos pela Constituição, incluindo nestes
também a possibilidade de ingresso em uma atividade econômica (liberdade) e a
possibilidade de continuidade do concorrente na atividade (igualdade).
3.4.3. Exercício de Competência para a instituição de tributos
Com a adoção constitucional pelo modelo republicano, a Constituição cria
as pessoas políticas, bem como lhes dá autonomia tanto legislativa, instituindo
processo legislativo próprio de cada pessoa, como financeira, ao permitir que
instituam tributos, portanto tendo receitas e realizando despesas.
Nos dois exemplos de autonomia (legislativa e tributária), a Constituição
delimita a competência de cada pessoa política, e, entendendo-se competência
tributária como “a aptidão para criar, in abstracto, tributos169”, é possível afirmar
que cada uma delas possui a sua para criar os próprios tributos dentro dos limites
estabelecidos.
Ocorre que mesmo pelo simples exercício da competência tributária é
possível promover o desequilíbrio concorrencial nos âmbitos estadual e
municipal. Diferentemente das isenções, o exercício de competência na instituição
de um tributo não se trata de favor fiscal, não incidência ou regra de conduta, mas,
sim, edição de uma lei que cria o tributo. Até esse ponto não existe problema, mas
ele pode surgir quando as diversas pessoas políticas, visando a atrair
investimentos para seu território, estabelecem ou procuram estabelecer alíquotas
167 Cf. SCAFF, F. F., ICMS, guerra fiscal e concorrência na venda de serviços telefônicos
pré-pagos in Revista Dialética de Direito Tributário, n. 126, p. 73. 168 O que, caso seja desrespeitado, cabe medida judicial para anular o benefício. 169 CARRAZZA, R. A., Curso de direito constitucional tributário, p. 471.
61
menores que os outros entes políticos no mesmo âmbito — Estados com Estados e
Municípios com Municípios.
Ressalta-se que neste caso não há benefício, na forma de cobrança reduzida
a uma parte dos sujeitos passivos, nem sequer benefício, mas a própria origem do
tributo impõe uma alíquota menor, isto porque àquele estado ou município foi
concedida, pela Constituição, certa liberdade aos representantes do povo —
legislativo e executivo — para decidir como seria e de quanto seria a imposição
tributária.
Para melhor demonstrar os efeitos danosos que podem ser gerados na
concorrência quando da estipulação de um tributo com alíquota menor em um
estado do que em outro, se junta resposta de consulta solicitada pelo CADE à
Consultoria KPMG, para demonstração da incidência de alíquotas de ICMS
diferenciadas170.
IMPACTO DA REDUÇÃO DO ICMS NO LUCRO — SABONETES
Alíquotas do
ICMS
Lucro/
Faturamento
Variação do
ICMS
Variação do
Lucro
18% 2,71% 0% 0%
12% 6,20% - 33% 128%
8% 8,54% - 56% 215%
0% 13,21% - 100% 388%
Apesar de ser situação hipotética, esse tipo de acontecimento é comum, um
exemplo disso é a diferença entre as alíquotas do ICMS incidentes sobre energia
elétrica no estado do Paraná e no Espírito Santo. No primeiro estado a alíquota é
de 27%171 e no segundo estado é de 25%172.
170 A tabela prevê uma situação hipotética de lucro para empresa produtora de sabonetes
com alíquotas diferenciadas de ICMS. A tabela está disposta na Consulta n.º 0038/99 do CADE
(Conselho Administrativo de Defesa Econômica), tal consulta foi requerida por Pensamento
Nacional das Bases Empresariais — PNBE —, sendo que posteriormente o CADE solicitou à
Consultoria KPMG que realizasse o estudo que dentre outras informações culminou na tabela. 171 Cf. Artigo 14, VI, “a”, da Lei 11.580/96 do Estado do Paraná. 172 Cf. Artigo 20, III, da Lei 7.000/01 do Estado do Espírito Santo.
62
Em um primeiro momento, a diferença de dois por cento pode não parecer
muito grande; entretanto, se os gastos com energia elétrica forem elevados, a
diferença da cobrança faz efeito. Além disso, trata-se de um item apenas na
utilização da produção de bens ou serviços, mas se a diferença fora aplicável em
outros itens e diferenças de alíquotas maiores, o desequilíbrio entre os
concorrentes pode ser bem mais significativo.
Não alheio a esses riscos, o legislador constitucional estipulou formas de
controle, procurando não gerar um desequilíbrio tão grande por força de vontade
política. Assim, estabeleceu, pelo menos sobre o ICMS, mecanismos de proteção,
entre eles os previstos no artigo 155, IV até o inciso VII, sendo algumas
disposições sobre o estabelecimento de alíquota máxima e mínima do tributo.
3.4.4. Obrigações tributárias acessórias
As obrigações tributárias acessórias, denominadas apenas obrigações
acessórias pelo Código Tributário Nacional, têm por objeto as prestações,
positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da
fiscalização dos tributos173.
Tais obrigações, também denominadas deveres instrumentais ou formais174,
se traduzem em obrigações de fazer ou não fazer alguma coisa, diferentemente do
pagamento do tributo ou da penalidade pecuniária, já que isto, de acordo com o
Código, se trata da obrigação principal175, sendo o critério principal de distinção
entre os dois tipos de obrigação a pecúnia.
Os deveres impostos pelas obrigações acessórias podem ser positivos ou
negativos. Entre os primeiros, podem-se citar a emissão de notas fiscais,
escrituração de livros, etc.; entre as prestações negativas, estão as proibições de
não rasura de documentos, bem como tolerar a fiscalização, além de outras.
As prestações positivas ou negativas são de grande importância para a
tributação, pois é possível ao Poder Público realizar a fiscalização da arrecadação
de forma mais eficaz. Além da arrecadação, o estabelecimento das obrigações
173 Artigo 113, § 2.º do Código Tributário Nacional. 174 Cf. CARVALHO, P. B., Curso de direito tributário. p. 291 et. seq. 175 Cf. Art. 113, § 1.º do Código Tributário Nacional.
63
acessórias auxilia na manutenção da concorrência, já que a sonegação tributária
gera a descompetitividade e a concorrência desleal176.
Entretanto, mesmo representando uma prestação positiva ou negativa e não
o pagamento do tributo ou penalidade (obrigação principal), trata-se de uma
obrigação, na qual também é perceptível um elemento econômico177, pois há a
transferência de parte do trabalho e dos gastos do fisco para o contribuinte178.
Ocorre que, dependendo do tipo de obrigação acessória, o dispêndio
econômico pode ser maior ou menor. Para que haja a emissão de notas fiscais, por
exemplo, há a necessidade de sua confecção em gráfica; os livros precisam ser
comprados, é necessária a contratação de pessoal técnico especializado.
Por sua vez, as prestações negativas também geram custos, na medida em
que manter a integridade de documentos gera a necessidade de estrutura,
envolvendo imóveis, móveis e funcionários. Em alguns casos, os gastos advindos
desse tipo de obrigação podem gerar pesado ônus econômico179.
A despesa gerada, quando excessiva, pode servir para desenvolver o
desequilíbrio da concorrência, pois impõe aos concorrentes que não possuem
capacidade econômica suficiente ônus para arcar com os gastos da implementação
da ou das obrigações acessórias. Exemplo concreto é o da Medida Provisória n.º
2.158-35/2001, que está em tramitação e que, em seu artigos 36, prevê a
instalação de medidores de vazão e condutivímetros, bem como de aparelhos para
o controle, registro e gravação dos quantitativos medidos em estabelecimentos
176 MARTINS, I. G. S., Obrigações acessórias tributárias e a disciplina jurídica da
concorrência in Princípios e limites da tributação, p. 677. 177 Não que com esta afirmação se adote a teoria patrimonialista das obrigações, na qual as
todas as obrigações teriam caráter patrimonial, mas que tão somente as obrigações acessórias, na
maioria das vezes, geram custos aos sujeitos passivos (Cf. BORGES, J. S. M., Obrigação
tributária (uma introdução metodológica), p. 84), na medida em que é transferido a estes o
trabalho de demonstrar o cumprimento das obrigações principais, como se demonstrará no
seguimento do texto. 178 FANUCCHI, F., Curso de direito tributário brasileiro, v. 1. p. 224. 179 BOLAN, R. F., O papel da lei na criação de deveres instrumentais tributários in Direito
Tributário Atual. Número 17, p. 295
64
industriais que trabalham com os produtos classificados nas posições 2202 e 2203
na tabela de incidência do IPI180.
A cargo dos sujeitos passivos, a instalação desses equipamentos gera gastos
que podem ser excessivos aos pequenos produtores daqueles produtos. O texto da
medida provisória prevê que a Secretaria da Receita pode dispensar a instalação
dos equipamentos em função de limites de produção ou faturamento que fixar.
Neste caso, em consonância com o artigo 179181 da Constituição, o Princípio da
Livre Concorrência, fundamentado principalmente na igualdade e liberdade, a
Receita Federal não pode, mas deve dispensar os pequenos industriais que não
possam arcar com ônus elevado devido a instalação dos medidores, isto porque a
imposição da implementação dessa obrigação acessória pode gerar desequilíbrio
concorrencial.
Uma questão controversa entre a doutrina é se as obrigações acessórias
devem respeitar o princípio da legalidade. A questão surge com fundamento nos
artigos 115 e 96 do Código Tributário Nacional182.
Para que fique claro, não há tese que adote a instituição das obrigações
acessórias sem a existência de ato normativo, mas sim que tais obrigações não
necessitariam ser dispostas pela lei, porém poderiam ser dispostas por outros atos
normativos, como por decreto do executivo.
A tese que entende que as obrigações acessórias poderiam ser inseridas no
ordenamento jurídico por ato normativo diverso de lei defende que as prestações
180 Art. 36. Os estabelecimentos industriais dos produtos classificados nas posições 2202 e
2203 da TIPI ficam sujeitos à instalação de equipamentos medidores de vazão e condutivímetros,
bem assim de aparelhos para o controle, registro e gravação dos quantitativos medidos, na forma,
condições e prazos estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal. 181 Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às
microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico
diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas,
tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei. 182 Art. 115. Fato gerador da obrigação acessória é qualquer situação que, na forma da
legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal.
(g.n.). Art. 96. A expressão "legislação tributária" compreende as leis, os tratados e as convenções
internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre
tributos e relações jurídicas a eles pertinentes. (g.n.).
65
positivas e negativas deveriam respeitar o princípio da tipicidade aberta, até
mesmo porque a fiscalização seria uma decorrência lógica da tributação183.
Data venia, se entende de forma contrária, ou seja, as obrigações acessórias,
simplesmente por serem obrigações, ficam submetidas ao princípio da legalidade,
no sentido de necessidade da existência de lei, isto com fundamento no artigo 5.º,
II, cuja previsão é a de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude de lei.
3.4.5. Controle de constitucionalidade
Apesar de não ser uma forma de intervenção dirigida, no sentido de feita
propositadamente, o controle de constitucionalidade, que também é realizada pelo
Estado, ou por um dos poderes184 — o judiciário — pode vir a exercer influência
na concorrência.
O controle jurisdicional de constitucionalidade brasileiro, que pode ser
realizado de forma concentrada ou difusa, permite que, em alguns casos,
determinadas pessoas sejam privilegiadas com decisões judiciais que tratam do
julgamento de questões tributárias, ao passo que outras não tenham o mesmo
benefício. Não se está referindo às partes do processo litigioso, mas concorrentes
da mesma atividade econômica.
Antes de continuar, é importante salientar que esse tipo de análise não se
trata de guerra fiscal, até mesmo porque não envolve atuação da competência
tributária, nem de questão de isenção ou outro benefício — tampouco da situação
prevista no art. 89 da Lei 8.884/94, cuja disposição prevê a intimação do CADE,
para que, querendo, intervenha no processo na qualidade de assistente —, pois não
183 Cf. MACHADO, H. Brito, Fato gerador da obrigação acessória in Revista Dialética de
Direito Tributário, n. 96, p. 29 et. seq. Nesse mesmo sentido, FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio.
Obrigação tributária acessória e limites de imposição: razoabilidade e neutralidade
concorrencial do Estado in Princípios e limites da tributação. 184 Não ignorando as funções típicas e atípicas desempenhadas pelos três poderes nos quais
se divide organicamente a República Federativa do Brasil.
66
se trata de discussão referente ao assunto lei185, mas da constitucionalidade ou
inconstitucionalidade de uma lei que prevê um tributo.
O desequilíbrio concorrencial pode ser gerado no caso em que, por exemplo,
um empresário obtém uma decisão proferida em controle difuso autorizando o não
pagamento de determinado tributo federal, sendo que em outro lugar do País um
concorrente seu, não obtendo uma decisão no mesmo sentido, arcará com o ônus
da imposição. Enquanto perdurarem os efeitos daquela decisão, a concorrência
entre eles será desigual, na medida em que o primeiro empresário precisará
recolher o tributo, podendo direcionar o valor economizado para novos
investimentos ou até mesmo reduzir o valor da mercadoria ou serviço objeto de
sua atividade.
O fato pode agravar-se se, por acaso, houver o trânsito em julgado da
decisão, e posteriormente houver decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a
constitucionalidade ou inconstitucionalidade, sendo contrária à decisão transitada
em julgado186. O maior problema surge na desigualdade de tratamento que se dará
em relação à imposição do tributo.
Mas desigualdade se interpõe, relevantíssima, quando há divergência entre acórdãos do Supremo Tribunal Federal e decisões do TRFs porque aí então dá-se um duplo regime: inclusão para uns e exclusão para outros do dever de contribuir para a seguridade social, nos termos da CF, art. 195, caput. 3.6 Agora, fazer prevalecer decisões hierarquicamente inferiores, excludentes do gravame, contra decisões do Supremo Tribunal Federal, é subversão da hierarquia, problema inconfundível com a questão de simples alteração jurisprudencial (p. ex., da jurisprudência de um mesmo Tribunal). E fazer prevalecer ad futurum a decisão judicial pela inconstitucionalidade da contribuição restrita às partes (controle difuso) é estabelecer um regime jurídico privilegiado, que não encontra, esse sim, guarida na Constituição Federal, antes é constitucionalmente repudiado. Efeito de um julgado não deve, nunca, importar em ruptura da Constituição Federal, sobretu-do do mais eminente dos seus princípios: a isonomia187.
185 Cf. SCAFF, F. F., Efeitos da coisa julgada em matéria tributária e livre concorrência in
Grandes questões atuais do direito tributário, v. 9, p. 112. 186 Cf. DALLAZEM, D. L., A declaração de inconstitucionalidade e seus efeitos sobre as
relações jurídicas tributárias, p. 196. Quando expõe sobre as relações jurídicas tributárias
continuativas. 187 BORGES, J. S. M., Limites constitucionais e infraconstitucionais da coisa julgada
tributária (contribuição social sobre o lucro) in Revistas dos tribunais cadernos de direito
tributário e finanças públicas, p. 175.
67
Partindo-se do pressuposto do Princípio da Igualdade, mesmo se houver
coisa julgada, não se pode permitir o descumprimento daquele Princípio,
justificada, se for necessário, a desconstituição dos efeitos do trânsito em
julgado188.
188 Cf. SCAFF, F. F., Efeitos da coisa julgada em matéria tributária e livre concorrência in
Grandes questões atuais do direito tributário, v. 9, p. 135.
68
4 Liberdade
4.1. Liberdade e livre concorrência
Como visto, o Princípio da Livre Concorrência é a expressão do Princípio
da Livre Iniciativa e vice-versa, na medida em que ambos exteriorizam dois
principais mandamentos: a liberdade de iniciar a atividade (ingresso na
concorrência) e de se manter na atividade (continuar concorrendo). Tais
expressões são limites à atuação do Estado para intervir na atividade econômica.
Tanto a liberdade como a igualdade são princípios que devem permear o
ingresso e a continuidade no processo concorrencial; entretanto, é importante a
análise em separado de cada Princípio para uma maior compreensão de seus
efeitos.
Momento histórico de relevo na história da humanidade se passa no século
XVIII. A despeito de a Revolução Americana ter seu início anteriormente à
Revolução Francesa, o lema desta — liberdade, igualdade e fraternidade — foi
marcante porque expressava o anseio de uma maioria reprimida pelos abusos
cometidos por alguns poucos que concentravam grande parte da riqueza e poder
em suas mãos.
Os dois eventos culminaram na Declaração dos Direitos em 1789, cujo
significado tem sua importância não somente para aqueles países, mas para todos
os outros, pois (e) apesar de não proclamar a liberdade econômica189, serviu como
impulsionador para a adoção de posturas mais significativas para a criação,
adoção e manutenção de direitos relativos à liberdade.
A liberdade passa a servir de fundamento para o amparo dos direitos
chamados de primeira geração190, que representam os direitos civis e políticos.
São chamados de primeira porque concebem uma condição necessária à evolução
189 LAUBADÈRE, A., Direito público econômico, p. 232. 190 Cf. BONAVIDES, P., Curso de direito constitucional, p. 562.
69
dos direitos referentes à proteção das pessoas, mas em um primeiro momento
atuam como proteção ao indivíduo contra o Estado.
Os direitos de primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado191.
Os direitos da liberdade têm como característica o cunho negativo192 ou, na
teoria de Jellinek, encontram-se entre aqueles situados no status negativus193, e
fazem a separação entre a Sociedade e o Estado, e tem como função proteger o
cidadão contra possíveis abusos do Estado, sendo oponíveis a este, limitando-o.
Tal característica permite afirmar que os direitos da liberdade não têm a finalidade
de impor ao Estado um fazer, mas sim um abster. Assim, ao Poder Público são
impostos limites na sua atuação em desfavor dos administrados.
Nesse sentido, Laubadère interpreta que o Princípio da Liberdade194 teria
duplo conteúdo: primeiramente, constitui a liberdade que os particulares têm
contra o Poder Público, limitando suas intervenções nas atividades privadas
econômicas; segundo, limita as pessoas públicas em sua atuação na atividade
econômica195, o que certamente ocorre no ordenamento jurídico brasileiro, pois o
artigo 173 da Constituição prevê que somente em dois casos o Estado pode
explorar diretamente a atividade econômica — quando necessária aos imperativos
da segurança nacional ou quando houver relevante interesse coletivo. Além disso,
há ainda o fato de autorização de lei específica, conforme o texto da Constituição:
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta
de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos
imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme
definidos em lei.
191 Cf. BONAVIDES, P., Curso de direito constitucional, p. 562. 192 SARLET, I. W., A eficácia dos direitos fundamentais, p. 56. 193 Cf. BONAVIDES, P., Curso de direito constitucional, p. 564. 194 Comentando sobre Liberdade de Comércio e Indústria. 195 Cf. LAUBADÈRE, A., Direito público econômico, p. 238.
70
Ocorre que a liberdade preconizada pelo Princípio não é absoluta, o que
também se passa na liberdade dirigida à atividade econômica, exteriorizada tanto
pela Livre Iniciativa como pela Livre Concorrência.
Verificou-se que os direitos de primeira geração indicam a abstenção do
Estado, que é a expressão da liberdade dos cidadãos. Há, ainda, entre os direitos
fundamentais, a existência de direitos de pelo menos duas outras gerações: a
segunda e a terceira196.
Os direitos de segunda geração são aqueles em que, ao contrário dos da
primeira, o Estado tem o dever de prestar algo ao administrado, pois cumpre a ele
realizar o papel de atender às necessidades dos indivíduos.
Os de terceira geração referem-se não mais apenas ao homem-indivíduo,
mas aos grupos humanos, cuja coletividade representa instrumento de
desenvolvimento tanto coletivo como individual. Entre os destinatários, estariam
exemplos como família, povo e nação197. Há o entendimento também de que o
próprio gênero humano é destinatário dos direitos de terceira geração198.
Neste contexto, e conforme Javier Viciano Pastor, é possível afirmar que a
liberdade para a atividade econômica encontra justificativa em alguns casos na
intervenção do Estado, também, porque a liberdade permanece nos direitos de
segunda geração199. Assim, a atuação do Poder Público é indispensável para impor
limites aos efeitos indesejados gerados pela liberdade que os particulares
possuem. Salienta-se que há diferença no desequilíbrio concorrencial estabelecido
pela intervenção do Estado quando este a provoca e quando o desequilíbrio se dá
pela própria atuação dos concorrentes.
Assim, a liberdade analisada dentro dos direitos de segunda geração impõe
ao Estado a obrigação de manter a concorrência, não permitindo o abuso por parte
daqueles que participam no processo concorrencial. Além disso, o artigo 173, §
4.º da Constituição200, dispõe a restrição à liberdade na atuação direta no mercado
196 Como prelecionam Ingo Wolfgang Sarlet e Paulo Bonavides. 197 Cf. SARLET, I. W., A eficácia dos direitos fundamentais, p. 58. 198 Cf. BONAVIDES, P., Curso de direito constitucional, p. 569 et. seq. 199 Cf. VICIANO, J., Libre competencia e intervención pública en la economía: acuerdos
restrictivos de la competencia de origen legal, p. 118. 200 § 4.º - A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados,
à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.
71
por parte do Estado, impondo limites encontrados nos direitos de primeira
geração.
Neste momento, é importante esclarecer que as limitações a serem
comentadas não abrangem toda a liberdade, isto porque existe mais de uma
liberdade e, apesar de a distinção ser muito mais ligada à filosofia, vale a alusão.
Há a liberdade interna e externa201. A interna está ligada à vontade interior
da pessoa, ao querer — livre-arbítrio —, e sua limitação está adstrita a uma
condição abstrata que cada indivíduo possui. Ainda que Bobbio entenda que é
possível a liberdade interna ser determinada ou influenciada pela vontade dos
outros202, não há de se falar em limitação externa, porque é impossível constatá-la
sem sua exteriorização.
Ao contrário da interna, a liberdade externa, também chamada objetiva,
cuida da exteriorização da primeira. Seria a liberdade para agir, tanto do fazer ou
do não fazer203. A despeito de se tratar de liberdade, e por isto mesmo requer o
afastamento de obstáculos, é sobre esta última que é possível haver limitação.
A limitação que mais emana efeitos à liberdade, dentro de uma sociedade de
Direito, é a lei204, e foi com parâmetros nesta constatação que Montesquieu
definiu a liberdade: “A liberdade é o direito de fazer tudo aquilo o que as leis
permitem; e se um cidadão pudesse fazer o que elas proíbem ele já não teria
liberdade, porque os outros também teriam este poder205.”
O princípio da legalidade está explicitamente disposto em várias passagens
do texto da Constituição; a exemplo, tem-se o artigo 5.º, II: Todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: II -
ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude
de lei. Mais especificamente sobre a liberdade de iniciar na atividade econômica
há disposto no parágrafo único do artigo 170 da Constituição: É assegurado a
201 SILVA, J. A., Curso de direito constitucional positivo, p. 234. 202 BOBBIO, N., Igualdade e liberdade, p. 51. Norberto Bobbio chama esta liberdade de
positiva, e a externa de negativa. 203 Ibid., p. 48. 204 Que fique claro que a lei não limita a liberdade, mas sim a norma exterioriza por ela. 205 MONTESQUIEU, C. S., Do espírito das leis, p. 166.
72
todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de
autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
O Princípio da Legalidade, ao mesmo tempo em que permite e garante a
liberdade de ingresso na concorrência, também a restringe. O fato de o Estado não
poder limitar o ingresso de alguém em uma atividade econômica é caracterizado
como liberdade pública206-207. Assim, a conclusão é de que, para proibir, o Poder
Público necessita de lei, servindo o parágrafo único do artigo 170 como
reafirmação do artigo 5.º, II da Constituição.
Do exposto, necessário é haver entendimento mais claro do parágrafo único
do artigo 170 da Constituição, pois existe a possibilidade de haver interpretação
ambígua, no sentido de a lei restringir o acesso a determinada atividade
econômica.
Não haveria de se interpretar o texto desta forma, inicialmente porque se a
primeira parte do parágrafo único assegura “a todos” o livre exercício de qualquer
atividade econômica, não há motivo para que logo após autorize a lei a restringir
alguns ou um indivíduo. Além disso, todas as atividades são acessíveis aos
particulares, salvo aquelas que o próprio constituinte excepcionou208. O fato de
restringir qualquer um a iniciar uma atividade econômica poderia ser uma ofensa
tanto à liberdade quanto à igualdade.
O entendimento mais adequado que pode ser dado ao parágrafo único do
artigo 170 da Constituição, em consonância com os princípios e regras constantes
nela mesma, é que todos têm a liberdade de iniciar qualquer atividade,
independentemente de autorização dos órgãos públicos, salvo se a lei determinar
que deva haver autorização. Assim, “o que a lei pode ressalvar é a desnecessidade
de autorização para o exercício de certa atividade; nunca, porém, restringir a
liberdade de empreendê-la, e na medida desejada209-210.”
206 GRAU, E. R., A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica, p.
206. 207 Vale a pena lembrar que as liberdades públicas, no entendimento de Celso Ribeiro
Bastos, são as “prerrogativas que tem o indivíduo em face do Estado”. BASTOS, C. R., Curso de
direito constitucional, p. 173. 208 MELLO, C. A. B. Curso de direito administrativo, p. 752. 209 Ibid., p. 752.
73
É o que ocorre nos casos do exercício do poder de polícia pelo Estado, que
pode, com fundamento na lei, autorizar ou não determinada pessoa a exercer
atividade econômica buscada. Tal limitação não pode ocorrer em virtude de
critérios econômicos, nem pessoais, mas de critérios que a lei estabelece como
requisito imponível a todas as pessoas para o exercício da atividade. É o caso da
liberação dos órgãos de saúde pública para comercialização de alimentos, por
exemplo. Ressalta-se que a restrição não pode se dar em virtude do tipo de
comercialização nem de quem (pessoa), mas sim em virtude das condições de
higiene em que se encontra o local da atividade. O objetivo do requisito não é
obstaculizar nem impedir o acesso à comercialização de alimentos, mas que
aquela atividade seja exercida com padrões de qualidade que podem interferir na
saúde e integridade das pessoas.
Assim, é possível identificar que a principal limitação ao ingresso nas
atividades econômicas é a lei, que no ordenamento jurídico brasileiro não pode
vedar o ingresso de ninguém em qualquer atividade, apenas propor exigências
cujo atendimento visa a segurança, saúde, meio ambiente, defesa do consumidor,
entre outros211.
Do Princípio da Livre Concorrência, observada em seu primeiro aspecto
como expressão da liberdade de adentrar à concorrência iniciando a atividade
econômica desejada, é possível, conforme Rippe, extrair três importantes
conclusões:
210 Nesse sentido, entende Werter R. Faria: “A liberdade de empresa ou de estabelecimento
não se resume ao direito de ingressar no mercado e exercer uma atividade comercial,
independentemente de autorização prévia, fora dos casos enumerados em lei. O conceito de
liberdade de estabelecimento inserido na Constituição deve completar-se com a limitação dos
poderes da administração, no tocante à exploração direta das atividades econômicas e a conduta
que as sociedades controladas pelo Estado devem observar, em relação ao mercado e aos demais
participantes.” FARIA, W. R., Constituição econômica, liberdade de iniciativa e de concorrência.
p. 108. 211 Também Luiz Alberto David Araújo ressalta que ao Poder Público não é permitido
intervir na vontade do indivíduo para que exerça esta ou aquela profissão em desacordo com sua
vontade; no entanto, é possível a regulamentação das profissões, e, assim, todos que queiram
exercê-la podem fazê-lo, desde que observem as normas estabelecidas pela lei. ARAÚJO, L. A.
D.; NUNES JUNIOR, V. S., Curso de direito constitucional, p. 150.
74
a) Toda pessoa, sem nenhuma distinção relativamente a seu número ou qualidade pode dedicar seu tempo, seu dinheiro e seu esforço, ao exercício da atividade que mais convenha a seus interesses e possibilidades. b) Não há que existir um número limite de pessoas em condições de exercer uma mesma atividade, se assegura a todas as pessoas por igual o livre acesso ao mercado. c) Ao assegurar-se a todas as pessoas o acesso ao mercado, resulta uma conseqüência inevitável: duas ou mais pessoas podem exercer em um mesmo momento e lugar uma mesma atividade econômica determinada212.
Por fim, a liberdade preconizada pelo Princípio não encontra como titular
apenas empresa213, tal qual indústria e comércio, mas também é direcionada para
o trabalho e o contrato214. Com esta abrangência e foco, a liberdade pode ser
chamada de liberdade corporativa215, englobando toda e qualquer atividade
econômica, pois não há oposição a qualquer liberdade de iniciar a atividade para
os particulares, apenas para o Estado216.
4.2. Liberdade e tributação
O Direito Tributário como parte do Direito é composto direta ou
indiretamente de normas que correspondam à instituição, arrecadação e
fiscalização de tributos. Esta divisão somente ocorre de maneira didática, já que o
Direito é um todo e é único217. Não deixa de ser parte do Direito Administrativo,
na medida em que o Estado, dentro dos limites da lei, institui os tributos, fiscaliza
212 RIPPE, S., La concurrencia desleal, p. 12. O texto original: “a) Toda persona, sin
ninguna distinción en cuanto a su número o calidad puede dedicar su tiempo, su dinero y su
esfuerzo, al ejercicio de la actividad que más convenga a sus intereses o posibilidades. b) Al no
existir un número límite de personas en condiciones de ejercer una misma actividad, se asegura a
todas las personas por igual el libre acceso al mercado. c) Al asegurarse a todas las personas el
acceso al mercado, resulta una consecuencia inevitable: dos o más personas pueden ejercer en un
mismo momento y lugar una misma actividad económica determinada.” 213 Neste caso, empresa representa atividade econômica. 214 Cf. SILVA, J. A., Comentário contextual à constituição, p. 710. 215 FERREIRA, P., Curso de direito constitucional, p. 129. 216 Cf. GRAU, E. R., A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica,
p. 206 et. seq. O autor ressalta que, ainda que haja oposição à liberdade de iniciativa imposta ao
Estado, não há sua exclusão. 217 Cf. CARVALHO, P. B., Curso de direito tributário. p. 13 et. seq.
75
os contribuintes e arrecada receitas para os cofres públicos, desta forma
participando da vida de seus administrados e podendo ser incluído no conceito de
ato administrativo218, ou seja, a arrecadação, fiscalização e a própria instituição de
tributos são atos administrativos.
No ordenamento jurídico brasileiro, ao contrário de muitos outros países,
boa parte do regime jurídico referente ao Direito Tributário está estabelecida na
própria Constituição. Sob o Título “Da Tributação e do Orçamento”, os artigos
145 a 162 dispõem desde princípios à repartição obrigatória de receitas por parte
das pessoas políticas.
Para o Direito Tributário, conceito de suma importância é o de tributo, pois
ele está presente em quase toda atuação estatal que possa ser incluída naquela
definição há pouco citada sobre este ramo do Direito.
Há pelo menos seis significações que podem ser encontradas na doutrina
acerca de tributo219. Uma que vale a pena comentar, bastante conhecida, é que tal
instituto seria o objeto da prestação que satisfaz um dever220. O dever em questão
é aquele que é por imposição vinculado ao sujeito passivo, para que efetue
determinada prestação, prevista anteriormente, em favor do sujeito ativo.
Ainda que sofra críticas quanto à sua função de conceituar ou não221, há na
legislação infraconstitucional um conceito de tributo, mais especificamente no
artigo 3.º do Código Tributário Nacional, cuja redação dispõe o seguinte: Tributo
é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa
exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada
mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
Uma característica importante a ser destacada no conceito é que a prestação
a ser efetuada pelo sujeito passivo deve ser em dinheiro ou moeda, pois é relativa
218 Celso Antonio Bandeira de Mello conceitua ato administrativo como “declaração do
Estado (ou de quem lhe faça as vezes — como por exemplo, um concessionário de serviço
público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas
complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por
órgão jurisdicional.” 219 Cf. CARVALHO, P. B., Curso de direito tributário. p. 19 et. seq. 220 BECKER, A. A., Teoria geral do direito tributário, p. 261. 221 MACHADO, H. B., Curso de direito tributário, p. 63.
76
à pecúnia222. Há opiniões diversas no sentido de que a prestação poderia ter seu
cumprimento de forma diversa da entrega de dinheiro, como, por exemplo,
realização de serviços (in labore) ou entrega de mercadoria (in natura)223. A
divergência encontra fundamento na interpretação da expressão em moeda ou cujo
valor nela se possa exprimir, pois quase tudo pode ser expresso em valor
pecuniário ou em moeda.
Data vênia às posições contrárias, parece que a prestação deve ser sempre
em dinheiro ou moeda, pois a palavra cujo refere-se à expressão prestação
pecuniária, e não à palavra moeda224; desta forma, haveria uma redundância no
texto, qual seja uma prestação pecuniária cujo valor nela se possa exprimir em
moeda225.
A necessidade desta rápida análise tem importância na medida em que, no
Direito Tributário, a limitação de liberdade ocorre principalmente com a
instituição de tributos. Sem sombra de dúvidas, pode haver, por meio das
chamadas sanções tributárias administrativas e criminais, a restrição da liberdade,
tanto referente ao patrimônio quanto ao indivíduo (nas criminais). Mas tais
limitações encontram fundamento em atos ilícitos. Quando no descumprimento de
obrigação principal ou acessória226, pode o sujeito passivo ter de se submeter à
apreensão de objetos (tais como produtos, matéria-prima, veículos, etc.) ou até
mesmo sua prisão.
Inserido na Constituição, o Sistema Tributário Nacional contém uma
previsão específica sobre a limitação à liberdade, cuja redação, a do artigo 150, V,
dá-se da seguinte forma: Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas
222 Segundo De Plácido e Silva, a pecúnia tem origem no latim pecunia, e sempre é
empregado em sentido técnico, tanto no Direito como na Economia, para designar dinheiro ou
moeda. Cf SILVA, D. P., Vocabulário jurídico, v. III, p. 489. 223 Cf. BASTOS, C. R., Curso de direito financeiro e de direito tributário, p. 143. 224 Ambas, a palavra e expressão, constantes no artigo 3.º do CTN. 225 A posição adotada é a mesma de Luciano Amaro. AMARO, L., Direito tributário
brasileiro, p. 19 et. seq. 226 As obrigações principais são aquelas que têm por objeto o pagamento de tributo ou
penalidade pecuniária, e as acessórias decorrem da legislação tributária e têm por objeto as
prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização
dos tributos, conforme artigo 113 do Código Tributário Nacional. Em momento oportuno, tratar-
se-á dessas obrigações.
77
ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios:... V - estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio
de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio
pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público [...].
Inicialmente, cumpre esclarecer que a liberdade de tráfego, quer seja a de
pessoas ou bens, foi garantida ao sujeito passivo. Assim, não há como qualquer
pessoa política, por meio de tributo, impedir que as pessoas transitem dentro do
território nacional, salvo no caso de pedágio. Interessante é que o legislador
escolheu não incluir no texto os trajetos internacionais, não que com isso o Poder
Público possa impedir o tráfego, pois na Constituição há outras passagens que
asseguram a liberdade, como se verá a seguir.
O pedágio, como tributo227, é uma limitação que não tem por objetivo
impedir o tráfego nem de pessoas nem de bens, mas, sim, objetiva recolher o
pagamento em virtude da conservação ou, conforme entendimento, pela utilização
de vias conservadas pelo Poder Público. A restrição à liberdade é gerada tão
somente se o tributo não for quitado pelos contribuintes.
José Afonso da Silva, ao conceituar a liberdade da pessoa física, o faz como
“possibilidade jurídica que se reconhece a todas as pessoas de serem senhoras de
sua própria vontade, e de locomoverem-se desembaraçadamente dentro do
território nacional228”. Sob esse aspecto, a liberdade pode ser vista de duas formas.
A primeira é a de locomoção, que constitui a essência da liberdade no
sistema jurídico, impedindo o tratamento dos indivíduos como escravos,
encontrando seu fundamento no artigo 5.º, XV, cuja previsão expõe que é livre a
locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos
termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens. Com isso, há
na norma constitucional a garantia de locomoção por todo o território nacional, e
também a de entrar ou sair do País com os bens, contudo em tempo de paz.
227 Há autores que entendem que o pedágio é tributo independentemente de a via ser
conservada pelo Poder Público ou não (Roque Antonio Carrazza — Curso de Direito
Constitucional Tributário). Mas há também o entendimento de que, quando a conservação da via
pública é feita por meio de concessão, o pedágio teria a natureza jurídica de preço público (Régis
Fernandes de Oliveira — Curso de Direito Financeiro). 228 SILVA, J. A., Curso de direito constitucional positivo, p. 240.
78
Já a liberdade de circulação é aquela que garante o direito de ir, vir, ficar e
parar, podendo ser conceituada, também na visão daquele autor, como a faculdade
de deslocar-se de um ponto a outro através de uma via pública ou afetada ao uso
público229.” Tal liberdade também encontra seu fundamento no artigo 5º da
Constituição.
Dentro da liberdade de circulação, que é mais específica que a de
locomoção, mas não menos importante, é possível constatar outra liberdade: a de
escolha do local de trabalho230. Tal possibilidade tem ligação direta com a Livre
Concorrência (no que concerne ao ingresso na atividade econômica231)
conjuntamente com o pedágio.
Sem sombra de dúvidas, a liberdade de tráfego é essencial para algumas
atividades econômicas e, tendo em vista o exposto sobre pedágio e liberdade de
circulação, é de se afirmar que há conflito entre estes dois institutos jurídicos. O
primeiro prevê a restrição de tráfego pela cobrança, o segundo prevê que não pode
haver a restrição.
Várias discussões têm sido travadas não somente entre estudiosos do
assunto, mas também no Judiciário, envolvendo, além da liberdade de circulação,
também a liberdade de escolha da via a ser utilizada para deslocamento232. O
cerne da discussão dá-se não sobre a possibilidade de se instituir o pedágio, até
mesmo porque há permissão constitucional para sua implementação, mas sim se
deve ou não haver via alternativa garantindo o direito à liberdade de circulação.
Um exemplo dessa discussão é o do Recurso Especial n.º 417.804
proveniente do Paraná, qual houve duas decisões. Na primeira, o relator foi o
Ministro Garcia Vieira, que deixou clara a necessidade de haver via alternativa
229 SILVA, J. A., Curso de direito constitucional positivo, p. 240. 230 Cf. ÁLVAREZ CONDE, E., Curso de derecho constitucional, p. 348. Para esse autor, a
liberdade de locomoção abrange a liberdade de escolha de residência (libre elección de residencia)
e a liberdade de circulação propriamente dita, que engloba a liberdade de escolha de lugar de
trabalho (la elección del lugar de trabajo). 231 Tem também estreita ligação com a igualdade, pois se um ou mais concorrentes tiveram
a possibilidade de escolher o local para realizar sua atividade e outro concorrente foi proibido de
realizar a mesma atividade no mesmo local, então, além da liberdade, está-se ofendendo a
igualdade, mas o assunto será tratado em tópico específico. 232 SAVARIS, J. A., Pedágio: pressupostos jurídicos, p. 204.
79
para a cobrança de pedágio, fundamentando-se no parecer do Ministério Público
nos seguintes termos:
Verifica-se, portanto, que o elemento teleológico da norma é permitir a integração do povo brasileiro, vedando quaisquer atos do Poder Público entre eles a cobrança de tributos que dificultem a locomoção do cidadão no interior do território nacional. É neste prisma que deve ser interpretado o permissivo constitucional para a cobrança de pedágio. Ou seja, a cobrança de pedágio é perfeitamente legítima desde que não impeça, ou não dificulte, o tráfego de toda ou de parte da população, independentemente, sua capacidade econômica. ...Não é razoável que se estabeleça pedágio em um único caminho de destino a um determinado lugar do território nacional, pois que tal fato, impedindo o trânsito do cidadão com um de seus bens (automóvel, caminhão, etc.), viola diretamente ao princípio federativo. Está implícito na nossa Constituição Federal, pois, que a cobrança do pedágio pressupõe a existência de outro caminho onde o cidadão, possa, de forma gratuita, passar com seus bens233.
O julgamento citado foi anulado por decisão que acolheu os embargos de
declaração234 interposto em face do acórdão. Com novo julgamento marcado, foi
designado como Relator o Ministro Teori Albino Zavascki, que argumentou em
sentido contrário à primeira.
No mérito, é improcedente o pedido para que seja sustada a cobrança de pedágio enquanto não oferecida ao usuário via alternativa gratuita para trafegar. Trata-se de exigência não estabelecida nem na lei e nem na Constituição. É certo que a referida cobrança importa forma de limitar o tráfego de pessoas. Todavia, essa mesma limitação, e em grau ainda mais severo, se verifica quando, por insuficiência de recursos, o Estado não constrói rodovias ou não conserva adequadamente as que existem, impondo aos usuários percursos mais longos ou desgastes e avarias em seus veículos. Consciente dessa realidade, a Constituição Federal autorizou a cobrança de pedágio em rodovias conservadas pelo Poder Público, inobstante a limitação de tráfego que tal cobrança acarreta... ...Assim, a contrapartida de oferecimento de via alternativa gratuita como condição para a cobrança de pedágio não pode ser considerada exigência constitucional. Ela, ademais, não está prevista em lei ordinária. A Lei 8.987/95, que regulamenta a concessão e permissão de serviços públicos, nunca impôs tal exigência235.
233 REsp. 417.804/PR, Rel. Ministro Garcia Vieira, julgado em 12.11.2002, DJ 10.03.2003. 234 EDcl no REsp. 417.804/PR, Rel. Ministra Denise Arruda, julgado em 17.08.2004, DJ
11.10.2004. 235 REsp. 417.804/PR, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em 19.04.2005, DJ
16.05.2005.
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Há, ainda, outras decisões que poderiam ser citadas, mas não é o caso, pois
não se trata do objeto do trabalho. O fato é que o pedágio, quando instituído, pode
limitar a liberdade de iniciar a atividade econômica, por um lado e mais
especificamente, aquelas atividades que têm ligação com a liberdade de tráfego, e
por outro, todas elas quando impede a livre escolha do local de trabalho.
Para que não houvesse qualquer limitação à liberdade pelo pedágio, o
adequado seria a inexistência de sua cobrança; entretanto, tal escolha não é
possível, pois sua prática é permitida. Além disso, muitas vezes torna-se
necessária, assim como a tributação de forma geral, caso contrário o Estado não
teria como arcar com as despesas públicas, conseqüentemente deixando de atender
às necessidades públicas.
O pedágio não pode ser utilizado com a finalidade de limitar a liberdade, sua
instituição deve procurar reaver os gastos com a manutenção pela utilização. A
forma mais adequada de fazê-lo é estabelecer um critério equânime em sua
cobrança, levando em consideração a qualidade/preço — quanto melhor a
conservação da estrada, maior o preço, porém menor o gasto com manutenção dos
veículos que são pedagiados e mais rápido e seguro será o tráfego. É necessária
uma correlação direta entre a qualidade do serviço e o valor da cobrança.
Caso não seja dessa forma, a cobrança de pedágio pode gerar dois efeitos
diversos: a) a cobrança é menor que a qualidade da manutenção da estrada; b) a
cobrança é maior do que a qualidade da manutenção da estrada. No primeiro caso,
aquele que está prestando o serviço de manutenção está sofrendo prejuízo236, mas
a atividade econômica que necessita da estrada não está sofrendo pesada restrição,
tendo em vista que recebe benefício maior do que os gastos. No segundo caso, a
liberdade está sendo restringida, na medida em que o valor do custo do tráfego é
superior à qualidade da manutenção e utilização da via.
236 Conforme o artigo 175 da Constituição, tanto pode ser titular da cobrança do pedágio o
Estado ou outra pessoa sempre por meio de concessão ou permissão pública. Quando a cobrança é
realizada por parte do Poder Público, é possível questionar se sua função não seria a de prestar um
serviço adequado independentemente de ter ou não prejuízo. Ou seja, se manter a via pública custa
muito caro para cobrar dos administrados, questiona-se se, entã,o o Estado é que deveria arcar com
o excesso de valor e somente cobrar o que não for prejudicial. Ao Estado é permitido prestar
serviços gratuitos ou subsidiar parte dos gastos, desde que atenda à finalidade de atender às
necessidades públicas, um exemplo é o serviço de vacinação, que é gratuito.
81
Não é somente o pedágio que pode inviabilizar a liberdade de iniciar a
concorrência, mas todos os tributos exercem efeitos tão concretos quanto
aquele237. É possível, com a tributação, restringir a liberdade do ingresso em uma
atividade econômica, tornando tão onerosa sua iniciativa que não seja viável seu
acesso. Imagina-se que para adentrar em determinada atividade econômica seja
necessário recolher determinado tributo, e que esse tributo seja tão elevado a
ponto de impedir o início de determinada atividade, ou seja, o tributo a ser pago
seja tão exorbitante que tire qualquer possibilidade de o exercício da atividade
econômica ser lucrativo — certamente trata-se de limitação à liberdade.
Como visto, o artigo 170 da Constituição prevê a não intervenção do Estado
no sentido de vedar o ingresso nas atividades econômicas; entretanto, permite que,
para começar a atividade, haja autorização por parte dos Órgãos Públicos,
autorizando a todos participar, desde que atendam aos requisitos para o início da
atividade. A tributação não trata de autorização em si, nem de relação de poder,
mas sim relação jurídica238, e sua observância está na obrigatoriedade definida
pela lei. Esta, por sua vez, ao prever a tributação para o ingresso em determinada
atividade econômica, como, por exemplo, para a produção de alimentos, impõe ao
empreendedor o pagamento de taxa de inspeção sanitária, o que não
necessariamente estará limitando a liberdade de ingresso na atividade, mas sim
tendo como objetivo a saúde das pessoas.
O que se quer deixar claro é que os tributos que incidem sobre as atividades
econômicas devem ser neutros em relação à liberdade.
4.2.1. Neutralidade tributária
Antes abordar o assunto “neutralidade tributária”, cumpre realizar sua
delimitação. A neutralidade objeto da análise não é aquela que tem por
237 Entenda-se, aqui, pedágio como instituição direta pelo Estado ou como concessão
daquele; não se discute qual sua natureza jurídica, mas sim seus efeitos para as atividades
econômicas. 238 MACHADO, H. B., Curso de direito tributário, p. 43.
82
fundamento a chamada regra de Edimburgo239, “leave-them-as-you-find-them-rule
of taxation”. Tal regra estimula que “a imposição não deve modificar em nada a
situação econômico-financeira relativa (comparativa) dos contribuintes240”,
traduzida em uma forma de tributação que permita a um contribuinte que possui,
por exemplo, renda maior do que o outro, após o pagamento dos tributos, manter a
mesma porcentagem que possuía antes do recolhimento.
Tal entendimento sobre a neutralidade está em acordo com as doutrinas
liberais clássicas, em que “a distribuição de rendas vigente não apenas é justa, do
ponto de vista moral-racional, como é 'ótima', do ponto de vista econômico241”.
Contudo, a neutralidade distributiva, da forma apresentada, não é justa, moral,
racional, nem tão pouco econômica242-243. Se a neutralidade apresenta-se de forma
indevida sob essa análise, deve ser entendida sob outra, a que produz efeitos na
relação entre concorrentes.
As relações envolvidas quando da análise da neutralidade no âmbito
concorrencial englobam a atuação do Estado quando no exercício da tributação.
O objeto da análise dá-se sobre a intervenção do Poder Público por
intermédio de sua atuação, servindo como baliza em âmbito concorrencial a
análise relação de concorrência.
Inicialmente, parece que a sugestão da neutralidade tributária na
concorrência tem como objeto apenas a igualdade, mas não é o que ocorre, pois a
neutralidade deve também ser observada na liberdade do ingresso da
concorrência, pois, caso esta seja obstada, a atuação estatal também estará
intervindo na relação concorrencial de forma a deixar de ser neutra.
239 FERRAZ, R. C. B., A inversão do princípio da capacidade contributiva no aumento da
cofins pela lei 9.718/98 in Revista Dialética de Direito Tributário, n. 130, p. 75. 240 NEUMARK, F., Principios de la imposición, p. 63. 241 FERRAZ, R. C. B., op. cit, p. 75. 242 Cf. ibid., p. 6. 243 “Soy de la opinión que, en las actuales circunstancias, la neutralidad distributiva de la
imposición en el sentido descrito no puede valer en ninguno de los dos casos como ideal o
postulado, toda vez que actualmente se reconoce, por un lado, la íntima relación entre los efectos
económicos y los efectos presupuestario-fiscales de los impuestos y, por otro, se postula
expresamente la redistribución como uno de los objetivos (preferentemente) metaeconómicos de la
política económica y de la política fiscal.” NEUMARK, F., Principios de la imposición, p. 64.
83
Pode-se dizer que a análise da neutralidade tributária em âmbito geral é
tarefa complicada e quase inútil, pois a realidade engloba sujeitos passivos dos
mais diversos tipos, muitos que sequer têm relação pessoal ou econômica entre si
como forma de servir de critério de comparação. Não que com isso a instituição
de tributos não deva respeitar a liberdade de um sujeito ou a igualdade de dois ou
mais, mas que para que a aplicação da neutralidade seja efetiva deve ser em
conformidade com cada caso concreto. Assim não há como se aplicar a
neutralidade de forma genérica a tal ponto de englobar todos os contribuintes. As
dificuldades técnico-práticas244 tornariam sua aplicação inviável, pois todas as
relações entre os mais diversos contribuintes deveriam ser observadas, e, se assim
fosse, é bem possível que a igualdade e a liberdade correriam maior risco de não
serem respeitadas.
A neutralidade tributária sob o aspecto concorrencial, limitada a esta
relação, pode ser entendida como quando “não interfira na otimização da alocação
de meios de produção, que não provoque distorções e, assim, confira segurança
jurídica para o livre exercício da atividade empresarial245”.
Entendido como princípio por Fritz Neumark, sua análise sobre a
neutralidade também se dá no âmbito concorrencial, cuja definição estabelece que
“o princípio de evitar as conseqüências involuntárias que os impostos ocasionam
na concorrência requer que a política fiscal, no relativo à transferência coativa por
ela originada dos recursos econômicos, ou da subtração à capacidade aquisitiva
que representa, se abstenha de toda intervenção que prejudique o mecanismo
competitivo do mercado, a menos que a intervenção seja indispensável para
corrigir resultados da concorrência perfeita, às que por razões de ordem superior
se considerem necessárias, ou para suprimir ou atenuar determinadas imperfeições
da concorrência246”.
244 NEUMARK, F., Principios de la imposición, p. 64. 245 ZILVETI, F. A., Variações sobre o princípio da neutralidade no direito tributário
internacional in Direito tributário atual, n. 19, p. 25. 246 Tradução feita por FERRAZ, R. C. B., A inversão do princípio da capacidade
contributiva no aumento da cofins pela lei 9.718/98, p. 75. O texto no original encontra-se da
seguinte forma: “El principio de evitar las consecuencias involuntarias de los perjuicios que los
impuestos ocasionan a la competencia requiere que la política fiscal, en lo relativo a la
transferencia coactiva por ella originada de los recursos económicos, o de los substratos en la
84
Nesse mesmo sentido. é possível afirmar que “os tributos não devem alterar
as preferências ou o desenvolvimento das atividades das pessoas que compõem a
sociedade, exceto quando a dita interferência permita uma melhor consecução dos
objetivos gerais da sociedade247”.
A neutralidade como instrumento limitador, passível de ser observada em
relações identificáveis e concretas, prevê a impossibilidade de interferência do
Estado naquela relação, no caso, por meio da tributação, a menos que seja visando
a atender aos interesses sociais, como, por exemplo, o estabelecimento da
igualdade e liberdade.
Há também definição de neutralidade referente à atuação do Estado quando
meramente arrecadatória, assim seria neutra a atuação da administração pública
quando utiliza os tributos com função estrita de coletar recursos aos cofres
públicos248.
Esta última concepção tem a ver com a fiscalidade e extrafiscalidade, e é
necessário deixar claro que a neutralidade não se confunde com nenhum dos dois
institutos. O critério diferenciador entre a fiscalidade e extrafiscalidade “é o modo
como se dá a utilização do instrumental jurídico-tributário249”. Sendo assim, a
fiscalidade pode ser observada quando:
...a organização jurídica do tributo denuncie que os objetivos que presidiram sua instituição, ou que governem certos aspectos da sua estrutura, estejam voltados ao fim exclusivo de abastecer os cofres públicos, sem que outros interesses — sociais, políticos ou econômicos — interfiram no direcionamento da atividade impositiva250.
capacidad adquisitiva que representan a éstos, se abstenga de toda intervención que perjudique ai
mecanismo competitivo del mercado a menos que la intervención fuera indispensable para
provocar correcciones de los resultados de la competencia perfecta, a las que por razones de rango
superior se las considere necesarias, o para suprimir o atenuar determinadas imperfecciones de la
competencia.” NEUMARK, F., Principios de la imposición, p. 321. 247 DUE, J., apud ZILVETI, F. A., Variações sobre o princípio da neutralidade no direito
tributário internacional in Direito tributário atual, n. 19, p. 24. 248 Cf. GONZALEZ, L. M. A., Los impuestos autonomicos de carater extrafiscal, p. 13. 249 CARVALHO, P. B., Curso de direito tributário, p. 234. 250 Ibid., p. 234.
85
Por outro lado, a extrafiscalidade seria a utilização dos tributos com função
de atender a outros interesses, quer sejam eles sociais, políticos ou econômicos.
A fiscalidade atende à neutralidade quando na concorrência, observando os
princípios da igualdade e liberdade, não intervém. É com este fundamento que o
tributo que tem a função de arrecadar pode ser neutro, quando ele não gera efeitos
que podem afetar a relação concorrencial.
Já a extrafiscalidade como forma de induzir o comportamento dos sujeitos
passivos é balizada pela neutralidade quando é utilizada para atingir a finalidade
com que está sendo utilizada, desde que respeite as demais limitações
constitucionais.
Porém não há de se falar em neutralidade somente quando os tributos são
utilizados para arrecadação, pois, como visto, eles podem ter tanto essa função
como a de atender a interesses dos mais diversos, dependendo da política adotada.
Deve-se observar que no primeiro caso (fiscalidade) o Poder Público atua de
forma omissiva na indução de comportamentos, ela simplesmente institui o tributo
com o fim de arrecadar. Já nos tributos utilizados com função extrafiscal, ela atua
comissivamente induzindo comportamentos. Em ambos os casos, o fundamento
está na igualdade e na liberdade que guiam a neutralidade251. A neutralidade tem
ligação intrínseca principalmente com a igualdade252 e a liberdade, no sentido de
que não é possível, por meio da tributação, desrespeitar os dois princípios. Assim,
a neutralidade estabelece parâmetros para a utilização da tributação.
O problema que surge é que não existe tributo somente com efeitos fiscais
ou apenas extrafiscais, pois não há como o tributo trazer receita aos cofres
públicos sem gerar outros efeitos253. Não é possível afirmar que a exação gera
apenas o ingresso de receitas aos cofres públicos — sempre há efeitos diversos,
quer sejam previsíveis ou imprevisíveis, buscados ou não. Também há de se falar
em tributos que exclusivamente induzam o comportamento das pessoas, pois
251 Vale a pena lembrar que estes não são os únicos princípios que fundamentam a livre
concorrência, mas sem sombra de dúvida estão no rol dos principais. 252 ZILVETI, F. A., Variações sobre o princípio da neutralidade no direito tributário
internacional in Direito tributário atual, n. 19, p. 24. 253 TORRES, R. L., Tratado de direito constitucional financeiro e tributário, v. II, p. 334.
86
quando qualquer sujeito passivo realizar a conduta descrita em lei, além de ter seu
comportamento induzido, ele deve pagar254.
Ademais, o sistema tributário brasileiro demonstra que o motivo da
instituição dos tributos não é única e exclusivamente o de arrecadar: há tributos
que encontram a justificativa de sua instituição na extrafiscalidade, como é o caso
da contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE), cuja finalidade
não é a de puramente arrecadar tal qual os impostos, mas especificamente a de
intervir no domínio econômico255.
Quanto à extrafiscalidade dos tributos, há de se ressaltar que esta pode advir
tanto por meio de vontade política da administração ou pode surgir de efeito
colateral proveniente do estabelecimento de um tributo preponderantemente
fiscal256 — por isso a possível diferenciação entre fins extrafiscais e efeitos
extrafiscais. O tributo seria extrafiscal se orientado com fim distinto do da
arrecadação; ao contrário, emana efeitos extrafiscais se tinha a finalidade de
arrecadar, mas gerou outros efeitos257.
Seja com finalidade fiscal ou extrafiscal, os efeitos provenientes da
tributação podem interferir na concorrência de forma direta (patente) ou indireta
(oculta)258. Quando direta, deve-se prever quais sujeitos serão atingidos, bem
como os efeitos concretos que serão gerados, fazendo-se a correlação com a
neutralidade durante o processo de elaboração da norma e em sua aplicação.
Quando a forma for indireta, deve-se primeiramente verificar se foram
gerados efeitos não correspondentes à neutralidade, para então anular a medida
legal que ocasionou o desrespeito à Livre Concorrência259.
254 Luis Manuel Alonso Gozález, citando Rosembuj — “la pura fiscalidad no existe, así
como tampoco la extrafiscalidad pura”. GONZALEZ, L. M. A., Los impuestos autonomicos de
carater extrafiscal, p. 21. 255 PIMENTA, P. R. L., Contribuições de intervenção no domínio econômico, p. 48. 256 Utiliza-se a palavra “preponderante” porque sempre haverá tanto a fiscalidade como a
extrafiscalidade em todos os tributos, como demonstrado. 257 Cf. GONZALEZ, L. M. A., Los impuestos autonomicos de carater extrafiscal, p. 22. 258 FERRAZ JÚNIOR, T. S., Obrigação tributária acessória e limites de imposição:
razoabilidade e neutralidade concorrencial do Estado in Princípios e limites da tributação, p.
734. 259 Ibid., p. 734.
87
Retorna-se agora à questão da mera instituição do tributo como forma de
limitação à liberdade. A instituição do tributo por si só não gera restrição da
liberdade, levando-se em consideração que ele é necessário para que o Estado
possa atender aos seus administrados, podendo suprir suas necessidades na
medida da lei. O que gera a restrição é o tributo que não é neutro ou deixa de ser
neutro em momento posterior à sua instituição.
Ocorre que os princípios da igualdade e da liberdade não são os únicos
fatores que caracterizam a neutralidade dos tributos260, entre outros formais e
materiais. Cumpre agora analisar outras limitações que também determinam se o
tributo será ou não neutro, entre os quais se podem citar a natureza jurídica dos
tributos e as limitações ao poder de tributar.
4.2.1.1. Natureza jurídica dos tributos como limitação à tri butação
Ressalta-se que o fato de o Poder Público instituir tributos não
necessariamente representa uma limitação à liberdade, pois a mesma Constituição
que prevê a liberdade prevê a possibilidade de impor às pessoas obrigações
compulsórias de pagar.
Embora pareça controversa, a interpretação não deve ser feita dessa forma,
mas sim no sentido de harmonização; há liberdade, entretanto não absoluta. Nesse
sentido é que há a disposição do parágrafo único do artigo 170 da Constituição,
dentro dos limites já comentados. Entretanto, a pergunta que surge é qual a
limitação imposta à tributação para não restringir o direito à liberdade de iniciar
na atividade econômica, ou seja, de ingressar na concorrência ou possibilidade de
concorrer? A resposta não é única, mas a natureza jurídica dos tributos tem sua
influência importante para ela. Antes comenta-se sobre as espécies tributárias.
Há muita discussão por parte dos estudiosos do Direito Tributário Brasileiro
acerca de quantos tributos existem em nosso ordenamento jurídico. As posições
mais conhecidas são da existência de dois até cinco tributos.
260 Ressalta-se que toda esta fundamentação se dá em virtude da análise da restrição à
liberdade de iniciar a atividade econômica, por meio da neutralidade dos tributos.
88
A primeira delas, também chamada de bipartida, entende que existem no
ordenamento jurídico brasileiro apenas dois tributos: impostos e taxas, que são
gêneros — e todos os outros seriam espécies daqueles dois primeiros.
Com a preocupação de encontrar um critério objetivo, um dos autores mais
conhecidos a adotar essa teoria, Alfredo Augusto Becker, entende que o único
elemento que contém a objetividade buscada é a base de cálculo, pois todo o
tributo pode conter apenas uma, diferentemente dos outros elementos que são
compostos por vários fatos que permitem ao estudioso escolher um, entre os
diversos, para classificar o tributo261.
A objetividade da base de cálculo, na visão daquele autor, sempre revelará a
natureza do tributo, e ao observar a base de cálculo percebeu que só havia dois
tipos, as que revelavam um serviço estatal ou uma coisa estatal para a cobrança e
aquelas que previam como base de cálculo um fato lícito que não representasse
qualquer ligação com o serviço ou coisa estatal262. Assim, as primeiras
representavam taxas e as segundas, impostos. Todos os outros tributos seriam
espécies ou de impostos ou taxas.
A teoria tripartida adotada por autores como Dino Jarach, Geraldo Ataliba,
Paulo de Barros Carvalho e Roque Carrazza fundamenta-se na existência de três
tributos, quais sejam: impostos, taxas e contribuição de melhoria.
Com fundamento no conceito de tributo disposto no artigo 145 e § 2.º desse
mesmo artigo da Constituição, bem como na disposição de que independe o nome
e a finalidade da arrecadação para definir a natureza jurídica do tributo,
estabelecida no artigo 4.º do Código Tributário Nacional, entre outros artigos, os
autores dessa teoria fundamentam sua escolha analisando o aspecto material da
261 BECKER, A. A., Teoria geral do direito tributário, p. 373 et. seq. 262 Alfredo Augusto Becker entendeu, em sua diferenciação entre a natureza jurídica dos
tributos, que a “regra jurídica tributária que tiver escolhido para base de cálculo do tributo um fato
lícito qualquer (não consistente em serviço estatal ou coisa estatal) terá criado um imposto”. Por
outro lado, “a regra jurídica tributária que tiver escolhido para base de cálculo do tributo o serviço
estatal ou coisa estatal terá criado uma taxa”. BECKER, A. A., Teoria geral do direito tributário,
p. 380.
89
hipótese de incidência263, o qual revela que a materialidade será ou uma atividade
estatal ou não.
Dessa forma, os tributos poderiam ser divididos em não vinculados
(impostos), por não conterem nenhuma atividade estatal em sua materialidade, e
vinculados (taxas e contribuição de melhoria), por conterem em sua materialidade
uma atividade estatal.
A divisão entre taxas e contribuição de melhoria é feita tendo em vista que
no segundo tributo não basta a atuação estatal para que a contribuição seja
cobrada, como ocorre com as taxas, mas depois da atuação estatal é necessária que
haja a valorização do imóvel daquele que será sujeito passivo da obrigação
tributária de pagar contribuição de melhoria, por isto a diferenciação se faz em
vinculados diretos (taxas) e vinculados indiretos (contribuição de melhoria)264.
Quanto à teoria que adota a existência de quatro tributos (quadripartida), ela
encontra fundamento nas características gerais de cada espécie tributária, assim
existem os impostos, taxas, contribuições e empréstimos compulsórios. Ainda que
a teoria tenha como espécies quatro tributos, há divergência entre os doutrinadores
sobre quais tipos comporiam cada um dos tributos265.
Além da doutrina, a teoria quadripartida também ganha força pelo fato de
ter sido adotada em decisão proferida pelo STF, e adotada pelo Ministro Carlos
Velloso.
As diversas espécies tributárias, determinadas pela hipótese de incidência ou pelo fato gerador da respectiva obrigação (CTN, art. 4.º), são as seguintes: a) os
263 Geraldo Ataliba concentra a análise no aspecto material. ATALIBA, G., Hipótese de
incidência tributária, p. 131 et. seq. Já Paulo de Barros Carvalho inclui, além do critério material,
também a base de cálculo para análise da natureza do tributo. CARVALHO, P. B., Curso de
direito tributário, p. 28. 264 ATALIBA, G., Hipótese de incidência tributária, p. 149 et. seq. 265 Luciano Amaro entende que existem os impostos, taxas (de serviço, de polícia, de
utilização de via pública e de melhoria), contribuições (sociais, econômicas e coorporativas) e
empréstimos compulsórios. AMARO, L., Direito tributário brasileiro, p. 19 et. seq. Outro autor
que adota a teoria quadripartida é Ricardo Lobo Torres, que entende que as contribuições sociais,
de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais devem se
amalgamar conceptualmente com a contribuição de melhoria. Cf. TORRES. R. L., Curso de
direito financeiro e tributário, p. 369.
90
impostos (C.F., arts. 145, I, 153, 154, 155 e 156); b) as taxas (C.F., art. 145, II); c) as contribuições, que podem ser assim classificadas: c.1. de melhoria (C.F., art, 145, III); c.2. parafiscais (C.F., art. 149), que são: c.2.l. sociais, c.2.1.1. de seguridade social (C.F., art. 195, 1, II, III), C.2.l.2. outras de seguridade social (C.F., art. 195, parág. 42), c.2.1.3. sociais gerais (o FGTS, o salário—educação, C.F., art. 212, parág. 59, contribuições para o SESI, SENAI, SENAC, C.F., art. 240); c.3. especiais: c.3.1. de intervenção no domínio econômico (C.F., art, 149) e c,3.2. corporativas (C.F., art. 149). Constituem, ainda, espécie tributária: d) os empréstimos compulsórios (C.F., art. 148)266.
Por fim, há ainda outra teoria que merece ser citada, a chamada
quinquipartida, porque adota a existência de cinco tributos. São eles: impostos,
taxas, contribuição de melhoria, contribuições (demais contribuições267) e
empréstimos compulsórios. Segundo a teoria, o critério utilizado para definir os
impostos, taxas e contribuições de melhoria deve ser o mesmo adotado pela teoria
tripartida; contudo, como a Constituição não determinou qual seria a hipótese de
incidência nem a base de cálculo dos empréstimos compulsórios nem das
contribuições, salvo algumas exceções destas últimas, não há como se utilizar
aquele critério nestes dois últimos tipos de tributos. Já houve decisão no Supremo
Tribunal Federal fundamentada nessa teoria.
Perante a Constituição de 1988, não tenho dúvida em manifestar-me afirmativamente. De feito, a par das três modalidades de tributos (os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria) a que se refere o artigo 145 para declarar que são competentes para instituí-los a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, os artigos 148 e 149 aludem a duas outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o empréstimo compulsório e as contribuições sociais, inclusive as de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas268.
Decorrida a parte do esclarecimento sobre a natureza jurídica dos tributos, e
sem adentrar no mérito da discussão, afirmando qual teoria seria a mais
266 REsp. 138.284/CE, Rel. Ministro Carlos Velloso, julgado em 01.07.1992, DJ
28.08.1992. 267 Marcio Severo Marques e Estevão Horvath são dois dos autores que adotam a teoria em
questão. O primeiro utiliza a expressão “contribuições” para definir um tipo dos cinco tributos.
MARQUES, M. S., Classificação constitucional dos tributos, p. 247. O segundo autor utiliza
“demais contribuições” para definir o mesmo tipo. HORVATH, E. Classificação dos tributos in
Curso de iniciação em direito tributário, p. 46. 268 REsp. 146.733-9/SP, Rel. Ministro Moreira Alves, julgado em 29.06.1992, DJ
06.11.1992. p 16 do voto.
91
apropriada, adota-se didaticamente, para este trabalho, a teoria tripartida, que
define a existência de três tributos: impostos, taxas e contribuição de melhoria.
É com vista no exposto que se pode, a partir de agora, comentar sobre a
limitação estabelecida pela própria Constituição à instituição de tributos tendo em
vista a liberdade de ingressar na concorrência.
O critério adotado pela teoria cujo entendimento é da existência de três
tributos os classifica a partir de sua materialidade e de sua base de cálculo. A
materialidade refere-se ao critério material ou aspecto material269 da hipótese de
incidência, e é expressa por um verbo seguido de um complemento270-271. A base
de cálculo com o conceito de “grandeza destinada a dimensionar um
comportamento que se consubstancia no núcleo do fato jurídico tributário272” tem
duas finalidades, a de confirmacão da materialidade do tributo e a de
dimensionamento do tributo.
Uma característica encontrada nos impostos é que não há em suas
materialidades uma atividade estatal diretamente relacionada, diferentemente do
que ocorre com as taxas (serviços públicos ou poder de polícia) e a contribuição
de melhoria (obra pública com valorização imobiliária). A Constituição prevê, em
seu artigo 145, § 2.º, que taxas não poderão ter base de cálculo própria de
impostos, o que faz com que sejam diferentes, o que é verificado pela análise de
sua natureza.
A limitação da tributação pela sua própria natureza referente à liberdade de
ingressar na concorrência dificilmente pode ser constatada nos impostos, pois a
base de cálculo refere-se a um ato, fato ou situação jurídica em que o contribuinte
realiza ou se encontra. Diferentemente das taxas, cuja materialidade represente ou
um serviço público ou um poder de polícia. A base de cálculo como instrumento
de dimensionamento do tributo, na medida em que serve para caracterizar o
269 Depende do autor que é adotado. Utilizar-se-á no trabalho a nomenclatura de Paulo de
Barros Carvalho. 270 Cf. CARVALHO, P. B., Teoria da norma tributária, p. 125. 271 O critério material isolado dos elementos de tempo e espaço designa um comportamento
de pessoas, que encerram um fazer, dar ou ser (estado em que a pessoa se encontra). Como
exemplos dos comportamentos podem ser citados o vender mercadorias, industrializar produtos,
ser proprietário, auferir renda, etc. Ibid., p. 125. 272 CARVALHO, P. B., op. cit., p. 173.
92
quanto se deve pagar, e como confirmadora da materialidade deve
obrigatoriamente levar em conta o serviço prestado ou o poder de polícia
exercido, desta forma o valor cobrado pela taxa não poderá ser superior ao valor
gasto pela atuação estatal273.
Portanto, se para ingressar em uma atividade econômica for necessário, por
exemplo, pagar taxa de fiscalização (poder de polícia) por parte da vigilância
sanitária sobre o estabelecimento, e o custo da atuação do Poder Público é X, não
pode o valor da taxa efetivamente cobrada ser X+1, sob pena de estar limitando a
liberdade de ingresso na concorrência.
A contribuição de melhoria a despeito de ser um tributo vinculado, o valor
da cobrança recai sobre a valorização do imóvel proveniente da realização de obra
pública, o que a torna, na análise em questão, similar aos impostos.
4.2.1.2. Limitações ao poder de tributar
A importância dos princípios da igualdade e da liberdade para a neutralidade
na atuação do Estado, por intermédio da tributação, na concorrência é
fundamental para atender aos ditames estipulados pela Constituição. Entretanto,
há também outros fatores que determinam a neutralidade na tributação sobre a
concorrência, e ainda que não sejam objeto de estudo do presente trabalho,
merecem menção274.
Com a evolução da atividade financeira do Estado, percebe-se que a
arrecadação tributária torna-se a principal fonte de receitas da Administração275.
Podem-se destacar três principais fases nessa evolução: o Estado Patrimonial
(século XVI), cuja característica marcante é a confusão das rendas do príncipe e
da fazenda pública, não há divisão; o Estado de Polícia (século XVIII), que se
caracteriza por se fundamentar na atividade de polícia, que por meio do
intervencionismo visa a garantir a ordem, segurança e administração dos súditos;
273 CARRAZZA, R. A., Curso de direito constitucional tributário, p. 485. 274 Apesar de adotar como título do tópico “limitações ao poder de tributar”, não se
pretende mencionar todas as limitações, até mesmo porque são muitas. O que se pretende é fazer
referência a algumas das mais tratadas pela doutrina. 275 OLIVEIRA, R. F., Curso de direito financeiro, p. 60 passim.
93
por fim e atual, o Estado Fiscal (século XX), que tem como distinção o
fortalecimento do Estado de Direito e a mudança de perfil das receitas públicas,
que é deslocado para os empréstimos e tributos276-277.
Entre os primeiros estudos referentes às limitações ao poder de tributar, tem-
se o trabalho de Adam Smith, em 1776, que ao tratar sobre os tributos constata
quatro princípios fundamentais: a) capacidade do contribuinte para recolher os
tributos aos cofres públicos; b) o tributo deve ser certo e não arbitrário; c)
conveniência para o contribuinte pagar; d) economicidade na cobrança do
tributo278.
Com destaque internacional sobre as limitações, há de se citar os trabalhos
de Amilcare Puviani279 na Itália, no ano de 1903, Benvenuto Griziotti280 também
na Itália, em 1958, Fritz Neumark281 na Alemanha, em 1970, entre outros. No
Brasil, um trabalho marcante sobre o assunto foi o de Aliomar Baleeiro282.
276 Cf. TORRES. R. L., Curso de direito financeiro e tributário, p. 6. 277 Não que antes do século XX a principal fonte de muitos governos não fosse a tributação,
como lembra Aliomar Baleeiro, “O tributo é vetusta e fiel sombra do poder político há mais de 20
séculos. Onde se ergue um governante, ela se projeta sobre o solo de sua dominação”.
BALEEIRO, A., Limitações constitucionais ao poder de tributar, p. 1. Mas o tributo no Estado de
Direito passa a ser observado no século XX, pois até então poucas ou quase nenhuma eram as
limitações ao poder de tributar, o que muda é a relação entre contribuinte e Estado. “De efeito é
inútil procurar o tributo antes do Estado Moderno, eis que surge ele com a paulatina substituição
da relação de vassalagem do feudalismo pelos vínculos do Estado Patrimonial, com as suas
incipientes formas de receita fiscal protegidas pelas primeiras declarações de direito.” TORRES.
R. L., A idéia de liberdade no estado patrimonial e no estado fiscal, p. 2. 278 SMITH, A., Uma investigação sobre a natureza e causa da riqueza das nações, p. 420
et. seq. 279 Discorrendo principalmente sobre as questões psicológicas e sociológicas da tributação,
o autor aborda as limitações. “Al contrario de lo que ocurre con la Hacienda Pública en los países
anglosajones, más orientada hacia el estudio de los problemas de los efectos económicos de los
impuestos y de la definición de los principios de justicia en la distribución de la carga tributaria
entre los ciudadanos según los criterios utilitaristas…” PUVIANI, A., Teoria de la ilusion
financeira, p. 16. 280 GRIZIOTTI, B., Principios de política, derecho y ciencia de la Hacienda. 281 NEUMARK, F., Principios de la imposición. O autor escreve sobre 18 princípios que
estariam divididos em três grandes grupos: os político-sociais, político-econômicos e técnico-
tributários. 282 BALEEIRO, A., Limitações constitucionais ao poder de tributar.
94
A Constituição de 1988 traz uma seção específica sobre limitações ao poder
de tributar, cuja previsão é a dos artigos 150 a 152, e apesar destes não tratarem de
todas as limitações, o texto segue na mesma linha que os das Constituições de
1946 e 1969, pelo zelo de discorrer sobre as limitações relativas à tributação283.
Entre as diversas limitações, o Princípio da Legalidade tem sua versão
histórica mais conhecida com origem na Magna Charta, gerada pela insatisfação
dos barões na Inglaterra em pagar tributos à coroa. Os barões redigiram um
documento e, à força, o impuseram ao rei, que sem condições de afronta não teve
outra opção que não aceitar.
O documento, mais especificamente em seu artigo quatorze, dispunha que o
rei deveria, salvo duas exceções constantes no artigo doze, reunir com
antecedência de pelo menos quatorze dias o Commune Consilium Regni,
constituído pelos: “1) Archbishops, bishops, abbots, earls and great barons by
individual writ; 2) all other tenants in capite by general writ adressed to the
sheriff284”, para instituição de tributos.
Atualmente, a Constituição de 1988 dispõe no artigo 5.º que ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei. Mais
especificamente para o direito tributário (art. 150) repete o princípio,
estabelecendo que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. Tal previsão cria
uma relação permissiva/proibitiva, observada tanto por parte do sujeito passivo
quanto do Poder Público, sendo que o critério escolhido foi a lei.
O texto constitucional, ao instituir que o sujeito passivo só deve fazer ou
deixar de fazer o que a lei define, concede uma permissão/proibição àquele, pois
poderá fazer tudo aquilo não proibido pela lei (permissão), mas tem de fazer tudo
aquilo que a lei estipula que faça (proibição de não fazer). Na outra ponta da
relação jurídica tributária está o Poder Público, que somente pode exigir o que a
lei estabelece (permissão), mas não pode determinar algo que a lei não permita
(proibição).
É possível entender o princípio da legalidade em dois sentidos: “a) o de que
o tributo deve ser cobrado mediante o consentimento daqueles que o pagam, e b) o
283 Ibid., p. 2. 284 UCKMAR, V., Princípios comuns de direito constitucional tributário, p. 24.
95
de que o tributo deve ser cobrado segundo normas objetivamente postas, de sorte
a garantir plena segurança nas relações entre o Fisco e os contribuintes285”.
O consentimento do povo vem de sua própria autorização para a tributação.
Ainda que nosso sistema adote a forma legislativa de representação indireta, é o
povo que escolhe seus representantes, que autorizam pela lei, ao Poder Público,
tributar. De outro lado, ainda que a vontade do povo não seja consentida, a
necessidade da existência da lei permite aos contribuintes ter segurança sobre o
que está sendo cobrado e como286.
A lei prevista no texto constitucional para a tributação deve atender aos
requisitos formais e materiais. Assim, legalidade exige que haja tanto o processo
legislativo adequado, portanto formal, como que a lei seja material287. Este é um
dos motivos por que Aliomar Baleeiro entende que lei orçamentária não pode
alterar a tributação, visto que o orçamento trata de lei formal288.
Quanto à influência sobre a atividade econômica, discorre Alberto Xavier:
...a livre iniciativa exerce-se através de planos econômicos elaborados pelos empresários para um dado período e nos quais se realiza uma previsão, mais ou menos empírica, dos custos da produção, do volume dos investimentos adequados à obtenção de dado produto e da capacidade de absorção do mercado. Tal previsão não pode deixar de assentar na presunção de um mínimo de condições de estabilidade, dentro do que a normal margem de riscos e incertezas razoavelmente comporte para o horizonte de planejamento a que respeita. O planejamento empresarial, por que a iniciativa privada se concretiza, supõe assim uma possibi-lidade de previsão objetiva e esta exige, por seu turno, uma segurança quanto aos elementos que a afetam. É sabido que o volume dos tributos - dado o papel que assumem na economia global - representa para a empresa não só elevada percentagem dos seus custos de produção, como determina as disponibilidades que, no mercado representam procura para os seus produtos. Um sistema que autorize a Administração a criar tributos ou a alterar os elementos essenciais de tributos já existentes, viria do mesmo passo a criar condições adicionais de insegurança jurídica e econômica, obrigando a uma constante revisão dos planos individuais, à qual a livre iniciativa não poderia resistir. Pelo contrário, um sistema alicerçado numa reserva absoluta de lei em matéria de impostos confere aos sujeitos
285 MACHADO, H. B., Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988, p.
21. 286 Cf. MACHADO, H. B., op. cit., p. 24. 287 Cf. AMARO, L., Direito tributário brasileiro, p. 116. Há exceções, conforme o próprio
autor anota: “Para uns poucos impostos e para a contribuição de intervenção no domínio
econômico, há exceções restritas à regra da reserva de lei formal, nas quais a Constituição se
conforma com a mera reserva de lei material, traduzida em ato do Poder Executivo.” 288 Cf. BALEEIRO, A., Limitações constitucionais ao poder de tributar, p. 113.
96
econômicos a capacidade de prever objetivamente os seus encargos tributários, dando assim as indispensáveis garantias requeridas por uma iniciativa econômica livre e responsável289.
Outra limitação disposta pela Constituição é a regra290 da anterioridade,
também conhecida como princípio da não-surpresa291, aplicável apenas à matéria
tributária292. Tem sua disposição constitucional no artigo 150, III, alíneas “b” e
“c”, cuja redação prevê que nenhum tributo poderá ser cobrado por qualquer ente
político antes do próximo exercício financeiro em que foi publicada a lei que o
instituiu ou aumentou, bem como antes de noventa dias de sua publicação.
Assim, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não podem
querer efetuar a cobrança de qualquer tributo antes que aqueles prazos sejam
observados conjuntamente e contados a partir da publicação da lei que instituiu ou
aumentou o tributo.
A garantia de não se ver tributado por novo tributo ou aumento de carga
tributária nos prazos indicados pela Constituição, por meio da suspensão da
eficácia da lei publicada, propicia ao sujeito passivo maior segurança em sua
atividade econômica, permitindo ao contribuinte prever gastos e/ou custos que não
o atingem desprevenidamente.
Vale lembrar a importância da relação entre a segurança e a liberdade, pois
“são duas faces da mesma moeda, diferentes aspectos jurídicos da mesma coisa:
289 XAVIER, A. Os princípios da legalidade e tipicidade da tributação, p. 25. 290 Robert Alexy, ao buscar uma diferença entre princípio e regra, conclui que tanto os
princípios como regras são normas. Cf. ALEXY, R., Teoría de los Derechos Fundamentales, p.
85. O mesmo autor destaca três das principais teses sobre o assunto. A primeira é que toda divisão
de normas em duas classes é vã. A segunda objetiva a distinção levando-se em consideração o grau
das normas. A terceira, adotada pelo autor, tem um critério preciso para distinção, não sendo
somente gradativo, mas qualitativo. El punto decisivo para la distinción entre reglas y principios
es que los principios son normas que ordenan que algo sea realizado en la mayor medida posible,
dentro de las posibilidades jurídicas y reales existentes… En cambio, las reglas son normas que
sólo pueden ser cumplidas o no. ALEXY, R., Teoría de los Derechos Fundamentales, p. 85. Sobre
a diferença entre princípios e regras, ver posição semelhante DWORKIN, Ronald. Los derechos en
serio. Barcelona: Ariel, 2002, e com posicionamento diferente ÁVILA, Humberto. Teoria dos
princípios. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. 291 Cf. COELHO, S. C. N., Curso de direito tributário brasileiro, p. 254. 292 CARRAZZA, R. A., Curso de direito constitucional tributário, p. 171.
97
da vida, da liberdade da pessoa, da propriedade e de outros bens privados293”. É
indispensável para a prática de uma atividade econômica, quer seja ela na
prestação de serviços ou na utilização de bens, que se tenha liberdade, e esta é
efetivada no momento em que alguém exerce a atividade, no momento de escolha
de sua execução, bem como a escolha dos bens utilizados para seu
desenvolvimento, sem isto não há de se falar em liberdade nas atividades
econômicas.
A liberdade como direito fundamental de primeira geração é incluída nos
direitos de status negativus294, o que não a torna absoluta, como visto
anteriormente neste trabalho. A segurança provida na liberdade desenvolve a
possibilidade de atuação nas atividades econômicas.
Contudo. há exceções em relação à anterioridade, como o artigo 177 da
Constituição, que, ao permitir a instituição da Contribuição de Intervenção no
Domínio Econômico sobre as atividades de importação ou comercialização de
petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, como também álcool
combustível, prevê a não aplicação da regra referente ao ano fiscal. Essa exceção,
juntamente com outras, não representa desrespeito à segurança, mas sim a
existência de situações em que a celeridade na instituição ou majoração de
tributos se faz importante na eficácia da atuação do Poder Público, inclusive
justificando a própria existência da imposição.
É o que ocorre com a contribuição em questão (CIDE). Se, por acaso, a
União tivesse de esperar até o próximo exercício financeiro para intervir no
domínio econômico295, é bem possível que até lá não houvesse mais interesse nem
necessidade de intervir.
293 TORRES, R. L., A segurança jurídica e as limitações constitucionais ao poder de
tributar in Princípios e limites da tributação, p. 435. 294 Apesar de ser chamado de direito de primeira geração, pois requer a abstenção do Estado
na interferência da vida das pessoas, vale lembrar que a liberdade muitas vezes requer um status
positivus lebertatis, pois necessita do Poder Público, por intermédio do Judiciário, para sua
efetivação. Cf. TORRES, R. L., op. cit., p. 435. 295 A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, para atender a sua finalidade,
qual seja a de intervir, pode ser utilizada tanto como instrumento de intervenção em si mesma ou
para o custeio de gastos relativos à intervenção. Cf. PIMENTA, P. R. L., Contribuições de
intervenção no domínio econômico, p. 48.
98
O mesmo ocorre com os Empréstimos Compulsórios, que somente podem
ser instituídos para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade
pública, de guerra externa ou sua iminência, ou no caso de investimento público
de caráter urgente e de relevante interesse nacional. Se a necessidade de despesa é
extraordinária, não há de se aguardar até o próximo exercício financeiro para a
implementação do tributo, mas fazê-lo imediatamente, com vistas a atender a
celeridade.
Com essa premissa em mente, não se pode alegar que o fato de alguns
tributos serem direcionados para a intervenção no domínio econômico geraria a
dispensa ao atendimento da anterioridade, pois, afinal, eles encontram sua
justificativa na celeridade, o que também justifica a segurança, já que a
intervenção, em tese, visa a assegurar a manutenção dos princípios aplicáveis à
concorrência, bem como sua neutralidade.
Sobre a defesa da segurança relativa à garantia e liberdade à propriedade
privada296, a Constituição dispõe sobre a impossibilidade da utilização de tributo
com efeito de confisco (art. 150, IV). A interpretação do texto da Constituição
demonstra que não há apenas a limitação em relação ao fato de o tributo ter como
efeito a cobrança e a arrecadação de todo o patrimônio do contribuinte, mas
também que seus efeitos não sejam tendam a ser confiscatórios. Dessa forma, não
é apenas proibido que o tributo retire cem por cento da renda do sujeito passivo
efetivamente, mas que qualquer de seus efeitos não sejam confiscatórios297.
296 Cf. COELHO, S. C. N., Curso de direito tributário brasileiro, p. 275. 297 Cf. HORVATH, E., O princípio do não-confisco no direito tributário, p. 40 et. seq. Para
melhor fazer a distinção entre as duas situações, o autor citado utiliza como exemplo o art. 60 da
Constituição. “Procuremos exemplificar com o artigo 60, § 4.°, I, da Carta Magna brasileira ao
prever que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma
federativa de Estado. Fica claro, nesse dizer literal, que não só uma emenda que dissesse 'está
abolida a forma federativa de Estado no Brasil' está proibida de ser objeto de deliberação, como
também qualquer emenda cujo conteúdo, ainda que por via indireta, tivesse o mesmo efeito. Muito
provavelmente, pelo caminho da interpretação sistemática e teleológica se chegaria ao mesmo
resultado. Algo igual se passa aqui: parece mais abrangente dizer que se proíbe a tributação com
efeito confiscatório do que simplesmente dizer estar vedado o confisco. Tem-se a sensação que,
com a dicção constitucional, o intérprete se sente mais à vontade para extrair que qualquer
tentativa, por mais sub-reptícia que seja, de exacerbar a tributação, aproximando-a do confisco,
ainda que parcial, tenderá a enquadrar-se na vedação constitucional.”
99
Com ligação inerente à propriedade privada, a menção à capacidade
contributiva do sujeito passivo se torna na análise da proibição, portanto, não é
possível à tributação ser ou ter qualquer efeito que onere o contribuinte de tal
forma a consumir suas riquezas298.
Sacha Calmon Navarro Coelho entende que há a possibilidade de o tributo
ser confiscatório, não em qualquer caso, mas principalmente para atender ao
“social” em detrimento do “individual”. Para tanto, levanta dois motivos, “razões
extrafiscais e em decorrência do exercício do poder de polícia, gravosidade que
atinge o próprio direito de propriedade”; e o fato de o direito de propriedade não
ser mais absoluto, sendo que a Constituição o submete à função social da
propriedade, e que caso não seja atendida, perde a proteção299.
Como o direito à propriedade individual é garantido pela Constituição (art.
170, II), as exceções somente podem ser dadas pelo próprio texto
constitucional300, e também não há de se negar a existência da propriedade
individual — “na medida em que a Constituição brasileira reconhece e garante o
direito da propriedade (embora o submeta ao princípio da função social), é
evidente que a tributação não pode, por via indireta, torná-lo ilusório301”.
O problema da inexistência de um conceito claro do que é confisco302
agrava-se quando o Princípio é aplicado na instituição ou majoração de tributos.
298 Cf. PEIXOTO, M. M.; CARDOSO, L. V., O princípio do não-confisco e os limites ao
direito de propriedade in Tributos e direitos fundamentais, p. 238 et. seq. 299 Cf. COELHO, S. C. N., Curso de direito tributário brasileiro, p. 276. 300 Cf. HORVATH, E., O princípio do não-confisco no direito tributário, p. 44. 301 CARRAZZA, R. A., Imposto de renda — pessoa física. Ganhos líquidos auferidos em
operações realizadas em bolsa de valores, de mercadorias, de futuros e assemelhadas.
Inconstitucionalidade da legislação que manda tributá-los a uma única alíquota in Revista de
direito tributário, n.º 74, p. 41. 302 “CONFISCO. Ou confiscação, é vocábulo que se deriva do latim confiscatio, de
confiscare, tendo o sentido de ato pelo qual se apreendem e se adjudicam ao fisco bens
pertencentes, a outrem, por ato administrativo ou por sentença judiciária, fundados em lei. Em
regra, pois, o confisco se indica uma punição. Quer isto dizer que sua imposição, ou decretação,
decorre da evidência de crimes ou contravenções praticados por uma pessoa, em virtude do que,
além de outras sanções, impõe a lei a perda de todos ou parte dos bens em seu poder, em proveito
do erário público... Em matéria fiscal, o confisco indica o ato de apreensão de mercadoria
contrabandeada ou que seja posta no comércio em contravenção às leis fiscais. Dá-se a apreensão,
100
A identificação é possível desde que a imposição tributária tenha efeitos
extremos. A incidência de um imposto sobre valor da mercadoria cuja alíquota
seja de cem por cento certamente demonstra confisco; por outro lado, se o mesmo
imposto tiver como alíquota um por cento, não há confisco. O problema surge
quando a imposição tributária não demonstra uma incidência extremamente alta
sobre o objeto da tributação, nem extremamente baixa, mas incide de forma
mediana.
A pergunta passa a ser: quanto é necessário reduzir uma alíquota de cem
por cento para que não seja confisco? Por outro lado: quanto é necessário
aumentar a alíquota de um décimo por cento para que caracterize ato
confiscatório? Para que estas perguntas sejam respondidas, acredita-se que a
análise deve ser feita em cada caso concreto.
Por fim, a última limitação que será posta em análise neste título, com o
intuito de atender ao fim proposto, é a discriminação de competências. Na adoção
pela forma federativa, reconhecida por alguns como princípio federativo303, o
legislador constitucional estabeleceu sistema rígido de competências tributárias
para os três níveis da federação, não permitindo a invasão de competência de ente
na do outro304.
A atitude encontra fundamento na autonomia das pessoas políticas criadas
pela Constituição: União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Uma das
características da autonomia é a possibilidade de se autogovernar. Essa permissão
é concedida pelo texto constitucional a todas as pessoas políticas, dentro das
limitações também estabelecidas por aquele texto. A possibilidade de legislar é
um grande passo no caminho à autonomia, mas não é suficiente para efetivamente
caracterizá-la. A autonomia ganha destaque quando há a efetiva possibilidade de
legislar sobre suas receitas e despesas, um ente político pouco pode fazer sem seu
próprio orçamento.
e o Poder Público a confisca para cobrar-se dos impostos e das multas devidas. Mesmo neste caso,
embora não se adjudique ao erário a soma de mercadorias apreendidas, adjudica-se o seu preço,
isto é, o seu valor.” SILVA, D. P., Vocabulário jurídico, v. I, p. 505. 303 ATALIBA, G., República e constituição, p. 36 et. seq. 304 BALEEIRO, A., Direito tributário brasileiro, p. 75.
101
A competência tem dentre suas finalidades a de permitir que as pessoas
jurídicas de direito interno possam instituir ou majorar os tributos previstos no
texto constitucional para seu auto gerenciamento. Assim cada uma delas legisla
sobre seus tributos, e pode gastar o dinheiro público conforme as limitações da lei.
A discriminação de competências traz segurança e certeza ao contribuinte de quais
são as pessoas jurídicas de direito público que podem constituir relação jurídica
tributária consigo.
102
5 Igualdade
Cumpre, a partir de agora, tratar sobre a Igualdade como Princípio, cuja
importância é tão grade para a manutenção da Livre Concorrência quanto a da
Liberdade. Ocorre que este princípio tem principalmente como enfoque momento
diverso no delineamento da concorrência, tratando da possibilidade de se manter
na concorrência, pelo fato de não receber do Estado tratamento diferenciado de
qualquer outro concorrente. Ao passo que a Liberdade visa principalmente ao
ingresso na concorrência, a Igualdade visa principalmente a sua continuidade.
Antes de tratar especificamente do Princípio da Igualdade como expressão
da Livre Concorrência entre concorrentes, acredita-se ser necessário tratar da
Igualdade.
Seguindo a ordem do lema da revolução francesa: liberdade, igualdade e
fraternidade, o direito à igualdade estaria inserido nos direitos de segunda geração,
quais eram precedidos pela liberdade que exprimia os direitos de primeira
geração. Entretanto, não é correto afirmar que os direitos fundamentais surgiram
com o direito à liberdade, para que somente então fossem fundamentados os
direitos de segunda geração.
A busca dos direitos fundamentais ocorreu de forma simultânea, o que se
diferencia é a forma da implementação. Os direitos de primeira geração,
identificados como civis e políticos, têm como pressuposto a não interferência do
Estado na vida dos cidadãos para que estes possam atuar livremente, porém
também servem de sustentação para o desenvolvimento dos demais direitos.
A Revolução Francesa originou-se principalmente em decorrência dos
abusos cometidos pela realeza e o clero por meio do poder, cujo desapreço pelos
súditos fez com que o povo se insurgisse.
Apesar de os direitos constantes do lema serem adotados conjuntamente no
momento histórico (queda da Bastilha), a primeira atitude, de forma até lógica, é
com vistas a suprimir a interferência do Estado na vida das pessoas. Acostumados
com a opressão diária, os revolucionário buscam primeiramente sanar o maior
103
problema, o da liberdade de agir sem que o Poder Público — que não era público
à época, mas do rei — estivesse a todo o momento interferindo na atuação das
pessoas. Por esse motivo é que há a descrição da característica dos direitos com a
expressão status negativus305, que faz referência à não atuação do Estado.
É com a estabilização da não participação estatal na vida das pessoas, e com
a certeza de mantença da liberdade, que se verifica outro momento da evolução
dos direitos: a diminuição dessa restrição e até aceitação, desde que limitada, da
participação do Poder Público na vida dos administrados.
Com a identificação dos direitos sociais, econômicos e culturais, direitos
que estão ligados à igualdade, verificou-se que a participação estatal na garantia
desses direitos é importante.
A liberdade, diferentemente da igualdade, refere-se ao indivíduo, ou seja,
indica o estado em que ele se encontra. Já a igualdade refere-se à sociedade, ao
social306. Quando a liberdade é tratada, há a referência de alguém que tem a
característica de ser livre ou não, na igualdade; por outro lado, faz-se necessária
uma comparação. A afirmação de que o indivíduo é livre emana sentido, na
medida em que o indivíduo pode ser livre por ser indivíduo. Na igualdade não
ocorre o mesmo, não há como simplesmente afirmar que o indivíduo é igual; tal
expressão não tem sentido algum se não se puder identificar com quem e no que
ele é igual. Assim, é obrigatória a afirmação indicando com quem se está fazendo
a comparação e no que se está comparando a igualdade307, ou seja, mais de um
indivíduo, exemplo: homens e mulheres são iguais em direitos e deveres.
Por esse motivo é que Norberto Bobbio alega que “as vítimas de um poder
opressivo pedem, antes de mais nada liberdade. Diante de um poder arbitrário,
pedem justiça308”, justiça ligada a igualdade.
A forma de tratamento dos direitos fundamentais dá-se inicialmente pelo
status negativus, isto porque o povo era oprimido309. O que necessitavam, antes de
mais nada, era da liberdade, uma forma de tratamento subjetiva dos direitos — a
305 Cf. BONAVIDES, P., Curso de direito constitucional, p. 564. 306 Cf. BOBBIO, N., Igualdade e liberdade, p. 7. 307 Cf. Ibid., p. 12. 308 Ibid., p. 7. O autor, neste caso, utiliza o termo “justiça” como muito próximo de
igualdade. 309 A afirmação se faz apontando a França.
104
observância deles por meio da não interferência do Estado na vida das pessoas.
Em um segundo momento, precisavam observar os direitos de forma objetiva, ou
seja, o Estado, além de respeitar os direitos individuais não interferindo neles,
passa também a exercer a função de garantidor dos direitos relativos à igualdade
(direitos culturais, sociais e econômicos)310.
Dessa forma, a igualdade não surge depois do aparecimento da liberdade
como novo estandarte, mas tem seu nascimento conjuntamente com ela. O que se
desenvolve é a forma como os direitos relativos à igualdade são aplicados311. A
igualdade ligada ao social312 encontra fundamento em um segundo momento de
necessidade do povo.
Fundamentando esta idéia, os direitos de segunda geração seriam aqueles,
na teoria de Jellinek, que possuem o status positivus, no qual, para o cidadão, “se
reconhece a capacidade jurídica para reclamar para si o poder estatal, para utilizar
as instituições estatais, é dizer, outorga ao indivíduo pretensões positivas313”.
Seria a aceitação de que todo o aparato estatal está à disposição de seus
administrados com a finalidade de atender a suas necessidades, abstraindo-se da
inobservância os direitos de primeira geração314 na medida definida pela lei.
Como forma de atuação do Estado, a tributação também deve respeitar os direitos
de primeira e segunda geração.
O artigo 5.º da Constituição prevê que Todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes... Na qualidade de princípio,
pode-se fazer a distinção entre igualdade formal e igualdade material315. A
310 Cf. BONAVIDES, P., Curso de direito constitucional, p. 564. 311 SARLET, I. W., A eficácia dos direitos fundamentais, p. 56 et. seq. 312 A Igualdade como direito social tem como pressuposto os direitos individuais. 313 Georg Jellinek apud ALEXY, R., Teoría de los derechos fundamentales, p. 256. Texto
original: “le reconoce la capacidad jurídica para reclamar para si el poder estatal, para utilizar las
instituciones estatales, es decir, otorga al individuo pretensiones positivas.” 314 A não ser quando seja chamado a tal, como no caso da prestação judiciária. 315 Também chamada de igualdade jurídica ou formal, e igualdade real ou material. Cf.
MERINO MERCHÁN, J. F.; PÉREZ-UGENA COROMINA, M.; VERA SANTOS, J. M.,
Lecciones de derecho constitucional, p. 174.
105
primeira representa a igualdade de todos perante a norma jurídica, sendo que esta
deve ser aplicada a todos igualmente. Não se refere, aqui, às normas que são
direcionadas para segmentos específicos ou determinados grupos, como é o caso
da Lei 8.112/90, cuja previsão dispõe sobre o regime jurídico dos servidores
públicos federais, cuja aplicação não é feita às pessoas não incluídas na categoria.
Contudo, a igualdade formal pressupõe que a aplicação daquela lei seja feita tão
logo qualquer pessoa passe a ser servidora pública federal. Em suma, as normas
jurídicas devem ser aplicadas aos casos concretos mesmo que elas conduzam a
uma situação de desigualdade efetiva316.
A igualdade material tem como fundamento o fato de que as pessoas não
são iguais, mas diferentes em muitas características. Os homens podem ser iguais
em muitos aspectos, mas eles podem ser diferentes em seus talentos e suas
virtudes317. Além disso, a aplicação da igualdade formal pura e simplesmente
pode levar a conclusões do tipo que todos (homens, mulheres e crianças) devam
prestar serviço militar, ou que a ajuda do governo não pode ir apenas para os
necessitados, mas para os abastados também, pois todos são iguais318. Um homem
pode ter características que o diferenciam de outro, como, por exemplo, o fato de
apresentar uma deficiência, pode fazer parte de um grupo específico que tenha
alguma necessidade especial, como uma doença, entre outras. Não há de se falar
em igualdade absoluta entre os indivíduos, porque o tratamento igual de todas as
pessoas sem qualquer distinção poderia até atender à igualdade formal, mas não à
material, e é quando esta é atendida que se reduzem as diferenças319.
A diferença entre a igualdade formal e a material propõe a seguinte dúvida:
se a Constituição brasileira adota em seu texto a primeira ou a segunda.
Inicialmente, em análise ao art. 5.º, parece que a escolha se deu pela igualdade
316 Cf. SILVA, J. A., Curso de direito constitucional positivo, p. 217 et. seq. 317 Esta expressão faz parte do enunciado do Princípio da Igualdade na Lei Fundamental do
Uruguai, em seu art. 8.º. Cf. SILVA, P. N. N., Direito constitucional do MERCOSUL, p. 78. 318 Cf. ALEXY, R., Teoría de los Derechos Fundamentales, p. 384. 319 “Tratar a las personas por medio de normas generales antes que mediante un fiat
individualizado e impredictible es tratarlas con igualdad, al menos en un aspecto. Pero esto no es
decir mucho desde el momento en que una norma que se refiere a todos por igual puede establecer
disposiciones distintas para algunos frente a otros.” Cf. MARSHALL, G., Teoria constitucional, p.
179.
106
formal. Entretanto, outros artigos levam à conclusão de que é a segunda, como é o
caso do artigo 146, III, “d”, cuja redação prevê que cabe à Lei Complementar a
definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para
as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados... O
que se observa é que o legislador constitucional impõe que determinados
empresários (menores) tenham um tratamento diferenciado, no sentido de
simplificação e redução no pagamento de alguns tributos, observando as
características de cada um. Assim, a lei deve diferenciar os empresários levando
em conta a igualdade material.
José Afonso da Silva entende que o Princípio não pode ser entendido em
sentido individualista, mas deve levar em conta as diferenças entre grupos, além
disso.
Quando se diz que o legislador não pode distinguir, isso não significa que a lei deva tratar todos abstratamente iguais, pois o tratamento igual... não se dirige a pessoas integralmente iguais entre si, mas àquelas que são iguais sob os aspectos tomados em consideração pela norma, o que implica que os "iguais" podem diferir totalmente sob outros aspectos ignorados ou considerados como irrelevantes pelo legislador320.
Desta forma, reconhece-se que o Princípio da Igualdade adotado pela
Constituição é o material, e que é direcionado inicialmente ao legislador e ao
executivo, na edição de normas jurídicas, e, por outro lado, dirigido aos
intérpretes destas. Assim, tanto a elaboração quanto a execução das normas
jurídicas está pautada no Princípio da Igualdade321, sob pena de
inconstitucionalidade do ato normativo.
Um dos grandes problemas da igualdade, senão o maior, é conseguir aplicar
as normas jurídicas de forma que elas atendam ao Princípio. Há muitas discussões
sobre sua aplicação, a dificuldade está em analisar as desigualdades a fim de que a
aplicação das normas seja no sentido de superá-las.
O ponto principal da questão é o critério a ser utilizado nos casos de
diferenciação, pois, dependendo dele, a igualdade será implementada, mas, por
320 SILVA, J. A., Curso de direito constitucional positivo, p. 219. 321 MORAES, A., Direito constitucional, p. 32
107
outro lado, se o critério escolhido não for adequado, pode culminar na promoção
da desigualdade.
Como visto, a realidade apresenta muitas diferenças, e apesar de haver
similitudes entre as pessoas não há de se falar em igualdade absoluta — ninguém
é totalmente igual a outra pessoa. Portanto, não há de se reconhecer que uma
norma que disponha uma regra geral possa ser aplicável a todas as pessoas
simplesmente porque ela é geral. O mesmo ocorre com uma regra específica: se
ela é específica, então é direcionada a alguns. Ocorre que mesmo estes poucos
apresentam diferenças entre si, ainda que participem de um mesmo grupo.
Também não significa que uma norma que reconheça as diferenças das
pessoas e adote critérios para o tratamento diferenciado das pessoas, só por este
motivo, esteja de acordo com o Princípio da Igualdade, nem tão pouco em
desacordo, depende. “O princípio da igualdade não quer dizer que toda a
desigualdade constitui necessariamente uma discriminação, pois não se proíbe
toda a diferença de trato no exercício dos direitos e liberdades, senão que a
igualdade somente é violada quando ditas discriminações estão desprovidas de
uma justificação objetiva e razoável322.”
Apesar de propor uma solução para o problema (razoabilidade), Enrique
Álvarez Conde entende que o problema também está no critério utilizado para se
fazer a diferenciação. No mesmo sentido, o Tribunal Constitucional Espanhol, na
sentença 75/1983, ao tratar sobre o Princípio da Igualdade, estabelece três
características para o Princípio. A primeira característica, cuja menção faz
referência à importância da interpretação na distinção feita pela norma, é colocada
da seguinte forma: “um princípio geral de Direito de maneira que qualquer
exceção a ele tem que ser submetida a uma interpretação restritiva323”, e ainda que
322 ÁLVAREZ CONDE, E. Curso de derecho constitucional, p. 300. Texto original: “El
principio de la igualdad no quiere decir que toda desigualdad constituye necesariamente una
discriminación, pues no se prohíbe toda diferencia de trato en el ejercicio de los derechos e
libertades, sino que la igualdad solamente es violada cuando dichas discriminaciones están
desprovistas de una justificación objetiva e razonable.” 323 <http://www.boe.es/g/es/bases_datos_tc/doc.php?coleccion=tc&id=SENTENCIA-1983-
0075> (data da consulta: 04/07/06). Texto original: “un principio general del derecho, de suerte
que cualquier excepción a él tiene que ser sometida a una estricta interpretación restrictiva”.
108
o Tribunal não se refira claramente a nenhum critério para diferenciação,
reconhece sua importância, cuja interpretação deve ser restritiva324.
Com o objetivo de resolver o problema da igualdade nas normas jurídicas, a
fim de torná-las em consonância com o Princípio da Igualdade, várias proposições
têm sido feitas.
Uma primeira proposição bastante conhecida é a feita por Aristóteles325, que
é adotada por muitos — como exemplo, Rui Barbosa326 —, sendo inclusive
utilizada em decisões do Supremo Tribunal Federal327. A regra posta para se
alcançar a igualdade, quer seja na generalização ou na discriminação normativa, é
“tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas
desigualdades”.
A igualdade observada a partir desse pressuposto tem como fundamento a
proximidade com a justiça, cujo critério é o mérito328, no sentido de igualdade
distributiva, sendo que cada um merece algo por algum motivo. Assim, os iguais
teriam mais mérito que os desiguais, os quais têm menos mérito ou mérito algum,
portanto devem ser tratados diferentemente. A proposta é interessante e deve ser
analisada um pouco mais profundamente.
324 Sobre a importância do critério, FERRAZ, R. C. B., Igualdade na tributação — qual o
critério que legitima discriminações em matéria fiscal? in Princípios e limites da tributação, p.
450 et. seq. 325 Aristóteles apud Cf. SILVA, J. A., Curso de direito constitucional positivo, p. 214 326 BARBOSA, R., Oração aos moços, p. 21. A passagem dá-se na seguinte forma: “A
regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em
que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha
a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar
com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não
igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação,
pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se
todos se equivalessem.” 327 Recurso Extraordinário. 220323 /MG, Min. Carlos Velloso, julgado em 26.05.1999,
Pleno. DJ 18.05.2001, p. 1331. O critério está inserido no voto do relator, que cita Rui Barbosa. 328 Cf. DERZI, M. A. M., Comentários ao RE n. 220.323-3 Minas Gerais, 236.604 –
Paraná e 153.771 – Minas Gerais in Construindo o Direito Tributário na Constituição: uma
análise da obra do Ministro Carlos Mário Velloso, p. 96.
109
Chaim Perelman329, ao analisar algumas proposições de regras de justiça
para lhes propor concepção, trata da regra de Aristóteles. Entre todas, Perelman
faz considerações sobre seis delas:
1) A cada qual a mesma coisa;
2) A cada qual segundo os seus méritos;
3) A cada qual segundo as suas obras;
4) A cada qual segundo suas necessidades;
5) A cada qual segundo sua posição;
6) A cada qual segundo o que a lei lhe atribui.
Tratar-se-á brevemente de cada uma delas, a seguir.
A cada qual a mesma coisa: de acordo com esta concepção, todos os
homens devem ser tratados da mesma forma, sem qualquer tipo de distinção, não
interessa as diversidades de credo, cor, capacidade econômica, todos são iguais e
assim devem ser tratados330.
Esta concepção de justiça não tem característica distributiva, pois a análise
da igualdade não está enfocada no que cada um faz, tem ou exerce, mas sim no
que deve ser. Ela encontra barreiras na inegável condição da existência de
diferenças entre os homens, sendo que a norma que não leva isto em consideração
não atende à igualdade. A concepção aproxima-se da igualdade formal, em que as
normas devem tratar igualmente a todos, como visto em momento anterior.
A cada qual segundo os seus méritos: nesta concepção de justiça, verifica-se
que o que iguala os indivíduos são seus méritos. O primeiro problema que pode
ser enfrentado, tendo em vista o exposto, é definir mérito. O que é mérito? Se o
mérito vem pelas atitudes do indivíduo, que atitudes devem ou não devem ser
levadas em consideração?
Outro problema encontra-se no caso de diferença de méritos: se a cada um
deve ser dado de acordo com seus méritos, então há aqueles que terão mais
méritos que outros; assim sendo, é necessária um fórmula que possibilite medir os
méritos de cada um, para dar mais ou menos. Além disso, se uns recebem mais do
que outros, implicitamente se tem que não se trata somente de compensar o
329 PERELMAN, C., Ética e Direito, p. 9 330 Cf. PERELMAN, C., op. cit, p. 9.
110
indivíduo de acordo com seus méritos, mas também de punir, ou não dar nada,
para aquele que não teve o mesmo desempenho que outro331.
A cada qual segundo suas obras: cada qual segundo suas obras refere-se à
produção ou “cujos conhecimentos têm igual valor perante o juiz332”. Tal assertiva
tem finalidade prática, pois neste caso o que se observa é a produção do trabalho,
por exemplo, ou a participação em concursos, quando se trata de conhecimentos.
O questionamento pode ser feito em torno da capacidade de produção de
cada um. No caso de produção de obras, como podem dois pedreiros que recebem
a mesma planta de uma casa, a mesma quantidade e qualidade de material para
construir uma casa — imaginando-se que tais pedreiros têm a mesma capacidade
em relação ao seu trabalho e o mesmo tempo de trabalho — efetuar o serviço um
de forma mais eficiente que o outro?
A discussão vai além: para que seja possível avaliar um candidato que
intenta ingressar em carreira pública, cujo concurso tende a analisar os
conhecimentos, o avaliador não pode levar em consideração o conhecimento
pleno do candidato, incluindo o interno, porque é impossível ao homem investigar
a mente de outro sem que haja exteriorização. Para tanto, são adotados como
critérios os objetivos demonstrados pelos candidatos, tais como diplomas. Ocorre
que nem todas as universidades fomentam da mesma forma o conhecimento.
Além disso, existem outros fatores que influenciam a aprovação de um candidato
para determinada vaga, como o avaliador: um concurso pode ter vários
avaliadores, que corrigirão as provas diferentemente333, pois, apesar de adotarem
os mesmos critérios, a valoração subjetiva de cada um certamente será diferente.
A diferença entre a concepção sobre os méritos e as obras é que aquela se
refere a situações mais abrangentes, e as obras, a situações mais específicas de
produção ou trabalho do indivíduo, mas ambas encontram dificuldades
semelhantes.
A cada qual segundo suas necessidades: “Esta fórmula da justiça, em vez de
levar em conta méritos do homem ou de sua produção, tenta, sobretudo, diminuir
331 PERELMAN, C., Ética e Direito, p. 9 et. seq. 332 Cf. PERELMAN, C., op. cit., p. 10. 333 Ibid., p. 10.
111
os sofrimentos que resultam da impossibilidade em que ele se encontra de
satisfazer suas necessidades essenciais334.”
Algumas questões que podem ser levantadas neste momento relacionam-se
à caracterização das necessidades, bem com à graduação dessas necessidades,
tendo em vista a condição de cada indivíduo.
No que concerne ao primeiro ponto, cumpre questionar o que é necessário
ao homem. E se a necessidade que ele requer ou reconhecida por outros é
efetivamente necessária. É fácil constatar as necessidades quando as situações são
extremas. No caso de uma pessoa com deficiência física que não pode se
locomover por suas próprias pernas, uma de suas necessidades seria haver um
acesso facilitado para que pudesse subir em calçadas, o que não é necessário para
um jovem de 15 anos em perfeito estado físico e mental, que pode subir um
degrau. Mas o problema surge quando a discussão leva em conta uma escolha
subjetiva, como no caso do mesmo rapaz de 15 anos que mora no 1.º andar de um
prédio e sente ser necessário um elevador — talvez o elevador não fosse
necessário para o 1.º andar, mas e se fosse o 2.º ou 3.º ou 15.º andares? Enfim,
quantos andares são necessários para que o jovem tenha direito a um elevador? O
exemplo, que expressa um caso particular, pode não expressar o real significado
das necessidades, mas ele começa a aparecer quando empregado para outras
necessidades humanas básicas, tais como comida, trabalho, lazer, saúde, etc. E
mais, é necessário atender às necessidades básicas, somente, ou deve-se procurar
uma graduação a fim de atender às não básicas? A própria definição de
necessidades básicas constitui um problema.
No segundo ponto (graduação das necessidades), deve-se fazer a
constatação de cada indivíduo sobre suas necessidades, tendo em vista suas
características físicas, psicológicas, morais, etc., o que inviabiliza o processo por
ser muito complexo e dinâmico, mudando a todo momento.
A cada qual segundo sua posição: concepção fundamentada em Aristóteles,
diz respeito não à qualidade do sujeito, mas a qual classe pertence. O sujeito deve
ser tratado igualmente aos indivíduos da classe a que pertence. A divisão de
classes pode ser feita de várias formas, classe econômica, credo, cor, etc.
334 PERELMAN, C., Ética e Direito, p. 10 et. seq.
112
Tal concepção é perigosa, pois, dependendo do critério de separação de
classes, pode justificar atos terríveis. Como exemplo, é possível fundamentar as
atitudes do governo nazista na Segunda Guerra Mundial, que na concepção
aristotélica via os judeus e negros como inimigos que deveriam ser eliminados.
Essa diferenciação era feita em virtude da cor da pele e religião.
Esta teoria geralmente é apoiada pela classe dominadora que quer se manter
em sua posição. A justificativa seria o fato de que cada um tem o que deve ter em
virtude de sua posição, por este motivo é que a burguesia prefere defender a
liberdade à igualdade335. Sendo livre, o cidadão pode trabalhar onde quiser e por
quanto quiser, gerando, nos locais onde a mão de obra é abundante, uma
concorrência de trabalho que sofre os efeitos da economia liberal, permitindo o
pagamento de baixos salários, carga horária alta e condições precárias. Por outro
lado, a igualdade nesse aspecto propugna por condições iguais para todos.
A cada qual segundo o que a lei lhe atribui: “Se atribuímos à expressão 'o
que cabe a cada homem' um sentido jurídico, chega-se à conclusão de que ser
justo é conceber o que a lei lhe atribui336.”
Tal afirmação gera algumas indagações, entre elas, ressaltam-se três: 1)
haverá tantas justiças quantas legislações? 2) e se o Estado não puder cumprir o
que a legislação exige? 3) em todos os casos iguais o juiz deve decidir da mesma
forma?
Na primeira indagação, tem-se que quando houver divergência de
legislações as justiças serão divergentes337, qual justiça será levada em
consideração?
A segunda é questionável pelo fato de muitos países constituírem um
sistema com separação de poderes, e o que aconteceria se o legislativo elaborasse
leis que o executivo não pudesse cumprir, tendo em vista, por exemplo, a
demanda financeira?
335 Cf. SILVA, J. A., Curso de direito constitucional positivo, p. 214 336 Cf. PERELMAN, C., op. cit, p. 12. 337 Excetuando-se as antinomias, neste ponto discute-se apenas o direito comparado, ou
seja, um caso que envolva dois países, como o castigo de chibatadas, que é permitido em alguns
países, mas na maioria não.
113
Por último, como considerar a mesma pena a alguém que furta um carro
importado para apenas possuir um artefato de luxo e a alguém que furta um pão
para sua sobrevivência e/ou de sua família? Se a concepção exige igualdade na
aplicação da pena, nos dois casos os sujeitos seriam condenados da mesma forma.
Todas as três perguntas encontram respostas necessariamente complexas ou
de difícil elaboração, se é que há como solucionar as questões apresentadas.
A justiça, no que se relaciona relação com a igualdade distributiva, e
também em relação às outras concepções de igualdade demonstradas, não
soluciona o problema de identificação de um critério geral de distinção, talvez
porque o critério não possa partir de uma regra genérica, mas deva, sim, advir de
análise individual338.
Em geral, o pensamento ocidental tende a elaborar soluções genéricas e
abstratas para os problemas339. É comum observar que alguém, ao se deparar com
um problema, antes mesmo de entendê-lo por completo, já pronuncia sua solução,
pois já tinha um pré-conceito, abstrato, que acredita poder solucionar o problema.
Diferentemente, o costume oriental, de maneira geral, procura inicialmente
entender o problema, analisá-lo para, então, propor uma solução, levando em
efeito o caso concreto340. Como exemplo, cita-se passagem bíblica em que os
fariseus, com intuito de testar Jesus, perguntam sobre o pagamento de tributos, e a
primeira coisa que ele faz depois de repreender-lhes é pedir para ver a moeda341,
338 Cf. ALEXY, R., Teoría de los Derechos Fundamentales, p. 386. 339 Cf. Roberto Catalano Botelho Ferraz, em suas aulas à turma da graduação da PUC/PR,
na disciplina de Direito Constitucional Tributário, 1.º semestre de 2006. 340 Cf. FERRAZ, R. C. B., Igualdade na tributação — qual o critério que legitima
discriminações em matéria fiscal? in Princípios e limites da tributação, p. 460. Sobre o assunto,
Roberto Ferraz cita Luís Jean Lauand (“Provérbios e Educação Moral — A filosofia de Tomás de
Aquino e a Pedagogia Árabe do Mathal”), demonstrando a diferença entre o pensamento ocidental
e o pensamento oriental em relação aos provérbios. Como exemplo de um provérbio, tem-se
“quem ama o feio, bonito lhe parece”, que para os árabes é conhecido como “para a macaca, os
macaquinhos são gazelas”. 341 A passagem completa está em Mateus 22, a partir do verso 15. “15 Então os fariseus se
retiraram e consultaram entre si como o apanhariam em alguma palavra; 16 e enviaram-lhe os seus
discípulos, juntamente com os herodianos, a dizer; Mestre, sabemos que és verdadeiro, e que
ensinas segundo a verdade o caminho de Deus, e de ninguém se te dá, porque não olhas a
aparência dos homens. 17 Dize-nos, pois, que te parece? É lícito pagar tributo a César, ou não? 18
114
ou seja, analisar o problema para então, por meio de resposta concreta, procurar
resolvê-lo.
A regra genérica e abstrata cria um “pré-conceito” que tem por finalidade
resolver todos os problemas da igualdade, dando em todos os casos uma solução
que possa apresentar às pessoas como tratar os iguais de maneira igual na medida
de suas igualdades. Entretanto, dessa forma, essa tarefa é impossível. Como
demonstrado, a utilização da regra tratar igualmente os iguais e desigualmente os
desiguais, na medida de suas desigualdades, não resolve o problema; pelo
contrário, permite que se justifique qualquer desigualdade, pois os escravos, sendo
desiguais dos senhores, deviam dormir trancafiados na senzala.
Não há porque se pensar que se os indivíduos são diferentes, as relações
estabelecidas por esses indivíduos, bem como as situações geradas por eles, sejam
iguais. Aassim não há como se estabelecer uma regra única, geral e abstrata para
apresentar solução a todos os casos. É claro que os desiguais devem ser tratados
diferentemente, o problema é saber como.
Novamente ressalta-se a importância do critério, não que as regras citadas
por Perelman não sirvam porque são inúteis, mas porque não definem como é que
se deve fazer a comparação para estabelecer tratamento igual ou desigual.
Nesse ponto, o problema da igualdade remete ao problema dos chamados critérios de justiça, ou seja, àqueles critérios que permitem estabelecer, situação por situação, em que duas coisas ou duas pessoas devem ser iguais a fim de que a igualdade entre elas possa ser considerada justa. Duas coisas ou duas pessoas podem ser iguais ou equalizadas sob muitos aspectos: a igualdade entre elas, ou sua equalização, só tem a ver com a justiça quando corresponde a um determinado critério (que é chamado de critério de justiça), com base no qual se estabelece qual dos aspectos deva ser considerado relevante para o fim de distinguir entre uma igualdade desejável e uma igualdade indesejável. O fato de que o malum passionis seja igual ao malum actionis não é, em si mesmo, nem justo nem injusto: torna-se justo se se escolhe como critério de justiça penal o critério do sofrimento igual, ou seja, se se aceita o princípio de que crime e castigo devam ser iguais no sofrimento (causado ou padecido, respectivamente)342.
Jesus, porém, percebendo a sua malícia, respondeu: Por que me experimentais, hipócritas? 19
Mostrai-me a moeda do tributo. E eles lhe apresentaram um denário. 20 Perguntou-lhes ele: De
quem é esta imagem e inscrição? 21 Responderam: De César. Então lhes disse: Dai, pois, a César
o que é de César, e a Deus o que é de Deus.”
115
A dúvida de quem são os iguais e quem são os desiguais ainda paira mesmo
com a regra citada, que prescreve tratar igualmente os iguais e desigualmente os
desiguais, na medida de suas desigualdades343. De outra maneira, o principal é
saber diferenciar, e, para tanto, é necessário definir um critério que sirva para
definir os iguais e os desiguais. Contudo, aquela regra não é de todo inútil, pois
serve como forma de manutenção de ordem social. Em momento posterior à
escolha do critério da igualdade e sua utilização para atender ao Princípio da
Igualdade, a regra deve ser utilizada para que dois indivíduos que se encontram na
mesma categoria sejam tratados da mesma maneira, ou seja, a regra incide sobre a
aplicação da lei344.
Identificado o problema da generalização, a análise em relação à igualdade
parte do pressuposto de individualização dos casos, ou seja, a igualdade ou
desigualdade deve ser aplicada em cada caso concretamente. Nessa perspectiva, o
método de dois autores será citado para identificar e utilizar o critério da
igualdade.
Robert Alexy, ao comentar sobre a jurisprudência do Tribunal
Constitucional Federal Alemão, cuida de descrever como aquele órgão
fundamenta suas decisões sobre o critério a ser escolhido para atender à igualdade,
qual seja “quando para a diferenciação legal não é possível encontrar [...] uma
razão razoável, que surja da natureza da coisa ou que, de alguma forma, seja
concretamente compreensível345”. A afirmação conduz ao fato de que para haver
discriminação ou diferenciação na aplicação da norma referente à igualdade deve
ser algo que seja claro ou que possua um fundamento concreto para a ocasião.
É importante lembrar que as discriminações são arbitrárias, havendo ou não
razão para elas existirem, e que a qualificação da razão adentra a um problema de
valoração, que não é objeto do estudo346.
342 BOBBIO, N., Igualdade e liberdade, p. 18. 343 MELLO, C. A. B., O conteúdo jurídico do princípio da igualdade, p. 11. 344 Cf. BOBBIO, N., Igualdade e liberdade, p. 21 345 ALEXY, R., Teoría de los Derechos Fundamentales, p. 395. Texto original: “cuando
para la diferenciación legal no es posible encontrar […] una razón razonable, que surja de la
naturaleza de la cosa o que, de alguna forma, sea concretamente compresible.” 346 Ibid., p. 395.
116
Tendo em vista aquela decisão e o fato de que não há como resolver os
problemas do critério utilizado para a observação do Princípio da Igualdade,
Alexy elabora o seguinte enunciado para um tratamento igual: “Se não há
nenhuma razão suficiente para a permissão de um tratamento desigual, então está
ordenado um tratamento igual347”.
Por outro lado, para um tratamento desigual o enunciado é feito da seguinte
forma: “Se há razão suficiente para ordenar um tratamento desigual, então está
ordenado um tratamento desigual348”.
Os enunciados também não definem os critérios, mas criam proposições que
podem ser utilizadas para verificação da aplicação da igualdade. No caso, se
alguém sofre violação na expressão desses enunciados por uma interferência
estatal, pode requerer a omissão do Estado (status negativus). Por outro lado, se
sofre violação por omissão estatal e não é favorecido, pode exigir a atuação do
Estado com o fim de restabelecer o favorecimento (status positivus)349.
De forma mais específica, mas sem definir qual é, Celso Antonio Bandeira
de Mello procura encontrar parâmetros para a identificação e utilização do critério
da igualdade. O autor em questão indica cinco premissas para o balizamento do
critério, nas quais o Princípio da Igualdade deixaria de ser atendido:
I - A norma singulariza atual e definitivamente um destinatário determinado, ao invés de abranger uma categoria de pessoas, ou uma pessoa futura e indeterminada. II - A norma adota como critério discriminador, para fins de diferenciação de regimes, elemento não residente nos fatos, situações ou pessoas por tal modo desequiparadas... III - A norma atribui tratamentos jurídicos diferentes em atenção a fator de discrímen adotado que, entretanto, não guarda relação de pertinência lógica com a disparidade de regimes outorgados. IV - A norma supõe relação de pertinência lógica existente em abstrato, mas o discrímen estabelecido conduz a efeitos contrapostos ou de qualquer modo dissonantes dos interesses prestigiados constitucionalmente.
347 ALEXY, R., Teoría de los Derechos Fundamentales, p. 395. Texto original: “Si no hay
razón suficiente para la permisión de un tratamiento desigual, entonces está ordenado un
tratamiento igual.” 348 Ibid., p. 397. Texto original: “Si hay razón suficiente para ordenar un tratamiento
desigual, entonces está ordenado un tratamiento desigual.” 349 Cf. Ibid., p. 417 et. seq.
117
V - A interpretação da norma extrai dela distinções, discrimens, desequiparações que não foram professadamente assumidos por ela de modo claro, ainda que por via implícita350.
Sobre a primeira premissa, a norma não pode adotar um critério tão
específico a ponto de que apenas um sujeito seja beneficiado com o tratamento
diferenciado, como é o caso de estabelecer um benefício a uma pessoa específica,
cujas qualidades a partir da norma identifiquem somente aquele indivíduo.
Entretanto, a igualdade não seria ofendida no caso em que previsse um benefício a
alguém que não fosse determinado ou determinável, como no caso em que
propusesse um prêmio a quem inventasse o motor a água351. O que se leva em
consideração, neste caso, é o fato de a norma ser geral, abstrata, individual ou
concreta352-353.
Na segunda premissa, não pode ser escolhido critério de discriminação da
igualdade que não seja constante nas próprias pessoas que se está diferenciando
ou igualando. A afirmação cabe também para coisas ou situações, o que
conseqüentemente refletirá em pessoas. O exemplo dado por Celso Antonio
Bandeira de Mello é o fato de discriminar advogados, médicos ou juízes somente
pelo fato de residirem em um determinado local do País, o que pode ocorrer é
“existir nestes vários locais, situações e circunstâncias, as quais sejam, elas
350 MELLO, C. A. B., O conteúdo jurídico do princípio da igualdade, p. 17 et. seq. 351 Cf. Ibid., p. 25. 352 Norberto Bobbio as identifica da seguinte forma: as normas gerais são aquelas que “se
dirigem a uma classe de pessoas”, as normas abstratas são aquelas “que regulam uma ação-tipo (ou
uma classe de ações)”, normas gerais são as que “têm por destinatário um indivíduo singular” e,
por fim, as normas concretas “regulam uma ação singular”. Cf. BOBBIO, N., Teoria da norma
jurídica, p. 181. 353 De acordo com Celso Antonio Bandeira de Mello, as normas gerais e abstratas
(chamadas por ele de regra) jamais podem desrespeitar a igualdade na premissa da singularização.
Por outro lado, as normas individuais e concretas podem ou não estar em conformidade com o
Princípio da Igualdade. A primeira estará de acordo com o Princípio se se referir a sujeito futuro,
“indeterminado e indeterminável”, já as normas concretas estão em consonância com a Igualdade
se além de concreta for geral. Cf. MELLO, C. A. B., O conteúdo jurídico do princípio da
igualdade, p. 28 et. seq.
118
mesmas distintas entre si, gerando, então, por condições próprias suas, elementos
diferenciais pertinentes354”.
Por terceiro, é necessário que haja uma relação lógica entre o critério da
discriminação e o motivo dela. Não é possível, ainda, que o critério resida no
objeto da análise da igualdade, que não tenha relação lógica nenhuma com a
diferenciação feita. Como exemplo de falta de relação lógica, supõe-se que uma
norma proíba os homens na faixa etária entre 30 a 35 anos de usufruírem do
serviço médico público prestado pelo Estado. O fato de alguém ser homem ou ter
entre 30 a 35 anos não apresenta nenhuma justificativa lógica para que não possa
usufruir daquele serviço.
No quarto caso, o que ocorre é que o critério adotado atende a todas as três
primeiras premissas, mas não a interesses prestigiados na Constituição. Imagine
que o estado do Paraná, na pessoa de seu governante, entendendo que as empresas
de grande porte, por proporcionarem maior riqueza e por gerarem arrecadação
maior que as de médio e pequeno porte, devam ser recompensadas por isso, assim
estabelece isenção fiscais apenas para aquelas. Na aplicação da igualdade, essa
norma não individualiza um destinatário determinado, adota elemento residente
nas pessoas discriminadas, no caso, o tamanho. O tratamento apresenta
pertinência lógica, mas não está de acordo com a Constituição, pois, em seu artigo
146, III, “d”, prevê que o tratamento diferenciado e favorecido deve ser feito às
micro e pequenas empresas, e não o contrário. Assim, tal norma, além de ser
inconstitucional, não atende à igualdade.
Por fim, para estar em consonância com a igualdade, a norma não pode ter
discriminações que não foram por ela estabelecidas. Assim, não é possível se
adotar critério que não esteja claramente disposto na norma jurídica.
Passadas estas considerações, conclui-se que não há critério geral para
análise e aplicação da igualdade, pois cada caso deve ser analisado concretamente,
surgindo daí um critério concreto. De modo geral, o que é possível fazer é adotar
parâmetros para a escolha daquele critério.
354 MELLO, C. A. B., O conteúdo jurídico do princípio da igualdade, p. 28 et. seq.
119
5.1. Igualdade em matéria tributária
A Igualdade como Princípio basilar permeia todo o ordenamento jurídico
brasileiro, incidindo inclusive sobre a tributação. Ainda que desnecessário seu
enunciado no Sistema Tributário Nacional, o legislador constitucional achou por
bem fazê-lo, inserindo-o no artigo 150, II, cuja disposição é a seguinte: Sem
prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: ... II - instituir tratamento desigual
entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer
distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida,
independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.
Mas tão importante quanto demonstrar a efetivação da Igualdade na
tributação é a adoção de um critério de distinção no texto constitucional. Como
visto, o ponto principal do tratamento da igualdade é o critério utilizado para a
comparação e possível diferenciação. Foram apresentadas regras que delineiam o
critério, mas não o definem, pois necessário inicialmente é apresentar o caso
concreto para que haja a escolha daquele, já que é tarefa impossível a escolha de
um critério único e absoluto para todas as aplicações da igualdade.
É necessário entender que a sujeição do Estado ao dever de aplicar e manter
a Igualdade (status positivus), como imposição pelo texto constitucional, deve
inicialmente na tributação estabelecer que todos paguem tributos355, o que gera a
conseqüência de que ninguém se exima de ser tributado. Esta análise leva à
conclusão de que a igualdade na tributação é o fato de todos recolherem dinheiro
aos cofres públicos.
Ocorre que essa forma de aplicação do Princípio se encaixa na concepção
formal e não material de igualdade, sendo que é nesta última que se encontra o
objetivo de formulação e aplicação do Princípio pela interpretação constitucional.
Sem sombra de dúvidas, o pagamento dos tributos é de suma importância, sob
pena da impossibilidade de atendimento das finalidades estatais, qual seja a de
355 Cf. GRIZIOTTI, B., Principios de política, derecho y ciencia de la Hacienda. p. 177.
“La regla positiva dice: todos deben contribuir al sostenimiento de las cargas públicas; la igualdad
es la base de la imposición.”
120
atender às necessidades públicas356, incluindo nestas os direitos fundamentais357.
A não observação da igualdade material em sua aplicação na tributação também
representa o desrespeito aos direitos fundamentais.
Para a analise da igualdade material, é necessário encontrar o critério que
pode ser utilizado na diferenciação entre aqueles que pagam tributos, e é neste
fato que é encontrado o critério — o fato de todos terem de pagar.
Que os contribuintes recolhem tributos é algo implícito da qualidade de
“contribuinte”, ou pelo menos deveria, não levando em consideração a sonegação
neste momento.
Um dos problemas citados na elaboração de um critério para a igualdade é a
abrangência das relações de comparativas, pois são tantos os casos e a diferenças,
que é impossível encontrar um critério aplicável a todas elas. A tributação, apesar
de também abranger diversas relações, possui um fato comum em todas elas, o
recolhimento de valores pelo sujeito passivo. Dessa forma, a análise da igualdade
material deve partir desta informação.
Principalmente, mas não exclusivamente, a economia liberal permite a
concentração de riquezas por parte de alguns indivíduos e a falta da mesma por
parte de outros. Sendo assim, nem todos podem pagar tributos de forma igual, não
é possível ao Estado cobrar tributos daqueles que não possuem riqueza da mesma
forma dos que possuem, pois, se contrário fosse, estaria-se adotando a igualdade
formal, e não a material.
De acordo com a igualdade material, esta constatação representa que as
pessoas devem pagar de acordo com suas possibilidades. Assim, “a lei que
contenha uma imposição tributária deve ser dirigida e aplicada a todos os
contribuintes que se encontrem na mesma situação, da mesma maneira e com a
mesma intensidade358”.
356 Cf. NABAIS, J. C., O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a
compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo, p. 226. 357 Cf. WEISS, F. L., Justiça tributária: as renúncias, o código de defesa dos contribuintes
e a reforma tributária, p. 22. “A arrecadação é o antecedente lógico da despesa, meio público de
efetivação dos direitos fundamentais.” 358 GRUPENMACHER, B. T., Eficácia e aplicabilidade das limitações constitucionais ao
poder de tributar, p. 62.
121
De acordo com o princípio da igualdade da imposição, as pessoas, conquanto estejam sujeitas a qualquer imposto e se encontram em iguais ou parecidas condições relevantes a efeitos tributários, hão de receber o mesmo trato no que se refere ao imposto respectivo359.
O pensamento não é novo, Adam Smith já previa que os súditos de um
Estado deveriam contribuir tanto quanto possível, de acordo com suas capacidades
para sustentar o governo360, mas antes mesmo daquela citação já havia evidências
históricas da existência desta forma de aplicação da tributação em algumas partes
do mundo361. Entretanto, a capacidade contributiva nem sempre foi utilizada como
instrumento de representação da igualdade. Em momento diverso, ela
representava a justificação pelo pagamento de tributos.
A chamada teoria da equivalência, uma das primeiras na justificação da
causa dos tributos, previa que o pagamento da imposição era realizado na medida
em que o Estado prestava serviços aos contribuintes, ou seja, só se pagava tributo
na medida em que o Estado realizasse uma prestação, estava estabelecida uma
relação sinalagmática362. A equivalência era muito útil para explicar os tributos
que tem uma atividade estatal relacionada, da mesma forma como ocorre
atualmente com as taxas, mas não conseguia explicar os tributos em que não havia
a prestação estatal363. Para tanto, entendia-se que as pessoas deveriam pagar esse
determinado tipo de tributo simplesmente porque o Estado tinha poder para
cobrar.
Ainda na justificação da tributação, a capacidade contributiva serviu de
elemento para Griziotti justificar a causa da cobrança de impostos (tributos sem
359 NEUMARK, F., Principios de la imposición, p. 161. Texto original: “De acuerdo con el
principio de igualdad de la imposición, las personas, en tanto estén sujetas a cualquier impuesto y
se encuentren en iguales o parecidas condiciones relevantes a efectos tributarios, han de recibir el
mismo trato en lo que se refiere al impuesto respectivo […].” 360 Cf. SMITH, A., Uma investigação sobre a natureza e causa da riqueza das nações, p.
420 et. seq. 361 Cf. COSTA, R. H., Princípio da capacidade contributiva, p. 15. 362 SCHOUERI, L. E., Normas tributárias indutoras e intervenção econômica, p. 143 et.
seq. 363 Os impostos têm esta característica atualmente, conforme artigo 16 do Código Tributário
Nacional.
122
prestação estatal). Por meio da teoria do benefício364, que previa que a distribuição
dos gastos públicos deveria ser feita em conformidade com os benefícios que os
contribuintes recebiam da atuação do Estado, aquele autor entendia que, além da
cobrança dos tributos diretamente relacionados a uma atividade estatal, os não
vinculados também eram justificados pela atuação do Estado, mas de forma
indireta, pois a atuação com essa arrecadação visa a uma contraprestação estatal à
coletividade indistintamente, e, sendo impossível sua aferição, o critério para
pagamento seria a riqueza365.
Essa teoria recebeu e ainda recebe muitas críticas, pois levando-se em
consideração a causa dos tributos e a capacidade contributiva não há como
efetivamente saber quem goza mais benefícios do Estado. Quem recolhe mais não
necessariamente usufrui mais dos serviços estatais do que aquele cujo
recolhimento é pequeno, ainda mais em um país como o Brasil, onde quase tudo é
pago dobrado. O exemplo da segurança serve, em que a prestação se dá
principalmente pelos Estados, e é financiada principalmente pelos tributos, porém,
para que haja segurança adequada, é necessário que se pague segurança privada.
Com a saúde ocorre o mesmo: o lastimável descaso com os doentes dá-se pelo
fato de não haver instalações, maquinário e pessoal suficientes, o que
conseqüentemente faz com que as pessoas que podem paguem por saúde
particular. E a situação se repete com muitos outros serviços que o Estado deveria
prestar.
Por fim, em relação à causa, a tese que melhor representa a capacidade
contributiva é a da solidariedade366, pois esta “entre os cidadãos deve fazer com
que a carga tributária recaia sobre os mais ricos, aliviando-se a incidência sobre os
mais pobres e dela dispensando os que estão abaixo do nível mínimo de
sobrevivência367”.
Mas na maioria dos casos a capacidade contributiva foi incorporada como
expressão da igualdade pelas constituições de muitos países, como ocorreu com a
364 Cf. GRIZIOTTI, B., Principios de política, derecho y ciencia de la Hacienda, p. 143. 365 SCHOUERI, L. E., op. cit., p. 147. 366 MOSCHETTI, F., Il principio della capacitá contributiva, p. 260. 367 TORRES. R. L., Existe um princípio estrutural da solidariedade? in Solidariedade
social e tributação, p. 200.
123
italiana368, a chilena369, a espanhola370, entre outras. A Constituição brasileira
recebeu em seu texto atual o critério no artigo 145, § 1.º: Art. 145. ... § 1.º -
Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados
segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração
tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar,
respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os
rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
Com diretrizes semelhantes à Constituição espanhola371, a Constituição
brasileira também enuncia em seu texto a necessidade da igualdade formal e
material em direito tributário. A primeira expressão da igualdade, implicitamente,
implica na necessidade de todos contribuírem para os gastos do Poder Público; a
material no que concerne ao respeito à capacidade econômica do contribuinte.
“Com perfeita adequação, conquistada historicamente, o princípio da capacidade
contributiva preenche integralmente os reclamos da igualdade em matéria
fiscal372-373.”
368 Art. 53. Tutti sono tenuti a concorrere alle spese pubbliche in ragione della loro
capacità contributiva. Art. 53. Todos são obrigados a concorrer às despesas públicas segundo a
própria capacidade contributiva. 369 Art. 19. La Constitución asegura a todas las personas:…20. La igual repartición de los
tributos en proporción a las rentas o en la progresión o forma que fije la ley, y la igual repartición
de las demás cargas públicas. En ningún caso la ley podrá establecer tributos manifiestamente
desproporcionados o injustos. Art. 19. A Constituição assegura a todas as pessoas:... 20. A igual
repartição dos tributos em proporção das rendas ou na progressão ou forma que fixe a lei, e a igual
repartição das demais cargas públicas. Em nenhum caso a lei poderá estabelecer tributos
manifestamente desproporcionais ou injustos. 370 Artículo 31 – 1. Todos contribuirán al sostenimiento de los gastos públicos de acuerdo
con su capacidad económica mediante un sistema tributario justo inspirado en los principios de
igualdad y progresividad que, en ningún caso, tendrá alcance confiscatorio. Artigo 31 – 1. Todos
contribuirão para a manutenção dos gastos públicos de acordo com sua capacidade econômica
mediante um sistema tributário justo inspirado nos princípios de igualdade e progressividade que,
em nenhum caso, terá alcance confiscatório. 371 VALCÁRCEL, E. L., El Principio de Igualdad in Tratado de derecho tributario, p. 229. 372 Cf. FERRAZ, R. C. B., Igualdade na tributação — qual o critério que legitima
discriminações em matéria fiscal? in Princípios e limites da tributação, p. 507. 373 Roberto Catalano Botelho Ferraz afirma que a capacidade contributiva é um critério
positivo na aplicação da igualdade. “A exclusão de critérios distintivos constitui o núcleo que
124
Apesar de já se ter demonstrado a relação que a capacidade contributiva tem
com a igualdade material, pode-se também relacioná-la com a igualdade formal,
pois não pode haver imposição tributária onde não haja capacidade
contributiva374. A partir dessa concepção é que muitos autores chegaram à
concepção de relação entre mínimo existencial375 e tributação, que por não ser
objeto do estudo não receberá maiores considerações.
Não é pelo fato de que a capacidade contributiva passou a representar o
corolário do Princípio da Igualdade376 ao longo do tempo que não sofre críticas.
Uma das mais antigas (hoje relativamente superada) é o fato de que a expressão
“capacidade contributiva” definia conceitos imprecisos. Outra crítica, desta vez
proveniente principalmente dos autores da escola liberal, é que a estruturação
progressiva da tributação pode ser entendida como uma sanção aos
economicamente hábeis e um prêmio aos economicamente incapazes377.
Apesar das críticas, a capacidade contributiva tem em sua defesa muitos
autores de direito tributário, além de sua positivação no ordenamento jurídico
brasileiro, mais especificamente na Constituição. Ela não é o único critério de
igualdade na tributação, mas tem sido um critério bastante eficaz em sua função, a
despeito de todos os problemas que decorrem de sua abstração.
5.1.1.1. Capacidade contributiva e extrafiscalidade
Como visto em momento diverso no trabalho, a extrafiscalidade representa a
utilização do tributo de forma diversa da de arrecadar, mais comumente a de
caracterizou o primeiro momento de afirmação do princípio da igualdade — no aspecto negativo
de possibilidade de constituição de privilégios por nascimento etc. — ao passo que a escolha de
critérios distintivos positivos é que vai caracterizar o momento atual de busca de igualdade
material”. Cf. Ibid., p. 478. 374 Cf. VALCÁRCEL, E. L., El Principio de Igualdad in Tratado de derecho tributario, p.
229. 375 Sobre mínimo existencial e capacidade contributiva, ler ZILVETI, F. A., Capacidade
contributiva e mínimo existencial in Direito tributário: estudos em homenagem a Brandão
Machado. 376 Ibid., p. 39. 377 Cf. NEUMARK, F., Principios de la imposición, p. 163.
125
induzir comportamentos. Também já comentado, o tributo não pode ser utilizado
de acordo com a simples vontade política, quer seja para de forma fiscal ou
extrafiscal, pois a forma de utilização do tributo deve ser neutra. A neutralidade é
encontrada com a observação de todas as limitações ao poder de tributar.
Entretanto, é possível questionar se por motivos políticos, econômicos ou
quaisquer outros não seria possível a supressão da capacidade contributiva por
meio de um tributo extrafiscal. Os tribunais da Alemanha, Itália e Espanha
entendem que não há necessariamente ofensa ao Princípio da Igualdade quando
constatados desvios na capacidade contributiva378.
No Brasil, a maioria das decisões do Supremo Tribunal Federal sobre
extrafiscalidade e capacidade contributiva são referentes ao IPTU progressivo379 e
as alterações da Emenda Constitucional n.º 29/2000.
Como corolário do Princípio da Igualdade, a capacidade contributiva
poderia ter sua aplicação certa na tributação, garantindo a neutralidade. Ocorre
que o texto constitucional (art. 145, § 1.º) proporciona dúvidas em relação à
constante aplicação do instituto, isto decorre da forma como o texto foi
formulado: Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão
graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte...
Antes de continuar, cumpre informar que a expressão “capacidade
econômica” utilizada pelo legislador constitucional representa, neste caso,
capacidade contributiva380.
378 Cf. TIPKE, K., Sobre a unidade da ordem jurídica tributária in Direito tributário:
estudos em homenagem a Brandão Machado, p. 69 379 Sobre o assunto. “O IPTU está sujeito ao princípio da capacidade contributiva, que é
aferida em função do próprio imóvel, vale dizer, sua dimensão, sua localização, se se trata de
imóvel de luxo, suas características, etc. O IPTU, além de dever obediência ao princípio da
capacidade contributiva —‘ser progressivo em função do valor do imóvel’, C.F., art. 156, § 1.°, 1
— terá ‘alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel’ (CF., art. 156, § 1.°,
II). Tem-se, então: a) PROGRESSIVIDADE FISCAL: art. 156, § 1.°, 1: o princípio revela-se no
inciso 1 do § 1.° do art. 156: deve ter alíquotas. progressivas em função do valor do imóvel; b)
PROGRESSIVIDADE EXTRA FISCAL: art. 156, § 1.°, II: deve ter alíquotas diferentes de acordo
com a localização e o uso do imóvel: neste caso, é necessária a edição do plano diretor do
Município que efetuará a ordenação da cidade: C.F., art. 182, § 1.° e 2.°.” Ag.Reg no Recurso
Extraordinário 394.010-4/ RS, Min. Carlos Velloso, julgado em 05.10.2004, Segunda Turma. DJ
28.10.2004.
126
A expressão “sempre que possível” pode gerar o entendimento de que a
aplicação da capacidade contributiva deve ser feita somente em alguns casos, e
conseqüentemente gerar a possibilidade de sua não aplicação em outros casos, já
que a Constituição não é minuciosa a respeito da extrafiscalidade dos tributos, ou
na maioria dos casos a trata de forma muito superficial, quando trata381.
Acolhendo em parte a idéia de Hamilton Dias de Souza, Hugo de Brito
Machado entende que a expressão sempre que possível aplica-se tão somente à
natureza do tributo, ou seja, ao caráter pessoal dos impostos, pois sempre quando
possível aqueles serão pessoais, o que não ocorre com todos, pois existem
impostos que são reais, como ocorre com o ICMS e o IPI382. Isso, no
entendimento do autor, não impede que a capacidade contributiva seja aplicada a
estes dois últimos impostos, sendo possível ao legislador estabelecer alíquotas
mais elevadas aos produtos que geralmente são adquiridos por pessoas com maior
capacidade contributiva383. Essa descrição de aplicação da capacidade contributiva
tem semelhança com a seletividade, que é obrigatória para o IPI, conforme art.
153, § 3.°, I, e é permitida ao ICMS (art. 155, § 2.°, III), ambos os artigos da
Constituição.
A previsão constitucional revela que quanto mais essencial o produto ou
serviço menor será a alíquota do tributo. Data vênia, discorda-se da posição de
que a seletividade decorra da capacidade contributiva, pois a essencialidade
380 “Tomando-se essas expressões sob o prisma parcial (um tributo e uma parcela da riqueza
do contribuinte), tem-se que a capacidade econômica está presente, desde que exista alguma
parcela de riqueza e a capacidade contributiva só estará presente quando a parcela da riqueza
tomada em consideração por um dado tributo for superior ao mínimo vital. Desse modo, em que
pese o artigo 145, parágrafo 1.° de nossa Carta Constitucional fazer menção a "capacidade
econômica", estando ele inserido no capítulo do Sistema Tributário, há de se entender essa
expressão como capacidade para pagar tributos, ou seja, capacidade contributiva.” Cf. LEMKE,
G., O princípio da capacidade contributiva e a tributação incidente sobre a receita bruta — uma
análise sob a perspectiva do conteúdo do princípio, do seu âmbito de aplicação e dos limites e
possibilidades de sua efetivação pelo poder judiciário, p. 47. 381 Um dos casos tratados no texto constitucional é a CIDE. 382 MACHADO, H. B., O princípio da capacidade contributiva in Capacidade
Contributiva — Caderno de pesquisas tributárias, v. 14, p. 124. 383 Ibid, p. 125 et. seq.
127
refere-se à dignidade humana, para a vida ou para a saúde do homem384, sendo de
fundamental importância para o suprimento das necessidades básicas humanas. Se
o alimento feijão se enquadra nos produtos essenciais, a alíquota daqueles tributos
sobre o item devem ser as mesmas, quer seja para o feijão de marca mais
consumida por uma classe abastada, quer seja para o feijão consumido por classe
menos abastada.
Outro entendimento aplicável à expressão “sempre que possível” é a de que
ela se aplica à capacidade contributiva, mas sobre o fato da dificuldade de se
apurar elementos objetivos nos impostos não pessoais. Dessa forma, a expressão
representa a tolerância sobre a aplicação da capacidade contributiva sobre todos os
impostos devido à subjetividade de alguns385.
Em entendimento ainda mais amplo, Marçal Justen Filho entende que a
capacidade contributiva deve ser aplicada em qualquer tributo, e não somente aos
impostos, como o texto constitucional restritivamente dispõe: “para que uma
hipótese de incidência seja tributária, deve estar presente o princípio da
capacidade contributiva386”.
Todas as posições adotadas pelos autores citados levam à conclusão de que
a capacidade contributiva deve ser aplicada a todos os impostos, quando não em
todos os tributos. Reputa-se o dever por parte do Poder Público tanto na
elaboração como na aplicação das normas a obrigatoriedade da observação do
Princípio da Igualdade. Contudo, há que ressaltar que em determinados casos a
capacidade contributiva não é o critério mais adequado como expressão da
igualdade no âmbito tributário.
Há momentos em que o critério de igualdade a ser utilizado deve ser outro,
sendo que a escolha depende do caso concreto. Há determinadas situações em que
a capacidade econômica do sujeito passivo pode não representar o melhor critério.
Um exemplo que poderia ser citado é a aplicação da igualdade nas situações em
que a tributação gera a desigualdade pela sua simples aplicação, como a compra
de veículo por ou para deficientes físicos.
384 ÁVILA, H., Sistema Constitucional Tributário, p. 380 et. seq. 385 HAMATI, C. M. M., Capacidade contributiva in Capacidade Contributiva — Caderno
de pesquisas tributárias, v. 14, p. 336. 386 JUSTEN FILHO, M., Sujeição passiva tributária, p. 242.
128
A lei que vier a isentar de tributos os veículos adquiridos por ou para
aqueles que possuem deficiência deve tomar por critério a aptidão física das
pessoas, benefício que deve ser concedido a todos os possuidores do problema,
independentemente de sua aptidão econômica387. Neste caso, a capacidade
contributiva não resolve o problema da igualdade porque não é o critério
adequado a ser aplicado, fundamentando no fato de que “a situação do deficiente é
de fato, de efetiva desigualdade, independendo da vontade ou dos méritos do
deficiente, e que o impede de ter normal inclusão social388”.
Há, ainda, determinados casos em que a capacidade contributiva não
somente deve ser afastada, mas não pode ser utilizada com vistas a manter a
igualdade. Assim o é porque a própria Constituição dispõe no artigo 150, II: Sem
prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:... II - instituir tratamento desigual
entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer
distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida,
independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos.
Esta disposição representa para Ives Gandra da Silva Martins a consagração do
princípio da equivalência, que, em seu entendimento, expressa o seguinte:
Equivalente é um vocábulo de densidade ôntica mais abrangente do que "igual". A igualdade exige absoluta consonância em todas as partes, o que não é da estrutura do princípio da equivalência. Situações iguais na eqüipolência, mas diferentes na forma, não podem ser tratadas diversamente. A equivalência estende à similitude de situações a necessidade de tratamento igual pela política impositiva, afastando a tese de que os desiguais devem ser tratados, necessariamente, de forma desigual. Os desiguais, em situação de aproximação, devem ser tratados, pelo princípio da equivalência, de forma igual em matéria tributária, visto que a igualdade absoluta, na equivalência não existe, mas apenas a igualdade na equiparação de elementos (peso, valor etc.)389.
387 A lei 8.989/95 isenta o IPI de veículos com as especificações na lei quando adquiridos
por pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas,
diretamente ou por intermédio de seu representante legal. 388 FERRAZ, R. C. B., Igualdade na tributação — qual o critério que legitima
discriminações em matéria fiscal? in Princípios e limites da tributação, p. 506. 389 MARTINS, I. G. S., Obrigações acessórias tributárias e a disciplina jurídica da
concorrência in Princípios e limites da tributação, p. 677.
129
Existem casos em que a capacidade contributiva não é levada em
consideração não porque o critério é outro, mas porque simplesmente a igualdade
prevê que a incidência de um tributo se dê da mesma forma para dois sujeitos
passivos simplesmente porque eles estão em situações equivalentes.
Indicativa, mas não exaustivamente, a Constituição prevê que não pode
haver tratamento tributário diferenciado quando os critérios da discriminação
forem em razão do tipo de profissão ou função exercida pelo contribuinte.
O que se observa é que a igualdade é parâmetro para o Sistema Tributário
Nacional, e sua observação e aplicação é imposta pela Constituição em todos os
casos, não podendo ser suprimida por qualquer decisão política, econômica ou
qualquer outro tipo de decisão, mesmo que seja imposta por jurídica
infraconstitucional, pois, assim sendo, a norma seria inconstitucional. Se não
atendida esta observância, então haveria a constatação de um arbítrio por parte do
Estado, que é defendido por alguns, mas tal proposta não pode prosperar, ainda
mais em um Estado de Direito onde um dos pilares da justiça é a igualdade390.
Sobre a capacidade contributiva, esta representa um critério da igualdade no
âmbito tributário, não que seja absoluto, pois algumas vezes a igualdade deve ser
expressa por outros critérios. O fato é que a relação entre a igualdade e a
extrafiscalidade é de exclusão, sendo que o tributo para adotar a forma extrafiscal
deve atender à igualdade391, quer seja exteriorizada pela capacidade contributiva,
quer seja por outro critério.
5.2. Igualdade, liberdade e livre concorrência
A relação concorrencial pode sofrer intervenções do Estado por meio da
tributação. Tais intervenções, quando não atendem à liberdade ou à igualdade,
geram um desequilíbrio na relação, o que certamente suscita um desrespeito à
livre concorrência.
390 Cf. TIPKE, K., Sobre a unidade da ordem jurídica tributária in Direito tributário:
estudos em homenagem a Brandão Machado, p. 69. 391 O que não é diferente quando ao tributo é dada finalidade fiscal.
130
Quando o Estado, por intermédio da tributação, restringe o ingresso de
alguém na concorrência, há o desatendimento inicialmente da liberdade;
entretanto, a liberdade e a igualdade têm ligação estreita.
Supondo a existência de alguns concorrentes atuando em determinada
atividade econômica, e que para ingressar em tal atividade é necessário
pagamento de taxa em virtude de poder de polícia, conforme o parágrafo único do
artigo 170 da Constituição, a partir de uma data qualquer, sem qualquer razão
aparente, o Poder Público resolve aumentar o valor da taxa de forma que se torna
inviável o ingresso de qualquer novo concorrente na atividade392. Isso claramente
atinge a liberdade, o que não é permitido pelo artigo citado, sendo patente o
desatendimento à livre concorrência.
No mesmo caso, se o valor da taxa for aumentado não de forma a impedir o
ingresso de todos, mas apenas dos que possuem menor capacidade econômica,
além da liberdade se restringirá também a igualdade, pois aqueles que
demonstrem maior poder aquisitivo vão poder ingressar na concorrência, já os
outros, não.
Explica-se:, se a taxa em virtude do poder de polícia para ingressar na
atividade for de R$ 10.000,00 inicialmente e passar para R$ 10.000.000,00,
retirando qualquer expectativa de lucro na consecução da atividade, o Poder
Público estará inviabilizando economicamente o exercício da atividade; assim, o
Estado estará impedindo o ingresso de novos competidores no mercado, o que
desatende a liberdade. Mas, por outro lado, se a taxa que era de R$ 10.000,00
passar para R$ 100.000,00, então é possível que não se retire a expectativa de
lucro, mas apenas restrinja o ingresso de novos concorrentes que não demonstrem
capacidade econômica de forma a poder arcar com os gastos da imposição.
392 Atualmente, é difícil imaginar que haja um valor tão grande que impeça o ingresso de
pelo menos um novo concorrente, devido ao fato da existência de tão grandes grupos empresariais,
cujo poder econômico é maior que o de muitos pequenos países. Mas no caso em questão, a
inviabilidade que se demonstra é a econômica de obter lucro, ou obtê-lo após um longo tempo, não
que se defenda qualquer tipo de direito ao lucro, entretanto a iniciativa privada, quando na
consecução de atividades econômicas costumeiramente busca o lucro. Desta forma a taxa serviria
para desestimular até os maiores investidores, que podem investir economicamente e não receber
qualquer.
131
Essa aproximação entre igualdade e liberdade não se dá somente com o
ingresso na atividade econômica, mas após esse primeiro momento — na
continuidade da relação concorrencial. Quando o Estado beneficia um dos
concorrentes, diminuindo a carga tributária sobre ele porém mantendo-a sobre os
outros, não apenas a igualdade é desatendida, mas, dependendo do caso, a
liberdade também. Se a carga tributária for de forma a inviabilizar a continuidade
da atividade por parte dos concorrentes, menos daquele ou daqueles que estão
sendo beneficiados, os primeiros podem estar sendo obrigados a deixar de atuar
naquela atividade, atingindo não somente a equiparação na consecução da
atividade, mas a liberdade de se manter nela tendo em vista efeitos econômicos
adversos criados pelo Poder Público.
Este é um dos motivos pelos quais a neutralidade dos tributos tem sua
importância, porque mantém o equilíbrio entre os concorrentes e lhes dá
liberdade, o que certamente gerará efeitos benéficos para a economia. Ressalta-se:
não que com isso não se entenda que o Estado não possa intervir no domínio
econômico por meio da tributação, mas, ao fazê-lo, deve observar a livre
concorrência, bem como a igualdade e a liberdade, assim como todas as outras
limitações ao poder de tributar.
5.3. O artigo 146-A da Constituição
A Emenda Constitucional n.º 42 de 2003 inseriu na Constituição o artigo
146-A, cuja redação dispõe que Lei complementar poderá estabelecer critérios
especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da
concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer
normas de igual objetivo.
Sobre esse dispositivo, surgem algumas questões ainda pouco debatidas pela
doutrina, primeiramente pelo fato de a inserção do artigo ser recente, e depois
porque pouco se tem estudado, do que se deveria, sobre a relação entre a
concorrência e a tributação.
A primeira questão que surge é se é possível lei complementar estabelecer
tais tipos de limitações às pessoas políticas. Roque Antonio Carrazza entende que
o artigo inserido pela Emenda 42 é inconstitucional, na medida em que estaria
132
desrespeitando a delimitação de competências imposta pela Constituição, assim
não seria possível à União interferir em como as pessoas políticas vão tributar por
meio de lei complementar393.
A despeito de se concordar com a afirmação de que não cabe lei
complementar alterar a competência das pessoas políticas, entende-se que a
interpretação dada deve ser outra, de que a lei complementar do artigo 146-A
refere-se à disposição de normas gerais em matéria de direito tributário e
econômico, conforme artigo 24, I, § 1.º da Constituição394 e não normas
específicas sobre tributação.
Outra questão que surge é se a edição dessa lei seria uma faculdade ou um
dever. Antes de continuar, é importante salientar que independente da existência
do artigo 146-A, a Constituição já previa a impossibilidade de a tributação gerar
desequilíbrios na concorrência395, quer fosse por prevenção ou efetivamente com a
anulação do ato administrativo que gerasse o efeito indesejado.
Sobre ser faculdade ou dever ao Poder Público emanar tal lei, entende-se
que se trata de um dever396, já que a lei complementar estaria disciplinando
fundamentos que a Constituição estabelece para a sociedade brasileira.
Há, ainda, de se comentar que nada impede que a União estabeleça normas
de igual objetivo, conforme parte final do artigo inserido pela Emenda 42. A
diferença a ser feita aqui trata do âmbito de atuação, a lei complementar atua com
a edição de normas gerais para toda a federação, mas não pode invadir a
competência de nenhuma das pessoas políticas impondo regras específicas. Por
outro lado, a lei federal, além de poder dispor sobre princípios gerais397 aos
393 CARRAZZA, R. A., Curso de direito constitucional tributário, p. 98. Nota de rodapé 61
do capítulo II. 394 Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente
sobre: I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;... § 1.º - No âmbito
da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. 395 Cf. MARTINS, I. G. S., Descompetitividade empresarial e lei tributária in Grandes
questões atuais do direito tributário, v. 9, p. 290. 396 Cf. Ibid., p. 294. 397 Cf. MARTINS, I. G. S., Descompetitividade empresarial e lei tributária in Grandes
questões atuais do direito tributário, v. 9, p. 290.
133
Estados, Distrito Federal e Municípios, com fundamento no art. 173, § 4.º, dispõe
sobre a atuação específica da União.
Por fim, há de se lembrar que dois dos princípios mais importantes visando
ao equilíbrio da concorrência na elaboração da lei complementar em questão
deverão ser a igualdade e a liberdade.
134
6 Conclusão
O conceito de concorrência, relativamente às atividades econômicas, tem
seu fundamento na disputa entre os concorrentes e adquire nova definição com a
expectativa de liberdade para o exercício daquelas atividades.
Com seu desenvolvimento e pelo fato de emanar efeitos para a sociedade em
geral em diversos outros âmbitos que não somente entre os concorrentes — tais
como tributários, sociais, para os consumidores, etc. —, a concorrência inserida
no processo econômico como um dos itens mais importantes deste passa a ser um
instrumento de grande importância para a manutenção das políticas públicas
buscadas pelos governantes.
A atuação do Estado na economia tem-se dado hora de forma mais
participativa, algumas vezes, inclusive, exercendo-a de forma privativa, e em
outros momentos com participação reduzida ou quase que nenhuma.
Com a participação na economia, o Estado também passa a intervir na
concorrência, pois, além de ser importante para o desenvolvimento econômico, a
concorrência também expressa o grau de direitos e garantias concedidos pelo
Poder Público aos particulares.
No Brasil, o legislador constitucional originário escolheu que as atividades
econômicas seriam exercidas pelos particulares e os serviços públicos pelo poder
público, sendo estabelecido que a participação direta do Estado na economia seria
de forma excepcional.
Indiretamente, o texto constitucional também permite a participação do
Estado nas atividades econômicas, mas de forma indicativa398. Tais expressões
adotadas no texto da Constituição para designar a atuação do Estado no domínio
econômico sob a ótica da Ciência do Direito são inseridas na seguinte
398 Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado
exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este
determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
135
classificação: intervenção por absorção ou participação, intervenção por direção
e intervenção por indução399.
Como se trata do âmbito econômico, o objeto de atuação do Estado, um dos
instrumentos mais eficazes para a intervenção é a tributação, pois, além de possuir
em seu cerne a pecúnia como elemento essencial, também se refere à arrecadação
de riquezas dos particulares por parte do Poder Público, o que conseqüentemente
gera influência nas atividades daqueles.
Além do aumento e instituição dos tributos, o Estado utiliza outros meios,
também inseridos na tributação, que constituem instrumentos tão eficazes quanto
o primeiro, tais como isenções tributárias, obrigações acessórias, etc.
Ocorre que a tributação como forma de atuação do Estado está pautada em
limites estabelecidos inicialmente pela Constituição e depois pelas leis
infraconstitucionais, sendo vedado ao Poder Público a livre utilização da
tributação para afetar a economia da forma como o governo que estiver gerindo a
máquina pública naquele momento queira, incluído nessas situações o dirigismo
fiscal como praticado no pós-guerra.
Ademais das limitações impostas pela parte da Constituição que se refere ao
Sistema Tributário Nacional400, há outras inseridas também em âmbito
constitucional, até mesmo porque o ordenamento jurídico deve ser observado em
unidade, respeitada a hierarquia da Constituição.
A Livre Concorrência, tratada pela Constituição como Princípio, traz em sua
essência a expressão de dois outros Princípios que, apesar de serem conhecidos
pela sua abrangência e importância, têm sua aplicação direcionada para a Ordem
Econômica, quais sejam a Liberdade e a Igualdade.
Os dois princípios representam duas faces da mesma moeda. Ainda que haja
autores que pretendem separar a Livre Concorrência da Livre Iniciativa, eles (os
Princípios) expressam basicamente as mesmas coisas, só que com enfoques
diferenciados. O primeiro coloca o enfoque na continuidade da relação
concorrencial, ou seja, em uma relação de igualdade entre os concorrentes para
que se mantenham na disputa. Já a Livre Iniciativa tem, inicialmente, seu
399 Cf. GRAU, E. R., A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica,
p. 148 et. seq. 400 Dos artigos 145 à 162 da Constituição.
136
direcionamento para a liberdade de ingresso nas atividades econômicas.
Entretanto, ambas — a Livre Concorrência e a Livre Iniciativa — requerem em
sua plenitude tanto a liberdade para ingressar nas atividades econômicas e iniciar
a concorrência como a manutenção dela. Assim, ambos os Princípios se
complementam, sendo difícil divisá-los. E os dois também expressam tanto a
Liberdade como a Igualdade.
A Liberdade e a Igualdade providenciam segurança aos concorrentes, que
vêem em seu atendimento não apenas o fato de o Estado não desrespeitá-los em
sua atuação, mas também em sua omissão. Assim, a norma impõe que não basta
ao Poder Público a observância da Liberdade e da Igualdade quando intervenha na
economia, mas que também não permita que o mercado por si só produza efeitos
contrários a esses Princípios.
Porém o que se observa é que nem sempre o Poder Público atende às
limitações impostas pela Constituição. É o que ocorre, por exemplo, com o caso
da Lei 9.718/98, que permitiu a compensação de parte da COFINS com a CSLL
pelas pessoas jurídicas, gerando efeitos reais de que a pessoa jurídica que
obtivesse lucro pagaria proporcionalmente menos tributo do que aquele que
obtivesse prejuízo401.
É o que ocorre também com a Lei 10.182/01, que prevê redução de alíquota
sobre o imposto de importação somente para as montadoras e os fabricantes de
diversos veículos automotores.
Nos dois casos é possível perceber que há favorecimento para determinadas
pessoas que apresentam características específicas previstas no texto legal, e que a
essas pessoas foi concedido um privilégio que pode gerar desequilíbrio na
concorrência, por meio do desrespeito à igualdade.
A principal questão da Igualdade é o critério de escolha para a
diferenciação, sendo que na tributação a Constituição estabelece a capacidade
contributiva, que a despeito de dever ser o mais utilizado não necessariamente
será o único, como ocorre com a isenção de tributos para aquisição de veículos
por deficientes físicos.
401 Cf. FERRAZ, R. C. B., Igualdade na tributação – qual o critério que legitima
discriminações em matéria fiscal? in Princípios e limites da tributação, p. 461 et. seq.
137
Além da capacidade contributiva, a Constituição prevê outras formas ou
critérios de atendimento à Igualdade, como é o caso do artigo 150, II, da
Constituição, que prevê que é vedado às pessoas políticas instituir tratamento
desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida
qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles
exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou
direitos...
A Liberdade em sentido semelhante também produz efeitos para a
concorrência. Um exemplo de limitação à Liberdade é a instituição de taxas para o
ingresso em determinadas atividades. Não sendo permitido ao Poder Público vetar
o ingresso de qualquer pessoa a qualquer atividade econômica, salvo nos casos de
autorização ligada ao interesse público, como saúde, segurança, etc., pode o
Estado cobrar taxa como as de liberação de alvará, licença ambiental, etc. É o que
pode ocorrer com o recolhimento da taxa processual dos processos do CADE,
cujo valor é de R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais); tal valor pode
representar para alguns impedimento na participação daqueles processos. Apesar
de ser caso exemplificativo, cumpre expressar que, se for cobrada uma taxa dessa
proporção para se aprovar determinado medicamento criado por pequena empresa,
a atividade de comercialização pode se tornar inviável ou até mesmo inacessível,
pois os pequenos empresários podem não ter a possibilidade de arcar com tais
ônus econômicos.
Conclui-se, assim, que o Estado pode e deve intervir na economia,
entretanto deverá fazê-lo dentro de certas limitações, não atuar livremente
conforme a vontade do governante. Tais limites são impostos pelos diversos
princípios e normas constitucionais, sendo que, em relação à intervenção na
concorrência, o Poder Público sofre a imposição de além da legalidade, natureza
jurídica dos tributos, e demais limitações constantes nos artigos 145 a 162, e leis
infraconstitucionais que tratam de matéria tributária também da Livre
Concorrência, que possui como expressão a liberdade de ingressar em uma
atividade econômica sem que o Estado impeça, e a igualdade de ser tratado por
parte do Estado da mesma forma que seu concorrente, recebendo os mesmo
privilégios e ônus da tributação.
138
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