2. Presidente Dr. Edmundo Pozes da Silva Conselho Editorial
Dra. Helena Maria de M. Gomes Dr. Nestor Adolfo Eckert Dra. Suzana
Sedrez Coordenador Executivo Dr. Nestor Adolfo Eckert Copyright
2003 by Edibes Editora 1 EdioTodos os direitos reservados: proibida
a reproduo total ouparcial de qualquer forma ou por qualquer meio.
A violao dos direitos do autor (Lei n 9.610/98) crime estebelecido
pelo artigo 184 do Cdigo Penal. S255s A sade em debate na educao
fsica / Marcos Bagrichevsky, Alexandre Palma e Adriana Estevo
(orgs.). Blumenau(SC) : Edibes, 2003. 191p. ISBN: 85-88929-03-1
Vrios autores. Inclui bibliografia. 1. Atividades fsicas - Sade. 2.
Educao fsica Promoo da sade. 3. Sade - Aptido fsica. I.
Bagrichevsky, Marcos. II. Palma, Alexandre. III. Estevo, Adriana.
CDD 21. ed. - 613.71Elaborada por Roslia Maria Senger - CRB 14/628
Contatos para Aquisio do Livro E-Mail:
[email protected]
3.
SumrioApresentao..............................................................................7Sobre
os
autores..........................................................11Artigo
1 - Consideraes tericas acerca das questesrelacionadas promoo da
sade Alexandre Palma; AdrianaEstevo; Marcos
Bagrichevsky...........................................15Artigo 2 -
Anlise sobre os limites da inferncia causal nocontexto
investigativo sobre exerccio fsico e sade Alexandre Palma; Marcos
Bagrichevsky;
AdrianaEstevo.....................................................................33Artigo
3 - Desigualdade Social e Atividade Fsica
WilliamWaissmann......................................................................................53Artigo
4 - Quem vive mais morre menos? estilo de riscos epromoo de sade
Luis David Castiel...........................79Artigo 5 - Qualidade
de vida, corpos aprisionados
SaleteOliveira............................................................................................99Artigo
6 - A sade como objeto de reflexo filosfica
SandraCaponi................................................................................115Artigo
7 - Educao fsica escolar como via de educaopara a sade Fabiano
Pries Devide ...............................137Artigo 8 - Eqidade
de gnero e sade: desafio dos novostempos sociais Ludmila Mouro;
Ctia Duarte...............151Artigo 9 - Exerccio fsico e sade: da
crtica prudente Carlos Magallanes
Mira..................................................169
4. Apresentao Coube-nos a tarefa inaugural, na qualidade
deorganizadores do livro que ora se apresenta e tambm demembros do
Grupo de Trabalho Temtico Sade (GTT1) doColgio Brasileiro de
Cincias do Esporte (CBCE), de tentaranunciar a relevncia e o
significado da produo de tal obra,sobretudo para o universo que
circunscreve a rea que seconvencionou chamar de Educao Fsica.
imprescindveldeixar claro que a viabilizao desse projeto no fruto
apenasda juno de diferentes ensaios apresentados pelos
autoresconvidados. Nessa apresentao, julgamos fundamental resgataro
percurso trilhado em nossos dois anos de atividade noGTT1, pois ao
relatar: a) os objetivos iniciais que nos 7mobilizaram nessa
empreitada; b) os pressupostos eproblematizaes que conferiram
fundamento s nossas aes;c) as realizaes e os produtos gerados a
partir de nossasintervenes; acabamos discorrendo para o leitor os
motivospelos quais nos empenhamos para a concretizao do livroem
questo. Na verdade, o conjunto desses escritos intitulado Asade em
debate na educao fsica, referenda um ciclo deesforos coletivos
articulados no perodo 2001/2003, no qualestivemos frente dessa
instncia institucional, buscando pormeio de diversas estratgias 1,
ampliar as possibilidadesterico-metodolgicas de se investigar,
analisar, discutir einterpretar os fenmenos subjacentes ao tema
sade,particularmente, no mbito da Educao Fsica. Tambmambicionamos
dar flego a um frum permanente dediscusses no pas, em torno de
nosso objeto central, tentando1 Em 2002, tambm foi produzido o I
CICLO DE CONFERNCIAS A sade em debate na educaofsica; em 2003 foi
produzida e distribuda (inicialmente) para 15 estados brasileiros a
COLEO DEVDEOS A sade em debate na educao fsica (essa ltima,
composta pelas quatro conferncias doevento + a mesa redonda Educao
fsica e sade: releitura e perspectivas, apresentada no XII
Conbrace/2001 pelos profs. Alexandre Palma e Yara Carvalho)
5. desvelar, nessa perspectiva, suas imbricaes com a rea. A
presente coletnea de artigos pretende explorar a riqueza dos
diferentes campos do saber (sade coletiva, sociologia,
antropologia, filosofia, biologia, cincias polticas, etc.), os
quais, em nossa opinio, deveriam permear mais visceralmente, as
anlises sobre sade e doena e, ficar menos margem nas investigaes
desenvolvidas na Educao Fsica. Tentamos, com isso,
propiciar/estimular novos olhares, de percepo mais crtica e
abrangente em futuras pesquisas a serem realizadas em torno dessa
temtica. Na persecuo de tais objetivos, tambm reconhecemos a
necessidade de demarcar nosso posicionamento ideolgico, em relao ao
status de boa parte da produo do conhecimento acerca da sade, que
tem se desenvolvido no interior dessa rea cientfica, visto que a
perspectiva por ns desejada, parece se apresentar, de certo modo,
como um contraponto viso hegemnica, advinda de correntes mais
conservadoras da Educao Fsica. Nessa perspectiva, no admitimos como
eixo norteador da discusso, apenas o vis biolgico da atividade
fsica. Como j foi dito8 anteriormente, vislumbramos considerar,
tambm, as contribuies que outras interfaces do conhecimento
(diferentes do saber biomdico) podem nos oferecer para a compreenso
da problemtica complexa pertinentes ao tema. Nos parece que,
particularmente, em congressos, livros e peridicos cientficos da
Educao Fsica, a abordagem predominante da sade tem sido
privilegiada com uma viso que tem buscado/explorado muito mais os
aspectos fisiolgicos relacionados a esse objeto, em detrimento de
outros enfoques. A relao que predomina nessa tendncia hegemnica a
da atividade fsica e sade, a qual vem sendo incessantemente
explorada como fenmeno de causa e efeito, ou seja, a sade entendida
como conseqncia, quase exclusiva, de uma atividade fsica regular, o
que parece implicar na compreenso que no leva em conta outros
fatores contextuais, aos quais as pessoas esto submetidas
(distribuio de renda, condies de moradia e alimentao,
disponibilidade de tempo, interesse, prazer, acesso ao servios de
sade...). O debate sobre a necessidade de se buscar interpretaes
diferenciadas em estudos sobre sade na
6. Educao Fsica, alm das j tradicionais anlises
biolgicas,comeou a se delinear no XII Congresso Brasileiro de
Cinciasdo Esporte, promovido pelo CBCE em outubro de 2001.
Naocasio, a atual comisso cientfica do GTT1-Sade foi formadae traou
um plano geral para percorrer esse caminho. Em realidade, a
organizao embrionria dessacoletnea, comeou a ser pensada a partir
da realizao do ICiclo de Conferncias A Sade em debate na Educao
Fsica,que aconteceu nos meses de outubro e novembro de 2002,sob a
chancela do prprio CBCE e com apoio da UniversidadeEstadual de
Campinas (UNICAMP), da Universidade de SoPaulo (USP) e da
Universidade Gama Filho (UGF). No evento, quatro conferncias foram
realizadas nototal. Pesquisadores ilustres, oriundos de diferentes
reas,brindaram os profissionais da Educao Fsica com suas idias.O
intuito do referido empreendimento foi disponibilizar aesses
profissionais, as mais recentes discusses presentes nocampo da sade
coletiva, sade pblica e cincias sociais e,difundir as reflexes e
posies tericas essenciais compreenso da sade. Esperava-se, desse
modo, contribuir 9para subsidiar polticas e intervenes que fossem
capazes demelhorar a situao da sade da populao brasileira
e,principalmente, para refletir criticamente, sobre o que vemsendo
produzido no espao acadmico, bem como, sobre asparcas intervenes
pblicas no setor. Na conferncia de abertura, o Professor
DoutorGasto Wagner de Campos, da Sade Coletiva da UNICAMP
,discorreu sobre Polticas Pblicas de Sade, demarcandocomo o campo
da sade pode ser rico para o pensar e ofazer do educador fsico e
para o coletivo e o pblico, emdetrimento do individual e do
privado. Na segunda apresentao, Luis David Castiel,Professor Doutor
da Escola Nacional de Sade Pblica daFundao Oswaldo Cruz
(ENSP/FIOCRUZ), trouxe tona,o tema A medida do possvel: risco e
sade. O debateincorporou uma rigorosa reflexo acerca dos
problemascentrais da epidemiologia contempornea, tais como
arelativizao da idia de risco e sua suposta neutralidade. O
Professor Doutor Edson Passetti, das CinciasSociais da Pontifcia
Universidade Catlica de So Paulo (PUC/SP), na conferncia seguinte,
abordou o tema Poltica e
7. Sade, pontuando sobre outros modos de pensar e viver a sade
para alm daquela freqentemente vinculada com a cura de doenas. A
ltima das quatro apresentaes que compuseram o evento foi proferida
pelo Professor Doutor William Waissmann, tambm da ENSP/FIOCRUZ. Com
a temtica central intitulada Desigualdade social e atividade fsica,
o professor versou sobre o panorama atual das desigualdades sociais
e biolgicas e buscou analisar as questes relativas promoo da sade
dentro desse contexto. Na presente coletnea teremos, novamente, a
rica possibilidade de nos deparar com as idias de dois desses
pesquisadores. No entanto, tambm foram reunidos outros nomes
importantes, que tm procurado desenvolver estudos a partir de
enfoques mais abrangentes e diferenciados. Os artigos inditos aqui
reunidos, recortam ento, um universo ainda pouco explorado na
Educao Fsica. Esperamos que o livro, pela qualidade dos autores
convidados e pela consistncia de seus ensaios, consiga alcanar os
objetivos primrios e provoque uma reflexo constante nos estudantes,
professores,10 pesquisadores e interessados na temtica da sade e
suas mltiplas interfaces. Marcos Bagrichevsky Alexandre Palma
Adriana Estevo2 2 Membros da Comisso Cientfica do GTT1"Sade/CBCE,
na gesto 2001-2003; E-mail para contato:
[email protected]
8. Sobre os autoresADRIANA ESTEVODoutoranda pelo Programa de
Ps-Graduao em CinciasSociais da PUC/SP;Mestre em Educao
(FURB/SC);Professora do Departamento de Educao Fsica da
FURB/SC;ALEXANDRE PALMADoutor em Sade Pblica (ENSP/FIOCRUZ/RJ);
Mestreem Educao Fsica (UGF/RJ);Professor dos Cursos de Educao Fsica
das UniversidadesGama Filho e Estcio de S/RJ;Coordenador do Salus
(Grupo de Pesquisa em EducaoFsica e Sade - Universidade Gama Filho)
11CARLOS MAGALLANES MIRAPs-doutor pela Ball State University (EUA)
e University ofNorth Carolina (EUA);Doutor e Mestre em Educao Fsica
(UGF/RJ);Diretor e Docente do Instituto Universitario
AsociacinCristiana de Jvenes (IUACJ), Montevidu, UruguaiCTIA
DUARTEMestranda em Educao Fsica (UGF/RJ);Integrante do Laboratrio
do Imaginrio e dasRepresentaes Sociais da Educao Fsica, Esporte e
Lazer(LIRES) e do Grupo de Estudos de Gnero, EducaoFsica, Sade e
Sociedade (GEFS),da Ps-graduao em Educao Fsica da UniversidadeGama
Filho.
9. FABIANO PRIES DEVIDE Doutor em Educao Fsica (UGF/RJ); Mestre
em Educao Fsica (UGF/RJ); Professor das redes pblicas de ensino do
Estado (RJ) e do Municpio de Terespolis/RJ; Professor do Curso de
Educao Fsica da Universidade Estcio de S/RJ LUDMILA MOURO Doutora e
Mestre em Educao Fsica (UGF/RJ) Professora da Graduao e Ps-graduao
da UGF/RJ; Pesquisadora do Laboratrio do Imaginrio e das
Representaes Sociais da Educao Fsica, Esporte e Lazer (LIRES);
Coordenadora do Grupo de Estudos Gnero, Educao Fsica, Sade e
Sociedade (GEFS), da Ps-graduao em Educao Fsica da Universidade
Gama Filho. LUIS DAVID CASTIEL Doutor em Sade Pblica
(ENSP/FIOCRUZ/RJ)12 Professor Ps-graduao e Pesquisador da Escola
Nacional de Sade Pblica (ENSP/FIOCRUZ/RJ) MARCOS BAGRICHEVSKY
Doutorando no Programa de Ps-Graduao Sade da Criana e do
Adolescente (CIPED/FCM/UNICAMP); Mestre em Educao Fsica (UNICAMP);
Professor do Curso de Graduao em Educao Fsica e Pesquisador da
UNICASTELO/SP (Coordenador do Grupo de Pesquisa Teoria e
Metodologia do Treinamento Contra- Resistido) SALETE OLIVEIRA
Doutora em Cincias Sociais (PUC/SP); Pesquisadora no Nu-Sol (Ncleo
de Sociabilidade Libertria do Programa de estudos Ps-Graduados em
Cincias Sociais da PUC-SP); Professora na Faculdade Santa
Marcelina/SP
10. SANDRA CAPONIDoutora em Lgica e Filosofia da Cincia
(UNICAMP).Professora Adjunta do Departamento de Sade Pblica
daUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC);Pesquisadora de
CNPqWILLIAM WAISSMANNDoutor em Sade Pblica
(ENSP/FIOCRUZ/RJ)Professor Ps-graduao e Pesquisador da Escola
Nacionalde Sade Pblica (ENSP/FIOCRUZ/RJ) 13
11. CONSIDERAES TERICAS ACERCA DAS QUESTES RELACIONADAS PROMOO
DA SADE Alexandre Palma; Adriana Estevo; Marcos Bagrichevsky11.
SOBRE A SADE Por certo tal fenmeno tem se constitudo comoum dos
mais relevantes aspectos da vida humana. Diminuiras taxas de
mortalidade infantil, aumentar a expectativa devida, transpor as
barreiras das doenas incurveis, vencer odesafio da qualidade de
vida, tudo isto e muito mais, temfeito parte da incansvel vontade
de se melhorar a sade.Mas, de fato, o que sade? Embora possa, a
priori, parecer um pergunta tola ou 15mesmo sem propsito, essa ,
com certeza, uma questocrucial e por dois bons motivos (que esto
imbricados):primeiro, porque a resposta indica posies marcantes
arespeito da compreenso do fenmeno e, conseqentemente,da tomada de
decises. Segundo, porque permite pensar oslimites do conceito em
relao realidade. Dentro dessa perspectiva, o primeiro motivo
rompecom o processo de naturalizao que acompanha oentendimento do
que sade. De acordo com Czeresnia(1999), a sade pblica foi formada
em articulao com amedicina e essa a partir da efetiva utilizao do
conhecimentocientfico e, mais especificamente, das cincias
positivas. Assim,o discurso cientfico adotado pelas prticas mdicas
ou desade foram circunscritos por conceitos objetivos, no desade,
mas de doena (Czeresnia, 1999; Coelho & AlmeidaFilho, 2002). O
conceito de doena, por sua vez, foi construdoa partir de uma reduo
do corpo humano, considerando osaspectos morfolgicos e funcionais
definidos pela anatomia e1 Membros da Comisso Cientfica do
GTT1"Sade/CBCE, na gesto 2001-2003
12. fisiologia. nesse sentido, que surge uma primeira crena de
que sade pode ser expressada como ausncia de doenas. Embora, seja
possvel aceitar que as descobertas anatmicas e fisiolgicas tenham
ocorrido muito antes do positivismo, importante lembrar que a
cincia experimental teve um grande desenvolvimento durante os
sculos XVII e XVIII na Inglaterra, possivelmente, devido sua
interao com uma filosofia de carter empirista. William Harvey,
considerado o pai da fisiologia e que descreveu o sistema
circulatrio, e Isaac Newton, o fsico mais importante da poca
moderna, so alguns dos nomes que ilustram bem o desenvolvimento de
tal poca. O empirismo, por sua vez, influenciou o positivismo de
Augusto Comte, no sculo XIX e o neopositivismo lgico do Crculo de
Viena, no sculo XX (Marcondes, 2000). Considerando essa dimenso, os
estudiosos, depois de Harvey, comearam a se ocupar dos problemas de
anatomia e fisiologia considerando as questes de mecnica, fsica,
qumica, etc. (Singer, 1996). De fato, existem poucas discusses a
respeito do conceito de sade e uma dificuldade em abord-la de
forma16 a considerar os diferentes vises que abarca. Para Coelho
& Almeida Filho (2002), o fato no ocorre por acaso. Se por um
lado a carncia de estudos relevante para tal posio, por outro, a
pobreza conceitual pode advir da influncia da indstria farmacutica
e da cultura da doena. Os interesses que as regem indicam ser
vantajoso estabelecer o ditame de que sade s pode ser obtida com a
ausncia de doenas. Um dos principais autores, na epistemologia
mdica, que debruou sobre a questo conceitual foi Georges
Canguilhem. Seguindo seus ensinamentos (Canguilhem, 1995), a sade
uma margem de tolerncia s infidelidades do meio (p.159). Como o
meio social comporta acontecimentos e instituies precrias, essa
infidelidade exatamente sua histria, seu devir. Assim, sade poderia
se caracterizar por ser a possibilidade de agir e reagir, de
adoecer e se recuperar. A doena, ao contrrio, consistiria na reduo
da margem de tolerncia s infidelidades do meio (p.160). Contudo, a
doena no uma variao da dimenso de sade; ela uma nova dimenso de
vida. (...) A doena ao mesmo tempo privao e reformulao (p.149). Alm
disso, este importante autor destaca as imprecises da distino entre
o normal e o patolgico. Apesar
13. da normalidade ser uma atribuio fundamentada nas
anlisesestatsticas, impreciso distinguir o ponto em que comea
adoena. E, ressalta, que essa tarefa torna-se menosproblemtica
quando se trata de uma norma individual, isto, quando o prprio
indivduo que tomado como pontode referncia2. Outro aspecto
relevante, diz respeito fabricaoda doena. Vrios estudos apontam,
hoje, para o processode medicalizao que, mesmo sendo capaz de
ajudar ospacientes, tambm cria novos mercados para as drogas, oque
nos leva a pensar e discutir o papel das industriasfarmacuticas na
definio de novas desordens orgnicas(Moynihan, 2003; Moynihan et al,
2002; Coyle, 2002; Pignarre,1999; e, Lefvre, 1991). Segundo
Moynihan (2003), a criaoda doena patrocinada pelas corporaes
farmacuticas no uma novidade: o mais recente e claro episdio a
esterespeito trata da fabricao da disfuno sexual feminina.
Odesenvolvimento e definio de novas categorias de doenas,de fato,
envolve um mercado de bilhes de dlares. De acordo com Moynihan
(2003), desde o lanamento 17do sildenafil (Viagra) em 1998, mais de
17 milhes de homenstem recebido prescries escritas para seu uso no
tratamentoda disfuno ertil e a Pfizer, laboratrio fabricante da
droga,reportou um total de vendas de U$ 1,5 bilhes, em 2001.
Aconstruo, segundo o autor, de um mercado similar paradrogas de uso
entre as mulheres depende, no entanto, deuma clara definio do
diagnstico mdico, com caractersticasmensurveis para facilitar o
julgamento clnico. O mesmo pode ser questionado a respeito
dospadres de referncia para a presso arterial. Os valoresatuais,
aceitos como limiares da normalidade, podem passara ser
considerados elevados e valores mais baixos passariam aser
preconizados como limites normais. Embora, seja plausvelconcordar
que valores menores de presso arterial podemestar menos associados
com srios eventos cardiovasculares,2 Se o normal no tem a rigidez
de um determinativo para todos os indivduos da mesma espcie e sima
flexibilidade de uma norma que se transforma em sua relao com
condies individuais, claro que olimite entre o normal e o patolgico
torna-se impreciso. No entanto, isso no nos leva continuidade deum
normal e de um patolgico idnticos em essncia a uma relatividade da
sade e da doena bastanteconfusa para que se ignore onde termina a
sade e onde comea a doena. A fronteira entre o normal eo patolgico
imprecisa para diversos indivduos considerados simultaneamente, mas
perfeitamenteprecisa para um nico e mesmo indivduo considerado
sucessivamente. (...) O indivduo que avalia essatransformao porque
ele que sofre suas conseqncias, no prprio momento em que se sente
incapazde realizar as tarefas que a nova situao lhe impe.
(Canguilhem, 1995, p.145).
14. no se pode esquecer que a consensualizao sobre a diminuio
destes valores pode induzir ao uso sistemtico de drogas especficas.
Ora, obviamente esta padronizao do normal no feita sem interesses
corporativos. Lefvre (1991) lembra que a sade est sempre associada
a bens de consumo que objetivam promover a prpria sade. Os
medicamentos, os seguros-sade, os alimentos especiais, os exerccios
fsicos etc. O autor, ento, ressalta que a sade um produto venda no
mercado, atravs de suas mercadorias especficas. E a, numa sociedade
capitalista, baseada no mercado, a sade s poderia ter sentido
quando acoplada doena, morte, dor, ao desprazer, fraqueza, ou
feira. Para Lefvre, so as condies negativas que, nessa sociedade,
fazem a sade existir, uma vez que a lgica mercantilista a
contraposio de tudo que considerado negativo. Cabe ressaltar, aqui,
o significado da perspectiva biolgica fortemente presente na
compreenso do conceito sade. O medicamento, ou qualquer outra fonte
medicalizante de cura, s pode funcionar mediante o18 entendimento
de que h em curso uma determinao biolgica de causa e efeito. A
prpria noo de fatores de risco est atrelada a esta idia. Em tal
perspectiva, surgem anlises reducionistas, as quais, por fim, levam
ao de culpabilizao do indivduo frente ao aparecimento de doenas
que, em ltima instncia, poderiam ter sido evitadas, ou ainda,
naturalizao do processo de adoecimento. Burnley (1998) lembra que,
entre as teorias que buscam explicar as causas das doenas, a teoria
do estilo de vida, congruente com a ideologia dominante de sade,
sugere que a preveno uma responsabilidade pessoal, cujo foco de
interveno se dar sobre o controle dos fatores de risco individuais.
, por exemplo, muito comum encontrar estudos sobre promoo de sade
que veiculam a importncia de se focar as escolhas e
responsabilidades pessoais (Powell et alii, 1991). Outra noo
bastante presente na compreenso da sade a de bem-estar. A prpria
conceituao de sade oferecida pela Organizao Mundial de Sade (OMS)
utiliza a expresso e enuncia: sade um estado de completo bem- estar
fsico, mental e social e no apenas a ausncia de doena
15. ou enfermidade (Lewis, 1986, p.1100). Esta definio,
noentanto, uma forma implcita de indicar a impossibilidadede se
alcanar tal meta, uma vez que esbarra com umadificuldade de se
atingir um completo bem-estar. ParaStreeten (1986), num sentido
mais amplo, bem-estar indicaconforto e de modo mais restrito
refere-se ao conforto emelhoria da coletividade alm das rendas
auferidas, j que afetado por aes governamentais, das empresas
privadas ouinstituies assistenciais. Segundo o mesmo autor,
nessesentido que o termo foi cunhado em expresso como estadodo
bem-estar social (welfare state). Alm disso, embora o conceito da
OMS traga a marcado social, parece fazer, apenas, para incorporar
uma dasdimenses da vida humana, sem, no entanto, ressaltar
seucarter dinmico e relevncia para compreender o fenmenode modo
mais contundente. De fato, a complexidade que abarca tal questo
obrigaa repensar tanto o conceito de sade, como as intervenesque se
do no seu respectivo campo. Um movimento deruptura apareceu na
concepo de sade apresentada no 19relatrio final da VIII Conferncia
Nacional de Sade: sade o resultante das condies de alimentao,
habitao, renda,meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer,
liberdade,acesso e posse da terra e acesso aos servios de sade. ,
assim,antes de tudo, o resultado das formas de organizao social
daproduo, as quais podem gerar grandes desigualdades nos nveisde
vida (Minayo, 1992, p.10). Ora, parece suficientemente claro que a
sade estrelacionada histria do indivduo e deste com a sociedade,ela
, assim, uma experimentao do indivduo. Embora no tenha escrito
sistematicamente arespeito da sade, o filsofo alemo Friedrich
Nietzsche aoponderar sobre a sade trouxe tona questes morais,
comfreqncia, associadas ao tema. possvel afirmar que adoena para os
homens um valor moral, uma normaconstruda a partir do ideal de
verdade final e definitiva,deduzida das causas e efeitos. De fato,
o artifcio que a religioutilizou para tomar a alma humana foi o
sentimento de culpa.O pecado a m conscincia (Palma, 2001).
Interessante notar que, sob o ponto de vistaetimolgico, o termo
valere, da qual a palavra valor
16. derivada, significa passar bem (Canguilhem, 1995). Sant, em
francs e sanidade, em espanhol, bem como o adjetivo, em portugus,
so, provm do latim sanus, que denota puro, imaculado, correto,
verdadeiro. O termo so, ainda aparece como sinnimo de santo. No de
se espantar, ento, que o doente seja culpado por sua doena, que s
gordo quem quer, ou cardaco, diabtico, etc. Encontrar a sade ,
antes, ento, reduzir esta tenso do sentir, esse fardo opressor da
cultura (Nietzsche, 2000). O segundo motivo para provocar o debate
sobre o conceito de sade refere-se importncia de minimizar a
simplificao que abrange o entendimento do senso comum sobre esse
fenmeno. possvel entend-lo de modo reducionista, to somente, luz
dos pressupostos biolgicos e das associaes estatsticas presentes
nos estudos epidemiolgicos. Os problemas que da decorrem so: a) o
foco centra-se na doena; b) a culpabilizao do indivduo frente a sua
prpria doena; c) a crena na possibilidade de resoluo do problema
encerrando-se uma suposta causa, a qual recai no processo de
medicalizao; d) a naturalizao20 da doena; e) e o ceticismo em relao
a contribuio de diferentes saberes para auxiliar na compreenso dos
fenmenos relacionados sade. No caso do exerccio fsico e suas relaes
com o objeto central de nossas ponderaes isto flagrante. O indivduo
sempre visto como aquele que no se dispe a movimentar-se, a acabar
com a preguia. H, ainda, a f de que a atividade fsica pode acabar
com o efeito danoso das doenas, muitas vezes representado
ideologicamente pelas desordens cardiovasculares. No raro se
escuta, por exemplo, algum comentando sobre um paciente cardaco:
como pode! Ele no fumava, fazia exerccios, era calmo.... Ainda em
relao aos exerccios h, tambm, amide, a desconsiderao dos contextos
scio-econmicos e culturais, entre outros, por parte de quem insiste
em tentar entender o fenmeno sade de modo to simples. evidente que
estes modos de olhar no podem ser desprezados. No entanto, sade
muito mais do que a ausncia de doenas. Na verdade, a doena faz
parte da vida e no se ope sade. Como ensina Canguilhem (1995), a
sade se caracteriza pela possibilidade de adoecer e se
17. recuperar. Alm disso, a sade seria, em ltima anlise,
aexpresso das formas de organizao social da produo. Nesse contexto,
a prtica da atividade fsica, longede uma obrigao que o isente da
culpa, deveria ser encaradacomo uma possibilidade prazerosa, de
livre escolha. Aeducao fsica, desse modo, deveria atentar para tais
aspectose despertar os cidados, desde a mais jovem idade, sobre
aspossibilidades do movimento humano. Entendemos que importante
considerar posiesalternativas aos trabalhos biomdicos hegemnicos
nosestudos sobre a sade no campo da educao fsica. Semdesprezar os
saberes provenientes do conhecimento biolgicoe sem tentar
compreender os fenmenos de modofragmentado, saudvel buscar
interagir com outros campos,tais como: a sade coletiva, a
sociologia, a filosofia, aantropologia, etc. para avanar na
perspectiva desejada. Por outro lado, as prticas de promoo da
sadetendem a desconsiderar a distncia entre o conceito de
doena(isto , a construo mental) e a experincia corporalmentevivida.
Alm disso, o conceito no pode substituir 21adequadamente algo mais
complexo e, mesmo, a palavra,embora seja uma forma elaborada para
expressar e comunicar, insuficiente para abarcar a realidade em sua
totalidade(Czeresnia, 1999).2. SOBRE A PROMOO DE SADEa) Breve
histrico Segundo George Rosen, em Uma Histria da SadePblica (1994),
ao longo da histria humana, os principaisproblemas de sade
enfrentados sempre estiveramrelacionados vida comunitria. Vrias
evidncias, deatividades ligadas sade coletiva, foram encontradas
nas maisantigas civilizaes. Banheiros, esgotos e abastecimento
degua so freqentemente encontrados nas construesescavadas, mesmo em
civilizaes bastante antigas. Alm disso, por muito tempo, as crenas
e prticasreligiosas avizinharam limpeza e religiosidade. Dessa
forma,as comunidades procuravam se manter limpas paraassegurarem a
pureza frente aos olhos dos deuses, mas no
18. por razes higinicas. Como a doena tem sempre afligido o
homem desde muito tempo, uma vez que a enfermidade inerente vida,
em todos os lugares e em diferentes pocas as distintas civilizaes
procuraram se esforar para enfrentar essa realidade da melhor forma
possvel. Nesse sentido, as prticas de promoo de sade, tambm se
verificaram desde muito cedo na histria da humanidade. Ainda
conforme Rosen (1994), os primeiros relatos mais evidentes acerca
das doenas contagiosas esto presentes na literatura da Grcia
clssica. Na poca, as doenas eram atribudas a processos naturais,
onde o desequilbrio entre o homem e o ambiente afetava a sade. No
livro hipocrtico Ares, guas e Lugares, evidenciava-se a importncia
da harmonia entre homem e ambiente. Aceitava-se, por exemplo, que
as plancies encharcadas e as regies pantanosas eram nocivas e
acreditava-se que seria melhor erguer casas em reas elevadas,
aquecidas pelo sol, para que entrassem em contato com os ventos. As
obras hipocrticas, contudo,22 prestavam especial ateno s doenas
endmicas3. Interessante ressaltar, entretanto, que a medicina grega
buscou algo alm da cura dos doentes. To importante quanto a cura, a
preservao da sade recebeu um tratamento especial e as questes
ligadas higiene mereceram destaque. Assim, para os mdicos da poca,
o modo ideal de vida era posto a partir do equilbrio entre a
nutrio, o exerccio moderado e o descanso. A origem etimolgica da
palavra higiene atesta tal afirmao. Panacea, por exemplo, era a
deusa da curao, enquanto Hygea era a deusa da sade. A primeira
considerada a deusa da medicina e dos procedimentos teraputicos,
enquanto a ltima, era a deusa da arte de estar saudvel, entendida
tambm como a moderao no viver ou a ordem natural das coisas
(Almeida-Filho, 1999 e Restrepo, 2001a)4. Apesar de conquistar o
mundo mediterrneo, Roma assumiu o legado da cultura grega e aceitou
suas idias sanitrias e de medicina. Coube, contudo, aos romanos 3
Endmicas referem-se s doenas que tm presena contnua, enquanto
epidmica referem-se quelas que tm sua presena aumentada em demasia.
4 Restrepo (2001a) destaca que, nos dias atuais, h uma supremacia
do curativo e do desenvolvimento da biotecnologia, os quais geram
marcantes desigualdades em sade.
19. introduzir o mais bem organizado sistema de aquedutos e
desuprimento de gua (Rosen, 1994 e Restrepo, 2001a).
SegundoRestrepo (2001a), Galeno, o mais famoso mdico romano,foi o
primeiro a declarar a existncia de pr-requisitos sade: liberdade de
paixo e independncia econmica,sendo, inclusive, mais importantes
que uma boa constituiofsica, uma vez que no seria possvel alcanar
uma vidasaudvel sem uma completa independncia. Durante a Idade
Mdia, com o cristianismo em posiode grande supremacia, os problemas
de sade eram enfrentadosem termos mgicos e religiosos. Alm disso, a
exaltao doesprito, como principal elemento da sade, condicionou
umareao aos cuidados do corpo. Desse modo, os exerccios edietas
deixaram de ter importncia e as aes religiosas tomaramfora. Os
maiores problemas de sade pblica, entretanto, foramresultado do
crescimento das cidades, as quais eram incapazesde acomodar a
populao crescente. Assim, desta poca: osurgimento da concepo da
quarentena para aqueles indivduosque transitaram em locais
suspeitos ou desconhecidos; a exclusodos doentes graves, sem cura
(por exemplo, leprosos) da cidade; 23e, a idia da necessidade de
assistncia social, com a criao dehospitais, instituies beneficentes
etc.) (Restrepo, 2001a eRosen, 1994). Entre os sculos XVI e XVIII
iniciou-se o perodomoderno, no qual a Sade Pblica se desenvolveu
como seconhece atualmente. em tal fase, que se extingue a
civilizaomedieval e ocorre uma transformao num mundo moderno. um
perodo marcado pelo conhecimento em bases cientficas,onde a
filosofia se desenvolveu dentro de um carter empirista.Nessa
perspectiva, os problemas de sade comearam a sertratados com
conhecimentos mais cientficos e sofreram registrosestatsticos
(Almeida-Filho, 1999). So da mesma pocaestudiosos como Andr Veslio
e William Harvey,respectivamente, considerados os pais da anatomia
e fisiologia. Numa era subseqente, que abrange parte dos
sculosXVIII e XIX e, inclui os movimentos denominados Iluminismo55
O Iluminismo, ou Sculo das Luzes, foi um movimento cultural amplo
caracterstico da segundametade do sculo XVIII. Abrangendo a
filosofia, as artes, as cincias, a teoria poltica e a doutrina
jurdica,refletiu um determinado contexto poltico-social. A noo de
Iluminismo, como o prprio termo indica, uma aluso metfora da luz e
da claridade, em oposio ao obscurantismo, ignorncia,
superstio,enfim, s coisas que no esto claras. O propsito central
das idias iluministas era, deste modo, removeros obstculos ao
desenvolvimento dos homens atravs da cincia, do conhecimento e da
educao. neste sentido que surgiu o projeto enciclopedista de
sintetizar, numa nica obra, todo saber da humanidadee coloc-lo a
servio de todos (Marcondes, 2000).
20. e Revoluo Industrial, o conhecimento cientfico era a base
fundamental das aes em sade pblica. Chamou ateno, nesse momento, o
considervel aumento das populaes urbanas e o crescimento paralelo
das condies de vida e trabalho insalubres6. Segundo Rosen (1994),
nesse momento histrico que Rudolf Virchow elaborou uma teoria
segundo a qual a doena epidmica seria uma manifestao de
desajustamento social e cultural e John Snow realizou seu famoso
trabalho Sobre a maneira de transmisso do clera, o qual mostrou a
correspondncia entre o nmero de mortes em cada rea e o grau de
poluio da parte do rio Tmisa. Alm dos referidos autores, no se pode
esquecer da primorosa reflexo de Friedrich Engels, em A situao da
classe trabalhadora na Inglaterra, que mesmo no sendo da rea de
sade, elaborou um estudo a respeito das condies de vida impostas
aos trabalhadores, a partir da Revoluo Industrial. A pertinncia de
suas anlises e, obviamente no foi a nica dentro deste vis, permitiu
estudar com outros olhos a questo da sade. Dessas perspectivas, foi
possvel empreender uma apreciao crtica, cujo foco no se concentra24
no sujeito, no biolgico, ou nas causas e efeitos, mas, antes, na
vulnerabilidade do coletivo e do indivduo, nas contradies da
sociedade, nas mltiplas relaes que interagem com a sade (Restrepo,
2001a e Almeida-Filho, 1999). Restrepo (2001a) ressalta que esse o
perodo do nascimento da medicina social e dedica especial ateno a
Virchow, considerado pela autora como o maior representante da
poca. Dentre os escritos de Virchow, Restrepo (2001a) destaca o
capacidade de abranger as mais finas descobertas clnicas e
patolgicas, em conjunto com as anlises antropolgicas, sociolgicas e
epidemiolgicas. De um modo geral, Virchow recomendava que as
populaes tivessem a mais completa e ilimitada democracia, ou, em
outras palavras, educao, liberdade e prosperidade. O autor, desta
forma, se atreveu a declarar que as causas da enfermidade e 6 Nesta
poca o lazer ocorria normalmente nos bares, atravs da bebida
alcolica. As vises contidas nas interpretaes sobre os problemas de
sade eram, em sua maioria, reducionistas, que destacavam o carter
de culpabilidade do prprio doente e que perduram at os dias de
hoje. Restrepo (2001a) cita uma passagem escrita pelo mdico alemo
Bernhard Christoph Faust, em 1794, na obra Promover a sade e o
bem-estar geral de seu povo : Por qu meios particulares pode um
corpo forte e saudvel ser afetado ou deteriorado? Por um m educao;
por uma corrupta forma de vida; por intemperana no comer e beber;
por alimentos nocivos, e licores espirituosos; por respirar ar
danoso; por molstias ocasionadas por um excessivo exerccio ou por
inatividade (...).
21. epidemias se encontravam nas condies de vida da
populaopobre. Por conseguinte, ele prprio liderou um movimentode
reforma da medicina, cujo fracasso, hoje, atribudo,segundo alguns
autores, projeo do movimento dos mdicospara o povo, porm sem a
prpria populao participarativamente como protagonista das aes. Num
momento mais prximo, considerado como aEra Bacteriolgica, que se
estende aproximadamente de1875 a 1950, a grande descoberta em sade
foi a revelaodo elemento especfico causador das doenas. A
descobertade uma teoria microbiana da doena contou com a
valiosaparticipao de pesquisadores como Louis Pasteur e RobertKoch,
levou a criao de vacinas e proporcionou a erradicaovirtual ou o
controle de doenas comunicveis. Por outrolado, houve uma alterao
brusca na estrutura populacional,com o aumento da expectativa de
vida e envelhecimento dapopulao. De acordo com Restrepo (2001a), a
histria maisrecente que antecedeu a renovao de princpios e
aconstruo terico-prtica da Promoo de Sade7, se iniciou 25com Henry
Sigerist, j no sculo XX. Esse estudioso, que foio primeiro a
utilizar o termo promoo da sade, concebiaquatro funes medicina: a)
a promoo da sade; b) apreveno da enfermidade; c) a restaurao do
enfermo; d) areabilitao. O programa de sade, proposto por
Sigerist,consistia em incentivar a educao para toda a
populao,incluindo a: a educao em sade; as melhorias nas condiesde
vida e trabalho da populao; as melhorias nos meios derecreao e
descanso; um sistema de sade acessvel a todos;e, a criao de centros
mdicos de investigao e capacitao. Na verdade, fundamental salientar
que odesenvolvimento da Promoo da Sade se inicia com umamudana do
conceito de sade, ocorrida nos ltimos quarentaanos, a partir de uma
crise no paradigma biomdico. Assim,ao tratar de Promoo de Sade no
se ressalta somente acobertura e acesso aos servios de sade, mas,
antes, asinterrelaes com a eqidade social.7 Para Sigerist apud
Restrepo (2001a), a expresso promoo da sade referia-se, por um
lado, s aesbaseadas na educao sanitria e, por outro, s aes do
Estado para melhorar as condies de vida dapopulao.
22. Pode-se destacar a Conferncia Internacional de Promoo da
Sade de Otawa, no Canad, em 1986, como um marco de referncia Promoo
da Sade. Organizada pela OMS, Associao Canadense de Sade Pblica e
Ministrio de Sade Pblica e Bem-Estar do Canad, reuniu inmero
delegados dos mais diferentes pases e aprovou a Carta de Otawa,
considerado um dos documentos mais importantes no campo da promoo
da sade, uma vez que sedimentou suas bases doutrinrias e abriu
caminho para passar do discurso para a ao (Restrepo, 2001b). Dentre
os principais elementos do movimento pela promoo da sade
apontou-se: a) a integrao da sade como parte de polticas pblicas;
b) participao comunitria na gesto do sistema de sade; c) reorientao
dos sistemas de sade; e, d) mudanas nos estilo de vida (Paim &
Almeida-Filho, 2000 e Restrepo, 2001b). Tal movimento tem suas
razes no Relatrio Lalonde, elaborado em 1974 pelo Ministro da Sade
do Canad, que trouxe consigo a idia de adicionar no s anos vida,
mas vida aos anos e estabeleceu um modelo composto por quatro26
pontos: a) a biologia humana; b) o sistema de organizao dos
servios; c) o ambiente, o qual envolve o social, o psicolgico e o
fsico; e, d) o estilo de vida, que comporta os riscos ocupacionais,
padres de consumo, atividades de lazer etc., bem como, a Conferncia
Internacional sobre a ateno primria de sade, realizada em Alma-Ata
(1977), que idealizou o objetivo da Sade para todos at o ano 2000
(Paim & Almeida-Filho, 2000 e Restrepo, 2001b). Outras
declaraes, documentos ou intervenes tiveram grande importncia para
o movimento da promoo da sade: em 1989, o Grupo de Trabalho da OMS,
que deu origem ao documento Um chamado para a Ao; a Conferncia e
Declarao de Santa F, em Bogot-Colmbia 1992, com a participao de
todos os pases da Amrica Latina, que reafirmou os princpios
contidos na Carta de Otawa e enfatizou a importncia da
Solidariedade e da Equidade; a Conferncia e Declarao de Jakarta,
1997, considerada como a segunda grande conferncia internacional
sobre promoo de sade; o North Karelia Project, posto em prtica em
1972 na Finlndia, para estudar e intervir nas doenas
cardiovasculares, cujo xito foi amplamente difundido.
23. Contudo, o movimento pela promoo da sade,fundamentado,
essencialmente, na referncia da Carta deOtawa, coincidiu
cronologicamente com o desmantelamentodas polticas de sade e
bem-estar, face ao recuo da social-democracia no continente europeu
e que acabou por restringiro potencial de expanso do movimento
mesmo nos pasesdesenvolvidos. Assim, lamentavelmente, a maior ateno
foi e dada s intervenes para mudanas de comportamentoindividual e
pouco estratgia poltica populacional, indicandoa opo de modificao
dos hbitos considerados de risco,tais como, fumar, sedentarismo,
dieta etc. Assim, passou aassumir, muitas vezes, um papel fascista
ao impor certosestilos de vida, alm, de se converter num
imperialismo dasade, uma vez que se apodera do que considerado
positivoda vida. Outro argumento de crtica refere-se comercializao
da sade, reconhecida em alguns trabalhosditos de promoo, que, em
ltima instncia, buscam vendersade e podem ser verificados nas
ofertas de academias deginstica, produtos alimentcios,
seguros-sade, etc. (Paim & 27Almeida-Filho, 2000 e Restrepo,
2001b).b) Conceitos e definies Muita confuso feita na utilizao dos
termospromoo da sade, educao em sade e prevenoda doena. De acordo
com Restrepo (2001b), a falta deentendimento ocorreu devido ao
surgimento de duascorrentes, cada qual privilegiando uma dimenso da
promooda sade. Uma delas, localizada principalmente nos
EstadosUnidos, privilegiou as mudanas de comportamento ou estilosde
vida, mediante intervenes mais individualizadas. Umasegunda,
defendia uma ao scio-poltica que envolvesse maisos atores sociais e
transcendesse o setor sade, a qual selocalizava mais na Europa e
Canad. A primeira compreenso fica bem clara com adefinio
estabelecida por Powell et alii (1991). Segundo osautores, promoo
da sade (PS) a combinao de assistnciaeducacional e ambiental, que
encorajam comportamentos ouaes, as quais conduzem sade. Ela executa
sua metaatravs da combinao de atividades planejadas para
formar
24. um comportamento normal de indivduos e populaes. Ainda para
tais autores, a PS passa pela escola que transmite as melhores
escolhas pessoais e responsabilidades e, um ambiente social
adequado. Contudo, Czeresnia (1999) lembra que a promoo da vida, em
toda sua multiplicidade de dimenses, envolve medidas amplas, alm da
ateno singularidade e autonomia dos sujeitos...E que estes sujeitos
no podem ser responsabilizados por seus problemas de sade. De fato,
a incapacidade de se compreender o sentido mais abrangente da PS e
a dificuldade de superar os obstculos scio-polticos, resulta na
relutncia de se desenvolver e aplicar a promoo da sade nos pases em
desenvolvimento. Czeresnia (1999) ressalta que, tradicionalmente, a
PS definida mais amplamente do que a preveno, uma vez que a
primeira diz respeito as medidas que no esto direcionadas a uma
dada doena ou desordem, mas, antes, que ajudam na melhoria geral da
sade e bem-estar. As estratgias da promoo, segundo a mesma autora,
enfatizam mudanas nas condies de vida e de trabalho da populao, que
por sua vez, formam a estrutura dos problemas de sade28 de uma
sociedade. Nessa dimenso, a idia de PS constitui um campo de
conhecimento e interveno que incorpora um grande leque de reas (j
citadas anteriormente) e a prpria comunidade interessada. Restrepo
(2001c) difere PS de preveno da doena, assinalando que para a
primeira, o foco direciona-se na considerao do saudvel e destina-se
mais populao, enquanto para a segunda, o escopo central est na
doena e nos riscos que levam doena e, se dirige principalmente ao
indivduo. Um resumo apresentado por Restrepo (2001c) destaca a
diferenciao entre essas duas expresses: a) os objetivos: a preveno
atua de modo primrio, secundrio ou tercirio, de forma a reduzir os
fatores de riscos e as enfermidades e, deste modo, proteger os
indivduos ou grupos. A promoo, de modo diferente, se destina a
atuar sobre os determinantes da sade e a criar alternativas
saudveis para a populao; b) a quem se dirige as aes: na preveno se
destina aos indivduos com a possibilidade de adoecer (primrio),
queles com elevado risco ou com a
25. manifestao subclnica da doena (secundrio) ou aos quebuscam
prevenir-se de complicaes e/ou da morte. Napromoo, as aes se
dirigem populao em geral e scondies relacionadas sade. Assim, a PS
dirigida tantos comunidades ou grupos de pessoas, quanto aos
processos,condies e sistemas que requerem ser modificados; e, c)
osmodelos com os quais se implantam: na preveno ocorremna nfase
dada aos fatores de risco, s prticas clnicaspreventivas e
reabilitao. Na PS, os modelos abrangem oscontedos scio-polticos,
ecolgicos e scio-culturais. Czeresnia (1999) utiliza a definio de
Leavell &Clarck e aponta que preveno em sade a chamada parauma
ao, baseada no conhecimento da histria natural dadoena, a fim de
evitar o progresso da mesma. As aes depreveno so definidas, ento,
como uma interveno diretacontra a emergncia de doenas especficas e,
assim, reduzirsua incidncia e prevalncia. O conceito de educao em
sade, por sua vez, mais limitado e concerne: s informaes sobre
sade; recepo e compreenso das mensagens dos programas; 29compreenso
da sade como um direito; valorizao deconhecimentos, prticas ou
comportamentos saudveis ouno; problematizao e facilitao de
discusses; aodesenvolvimento da autonomia de pensamento;
reelaboraodos conhecimentos de modo a conformar valores,
habilidadese prticas consideradas saudveis.
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28. 32
29. ANLISE SOBRE OS LIMITES DA INFERNCIA CAUSAL NO CONTEXTO
INVESTIGATIVO SOBRE EXERCCIO FSICO E SADE Alexandre Palma; Marcos
Bagrichevsky Adriana Estevo O Pintor Realista Natureza fiel e
completa! Como pode chegar a isso? Quando se conseguiu liquidar a
natureza numa imagem? Mais nfima parcela do mundo coisa infinita.
Dele s pinta o que lhe agrada. E o que lhe agrada? O que sabe
pintar! (Nietzsche, A Gaia Cincia)1. INTRODUO 33 Uma das questes
centrais da epidemiologia oestudo das causas dos agravos sade. Para
o conhecimentocientfico, a tarefa de identificar causalidades faz
parte daestrutura explicativa, que busca estabelecer as origens
dosfenmenos. Na medida em que a interveno sobre umacausa poderia
alterar o curso do efeito, desvendar essa mesmacausa passa a ser,
ento, um procedimento eficaz para sealcanar maior saber especfico
sobre uma dada situao desade. A histria da sade pblica est repleta
de exemplosque ressaltam a luta dos pesquisadores em descobrir as
causasverdadeiras e especficas das doenas De fato, num
momentohistrico, denominado por Rosen (1994) de EraBacteriolgica, a
causalidade ganhou maior legitimidade comas descobertas de agentes
especficos geradores dasenfermidades. Pesquisadores como Louis
Pasteur e RobertKoch foram capazes de identificar os organismos
microscpicosresponsveis por inmeras doenas infeciosas e, desse
modo,propor sua erradicao ou controle, atravs de
vacinas,medicamentos ou mesmo aes de pasteurizao,
anti-sepsia,etc.
30. Contudo, Czeresnia & Albuquerque (1995) ressaltam que o
tratamento conceitual e metodolgico da causalidade passou a operar
pela quantificao do risco, o que significa dizer que o fator
causador de certo fenmeno, em cada situao, sempre tem diferentes
contribuies probabilsticas na gerao do problema em foco. Alm disso,
Pereira (1995) tambm chama a ateno para as interpretaes errneas a
respeito da correlao de eventos e o estabelecimento das relaes
causais. Por outro lado, os estudos a respeito dos efeitos do
exerccio fsico regular sobre a sade, notadamente sobre a sade
cardiovascular, amparam-se nas relaes determinsticas de causa e
efeito (Paffenbarger, 1988; Paffenbarger, Hyde, Wing & Hsieh,
1986 e Paffenbarger & Lee, 2000) O propsito do presente
trabalho , ento, discutir a base de construo das inferncias causais
presentes nos estudos envolvendo exerccios fsicos e sade. Na
apresentao do assunto sero tecidas consideraes gerais sobre os
conceitos fundamentais para estabelecimento da causalidade.
Posteriormente, o debate estar centrado nos34 estudos sobre
exerccios fsicos e sade e seus possveis questionamentos,
considerando a anlise sobre as limitaes de aspectos metodolgicos.
Por fim, algumas concluses e sugestes sero traadas com o intuito de
fornecer uma caixa de ferramentas necessria ao pesquisador que
investiga tal temtica. 2. CONSIDERANDO ASPECTOS RELATIVOS
CAUSALIDADE O que significa causalidade? De um modo geral, pode- se
entend-la como o relacionamento de um evento, condio ou
caracterstica que produz uma funo essencial na ocorrncia de um novo
fenmeno. Para Luiz, Struchiner & Kale (2002), a causalidade um
conceito relativo e deve ser compreendido frente a outras
alternativas. A noo de que A causa B tambm estabelecida quanto a
uma outra possibilidade, normalmente, a condio no A. Um problema
surge dessa proposio. O estabelecimento da causalidade, na pesquisa
epidemiolgica, apresenta algumas caractersticas que concorrem
para
31. dificultar sua avaliao. A causalidade entre tabagismo
ecomplicao cardiovascular um bom exemplo, uma vez que,nem todos os
fumantes manifestaro tal patologia e, ao mesmotempo, esperado que
parte deles desenvolvam a doena.Nesse sentido, tem sido incorporado
a noo de risco1. Aidia que se, de fato, o ato de fumar tem algum
efeitosobre a sade cardiovascular, ento seria esperado
encontrarmaior risco de acontecimento da doena nos tabagistas
(Luiz,Struchiner & Kale, 2002). Considerando o exposto, o
estudo da causalidadeno se restringe a pesquisa dos fatores
associados ocorrnciadas enfermidades. Pereira (1995) menciona que a
causalidadepode ser analisada sob duas diferentes categorias,
emboraambas exijam o mesmo raciocnio cientfico e tcnicas
deinvestigao semelhantes: a) o estudo dos efeitos dedeterminados
fatores, que podem ou no serem rotuladoscomo fatores de risco; e,
b) a investigao do impacto dasintervenes que objetivam prevenir ou
alterar a evoluodo processo sade-doena. Nessa perspectiva, tanto os
fatoresde risco como as intervenes so tratados genericamente 35como
exposio.2.1. Classificao das causas As causas podem ser
classificadas em diferentes tipos,em conformidade com algumas
especificidades ou categorias.Um resumo dessas categorias
hierarquizadas por Pereira(1995) so apresentadas a seguir:A) Causas
humanas e ambientais Embora seja possvel estabelecer uma
separaoentre causas humanas e ambientais, os agravos sadeso,
freqentemente, estabelecidos a partir da interao entreambas.
Pereira (1995) exemplifica a presente situao com aetiologia da
hipertenso arterial, afirmando que a interaoentre predisposio
gentica e exposio ambiental faz parteda explicao da etiologia da
doena, principalmente, quandoesta etiologia pouco conhecida.1
Note-se que o risco uma medida de associao estatstica, incapaz de
inferir diretamente na causalidade(Czeresnia & Albuquerque,
1995, p. 416).
32. B) Causas predisponentes, desencadeadoras e agravantes
Considerando a contribuio de determinado fator no desenvolvimento
do agravo sade possvel categoriz lo. Desse modo, a causa
predisponente refere-se quelas que criam condies satisfatrias
ocorrncia dos agravos. As causas desencadeadoras so aquelas que, de
certo modo, so provocadoras dos problemas. As causas agravantes so
conceituadas como aquelas que funcionam intensificando o problema.
A idade, por exemplo, um fator predisponente para vrios agravos
sade. J a poluio ambiental pode desencadear diferentes episdios de
doenas, enquanto, o estresse poderia funcionar como agravante,
somente em certos casos. bom lembrar, no entanto, que essa
classificao no imutvel ou absoluta e depende da situao encontrada
(Pereira, 1995). C) Causa necessria e suficiente A causa necessria
quando, forosamente, sempre precede um efeito, isto , ela o fator
principal sem o qual no h a doena. Para as doenas infecciosas a
causa36 necessria a presena do agente biolgico, embora esse no seja
suficiente para o desenvolvimento da doena. A contribuio de outros
fatores explicam porque uma pessoa infectada pode desenvolver ou no
uma doena. No caso das doenas no-infecciosas isso no to simples,
uma vez que no existe uma causa essencialmente necessria. Sabe-se,
por exemplo, que h muito mais sedentrios do que casos de doenas
cardiovasculares. Como nem todo sedentrio desenvolve tal condio
patolgica, sensato concluir que existem outros fatores necessrios a
sua ocorrncia. Pereira (1995) explica que em relao a um grande
nmero de doenas crnico-degenerativas, at o momento atual do
conhecimento, os fatores j detectados no complexo causal no so
considerados nem necessrios, nem suficientes, mas antes tratados
como causas contribuintes ou fatores de risco. 2.2. Associao e
Causalidade As expresses associao e causalidade, embora paream ser
sinnimos, no possuem tal correspondncia. A associao refere-se relao
estatstica (ou correlao) entre
33. dois ou mais eventos, na qual pode ou no existir
relaocausal entre esses eventos. Pode-se, por exemplo,estabelecer
associaes estatsticas, mas no de causalidade,entre a quantidade de
cabelos brancos e a mortalidade pordoenas cardiovasculares. A
causalidade, ou relao de causa e efeito, noentanto, exige que a
presena de um evento contribua paraa manifestao de outro. Caso se
estude a relao entre ohbito de fumar e a presena da doena
cardiovascular, serverificado que a doena ser mais prevalente entre
os fumantese que, quanto mais se fuma, maiores so as chances
deadoecer. Estabelece-se, assim, uma associao no sestatstica, mas
de causalidade.2.3. Determinao da causalidade Para que haja
determinao da causalidade, onde umagravo sade afetado por
diferentes fatores, necessriotentar neutralizar os efeitos desses
outros fatores. Aprimeira etapa de tal processo refere-se s
determinaesestatsticas, as quais podem esclarecer as associaes
entre 37dois eventos. Contudo, possvel encontrar
associaesestatsticas devido ao fator acaso, no estabelecimento do
alfacomo critrio de resultado, ou ainda, em funo do vismetodolgico
(vis de seleo, aferio e confundimento),resultando na presena de
resultados falsos (erro tipo I eerro tipo II)2. Para tentar escapar
do acaso, uma segunda etapa,que se refere a existncia de algum vis
metodolgico, deve,obrigatoriamente, ser averiguada. Assim, Pereira
(1995)explica a necessidade de se atentar ao: a) vis de seleo,uma
vez que as freqncias dos eventos devem resultar deestudos
populacionais conduzidos, de forma que todos ossubgrupos existentes
na comunidade estejam devidamenterepresentados; b) vis de aferio,
na medida em que h,sistematicamente, erros de observao e medies na
reada sade. Freqentemente, as estatsticas de mortalidade
emorbidade, divulgadas pelos governos, contm valoresfalseados. Do
mesmo modo, alguns mtodos podem mostrar2 O erro tipo I ocorre caso
se rejeite uma hiptese nula quando a mesma verdadeira. O erro tipo
II dar-se- caso aceite-se uma hiptese nula quando a mesma falsa
(Thomas & Nelson, 2002).
34. se inadequados para realar determinados aspectos; e, c) vis
de confundimento ou confuso de variveis, o qual pode ocorrer quando
um resultado pode ser imputado a outro fator que foi desconsiderado
ao longo do estudo. necessrio, ento, que o pesquisador julgue quais
variveis poderiam confundir o resultado final da pesquisa e tente
anul-las. Caractersticas demogrficas diferentes, tais como sexo,
faixa etria, condio scio-econmica so alguns exemplos. Por fim, numa
ltima etapa, o pesquisador, a partir dos critrios de julgamento
desenvolvidos, estabelecer a evidncia da causalidade da associao.
Obviamente, neste percurso, a construo da causalidade deve conter
outros atributos. Luiz, Struchiner & Kale (2002) destacam os
postulados de Hill, que props vrios critrios a serem considerados
no estabelecimento da associao causal. So eles: a) fora da
associao, uma vez que uma alta correlao entre dois (ou mais)
fatores parece ter mais chance de ser causal que uma associao
fraca; b) consistncia, a qual se refere repetio dos achados em
diferentes populaes; c) especificidade, onde uma causa 38
denominada de especfica para um determinado efeito, quando a
introduo desta causa acompanhada da ocorrncia do efeito subseqente
e sua remoo implica a no-ocorrncia do fenmeno em questo; d)
temporalidade, aqui os autores ressaltam que como a causa deve
necessariamente preceder o efeito, os estudos seccionais e
retrospectivos carecem desta evidncia, o que dificulta uma atribuio
de causalidade; e) gradiente biolgico, o qual refere-se ao
comportamento relacionado curva dose-resposta, onde observa-se o
crescimento do efeito, medida em que aumenta o nvel de exposio3; f)
plausibilidade, j que a relao causa e efeito hipotetizada pode ser
aceita mediante ao conhecimento biolgico existente, muito embora, s
vezes, o prprio conhecimento biolgico descoberto mais tardiamente;
g) coerncia, o qual satisfeito quando no h conflito com o 3
Czeresnia & Albuquerque (1995) fazem uma crtica importante a
este critrio destacando que se s a biologia capaz de legitimar as
associaes estimadas, ento, a noo de risco no tem autonomia e no
significa um avano em relao a noo de causa. Segundo as autoras, o
raciocnio a partir dos fatores de risco ainda traz a fora do
pensamento causal. Alm disso, argumentam que estes fatores de risco
contribuem para responsabilizar os indivduos pelo surgimento de
suas doenas.
35. conhecimento da histria natural e biologia da doena;
h)evidncia experimental, que reconhece o poder daexperimentao na
averiguao da causalidade, emboraexistam restries ticas quando se
envolvem seres vivos; e,i) analogia, o qual ocorre quando um caso
similar j ocorreuanteriormente, ajudando, assim, a elucidar o
problema.2.4. O Mtodo Na investigao de um objeto, a aplicao
dediferentes mtodos gera informaes que podero serincorporadas ao
conhecimento j existente. Contudo, oconjunto de dados produzidos
dever ser interpretadoconsiderando-se o modo como foram produzidos,
isto , paraque se aceite as concluses de uma investigao cientfica
preciso examinar detalhadamente as questes metodolgicaspertinentes.
So as questes de validade interna e externa(Pereira, 1995).a)
validade interna Para Rouquayrol & Almeida Filho (1999, p.
555), a 39validade interna significa a ausncia de erros sistemticos
(vcios)ou aleatrios em um estudo. Quando a validade interna
existe,os resultados na populao em estudo representam a verdade
napopulao-alvo. Desse modo, preciso assegurar, dentro daprpria
pesquisa, a adequao de detalhes tcnicos, tais como,a capacidade de
comparao dos grupos estudados, a precisodas tcnicas adotadas,
relevncia dos indicadores empregadose controle de fatores
intervenientes (Pereira, 1995). Segundo Thomas & Nelson (2002),
os estudosexperimentais ou quase-experimentais podem ter sua
validadeinterna ameaada quando: algum evento no planejado ocorreao
longo do tratamento da pesquisa (histria); o processo
deenvelhecimento ou maturao concorre para dificultar asinterpretaes
dos resultados (maturao); a aplicao de umaprimeira testagem tem
influncia sobre uma testagemposterior (testagem); o instrumento no
dispe de precisopara medir o que se pretende ou no o
melhor(instrumentao); a composio dos grupos no
formadaaleatoriamente (tendncia na seleo); e, a perda dos
sujeitosdurante o transcorrer da pesquisa, compromete a formaodos
grupos (mortalidade). Para tentar controlar estas ameaas
36. os autores sugerem um procedimento adequado de aleatorizao;
a utilizao de placebo, experimento cego e duplo-cego; alm, bvio, da
tentativa de se minimizar as ameaas anteriormente citadas. b)
validade externa Segundo Rouquayrol & Almeida Filho (1999, p.
555), a validade externa expressa a capacidade de generalizao dos
resultados de um estudo. Nesse sentido, o controle da validade
externa busca assegurar a extrapolao dos resultados, sob dois
aspectos. O primeiro refere-se a extrapolao da amostra em relao
populao da qual tal amostragem proveniente. O xito para tal
extrapolao , normalmente, dependente do estabelecimento da
amostragem estatstica, bem como, representatividade face populao
estudada. O segundo aspecto tem relao com a extrapolao da populao
investigada para outras populaes. Neste caso, pretende-se que os
resultados encontrados em uma determinada populao j estudada possam
ser40 extrapolados para outra populao no submetida ao estudo e, por
isso, no dispe de informaes semelhantes (Pereira, 1995). Thomas
& Nelson (2002) destacam quatro ameaas validade externa:
efeitos reativos ou interativos da testagem, quando um pr-teste
torna os sujeitos mais conscientes ou sensveis ao tratamento;
interao de tendncia na seleo e tratamento experimental, quando o
tratamento funciona apenas no grupo selecionado com uma determinada
caracterstica; efeitos reativos de arranjos experimentais, onde os
tratamentos so efetivos em situaes restritas (laboratrios, por
exemplo) que diferem muito doa ambientes reais; e, interferncia de
tratamento mltiplo, que ocorre quando os sujeitos recebem vrios
tratamentos e seus efeitos podem se influenciar mutuamente. c)
hierarquia dos mtodos Para Pereira (1995) parece no haver muitas
dvidas quanto seqncia hierrquica dos mtodos. De um modo geral,
pode-se estabelecer a seguinte hierarquia:
37. C.1) Estudo experimental do tipo ensaio clnicorandomizado.
considerado o que apresenta melhoresresultados, uma vez que evita
as principais limitaesencontradas nos outros mtodos. Sua principal
propriedade formar grupos com caractersticas semelhantes antes
doincio da investigao, utilizar um grupo de controle e anularos
fatores de confundimento. Nesse mtodo parte-se da causaem direo ao
efeito, isto , o estudo funcionaria como umexperimento onde os
grupos estariam submetidos ao risco,porm um deles teria algum tipo
de proteo. Aps o temponecessrio do tratamento (normalmente meses),
os gruposseriam reavaliados para que se detecte algum agravo
sade.Por exemplo, na verificao do efeito protetor de uma vacinaa
amostra dividida em dois grupos (o de estudo e o decontrole). O
primeiro recebe a vacina, enquanto o segundorecebe um placebo. Como
os dois grupos esto expostosigualmente ao risco para uma
determinada doena, procura-se observar se houve diferenas
significativas no nmero decasos entre os dois grupos (Pereira,
1995). C.2) Estudo de Coorte. Muito semelhante ao ensaio 41clnico
randomizado, sua diferena consiste em haverdistribuio aleatria da
exposio. A formao dos gruposocorre a partir de observaes das
situaes reais ou poralocao arbitrria. Os estudos de coorte podem
ser do tipoprospectivo (estudos de coortes concorrentes), de
maiorfora, e do tipo retrospectivo (estudo de coorte histrico).O
primeiro tipo parte da observao de grupos seguramenteexpostos ao
risco de um determinado agravo sade, a qualbusca-se verificar no
futuro. No coorte histrico utiliza-segrupos j expostos ao fator de
risco em potencial que sedeseja estudar. Os registros sistemticos
ou os inquritos sobrea exposio e o efeito so as medidas,
freqentemente,utilizadas. O principal problema deste tipo de
estudo, segundoAlmeida Filho & Rouquayrol (1999), refere-se
prpriadinmica das populaes que, em muitos casos, impossibilitaa
observao dos coortes. H, ainda, uma limitao emcontrolar
efetivamente as variveis de confundimento. C.3) Estudo
caso-controle. Embora semelhante aocoorte retrospectivo, o estudo
de caso-controle parte dadoena para a causa, ou seja, dado os
efeitos (as doenas)busca-se encontrar suas possveis causas. Assim,
a seleo se
38. d a partir de dois grupos (de doentes e no doentes) e seu
propsito identificar caractersticas que se apresentam de forma
diferente nos dois grupos. C.4) Estudo transversal. Tambm
denominado de estudo seccional , por vezes, encontrado sob a forma
de cross-sectional e survey. Neste tipo de estudo, as causas e
efeitos so revelados de modo simultneo. C.5) Estudo de caso. Que
consiste num estudo aprofundado sobre uma situao nica, confinado ao
estudo de um indivduo ou grupo muito pequeno. 3. EXERCCIOS FSICOS E
SADE: OS LIMITES DA INFERNCIA CAUSAL A partir das consideraes
anteriores buscaremos evidenciar alguns limites da inferncia
causal, que se fazem presentes nos estudos envolvendo exerccio
fsico e sade. De fato, possvel encontrar um sem nmero de pesquisas
que expem uma associao de causalidade entre a prtica de exerccios
fsicos e a ocorrncia de doenas42 cardiovasculares, diabetes,
obesidade, osteoporose, etc. Contudo, a aceitao acrtica desses
achados acaba por no colaborar com o avano da cincia. Sem dvida,
parece existir uma lacuna, algo de incerto nos resultados dessas
abordagens investigativas, os quais necessitam ser aprofundados. Se
assim no fosse, no haveria razo em continuar investigando-os. Caso
levantssemos, na base de dados Medline, a quantidade de artigos que
tratam de atividade fsica e sade, certamente, seria encontrado um
aumento do nmero de estudos sobre essa temtica, a cada ano. Tal
situao no mnimo curiosa e nos provoca a formular a seguinte
indagao: se as relaes esto bem estabelecidas porque elas continuar
a ser estudadas, cada vez mais? Talvez, porque no estejam to bem
consolidadas, de fato. Um primeiro ponto a considerar levantado no
artigo Exerccio fsico e sade: da crtica prudente, de Carlos
Magallanes Mira, tambm presente nesta coletnea. A questo abordada
por tal autor pontual: o exerccio fsico que gera sade, ou a sade
que conduz ao exerccio? Essa simples argumentao , na verdade,
fundamental para que se possa continuar na tentativa de se
estabelecer a inferncia causal.
39. Se a associao estatstica est posta e se diferentes
variveispuderam ser controladas por poderosos mtodos deinvestigao,
parece claro que a correlao uma relaocausal, do tipo A causa B, j
que onde h A h tambmB. Porm, a questo desse articulista essencial,
porquecria uma tenso que no pode ser respondida, ao menos
pelosresultados estatsticos. Se onde h A h tambm B, porque no
pensar que B causa A? Isto , quem tem sade que procura realizar
exerccios fsicos. Essa uma primeiradvida que a epidemiologia ou a
estatstica no tem dadoconta. Os famosos estudos de Paffenbarger
(Paffenbarger,Hyde, Wing & Hsieh, 1986 e Paffenbarger &
Lee, 2000), porexemplo, no podem resolver tal problemtica. Contudo,
outra questo poderia ser elaborada a partirda primeira. Seria
possvel, atravs dos mtodos conhecidos,resolver a questo inicial? A
resposta sim! Como citadoanteriormente, o mtodo epidemiolgico que
apresenta osmelhores resultados o estudo experimental do tipo
ensaioclnico randomizado. Poder-se-ia, hipoteticamente, formar
43dois grupos de adolescentes, por exemplo, com
caractersticassemelhantes (gnero, condies scio-econmicas,
hbitosalimentares, outros hbitos dito saudveis, etc.). Um
dessesgrupos, no entanto, iria se diferenciar praticando
exercciosfsicos ao longo da vida, enquanto o outro
permaneceriasedentrio4. Aps vrias dcadas poder-se-ia verificar
commaior exatido a influncia que os exerccios fsicos provocamsobre
a sade. Contudo, uma pesquisa de tal perfil no poderiaser conduzida
por bvios motivos ticos. Um terceiro aspecto refere-se
subjetividadepresente em todo e qualquer estudo. Fortemente
criticadapelo pensamento racionalista, a subjetividade todavia
estestritamente presente nos trabalhos epidemiolgicos. Aescolha dos
modelos de anlise, o modo de seleo da amostra,os instrumentos e
procedimentos de medidas, a compreensodo processo biolgico, a
assuno das variveis importantes e4 Carlos Magallanes Mira, em seu
artigo, tambm discorre sobre uma pesquisa imaginria e cita,
obviamentesem ser possvel, o uso de um placebo da atividade
fsica.
40. possibilidades de controle, o recolhimento de alguns dados
em detrimento a outros, etc., recaem, necessariamente, sobre
decises do pesquisador que dependem de sua tcnica e experincia, mas
tambm, na sua f em acreditar que determinado modelo o mais
adequado. Czeresnia & Albuquerque (1995) destacam, ento, que
esse processo de escolha subjetivo e sujeito a erros. Alm disso, as
autoras esclarecem que a no explicitao da subjetividade torna-se
muito mais perigosa, j que ela acaba sendo considerada como neutra.
Na pesquisa em que encontram que o nvel de aptido fsica est
associado mortalidade em homens noruegueses, Sandvik, Erikssen,
Thaulow, Erikssen, Mundal & Rodahl (1993) comentam, ao final,
da precariedade de seleo dos vises ou da descrio inadequada dos
procedimentos de seleo presentes em importantes estudos. Outra
investigao, dirigida por Schriger (2001), debate a seleo dos mtodos
e suas concluses. Um outro ponto diz respeito transmisso das44
doenas crnico-degenerativas. Czeresnia & Albuquerque (1995)
questionam, por exemplo, se os problemas considerados no
transmissveis no so, ao contrrio, transmitidos atravs da relao
entre os seres humanos e desses com a natureza. Ao se pensar assim,
as dimenses scio-econmicas e culturais deveriam ser trabalhadas
dentro da interpretao dos resultados dos modelos epidemiolgicos.
Questionar sobre o porqu da distribuio desigual das doenas numa
sociedade e no sobre a etiologia dos casos altera, sensivelmente, o
curso das anlises. Calcado nessa perspectiva, interessante
verificar os estudos de Kaplan, Lazarus, Cohen & Leu (1991),
que demonstram como os nveis de atividade fsica so dependentes de
fatores psicossociais e demogrficos, ou de Stahl, Rtten, Nutbeam,
Bauman, Kannas, Abel, Lschen, Rodriguez, Vinck & van der Zee
(2001), os quais mostram que a variao entre os diferentes pases
estudados foram fortes preditores prtica de atividade fsica. A
fsica quntica trouxe tona as relaes de incerteza para expressar que
os conceitos utilizados pela mecnica newtoniana no adequavam
natureza de maneira exata. Se
41. na mecnica newtoniana possvel aferir a posio e avelocidade
do eltron, simultaneamente, na mecnicaquntica isto no possvel. De
fato, em nvel microscpico,qualquer tentativa de observao acaba por
interferir sobreo objeto estudado. Mesmo no mais preciso dos
aparelhos,quando o pesquisador o aproxima com suas lentes, alteraas
caractersticas da estrutura microscpica analisada(Heisenberg, 1999
e Prigogine & Stengers, 1997). Para opresente debate, esses
ensinamentos mostram que sempre possvel haver algum tipo de
interferncia quando os olharesdo pesquisador dirigem-se aos
sujeitos da pesquisa,principalmente, porque tratam de seres humanos
e no detomos. das cincias naturais, tambm, a noo
deirreversibilidade do tempo. De acordo com o status doconhecimento
cientfico alcanado at o presente momento,a flecha do tempo, de
fato, desloca-se numa nica direoe sentido. Na natureza esse
processo de irreversibilidade podeser identificado em diferentes
situaes. Czeresnia & 45Albuquerque (1995) destacam que em
condies delaboratrio, todavia, os fenmenos fsicos poderiam
serinmeras vezes repetidos a partir das mesmas condiesiniciais,
isto , seria possvel supor o tempo como reversvel.As autoras
lembram, ainda, que no caso dos fenmenosbiolgicos estudados atravs
dos modelos epidemiolgicos,as condies iniciais da experincia no se
repetem. O tempo irreversvel e unidirecional. Um stimo aspecto
refere-se falta de consensosobre o comportamento relacionado curva
dose-respostaencontrada nos estudos sobre exerccio fsico e sade.
Comoexplicado, anteriormente, Hill apud Luiz, Struchiner &
Kale(2002) postulou, entre outros critrios a serem considerados,que
a variao do efeito medida que varia a possvel causa um indicador
importante na construo da causalidade. Nareviso de estudos sobre
exerccio fsico e sade, porm,pode-se encontrar distintos resultados
em referncia doseresposta. Alguns trabalhos apontam para o exerccio
intensocomo o que produz melhores efeitos (Sesso, Paffenbarger
&
42. Lee, 2000), outros concluem que o exerccio moderado pode
ser o mais eficaz (Blair et al, 1993), ou ainda, que necessrio mais
ou menos tempo de exerccio. Num dos mais importantes estudos de
Paffenbarger (Paffenbarger, Hyde, Wing & Hsieh, 1986), pode-se
encontrar que o risco relativo de morte para todas as causas,
considerando a quantidade de quilocalorias gasta por semana, de
1,00 (3500 kcal/sem). Albert, Mittleman, Chae, Lee, Hennekens &
Manson (2000) evidenciaram em seu trabalho que os exerccios fsicos
vigorosos podem, por um lado, proteger os indivduos da doena
cardaca e, por outro, induzir morte sbita por infarto do miocrdio.
Assim, apontam para um paradoxo que o exerccio pode criar e que
torna seus efeitos complexos e at contraditrios. Parece, a partir
das ponderaes anteriores, que o postulado de Hill sobre a
dose-resposta no est bem estabelecido.46 Um ltimo ponto a ser
considerado em nosso ensaio trata dos interesses em jogo presentes
na construo, produo e concluses das pesquisas cientficas5.
Obviamente seria interessante um olhar neutro sobre o objeto a ser
analisado. Contudo, bem sabido que tanto no Brasil, quanto em quase
todos os pases do mundo, os pesquisadores esto inseridos numa
dinmica em que dependem de programas de bolsa de pesquisa;
trabalham para empresas, como pesquisadores e/ ou consultores; ou,
ainda, vislumbram alcanar benefcios econmicos ou corporativos, a
partir da produo intelectual de determinado conhecimento cientfico.
Desse modo, plausvel admitirmos a premissa de que os resultados de
algumas investigaes poderiam no corresponder a realidade. Vrios
estudos tm debatido, atualmente, o processo de medicalizao e de
interesses corporativos em jogo que, mesmo podendo ser capaz de
ajudar os pacientes em algumas situaes, criam, por outro lado novos
mercados, o que leva a refletir e discutir o papel das empresas
privadas no apoio 5 Questo semelhante foi abordada no artigo
Consideraes tericas acerca das questes relacionadas promoo da sade,
de Palma, Estevo e Bagrichevsky, presente neste livro.
43. pesquisa cientfica. Ressalta-se, no entanto, que o conflito
deinteresses pode ocorrer no s no domnio dos autores, mastambm com
os revisores de artigos cientficos, nas aesgovernamentais, ou
mesmo, na poltica de uma determinadaeditorao (Moynihan, 2003;
Moynihan, Heath & Henry, 2002;Coyle, 2002; Wilkes, 2000; e,
Palma & Mattos, 2001). Ento,seguindo luz dessa linha de
raciocnio, acreditamos que talvezseja preciso dar um freio na
aceitao imediata e acrticadas verdades e passar a refletir mais
demoradamente sobreelas, sem contudo, desconsiderar os resultados
anteriormentedescobertos.4. GUISA DE REFLEXES O presente trabalho
buscou debater a construo eas limitaes dos estudos sobre exerccio
fsico e sade. Longede se tentar realar um estilo de vida sedentrio,
ou mesmo,os benefcios que a prtica de exerccios fsicos pode
alcanar,tentou-se, aqui, trazer tona os limites da inferncia causal
47que giram em torno da grande maioria dos estudos dessetema.
possvel perceber como a epidemiologia, ao menosnesse caso, se
utiliza da razo do modo como esta foi, aolongo da histria do
conhecimento humano, tratada emconsonncia a certos princpios,
regras ou leis consideradasfundamentais na garantia da atividade
racional ou cientfica. O princpio do terceiro excludo, proposto
porAristteles, o qual adverte que algo deve ser,necessariamente, A
ou B e no h uma terceirapossibilidade (Chaui, 2001 e Omns, 1996),
rejeita qualqueroutra alternativa para o fenmeno observado, alm
dasescolhas possveis de ser ou no ser. Do mesmo modo, anavalha de
Ockham6 tenta supor para o